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Histrias do design: narrativas
patrimoniais no MUDE1
Rafaela Norogrando2
Resumo
Este artigo apresenta o MUDE Museu do Design e da Moda. Para a
pesquisa, utilizou-se de metodologia etnogrfica, entrevistas, anlise qualitativa
e referenciais bibliogrficos. Como resultado, coloca-se em destaque a formao
de sua coleo, a sua misso, a sua proposta de exposio permanente na qual
conjuga o design de produto ao design de moda e algumas aes temporrias.
Por esse contexto, prope-se uma reflexo quanto mediao expositiva do design
de moda e relevncia da instituio museolgica como plataforma de comunicao
para alm de narrativas histricas.
Palavras-chave: Exposies museolgicas. Cultura material. Comunicao. Construo cultural.
Design history: patrimonial narratives at MUDE
Abstract
This paper presents the MUDE Museum of Design and Fashion. Its a
qualitative research by an ethnographic methodology, interviews, qualitative analysis
and bibliographic references. As a result it puts emphasis on origin of the museum
collection, the mission, and the proposal for a permanent exhibition - in which
combines product design to fashion design and some temporary exhibitions.
For this context we propose a reflection about the expository mediation of fashion
design and the relevance of the museum as a communication platform beyond
historical narratives.
Keywords: Museum exhibitions. Material culture. Communication. Cultural construction.
1
Este trabalho parte da tese
de doutorado em Design da autora,
a qual foi realizada com a orientao
de Joo A. Mota e Nuno Porto, pela
Universidade de Aveiro, Portugal.
Recebeu o apoio do ID+ Instituto
de Investigao em Design, Media
e Cultura, da Fundao para Cincia
e Tecnologia (FTC), do Fundo Social
Europeu e do Programa Operacional
Potencial Humano (POPH).
O MUDE um dos quatro
estudos de caso centrais abordados
na pesquisa sobre museus de moda e
sobre as narrativas feitas dos objetos
da cultura material indumentria e as
conexes acerca do universo em que
esses objetos esto inseridos.
2
Doutora em Design pela
Universidade de Aveiro. Docente na
Universidade da Beira Interior (UBI)
e Instituto Politcnico de Viseu (IPV)
e pesquisadora associada do ID+
Instituto de Investigao em Design,
Media e Cultura.
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Histrias do design: narrativas patrimoniais no MUDERafaela Norogrando
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NIntroduo e Metodologia
Neste artigo, apresenta-se a instituio portuguesa MUDE Museu
do Design e da Moda, que foi inaugurada em maio de 2009 e est vinculada
Cmara Municipal de Lisboa.
Foram feitas diversas visitas ao museu, sendo que a coleta de
informaes e verificao de dados ocorreu, principalmente, em julho de
2010, dezembro de 2011, maro de 2013 e maro e novembro de 2014.
Na primeira data, realizou-se entrevista com a diretora do museu, Brbara
Coutinho (Norogrando 2011, Anexo 5) e, em 2013, fez-se, tambm, incurso
s reservas e entrevista com Anabela Becho, responsvel pela coleo
de moda do museu. Nas outras visitas, o foco foi exclusivamente para as
exposies.
Como metodologia ao espao expositivo, adotou-se um processo
etnogrfico, primeiramente de maneira intuitiva, com o investigador a ser
conduzido pela prpria narrativa do espao e, na sequncia, a retomada
analtica para recolha de material e elaborao de notas de campo. Como
orientao, seguiram-se as indicaes de Falk e Dierking (1992), Plowman
(2003), Flick (2005, 2009), Stake (2005) e Clifford (2007). As entrevistas
seguiram por mtodo semiestruturado (Manzini 2004, Flick 2005) e, por
uma questo metodolgica, foram feitas depois das visitas aos espaos
expositivos.
Tambm foram realizadas pesquisas ao website do museu e
vinculao por parte desta autora pgina social da instituio no
Facebook e lista de cadastros para contatos por e-mail. Considera-se que
a ao do museu no espao web sempre esteve voltada para a rede social,
porque somente em 2014 (segundo semestre) passou a proporcionar mais
informaes e registro de suas aes no seu website. Sobre suas colees
e o acesso a estas, o MUDE atua vinculado plataforma do Europeana
Fashion3, na qual disponibiliza na web as imagens e informaes de sua
coleo de moda. Neste artigo, no ser realizada uma explorao analtica
sobre essas atuaes no universo web, somente so consideradas como
uma informao geral sobre a instituio.
