16
  U tg tv A fome e o paladar:  a antropologia nativa de Luis  d a Câmara Cascudo J gn Sn Gv u propósto é sut r lgum s tgors ul nrs no ontxo ul ur populr rslr tl omo so rpr sns n os stuos o tnóg o ollorst Lu s Câm Csu o pr r um ur seus xos, trgo, plorOrmn, lguns proms h póts s ntumnt út s pr um nnmno os s stms u nr os no rs N: Este esaio foi orgnalmee apreseado na 99 Reuão da Ameica Ahopoog1 Assoaon, em So Faiso Caióraere 5 e 19 de novembro de 2 a sesso U gis pf p projeo e pesquia do qua esua ese exO eebe o apoio do CNP, PRJ e UJB  Jos é Re gnao anos Goçae s é proessor/pesquisaor o Progama e Ps-raduao em oiooga e Aopoogia do I FCFJ e pesquisado o CNPq. Esuds Hó  s

José Reginaldo - Sobre Camara Cascudo Alimentação

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Texto

Citation preview

  • 40

    Uma etnografia nativa

    A fome e o paladar: a antropologia nativa de Luis

    da Cmara Cascudo Jos Reginaldo Santos Gonalves

    Meu propsito discutir algumas categorias culinrias no contexto da cultura popular brasileira, tal como so representadas nos estudos do etngrafo e folclorista Luis da Cmara Cascudo. A partir de uma leitura de seus textos, trago, exploralOriamente, alguns problemas e hipteses eventualmente teis para um entendimento dos sistemas culinrios no Brasil.

    Nora: Este ensaio foi originalmente apresentado na 991 Reunio da American AmhropologiciJ,1 Associarion, em So Francisco, Califrnia,entre J 5 e 19 de novembro de 2000. na sesso Sl!tlS/lOUS regimts: lhe poli(juofper ceprion. O projeto de pesquisa do qual resulta este lextO recebe o apoio do CNPq, FAPERJ e FUJB. Jos Reginaldo Santos Gonalves professor/pesquisador do Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Antropologia do I FCS/UFRJ e pesquisador do CNPq.

    Estudos Histricos, Rio de Janeiro, nO 33, janeiro-junho de 2004, p. 40-55.

  • A fOllle e o paladar

    Entre os estudiosos do folclore no Brasil, Luis da Cmara Cascudo certamente o mais conhecido e o mais popular. Ao longo de sua vida, publicou numerosos livros e artigos sobre contos, festas e medicinas populares, provrbios, religies, objetos, gestos, comidas, bebidas, entre outros temas. Ele tambm autor do Dicionrio do folclore brasileiro (Cascudo 1 962 [1954]),1 uma obra utilssima, extensivamente consultada por qualquer um que se envolva com o estudo da cultura popular no Brasil. De ceno modo, esse Dicionrio, publicado pela primeira vez em 1954, constitui um riqussimo catlogo no qual podemos encontrar das mais importantes s mais obscuras categorias da cultura popular brasileira.

    Cascudo nasceu em 1 898, em Natal, capital do Rio Grande do Norte, e morreu nessa mesma cidade no ano de 1986. Nunca deixou a cidade, tendo incorporado essa circunstncia biogrfica como um cone de sua identidade existencial e intelectual. Seus bigrafos tm sublinhado o fato de que Cascudo sempre definiu-se a si mesmo como um "provinciano" (Costa, 1 969). Desde o incio dos anos 1990, a obra de Cascudo vem se tornando o foco de um renovado interesse por pane dos intelectuais e dos meios de comunicao.l

    Seus escritos etnogrficos, em sua maioria elaborados ainda na primeira metade do sculo XX, de certa maneira anteciparam os estudos antropolgicos que floresceram no Brasil nos anos 70 e cujo foco era a vida cotidiana.3 Ao tempo em que escrevia seus estudos emogrficos sobre comidas, bebidas, gestos, palavres, jangadas, redes-de-dormir e outros aspectos da vida cotidiana brasileira, tais temas no eram considerados objetos relevantes para cientistas sociais srios e responsveis. Esses profissionais estavam mais preocupados com temas tais como desenvolvimento econmico, modernizao, polticas de Estado, panidos polticos, e no com aspectos vulgares da vida cotidiana (Gonalves, 1 999).

    No por acaso, Cascudo jamais veio a ser reconhecido como um "cientista social" em sentido estrito. Ainda que fosse um folclorista reconhecido nacional e internacionalmente, sempre ocupou uma posio marginal no sistema acadmico brasileiro. At cerro ponto, sua posio pessoal expressa a marginalidade a que foram submetidos os "estudos de folclore" na vida intelectual brasileira (Cavalcanti e Vilhena, 1992; Cavalcanti, 1992; Vilhena, 1997).

    M.as os seus escritos revelam alguns traos que os distinguem daqueles produzidos por outros folcloristas brasileiros. M.uitas vezes, Cascudo inicia suas frases afirmando: "Ns, o povo, acreditamos que ... ". Ele assume explicitamente, como autor, um ponto de vista sob o qual escreve no "sobre a", mas "a parrir da" prpria cultura popular. Assume, deste modo, as categorias dessa cultura, particularmente da cultura popular do Nordeste. Por sua vez, essa cultura identificada em seus escritos como uma espcie de "sobrevivncia" (ainda que bastante viva na atualidade) herdada do Brasil "tradicional", cuja existncia histrica se desenrola do sculo XVI ao sculo XIX.

