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ARTIGO PDE – 2012
A identidade do Aluno com Deficiência Visual no treino de Orientação e
Mobilidade e os Reflexos da baixa Autoestima no Equilíbrio Emocional
Autora: Alceliria Maria Soares1
Orientadora: Marta Rejane Proença Filietaz2
Resumo
O presente artigo tem como objetivo a reflexão junto a pessoa com
deficiência visual sobre sua identidade para que compreenda a importância do
uso da bengala em sua mobilidade, na superação de obstáculos e
compreender as reações emocionais, as mudanças na rotina, o apoio que o
indivíduo recebe da família, dos profissionais, dos próprios iguais, da
sociedade/comunidade, ao se confirmar o diagnostico de deficiência visual, e
sua percepção do trabalho do grupo de apoio no processo de mudança da
identidade e na orientação e mobilidade quanto a aceitação do uso da bengala.
Optou-se pela implementação com cinco alunos com deficiência visual, do
Centro de Reeducação Visual, sendo três homens e duas mulheres entre 42 a
67 anos de idade. Os encontros foram semanais onde ouvimos depoimentos
sobre a mudança positiva do uso da bengala na autoestima desta pessoa com
deficiência visual.
Palavras-chave: Deficiência visual, identidade, autoestima, grupo de
apoio, locomoção
Introdução
A superação da baixa autoestima do aluno cego ou com baixa visão o
fez perceber por meio da troca de vivências com seus iguais de como é
importante compreender sua nova condição visual e quanto o uso da bengala é
importante para que se locomova com independência e segurança.
A resistência em usar a bengala interfere nas interações sociais e no
processo ensino aprendizagem.
1 Pós-Graduação em Currículo e Práticas Educativas e Psicopedagoga, Pedagoga, Professora de
Reeducação Visual- Educação Especial no CRAID 2 Doutoranda, Professora UTFPR
Os procedimentos utilizados na conscientização do aluno com
deficiência visual podem contribuir no sentido de ajudá-lo a superar as
dificuldades impostas a esta nova condição que se apresenta em sua vida, ou
seja, a deficiência visual (cegueira ou baixa visão) que antecede as técnicas
para o treino de orientação e mobilidade.
Devido ao preconceito e à ignorância da sociedade, ou seja, uma
herança histórica de rejeição e discriminação ao diferente, o indivíduo com
deficiência visual sente-se marginalizado, tornando o relacionamento com a
família e o meio, na maioria das vezes, conturbado. Considera-se, neste
contexto, importante conhecer cada aluno, seus problemas, dificuldades/
limitações que o impedem de atingir objetivos desejáveis a sua aprendizagem e
integração social. (CANEJO, 1997)
Para a pessoa com deficiência visual o desenvolvimento das habilidades
de orientação e mobilidade é fundamental no processo educacional. Este
processo deve ser iniciado em casa pelos pais ou responsáveis, tendo
continuidade na escola por um professor especialista em educação da área
visual e, finalmente este treinamento necessita ser concluído por outro
professor especialista em Orientação e Mobilidade, onde o aluno cego ou com
baixa visão irá aprender as técnicas mais avançadas, proporcionando maior
independência e favorecendo de forma efetiva o mesmo para uma ampla
integração e inclusão na sociedade.
Como início deste processo à orientação e mobilidade, o indivíduo com
deficiência visual necessita estar predisposto aos procedimentos, pois é um
grande desafio. Para que isto aconteça a autoestima do aluno deve ser
positiva. Martin e Bueno (2003) falam que o importante não é a pessoa cega ter
bom potencial intelectual a ser desenvolvido: se a autoestima for baixa com
respeito ao êxito a ser atingido, o fracasso estará garantido bem antes de
qualquer atividade. Quanto maior a autoestima, maior a possibilidade de
sucesso no que o indivíduo se propõe a fazer, seja ele pessoa com deficiência
visual ou não. Sugere-se profissionalismo e sensibilidade para atingir o
objetivo de superar a recusa do uso da bengala devido à insegurança social
(vergonha ou medo de critica e gozações).