3
Existe a plataforma
Europeana, que faz a vinculao
de catlogos de museus europeus
e proporciona uma investigao
alargada sobre um determinado
tema, no limitando a informao
patrimonial a um ponto geogrfico/
poltico. O Europeana Fashion
surgiu com os mesmos objetivos
prticos. O projeto se iniciou em
maro de 2012 e contou com a
participao de 22 parceiros de 12
pases, como instituies promotoras
de contedo para a plataforma:
MoMu (BE), V&A (UK), Royal Museums
for Arts and History (BE), Nederlands
Instituut voor Beeld en Geluid (NL),
Stiftung Preussischer Kulturbesitz
(DE), Catwalk Pictures (BE),
Stockholm University (SE), Belgrade
Museum of Applied Arts (RS), Les
Arts Dcoratifs (FR), MUDE (PT),
Peloponnesian Folklore Foundation
(GR), Emilio Pucci Archive (IT), Pitti
Immagine (IT), Centraal Museum
Utrecht (NL), Nordiska Museet (SE),
Rossimoda Shoe Museum (IT), MT-
CIPE (ES), Wien Museum (AT) e
Archivio Missoni (IT). Est prevista
para o incio de 2015 a verso final da
plataforma, que promete apresentar
mais de 700 mil objetos digitalizados,
desde vestidos histricos, acessrios,
desenhos, fotografias, catlogos de
moda, vdeos e o que mais estiver
relacionado temtica.
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Museu do Design e da Moda
O museu est instalado no prdio do antigo Banco Nacional
Ultramarino4 na capital portuguesa. A escolha desse lugar fez parte de linhas
de ao para a valorizao e revitalizao da capital, conforme declarou
o presidente da Cmara Municipal de Lisboa, Antnio Costa (2009).
Atualmente pode-se considerar que o objetivo da Cmara foi realizado.
A inaugurao do espao museolgico deu-se antes mesmo da
concluso de reestruturao arquitetnica ainda inacabada , a incluir, em
seu contexto e objetos patrimoniais, a prpria arquitetura desconstruda.
Em outubro de 2011, abriu ao pblico, pela primeira vez, todos os seus
andares/salas de exposio de maneira ativa, alm de sediar o MUSCON5
e receber os participantes do CIPED6. Essas atuaes, junto de eventos
correlacionados s temticas abordadas pela instituio, mostram um
pouco do posicionamento estratgico e vinculao de parcerias.
A designao MUDE no formada como sigla, mas como palavra
de ao, mudar pelo verbo imperativo: mude.
Coleo Patrimonial
O MUDE teve sua formao com base em uma coleo privada,
agrupada por critrios de seleo feitos por Francisco Capelo7. Por esse
motivo, junto do nome institucional, segue o nome do colecionador:
Figura 1 :: Logotipo do museu. Desenvolvido por RM/D (Ricardo Mealhada/Design).
Toda essa coleo, com peas emblemticas dos principais nomes da
moda internacional e peas icnicas da histria do design de produto dos
4
Esse prdio histrico ocupa um
quarteiro inteiro da Baixa Pombalina
em Lisboa e foi concebido por trs
grandes intervenes arquitetnicas,
a considerar a ampliao de seu
espao. A mudana do Banco
Nacional Ultramarino para essa
regio foi em 1866 e as alteraes
realizadas na dcada de 1920 foram
com tecnologia de construo
pioneira na poca. Quando o museu
assume o prdio, o seu interior
estava completamente delapidado,
havendo poucos vestgios do antigo
banco - tal como os cofres de
particulares.
5
European Museum Network
Conference |MUSCON 2011.
Realizada entre 19 e 22 de outubro
de 2011.
6
6 Congresso Internacional de
Pesquisa em Design, organizado
pela ANPENDesign e o Centro
de Investigao de Arquitetura,
Urbanismo e Design da Universidade
Tcnica de Lisboa.
