6
 ISSN 18088449 1 XX Encontro de Iniciação à Pesquisa Universidade de Fortaleza 20 à 24 de Outubro de 2014 Tradição para quem? Galinha à Cabidela versus Praticidade.  Ana Lieby Barbosa Costa¹* (IC), Alice Nayara dos San tos² (PQ) 1. Universidade Federal do Ceará   Bacharelado em Gastronomia   PIBIC 2. Universidade Federal do Ceará   Doutoranda em Educação - CNPQ [email protected] Palavras-chave: Cotidiano. Comida. Afetividade. Resumo O trabalho propõe analisar a influência da praticidade na elaboração e no consumo do prato comumente conhecido no Ceará, chamado Galinha à Cabidela. Através de entrevistas acerca da história de sete moradores da capital cearense, busca-se entender quais mudanças essas pessoas tiveram em seu cotidiano com o avanço da tecnologia; bem como a recriação da receita tal qual a memória dos consumidores. Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Reflete-se sobre o binômio afetividade e praticidade relacionado à alimentação dos entrevistados. Utiliza- se a Galinha à Cabidela como um ponto análogo para observar tais modificações, apoiando-se na compreensão que a comida também se comporta como instrumento histórico e cultural (MONTANARI, 2008). Constatou-se que a praticidade se sobrepôs ao prazer das sensações da comida (galinha à cabidela) para os moradores dos centros econômicos. Introdução  Analisar as mudanças envolvidas entre o costume do consumo de galinha à Cabidela com o avanço da tecnologia traz consigo reflexões sobre como a comida para os comensais se comporta como um produto ligado diretamente às emoções. Com a mudança desse costume, tradições como jantares em família e a produção de Galinha à Cabidela como um prato de ocasiões especiais, ficam apenas na memória o tempo e as lembranças da infância de quem participou de tais tradições. “A decadência do costume ine vitavelmente modifica a tradição à qual ele geralmente está associado.” (HOBSBAWM,1997, p. 10). Tentar aliar o costume antigo e o novo tem sido difícil, visto a aquisição de novos e diferentes utensílios da cozinha   que tornam inconvenientes as práticas de algumas técnicas tradicionais, especialmente àquelas desligadas do uso de equipamentos eletrônicos  , a falta de tempo para dedicar-se à prática culinária e o cansaço da rotina maçante. Tais fatores só aumentam essa decadência de um costume. Como assevera Certeau (1996, p. 285): Será que é possível usufruir as vantagens de uma cultura material sem sofrer seus inconvenientes? Será que entre o antigo e o novo há possibilidade de um casamento feliz? Não temos resposta para esta questão central para nós hoje, mas não creio na felicidade de uma humanidade privada de toda atividade física, todo trabalho manual, totalmente entregue ao governo da máquina industrial.

Artigo Sobre Alimentação

Embed Size (px)

DESCRIPTION

O trabalho propõe analisar a influência da praticidade na elaboração e no consumo do pratocomumente conhecido no Ceará, chamado Galinha à Cabidela. Através de entrevistas acercada história de sete moradores da capital cearense, busca-se entender quais mudanças essaspessoas tiveram em seu cotidiano com o avanço da tecnologia; bem como a recriação dareceita tal qual a memória dos consumidores. Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Reflete-sesobre o binômio afetividade e praticidade relacionado à alimentação dos entrevistados. Utilizasea Galinha à Cabidela como um ponto análogo para observar tais modificações, apoiando-sena compreensão que a comida também se comporta como instrumento histórico e cultural(MONTANARI, 2008). Constatou-se que a praticidade se sobrepôs ao prazer das sensações dacomida (galinha à cabidela) para os moradores dos centros econômicos.

Citation preview

  • ISSN 18088449 1

    XX Encontro de Iniciao Pesquisa Universidade de Fortaleza 20 24 de Outubro de 2014

    Tradio para quem? Galinha Cabidela versus Praticidade.