Martin e Bueno (2003, p. 120)
Uma pessoa cega ou com baixa visão não estará pronta para assumir
uma vida social adequada até que tenha superado alguns traumas
psicológicos em conseqüência da sua cegueira. O perigo reside no
fato de que, em muitos casos, costuma evitar as situações sociais,
prolongando o isolamento, o que logo afetará a pessoa, produzindo-
se um circulo vicioso no qual se dá o isolamento como consequência
da insegurança, e o que ocorre é que quanto maior for o isolamento,
maior a insegurança e vice-versa.
A preocupação constante de todos nós que atuamos na área da
educação especial tem sido buscar conhecimentos, que possam ajudar a
aprimorar nosso trabalho com pessoas que dele necessitam. Neste caso o
indivíduo com deficiência visual. Fontana afirma que: (1991, p. 320)
O professor deve sempre preocupar-se em ajudar cada um de seus
alunos a atingir seu potencial. O que significa, contudo, que o
professor deve agir de forma a proteger a autoestima dos alunos.
Eles diferem de acordo com suas necessidades, e a pessoa com uma
autoestima alta, forte, é menos sensível que as que possuem uma
autoestima baixa; entretanto, em qualquer caso, isso significa atribuir,
a pessoa, tarefas adequadas a sua competência, chamar a atenção
para os sucessos em vez de salientar os fracassos [...]
Nós, seres humanos, pensamos que todo indivíduo que perdeu algo que
consideramos importante está de luto pela perda, seja ela deficiência, bens
material ou qualquer outra coisa. Apesar de ser um processo muito difícil, a dor
não deve ser negada; é só vivendo a dor que a pessoa pode superar o luto.
Dessa forma, ao contrário do que muita gente pensa, falar sobre a perda é
fundamental. Kübler – Ross (2005)
Quando a pessoa se encontra numa condição de não mais enxergar, ela
passa por um processo de mudança em sua identidade, no seu dia-a-dia, em
seu contexto familiar e social, assim como na forma de perceber-se. Ocorrem
alterações em suas reações emocionais e mudança a sua rotina. O apoio da
família e da sociedade, vivenciados pela pessoa ao ter a perda da visão é
fundamental para que ela não se sinta discriminada.
A deficiência visual provoca no indivíduo reações diferenciada
obrigando-o a encontrar formas de lidar com esta perda. O trauma físico e
social está entre estas reações e, pode iniciar no hospital ou consultório no
momento em que o médico oftalmologista informa ao paciente sobre sua perda
ou baixa visual, ou seja, a maneira como esta informação for passada pode
desencadear diversas reações. Se a pessoa tiver sido preparada com
antecedência, tendo informações sobre a deficiência visual (cegueira ou baixa
visão) e que recursos podem ser utilizados, talvez a reação não seja tão
devastadora. (RODRIGUES, 2004)
Ao ficar sabendo que não voltará a enxergar a grande maioria não aceita
ou nega esta condição e procura diversos médicos oftalmologistas, ou pensam
que a vida acabou, ou tentam imaginar o que a família e a comunidade vai
pensar e, poucos procuram a reabilitação logo após ouvir o diagnóstico.
Barczinski (2001) diz que algumas reações acontecem porque a perda
visual significa para a pessoa à negação da limitação, a insegurança a respeito
de si mesmo, a desconfiança em relação à outra pessoa e suas intenções, o
ressentimento pela impressão de não ser aceito e querido pelo mundo. Na
maioria das vezes o indivíduo imagina que ser diferente é ser inferior e se isola
de eventos sociais podendo tornar-se mais introspectivo. Além de confundir a
perda sensorial da visão como perda física, sentindo-se mutilado. O indivíduo
pode ter uma desorientação inicial, por exemplo. Diminuição de sensações
como olfato, tato, memória, capacidade motora e sinestésica e do contato ou
vínculo com o meio ambiente e do campo visual, quer dizer, olhar para algo
que não se encontra mais ali. Em alguns casos apresenta dificuldade nas
habilidades básicas como: andar sozinho ou até mesmo realizar tarefas que
antes fazia de forma independente. Apesar de estas reações serem as mais
evidentes, não há uma regra geral. Cada pessoa reage de uma forma diferente
para esta perda visual.