    41

  • 42

    estudos histricos. 2004 - 33

    Em seus escritos etnogrficos, possvel reconhecer no o clssico "eu estive l" dos antroplogos sociais ingleses e dos antroplogos culturais norteamericanos, mas, alternativamente, o "eu sempre estive aqui", prprio do etngrafo nativo (Clifford, 1996). Como disse h pouco, Cascudo sempre se definiu, existencial e intelectualmente, como um "provinciano", em oposio ao universo social e cultural da "metrpole". Ele transformou, assim, essa circunstncia biogrfica e geogrfica em uma perspectiva intelectual e existencial que define o seu perfil como autor. At certo ponto, possvel dizer que Cascudo v o Brasil do ponto de vista da "provncia" (Gonalves, 1999).

    Do ponto de vista etnogrfico, nesse momento que seus escritos tornam-se mais interessantes. Quando escreve sobre a cultura popular, tomando-a como um objeto de pesquisa distante, ou quando pensa como um estudioso do folclore, ele tende a construir suas interpretaes em termos difusionistas, buscando as origens e reconstituindo os processos de difuso de determinados itens culturais no tempo e no espao; ou, eventualmente, pensa em termos funcionalistas, procurando encontrar as funes que certos itens culturais podem desempenhar no contexto das relaes sociais cotidianas. Em resumo, quando ele pensa teoricamente, seus escritos parecem historicamente datados.

    Mas, na maioria das vezes, Cascudo escreve como um nativo. Pensa menos como um "engenheiro" e mais como um bricoleur. Suas reflexes so sistematicamente organizadas por categorias nativas, e seus escritos seriam assim melhor descritos como uma espcie de antropologia nativa. Seus estudos, na medida em que focalizam extensivamente tpicos associados a experincias corporais (tais como comida, bebidas, gestos, objetos materiais etc.), revelam um rico ponto de vista nativo sobre concepes do corpo humano e dos sentidos na cultura popular brasileira.

    Uma vez que sugiro interpretar Cascudo como um escritor que constri reto ricamente sua autoria como um etngrafo nativo (Gonalves, 1999),4 expressando idias e valores de sua prpria sociedade e cultura, qual a relevncia de suas categorias de pensamento para o entendimento dessa sociedade e cultura? O que podemos aprender sobre a cultura brasileira em seus escritos? Mais especificamente, o que podemos aprender, por seu intermdio, sobre prticas e representaes populares da alimentao no Brasil?

    Alill/Clltao e natureza hUlI/alla

    O tpico "alimentao" se faz amplamente presente nos escritos etnogrficos de Cascudo. Comida e bebida aparecem em muitos de seus estudos sobre narrativas, provrbios, festas populares, religies elC. Mas ele tambm escreveu trabalhos especficos sobre o tema. Um deles a Histria da a/imemao 110 Bra-

  • A fome e (J pnlru/ar

    sil, obra em dois volumes publicada pela primeira vez em 1967 (Cascudo, 1983 [1963]). Em 1968, publicou um livro breve, porm til, sobre a histria e os significados da cachaa, Preldio cachaa (Cascudo, 1986 [1968]). Em 1977, publicou aAmologia da alimentao /lO Brasil, em que reuniu um conjunto de textos literrios, documentos histricos, arrigos de jornais antigos e textos de estudiosos do folclore sobre comidas e bebidas. Ao longo de sua carreira, publicou numerosos artigos sobre as diversas formas de classificao, preparo e consumo de comidas e bebidas no Brasil.

    Na maioria de seus estudos, no entanto, praticamente impossvel isolar

    essas formas de preparao e consumo de comidas e bebidas de outros tpicos. E impossvel separ-las do sistema de relaes sociais e simblicas, das festas, religies e medicinas populares, dos provrbios, narrativas e relaes mgicoreligiosas com os santos, com os morros etc. Neste sentido, categorias como "nutrio" e "alimentao", "comida" e urefeio", "fome" e "paladar", "cru" e "cozido", entre outras, integram de fato um vasto sistema de categorias que estruturam seus escritos ernogrficos e sua interpretao da cultura popular brasileira.

    No incio de sua HisTria da alimemao /Ia Brasil, Cascudo (1983 [1963]) ope sua prpria perspectiva intelectual a uma OUlra, expressa por Josu de Castro ( 1908- 1973), autor deA geografia dafome (Castro, 2002 [1946]) e de outros livros e artigos sobre a experincia humana da "fome". Se Castro escreve do ponto de vista da "fome", Cascudo afirma escrever sobre comidas e bebidas populares do ponto de vista do "paladar".)

    N a perspectiva de Castro, um sistema de alimentao funciona para alimentar as pessoas, para satisfazer as necessidades biolgicas de uma determinada populaao. Argumentando nos termos de uma concepo "estratigrfica" de cultura, fundada em relaes funcionais entre os nveis biolgico, psicolgico, social e cultural (Geerrz, 1973: 37), Castro entende a fome como uma necessidade biolgica a ser satisfeita, de modo mais ou menos bem-sucedido, pelas instituies sociais, econmicas e polticas. Sociedade e cultura so pensadas, portanto, como dimenses a serem acionadas para resolver o "problema da fome". O "paladar" (em oposio fome) assim pensado como algo suplementar e definido aleatoriamente.

    Mas, na perspectiva de Cascudo, o "paladar" determinado por padres, regras e proibies culturais. Mais que isso, segundo ele, o paladar um elemento poderoso e permanente na delimirao das preferncias alimentares humanas, e esr profundamente enraizado em normas culturais. Diz Cascudo (1983 [1963]: 26-7): "A escolha de nossos alimentos dirios est intimamente ligada a um complexo cultural inflexvel. O nosso me/lu est sujeira a fronteiras intransponveis, riscadas pelo costume de milnios". Assim, o paladar no pode ser facilmente modificado por polticas pblicas fundadas no argumento mdico de

    43

  • 44

    estudos !ris/ricos. 2004 - 33

    que determinados alimentos oferecem um maior valor nutritivo. Para Cascudo (1 983 [ 1963]: 1 9), " indispensvel ter em conta o fator supremo e decisivo dopaladar. Para o povo, no h argumento probante, tcnico, convincente, contra o paladar. .. ". Modificaes do paladar, argumenta, dependero da mesma fonte de sua formao: o tempo.

