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Rev Bras Cardiol. 2013;26(2):112-119 março/abril Ribeiro et al. Seguimento pós-operatório de cirurgia valvar Ar Ar Ar Ar Artigo Or tigo Or tigo Or tigo Or tigo Original iginal iginal iginal iginal 112 Fernando Fonseca França Ribeiro, Guilherme D'Andréa Saba Arruda, David Mayer Ptak, Fernando Reis Menezes, Miguel Angel Ortuno Torrico, Auristela Isabel de Oliveira Ramos Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP - Brasil Correspondência: Fernando Fonseca França Ribeiro Avenida do Café, 1695 ap. 404 - Vila Amélia - 14050-230 - Ribeirão Preto, SP - Brasil E-mail: [email protected] Recebido em: 11/01/13 | Aceito em: 24/01/13 4 Artigo Original Seguimento pós-operatório em longo prazo de pacientes submetidos à cirurgia valvar Long term follow up of patients undergoing valvular cardiac surgery Resumo Fundamentos: Fundamentos: Fundamentos: Fundamentos: Fundamentos: A valva nativa pode ser substituída por uma prótese mecânica ou biológica e a escolha do tipo de substituto valvar é tema passível de discussão, pois implica morbimortalidade dos pacientes operados. Objetivo: Comparar a evolução dos pacientes que receberam próteses biológicas e mecânicas. Métodos: Estudo retrospectivo realizado em prontuários de pacientes submetidos à primeira cirurgia de troca valvar (mitral e/ou aórtica), no período de 1995 a 2000, em hospital terciário da rede pública. Foram selecionados 303 prontuários: 173 constituíram o grupo com prótese biológica e 130 o grupo com prótese mecânica. As variáveis analisadas foram sexo, idade na época da cirurgia, comorbidades, tipo de cirurgia realizada, fração de ejeção ventricular no pré-operatório e no pós-operatório, ritmo cardíaco antes e pós- procedimento e desfechos: óbito, reoperação, acidente vascular encefálico (AVE) e endocardite infecciosa. Resultados: O tempo médio de seguimento foi 10 anos. A mortalidade tardia foi 3,46% (bioprótese) e 5,38% (mecânica), p=0,568. A reoperação foi maior no grupo bioprótese (43,4%) vs. grupo prótese mecânica (4,6%) - OR=15,83 (IC 95% 6,61-7,85; p<0,001). A prevalência de AVE foi semelhante (11% - bioprótese vs. 8,5% - prótese mecânica, p=0,561), assim como a prevalência de endocardite (11,6% - bioprótese vs. 6,2% - prótese mecânica, p=0,115). Conclusões: A mortalidade, a prevalência de AVE e a endocardite foram estatisticamente semelhantes entre os grupos (prótese biológica e prótese mecânica) e o número de reoperações foi significativamente maior no grupo com bioprótese, tanto em posição mitral como em posição aórtica. Palavras-chave: Valvas cardíacas; Valva mitral; Valva aórtica; Próteses valvulares cardíacas Abstract Background: The native valve may be replaced by a mechanical or biological prosthesis, with this choice often open to discussion, as it raises morbidity and mortality issues for operated patients. Objective: To compare the progress of patients receiving biological and mechanical prostheses. Methods: Retrospective study of the medical records of patients undergoing first valve replacements (aortic and/or mitral), from 1995 to 2000 at a tertiary hospital in the National Health network. Of the 303 records selected, 173 constituted the biological group and 130 the mechanical prosthesis group. The variables analyzed included gender, age when operated, comorbidities, type of surgery, ventricular ejection fraction and cardiac rhythm before and after surgery, and outcomes: death, reoperation, stroke and infective endocarditis. Results: The median follow-up time was 10 years, with delayed mortality at 3.46% (bio-prosthesis) and 5.38% (mechanical), p=0.568. There were more reoperations in the bio-prosthesis group (43.4%) than in the mechanical group (4.6%), with an OR of 15.83 (CI 95% 6.61 - 7.85; p<0.001). The stroke rate was similar (11% for bio-prosthesis vs 8.5% mechanical) p=0.561, with endocarditis at 11.6% for bio-prosthesis vs 6/2% mechanical (p=0.115). Conclusions: The mortality, stroke and endocarditis rates were statistically similar between the groups, but with significantly more reoperations in the mitral and aortic bio-prosthesis group. Keywords: Heart valves; Mitral valve; Aortic valve; Heart valve prosthesis