    Ana Lieby Barbosa Costa* (IC), Alice Nayara dos Santos (PQ)

    1. Universidade Federal do Cear Bacharelado em Gastronomia PIBIC

    2. Universidade Federal do Cear Doutoranda em Educao - CNPQ

    [email protected]

    Palavras-chave: Cotidiano. Comida. Afetividade.

    Resumo

    O trabalho prope analisar a influncia da praticidade na elaborao e no consumo do prato

    comumente conhecido no Cear, chamado Galinha Cabidela. Atravs de entrevistas acerca

    da histria de sete moradores da capital cearense, busca-se entender quais mudanas essas

    pessoas tiveram em seu cotidiano com o avano da tecnologia; bem como a recriao da

    receita tal qual a memria dos consumidores. Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Reflete-se

    sobre o binmio afetividade e praticidade relacionado alimentao dos entrevistados. Utiliza-

    se a Galinha Cabidela como um ponto anlogo para observar tais modificaes, apoiando-se

    na compreenso que a comida tambm se comporta como instrumento histrico e cultural

    (MONTANARI, 2008). Constatou-se que a praticidade se sobreps ao prazer das sensaes da

    comida (galinha cabidela) para os moradores dos centros econmicos.

    Introduo

    Analisar as mudanas envolvidas entre o costume do consumo de galinha Cabidela

    com o avano da tecnologia traz consigo reflexes sobre como a comida para os comensais se

    comporta como um produto ligado diretamente s emoes. Com a mudana desse costume,

    tradies como jantares em famlia e a produo de Galinha Cabidela como um prato de

    ocasies especiais, ficam apenas na memria o tempo e as lembranas da infncia de quem

    participou de tais tradies. A decadncia do costume inevitavelmente modifica a tradio

    qual ele geralmente est associado. (HOBSBAWM,1997, p. 10).

    Tentar aliar o costume antigo e o novo tem sido difcil, visto a aquisio de novos e

    diferentes utenslios da cozinha que tornam inconvenientes as prticas de algumas tcnicas

    tradicionais, especialmente quelas desligadas do uso de equipamentos eletrnicos , a falta

    de tempo para dedicar-se prtica culinria e o cansao da rotina maante. Tais fatores s

    aumentam essa decadncia de um costume. Como assevera Certeau (1996, p. 285):

    Ser que possvel usufruir as vantagens de uma cultura material sem sofrer seus inconvenientes? Ser que entre o antigo e o novo h possibilidade de um casamento feliz? No temos resposta para esta questo central para ns hoje, mas no creio na felicidade de uma humanidade privada de toda atividade fsica, todo trabalho manual, totalmente entregue ao governo da mquina industrial.

  • ISSN 18088449 2

    O intuito dessa pesquisa trabalhar com um prato que tenha sido comumente

    preparado para os comensais e que tenha um forte valor emocional at os dias de hoje. Assim,

    tem-se a galinha Cabidela ou galinha caipira, como tambm conhecida. Um prato que

    consiste em cozer e temperar a galinha, acrescentando o seu sangue adicionado de sal e

    vinagre ao final da preparao. Tais entrevistas foram realizadas com Francisca, 42; Jorge,

    48; Maria, 47; Ana, 41; Rodrigo, 38; Carlos, 72 e Regina, 36 cujos nomes foram substitudos

    por pseudnimo para preservar a identidade dos entrevistados.

    Atravs dos seus relatos foi possvel constatar que o avano da tecnologia,

    modificaes no mercado de trabalho, e assim a demanda por praticidade modificaram

    situaes que antes, eram importantes para eles, como a elaborao da galinha Cabidela.

    Descrevem-se, ento, tais modificaes e como passaram a sentir esse prato no seu novo

    costume.

    Metodologia

    A pesquisa, de cunho qualitativo, utilizou-se de entrevistas. Estas foram realizadas com

    sete pessoas distintas cujos nomes aparecem de modo fictcio neste trabalho. Cinco so

    moradoras da capital cearense e duas, do municpio de Caucaia.

