artigo identidade nacional

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    Embora o tema tenha s ido t ra tado em dcad as passada s por a lgun s dos

    ma is p restigiosos e conh ecidos an troplogos (ver Bateson 1942; Ben ed ict

    1946; Gore r 1953; Lowie 1954; Mea d 1942; 1962, entre outros), a pe squ i-

    sa e mp rica sobre na es e iden tida de s na cionais tem tido u ma vida dif-

    cil no inte rior da disciplina . Por alguma s boa s razes. A tran sposio ime -

    diata de conceitos elaborados no m bito de e stud os de pe qu ena s comu-

    nidad es tn icas oriun dos pa rticularmen te da Escola d e C ultura e Per-sonalida de resultou em um a srie de m onografias sobre culturas na-

    ciona is p articulares ou cara cteres na ciona is e spe cficos, cujas ge ne ra-

    lizaes e simp lificaes foram e m larga me dida repu diada s por inaceit-

    veis (Ne iburg e G oldm an 1998:68-ss.).

    Em vista disso, qu an do voltada pa ra as socied ad es complexas, a

    pe squ isa a ntropolgica limitou-se p rincipalmente ao e studo d e m inorias

    tnicas e /ou peq uen as comunidade s a lde s. At m esmo a ant ropologia

    urbana e a chamada anthrop ology at hom e (Cole 1977; Jack son 1987)

    permane ceram enfocando grupos pe que nos e supostamen te bem delimi-

    tad os do pon to de vista terri torial ou cultural . No q ue toca a gru pos d e

    ma ior escala e , outrossim, socied ad es n aciona is, formad as p or milhe s de

    mem bros e por uma grand e complexidad e e m ul tip l ic idad e d e cultu-

    ras, pa recia n o ha ver um a via de a cesso terico-metodolgica consis-

    tente com o pa radigma e tnogrfico fun da do por Malinowski , qu e b a-

    seia todo razoamen to antropolgico em p esqu isa de camp o e observao

    participante1.

    Existem, porm , incertezas em d ua s direes. De um lado, nae s

    pode m ser comu nidade s cujo grau d e coeso ent re os mem bros, a de s-

    pei to de seu tama nh o, comparvel ao de q ualquer grup o tnico de p e-

    quena escala, ou assim considerado. Esta caracterst ica singular a

    grand e cap acidad e d e m obilizar seus mem bros, a ponto mesmo de fazer

    DISCURSOS SIMB LICO S E

    SMBOLOS DISCURSIVO S:C O N SIDERA ES SOBRE A ETN O G RAFIA

    DA IDEN TIDADE N ACION AL*

    Jen s S ch n e i d e r

    MAN A 10(1):97-129, 2004

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    com qu e e les estejam ap tos a m orrer pe la n ao (Ande rson 1991:7, 144)

    foi o qu e, no incio dos a nos 80, motivou a lgu ns h istoriad ores a investi-

    ga r mais de pe rto os meios pe los qua is as na es logram torna r-se a prin-cipa l referncia pa ra a constituio d os sentimentos de pe rtena (cf. An-

    de rson 1991; Hobsb aw m 1990; Hob sbaw m e Ran ge r 1983; Ge llne r 1983;

    Schne ide r 2001a:19-32). Comu nidad es na ciona is so fortes refern cias

    pa ra a formao da iden tida de . N o sem razo, portanto, qu e Ben ed ict

    Ande rson insis te em compreen de r o per tencimen to nacional no como

    simp les ideologia, ma s como uma ca tegoria cultura l b sica , tal qu al o

    pa ren tesco e a re ligio (And erson 1991:5). Slido argu me nto, alis, pa ra

    incluir as n aes e as iden tida de s na cionais sob o olhar an tropolgico.Por out ro lad o, o tam an ho e a d en sida de p opulacional no de vem

    servir de argu me nto pa ra a an tropologia evi tar o tema . Em p rime iro lu-

    ga r, porqu e existem gru pos tnicos mu ito ma is num erosos que ce rtos Es-

    tados-nao. Segu nd o: na es e gru pos tnicos pode m t ransformar-se

    un s nos outros mu itas vezes, alis, de m an eira ba stante r pida , como

    ilustram d rama ticame nte os even tos ocorridos n o Leste Europe u de pois

    de 1989. Terceiro: gru pos tnicos tam b m so comun ida de s ima gina-

    da s no sen tido d e And erson (1991). Toman do a s rio as concluses d ean troplogos como Fred rik Barth (1969), Georg e Devere ux (1978) e Joh n

    Armstrong (1982), podem os dizer q ue a iden tida de tnica fun ciona ba si-

    camen te como um disposit ivo de rotulage m [labe lling de vice]. Assim,

    a formao do grup o e da ide ntida de so, amb os, processos que n o es-

    to nece ssariam en te vincu lad os a comp ortame ntos culturais esp ecfi-

    cos (Deve reu x 1978).

    Alm disso, se a cultura n o o e xerccio sui ge ne ris de um p oder de te rmi-

    nan te sobre as pe ssoas, ento ela precisa ser considerad a como o produto de

    outra coisa: se n o a replicao lgica d e ou tros processos sociais relaes

    de produ o, por exem plo , ento a re pl icao lgica da in tera o social

    ela m esma . [] Portanto, nossas construes etnog rficas e explicaes a n-

    tropolgicas no pode m derivar o comportam en to dos ind ivduos a pa rt ir da

    prem issa a xiomtica da cultura. precisame nte e ssa relao en tre o ind ivi-

    dua l e o co le t ivo que deve se r r econhec ida como prob lemt ica (Cohen

    1994:119).

    Desse modo, a a n lise d as iden tida de s e d e se us p rincpios b sicos

    de estruturao de ve voltar-se an tes para as condies e processos polti-

    cos e histricos da formao e m si, do q ue pa ra seu conte do cultural,

    qu alqu er q ue seja (cf. Barth 1969:15).

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    Da pe rspect iva de uma prt ica e tnogrfica qu e d edu z as ide nt ida-

    de s e fronteiras tn icas diretame nte d os comp ortam en tos culturais obser-

    vados, as naes s pode m m esmo a pa recer como alvo imp ossvel paraas pe squisas de camp o em a ntropologia. Primeiro, porqu e q ua nd o se en-

    tend e, por exem plo, os brasileiros ou os alem es , primordialme nte ,

    como culturas na cionais, se e st produ zind o um dilem a em prico insol-

    vel, pe la prpria ma gn itude d os grupos em qu esto. Qu alquer observa-

    o sobre a cultura de u m de sses grupos ser considerad a, ine vitavel-

    me nte e corretame nte , uma hipersimp lificao e/ ou g en eralizao.

    Segu nd o, porqu e m esmo se fosse possvel enviar milha res de an troplo-

    gos a campo, e se p ud ssemos coletar uma q uan tidad e ma cia de d adossobre a vida cot idiana de um a g am a m ultivariad a d e p essoas, t irar con-

    cluses a resp ei to de um a cultura nacional, provavelmen te, torna r-se-ia

    ainda ma is complicado. Qu an to mais pe rto, mais difcil de en xerga r.

    De fato, no h n enh uma razo para q ue devesse existir uma cultu -

    ra nacional. Como j foi obse rvad o de an tem o pe lo filsofo fran cs Er-

    ne st Ren an , em 1882, ne m a s condies territoriais e ge ogrficas, nem os

    asp ectos cultura is (lng ua ou religio, por exe mp lo) prova ram -se histri-

    ca e em piricame nte ne cessrios ou suficien tes nos p rocessos de constru-o na ciona l (Ren an 1992). Toda via cab e a dve rtir , ne ga r qu e su as

    proprieda de s sejam cond ies ne cessrias ou suficien tes n o sign ifica d i-

    zer qu e cu ltura, histria e territrio sejam e lem en tos ou fatores ne glige n-

    civeis na a n lise de certas naes. Ao contrrio, eles desem pe nh am um

    pa pel crucial no processo contnu o de au to-imag ina o da s comunida-

    de s nacionais ma s eles prprios, tamb m , enqu an to construes.

    Para uma ant ropologia da const ruo

    da ident idade nacional

    Ora, dirigir o foco de n ossa aten o pa ra os processos de construo da s

    diferenas e nvolve considerar q ue naes e grupos tnicos obedecem ba-

    sicame nte a os mesm os processos de forma o. Isto nos faz ver a n a o

    como u m sub tipo histrica e politicam en te e spe cfico de forma -

    o tnica . Nesse sen t ido, a ant ropologia p ode d esemp en har um pa pel

    proem ine nte n os estud os interd isciplina res da iden tida de , sobretudo e m

    vista d e seu rico acervo de pesq uisas sobre um a vasta g ama de processos

    de forma o grupa l.

    A an lise d as iden tida de s na cionais obriga -nos a procurar e isto

    , de fato, muito inte ressan te o locus social e cultural onde a forma o

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    identitria realm en te ocorre no a pen as en qua nto representao sim-

    blica, mas tamb m en qu anto dispositivo extrema men te p oderoso para a

    reproduo contnu a e cotidiana, entre os membros de u ma d ada nao,dos princpios bsicos qu e a fun da m e e struturam . Com o j foi di to h

    pou co, a iden tida de pod erosa o suficien te pa ra mob ilizar rapidam en te

    milhes de pe ssoas pa ra morrer pela na o. Ou, pelo menos, pa ra sen-

    tar em frente te leviso e torcer pe la se leo de futeb ol du rante um a

    compe tio intern aciona l.

    Uma vez qu e a nao a r t icula sen t imen tos de comunho [com -

    monness] en tre seus me mb ros (me smo que esta ltima n o possa ser ob-

    servada em piricame nte), tal articulao d eve estar intima me nte associa-da mediao ou transmisso das narrativas-mestras da nao a os seus

    mem bros. Minha hiptese qu e u ma p arte importante de ssa transmisso

    est na prpria e strutura comu m a essas na rrat ivas, isto , em seu s ele-

    me ntos inte rind ividu ais, ou segu ind o Michel Foucau lt discursivos ,

    qu e rea lizam a tarefa, tanto no qu e d iz respei to aos sentimen tos de pe r-

    tencimen to, quan to s narrativas e m odos de e xpresso2. Por outras p ala-

    vras, o discurso nacional no ap en as um a expresso de d eterminad os

    sentimen tos na cionais, ma s tam b m um me canismo qu e cria a na o en-quan to uma comunidade 3.