Artigo Original Seguimento pós-operatório em longo … · As primeiras cirurgias para correção das valvopatias foram realizadas em 1952, utilizando próteses em pacientes com

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Rev Bras Cardiol. 2013;26(2):112-119março/abril

Ribeiro et al.Seguimento pós-operatório de cirurgia valvar

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Fernando Fonseca França Ribeiro, Guilherme D'Andréa Saba Arruda, David Mayer Ptak, Fernando Reis Menezes,Miguel Angel Ortuno Torrico, Auristela Isabel de Oliveira Ramos

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP - BrasilCorrespondência: Fernando Fonseca França RibeiroAvenida do Café, 1695 ap. 404 - Vila Amélia - 14050-230 - Ribeirão Preto, SP - BrasilE-mail: [email protected] em: 11/01/13 | Aceito em: 24/01/13

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ArtigoOriginal Seguimento pós-operatório em longo prazo de pacientes submetidos à cirurgia valvar

Long term follow up of patients undergoing valvular cardiac surgery

Resumo

Fundamentos:Fundamentos:Fundamentos:Fundamentos:Fundamentos: A valva nativa pode ser substituídapor uma prótese mecânica ou biológica e a escolha dotipo de substituto valvar é tema passível de discussão,pois implica morbimortalidade dos pacientes operados.Objetivo::::: Comparar a evolução dos pacientes quereceberam próteses biológicas e mecânicas.Métodos: Estudo retrospectivo realizado emprontuários de pacientes submetidos à primeira cirurgiade troca valvar (mitral e/ou aórtica), no período de 1995a 2000, em hospital terciário da rede pública. Foramselecionados 303 prontuários: 173 constituíram o grupocom prótese biológica e 130 o grupo com prótesemecânica. As variáveis analisadas foram sexo, idade naépoca da cirurgia, comorbidades, tipo de cirurgiarealizada, fração de ejeção ventricular no pré-operatórioe no pós-operatório, ritmo cardíaco antes e pós-procedimento e desfechos: óbito, reoperação, acidentevascular encefálico (AVE) e endocardite infecciosa.Resultados: O tempo médio de seguimento foi 10 anos. Amortalidade tardia foi 3,46% (bioprótese) e 5,38% (mecânica),p=0,568. A reoperação foi maior no grupo bioprótese(43,4%) vs. grupo prótese mecânica (4,6%) - OR=15,83(IC 95% 6,61-7,85; p<0,001). A prevalência de AVE foisemelhante (11% - bioprótese vs. 8,5% - prótese mecânica,p=0,561), assim como a prevalência de endocardite(11,6% - bioprótese vs. 6,2% - prótese mecânica, p=0,115).Conclusões: A mortalidade, a prevalência de AVE e aendocardite foram estatisticamente semelhantes entreos grupos (prótese biológica e prótese mecânica) e onúmero de reoperações foi significativamente maior nogrupo com bioprótese, tanto em posição mitral como emposição aórtica.

Palavras-chave: Valvas cardíacas; Valva mitral; Valvaaórtica; Próteses valvulares cardíacas

Abstract

Background: The native valve may be replaced by amechanical or biological prosthesis, with this choiceoften open to discussion, as it raises morbidity andmortality issues for operated patients.Objective: To compare the progress of patientsreceiving biological and mechanical prostheses.Methods: Retrospective study of the medical recordsof patients undergoing first valve replacements(aortic and/or mitral), from 1995 to 2000 at a tertiaryhospital in the National Health network. Of the 303records selected, 173 constituted the biological groupand 130 the mechanical prosthesis group. Thevariables analyzed included gender, age whenoperated, comorbidities, type of surgery, ventricularejection fraction and cardiac rhythm before and aftersurgery, and outcomes: death, reoperation, strokeand infective endocarditis.Results: The median follow-up time was 10 years,with delayed mortality at 3.46% (bio-prosthesis) and5.38% (mechanical), p=0.568. There were morereoperations in the bio-prosthesis group (43.4%) thanin the mechanical group (4.6%), with an OR of 15.83(CI 95% 6.61 - 7.85; p<0.001). The stroke rate wassimilar (11% for bio-prosthesis vs 8.5% mechanical)p=0.561, with endocarditis at 11.6% for bio-prosthesisvs 6/2% mechanical (p=0.115).Conclusions: The mortality, stroke and endocarditisrates were statistically similar between the groups, butwith significantly more reoperations in the mitral andaortic bio-prosthesis group.