    A entrevista consistia em algumas perguntas acerca da histria de cada entrevistado

    com a preparao e o consumo da Galinha Cabidela afim de, atravs dos discursos,

    compreender como a necessidade da praticidade influenciou nos costumes dos entrevistados.

    Utilizou-se tambm, de material bibliogrfico, Montanari (2008), Kingsolver (2008)

    dentre outros, para a constituio da base de anlise das entrevistas.

    Tomam-se como objeto de estudo os dados subjetivos, individuais e mpares de cada

    entrevistado, buscando analisar e descrever as experincias de cada um, assim como refletir

    sobre elas e as mudanas sofridas com o avano da tecnologia e, consequentemente, com a

    necessidade de uma nova rotina.

    Cabe ressaltar que esta pesquisa ainda est em desenvolvimento, no tem por sua vez,

    a finalidade de apontar solues e sim expor uma problemtica que possa gerar reflexes

    sobre a construo e (re) construo da identidade dos cearenses.

    Resultados e Discusso

    Estudar a evoluo da alimentao humana e seus condicionantes possibilita entender

    a comida como parte da cultura de um povo, da construo de seus hbitos alimentares e ao

    seu ambiente de convivncia. Em meio cultura de fast food, possvel perceber que a

    praticidade toma centralidade na rotina da maioria da populao. Em uma poca onde

    economizar tempo primordial, o homem passa a se ater menos s suas sensaes

    alimentcias e preocupa-se mais com sua saciedade biolgica.

    Almoos demorados na presena da famlia ou de amigos, mesmo aos finais de

    semana, so difceis de serem presenciados na atual sociedade, onde o horrio de almoo

    varia entre dez a sessenta minutos. Com um horrio pequeno assim, fica invivel ao homem

    preparar uma refeio igual a que seus pais faziam quando ele era criana. Alia-se, ainda, ao

  • ISSN 18088449 3

    fator deslocao em que a prpria estrutura fsica da cidade no propicia. O trnsito, a

    obstruo das ruas e a distncia entre as moradias e os centros comerciais so fatores que

    fazem milhares de pessoas se alimentarem em servios de alimentao rpidos e fora de suas

    residncias.

    Se durante a semana a populao em geral alimenta-se de forma mais prtica possvel,

    quando em casa, em sua folga; ele busca descansar. Aps a rotina semanal maante, busca-

    se conforto e comodidade em seu dia de folga, o que implica mudanas tambm, nas suas

    refeies caseiras. Procura-se ento, gastar menos tempo com aes que podem ser

    facilmente evitadas: como depenar ou desossar uma galinha que pode ser encontrada em um

    Supermercado j cortada e ou, at, pr-cozida.

    Tal mudana na sociedade atual bem visvel, inclusive at, em naes cujas tradies

    alimentares se mantem de certa forma, fortes; como as europeias, onde a valorizao da

    prpria comida vista mais forte. Como Kingsolver (2008, p. 208) cita:

    O consumo de comida processada cresce no mundo inteiro de mos dadas com o crescimento da riqueza. As estaes de metr na Frana esto cobertas por anncios de comidas de convenincia. Em uma recente viagem a esse pas, participei de encontros e perguntei ao pblico se a Frana corria o risco de perder seu jeito tradicional de comer, e as opinies se dividiram meio a meio em Nunca! e Certamente!. As mulheres trabalhadoras da minha idade e as mais jovens confessaram optar pela convenincia, mesmo quando sabiam que isso estava errado (na concepo delas). Informaram-me que mesmo o instituto nacional de culinria estava entregando os pontos, tendo acabado de divulgar que os cursos de frango no mais comeariam com Introduo a penas, ps e vsceras [...].