    De fato, como se sab e, a relao en tre na o e lng ua m uito estrei-

    ta. O idioma a principa l ferrame nta de un ificao cu ltural (cf. Ande rson

    1991:70-ss.), e o perten cime nto de um ind ivdu o a u ma comun ida de , na

    maior ia das vezes, di to ou declarado em pr imeiro lugar (Deve-

    reux 1978:148). A lng ua um eq uipam en to comun icacional que precisa

    ser apren dido; , portan to, um a de qu ad o marcador de distintivida de p a-

    ra me mb ros de diferen tes culturas e n aes. O u so do idioma em de ter-

    minada socied ad e , em g eral, estvel o suficien te pa ra ga rantir a comu-

    nicao en tre vrias g erae s, ma s tam b m flexvel o suficien te p ara

    incorporar rapidam en te mu da nas h istricas e/ ou sociais.

    Alm disso, a l ing ua ge m m an tm u ma relao nt ima com a cogni-

    o. some nte p or meio da rep resen tao ling stica qu e o reconhe ci-

    me nto social e cultural d a rea lida de se torna possvel. Isto v lido in-

    clusive n o que concerne aos estmu los visuais que , por vezes, qua nd o no

    pode m ser n omead os, pa ssam de spercebidos men te. Por outro lad o, tu-

    do aq ui lo que n omead o pode ser considerad o real , mesmo se a sua

    real idad e rep ousa un icamen te sobre o fa to de ter s ido nome ad o, ad-

    qu irind o a ssim significad o cultura l (Taylor 1987:53). Isto se a plica ain da

    mais propriame nte qu elas caractersticas ab stratas q ue n o oferecem

    mu itos ap elos sen soriais como o caso da ide ntida de na cional.

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    Discurso como campo etnogrf ico

    A que sto saber , ento, se possvel imag inar u ma abordag em etno-grfica objetiva d o discurso nacional enq ua nto cam po d e p roduo cul-

    tural (Bourdieu 1993), preservan do, ao me smo temp o, algu ma s da s vir-

    tude s em pricas d a a ntropologia, tais como: observa o e p articipa o,

    emp atia d o pesqu isador acompanh ad a simultan eam ente d e reflexivida -

    de crtica, en tre outras4.

    Discursos, da me sma forma q ue smb olos, ad qu irem pod er, eficcia

    e fun o por me io do contexto social em qu e se situam . De fato, a prpria

    de finio de discurso como um sistema forma tivo inte r ou sup ra-indivi-du al, voltado p ara as n arrativas e pa ra a construo de sign ificado, imp li-

    ca sua imerso [embeddness] em u m contexto mais abrang en te. O ter-

    mo q ue vem se nd o ut ilizado, tanto em ling st ica q ua nto em an tropolo-

    gia, para d escrever a relao en tre discurso e contexto intertextuali-

    dade. Ele se refere s conexes d iscursivas en tre todos os tipos d e tex-

    to e o con texto ma is am plo. Assim:

    [] a an lise inter textual dem onstra de q ue m an eira os textos lanam m o,selet ivame nte, de orde ns de discurso configu raes e spe cficas den tro do

    conjunto da s prticas conven ciona da s (g ne ros, discursos, na rrat ivas, etc. )

    que esto disposio de p rodutores e in trpretes de u m texto em uma de-

    termina da s itua o social []. Mas a a n l ise in ter textu al , conceb ida p or

    Bak ht in de forma d inmica e dial t ica , tamb m mostra como os textos po-

    de m tran sforma r esses m esm os ma teriais sociais e h istricos; como os textos

    pode m da r novas in ten sida des a d eterminad os gn eros; e como os gne ros

    (discursos, na rrativas, registros) pod em misturar-se u ns a os outros em ce rtos

    textos. Nos te rmos d e Kristeva [1986:39], trata-se da inser o da histria (so-

    cied ad e) em um texto, e d esse texto na histria (Faircloug h 1992:194-195).

    Ne sse sen t ido, por tan to, os textos n o so a na lisados como ex-

    presses cu lturais sing ulares, mas como referncias para determinad as

    cond ies sociais, culturais e d iscursivas ma is abra ng en tes, em cujo m -

    bito esse s textos so p rodu zidos (cf. Tyler 1991:86). Ce rtam en te, isto

    vlido tamb m , qui m ais ainda , no caso de en un ciad os orais e conver-

    saes, tomados en qu an to pr ticas d iscursivas (e diferen ciais) cotidiana s.

    Pode-se argu me ntar qu e tud o isso semp re foi assun to da a ntropolo-

    gia; o n ico problem a qu e rep resentaes discursivas no so (e n o

    precisam se r) ne cessariam en te coeren tes com outras p rticas sociais. Dis-

    corren do sobre a s relaes sociais, os falante s tend em a rep roduzir a a r-

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    ro, rea lizado d e 2001 a 2003, incorporou diferen as reg iona is e d eu ma is

    nfase q uesto da diversidad e tnica.

    Realizar uma pe squisa antropolgica no camp o da produo cultu-ral (Bourd ieu 1993) de discursos sobre g erman idad e, brasilidad e e per-

    tencimen to nacional imp lica, antes de tudo, assidu ida de nos dois am bien-

    tes e tnog rficos (pa ssei vinte me ses e m Berlim e dois an os no Brasil). Im-

    plica tamb m pa rt icipa r de (ou assist ir a) um a g rand e variedad e d e si-

    tua es d iscursivas: conversa s, discursos, discusses p b licas, progra -

    ma s de TV, jorna is e revistas, rep rese nta es cotidian as e miditicas d e

    de terminad os even tos etc. Alm disso, toda conve rsa qu e tive com am i-

    gos, coleg as ou conhe cidos a respe ito do meu tem a d e p esqu isa se cons-tituiu, de fato, em valiosa fonte de da dos.

    Ou tras vezes, procurei compleme ntar a obse rvao e an lise da s si-

    tuaes-pad ro d e p roduo discursiva p or meio da ob servao pa rtici-

    pa nte e ntre grup os sociais qu e m e era m me nos acessveis cotidianam en -

    te. Em Berlim, por exemp lo, passei dua s seman as na redao d e u m d os

    ma iores jornais da impre nsa ma rrom d a cidad e. Passei outras cinco se-

    ma na s na se de local do comit p arlame ntar d o Partido d o Socialismo De-

    mocr tico (PDS) an tig o Partido Socialista Un itrio (SED) , qu e g o-verna va a Alem an ha Oriental. J n o Brasil, man tive contatos pe ridicos

    com rep resen tante s de diversos projetos culturais e sociais e com p essoas

    da s ma is difere nte s orige ns e profisses. Alm disso, fiz viag en s a vrias

    cida de s do p as (sobretudo n as reg ies Norte, Nordeste, Sul e Sude ste),

    ond e p ud e en trevistar jornal istas e polt icos, complem en tan do assim a

    rotina diria d e trab alho no Rio de Ja ne iro cida de ond e vivi com mi-

    nha faml ia. Nos dois pases f iz um acompanhamento sistemtico dos

    me ios de comu nicao de ma ssa, que resultou em farto acervo, constitu-

    do d e a rtigos de impren sa e diversos outros docume ntos. Todas essas ex-

    per inc ias de campo a cabaram compond o uma imag em mul tiface tada

    da s represen taes d iscursivas p blicas e cotidianas, seja da ge rman i-

    da de (e da iden t ida de a lem ) , se ja da brasi lida de (e da iden t ida de

    bra sileira) incluind o a as estratg ias d e ide ntifica o tanto n o plan o

    individual quanto coletivo.

    Com b ase n essas experincias pu de reunir um corpo de textos prin-

    cipa l, na forma d e en trevistas com produtores de discursos p b licos, a

    saber, jornalistas, polticos, ge nte d a m dia, alm de repre sen tante s de mo-

    vime ntos sociais e a rtistas. Tal categ oria de pe ssoas se ca racteriza, no g e-

    ral, por um a e lab orada com pe tncia discursiva . Por esse m otivo, mais do

    que outros grupos, essas pessoas parecem capa zes de rep roduzir um pan o-

    rama ba stante d iferen ciad o da s construes d iscursivas e ide ntitrias5.

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    As en trevistas foram an alisad as leva nd o-se em esp ecial considera-

    o os seg uintes tpicos: definies d e ide ntida de ou p ertencime nto; de-

    finies dos atribu tos tpicos d e a lem es e bra sileiros; ge rao/ ida de ;reconstrues histricas e pe riodizao de eve ntos; construes de dife-

    renas e mecan ismos de al terizao [othering]. Para as an lises, u tili-

    zei basicamen te a tcnica de interpretao textual e intertex tual pro-

    ced ime nto algo seme lha nte an lise literria ou de textos: as en trevistas

    era m situa da s em contextos diversos (discursivo, poltico, social, circun s-

    tancial e b iogrfico). O objetivo principa l a era d esvelar as orden s de

    discurso (Faircloug h 1992) sub jacen tes. Por outras p alavras, relaciona r

    as n arrativas e estratg ias d iscursivas individuais com as refern cias in-tertextuais compartilhadas pelos indivduos.

    Em sum a, cada e ntrevista precisou ser situad a : a) no corpus total

    de en trevistas; b) na arm ad ura discursiva e sociopolt ica m ais ge ral ; c)

    no contexto espa cial e tem poral em qu e foi real izada . A interp retao

    bu scou revelar as referncias e estruturas comuns sub jacentes suma-

    rizan do-se, en to, as ten d ncias ma joritrias e minoritrias, e ressaltan -

    do a s principa is l inh as d ivisrias n o interior de cada grup o en trevistado.

    Fina lme nte , tais ten d ncias e linh as d ivisrias foram trad uzida s em po-sies prototpicas e i lust rada s por c itaes qu e e xpressam de man eira

    pa rticularme nte clara as caractersticas dominan tes pe rcebida s no g rupo

    em qu esto.

    Exemplos: Deutsch seine brasil idade6

    Brasil e Alem an ha rep resen tam d ois casos-mode lo contrastan tes no qu e

    diz respei to s suas re spect ivas orige ns, ao tran scurso de su as h istrias

    na ciona is, a se us mitos fun da dores e a seu s ide ais constituciona is b si-

    cos sobre cida da nia e na cionalida de . N o obstan te, so casos raram en te

    comparados7.