    Qualquer sociedade ou cultura humana elabora alguma forma de distin--

    o entre a fome e o paladar. E importante, no entanto, focalizar a natureza da re-lao entre essas categorias. No caso dos escritos de Cascudo, e particularmente das categorias neles expressas, o paladar desempenha uma funo dominante, enquanto a fome, uma funo subordinada. Em tal perspectiva, so as regras culturais e as trocas sociais que definem a natureza humana, e nao as necessidades biolgicas. Um sistema alimentar funciona no exclusivamente para satisfazer essas necessidades, mas para expressar um paladar cultural e historicamente formado. Como uma necessidade natural, a fome vem a ser satisfeita por qualquer tipo de alimento, do mesmo modo que a sede satisfeita pela gua. Mas o paladar est associado a modalidades distintas de comidas e bebidas. Mais que isso, est associado a formas especficas e particulares de preparao, apresentao e consumo. Por intermdio do paladar, os indivduos e grupos distinguem-se, opem-se a outros indivduos e grupos. Por essa razo, o paladar situa-se no centro mesmo das identidades individuais e coletivas.

    Nesse sentido, tanto o "paladar" quanto a "fome" podem ser pensados como categorias muruamente opostas, como princpios estruturais por meio dos quais as relaes sociais e os conceitos de natureza humana so culturalmente organizados. Se tomamos como ponto de partida uma ou outra dessas categorias, chegamos a compreenses diferentes do que sejam a sociedade e a cultura e, basicamente, do que seja a natureza humana. Se nossa reflexo estiver baseada na "fome" como uma necessidade natural (como fa7 por exemplo,]osu de Castro), a sociedade ser concebida como uma "coleo de indivduos", e a cultura, como um conjunto de instrumentos por meio dos quais a natureza humana, supostamente fraca e dependente, poder e dever ser compensada. Nessa perspectiva, a natureza humana tende a ser entendida em termos biolgicos. Vale lembrar, nesse momento, o que antroplogos como Mary Douglas tm assinalado: fome no falta de comida, mas ausncia de relaes sociais e culturais (Douglas, 1975 e 1982).

    Entretanto, se tomamos o "paladar" como uma norma cultural, a sociedade humana vem a ser entendida como um domnio simblico constitudo por relaes e diferenas. E este o sentido da perspectiva de Cascudo sobre a alimentao. Em seus escritos, a alimentao existe na cultura e na histria, e no fundamentalmente na natureza. Desse ponto de vista, a natureza humana concebida como formada cultural e historicamente. Por meio dos alimentos, indivduos e coletividades fazem conexes e estabelecem distines de natureza so-

  • A fome e o paladar

    cial e cultural. A alimentao, assim, como j foi sugerido, no apenas "boa para comer".

    A categoria "paladar" (em oposio explcita e implcita a "fome") atravessa o conjunto das reflexes de Cascudo sobre comidas e bebidas. Mais do que uma perspectiva terica construda em termos estritamente acadmicos, a concepo de Cascudo expressa uma viso corrente sobre o tema no cotidiano da sociedade brasileira. Em outras palavras, assume-se no cotidiano que os alimentos funcionam basicamente para expressar e celebrar diferentes espcies de relaes sociais e culturais. Eles desempenham diversas funes, mas no exclusiva ou principalmente aquela de alimentar ou satisfazer a fome como necessidade natural.

    AlimCllto e comida; comida c refeio

    H nos escritos de Cascudo, e na cultura popular brasileira, uma distino entre "alimento" e "comida".6 O alimento est associado experincia fisiolgica da subsistncia e da fome. J em relao comida, diz Cascudo (1962 [1954]: 228) em seu Dicionrio do folclore brasileiro: "Transcende do simples a to de alimentar-se a significao da comida". A comida , assim, social e culturalmente significativa e, conseqentemente, distinta da experincia estritamente fisiolgica de alimentar-se. A "comida" tem a ver com apetite e paladar. No caso do "alimento", o apetite substitudo pela fome. A "comida" est associada a um corpo que culturalmente formado, e a um paladar igualmente formado; mas o alimento tem a ver com um corpo concebido em termos estritamente fisiolgicos, definido em termos de suas necessidades biolgicas elementares. Se a "comida" est associada a um ser humano concebido em termos de "paladar", e portanto de escolha cultural, o "alimento", por sua vez, est associado a um ser humano entendido como indivduo infeliz, fraco, faminto e dependente da sociedade para compensar essa intrnseca fraqueza e infelicidade (sobre essa idia, ver o importante ensaio de Marshall Sahlins, 1996).