Keywords: Heart valves; Mitral valve; Aortic valve;Heart valve prosthesis

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Introdução

As primeiras cirurgias para correção das valvopatiasforam realizadas em 1952, utilizando próteses empacientes com insuficiência aórtica1,2. Várias causaslevam à necessidade de cirurgia valvar como, porexemplo, a febre reumática e as etiologias: degenerativa,infecciosa, infiltrativa e isquêmica3.

As cirurgias podem ser divididas em plastia ou trocada valva nativa. A cirurgia mais comumente realizadanos Estados Unidos da América é a troca valvaraórtica, correspondendo a 13% de todas as cirurgiascardíacas em adultos4,5. Já no Reino Unido, trata-se dasegunda cirurgia cardíaca mais comum6. No Brasil, astrocas valvares corresponderam a 17,4% das cirurgiascardiovasculares no período de janeiro 2008 a agosto2010, sendo a segunda mais frequente7.

Os substitutos valvares biológicos são caracterizadospela baixa trombogenicidade, bom desempenhohemodinâmico, ausência de ruído e suas limitaçõesestão relacionadas à durabilidade, especialmente ligadaà ruptura e à calcificação, o que condiciona os pacientesà reoperação, com seus custos e riscos associados. Já aspróteses mecânicas podem ser perenes, mas exigem ouso contínuo de anticoagulantes. Portanto, devem serconsiderados: perfil social do paciente, presença decomorbidades, história prévia de sangramentos epossibilidade de gestação3,8. Os maiores riscos com aspróteses mecânicas compreendem, sobretudo, os eventostromboembólicos, trombose da prótese e hemorragiaspelo uso obrigatório e contínuo dos anticoagulantes3,7,8.

Vários estudos já abordaram a questão da durabilidadedas próteses e também de suas possíveis complicações.Edwards et al.9 avaliaram pacientes operados entrejaneiro 1994 e dezembro 1997, dos quais 32.968 foramsubmetidos à troca valvar aórtica exclusiva, commortalidade de 4%9. Em revisão sistemática de 29 artigosoriginais, no período de 1985 a 2005, que envolverampacientes submetidos à cirurgia de troca de valvaaórtica, foram avaliados preditores de mortalidade. Naanálise de mortalidade tardia, os idosos e a fibrilaçãoatrial pré-operatória foram os fatores mais relevantes6.

O objetivo do estudo foi comparar a evolução dospacientes submetidos à cirurgia de troca valvar (aórticae/ou mitral) por próteses biológicas e mecânicas,destacando desfechos clínicos relevantes: óbito,reoperação, acidente vascular encefálico (AVE) eendocardite.

Métodos

Estudo retrospectivo do tipo coorte. Aprovado peloComitê de Ética em Pesquisa do Instituto Dante

Pazzanese de Cardiologia, sob o nº 047302/2012(CAAE: 09066712.0.0000.5462).

Realizado levantamento de dados em prontuários depacientes submetidos à primeira cirurgia de trocavalvar mitral e/ou aórtica no período de 1995 a 2000e excluídos os prontuários de pacientes querealizaram qualquer cirurgia cardíaca antes de 1995;aqueles que foram submetidos à troca de outras valvas;ou os que realizaram cirurgias combinadas como, porexemplo, cirurgia de revascularização miocárdica oucorreção de aneurismas de aorta torácica.

Posteriormente, pelo método aleatório simples, 303prontuários foram destacados: 173 compreenderam ogrupo que recebeu prótese biológica e 130 o grupo querecebeu prótese mecânica. Para a coleta de dados, osoftware EpiInfo 7.0 foi carregado com informaçõesde sexo, idade na época da cirurgia, comorbidades,tipo de cirurgia realizada, uso de anticoagulante, fraçãode ejeção e ritmo cardíaco no pré e pós-operatório edesfechos: óbito, reoperação, acidente vascularencefálico e endocardite (Figura 1).