    O Brasil considera -se, assim como a lgun s outros pases (Estados Uni-

    dos e Austrlia, por exem plo), um a socied ad e d e imigra ntes . Em con-

    sonncia, as leis qu e reg ulam a cidada nia no pa s franq ue iam acesso au-

    tomtico n acionalida de bra sileira no caso de na scime nto em territrio

    bra sileiro. O p rincpio de jus soli* n o foi somen te a forma m ais lgica de

    integ rao n aciona l em um pa s qu e vivia (e promovia) a imigrao m a-

    cia, como aca bou por tornar-se p arte d a retrica n aciona lista bra sileira.

    Recorde-se, por e xemp lo, um famoso slogan do Estado N ovo: Qu em nas-

    ce n o Brasil b rasileiro ou traidor .

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    Em comparao, as leis de cidad ania na Alema nha do nfase as-

    cendncia . Inde pen den te do local de nascimen to, filhos de alemes tm

    na cionalida de a lem ga rantida (jus sang uinis**). Por outro lado, o na sci-me nto, em te rritrio germ n ico, de um ind ivdu o cujos pais n o tenh am

    na ciona lida de alem , n o faculta o acesso cida da nia alem . Foi somen -

    te de q ua tro anos para c qu e o primeiro elemen to de jus soli foi in trodu -

    zido, pa ssand o-se a conside rar automaticam en te cida d o alem o qu al-

    quer descend ente da segu nda g erao de imigrantes (ou se ja, indivduos

    qu e tenh am p elo men os um dos pais na scidos na Alema nha ), bem como

    os indivduos qu e che garam ao pa s com m enos de 14 anos8.

    Nascimento e descendncia

    Conforme d emon strou John Borneman (1992) em trab alho que com-

    pa rava p olticas fam iliares na Alema nh a Orien tal e O cide nta l do ps-1945,

    textos jurdicos e pr ticas bu rocrtico-administrativas pod em e xerce r pro-

    fun da influn cia na s na rrat ivas de construo de ide ntida des pe ssoais e

    histrias d e vida. De igua l mod o, as d ifere na s na s leg islae s bra sileirae a lem re fletem -se nos resp ectivos processos de au todefinio e d e for-

    mao d o sent ido de pe r ten cimen to que ocorrem no d ia-a-dia dos dois

    pa ses (ver, tamb m , Bruba ke r 1994). Os meu s gru pos de en trevista,

    aqu i e l , reproduziram p redominan temen te um discurso coerente com

    os critrios oficiais de de finio da na ciona lida de . De a cordo com a s pro-

    posies tericas apre sen tada s pouco acima , pode -se dizer qu e a cons-

    t ruo da ide nt ida de se comp e de t rs e lemen tos: um a de clarao de

    pe rtencime nto; um a rgu me nto que justifica e ssa autode clara o; e um a

    estratg ia discursiva. Tais eleme ntos so nitida me nte discern veis (e fa-

    cilme nte evocados) na s en t revistas qu e real izei. Comeo com algun s

    exe mp los do Brasil.

    1. Voc se conside ra b rasileira?

    Sim .

    Por qu e?

    Cons i de r aes sobr e a e t nogr a f ia da i den t i dade na c i ona l 105

    * Jus soli: direito do solo. Princpio segund o o qua l a pe ssoa tem a n acionalidade d o pas onde nas-ceu [N. do T.].** Jus sang uinis : direi to do sang ue. Princpio segun do o qua l a pe ssoa h erda a nacionalidade d eseus pa is ou ascen den tes [N. do T.].

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    Cons i de r aes sobr e a e t nog r a f ia da i den t idade nac i ona l106

    (Pau sa) Porqu e e u n asci aq ui e me iden tifico com os brasileiros (Ma ria).

    2. Voc b rasileira?

    Sou.Por qu e?

    Eu n asci no Brasil. Porqu e e u n asci aq ui no Brasil (Jlia).

    3. Voc b rasileiro?

    Sou b rasileiro.

    Por qu e?

    (Risos) Bom, eu na sci no Brasil, obviame nte , um pa s bom d e se viver ,

    ape sar de todas as contradies que a g ente apresen ta (Rena to).

    4. Voc brasileiro? Mine iro, ua i. (risos)

    Por qu e brasileiro?

    Por que eu sou b rasileiro? Por qu e e u sou bra sileiro (risos) Bom, na tu-

    ralmente , em p rime iro lug ar porque eu n asci aq ui, n o ? Ma s, ma is do qu e

    isso, porqu e e u g osto da n ossa terra (Albe rto).

    5. Voc b rasileiro?

    Sou.

    Por qu e? Por qu e e u sou bra sileiro? (risos) Eu n asci aq ui, s por isso. Mas e u p ode -

    r ia ser a mer ican o, eu poder ia ser a lem o, eu pode r ia se r afr icano, eu p ode-

    ria ser indiano, eu p oderia ser au stralian o, no teria o m en or problem a (Joo).

    Ne nh um dos en trevistados que st ionou o local de na scime nto como

    critrio p rincipal de au todefinio de b rasileiro. Este foi tamb m o ni-

    co critrio au to-suficien te (cf. trechos 2 e 5). No Brasil, mu ito rgida a

    id ia d e d efinir o pertencimento p elo local de na scime nto no que toca

    tanto ide ntida de reg ional qua nto local. Pessoas qu e na sceram em d e-

    termina do luga r, ma s foram criad as em outro desde a infn cia, normal-

    me nte indicam o p r ime iro como sua ide nt ida de regional . Vejamos um

    exem plo prototpico. Ce rta vez pe rgun tei a um senh or, vend ed or de q ue i-

    jos em C opacaba na, se e le e ra car ioca, ao q ue e le respondeu neg at i-

    vamen te , afirmand o-se perna mbu cano. Somen te d epois de inqu ir ido

    novam en te por mim, ele reve lou e star vivend o no Rio de Ja ne iro h cin-

    q en ta an os, tend o aqu i cheg ad o aos 19. Um outro exem plo vem d o obi-

    tu rio do violinista Isaac Stern , pu blicad o no Jornal do Brasil em sua e di-

    o de 24/9/2001. O ar t igo d ava pa r t icular nfase ao fa to de Stern ter

    n ascido n a Ucrnia , mas [ter s ido] levad o ainda be b pa ra os Estad os

    Unidos como se fosse n ecessrio ou d ese jve l relativizar a ide ntidad e

    ame ricana do m sico. Todavia, no q ue concerne a os aspectos estratgi-

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    Cons i de r aes sobr e a e t nogr a f ia da i den t i dade na c i ona l 107

    cos, a m aioria dos e ntrevistados a cima citados p rocurou reforar su a ide n-

    tida de bra sileira e e nfatizar os pon tospositivos de ser b rasileiro, ad icio-

    na nd o outros elem en tos me nos pa ssivos q ue o nascime nto, a sab er:razes reg iona is, forte iden tifica o com o pa s e se u p ovo etc.

    J na s entrevistas alem s, a coisa se pa ssa de m odo bem diferen te.

    Reflet indo tam b m os conceitos sobre cida da nia contidos na leg islao

    da Alema nh a, as e ntrevistas m ostram m uitas referncias ascend ncia e

    aos vnculos com p are ntes (pa is e avs) ge rmn icos. Ao contrrio do Bra-

    sil, porm , as leis de reg ulamen tao da cidad ania a lem foram exten sa-

    men te de ba t ida s nas lt ima s dua s dcad as ou ma is . O p r incpio de jus

    sanguinis falha diante da s dema nd as da rea lidad e em prica marcadape la imigrao e pe lo increm en to da d iversida de tnica na socied ad e ale-

    m contemp ornea . Ao me smo temp o, ele uma reminiscncia do pa s-

    sado na ciona l-socialista e de sua ide ologia de san gu e e solo. Por isso, a

    construo de uma ge rmanidade basea da na ascend ncia pode ser alta-

    me nte p roblem tica, sobretu do pa ra os memb ros da s elites discursivas.

    De sorte q ue as referncias diretas so e xceo. Porm, como n o h a l-

    terna tivas d iscursivas p lena me nte consolida da s, m uito difcil evitar re-

    fern cias indiretas ou involuntrias, me smo qu an do a inteno do d iscur-so exatam en te o contrrio. Tomem os o segu inte e xemp lo.

    6. Voc se considera alem ?

    Sou alem , sou

    Por qu e?

    cidad a lem ; i sto , do pon to de vis ta leg al . Espir itua lmen te me vejo

    mu ito mais como eu ropia.

    M as voc se d efiniria como alem apen as do ponto de vista leg al?

    Eu nun ca pe nsei mui to sobre esse a ssunto porque nun ca sent i a necessi -

    da de d e me ide ntificar , enqu an to pessoa, atravs da na o. E o que signi-

    fica se r a lem o? Bom, segu rame nte eu tenh o algun s t raos caracter s t icos,

    qu alificad os, em ge ral , como t ipicame nte a lem es. Isso bvio: sou alem ,

    me us pais eram alem es, meus bisavs eram a leme s S me us ta taravs

    n o eram a leme s, tinh am algum a coisa a ver com a Frana (risos) (Ga briele).

    cur ioso notar que as referncias culturais de ssa en t revistada

    uma dep utada social-dem ocrata passaram de repente a fazer pa rte d e

    sua herana biolgica, muito em bora e la e st ivesse ten tand o relat ivizar

    sua ide nt ida de a lem . A propsito, todos os ent revistados procuraram

    evitar o u so da de scend n cia como critrio vlido, ma s n o raro ele rea -

    pa recia pe la p orta dos fun dos. Outro exemp lo:

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    Cons i de r aes sobr e a e t nog r a f ia da i den t idade nac i ona l108

    7. Voc se considera alem ?

    Claro.

    Por qu e? Tenh o passap orte a lem o; na sci pe rto de Colnia, que f ica na Alem anh a;

    minha m e ve m de uma fam lia cen tenr ia da r eg io do Reno . E me u pa i,

    da Prssia d o Leste . Mas com e sse lado eu n o ten ho mu i to contato No

    sei No m e e voca n enh um sentimen to (Sabine).

    A men o s orige ns centen r ias da me na regio do Ren o, onde

    na sceu tam b m nossa en trevistada (jornalista de esq ue rda ), pod e ser vis-

    ta como um a referncia cultural importante pa ra fund ame ntar seu sen ti-men to de ge rmanidade da mesma forma como vimos apa recer nas res-

    postas d os entre vistad os brasileiros. No en tan to, esse e feito inten ciona l

    , de a lgu ma man eira, enfraqu ecido pe la origem paterna em um territ-

    r io que fez par te da Alema nh a somente a t o final da Segu nd a Gran de

    Gu erra, e qu e, portanto, no teve influn cia direta n a socializao cultu-

    ra l local da en t revistada. Dentro da arma du ra d iscursiva d ominante ,

    claro qu e su a ascend n cia prussian a p elo lad o pa terno refora a au to-

    de finio d e a lem . Mas ela ao me smo tempo p roblem tica, como pa-rece ind icar o final evasivo da fala.