    -

    Mas h ainda outra oposio importante nos escritos de Cascudo. E a-quela definida entre o ato social e cultural de comer e o ato igualmente social e cultural de participar de uma "refeio". A "comida", tal como entendida por Cascudo, pode estar presente em diferentes situaes sociais e culturais. J a "refeio" entendida como uma situao social e cultural particular e fortemente ritualizada. Ela pressupe, obrigatoriamente, um modo especfico de preparar, de servir e de consumir. Participar de uma refeio no o mesmo que simplesmente comer. A diferena entre a "refeio" e o "comer" est baseada em um processo de transformao de uma situao informal e casual em uma situao mais estruturada em termos sociais e culturais.7

    45

  • 46

    estlldlJs hist6ricos. 2004 - 33

    Na verdade, podemos perceber a oposio entre a "comida" e a "refeio" em diferentes sociedades ou culturas. So categorias universais (assim como o paladar e a fome, o cru e o cozido). Mas, no contexto da obra de Cascudo (e na cultura popular brasileira, tal como descrita nessa obra), esses termos adqui' rem um conjunto de significados particulares. Primeiramente, integram categorias mais amplas, de natureza social, histrica, fisiolgica, geogrfica, cos-

    o

    molgica. E possvel dizer que Cascudo, implicitamente, pensa a "comida" e a "refeio" como "falOS sociais lOtais", no sentido atribudo a essa expresso por Marcel Mauss (1973 [1950]). Conforme j assinalei, impossvel, no contexto da obra de Cascudo, isolar esses termos de outras oposies presentes em seu pensamenlO, tais como tradio/modernidade, provncia/metrpole, cultura popular/cultura erudita, cspontaneidade/autocontrole, corpo/alma, vivos/monos, passado/presente, divindades/seres humanos, animais/seres humanos etc. Esses termos devem ser entendidos no contexto dessas outras oposies. Do ponto de visla de Cascudo, esse parece ser o caso para o que ele entende como Brasil tradicional (a colnia e o imprio, ou o "Brasil Velho", segundo uma expresso sua), ou para as prticas e representaes contemporneas da culrura popular.

    Para Cascudo, uma "refeio" implica necessariamente uma forma de comportamento organizado a partir de um rilmo lento. Esse ritmo usualmente associado aUlOridade social e cultural, em oposio a posies subordinadas (Cascudo, 1987 [ 1973]: 177-8). A refeio implica um processo longo e complexo de preparao, apresentao e consumo de alimentos e bebidas, marcando assim sua distino do simples alO de alimentar-se. Deste modo, a refeio se ope claramente quela espcie de comida que as pessoas podem consumir de modo casual na vida cOlidia na. U ma "verdadeira" refeio nunca realizada de modo apressado, segundo Cascudo. Ele tambm assinala que a refeio, no contexto lradicional brasileiro, deve ser realizada em silncio, as pessoas fazendo um uso mnimo de palavras.

    Historicamente, nos termos de Cascudo, as refeies so permanentes, antigas, profundamente enraizadas em lempos ancestrais, seguindo os rirmos da tradio, assim como os ritmos csmicos e naturais. O simples ato de "comer" no tem, por sua vez, esse carter antigo e permanente, sendo casual e sujeilO s transformaes rpidas ditadas pela moda. As refeies so necessariamente coletivas; so parte integrante de uma lOtaI idade csmica, natural, social e histrica. Comer, por sua vez, tende a ser um alO fragmentrio, casual, individualizado e eventualmente solitrio. As refeies estabelecem conexes entre os seres humanos, entre estes e as divindades, entre os vivos e os mortos etc. Comer, por outro lado, conecta os seres humanos com suas necessidades individuais, passageiras e eventuais. Uma refeio envolve tanto relaes no contexto domst.ico quanto situaes altamente ritualizadas, cujos parceiros so criaturas distantes, como divindades, santos e mortos (Cascudo, 1983 [1963]).8

  • A fOllle e opa/nr/ar

    Cascudo distingue diferentes espcies de refeies na sociedade e na cultura brasileira e focaliza a distino entre formas tradicionais e modernas de refeies. Segundo ele, at fins do sculo XIX e princpio do sculo XX (portanto, no que ele chama de "Brasil Velho"), a seqncia das refeies dirias era organizada do seguinte modo: a primeira refeio era o "almoo", por volta de sete horas da manh; a segunda era o "jantar", por volta de meio-dia; em seguida, a "merenda", uma curta refeio em torno de trs horas da tarde; e, finalmente, a "ceia", por volta de seis horas.

    Ainda segundo Cascudo, a partir do sculo XX, e no Brasil contemporneo (a Histria da alimentao no Brasil foi originalmente publicada em 1963),9 teramos a seguinte seqncia: "caf da manh", "almoo", "lanche" e, finalmente, o "jamar". Essas formas de organizao da seqncia das refeies dirias fazem sistema com tcnicas culinrias, certas espcies de comidas e bebidas, e modos especficos de apresentao e consumo (Cascudo, 1983 [1963]). Segundo o pomo de vista de Cascudo, no somente as refeies, mas tambm todos os demais componentes do sistema culinrio vieram a modificar-se sob a gide da oposio cultural e histrica entre um Brasil tradicional e um Brasil moderno.

    Sistemas culilltrios brasileiros

    Como um conjunto de prticas e representaes, os "sistemas culinrios" 10 esto intimamente integrados a determinadas cosmologias, unindo a pessoa, a sociedade e o universo, e identificando a posio e o comportamento do ser humano nessa totalidade. As preferncias alimentares, os modos de cozinhar, aS formas de apresentao dos alimentos, as maneiras de mesa, as categorias de paladar ou gosto, todos esses elementos inter-relacionados compem um cdigo cultural por meio do qual mediaes sociais e simblicas so realizadas entre os seres humanos e o universo. Como estgios em um longo e complexo processo, esse sistema opera uma importante transformao simblica da natureza cultura, da fome ao paladar, do alimento comida, e da comida s refeies, assim como opera mediaes no menos importantes entre distintos domnios sociais e culturaisIl