O aspecto emocional do indivíduo não tem menos importância do
que os outros aspectos e é objeto de preocupação da educação nas
mesmas proporções em que o são a inteligência e a vontade. O amor
pode vir a ser um talento tanto quanto a genialidade [...] (VYGOTSKY,
2000, P. 146)
Vygotsky atribui papel fundamental à intervenção do aprender
promovendo um agir coletivo como alternativa na provocação desta
aprendizagem e, que gera o desenvolvimento do aluno. Para ele as interações
sociais são muito importantes, trazendo a idéia da mediação e da
internalização como aspecto necessário para a aprendizagem. (VYGOTSKY,
2000)
A pessoa com deficiência entra em conflito ao manter contato com o
meio externo. O que pode levá-la a uma enfermidade ou à morte, ou pode criar
possibilidades e estímulos para a supercompensação. Ou seja, o defeito torna-
se ponto de partida e principal força para o desenvolvimento psíquico da
personalidade. Exemplo, a cegueira cria dificuldades para a inserção da
pessoa (cega) na vida. Nesta direção estoura o conflito. De fato, o defeito se
realiza como um desvio social. A cegueira põe o indivíduo em uma posição
social particular e difícil. O sentimento de inferioridade, a insegurança e a
debilidade surgem como resultado da valorização que o cego faz de sua
posição. Como reação do aparato psíquico se desenvolve as tendências de
supercompensação. Está orientada a formação de uma personalidade
socialmente válida, a conquista de uma posição na vida social. (VYGOTSKY,
1997, pp. 103-104)
O ser humano não está preparado, ou melhor, não aceita a perda visual.
O período que antecede esse momento é doloroso, cheio de angustia e medo.
Depois que ele acontece, não é fácil lidar com a perda, porém passa a ser mais
compreensível e mais fácil viver sem o que tanto queria e perdeu (a visão).
Acredita-se que a pessoa aprende ou se reorganiza para começar de novo e
faz o melhor possível para continuar a viver com as inúmeras perdas e/ou
mortes que ocorrem durante a vida. (KÜBLER-ROSS, 1998)
Com a perda o indivíduo passa por quatro estágios: negação, raiva,
barganha e depressão, para finalmente atingir o quinto e último que é o da
aceitação.
Neste estágio, de acordo com Kübler-Ross (1998, p.47)
[...] se o indivíduo recebeu apoio para superar os estágios anteriores,
não sentirá mais depressão nem raiva. No entanto a aceitação não
quer dizer felicidade, embora venha mostrar que a morte e/ou a perda
não é uma coisa horrível, medonha como se pensava. Mas o fato de
aceitar sua condição de pessoa com deficiência visual, também se
deprime pela falta da mesma.
Muito mais tarde é que o indivíduo nega e fala de sua perda e de sua vida
“como se fossem irmãs coexistindo lado a lado, encarando a [perda], sem
perder as esperanças”. (KÜBLER-ROSS, 1998, P. 47)
Vygotsky (1997) fala sobre a concepção biológica da cegueira. Algumas
vezes o indivíduo crê que é através da compensação do funcionamento e
desenvolvimento de um orgão a falta de outro é suprida. Mas apesar dos
sentidos aguçarem mais, deve-se lembrar que a insuficiência de um orgão
origina e coloca em ação novas formas e funções para que o indivíduo com
deficiência visual se desenvolva.
A sociedade sempre teve uma atitude ambivalente para com os cegos,
ignorando-os na maioria dos casos ou venerando-os e acreditando que são
possuidores de poderes especiais. Ela em geral considera o indivíduo com
deficiência visual uma pessoa amarga e indefesa. Uma vida de cegueira é
considerada uma vida de escuridão e horror, o que, em alguns casos, desperta
atitudes de piedade, comiseração e, às vezes, generosidade. Esta sociedade
exige do cego uma apreciação das coisas e um comportamento semelhante ao
do indivíduo vidente. Por isso, deve assumir que no desenvolvimento cognitivo
de qualquer criança seja considerada a socialização, sua maturidade social e a
ajuda que ela própria puder receber. A pessoa com deficiência visual pode
desenvolver habilidades sociais iguais ou parecidas às dos seus pares
videntes, embora, com frequência, verifica-se atraso de dois ou três anos em
seu surgimento, em comparação aos videntes.