    Todavia, note-se que o primeiro argumen to de Sabine foi o fato de p os-

    suirpassaporte alem o. Alis, esse foi rea lmente o arg umen to mais freqe n-

    te en tre os meus entrevistados. E isso estratg ico, pois, um a vez que o pas-

    saporte tran smite uma idia meramente a dministrativa do pertencimento

    nacional, o argumento serve como u m instrumen to a ma is pa ra relativizar a

    imp ortn cia da ide ntida de n acional. Novam en te, h a um a am bivaln cia,

    visto qu e o funda men to leg al mais comum para possuir um pa ssaporte a le-

    m o , justamen te, o fato de ter na scido d e p ais aleme s. As profun da s ra-

    zes da n oo de descend ncia n o discurso dominan te sobre a germa nidade

    so ilustrad as p elo fato de qu e a ma ioria d os entrevistad os confirmou se u

    p ertencime nto alemo, qua nd o lhe s pergu ntei, a ttulo de h iptese, qual

    seria sua identidad e caso fossem filhos dos me smos pa is, ma s tivessem na s-

    cido em outro pas. Tais concep es se expressaram tambm no fato de q ue

    qu ase todos os en trevistados u tilizaram ascen dn cia e orige m como cri-

    trio principa l de distino en tre n ativos e Auslnder(estrang eiros), in-

    clusive no ca so de filhos e ne tos de imigran tes nascidos na Alemanh a.

    Em resum o, pa ssaporte e na scime nto foram os principa is argum en -

    tos utilizados p elos alem e s pa ra d efinir a p rpria iden tida de . No en tan-

    to, difere nte me nte d o qu e se v n as en trevistas brasileiras, os entrevista-

    dos alem e s quase nu nca de monstraram construir uma relao positiva

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    Cons i de r aes sobr e a e t nogr a f ia da i den t i dade na c i ona l 109

    com a na o. Ao contrrio, a estratg ia m ais freq en te foi introdu zir um a

    id ia d e ine vitabilida de . Vejam os algu ns exe mp los.

    8. Eu sou alem o por um lado, porque na sci aq ui; por outro, porqu e cres-

    ci, fui edu cado e social izad o aqu i. Acho qu e isso, antes d e tud o, o que faz

    algu m ser alem o. No foi um a coisa qu e e u pu de sse de cidir (Stefan ).

    9 . Eu na sci aq ui . At onde eu e m eu s familiares sabem os, pe lo lado mate r -

    no, vivemos na Alem an ha desd e o sculo XVI. No sei d izer por que razo

    eu n o me sen tir ia alem o (Wolfgan g).

    10. Bem , no se p ode d ecidir nessa ma tria voc , ou n o , certo? Qu er

    dizer, p elo nascimento simplesmen te (Monika).

    Percebe -se qu e a noo de de scend ncia , apesar de problem t ica ,

    sustenta a idia de um a ine vitabilida de d o pertencimen to n acionali-

    da de alem . E isto , de fato, sua principa l fun o e inten o. Uma d as

    construes ma is fortes ne ssa linh a a pa rece no seg uinte trecho:

    11. Voc a lemo?

    Sim, isso ine vitvel . Me u p assap orte e minha carteira de ide ntidad e jdizem Eu n asci aqui, o que eu posso fazer? como se voc me perg untas-

    se: voc b ran co?. Sim, eu ten ho a p ele clara , sou b ran co, n o posso sair

    de den tro da minha prpria pele (Dieter).

    Enqu an to a m aioria dos bra sileiros procurou a dicionar u m elemen to

    ativo (por e xem plo, me iden tifico [1], gosto [4]), os entre vistad os ale-

    me s tende ram a enfatizar mais a passividade em sua construo da g er-

    ma nida de . Na ltima citao (11), por exe mp lo, o en trevistad o qu e

    jornalista e conse rvador che ga me smo a a firma r, discursivam en te, seu

    pe r tencimento na cional em termos de seus p r-req uisitos biolgicos, e

    reintrodu z a noo d e a scend n cia. Ind o alm, o trecho indica, emb ora

    indi re tamen te , que a qu es to da iden t idad e a lem t amb m a presenta

    compon en tes racializad os, j q ue , na interao cotidiana , a cor da p ele

    fun ciona como um indicador visvel de orige m ou d escen d ncia estran -

    ge ira am bos os aspectos eq uivalem a um a no-germanidade .

    Tipicidades brasileira(s) e alem(s)

    As diferen as qu e de stacamos n a construo da s ide ntida de s ind ivi-

    du ais brasi leira e alem tam b m se expressam n o modo de ima ginar as

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    respe ctivas comun ida de s na ciona is como um todo. prime ira vista, pa-

    radoxa lme nte, a rigidez do critrio b rasileiro de na scime nto pa rece con-

    trad izer a boa integ rao dos imigrantes recm-cheg ad os. Mas e mbora asocied ad e b rasileira seja, de fato, toleran te e a be rta prese na d e es-

    trange iros, preciso notar qu e a p rime ira ge rao de imigran tes nun ca

    pe rde u m certo est igm a d e estrang eiro, a d espe ito de terem vivido s

    vezes qu ase a vida inteira no p as ou at se n atural izado b rasileiros. No

    en tanto, a situao mu da radicalmente com a segunda ge rao, i.e., para

    os filhos de imigran tes. Estes, em ge ral, n o encon tram ne nh um obstcu-

    lo ao p len o reconh ecimen to como b rasileiros. Um a spe cto cen tral aqu i

    o acesso ilimitad o cida da nia. Outro aspe cto imp ortan te a au to-ima -gem do pa s, que se v como uma socieda de heterogne a e tolerante com

    a d ifere na . isto qu e p erm ite conciliar a m an ute n o de ce rtos a tribu -

    tos tnicos (como a religio e a lng ua dos p ais) com a ad oo inq ue stio-

    n vel da ide ntidad e bra sileira.

    Em relao qu esto da diversidade tida como ca racte rstica d a

    ide nt ida de e d a socied ad e b rasile i ras , convm observar qu e p arece

    ha ver dois mode los anta gn icos: o modelo carioca e o m odelo paulista. O

    primeiro, pred ominan te no N ordeste e no Rio de Ja ne iro, vale-se do d is-curso da miscigenao, construind o o bra sileiro tpico como u m indiv-

    du o racialm en te m isturado, cuja heran a gen tica apresen ta idea lmen -

    te traos da s trs raas fund adoras: portugu eses, african os e ind ge na s.

    Exemp lo tpico desse d iscurso se e ncontra n a citao a segu ir:

    12 . Voc pode achar qu e eu descen do dessa ou da que la e tn ia , que i sso

    pode influir na m inh a idia d e b rasilidade . Mas, no. Ao contrrio, eu ten ho

    razes be m p rofun da s no Brasil. Eu sou ca rioca, do Rio de Ja ne iro, ond e isso

    [etn ia] rea lmen te j est pe rdido h m uito ma is tem po. A colonizao do Sul

    do Brasil veio bem mais recente, no ? Em 1840 ainda tinha gen te cheg and o.

    Voc sabe algo sobre a origem da sua fam lia?

    descende nte de neg ros de e scravos. Tamb m somos descende ntes de

    por tugu eses, mas da pr imeira leva de p or tug ue ses, a inda no pe r odo colo-

    nial . Isso da faml ia imp er ial Algu ns, de a nte s a t . Dessa poca , n o ?

    Tm h olan de ses, [] dos holand ese s de 1630!

    Do Nordeste?

    Do Nordeste . Par te da m inha famlia veio do Nordeste . Meu pa i era p a-

    raba, ainda , sabe?

    E a me, carioca m esm o?

    Minh a m e era d o inter ior do Rio de Ja ne iro. De u ma fam lia q ue veio do

    Sul, [de scen de nte ] de ndios do Sul, ndios charrua [] aq ui do Rio Gra nd e,

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    sabe ? Descen de nte de ndios charrua com estan cieiros, do t ipo h eris do fe-

    deralismo. Bento Gonalves meu antep assado.

    Vocs so descen de ntes e m linh a direta de Bento G onalve s? (risos) em linh a d ireta, sim. Eu n o sou Gonalves, mas os Gonalves so um a

    coisa d a faml ia a inda , enf im Ou se ja: um a sa lada . (r isos) uma salad a

    bem legal na minha famlia.

    A cha qu e, ne sse sen tido, voc um a tpica brasileira?

    Exato. Este o bra si leiro mais t pico, en ten de u? Aque le qu e e st no Rio

    (Helena).

    O trecho assinalo de p assagem qu e a entrevistad a uma jornalis-ta de e sque rda, do Sul do pa s de fato excepciona l pe la combina o

    de qu ase todos os elem en tos contidos no mod elo carioca d e b rasilida -

    de . Temos um a referncia explcita ao Rio de J an eiro; h a q ue sto das

    trs raas; ap arecem me nes s du as regies de e special sign ificado n a

    rep rese nta o do Brasil como pa s da diversidad e (Norde ste e Su l); e, fi-

    na lme nte, tem os aluses a eleme ntos do ima ginrio histrico na cional (os

    primeiros portugu ese s, a fam lia imp erial e Ben to Gona lves he ri do

    fed eralismo). Alis, ap esar de ter, em da do mome nto, utilizado o termosalada , o qu e a entrevistad a q uis realmente indicar q ue os diferentes

    ingred ien tes q ue formam sua histria familiar n o so ma is discern-

    veis , t ransformaram-se em um a mistura na cional , encarnada em sua

    prpria pessoa 9.

    Alm disso, na primeira p arte da fala de H elena , nota-se um argu -

    me nto exp licitam en te contrrio ao outro mod elo p au lista , qu e v

    o Brasi l como um a socied ad e p luritnica ou m ult icul tural formad a p or

    imigran tes. No mod elo pau lista, pred ominan te em So Paulo e no Sul, o

    ind ivdu o t pico q ua nd o perten ce a um (ou ma is) dos g rup os tni-

    cos qu e comp em o un iverso cultural da imigrao b rasileira, ou se ja,

    portug ue ses, jap one ses, alem e s, ital ian os e outros, qu e permanecem

    discernveis en qu an to tais (tipo salad b owl). So Pau lo surg e, en to, co-

    mo um a cida de mais tipicamen te brasi leira q ue o Rio de J an eiro em ra-

    zo da presen a for te e vis vel das cul turas imigrantes . esse m odelo

    qu e se p ercebe , por exem plo, na segu inte e ntrevista, real izada com um

    jorna lista televisivo de So Pa ulo.