    Em resumo, as palavras convenincia e praticidade so duas das que mais se aplicam

    sociedade atual. Essas aes tm mudado no s a rotina, como tambm, os sentimentos de

    muitas pessoas com relao afetividade com a sua comida de origem, em outras palavras a

    sua comida de infncia.

    Com base nos discursos dos sujeitos atravs de suas entrevistas pde-se constatar

    essa tendncia mundial com relao a essas comidas. Nesse sentindo a entrevistada Ana

    revela que o prato de galinha Cabidela importante para ela e que adoraria consumi-lo como

    muito j fizera em sua infncia, porm no lhe conveniente visto que no possui tempo e

    espao para dedicar-se criao de galinhas.

    Quando perguntada sobre o que acha que teria acontecido com o consumo do prato,

    caso a praticidade no fosse to necessria; Ana, falou: Acredito que meus domingos teriam

    continuado com gosto de domingo. Repassaria isso s minhas filhas como minha me passou

    pra mim. Seria uma tradio de famlia.. Para Ana, esse o sentimento que o gosto da Galinha

    Cabidela provoca nela, um saudosismo em relao a um domingo que sempre tinha com sua

    falecida me.

    As analises das entrevistas mostra, ainda, fatos curiosos como a mutabilidade da

    praticidade, diferentemente de uma tradio. Fatos esses j mencionados outrora por

    Hobsbawm (1997, p. 10):

    [...] podem ser prontamente modificadas ou abandonadas de acordo com as transformaes das necessidades prticas, permitindo sempre que existam a inrcia, que qualquer costume adquire com o tempo, e a resistncia s inovaes por parte das pessoas que adotaram esse costume.

  • ISSN 18088449 4

    No caso, tal mutabilidade se aplicaria aos vendedores de galinha os quais os

    entrevistados pediam para que sangrasse e matasse a galinha. Foi um mtodo prtico de ainda

    haver o preparo desse prato, e uma forma mais conveniente, visto a impossibilidade da criao

    de galinha pelos entrevistados e a apatia destes quanto a matarem os animais.

    Foi possvel tambm, compreender que pelo falto de terem tido um menor contato com

    o prato, os entrevistados no chegaram a repass-lo para os seus entes como foram

    ensinados. Pelo menos um dos filhos de cada entrevistado, no gostava do prato devido ao

    estranhamento e a repulsa por conter sangue na preparao. Como no caso de Carlos, que ao

    responder a pergunta seus filhos gostam de galinha Cabidela? revelou que por no ser

    comum no seu dia a dia, os filhos mais novos no conheciam tal preparao.

    possvel conceber que as necessidades mudaram e as sensaes se

    transformaram. A Cabidela, uma galinha cozida, acompanhada a um molho feito com seu

    prprio sangue, sal e vinagre; causa estranhamento por ter na sua constituio, o sangue da

    galinha. Mais da metade dos filhos dos entrevistados que estranharam o prato, so pessoas

    jovens e adeptas de comidas mais prticas. Mas, se tivessem sido apresentadas a tal

    preparao desde suas infncias, como a maioria dos entrevistados foi, haveria alguma

    mudana?

    A comida no boa ou ruim por si s: algum nos ajudou a reconhec-la como tal

    (Montanari, 2008, p.103), pois, gosto um produto cultural. Se a praticidade no fosse um

    recurso to necessrio, possvel que Ana tivesse conseguido passar a tradio de sua me

    s suas filhas, tendo a chance, ainda, de sua filha mais nova que no come Galinha

    Cabidela vir a apreciar o prato. Mas como repassar s suas filhas o que nem ela est

    consumindo como deseja? O que acontecer com pratos como a Galinha Cabidela, que se

    tornaram to pouco convenientes de serem feitos? Princpios como a iniciativa Slow Food

    (PETRINI, 2009) buscam achar solues para o excesso na busca de comidas estilo fast food e

    pouca valorizao de comidas prprias de cada regio. Dessa feita, Montanari (2008, p. 103),

    menciona que:

    possvel reconstruir o gosto alimentar de uma poca to prxima, que nos circunda por toda parte com seus traos e, no entanto, to distante nas referncias estticas de base? O problema-chave identificar o limite entre compreenso e adaptao, reconstruo e recriao, estudo filolgico dos textos e trabalho prtico na cozinha [...].