    Se os escritos de Cascudo sobre comidas e bebidas forem lidos sob a tica definida pelo conceito de "sistema culinrio" (Mahias, 1991), perceberemos que as formas descritas de aquisio, preparao, apresentao e consumo de comidas e bebidas so termos sistematicamente inter-relacionados, ainda que no explicitamente. Na verdade, Cascudo nos traz uma percepo nativa daquilo que poderamos chamar de "sistema culinrio" popular brasileiro. Baseado em pesquisas bibliogrficas e de arquivos e em sua memria e experincia biogrfica, Cascudo descreve as preferncias brasileiras tradicionais por determinadas co-

    47

  • 48

    estudos histricos. 2004 - 33

    midas e bebidas, assim como os meios especficos de as preparar, servir e consumir. A perspectiva de Cascudo historicamente orientada, e seu foco descritivo est voltado para um Brasil "tradicional", que teria existido em sua inteireza at fins do sculo XlX. Um Brasil do passado (o "Brasil Velho"), mas ainda assim existindo na forma de "sobrevivncias"ll ainda ativas em diversas modalidades da chamada cultura popular contempornea no mundo rural e urbano. Suas fontes so textos de viajantes dos sculos XVI, XVII, XVIII e XIX; textos literrios nacionais e estrangeiros de perodos histricos diversos; e especialmente sua experincia biogrfica como membro da elite nordestina brasileira, na condio de um etngrafo nativo. Como etngrafo, Cascudo costumava entrevistar exescravos, ex-proprietrios de escravos, cozinheiras, seus prprios empregados e empregadas domsticas, membros de sua famlia (especialmente as mulheres), cozinheiros de restaurantes, pescadores e toda sorte de pessoas envolvidas direta ou indiretamente com atividades culinrias (Cascudo, 1983 [1963]).

    Num estilo no muito distante de James Frazer, Cascudo rene um conjunto de dados histricos e etnogrficos relati vos ao Brasil e a outras partes do mundo. Ali vemos um vasto acmulo de informaes sobre diferentes elementos ou aspectos do sistema culinrio brasileiro: formas de escolha, aquisio, preparao, apresentao e consumo de determinados alimentos e bebidas, maneiras de mesa, categorias de paladar, modos de lidar com os restos de comida etc. No nvel mais consciente e explcito da organizao de seu pensamento, ele ordena esses dados em uma seqncia histrica que se estende do Brasil tradicional ao Brasil que lhe contemporneo, ou seja, do sculo XVI ao sculo XX. No entanto, meu ponto que os escritos etnogrficos de Cascudo sobre comidas e bebidas tendem a se configurar de modo muito mais rentvel, do ponto de vista descritivo e analtico, se os lemos, no em termos dessa seqncia evolucionria, mas de um modo sistemtico e sincrnico. Neste sentido, o Brasil tradicional e o Brasil moderno no so apenas dois momentos numa seqncia histrica, mas dois modos distintos de interpretar a vida social e cultural do Brasil contemporneo.

    No primeiro volume de sua Histria da alimentao /10 Brasil, Cascudo (1983 [1963]) descreve o que considera ser as formas indgenas, africanas e portuguesas da culinria. Seguindo, em linhas gerais, a conhecida "fbula das trs raas" (DaMatta, 1990 [1987]), Cascudo argumenta que uma cozinha nacional brasileira teria se configurado por volta do final do sculo XVIII, como produto histrico da dominao social e cultural portuguesa sobre os sistemas indgenas e africanos de alimentao. De certo modo, o sistema culinrio brasileiro veio a se constiruir como a sntese dessas trs tradies culinrias, sob a gide da herana cultural portuguesa.

  • A fome c o paln/lnr

    A fome e o paladar

    Se focalizamos nos textos de Cascudo a fome e o paladar, no como experincias naturalmente dadas, mas como categorias culturais, podemos dizer que a categoria "paladar" domina o sistema culinrio tradicional; a fome, por sua vez, domina o sistema moderno. Segundo Cascudo, o "paladar" desempenha um papel dominante nas refeies tradicionais; mas a "fome" tende a ser o fator dominante nas formas modernas, ocasionais e irregulares de alimentao cotidiana (Cascudo, 1983 [1963)).

    Cascudo argumenta que no mundo moderno, especialmente nas reas urbanas, as refeies no desaparecem, mas tendem a ser substirudas por prticas de alimentao ocasionais, irregulares e ligeiras. Restaurantes e locais de venda da chamadafast-food substiruem o espao da comida feita em casa. Relaes sociais e culturais so substirudas por necessidades imediatas. O apetite e o paladar perdem espao para a fome. Nutricionistas ocupam o lugar dos cozinheiros tradicionais. Comidas enlatadas substiruem longos e complexos processos de preparao de alimentos. Comportamentos casuais, barulhentos e apressados competem com o ritmo lento e silencioso das refeies tradicionais (Cascudo, 1983 [1963)). Desse modo, fome e paladar so pensados como categorias intimamente l igadas a distintas formas de vida social e cultural. Poderamos talvez falar da diferena entre uma "cultura da fome" e uma "cultura do paladar".

    Como um esrudioso do folclore, com uma orientao cultural e histrica, Cascudo percebe os itens que compem o sistema culinrio brasileiro nos termos de uma seqncia histrica. Mas, como uma etnografia nativa, seus escritos revelam o carter sistemtico das relaes entre esses itens. Do pontO de vista de Cascudo, vale ainda sublinhar, as formas tradicionais de vida e de pensamento, como "sobrevivncias", esto ainda ativas e poderosas (ainda que no predominantes) na vida cotidiana brasileira contempornea.