    13. Eu acho qu e sou u m tpico brasileiro. Voc sab e, o Brasil tem um a mis-

    tura mu ito grand e. difcil voc ver u m b rasileiro que n o ten ha pa i estran -

    ge iro ou m e estra ng eira, mu ito difcil . [] Eu ten ho a vs ital ianos, ten ho

    ingls na m inha famlia e sou fi lho de japon s. Ento, car reg a-se u m pou-

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    qu inho dessas culturas diferen tes, pr incipalmente na p oca da infn cia. Pa-

    ra voc ter um a id ia: em casa , me us pa is so bu distas. Ento, difcil voc,

    em So Paulo pr incipalmen te , se sent ir exclusivame nte d entro de uma cul-tura brasi le i ra Acaba sendo a ssim: pequ enos p ases d entro de So Paulo.

    Mas isso, eu a cho, que a nossa cultura difcil voc acha r algum qu e

    no t raga u m pouco da Europa, da sia , a lguma coisa de sse t ipo para d en-

    tro de casa . No consigo ver, assim, fam lias brasileiras qu atrocen tonas, n o

    consigo ver isso ainda no Brasil.

    Qual o lug ar mais b rasileiro do Brasil?

    O lugar m ais brasi leiro? Ah, eu ficaria aq ui com So Pau lo mesmo, sabe ?

    (r isos), que o luga r que acei tou todo mu ndo, onde h os imigrantes , ondeh Eu acho qu e d eu um pouco cer to essa mistura . Eu sou resultado de ssa

    mis tu ra . Eu acho q ue o Bras il i sso mesmo. Um pouco da ide n t idade do

    mun do inteiro. Ento, eu acho qu e So Pau lo est represen tando b em o Bra-

    sil (Pedro)10.

    Apesa r de me nciona r a mistura, e de ser ele mesmo racialme nte

    misturado, no a m iscige nao o q ue marca e de fine a brasilidad e t-

    pica no d iscurso de Ped ro, ma s sim o pe rtencime nto aos distintos g ru -pos de imigran tes. A id ia q ue subjaz ao mode lo pau lista a preservao

    da s di feren as, ao passo qu e o mode lo car ioca postula a convergnciadas d iferenas originais na direo de um am lgama comum de iden ti-

    da de b rasileira.

    No entanto, a oposio ent re esses dois modelos desaparece

    qu an do se trata d os ing redien tes culturais da bra silida de . Como em q ua l-

    qu er construo d e iden tida de coletiva, imag ina r a comunidade na cio-

    na l brasi leira req ue r que se tenh a u ma coerncia cul tural mnima e ntre

    os brasileiros. Ora, isso claram en te p ercep tvel, outra ve z, no caso d os

    imigra nte s, e, sobretud o, me lhor dizen do, no qu e d iz resp eito aos crit-

    rios implcitos e e xplcitos (e s e xpe ctativas) dos b rasileiros sobre o qu e

    de fine a integ rao ou assimilao dos imigran tes. Dois exe mp los:

    14. O q ue faz de um imigran te, um b rasileiro? Prime iro, eu ach o que e s-

    colher u m time de fute bol, [o time ] pe lo qu al se va i torcer (risos) Isso u ma

    coisa q ue vale un iversalmen te , voc se a da pta s prt icas locais . Ento, as

    prticas locais so os valores, que r dizer, os valores culturais que voc Quer

    dizer , cheg a u m imigrante , por exem plo, na pe r ifer ia de So Paulo: e le vai

    comea r a freq e nta r os bares a l i, vai tomar cerveja com os am igos, vai as-

    s is t ir a dete rminados p rogramas d e te leviso, vai comen tar os assun tos co-

    mun s (Henrique ).

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    tan to, e a o contrrio do caso b rasileiro, pa rece ser m ais difcil lida r com a

    tenso e ntre um mode lo vigoroso, por um lado, e uma n tida discrepn -

    cia e tnogrfica n o plano d os comp ortam en tos e preferncias culturais daspe ssoas, por outro. o que de monstra o trecho a seg uir:

    17. Tipicame nte alem o eu n o se i o que isto sign ifica. O qu e tipica-

    me nte a lem o? Em gera l, qua ndo se fa la de algum a coisa t ip icamen te a le-

    m , isso tem u ma conotao n eg ativa. bvio, en to, qu e eu n o aceite ne-

    nh um a cone xo com a minha prpria pessoa. (risos)

    M as pode have r algu ns termos conside rados neg ativos e q ue , no obstante,

    algum Pontual pontu alida de .

    Sim , isto, por exe m plo.

    Eu sou ba stante pon tual . Mas a contece, infelizmen te, que a p ontualida de

    n o ma is um a coisa t ip icame nte a lem . Ne sse sen t ido, os [a lem e s] oci-

    de n ta i s , p r inc ipa lmente os de esq ue rda , bagu naram tudo . Es to semp re

    at rasados, e i sso vem tendo u ma influncia . Mas, sim a p ontual ida de por

    exe mp lo (Silke ).

    Do ponto d e vista formal, a fala de nossa e ntrevistada (alem orien-

    tal, poltica d e esqu erda ) mu ito seme lha nte do b rasileiro Marcelo (aci-

    ma , 15 e 16). Amb os recusam a valida de dos resp ectivos esteretipos na -

    cionais e , ad em ais , n o se reconhe cem n eles . Ambos reprodu zem, em

    pa rte, o mod elo discursivo dom ina nte sob re os supostos atribu tos tpicos

    de bra sileiros e a lem es. Porm , ao contrrio de M arcelo, Silke aca ba

    rend en do-se armad ura discursiva. As d vida s que e la de monst ra ter

    sobre a valida de e mprica da pontua lida de en qu an to trao do carter

    coletivo na Alem an ha contemporn ea un ificada n o so suficien tes pa ra

    qu est iona r o mod elo discursivo, e tam pou co evitam q ue a en trevistada

    acab e por iden tificar-se e ap licar a si mesma a caracterstica.

    A dificuldad e exp erimen tada por Silke em lida r com a ten so en tre

    a valida de discursiva e a validad e etnogrfica do conceito tem vrias cau -

    sas. Historicame nte, a n oo alem d e Kultur(em op osio concep o

    francesa de civilisation ) exige u ma coerncia cul tural ma ior como b ase

    de au tode finio n aciona l. Por isso, a n oo discursiva typisch d eu tsch

    (tpico alem o) praticame nte imun e m ud an a cultural e, alm d is-

    so, larga me nte rep resen tada por traos de ca rter ind ividu al. Ou tro pro-

    blema su rge e m razo da s emb araosas refern cias h istria alem , mu i-

    to ma rcada p elos fan tasmas do au toritar ismo e da obed in cia cega .

    Me smo que as cham ad as virtude s alem s p ossam ser vistas como solo

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    19/33

    Cons i de r aes sobr e a e t nogr a f ia da i den t i dade na c i ona l 115

    cultural leg t imo p ara a reconstruo d o ps-gue rra (Wiederaufbau )11 ,

    e las adquirem, por out ro lado, juntamente com a noo de typisch

    deutsch , uma conotao f ran came nte ne ga t iva , como reg istra o d ep oi-me nto d e Silke (17).

    A expresso typisch de utsch u tilizada nos dias de hoje, por exem -

    plo, pe los aleme s ocide ntais qu an do q ue rem ridicularizar os orien tais,

    impingindo-lhes a pecha de serem mais parecidos com os a lemes

    pr-democrticos, o que significa dizer quadrados, preconceituosos,

    intoleran tes e atra sad os (tud o isso, sinte tizad o na p alavra spieig ). Veja-

    mos os trechos a ba ixo, extrados de en trevistas com d ois polticos: um de

    esqu erda , outro de d ireita.

    18. Se voc qu iser investiga r a verda de ira Alema nh a, tem q ue visitar um a

    vila na RDA [Alem an ha Oriental]. L voc vai encontrar a Alem an ha tal co-

    mo e ra a ntes d e toda s essas inf lu ncias nor te-ame r icana s, ita l iana s e tc . L

    tudo mui to mais autn t ico; e m ui to mais qua drado [spieig ] (risos) (An-

    drea).

    19. Na Alem an ha Or iental as pe ssoas tm um a rot ina mu i to regular . Eu

    n o di r ia spieig , a inda que o t e rmo fique be m p er to d isso . Lngua s maisafiad as certam en te dir iam q ue isso t ipicame nte a lem o. A socieda de n a

    RDA era mu ito mais alem qu e a socieda de da Alem an ha Ociden tal [RFA],

    consideran do esse sen tido ne gativo da p alavra voc sab e tem g ente que

    usa a pa lavra alem o como ofen sa (Ch ristian ).

    Smbolos nacionais e alt erizao

    Com efeito, em u m con texto discursivo am bivalente como esse , fica d if-

    cil estab elecer, sem a mb ig ida de , uma relao posit iva com a cultura

    alem . E isto n o pode se r compe nsad o, por exem plo, por meio de um a

    relao a fetiva com os smbolos na ciona is ba nd eira, hino etc. , justa-

    men te porque esses smbolos tamb m levantam suspeitas, pelas mes-

    ma s razes histricas h pou co alud ida s. Pode-se d izer qu e o nico sm-

    bolo positivo, incontestvel, da ide ntida de alem atua l a Grundgesetz :

    a Con stituio Democrtica da Alema nh a Ociden tal do ps-gu erra.

    O resu ltado qu e a prtica de ide ntificao mais larga men te conso-

    lidad a e ntre os alem es contemp orne os vem a ser a h omogene idad e d is-

    cursiva d e sua s na rrativas de iden tificao e a lteriza o [othering ]. Ne -

    las, a amb ig idad e contida na definio de germa nidade contrabalan-

    ada p or uma p ercepo e u ma d efinio ine qu vocas do qu e no e

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    Cons i de r aes sobr e a e t nog r a f ia da i den t idade nac i ona l116

    d e q ue m n o alemo. Send o assim, a imigrao macia de m o-de-

    obra pa ra o pas no pe r odo do ps-gue rra ofereceu aos a lem e s uma

    oportun ida de excelente d e ide ntificarem-se indiretame nte pe la op osioao espe ctro neg ativo do Auslnder(estran ge iro) e d o Gastarbeiter(tra-

    ba lha dor ad ven tcio), evitan do, desse m odo, as armad ilha s de u ma d efi-

    nio direta da g erman idad e.