    A carga afetiva que um o consumo de uma comida pode exercer em algum foi outro

    aspecto presente nas entrevistas. Quando perguntados sobre a primeira vez que comeram

    galinha Cabidela, apenas dois conseguiram lembrar automaticamente o ano preciso,

    enquanto que os demais recordavam na mesma velocidade, de quem a havia preparado. Maria,

    quando perguntada sobre o que o gosto a remetia, hoje em dia, respondeu:

    Eu lembro desse tempo, n?! Quando minha tia fazia, quando eu era, assim, uma jovenzinha. Eu achava aquilo to bom que, na realidade, pra mim, aquilo era um dia de festa. Hoje, pra mim, comum, fcil de fazer; mas quando era naquele tempo, no. Era uma vez por ano. S fazia em ocasies especiais e, criana adora essas coisas, n?! Ento quando eu fao ou quando eu me lembro desse tempo, eu sinto vontade de fazer Galinha Cabidela. So lembranas muito boas, graas a Deus! (Maria, entrevista concedida em 2014)

  • ISSN 18088449 5

    Maria mencionou ainda, que no aumentaria a frequncia atual do consumo do prato,

    pois no quer perder o valor que o mesmo adquiriu em sua infncia, de s ser consumido em

    ocasies especiais. J Rodrigo, h vinte e dois anos deixou de comer galinha Cabidela. Aos

    dezesseis anos, sua av que sempre foi nica pessoa a lhe cozinhar esse prato faleceu.

    Ento ele decidira no mais comer, pois teria fortes e saudosas lembranas da sua av.

    Evidenciando assim a forte carga afetiva de uma preparao culinria com a vida de um sujeito.

    Com exceo de um, os entrevistados afirmaram sair para comer Galinha Cabidela

    em restaurantes. Afirmaram ainda, que no foram experincias ruins; entretanto, tambm

    disseram no ter o mesmo gosto daqueles de suas lembranas. Como relata Ana:

    Quando eu como, eu fico querendo sentir o gosto de como era antes, mas no consigo. A eu fecho os olhos e fico sentindo na boca o gostinho que a sensao de domingo, de almoo em famlia. Hoje em dia no existe mais... tipo um ritual. Domingo era dia de reunir a famlia. No domingo, voc sabia que ia ficar voc, sua me, seu pai, seus irmos e iam comer a Galinha Caipira com Coca Cola. Hoje em dia no existe mais isso... Voc nem comia galinha todo dia, s nos domingos. Na semana era carne ou qualquer outra coisa. (Ana, entrevista concedida em 2014)

    Analisando o relato de Ana, a citao de Moulin (1975, apud CERTEAU, 1996, p. 249-

    250) representa bem essa relao do comer e o sentir, pois, para ele: mais lgico acreditar

    que comemos nossas lembranas, as mais seguras, temperadas de ternura e de ritos, que

    marcaram nossa primeira infncia entende-se como o gosto est intimamente ligado s

    memrias.

    Para os sujeitos entrevistados comer estabelece tambm, uma relao entre as

    pessoas e o mundo. O comer junto cria laos e fortalece os j existentes. Ou seja, comer

    desenvolve ainda, um papel social. Como Ana citou na entrevista, eram comuns almoos e

    jantares com toda a famlia reunida, pelo menos uma vez na semana. Ou como relatou Maria,

    sobre o costume de em ocasies especiais, cozinharem pratos demorados e trabalhosos, como

    a prpria Galinha Cabidela. Tais receitas passaram a ceder lugar a petiscos e pequenos

    salgados, pratos que para a maioria representa a modernidade alimentar.