    No entanto, importante qualificar a distino entre os conceitos tradicionais e modernos de fome e paladar. De acordo com a percepo nativa de Cascudo, ambas as categorias esto presentes tanto no contexto tradicional quanto no contexto moderno brasileiro. Seus escritos sugerem, no entanto, que nos contextos tradicionais esses conceitos esto totalmente embutidos em relaes sociais e culrurais. Eles fazem parte de categorias totais. Nos contextos modernos, no entanto, a fome e o paladar tornam-se categorias individualizadas e autnomas (e, por isso mesmo, naturalizadas) em face das relaes sociais e culturais. Nos contextos tradicionais, por exemplo, no Brasil colonial, possvel distinguir o paladar do escravo e o paladar do seu proprietrio. O paladar parte inseparvel dapersona de cada um deles. Por outro lado, nos contextos urbanos modernos, o paladar torna-se autnomo. Ele transforma-se em "bom gosto" (o gosto do

    49

  • 50

    esturlos histricos - 2004 - 33

    gaslrnomo) e teoricameme independeme de calegorias sociais ou raciais (Flandrin, 1991). A categoria "paladar" torna-se to individualizada e assume contornos semnticos to delimitados quamo a categoria "fome", ambas fundadas numa concepo moderna e igualilria da natureza humana (Dumom, 1977; Sahlins, 1996).

    Comelltrios filiais

    Por que, nos escritos etnogrficos de Cascudo, lpicos como comidas e bebidas recebem tama ateno, alm de oUlros objetos e experincias da vida cotidiana?

    De ceno modo, assim como os waigu'a trobriandeses (Malinowski, 1974 [1 922]), as brigas de galos balinesas (Geenz, 1973), o gado Nuer (Evans-Pritchard, 1973 [ 1940]), ou a feitiaria Zande (Evans-Pritchard, 1976 [1951]), comidas e bebidas parecem constiluir-se em uma extensa e difusa linguagem, por meio da qual indivduos e grupos no Brasil falam sobre e para si mesmos. Cenameme, comida e bebida compem uma linguagem universal, e seu uso pode ser reconhecido em qualquer sociedade ou cultura. De modo algum isto seria uma peculiaridade brasileira. No entamo, possvel especular que no Brasil essa linguagem pode assumir um papel preponderante na vida cotidiana. Neste semido, ela uma espcie de linguagem privilegiada que as pessoas usam para descrever suas experincias pblicas e privadas.

    ,

    E um fato usualmeme apomado por visitames eSlrangeiros que, no Brasil, as pessoas, no dia-a-dia, falam obsessivamente de comidas e bebidas. Em sua Histria da alimentao 1/0 Brasil, Cascudo rene 138 lermos culinrios (comidas, bebidas, frutas, doces, formas de preparaI; de servir e de consumir comidas etc.) usados s cemenas em expresses populares e provrbios na vida cotidiana brasileira. Cascudo tambm menciona dois omros autores que igualmentc colelaram cemenas de expresses. Mas qual a imporlncia da comida na cultura popular brasileira? Qual a freqncia com que aparecem sendo usadas para descrever os alribulos morais e o comportamento das pessoas, c para avaliar siluaes e experincias humanas?

    Um de meus propsitos neste artigo foi sugerir que os escritos elnogrficos de Cascudo (especialmeme aqueles que versam sobre comidas e bebidas) seriam melhor considerados se tomados no simplesmente como lrabalhos datados em lermos de anlise terica (o que, parcialmente, so), mas como documemos elnogrficos nativos. Como tal, eles requerem um trabalho de descrio e anlise que os situem como ricas expresses de representaes coletivas relativas sobre os significados da comida na vida cotidiana brasileira comempornea, assim como em diversos outros momemos histricos. Suas idias so a expresso

  • A fome e o paladar

    escrita de categorias sociais e culturais em ampla circulao na sociedade brasileira. Neste sentido, esses escritos podem deixar de ser lidos apenas como fontes de informao histrica e cultural. Pois eles so, na verdade, fontes de perspectivas para o entendimento da cululra popular brasileira. Uma vez que Cascudo, como um bricoleur, pensa por meio de categorias culturais nativas, ele oferece ao leitor pontos de vista originais sobre diferentes aspectos do cotidiano brasileiro. Mais do que nos trabalhos de qualquer outro estudioso do folclore no Brasil, seus escritos sobre alimentao podem trazer um ponto de vista estimulante e at o momento no plenamente explorado para o entendimento desse e de outros tpicos da cultura popular brasileira.

    Notas

    J. Sobre o Dicionrio do folclore brasileiro, ver o verbete produzido por Martha Abreu em Silva (2003). 2. Um exemplo recente o Diciollrio critico Cmara Cascudo, Ulilssima fome de consultas sobre a obra desse amor, organizado por Marcos Silva (2003).

    3. A obra importante e innuente de Roberto DaMaua , de certO modo, emblemtica da antropologia brasileira nos anos 70 (OaMaua, 1973).

    4. Esse pomo , de certo modo, assinalado por Margarida de Souza Neves cm seu excelente verbete sobre uTradio: cincia do povo" (Neves, 2003).

    5. Afirma Cascudo (1983 [19631: 16)em sua J-Jisr,ia da alimeruao 110 Brasil: uAndei uma temporada tentando Josu de Castro, em conversa e carta, para um volume comum e bilnge. Ele no idioma da nutrio e cu na fala eLnogrfica. O Anjo da Guarda de J osu afastou-o da 'em ao diablica. No daria certo. Iosu pesquisava a fome e cu a comida. Interessavam-lhe os careccnles c eu os

    alim entados, motivos que hurlaieuI dc se lrol/ver cl1semble. Na sua Geografia da fome, no prefcio, Josu alude ao projelo de uma 'histria da cozinha brasileira', de quem me libertei tambm".