    Sob e sses dois aspe ctos a relao com os smb olos na cionais e os

    princpios fun da me ntais de alterizao , o Brasil rep resen ta u m m ode lo

    qu e contrasta fortem en te com o caso alemo. As refer ncias ban de ira e

    ao h ino b rasileiro so sem pre p ositivas, no levan tan do, por si, susp eitas

    de na ciona lismo ou ch au vinismo. Alm d isso, mu itos dos traos conside-rad os caractersticos ou tpicos da cultura b rasileira corriqu eira, como

    futeb ol e ca rna val, n o so ap en as p rticas cultura is coletivas, mas sm-

    bolos na ciona is em si me smos. Por exem plo, o simp les fato de algu m

    ter u m time, isto , ser f d e u m clube de futeb ol local, j um a perfor-

    mance simb lica da ide ntidad e b rasileira tanto qua nto a celebrao d e

    uma vitr ia d a se leo na c iona l na Copa do Mu ndo, inde pen den te de

    qu alqu er prt ica social ou cultura l efet ivam en te real izad a pe la pe ssoa

    enq uan to torced or12

    . Nesse sentido, a expe rincia da iden tidad e nacionalbrasileira pa rece u m p rojeto amp lam en te de mocrtico, de scomplicado e

    n o problem tico.

    Essa ima ge m au toconfian te reforad a pe la viso dominan te qu e se

    tem d o lug ar ocupad o pelo Brasil entre os de mais pases do m un do. Ne-

    la, o pas ap arece como um g iga nte pa cfico, che io de alegria e criati-

    vidad e, que no se de ixa en volver em situaes de g uerra. As tend ncias

    na ciona listas n o Brasil parece m limitar-se a um posiciona me nto contrrio

    s inten es heg em nicas dos EUA e a um a certa rivalida de esportiva

    com a Argentina . De modo sign ificat ivo, a p az tamb m uma cifra

    onipresen te n o discurso pb lico brasileiro, e o lema p az e am or pa rece

    ter se tornad o um smb olo na cional propriamen te d ito.

    20. Em qu e v oc pe nsa quan do se fala da paz?

    Um gra nd e objetivo a ser alcan ado. [] Eu ach o que p reciso ba talhar

    pela pa z, tem qu e brigar pela paz, tem q ue lutar pela paz

    M as a esse respe ito voc est pe nsand o m ais no Brasil , ou n o Rio, em parti-

    cular

    Eu a cho qu e n o Brasil

    ou em nvel m undial?

    N o, no n vel mu nd ial . Eu ach o que o Brasil u m p as pa cfico. O b rasi-

    le iro pa cfico, n o ? Agora, voc pe ga o exem plo da cidad e, pe ga o Rio

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    Cons i de r aes sobr e a e t nogr a f ia da i den t i dade na c i ona l 117

    de Jan e i ro : d para se v iver em p az? No d p ara v iver em paz , por causa

    da violncia. Agora, o cida d o carioca pa cfico, no ? Sai um m ovime n-

    to, uma passea ta , de ban de i r a b ranca , e l e va i . E le va i pa ra as rua s , se m a-nifesta e tal

    Isso p arte d a iden tidade brasileira, ser pacfico, am ar a paz?

    Eu a cho qu e o b rasile iro tem um a rejeio g uerra , re je io br iga , re-

    jeio ao conflito, n o ? Voc v qu e o b rasileiro pa cfico o brasileiro

    um cidad o p acfico (Luca ).

    O car ter simb lico da cifra p az exp resso, simu ltane am en te, por

    su a ve rsatilidade contextu al ela utilizad a p ara falar tan to da polticae d os conflitos em mb ito mun dial qua nto de tema s locais, como a vio-

    ln cia d as ruas e por sua ap aren te imu nidad e contra as mais gritantes

    contrad ies. A imag em do bra sileiro pacfico contra sta com os nveis

    de violn cia pre sen tes em q ua se todos os segm en tos da vida cotidiana :

    de sde os assassinos de a lug ue l e o uso de arma s de fogo para solucionar

    as conte nd as p olticas n o inte rior do p as, at a tortura e a violn cia p oli-

    cial em de leg acias e prises; desde os efeitos catastrficos das de sigu al-

    da de s sociais, at a a lta incid ncia de violn cia d om stica, e a ssim p ordiante. Um exem plo eloq en te de ssa contrad io pode ser visto na forma

    como o p blico brasi leiro rece be u o fi lme de Michae l Moore (Tiros e m

    Columbine , 2002) sobre o p roblem a d os crime s m o a rmad a e o fasc-

    nio pelas arma s na socied ad e n orte-ame ricana . O filme fez suce sso e foi

    ba stante comentad o no Brasil. No en tanto, qu ase n ing u m me ncionou

    que , se o filme a presenta u m n me ro alarman te de m ortes por arma d e

    fogo nos EUA, esse n m ero ce rca de qu atro vezes ma ior no Brasil.

    A que sto da violn cia e st int ima men te re lacionad a a uma out ra

    qu esto fun da me nta l, j referida acima: os princpios de alterizao p re-

    sentes n os processos de formao da ide nt ida de brasile i ra . No caso d a

    Alem an ha , as fronteiras iden titrias so traada s, essencialmen te, sobre

    um a d iviso en tre os cham ad os na tivos e e stran ge iros n o interior da

    soc ieda de a lem . Es te n o o pad ro dominan te qu and o enfocamos a

    const ruo da iden t idad e b rasile i ra ne m me smo qua nd o os out ros

    so turistas am erican os, imigran tes chinese s ileg ais ou, ainda , estran ge i-

    ros stricto sen su . Uma p ista pa ra d escobrir o O utro b rasileiro acha -se

    no com en trio de C lvis Rossi, colunista d o jorna l Folha de S. Paulo. Inti-

    tulado O s netos de Bin Lade n , o artigo faz uma reflex o sobre os pro-

    blemas de identidad e en tre d escenden tes de imigrantes rabes na Fran-

    a e sobre a suposta suscet ibi lida de de stes lt imos ao fun da men talismo

    islm ico. Ao final, o jorna lista acen a com a seg uinte concluso:

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    t inos] . Este um p roblema re alme nte d e imigrao qu e n o foi resolvido,

    [] no foi de sen volvido l, o qu e fez com q ue eles viessem procurar a s ci-

    dad es g rande s, no ?, para poder traba lhar e viver (Claudia).23. Esse xodo rural aqu i no Brasil impressiona nte , as c ida de s dobram

    de pop ula o em p oucos an os. [] Ento, esse xodo rural traz todo o pro-

    blema d e desenraizame nto, e d epois de re lacionamen to de n ovo. Como que

    essas p essoas [] vo sen do l iteralmen te jogada s para as p er i fer ias . E da

    todo o problema de violncia qu e e xiste, no ?

    Qu e ex iste aqui em Braslia tam b m ?

    Em Braslia tam b m existe sim (Albe rto)13.

    No Brasil, as fronte iras ide ntitrias so, esse ncialme nte , fronte iras

    sociais. E a classe m dia, com sua influ ncia p repond erante sobre a m -

    dia e a ag en da poltica, determina as clivage ns p rincipa is: os pobres e m-

    ba ixo e as elites em larga m ed ida imag in rias no topo. De fato,

    interessante ob servar que os esteretipos ma is comu ns a resp ei to dos

    favelados n o Brasil so m uito seme lha ntes a os esteretipos q ue de scre-

    vem os Auslnder(est rang ei ros) na Alema nh a. Como so sem elhantes

    tam b m a s pr ticas p oliciais de violen ta a lterizao. Assim, os discursossobre a iden tida de no Brasil cen tram-se na q ue sto de classe ou outras

    que stes sociais, enqu an to a noo de iden t idad e n acional de ixada a

    cargo da s representaes simblicas no some nte smb olos oficiais do

    Estado, mas tamb m o futebol, o samba e at m esmo a paz.

    O p redom nio da const ruo social da ide nt idade tem a poio, tam-

    b m, em u ma out ra represen tao freq en te sobre o Brasil, seg un do a

    qu al o pas est d e costas voltada s a o resto do continen te. Dirigind o o

    olha r sobe jam en te p ara d en tro, os brasileiros acaba m, ipso facto, agu-

    and o a cap acida de de pe rceb er as d iferen as internas. E isto se refle-

    te, por exe mp lo, na con cep o d e q ue o Brasi l s o vrios Brasis (cf.

    Freyre 1952) mote qu e faz refern cia sua g rand e d iversidad e g eo-

    grfica, ma s tam b m a sua s ime nsas de sigu aldad es sociais.

    Concluso

    O q ue fiz at aq ui foi fornecer algun s exemp los de u m q ua dro cuja com-

    plexida de m uito ma ior qua nd o comp leto. Alm d isso, pa ra lem brar ap e-

    nas d e u m a specto, faltaram m en es histria, esse relato que respond e

    ind ag ao de onde viem os? (cf. Hobsba wm 1983:7). Toda via, pa re-

    ce-me qu e o p r incipa l problema da invest igao a re lao ent re a re-

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    Cons i de r aes sobr e a e t nogr a f ia da i den t i dade na c i ona l 121

    coletivida de cap az de recorrer e e m certa me dida obriga do a fa-

    z-lo aos me smos princpios bsicos, um a de scrio de nsa (Gee rtz

    1973) de sses princpios dep en de mu ito da recon struo intertex tual d arelao e ntre u m vasto conjunto d e textos (incluind o outras en trevis-

    tas, conversas cot idiana s e a mostras de p ronun ciam en tos pb licos, por

    exe mp lo) e a d iscursivida de de pr ticas sociais, eve ntos, smb olos, ri-

    tuais etc. Aqu i, um clssico d a a ntropologia a pre sen a sistem tica

    em camp o p articularme nte relevante, pois pe rmite ag rega r a leitu-

    ra e a de codificao da s experincias e observaes do pesq uisador.