Figura 1Fluxograma da seleção de prontuários para o estudo

Os dados obtidos a partir da revisão de prontuáriosforam analisados estatisticamente. As variáveisquantitativas foram descritas por média e desvio-padrão e as qualitativas por meio de frequênciasrelativas e absolutas. A comparação entre os gruposfoi realizada pelo teste de Mann-Whitney no caso devariáveis quantitativas e teste exato de Fisher ou qui-quadrado de Pearson para variáveis qualitativas. Paraavaliação do tempo de sobrevida e a probabilidadede reoperações foi utilizada a curva de Kaplan-Meiere para comparar as curvas entre os grupos foi aplicadoo teste de Log-rank. Como medida de efeito, foicalculada a razão entre densidade de incidências(hazard ratio) com 95% de confiança. O valor designificância adotado foi 5% e os dados foramanalisados com o programa Statistical Package forthe Social Sciences (SPSS) versão 19.

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ResultadosResultadosResultadosResultadosResultados

O tempo médio de seguimento dos pacientes foi 10anos, com um máximo de seguimento de 17,49 anos.A média de idade foi semelhante nos grupos bioprótesee mecânica (40,31±18,53 anos e 39,55±17,47 anos,respectivamente). Houve uma discreta prevalência dosexo masculino nos dois grupos. A maioria dospacientes no pré-operatório estava em ritmo sinusal(79,3%) e tinha fração de ejeção normal (62%),calculada pelo ecoDopplercardiograma.

A prevalência de hipertensão arterial sistêmica,dislipidemia e tabagismo na população amostral foi37%, 14,2% e 15,2%, respectivamente. As característicasbasais dos pacientes com bioprótese e prótese mecânicaforam semelhantes e podem ser observadas na Tabela 1.

A mortalidade tardia foi estatisticamente semelhanteentre os grupos: 6 pacientes no grupo que recebeubioprótese (3,46%) e 7 (5,38%) no grupo que recebeuprótese mecânica (p=0,568). A Figura 2 apresenta asobrevida em longo prazo dos pacientes em estudo.

Figura 2Curva de Kaplan-Meier para avaliar probabilidade de sobrevidaLog rank: p=0,314; Hazard ratio (HR)=1,75; IC 95%= 0,58-5,23

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A sobrevida livre de eventos (óbito, reoperação ou AVE)está demonstrada na Figura 3. O tempo médio desobrevida livre de eventos após cirurgia de troca valvarpor substituto biológico foi 10,7 anos e para substituto

Figura 3Curva de Kaplan-Meier para avaliar sobrevida livre de eventos (óbito, reoperação ou AVE)

mecânico foi de 14,6 anos (Hazard ratio=0,31; IC 95%0,2-0,5). Conforme apresentado na Figura 4, houvediferença estatisticamente significativa na sobrevidalivre de eventos entre os dois grupos (p<0,0001).

Figura 4Curva de Kaplan-Meier para avaliar probabilidade de sobrevida livre de eventosHR= 0,31 (IC 95% 0,2-0,5); p<0,0001 (Log rank); AVE=acidente vascular encefálico

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A necessidade de reoperação foi significativamentemaior nos pacientes com bioprótese, tanto em posiçãomitral como em posição aórtica (OR=15,83 - IC 95%6,61-37,85; p<0,001) e o tempo médio de sobrevida livrede reoperação após cirurgia de troca valvar por

Figura 5Curva de Kaplan-Meier para avaliar o tempo livre de reoperaçãoHR=0,10 (IC 95% 0,05-0,24); p<0,0001

substituto biológico foi 11 anos e para o substitutomecânico, 16 anos (Hazard ratio=0,10; IC 95% 0,05-0,24). A Figura 5 demonstra a probabilidadeacumulada de esses pacientes permanecerem livres dereoperação ao longo do seguimento.