Para Vygotsky (1997) o meio social é uma das principais barreiras que
dificultam a construção de um novo caminho para a reestruturação da pessoa
com deficiência.
Ação
Considerando-se a importância da Orientação e Mobilidade realizada
pelo professor especialista para que o indivíduo com deficiência visual seja
mais autônomo é fundamental que esta pessoa (cega ou com baixa visão)
deseje este aprendizado. Ou seja, deve ter equilíbrio emocional para que possa
receber estas orientações de forma aberta e segura. Para isto é importante a
criação de um grupo de discussão entre os alunos cegos e com baixa visão
para que os mesmos se conscientizem de sua nova condição (identidade) e
que troquem experiências com a intervenção da professora pesquisadora para
a partir daí superar esta dificuldade.
Os encontros transcorreram semanalmente num período de quatro horas
de duração com cinco alunos numa faixa etária entre 42 e 67 anos. As
discussões tiveram ênfase nos aspectos emocionais e sócio culturais dos
mesmos com a professora de orientação e mobilidade e a
professora/psicopedagoga pesquisadora mediando os debates e trocas de
experiências.
Para Vygotsky. (2003, p.45)
A interação social pressupõe a generalização e o desenvolvimento do
sentido verbal; e a generalização só através do desenvolvimento da
interação social se torna possível. As formas superiores de interação
social mental que são uma característica tão importante do homem só
são possíveis porque – através do pensamento – o homem reflete a
realidade em termos generalizadores.
Neste momento é fundamental a descontração na conversa.
Quem nunca ouviu algo como: “Não deixe a peteca cair”, “Tenha fé e tudo vai
melhorar!”, num momento difícil da vida? Todos nós já passamos por situações
em que ficamos perdidos e não soubemos o que fazer. Neste momento nos
sentimos sem esperança e sem perspectiva de que as coisas vão melhorar.
Algumas pessoas passam por estas crises com mais facilidade que outras,
porque não se colocam como vítimas dos acontecimentos. Assumem uma
posição de enfrentamento da dificuldade e acreditam que podem ficar bem
mesmo com o sofrimento.
Como se adaptar a esta nova identidade?
Quais os caminhos para motivar e despertar a importância do uso da
bengala?
Por que é importante usar a bengala? Por que é importante a orientação
e mobilidade?
Cada momento foi subdividido em dois encontros.
1º MOMENTO – Apresentação do tema
Neste primeiro momento do encontro com os alunos de orientação e
mobilidade explicou-se o tema da unidade didática, realizou-se uma dinâmica
e, de maneira informal cada indivíduo falou como surgiu a dificuldade visual,
qual foi à primeira reação diante do diagnóstico e como se sentiu diante desta
nova condição. Cada um dos participantes fez perguntas para o outro e teceu
comentários que contribuíram de forma positiva para elevar a autoestima do
colega. No início da conversa pedi autorização do grupo para gravar, pois num
outro momento retomaremos estas falas com os mesmos detectando o que
mudou. Neste momento é fundamental a participação efetiva dos alunos.
Segundo Fontana. (1991, p. 341)
... a aprendizagem é realizada através da interação social, com o
professor interagindo com os alunos e com os alunos interagindo
entre si. O comportamento social em todos os pontos em que o
contato é realizado entre pessoas e torna possíveis os resultados é
de grande interesse para o professor. Quanto melhor eles
compreenderem esse comportamento, mais eles serão capazes de
fornecer ambientes de aprendizagem ideais para os alunos.
Através das conversas tive consciência do papel vital desempenhado na
autoestima positiva dos participantes com deficiência visual podendo auxiliá-los
através de conversas, a construir um quadro de como cada aluno se vê.