7
O colecionador portugus
Francisco Capelo possui outras
colees alm das temticas de
design e moda. Ao que consta
na mdia, o colecionador negocia
com instituies portuguesas a
venda ou depsito de suas obras,
possibilitando sua conservao e
destaque.
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ltimos 50 anos, foi adquirida pela Cmara Municipal de Lisboa, em 2002,
por 6.666.667,00 euros (Cardoso 2013). Deve-se registrar que a Coleo de
Design (produto e no a de moda) foi anteriormente vinculada ao Centro
de Exposies do CCB - Cultural de Belm, quando da abertura do Museu
do Design, em maio de 1999, sob a direo de Margarida Veiga. Segundo
o Anurio de Design de 2000, realizado pelo Centro Portugus de Design,
em um ano da existncia do museu, foram mais de 50000 entradas, o que
fez deste o museu mais visitado de Lisboa.
O MUDE dispe de um acervo de mais de 2.500 objetos, sendo mais
de 1.300 coordenados somente da coleo de moda (Norogrando 2011,
Anexo 5). Essa coleo era composta, no incio, por 600 coordenados8. Nesse
sentido, conforme os planos do processo de inventrio (seja por doao,
aquisio ou depsito), o crescimento da coleo uma consequncia bvia
e, at 31 de dezembro de 2012, j se somavam mais 589 peas incorporadas
(Torres 2013) conforme a ltima informao oficial.
Conforme a diretora do MUDE especificou em entrevista (Norogrando
2011, Anexo 5), a instituio faz uso de trs critrios norteadores como linha
de atuao para a aquisio de objetos ou colees, os quais pretendem:
1. Alargar o perodo de abrangncia da coleo,
a incluir peas do incio do sculo XX (dcada de 10) e
algumas do final do sculo XIX, dos primeiros estilistas9.
2. Apanhar a contemporaneidade pelas grandes
questes da moda na atualidade. No incide somente
aos grandes estilistas, mas tambm aos jovens criadores,
s questes de sustentabilidade (seja somente
ecolgica, no campo social, ou no alargamento geral do
conceito), s questes de tcnica e cincia e, por fim, s
questes do mundo global e novas filosofias do sistema
de moda.
3. Privilegiar o design feito em portugus. Ou
seja, o design feito por pases que esto em ligao
culturalmente, a ter como referncia a lngua.
O componente autoral muito importante e evidente na coleo
patrimonial do MUDE, tanto que a catalogao interna e a consequente
8
Quando a diretora menciona
coordenados da coleo de moda,
est a considerar alguns objetos
agrupados e no individualmente.
Por exemplo, um biquni um
coordenado de duas peas, o que
tambm ocorre com outros objetos;
cada parte pode ser considerada
individualmente, mas foram
concebidas para estarem juntas.
9
Primeiros estilistas foi o termo
utilizado por Brbara Coutinho. No
Brasil, conforme o perodo histrico
em questo, muito provavelmente
seria empregado o termo
costureiros. Essas terminologias
podem ser exaustivamente discutidas
por enfoque histrico contextual e
lingustico, principalmente quando
so percebidas alteraes no
entendimento e emprego de termos
que designam o profissional de
moda que est ligado ao processo
de criao do produto. Por exemplo,
ao consultar o texto (em ingls) de
Constantino (1977), nota-se que
a autora define Charles Frederick
Worth como o primeiro designer
de moda; dessa maneira, para o
mesmo profissional, j so trs
termos empregados para classificar
sua atuao: estilista, costureiro e
designer.
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disposio das peas em reserva so feitas por essa relao conforme
esclareceu Becho sobre a coleo de moda (Norogrando 2013). Em outros
casos museolgicos, o mais comum, para a organizao do acervo, uma
relao cronolgica ou por tipologia.
Tambm pode ser considerado, temtica da moda, o acervo
documental do museu com um vasto conjunto de fotografias, desenhos,
bibliografia, convites das passagens de modelos que Capelo assistiu e
colecionou, e ainda, as doaes do antigo ICEP e o depsito do acervo
documental do Centro Portugus de Design (Torres, 2013). Para alm disso,
h um conjunto de livros especializados que vo sendo adquiridos pelo
museu para seu trabalho de pesquisa e que depois formaro sua biblioteca
de acesso ao pblico. Atualmente, conforme comentou Anabela Becho,
essa possibilidade s dada a investigadores que comprovem seu interesse
e necessidade.