    Em tese, pe nso qu e o foco metodolgico de senvolvido a qu i deve se r-

    vir na invest iga o de q ua lqu er comun ida de na cional suposio quese confirmou a o compa rarmos os casos contrastan tes de Brasil e Alema -

    nh a. Ma s o caso brasileiro mostrou, alm d isso, qu e a an lise d o discurso

    na ciona l precisa ser comp lem en tada em outro eixo: o dos smbolos de

    ide ntida de . Os smb olos, em si me smos, n o possuem ne nh um sign ifica-

    do esp ecfico difere ncian do-se , assim, da s palavra s. Eles ga nh am sig-

    nificado, e xclusivamen te, por via d o contexto social em qu e esto coloca-

    dos e n o qua l desempe nh am determinada fun o. Represen taes s im-

    bl icas ad qu irem relevn cia , justame nte , em vir tude de sua potencialva cuidad e e ve rsatilida de en qu an to sign ifican tes. Assim, muitos dos

    eleme ntos utilizados reg ularmen te pe los meu s entrevistados na constru-

    o da ide ntidad e b rasileira como futeb ol, carna val ou p az se tor-

    na m sign ifican tes vazios, que so pre en chidos por diferen tes sign ifica-

    dos, segu nd o os diferen tes contextos de au todefinio brasileira.

    O Brasil pod e ser conside rad o um caso mode lo de constru o es-

    sencialmente simblica de comunidade (Cohen 1985), ao passo que n a

    Alema nha a n fase clarame nte posta no discurso. Por esse motivo, sm-

    bolos de todos os tipos d eve m a dq uirir proem in ncia ma ior no Brasil a

    comear, evide ntem en te, pe los smb olos oficiais de qu alque r Estado-na-

    o: a b an de ira e o hino. De fato, a ba nd eira b rasileira p ode ser vista em

    todo lug ar, usada em q ua lqu er ocasio, sem n en hu m motivo particular. O

    me smo ocorre com o hino brasileiro: ele e xecuta do freq e nte me nte , e

    sem n ece ssria vincu lao com ocasies e orien taes p olticas. As refe-

    rncias simb licas b rasilida de em si tamb m so mu ito comun s, me smo

    qu an do fora d e contexto, por assim d izer. Dou um exem plo. Qu an do a

    compan hia telefnica Telemar an un cia ser 100% brasileira, isto pod e

    ser en tend ido como u m ap elo aos sentime ntos na cionalistas, no contexto

    de um un iverso mercadolgico dominad o por corporaes m ul tina cio-

    nais . Mas qu and o esse mesmo ape lo fe i to por uma pe qu ena locadora

    de vdeo no ba irro de Copa cabana , que se ap resenta como uma e mpre-

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    Cons i de r aes sobr e a e t nog r a f ia da i den t idade nac i ona l122

    sa bra sileira, mesmo sab en do qu e 90% dos filme s oferecidos so produ-

    es norte-american as e q ue n o h n en hu ma loja Blockbuster nas re-

    dond ezas, a sim p odem os falar de u ma performance simb lica fora decontexto. Ce rtamen te, isso no n os pe rmite tirar concluses sobre o su-

    cesso de ssa estratg ia com os clien tes.

    Os smbolos nacionais brasileiros so fortes, o qu e dispen sa, em al-

    gu ma m ed ida , a ne cessida de d e o discurso pb lico ter um p oder ub -

    qu o. Vejam os. Embora os gra nd es jornais produzidos no Rio de Ja ne iro

    e So Pau lo sejam distribu dos em escala naciona l, o fato q ue a g rand e

    ma ioria d a p opu lao n o l jornal algum . As tran smisses de rdio, por

    sua vez, so fenme nos ma is locais do qu e n aciona is. A n ica exce o a Rede Globo , cujos program as d e TV tm alcance na ciona l, principal-

    me nte o telejorna l noturn o (Jornal N acional) e a lgu ma s novelas. Por ou-

    t ro lado, a qua lidad e e a n a tureza he te rognea desses programa s no

    concorrem realmen te p ara produ zir, no mb ito discursivo, um retrato uni-

    forme d a brasilida de . Trata-se, sobretud o, da imp osio sobre o resto do

    pas de u ma certa p erspectiva oriund a d a a lta classe m dia do Sude ste.

    Na Alema nh a, d-se o contrrio. Enq ua nto a re lao d os entrevista-

    dos b rasileiros com os smb olos n aciona is oscilava d o carinho ind ife-rena, pa ra os aleme s era m uito mais uma oscilao e ntre indiferen a e

    rejeio. A ban de ira na cional da Alema nh a q ua se s vista e m p b lico

    du ran te cerimnias oficiais ou even tos esp ortivos. J o ato de d esfrald -la

    em conte xtos mais privativos visto como (e de fato sign ifica!) exp ress o

    de nacionalismo de direita. O hino alemo tamb m b astante problem-

    tico a come ar pe lo primeiro verso, cuja e ntoa o p blica p roibida

    de vido a o tom e xcessivame nte na ciona lista. Por outro lad o, a d eb ilida de

    qu e os s mb olos naciona is a leme s man ifestam na fun o de cr iar um

    sentido de coeso compe nsada pela alta homogen eidade e onipresena

    do d iscurso p blico. Em seu s eleme ntos b sicos, o discurso na ciona l ale-

    mo, surpreende nteme nte , apresenta var iaes mnimas, ape sar de to-

    da s as d iferen as polt icas e d a q ua ntida de conside rvel de t ima s pro-

    du es miditicas competind o en tre si (cf. Schn eide r 2001a:336-ss.). Nes-

    se caso, lige iras diferen as no u so das p alavras p odem ser extrema men te

    significativas. Faz muita d ifere na , poltica e discursiva, utilizar, por exe m-

    plo, as expresses: a lem e s jud aicos, jude us-aleme s ou a lem es

    de religio juda ica . Fen me no d ifcil de ima gina r no contexto bra sileiro.

    No e ntanto, palavras tamb m pode m ser smbolos. Isto acontece n a-

    qu eles casos em qu e a s prime iras so to versteis e va zias d e sen tido

    qu an to os l timos. Um bom exemp lo a pa lavra p az n o contexto bra-

    sileiro. Ou tro exe mp lo pode ser a e xpress o orgu lho nacional. Em a l-

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    Cons i de r aes sobr e a e t nogr a f ia da i den t i dade na c i ona l 123

    gu mas p esqu isas de opinio, pe rgun tas do t ipo Voc se sente ma is or-

    gu lhoso ou m ais enverg onh ad o pe lo fato de ser brasileiro? ou Voc se

    orgulha d e ser alem o? foram resp ondidas p ositivame nte (orgulhoso)por cerca de 75% a 90% dos brasi leiros, ao pa sso que as respostas afir-

    ma tivas dos alem es ficaram e m torno de 45% a 55% (Datafolha / Folha

    de S. Paulo, 13/4/ 2003; Spiegel, 38:65, 1994). Note-se q ue esses n m eros

    n o devem , ne cessariam en te, ser interpretad os como falta de iden tidad e

    na cional na Alema nh a. Eles indicam to-somente qu e a cifra orgu lho n a-

    cional tamb m um smb olo, como a b an de ira e o hino, isto , algo p oli-

    ticamen te contestad o na Alema nh a, e a mp lame nte a colhido no Brasil.

    Fina lme nte , tam b m os smb olos possue m e fei tos e conte xtos dis-cursivos. Ne sse se ntido, faland o esp ecificame nte de construo e poltica

    de iden tida de, d iscurso e simbolismo so m utuam ente complemen tares.

    A compa rao entre Brasil e Alem an ha su ge re qu e a d iferen a , antes

    de tudo, uma que sto da nfase que se d a e ste (simbolismo) ou q uele

    (discurso) asp ecto. Na Alem an ha , h fortes ra zes h istricas e p olticas

    pa ra qu e os smb olos sejam fracos e imp ug na dos; por outro lad o, no Bra-

    sil, h b oas exp licaes pa ra q ue o simb olismo seja mu ito mais imp ortan -

    te qu e o d iscurso: considere-se a e xtens o do pa s, seu s tantos locais dis-tante s, sua d iversida de tnica e cultural, sua s desigua lda de s sociais, seu s

    altos ndices de an alfab etismo total ou fun ciona l.

    Ou tros estudos d e caso p odero forne cer mais evid ncias emp ricas

    sobre exem plos de n fase n o discurso, nos smb olos ou e m a mb os ao mes-

    mo tem po. Entreme ntes, conforme j d ito, a a n lise d as formaes d is-

    cursivas e/ ou simb licas n o deve d esconside rar a inte rao social, mu i-

    to pe lo contrrio. Foi visto, por e xem plo, qu e a au tode finio de a le-

    me s est ba seada , fund ame ntalmen te , na de finio de cer tos grupos

    de imigrantes como n o-alem es, a d espe ito do local de na scimen to

    ou da cidad ania de sses imigrantes. No obstante, h um a g rande qu anti-

    da de de pr ticas sociais solap an do os discursos, tais como: casa me ntos e

    relaes am orosas tran sculturais, crian as com d up la orige m cultura l, etc.

    At agora , essas prt icas no che ga ram a a lterar substancialme nte a s

    prticas discursivas de alterizao. Apesar d isso, elas so pa rte da s estra-

    tg ias individu ais para lida r com a d iscrep ncia en tre discurso e re ali-

    da de em prica; so, portan to, altame nte sign ificativas.

    A jovem trad io an tropolgica d e a n lise d e d iscurso, aliad a sua

    longa expe rin cia no estud o de smb olos e rituais, certame nte p ode r da r

    contribu ies valiosas a os esforos transdisciplina res d e alcanar am plo

    entend imen to sobre as qu estes de iden t idad e e m socieda des cada vez

    ma is comp lexa s e globa lizada s. Nisso, a an tropologia estar a compa nh a-

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    da , qua nd o me nos, das h um an ida de s, da psicologia social, da sociologia

    e d a h istria. O p rincipa l obstculo p arte a lgu ma dose d e comp eti-

    o em nom e d as fronteiras disciplina res tradiciona is pa rece se r a ten-d ncia a ind a comu m n a a ntropologia social de procurar culturas na cio-

    na is, ten tand o descrever, por exemp lo, como so realmen te os brasi-

    leiros e a lem e s14 .

    Recebido em 1o de setemb ro de 2002

    Aprovado e m 27 de janeiro de 2004

    Traduo: Cesar Gordon

    Je ns Schn eider professor no Inst i tu to de Cincias Cu l turais da Universi-da de de Breme n, Alem an ha . E-mail: .