    Concluso

    Esta pesquisa teve por finalidade refletir sobre a relao entre praticidade e afetividade

    no consumo e preparo da galinha Cabidela e como isso est relacionado na rotina de sete

    moradores da regio metropolitana de Fortaleza. Atravs da anlise de entrevistas, foi possvel

    constatar a mudana ocorrida tanto na rotina quanto na afetividade dos entrevistados em

    relao ao prato. E que a praticidade transforma o que era comum em lembranas e essas

    lembranas exercem forte poder quando se consome o prato, o que pode at, faz-los deixar

    de comer por tempo considervel; como no caso de Rodrigo, que deixou de comer Galinha

    Cabidela h vinte e dois anos, pois o consumo lhe provoca a saudade de sua av.

    Atentando-se ainda, a relao emocional revelada nos gestos e nas falas ao expor seus

    discursos nas entrevistas; foi facilmente possvel ver suas expresses saudosas ao contar suas

    experincias com a galinha Cabidela; e com a galinha Caipira, e a expresso de uma

    esquecida felicidade demonstrada com sorrisos e at uma possvel satisfao, por estar

    lembrando aquelas experincias.

  • ISSN 18088449 6

    Foi levantada, tambm, a questo da recriao do prato; da aproximao deste com os

    filhos dos entrevistados e como seria possvel incitar neles uma relao afetiva como existente

    de seus pais com sua famlia, acerca do prato. uma tarefa difcil, visto que o gosto cultural e

    as relaes da comida hoje com sua populao tm outra conotao. Porm, uma batalha

    vivel, pois existem no mundo diversos movimentos que apoiam, incentivam e divulgam a

    importncia do resgate aos alimentos considerados tradicionais.

    Em suma, o que se tornou mais evidente no trabalho, foi o valor afetivo que a comida

    pode exercer. A comida conta uma histria sobre uma pessoa, uma comunidade e a identidade

    de uma regio e ainda provoca emoes. Comporta-se como carter de saciedade no s

    fisiolgica, mas, sobretudo, emocional.

    Comer uma atividade humana central no s por sua frequncia, constante e necessria, mas tambm porque cedo se torna a esfera onde se permite alguma escolha. Para cada indivduo representa uma base que liga o mundo das coisas ao mundo das ideias por meio de nossos atos. Assim, tambm a base para nos relacionarmos com a realidade. A comida entra em cada ser humano. A intuio de que se de alguma maneira substanciado encarnado a partir da comida que se ingere pode, portanto, carregar consigo uma espcie de carga moral. Nossos corpos podem ser considerados o resultado, o produto de nosso carter que, por sua vez, revelado pela maneira como comemos. (Mintz , 2001p)

    Ademais se almeja que a pesquisa apresentada possa fomentar discusses e reflexes

    sobre a comida cearense a construo da identidade do seu povo.

    Referncias

    CERTAU, Michel de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. A inveno do cotidiano: 2. Morar,

    cozinhar. 5. ed. Petrpolis: Vozes, 1996.

    KINGSOLVER, Barbara. O mundo o que voc come. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

    HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A inveno das tradies. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz

    e Terra,1997.

    MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. So Paulo: Editora Senac So Paulo, 2008.

    MINTZ, S. W. Comida e antropologia: uma breve reviso. Revista Brasileira de Cincias

    Sociais, So Paulo, v. 16, n. 47, outubro/2001. Disponvel em . Acesso

    em 23 ago. 2014.

    Agradecimentos

    Agradecimentos especiais ao Professor Dr. Jos Arimata Barros Bezerra pela orientao no

    grupo AGostoS; e Alice Nayara dos Santos, pelo apoio tcnico, terico e motivacional na

    construo deste trabalho. Agradecimento estendido UFC, pelo apoio financeiro e minha

    av, cuja lembrana me motivou a trabalhar com este tema.