Misso | Posicionamento estratgico
O MUDE no se fecha sobre o design de produto
e moda. Equaciona o conceito de design nas suas
vrias expresses durante o sculo XX, entendendo
a sua evoluo como uma realidade inserida num
contexto histrico e acompanha a contemporaneidade,
mostrando as novas tendncias e caminhos do design
do sc. XXI. Pretende ser um espao para o debate
entre a criao experimental e a produo industrial, a
discusso sobre a relao design/arte/artesanato ou a
reflexo sobre os desafios urbanos, scio-econmicos,
ambientais e tecnolgicos da actualidade. Um lugar
onde se sublinha a transversalidade da criao
contempornea, e para o qual se convidam as outras
expresses artsticas e reas do pensamento a dialogar
com o design (Disponvel em http://www.mude.pt,
acesso em: 28/03/2012 e 18/04/2014. Grifo do museu).
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Na segunda metade de 2014, a declarao da misso institucional
deixa de ser apresentada de maneira objetiva e somente ao meio de um
texto possvel recolher os pontos chaves do posicionamento estratgico.
Esses so mais enfticos, pois se pautam nos processos de consolidao da
instituio desde sua inaugurao:
[...] o MUDE hoje um museu dedicado a todas as
expresses do design, com reas de exposio, criao,
convvio, educao e debate.
[] Um museu que gera uma rede de sinergias com
escolas e universidades, empresas, museus, instituies
culturais e criativos. Multigeracional e transversal. Um
lugar onde as outras expresses artsticas e reas do
pensamento encontram espao para dialogar com
o design e um espao para o debate sobre a criao
experimental e a produo industrial, a relao
design/arte/artesanato ou os desafios urbanos,
socioeconmicos, ambientais e tecnolgicos da
atualidade.
[] uma das suas misses contribuir para a formao
de utilizadores mais informados, conscientes, crticos
e criativos de modo a provocar a mudana de atitude
perante a cultura material e a prpria vida (Disponvel
em http://www.mude.pt, acesso em: 10/011/2014).
Alm disso, o museu declara dirigir-se a um pblico alargado, o
qual definia da seguinte maneira: turistas, pblico jovem, professores e
educadores, famlias, pblicos com necessidades educativas especiais,
pblicos especializados e comunidade cibernauta. Atualmente resumiu isso
ao declarar-se inclusivo e de todos (Disponvel em http://www.mude.pt,
acesso em: 10/11/2014). Parte dessa perspectiva est relacionada prpria
localizao do museu, ao crescente interesse pelo Design e singularidade
da coleo/posicionamento, o que tambm direciona naturalmente a
pblico da rea de design, arquitetura e artes.
Em 2010, recebeu prmio de distino em Inovao e Qualidade pela
APOM Associao Portuguesa de Museologia (A.M.R. 2010) e, em 2011, na
categoria de Arte & Cultura pela Revista Marketeer (Marketeer-online 2011).
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Pelas declaraes institucionais ou mesmo entrevistas com a diretora
(Norogrando 2011, Anexo 5; Torres 2013), percebe-se a preocupao
com o trabalho educativo oferecido pelo museu, e isso no somente por
atividades, mas pela inteno e realizao de parcerias com instituies de
ensino superior e voltadas temtica do museu. Isso no deixa de ser reflexo
do background de sua diretora que, entre 1998 e 2006, foi coordenadora
do Servio Educativo da Fundao Centro Cultural de Belm (CCB) como
tambm coordenadora e programadora de alguns dos cursos de formao
oferecidos por essa instituio. Tambm pode-se dizer que, com uma certa
frequncia, o museu promove discusses sobre reas de sua temtica a
trazer profissionais com diferentes atuaes para debates, palestras e outras
dinmicas de encontros intelectuais. Outra forte ao tem sido a parceria
com empresas (Torres 2013) do mercado portugus e empresas internacionais
que tenham relao com o design em suas aes estratgicas ou tticas, tal
como a IKEA10 ou a Renova11, somente para citar algumas. E ainda, como
melhor defende Antnio Costa, o museu forma-se como plataforma de
articulao entre as indstrias e as universidades (Freitas 2013).