Conseguimos criar um ambiente de confiança para que os alunos se
sentissem a vontade para falar.
Deixei claro que toda a discussão realizada no grupo não deve ser
comentada fora dele.
Percebi que os participantes tiveram uma ótima empatia comigo e com
os colegas (seus iguais). Após a dinâmica todos quiseram falar sobre a
importância destes encontros e o desejo de que este grupo permaneça. Uma
das alunas comentou que ficou muito feliz, pois este momento de troca de
experiência entre os iguais é fortalecedor e positivo.
Eles reforçaram o desejo de que o grupo permaneça, mesmo após o
termino da implementação.
2º MOMENTO – Sua nova identidade
Neste segundo encontro falei sobre as questões abordadas no projeto
de intervenção para que o grupo pudesse manifestar suas opiniões e contribuir
acerca do tema.
Discutimos sobre o que significa esta nova condição (deficiência visual)
para que tenha consciência de uma nova identidade e quais as implicações
para sua vida educacional, familiar e social. Durante a conversa destacamos o
que é mais difícil: se expor na escola, na comunidade e na sociedade enquanto
pessoa com deficiência visual com o uso da bengala ou locomover-se de forma
independente e segura, podendo desenvolver suas potencialidades sem
necessitar da ajuda de outras pessoas o tempo todo.
Essa nova identidade refere-se ao valor que atribuímos a nós mesmos.
Um dos principais fatores no desenvolvimento de problemas psicológicos
relacionados a não aceitação da perda visual é a incapacidade de alguns
indivíduos para atribuir a si mesmos seu real valor. Essas pessoas parecem
incapazes de considerarem a si mesmos como membros significativos
aceitáveis da comunidade, mas cultivam, em vez disso, sentimentos de
inadequação e até mesmo de desesperança e, de forma consistente,
subestimam tanto suas habilidades quanto o respeito com que são
consideradas pelas outras pessoas.
De acordo com Fontana. (1991, p.315)
A pessoa com a autoestima baixa sente-se triste, isolada, temerosa,
relutante para participar, autoconsciente e supersensível a críticas.
Ela subestima, de maneira consistente a si mesma, tendendo a
apresentar um baixo rendimento na aprendizagem e preocupam-se,
na maior parte do tempo, com seus próprios problemas.
Quando o indivíduo com deficiência visual está com a autoestima baixa
frequentemente considera as outras pessoas injustas, as dificuldades como
fracasso e tendem a não se arriscar estabelecendo para si objetivos
artificialmente pequenos. Ele fica excessivamente magoado por criticas e
ansiosos para obter aprovação, porque dão grande importância ao que os
outros pensam dele.
A autoestima é a avaliação que uma pessoa faz de si mesma. Portanto,
a pessoa que tem baixa autoestima tem uma péssima avaliação de si.
Geralmente, esses indivíduos se sentem com um reflexo mais feio de si. Eles
sempre acham que as pessoas a sua volta são mais bonitas, magras,
inteligentes e interessantes que eles, mesmo não as sendo.
Sendo assim, a baixa autoestima é reflexo da consciência da pessoa, e
não do que o mundo realmente enxerga e percebe. Por isso, a baixa
autoestima pode atrapalhar a vida de quem a tem.
Trazendo essa breve introdução para o nosso espaço, o espaço das
pessoas com deficiência é possível identificar uma grande parte dos nossos
coirmãos infectados com esse vírus cruel da baixa autoestima.
Quando se fala sobre amizade, namoro, casamento, filhos, emprego a
pessoa com deficiência olha para nós com espanto e estranheza deixando
transparecer que essas coisas não poderiam jamais fazer parte das suas vidas,
isso é baixa autoestima na essência.
A capacidade de adquirir bens, de ser alguém de valor e inserido na
sociedade não pode estar atrelado à deficiência seja ela qual for, você pode e
tem condições de conseguir o que quiser basta acreditar em si, e deixar a baixa
autoestima de lado e com certeza um novo horizonte nascerá e com ele as
conquistas e realizações de uma vida pautada na autoestima positiva.