    6. Para uma interessante elaborao dessa distino, ver DaMalla (1984).

    7. Para uma elaborao da oposio enlre situaes Cormais e inCormais em relao alimentao, ver Douglas (1975).

    8. Essa distino pode, de certo modo, ser aproximada daquela construda por Waltcr Benjamin entre O contexLO lradicional do "narrador" c o contexto moderno, no qual se verifica a decadncia desse personagem (Benjamin, 1986).

    9. uEscrilO inicialmente como encomenda para a Sociedade de ESludos Histricos Pedro 11, esse livro foi publicado pela primeira vez em maro de 1963" (ver Pinto e Silva, 2003: 99).

    10. Para uma til elaborao do conceito de "sistema culinrio", ver o verbclc de Mahias(199I}.

    5/

  • 52

    '$fl/dos "ist,icos e 2004 - 33

    11. Uma impon3me fonte de insighls sobre cdigos culinrios a obra de Claude Lvi-Strauss sobre mitologia amerndia (ver LviStrauss, 1964, 1966 c 1968). Mas a literatura recente sobre o tema vasta. Entre os estudos na rea de antropologia e de histria, algumas referncias [cis so: Jack Goody (i 982 e 1998); Mary Douglas (1975 e 1982); C. Counihan e I Van Esterik (i 997); S. Mennell (i 985); M. Montanari (1996); S. Mintz (1985); ].-L. Flandrin e M. Montanari (1996), ej.-L. Flandrin e j. Cobbi (1999). Um nmero especial da revista Honzmues Antropolgicos (n. 4,1996) foi dedicado ao tema "alimentao".

    Referllcias bibliogrficas

    ABREU, Martha. 2003. "Dicionrio do folclore brasileiro", em SILVA, Marcos. Dicionn'o critico Cmara Cascudo. So Paulo, Perspectiva.

    BENJAMIN, Walter. 1986. "O narrador. Consideraes sobre a obra de Nicolai Leskov", em ROUANET, S. r. (org.). Walter Benjamin: obras escolhidas. So Paulo, Bmsilicnse.

    CASCUDO, Luis da Cmara. 1962 [1954J. Dicio,rrio do folclore do Brasil. Rio de janeiro, lNL.

    --o 1983 [1963 J. Histria da

    alimemao ,w Brasil. 2 vols. So Paulo, Itatiaia.

    ---o 1986 [1968]. Preldio cachaa. So Paulo, Itatiaia.

    --.1987 [1973]. "Autoridade e pressa", em HisLria dos nossos geslOS. So Paulo, Itatiaia.

    12. A categoria "sobrevivncia", nos textos de Cascudo, no tem o sentido estritamente evolucionista ao qual est associado. Na verdade, o uso que ele faz dessa noo acompanha a ambigidade com que ela aparece nos texLOS de um de seus autores favoritos, James Frazcr. Para este, a idia de sobrevivncia trazia, alm do sentido de algo do passado que leria simplesmente permanecido ao longo do tempo, o significado de algo selvagem que existiria ativamente sob a calma superfIcie da "civilizao", podendo manifestar-se a qualquer momento. Sobre esse ponto na obra de Frazer, ver Stocking j r. (1996: XXV).

    ---o 1977. Amologia da alimentao,1O Brasil. Rio de Janeiro, Livros Tcnicos e Cientficos.

    CASTRO,josu de. 2002 [1946J. A geograjiadafome. Rio de Janeiro, Civilizao Brdsileira.

    CAVALCANTI, Maria Laura. 1992. "Os estudos de folclore no Brasil", em Folclbrc e cu ll'ura popular: as vrias faces

    de u m dehate. Srie Encomros e Estudos. Centro Nacional de Folclore e CulLuni Popular. Rio de Janeiro, Funarte/CNFCr.

    CAVALCANTI, Maria Laura v.c. & VlLHENA, Luiz Rodolfo. 1992. I'Traando fromeiras: Florestan Fernandes e a marginalizao do folclore)}. ESlIIdos Histricos, Rio de janeiro, CPDOC/FGY, n. 5.

    CUFFORD, Jamos. 1996. A experincia etnogrfica: antropologia e lizeramra rw

  • sculo XX (organizao deJos Rcginaldo Santos Gonalves). Rio dc Janeiro, UFRJ.

    COSTA, A. 1969. Viagem ao IIl1r"""O de Cmara Cascudo: temativa de ensaio bibliogrfico. Natal, Fundao Jos Augusto.

    COUN1HAN, C. & VAN ESTER1K, P. (cds.). 1997. Food muI cullllfe: o reade< London, Routledge.

    DAMA1TA, Roberto. 1973. Com(niois, mala11dros e heris: por rmlQ sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro, Zahar.

    ---o 1984. O qlle faz do Brasil Brasil.

    Rio de1anciro, Roeco.

    --.1990 [1987[. "Digresso: a fbula das trs raas, ou o problema do racismo brasileira", em Relotivizando: uma introduo amropologia social. Rio de J anciro, n.occo.

    DOUGLAS, Mary. 1975. "Dcciphering a mcal", em lmplicit memlillgs. Londres, Roulledgc.

    ---o 1982. lI/lhe aclive vojee. Londres,

    Routledge.

    DUMON"f, Louis. 1977. Homo acquolis. Paris, Gallimard.

    EVAN SPRTICHARD, Edward Evan. 1976 [195 I J. Il7itcileraft, or"cks olld magic amollg lhe Azollde. Oxlord. Oxford University Prcss.

    ---.. 1973 [1940[. H,"ucr. Oxford, Oxford Univcrsity Press.

    FLANDRIN,Jean-Louis. 199\. "A distino pelo gosto", em Histria da vida privada, vol 3. So Paulo, Cia. das LClrds.

    FLANDRIN, Jean-Louis & MONTANARI, Massimo. 1996. Histria da a/imemoo. So Paulo, Estao Liberdade.