O MUDE uma instituio muito recente e, por esse motivo, boa
parte de suas atividades esto a ser implementadas. Conforme se pode
averiguar com os profissionais do museu, ainda h muitos projetos que no
tiveram a oportunidade de seguir em frente, seja por questes estruturais
arquitetnicas, consolidao de parcerias, ou mesmo pela necessidade de
traar prioridades equipe.
Espao expositivo
Com um espao expositivo inacabado, ou pouco adaptado s
novas funes museolgicas, o museu encara o desafio de mudar mais
rapidamente os artefatos em apresentao de 3 a 4 meses (txteis) para
que seja possvel sua preservao, pois tambm preferiu no adotar vitrines
ou uma luminosidade recomendada, conforme padres reconhecidos
internacionalmente pelos profissionais e instituies da rea12.
10
Empresa fundada em 1943, na
Sua, atualmente a maior rede
de lojas de mobilirio do mundo
formada por um grupo multinacional
de empresas que projeta e vende
mveis (pr-montados), aparelhos e
acessrios para casa. IKEA: .
11
Renova o nome da marca
mais conhecida (nacional e
internacionalmente) da empresa
portuguesa produtora de bens de
consumo de papel (como tecidos e
papel higinico): Renova - Fbrica
de Papel do Almonda, SA. Seus
produtos so vendidos e anunciados
em pases como Japo, Frana,
Reino Unido, Estados Unidos,
Blgica e Espanha. O seu grande
diferencial pontua-se na mudana
estratgica por valorizao simblica
de seu produto. Ver site da RENOVA:
.
12
H regras para o armazenamento
de objetos patrimoniais, bem como
para a sua exposio. Essas normas
so traadas para que seja possvel
uma salvaguarda dos objetos,
conforme a sua natureza. No caso de
trajes, sendo feitos de txtil, um dos
materiais mais frgeis, orientado
um cuidado com a luminosidade,
com a umidade do ar, entre outras
coisas. O uso de vitrines permite
um maior controle desse ambiente
interno para a exposio e uma baixa
luminosidade exerce um desgaste
menor s cores e fibras txteis.
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com esse esprito de urgncia e convergncia de conceitos
(design, moda, arquitetura, comunicao) que o museu inicia seu processo
de instalao, consolidao e planos diversificados para a implementao
de exposies e outras atividades culturais. Ao pblico especializado
tem proporcionado diversos eventos e, at o final de 2012, realizou 23
exposies temporrias e conseguiu atrair ao seu ambiente expositivo cerca
de 849 mil visitantes, uma mdia de 850 visitantes por dia nos seus primeiros
quatro anos (Torres 2013). Ao fim de 2014, somam-se mais 23 exposies
temporrias e a renovao da exposio permanente.
Por meio dos objetos da coleo patrimonial, principalmente em sua
exposio permanente, o museu faz paralelo narrativo da histria esttica
e contextual da moda com a do design de produto (em destaque para
mveis e utenslios domsticos). Ou seja, conforme informado em catlogo
(Norogrando, 2011, Anexo 8), traz em seu discurso todas as expresses de
design do sculo XX e XXI [] da produo em srie ao design de autor.
Como se pode perceber nessa declarao, os objetos que constituem a
coleo no abrangem um largo contexto histrico, estando centrados em
dois sculos, sendo que um aponta para a cronologia contempornea e em
formao. Esse fato tambm propicia uma maior flexibilidade expositiva,
pois so peas que ainda no sofreram com a passagem do tempo, a ter em
considerao cada caso.
Figura 2 :: Perspectiva da atual exposio permanente nico e Mltiplo, ncleo 1960/1970.Fonte :: Notas de Campo | Arquivos desta Investigao (NC|AI), em 31/10/2014.