Para contribuir com a discussão mostrei alguns depoimentos (vídeo) de
pessoas que perderam a visão e depois de algum tempo perceberam o quanto
o apoio dos amigos e o uso da bengala foi importante no processo de
locomoção independente e segura.
Após ouvir os depoimentos os alunos comentaram sobre cada um deles
procurando relacionar a sua experiência.
Discutimos os aspectos positivos comentados nos depoimentos. Eles
deixam claro que o uso da bengala é muito importante na locomoção segura,
autônoma e independente.
Alguns alunos explicaram que entendem a importância do uso da
bengala na locomoção, mas que se sentem discriminados ao fazê-lo. Outros
colegas pontuaram que sentem vergonha quando saem com a bengala, pois as
pessoas percebem que eles têm “algum problema” e por isso evitam.
Um dos alunos, que usa a bengala, relatou aos colegas sua experiência
pré e pós bengala. Disse que antes de receber o treino de orientação e
mobilidade dependia da ajuda da esposa ou dos filhos e se sentia inseguro
para sair sozinho e, que agora é uma pessoa completamente independente.
Foi muito importante ouvir e acolher a opinião de cada participante. E
sobretudo presenciar a contribuição positiva entre eles.
3º MOMENTO – Depoimento de um convidado
Recebemos a visita de um colega que passou pelo mesmo problema de
identidade e se conscientizou da importância do uso da bengala para sua
independência social.
Este momento de troca de experiência contribuiu muito para melhorar a
autoestima dos alunos de forma positiva.
Foi importante neste momento apresentar depoimentos de uma pessoa
que se encontra nas mesmas condições de deficiência visual e, como os
mesmos encontrou caminhos para superar este momento de luto e reagir a seu
favor. O indivíduo com deficiência visual pode nunca aceitar esta nova
identidade, mas terá condições de compreender que a orientação e mobilidade
pode contribuir de forma positiva em sua vida independente.
Aluno convidado: Profº. Cayo (Foi professor da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná - PUC) e perdeu a visão devido a descolamento de retina.
Após o depoimento do colega, deixar os alunos à vontade para
perguntar e, também, falar sobre como esta vivência do Profº. Cayo os ajudou
a perceber a importância do apoio das pessoas e do uso da bengala e o quanto
esta troca de experiência é importante.
Em seu depoimento o convidado explicou que foi muito difícil receber o
diagnóstico de baixa visão e, que sua vida profissional e social sofreu uma
mudança muito grande, mas com o tempo esta dificuldade foi diminuindo.
Salientou que este acontecimento o fez repensar seus valores e como se tornar
uma pessoa melhor.
Segundo ELIZABETH CANEJO (1997, p. 13)
É importante se observar e conhecer separadamente cada
indivíduo como um todo, examinando os problemas, dificuldades e/ou
limitações que o impedem de alcançar os objetivos desejáveis à sua
reabilitação e integração social. A deficiência visual deve ser
encarada de modo prático e objetivo, sem pieguice ou paternalismo,
visto que as pessoas com deficiência visual não precisam de
superproteção e sim de compreensão e ajuda nas situações que
demandam única e diretamente o uso da visão. Fora isto, a pessoa
com deficiência visual é suficientemente capaz de executar qualquer
tipo de tarefa, respeitando-se é claro, as limitações de cada um.
4º MOMENTO – Grupo de discussão
Deixei claro para o grupo que estes encontros e discussões não
encerram com o final da implementação deste projeto. Estes momentos foram
inseridos em nosso plano de trabalho.
É fundamental termos claro que estes encontros são um reforço
riquíssimo para o desenvolvimento intelectual, social e afetivo dos alunos com
deficiência visual que frequentam o Centro de Reeducação Visual.
Tudo que possa contribuir para uma aprendizagem mais efetiva do
indivíduo é importantíssimo.