Não houve diferença significativa em relação aoacidente vascular encefálico. Todos os eventos foramisquêmicos: 19 (11%) eventos no grupo que recebeuprótese biológica e 11 (8,4%) eventos no grupo querecebeu prótese mecânica (p=0,561). Houve 28pacientes com diagnóstico de endocardite naevolução, o que corresponde a 9,2% da populaçãoamostral: 20 (11,6%) no grupo do substituto valvarbiológico e 8 (6,2%) no grupo do substituto valvar

mecânico, sem diferença estatística entre os grupos(p=0,115). A Tabela 2 resume os principais desfechosclínicos e o tempo de seguimento médio, tanto dapopulação amostral quanto entre os grupos –separados por tipo de prótese (biológica vs. mecânica).

Dos 91 pacientes que receberam prótese biológica emposição mitral, 9 (9,9%) apresentaram endocardite, 13(14,3%) apresentaram AVE na evolução, 45 (49,5%)

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necessitaram de nova troca valvar e ocorreram 4 (4,4%)óbitos. Entre os 37 pacientes que receberam prótesemecânica em posição mitral, nenhum apresentouendocardite infecciosa na evolução, 5 (13,5%) pacientesapresentaram AVE, 2 (5,4%) indivíduos necessitaramde reoperação e ocorreram 2 (5,4%) óbitos. Não houvediferença estatisticamente significativa com relação aonúmero de óbitos e de acidentes vasculares encefálicosentre os pacientes que receberam prótese biológica oumecânica em posição mitral (p>0,999). Houve maiorprevalência de endocardite infecciosa entre ospacientes que receberam substituto valvar biológico emrelação aos que receberam substituto valvar mecânicoem posição mitral, mas sem atingir diferença estatística(p=0,058). Entretanto, pacientes com substituto valvarbiológico em posição mitral necessitaram de maisreoperações quando comparado ao grupo da prótesevalvar mecânica (49,5% vs. 5,4%, p<0,001).

Dos 65 pacientes submetidos à cirurgia de troca valvaraórtica por bioprótese, 7 (10,7%) apresentaramdiagnóstico de endocardite, 5 (7,7%) indivíduosapresentaram AVE, 21 (32,3%) pacientes necessitaram

de nova intervenção cirúrgica e ocorreram 2 (3,1%)óbitos neste grupo. Já no grupo que recebeu prótesemecânica em posição aórtica, de um total de 79pacientes, 6 (7,6%) apresentaram endocardite, 5 (6,3%)apresentaram AVE na evolução, houve 2 (2,5%)pacientes submetidos a outro procedimento cirúrgicode troca valvar e 4 (5,1%) óbitos. Não foi constatadadiferença significativa em relação ao número de óbitosentre os pacientes que receberam prótese biológica oumecânica em posição aórtica (3,1% vs. 5,1%; p=0,69).Também não houve diferença estatisticamentesignificativa no que diz respeito ao número deacidentes vasculares encefálicos entre os pacientes quereceberam substituto valvar biológico ou mecânico emposição aórtica (7,7% vs. 6,3%; p=0,75), assim como aprevalência de endocardite infecciosa foi semelhanteentre os grupos, com relação ao tipo de prótese, emposição aórtica (10,7% para prótese biológica vs. 7,6%para prótese mecânica; p=0,568). Entretanto, o númerode reoperações foi estatisticamente superior entre ospacientes submetidos à troca valvar aórtica porbioprótese em relação aos que receberam prótesemecânica (32,3% vs. 2,5%; p<0,001) (Tabela 3).

Discussão

No presente estudo, a mortalidade global observada(considerando um período máximo de seguimento de17,49 anos) foi 4,3% – estatisticamente nãosignificativa – mesmo quando se comparam os gruposque receberam próteses biológicas e mecânicas(p=0,568). A mortalidade encontrada possivelmentese deve ao fato de a maioria dos pacientes ter idade<40 anos e pela baixa prevalência de comorbidades.

Estudo recente, que analisou uma coorte com 301pacientes submetidos à cirurgia de troca valvar aórticaisolada entre 1990 e 2005, encontrou uma incidênciade óbitos de 29,2% (tempo de seguimento máximo de20 anos)7. Em tal estudo, mais de 50% dos pacientes

tinham idade >60 anos e havia alta prevalência decomorbidades como, por exemplo, doença pulmonarobstrutiva crônica e obesidade – as quais forampreditores de óbito.