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Exposio permanente
Com algumas interrupes ou intervenes, o museu apresenta em
permanncia e em narrativa cronolgica tpicos de suas colees de moda
e design de maneira conjugada (ver Figuras 2 e 4), sendo que, por mais
de uma vez, esteve a alterar sua composio (troca de peas) e mesmo a
narrativa museogrfica.
Dessa maneira, em menos de cinco anos de atuao, o museu
remodelou sua exposio permanente 3 vezes, uma frequncia pouco
habitual para essa designao nos museus em geral, mas, conforme
apresentou-se anteriormente, est de acordo com seu posicionamento
institucional.
A primeira ao feita pelo MUDE por uma concepo de exposio
permanente foi a Ante-estreia Flashes da Coleo (2009-2011), a qual,
como diz o nome, trazia objetos pontuais da coleo, relevantes no contexto
histrico do design de produto e do design de moda.
A nova exposio permanente, assim denominada pelo museu, foi
inaugurada em maio de 2011, pelo nome nico e Mltiplo. Conforme
foi verificado, em maro de 2013, alguns objetos expostos, principalmente
os txteis, haviam sido trocados por motivos de conservao, no entanto,
a estrutura narrativa foi mantida. Assim, a ao denominada permanente
apresenta-se dinmica. Entretanto, diferente da primeira exibio das
peas da coleo, foi dado mais espao para autores portugueses. Esse
posicionamento de valorizao do nacional no visto na abertura do museu
cada vez mais faz parte de suas aes museolgicas e institucionais.
Em 14 de maro de 2014, essa exposio permanente tambm foi
encerrada para uma nova remodelao, e pelo mesmo nome foi reinaugurada
em 3 de abril de 2014. Conforme os painis de informao e delimitao
cronolgica/temtica compilados em 1 de novembro de 2014, e pelo
catlogo (MUDE, 2011) a narrativa da atual exposio permanente assim
estruturada:
1851/1914 De meados do sculo XIX primeira grande
guerra.
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1914/1945 Da 1 grande guerra ao ps-segunda guerra
mundial.
1945/1960 Do ps-guerra sociedade de consumo.
Milagre econmico, bom design e boa forma ().
1960/1970 poca que revolucionou o mundo.
Contestao, Design Radical e anti-design ().
1980/1990 Os anos do ps-modernismo.
Ecletismo e pluralidades.
1990/200013 Design Global.
Figura 3 :: Detalhe do display (caixa acrlica), na seo 1851/1914, na primeira verso da exposio nico e Mltiplo: Aqui nasceu... clipes, alfinete, bola de futebol, Levis, abre-latas, palhinha de
beber [canudo], canivete Suo, lmina Gillete, pines, mola de metal, T-shirt, fecho-eclir, suti.
Fonte :: NC|AI.
Figura 4 :: Perspectiva da exposio permanente nico e mltiplo em sua primeira verso (05/2011-03/2014).
Fonte :: NC|AI. Todas as imagens foram registradas com a autorizao da instituio.
13
Embora no mapa da exposio
(primeira verso) aparecesse a seo
6 como sendo de 1990/2010, nos
painis sobre o perodo, o que estava
identificado era 1990/2000. J os
objetos patrimoniais em exposio
expandiam mais 11 anos dessa
cronologia.
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Com relao primeira e segunda verso da exposio nico e
Mltiplo, as diferenas mais marcantes na museografia foram: a incluso
de objeto sonoro em dois ncleos (1945/60 e 1960/1970) e a eliminao das
caixas Aqui nasceu.... Nestas eram apresentados objetos vulgares do
design, assim discriminados por sua total incluso nos hbitos do dia a dia e
de seus contextos industriais e comerciais, muitos deles por uma produo
de massa, baixo custo e relativo valor simblico. Em alguns ncleos, a escolha
de objetos deu-se pela cor, o que fortaleceu a ideia de um conjunto. Apesar
disso, uma das caractersticas mais fortes dessas exposies a relao de
objetos cones por uma exposio contemplativa, alusiva a obras de arte
conforme conceitos de percepo traados por Lord e Lord (2002).