Coll, Marchesi e Palacios disseram. (2004, p. 22)
A idéia de integração esteve estreitamente associada à utilização do
conceito de necessidades educativas especiais. As duas formulações
são tributárias dos movimentos sociais de caráter mais global que se
consolidaram a partir dos anos 1960 e que requeriam maior igualdade
para todas as minorias que sofriam algum tipo de exclusão. Dessa
perspectiva mais política, a necessidade de integração surge dos
direitos dos alunos e é a concretização na prática social do princípio
da igualdade: todos os alunos devem ter acesso à educação de forma
não segregadora.
A formação de grupos de discussão e de apoio também integra o aluno
com deficiência visual na instituição de ensino, na comunidade e no grupo
social.
Neste encontro apresentei o filme “A cor do paraíso” para estimularmos
a discussão sobre a importância da afetividade, autoestima e empatia entre a
pessoa com deficiência visual, seus iguais, a família, escola e a sociedade.
Como os alunos são cegos ou com visão subnormal para que os
mesmos soubessem o que estava acontecendo.
Após assistirem o filme conversamos sobre as cenas que mais
chamaram a atenção.
O que acharam da atitude do professor?
Falar sobre como é ou era sua relação com seus pais em virtude de sua
deficiência visual.
Salientar que a deficiência visual não impede o indivíduo de realizar
atividade do dia-a-dia.
Segundo Humphreys (2000) uma pessoa que possui baixa autoestima
possui também uma hipersensibilidade às mensagens provenientes do meio
em que vive, ou seja, qualquer coisa que alguém diga sobre ela (seja bom ou
ruim) terá grande valor para essa pessoa. As pessoas dependem da visão dos
outros para formarem a visão de si mesmos. Quando as crianças recebem dos
pais mensagens de desaprovação, de crítica ou ridicularizantes, como por
exemplo, “você é um estúpido”, “feio”, “preguiçoso”, entre outros, elas
começam a formar sua autoimagem a partir dessas mensagens. Os pais
também passam a exigir dos filhos a perfeição, que nem sempre é alcançada.
Quando existe uma grande distância entre a autoimagem dos filhos e o “filho
perfeito” idealizado pelos pais, emerge um grave problema de autoestima.
A elevada autoestima significa que a pessoa se respeita e se sente
digna da estima dos outros, considerando-se bom, mas não melhor e nem pior
do que as outras pessoas. As pessoas que possuem uma elevada autoestima,
apesar de suas limitações e deficiências, buscam o amadurecimento e o
aperfeiçoamento, sem lamentar-se (Oliveira, 1984).
Resultado
A deficiência visual acarreta na pessoa diferentes reações levando-o a
buscar formas de lidar com essa “perda”. Dentre estas reações está o trauma
social e físico.
Pôde-se constatar que ao ficarem sabendo da deficiência visual, alguns
não aceitaram e/ou negaram esta condição, procurando outras alternativas,
outros se deprimiram e outros buscaram ajuda no Centro de Reeducação
Visual imediatamente.
Para Barczinski (2001) algumas reações psicológicas que ocorrem
devido à perda da visão refletem a negação da limitação, insegurança a
respeito de si mesmo, desconfiança em relação a outras pessoas e suas
intenções, ressentimento pela sensação de não ser querido e aceito pelo
mundo. Muitas vezes a pessoa julga que ser diferente é ser interior e evita
situações sociais podendo cair no isolamento. Além disso, pode considerar a
deficiência visual como mutilação. Pode ocorrer diminuição do contato e do
vinculo com o meio ambiente e do campo visual, ou seja, olha para algo que
não se encontra mais ali. Em alguns casos há dificuldade nas habilidades
básicas como: andar sozinho e/ou realizar tarefas que antes fazia com
independência. Apesar destas reações e sensações serem mais sentidas, não
estabelece uma regra geral para todos os casos de deficiência visual.
O fato de trocar idéias e experiência com os iguais contribui na
conscientização de que o uso da bengala na locomoção da pessoa com
deficiência visual torna-a mais independente. Abaixo alguns depoimentos dos
alunos durante os encontros.
“Quando comecei o treino de orientação e mobilidade e passei a usar a
bengala para me locomover sozinho me senti mais capaz.”
Antonio, 53 anos.