Da mesma maneira que a presente coorte, umamortalidade de 4% foi encontrada em estudoconduzido por Edwards et al.9, que utilizou dados daThe Society of Thoracic Surgeons National Database,e que foi desenhado para identificar fatores de riscoassociados à cirurgia de troca valvar, incluindo 32.968pacientes operados entre janeiro 1994 e dezembro19979.

Bloomfield et al.10 realizaram estudo prospectivo querandomizou pacientes para troca de valva por prótese

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biológica ou mecânica no período de 1975 a 1979 e, apartir de então, os indivíduos foram acompanhadospor um período de 12 anos10. A sobrevida foisemelhante entre os grupos (44,4% vs. 51,5%,respectivamente; p=0,08) e aqueles pacientes quereceberam bioprótese necessitaram de maisreoperações do que aqueles com prótese mecânica naevolução (37,1% vs. 8,5%; p<0,001). É provável que oelevado índice de mortalidade registrado no estudoseja decorrente do fato de os implantes terem sidorealizados no final da década de 1970, época em que atecnologia das próteses valvares, as técnicas cirúrgicase de proteção miocárdica ainda eram pouco evoluídas11.Apesar do elevado número de óbitos, a mortalidadenão diferiu entre os grupos (prótese biológica vs.mecânica) e, em conformidade com o presente estudo,o número de reoperações foi estatisticamente superiorentre os pacientes que receberam substituto valvarbiológico. Não houve diferença estatisticamentesignificativa em 12 anos de seguimento no que dizrespeito ao número de acidentes vasculares encefálicos(26,4% para prótese biológica vs. 21,1% para prótesemecânica) ou com relação aos episódios de endocarditeinfecciosa (4,6% para bioprótese vs. 3,7% para prótesemecânica). Neste estudo, não houve diferençaestatisticamente significativa com relação ao númerode óbitos, AVE e endocardite entre os pacientes quereceberam prótese valvar biológica ou mecânica, sejaem posição mitral seja em posição aórtica. Além disso,houve um número maior e estatisticamentesignificativo de reoperações entre os pacientessubmetidos à troca valvar por biopróteses, tanto emposição mitral quanto em posição aórtica.

Hammermeister et al.4 realizaram ensaio clínicorandomizado, prospectivo, que comparou prótesesbiológicas e mecânicas em posição aórtica (394pacientes) e em posição mitral (181 pacientes). Osindivíduos haviam sido operados entre 1977 e 1982em 13 centros médicos nos Estados Unidos daAmérica e foram acompanhados por um períodomédio de 15 anos. Nesse estudo, entre os 394 pacientessubmetidos à troca valvar aórtica, a mortalidade dosque receberam prótese biológica foi maior quandocomparada aos que receberam dispositivo mecânico(79% vs. 66%; p=0,02). Esse dado não foi concordantecom o dado correspondente da coorte aqui estudada.Com relação às próteses em posição mitral, os autoresencontraram mortalidade de 79% no grupo dabioprótese e 81% no grupo da prótese mecânica(p=0,3), ou seja, não houve diferença estatisticamentesignificativa no que diz respeito à mortalidade entreos pacientes submetidos à troca valvar mitral, sejapor prótese biológica ou por prótese mecânica. Comrelação às reoperações, os autores encontraram maiornúmero de intervenções no grupo que recebeusubstituto valvar biológico em posição aórtica (29%

vs. 10%; p=0,004), mas não entre os pacientessubmetidos à troca valvar mitral (p=0,15). Napresente coorte, o número de reoperações foisignificativamente superior entre os pacientes quereceberam prótese biológica em comparação com osque receberam dispositivo valvar mecânico, tantoem posição mitral quanto em posição aórtica.

Conclusões

Baseado nos achados desta coorte, conclui-se que amortalidade, prevalência de AVE e endocardite foramestatisticamente semelhante entre os grupos (prótesebiológica e prótese mecânica) e que o número dereoperações foi significativamente maior no grupocom bioprótese, tanto em posição mitral como emposição aórtica, dados que estão de acordo com aliteratura atual.

Potencial Conflito de InteressesDeclaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Fontes de FinanciamentoO presente estudo não teve fontes de financiamentoexternas.

Vinculação AcadêmicaO presente estudo não está vinculado a qualquer programade pós-graduação.

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