    A fomc c V paladar

    FLANDRIN, Jean-Louis & ]ACOBI, J ane. 1999. 7bles d'''ier, lohles d'ail/eu". Paris, Odile Jacob.

    GEERTZ, Cliflord. 1973. 77/C i,uerprerariall ofculwrcs. Ncw York, Basic Books.

    GONALVES,Jos Reginaldo Santos. 1999. "Cotidiano, corpo e experincia: reflexcs sobre a cmografia de Luis da Cmara Cascudo". Revista do Patrimnio, Rio de Janeiro, Minc/Iphan, n. 28.

    GOODY,jack. 1982. Cooki"g, cuisine a"d clas,: a study i" comparative socio logy. London, Cambridge Universit)' Prcss.

    --- o 1998. Food o"d I""e: o culrural hislOry uf EOJI al/d Is(. London, Verso.

    LEVI-SRAUSS, Claude. 1964. Le em el le C/li!. Paris, Plon.

    ---o 1966. Du miei llllX cwdreJ, Paris, Plon.

    ---o 1968. Origines de! monieres de Iable.

    Paris, Plon.

    MAHlt\S, M.-C. 199 \. "Cuisine", em Le diclionaire de l'ethllo/ogic eI de l'amhl'Opologie. Paris, Puf.

    MALlN OWSKI, Bronislaw. 1974 [19221. The arg01l0lllS ofIlIe lVstC11l Pacifico London, Routledge.

    MAUSS, Marcel. 1973 [1950]. "Essa i slIr le don" (1923), em Saciolagie cl outhropologie. Paris, Puf.

    MENNELL, S. 1985. Al/ mm",c"oJfood: ea titlg mui loste iu Eng/emd ol/d p"a"ce /rum lhe Middlc Ages to lhe prese1l1. Oxlord, Oxford University Press.

    MONTAN ARI, M. 1996. Tilecl/lru,"oJ Jood. Cambridge, Blackwcll.

    MINTZ, Sidney. 1985. Sweemess alld pawer: tlle placc o[ sugar in modem ltiS10ly. London, Pcnguin Books.

    NE VES, Margarida de Souza. 2002. "Tradio: cincia do povo", em

  • 54

    estunos histrico.' e 2004 - 33

    SILVA, Marcos. Dicionrio crtico Cmara Cascuda. So Paulo, Perspectiva.

    PINTO E SILVA, Paula. 2003. "Histria da alimentao no Brasil", em Sl LVA, Marcos. Dicio"rio critico Cmara Casmdo. So Paulo, Perspectiva.

    SAI-ILlNS, Marshall. 1996. "The sadness af swcclness", CUTTe1l! Antltropology, vaI. 37, n. 3.

    SILVA, Marcos. 2003. Dicionrio cntico Cmara Cascudo. So Paulo, Perspectiva.

    Resumo

    STOCKlNG J R., George W. 1996. "Outcast [rom lhe islands: Frazer, 11le Golde/! BOIIgh and modern anlhropology", em FRAZER, James. The Golde1/ 8ollgh. Lendon, Penguin Books.

    VILI-IENA, Luis Rodolro. 1 997. Projeto e m isso: movimellto folclrico brasileiro (l9n-/96-1). Rio de Janeiro, Funarte/MincJFGV.

    (Recebido para publicao em ja71eiro de 2004 e aceito em maro de 2004)

    Neste artigo, destaco algumas categorias culturais por meio das quais Luis da Cmara Cascudo (1898-1986) descrevc e analisa os significados sociais e culturais de objetos e experincias da chamada cultura popular no Brasil, especialmente aquelas relativas ao tpico "alimentao". Sugiro que os escritos ernogrficos desse autor seriam melhor entendidos como documentos ernogrficos nativos, do que como simplesmente estudos datados do ponto de vista terico. Nesse sentido, sua obra oferece no apenas uma rica fonte de informao ernogrfica, mas tambm imig/us originais para a identificao e o entendimento antropolgico de importantes categorias presentes na cultura popular brasileira. Palavras-chave: culturas populares, folclore, alimentao, herana cultural, Luis da Cmara Cascudo.

    Abstmct The attention in lhis paper is focused on some cultural calegories by means of which lhe Brazilian folklorist Luis da Cmara Cascudo (1898-1986) describcs and analyses the social and culrural meanings of objects and experiences of popular culrure in Brazil, especially those relaled lO food. I suggest that his works on such to pies can be bener underslood as a kind of native ethnography, rather than as pieces of an om-of-date lheorclical analysis. In this sense his writings might be read nor only as a rich source of erhnographic informarion on Brazilian folklore, bur also as insightful conrribulions to an

  • A fOIl//! C o palm/ur

    anthropological understanding of traditional as well as modem Brazilian popular cultures. Key words: popular cultures, folklore, food, cultural heritage, Luis da Cmara Cascudo.

    Rsum Dans cet article ie discute quelques catgories au moyen desquelles le folkloriste brsilien Luis da Cmara Cascudo (1 898-1986) dcrit et analyse les signifis sociaux et culturels d'objets et d'expriences de la culture populaire au Brsil, en particulier ceux lis la nourriture. Je suggere que son travail peut tre mieux compris comme une espece d'ethnographie indigene que comme des pieces dmodes d'analyse thorique. Son oeuvre mrite d'tre lue non seulement comme une riche source d'informations thnographiques sur le folklore brsilien, mais surtout comme une contriburion importante pour une comprehnsion anthropologique de la culture traditionelle aussi que des cultures populaires du Brsil contemporain. MaIs-c/s: cultures populaires, alimentation, folklore, parrimoine culturel, Luis da Cmara Cascudo.

    55