    Notas

    * Em verses prel iminares d este a r t igo, foram val iosos os comen tr ios querecebi dos coleg as do PPGAS/Mu seu N aciona l/UFRJ, a que m sou ime nsam en tegra to , em pa r t icular : Giralda Se yfer th , Fed er ico Neibu rg, Mar lia Fac Soares ,

    Marc io Goldman e G ilbe r to Velho . Gos ta r ia d e a grad ecer t amb m a H einr ich-Bll-Stiftung por ap oiar o p rojeto de pe squisa e m Berlim, e Fund ao Alem dePesquisa (DFG-Deu tsche Forschung sgem einschaft) que , gene rosam en te, custeouo trab alho n o Brasil.

    1 Por cer to , essas conside raes di ferem qu and o vamos de uma an tropolo-g ia nac iona l a ou t r a . Enqua n to a Alema nha t em um a longa t r ad io de es tudarexclusivame nte g rupos qu e vivem o ma is long e p ossvel, a antropologia b rasi-leira parece ter se concentrado, sobretud o, em sua prpria socied ad e. H , inclusi-ve, e talvez por causa d isso, um a tradio an tropolgica esp ecial de preocup a-

    o com a iden t ida de b ras i le i r a . Contudo , tam bm esses t r aba lhos (de Srg ioBua rque de Holanda a Da rcy Ribe iro) se u til izam de traos culturais p ara de fi-ni r a brasi lida de , o que, de modo qu ase autom t ico, nos leva de volta a o t ipo deesse ncializa o ontolgica to criticad o nos estudos sobre ca rter na ciona l. Pa-ra u ma crt ica a esse s trab alhos n o Brasil e n os Estados Unidos, ver Leite (1976);Ne iburg e Goldma n (1998:68-70).

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    2 Em A arqu eologia do sabe r, Fouca ult define o discurso como um sistemaformativo, capa z de arranjar certos conjuntos de proposies em p rincpios co-mu ns d e d ifus o e distribu io (1994:156).

    3 Embora os autores n o tenha m e laborado e ste ponto, o fato de a represen-tao l ing stica ocupa r um p ap el central na imag inao comunitr ia nacionale tn ica fo i tam bm ma ni fes tado , por exem plo , por Armstrong , que suge re :Q ua se se mp re, meca nismos de fronteira simblica so p alavras (1982:8).

    4 Marcus e Cush ma n (1982:56) criticaram a ap licao d o conceito foucau ltianode discurso porqu e e le neg ava a au tonomia de a utores e textos espe cficos. No m -bito de u m p rojeto qu e d efinia etnogra fia como texto passvel de an lise similar

    d a crtica literria , certo qu e a utiliza o do discurso em termos e spa ciais etemp orais mais am plos n o tem g rand e valia pa ra aqu eles autores. Diferen teme ntede seu p rojeto, o que proponho a qui uma etnografia d a p roduo textual e cul-tural das identidad es em um conte xto histrico e societrio mais ab rang en te.

    5 Na s cin cias sociais, e li tes d iscursivas n o so a me sma coisa q ue e li-tes tradicionais, visto que o ace sso privilegiado s instncias de produ o p bli-ca de discurso no e qu ivale, por exe mp lo, ao pode r econm ico e p oltico (cf. Ha ll1989:105-ss.). Teoricame nte , o acesso pa ssivo aos me ios de comun ica o est aoalcance de qua lquer um . Mas, especialmente no Brasil, evidente que as possibi-

    lida des sociais e e conmicas de acesso n o esto ga rantida s a todos sobretudo,no interior do pas. Nos gran de s centros urban os, por outro lad o, qu ase a totalida-de dos dom iclios tem a cesso televiso e ao rd io.

    6 Uma a presentao pormenor izada do ma ter ia l a lemo pode ser encontra-da e m (Schn eide r 2001a; 2001b; 2002). Os resu ltad os da pe squ isa brasi leira n oforam ainda pub licados na ntegra.

    7 Estudos compa rativos sobre o Brasil ge ralmen te focalizam a pe na s o pro-

    blema da s relaes raciais. Por isso, qu ase se mp re so os Estad os Unidos, mastam b m, em algu ns trab alhos, a frica d o Sul (cf. Marx 1998) o caso de contraste.A Alem anh a , por sua vez , fr eq en te men te ana l isada e m comparao com aFrana (cf. Schn app er 1996), even tualmen te com os Estados Un idos, mas n uncacom pases da Am r ica Lat ina emb ora me p area q ue examinar os pioneiroscriollos (creole pionee rs; Ande rson 1991:47-ss.) do n acionalismo e urope u possaser um te rreno frtil pa ra futura s compara es.

    8 Atualmente, as cr iana s nascidas na Alema nha , cujos pais sejam imigran-tes de seg und a g erao, tm d ireito automt ico c idad ania , mas com a rest rio

    de que a m edida s vl ida at os 23 anos de idade, j q ue a legis lao no p er -mite a dup la cidada nia. Passada esta idade , a pessoa precisa d ecidir se ir m antera cidada nia alem ou optar pe la n acionalidad e d e se us pa is (e a vs).

    9 Fao essa observao pe nsand o na distino norte-americana en tre os mo-de los de salad b owl e m el ting p o t . N o salad b owl, os ing redien tes ficam juntos,

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    mas a inda d i scern ve is ; no m el tin g p o t , isso n o ocorre: cr ia-se a lgo novo, umam lgama , a p ar t ir dos ingred ien tes in ic ia i s . No t r echo d a en t r ev i s ta c it ado , aidia qu e ressalta muito mais a d o m elting pot, j q ue se fala de uma mistura in -terna aos indivdu os, ap esa r do termo utilizad o ter sido sa lada .

    10 Ver , tambm , a ap resentao de So Paulo no site oficial do esta do n a in-ternet . O texto de a be rtura traz o segu inte: Falar do Estado de So Paulo sem-pre n o supe rlat ivo. o Estad o com a ma ior popu lao, o ma ior parq ue industr ial ,a m aior produo econmica, o maior registro de imigrantes e , como tamb m n opode r ia d eixar de se r , com toda a complexida de do Estado ma is cosmopoli ta d aAmrica do Sul (http:// ww w.saopau lo.sp.gov.br/sa opau lo/inde x.htm).

    11

    Em 1978, J rgen H ab erma s questiona va as constantes refern cias a essassupostas vi rtude s a lems , observand o que caracter s t icas como pontual ida de,diligncia e que tais so vir tudes se cund rias, teis tam b m como foi suces-s ivame nte observad o na g ern c ia de camp os de concen t rao , por exemp lo(1984:13).

    12 Isso vale part icularmen te pa ra as mu lhe res. Qu ase toda s as minhas en tre-vistadas a firma ram ter um time , mas rar ssima s vezes vo aos estd ios de fute-bol e assistem m uito pouco s p artidas tran smitida s pe la televiso. sign ificativoque a Copa d o Mund o de Futebol seja vis ta habi tualmente como uma festa na-

    cional, a d espe ito do sucesso ou d o fracasso da seleo brasi leira. Fen men o se-me lha nte a contece com o de sfi le d as Escolas de Sam ba do Grup o Especial do Riode Jan eiro , que vem se tornand o, cada vez mais , um e vento de relevncia na cio-na l (p r inc ipa lme nte d ep o is que a Rede Globo assegu rou a t ran smisso r egu la rdos de sfiles em m bito naciona l). Hoje, por todo o pa s, ter u ma escola d e sam-ba favor ita n o Rio e acompa nha r o de sfile pela te leviso faz par te d a iden t idad ebrasileira.

    13 Outro bom exem plo sai de uma declarao de J os Graziano, minis t ro da

    Seguran a Alimentar e do Comb ate Fome do governo Lula. Em mome nto de ra-ra franq ue za (pa ra um p oltico ou represe ntan te do pod er p blico, em g eral), Gra -z iano es tabe leceu uma re lao d i r e ta en t r e a v iolnc ia u rban a e a migrao denorde stinos pa ra os estad os do Sul e Sude ste (cf. O G lobo , 16/4/2003).

    14 Para ci tar some nte d ois exem plos desse t ipo de d escr io an tropolgicaontologizante , justame nte sobre os dois casos apresen tados aq ui, ver O que fazo Brasil, Brasil?, de Robe rto DaMa tta (1984), e Typisch de utsch, de Hermann Bau-singer (2000).

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    Resumo

    Partind o da n fase recen te que a teoriadas na es vem da ndo ao carter ima-ginado ou construdo da comunida-de n acional, este artigo procura estab e-lecer pontes com a teoria an tropolgicae a na l isar as impl icaes de sse movi-mento para uma antropologia d as iden-tida de s tnicas e n aciona is. Em p articu-

    lar, seguindo a boa trad io em prica dadisciplina, procura-se a valiar essa s con-side raes tericas ten do em vista pos-sveis dese nvolvime ntos da etn ografiada formao e das p olticas de identida-de em contextos nacionais. Nesse sen ti-do , aqu i esboado o p ro je to de u maa ntropologia do discurso, e xemp lifi-cada com materiais oriun dos de p esqu i-sas sobre iden t ida de n aciona l na Ale-

    ma nh a e n o Brasil. A an lise de sses doiscasos condu z proposio de u ma dis-tino terica e ntre construo da iden-t idad e n ac iona l centrada no discurso(Alemanha) e centrada nos s mbolos(Brasil).Palavras-chave Alema nh a; Brasil; Ide n-tida de na ciona l; Discurso; Metodologia

    Abstract

    Start ing from the re cent em ph asis thatna t ion the ory has bee n g iv ing to theimagined and /or constructed char-acter of the na tional community, the pa-pe r looks for connections with an thro-pological theory and an alyses the im-plications for anth ropologys pe rspe c-tive on n ational an d e thn ic iden tities. In

    part icular , following the tradit ionallystrong e mp irical orien tation of the dis-cipline , it also inte rpre ts these the oreti-cal assump tions be aring in mind p ossi-b le de ve lopments in e thn ograph ic r e -search reg arding the forma tion an d pol-itics of ide ntity in na tional settin gs. Inthis context, the pap er sketches the con-cept of a discourse anthropology with exam ples from research on n ation-

    al ide ntity in G erm an y and Brazil. Thean alysis of these two cases lead s to a th e-oretical distinction between discourse-centred (Germa ny) an d symbol-centred(Brazil) constru ctions of national identity.Key w ords Ge rma ny; Brazil; Nationaliden tity; Discourse; Me thod