“Eu quero muito usar a bengala para me locomover e parar de bater nas
pessoas na rua, mas minha oftalmologista diz que se isto acontecer vou me
acomodar e parar de usar o resíduo visual que tenho.”
Lenira, 50 anos
“Tenho vergonha de usar a bengala, porque isto significa que as
pessoas vão saber que não enxergo e, também porque minha mãe e meus
parentes me discriminam. Não vou usar a bengala nunca, não preciso. Mesmo
sem enxergar faço tudo igual a quem enxerga.”
Marta, 42 anos.
“Quando comecei a usar a bengala senti vergonha do meu grupo da
igreja, mas num de nossos encontros resolvi explicar o que aconteceu com
minha visão e, para minha surpresa, recebi muito apoio. Isto me fez perder a
vergonha e o medo. Hoje ando sozinho, sem guia vidente.”
Renato, 54 anos.
“Não quero que este grupo acabe. Sempre quis conversar, trocar
experiências com meus iguais.”
Lenira, 50 anos.
“Também quero que nossos encontros continuem acontecendo. É muito
bom estar com estas pessoas.”
Antonio, 53 anos.
“Estou me sentindo mais leve e muito a vontade para falar com meus
colegas sobre como me sinto por causa da deficiência visual. É bom saber que
não estou sozinha.”
Marta, 42 anos.
“Não preciso de bengala porque nunca vou andar sozinha. Estou sempre
com meu marido, minha mãe ou minha irmã. Sou muito bem resolvida com
relação a deficiência visual. Não tenho vergonha. Simplesmente não preciso de
bengala.”
Ovídia, 43 anos
Conclusão
O objetivo proposto foi atingido e superou as expectativas, pois os
participantes sugeriram a continuidade do grupo e, isto está acontecendo. A
troca de experiência entre os alunos contribuiu muito na evolução de uma
autoestima positiva. Estes encontros possibilitaram maior entendimento sobre a
identidade da pessoa com deficiência visual e suas consequências. Foi
possível constatar, através das conversas com o grupo que a deficiência visual
é uma condição que não pode ser generalizada com relação às reações e
aceitação de apoio, pois cada um reage, age e se adapta de diferente forma.
A história de vida de cada aluno participante demonstra como a
deficiência visual se configura na vida de cada um, podendo afetar diretamente
a forma de perceber e lidar com a baixa autoestima.
Este tema foi pensado para provocar as pessoas a se interarem sobre o
assunto, pois os indivíduos/alunos que se deparam com a deficiência visual
perdem várias de suas habilidades individuais e sociais, quer dizer, privam-se
da independência que antes possuíam na vida profissional e social já
estabelecidas e dos planos para o futuro. A autoestima, quando passa por todo
o processo de perda, que vai do luto à adaptação, baseia-se no apoio
psicológico, familiar, escolar e social.
Conclui-se que a troca de experiência entre os iguais nas discussões em
grupo é fundamental que a pessoa com deficiência visual adquira uma
autoestima positiva. Os participantes ressaltaram a importância de que estes
encontros tenham continuidade nos próximos anos, pois certamente um pode
ajudar o outro e juntos apoiar outros colegas com igual necessidade.
Referências
BARCZINSKI, M. C. C. Reações psicológicas á perda da visão. Revista
Benjamin Constant, Rio de Janeiro, abril 2001.
COLL, C.; MARCHESI, Á. e PALACIOS, J. Desenvolvimento psicológico e
Educação: Transtorno de desenvolvimento e necessidades educativas
especiais. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
FONTANA, D. Psicologia para Professores. São Paulo: Editora Manole,
1991.
KÜBLER-ROSS, E. Sobre a Morte e o Morrer. 8ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
MARTIN, M. B. e BUENO, S. T. Deficiência Visual: Aspectos Psicoevolutivos
e Educativos. São Paulo. Santos Editora, 2003.
RODRIGUES, S. M. F. E. A experiência da perda da visão, a vivência de um
processo de reabilitação, e as percepções sobre a qualidade de vida.
2004. 262f. Dissertação de Mestrado em Psicologia da Saúde, apresentada a
Universidade do Minho, Braga.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes,
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