Apesar do curto perodo de existncia do museu, as aes que
tem apresentado em seu espao discursivo permanente so dinmicas,
mas seguem uma lgica constante e mostram-se bastante distintas, ao
considerarmos outras instituies que tambm possuem colees de design
por diferentes reas, tal como o Design Museum (UK), Victoria and Albert
Museum (V&A, UK) ou o Metropolitan Museum of Art (MET, US). Em todos
com exceo de algumas exposies temporrias, como a British Design
1948-2012 (pelo V&A em 2012) as exposies no vinculam os objetos
de design por diferentes reas em uma mesma narrativa como discurso
institucional. Portanto, esse modelo agregador bastante prprio dessas
exposies e tambm uma forma de apresentar um diferencial em
acordo com o posicionamento institucional do MUDE frente a instituies
mais antigas e com colees mais completas e representativas.
Exposies temporrias
A atuao do MUDE est muito centrada em sua rotatividade
expositiva, a qual baseada em seu acervo e temticas abordadas pela
instituio, mas tambm por temticas relacionadas a essas e, nos ltimos
anos, por abordagens nacionalistas.
Nota-se que a estrutura narrativa da exposio permanente
transposta tambm para algumas exposies temporrias j realizadas pelo
Art
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museu, por exemplo, L vai ela, formosa e segura. Scooters da coleo de
Joo Seixas (1945-1970), realizada entre julho e outubro de 2010, e Morte
ao Design! Viva o Design!, realizada entre outubro de 2011 e janeiro
de 2012, onde, respectivamente, lambretas, mveis e outros artefatos
estavam dispostos em comunho com objetos de moda do mesmo perodo
cronolgico ou por relao conceitual e outras abordagens.
Aqui no detalharemos as dezenas de exposies realizadas, j que
apresentam, cada qual, um conceito diferente e, para esta investigao, o
que conta mais o fato de a instituio ter essa dinmica expositiva como
posicionamento estratgico. Pois por meio da exposio permanente que
possvel fazer uma anlise mais especfica sobre a narrativa institucional,
j que esta constante e, por regra, costuma adotar, de maneira mais
conservadora, a imagem da instituio e a maneira como ela se comunica
com o pblico.
O museu tambm pode fazer uso da cave onde esto os antigos co-
fres de particulares do banco; assim proporciona uma museografia j contex-
tualizada e prpria para alguns temas expositivos, tal como foi a exposio
Kukas Uma nuvem que desaba em chuva (14/10/2011-19/02/2012), com
joias desenvolvida pela designer portuguesa de mesmo nome (Figura 6), ou
para a exposio Sementes. Valor capital (12/2010-03/2011), que apresen-
tou 500 variedades de sementes agrcolas plantadas em Portugal.
Figura 5 :: Entrada da caixa-forte (cobre).Fonte :: NC|AI, 08/12/2011.
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Figura 6 :: Exposio em visitao no interior do cofre: Kukas - Uma nuvem que desaba em chuva.
Fonte :: NC|AI, 08/12/2011.
Outro espao expositivo, assim transformado pelo museu, a
prpria fachada do edifcio, a qual sempre transformada por intervenes
temporrias, conforme se pode ver nas Figuras 7a e 7b:
Figura 7a :: Fachadas do MUDE: maro/2010 (painel e Beatles).Fonte :: NC|AI.
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Figura 7b :: Fachadas do MUDE: outubro/2014 (pranchas de surf frente do mesmo painel).
Fonte :: NC|AI.
Na Figura 8, apresenta-se em visitao parte da exposio Morte
ao Design! Viva o Design!. Aqui interessante ressaltar a utilizao das
fichas de identificao dos objetos e textos explicativos como estruturas
relevantes ao conjunto museogrfico, o que defendido por Schaffner (2011)
como uma boa estratgia de comunicao pela ruptura de paradigmas, por
exemplo, onde o objeto o destaque e a informao sobre este deve ser
o mais discreta possvel, ainda que legvel. Nessa exposio, as fichas de
identificao e textos explicativos inserem-se no contexto expositivo de
maneira ativa, a delimitar espaos, gerar uma dinmica e mesmo definem
o conceito do design expositivo, passando, algumas vezes, tambm a ser o
objeto exposto.
Algumas aes expositivas do MUDE tambm devem ser referidas,
por seu posicionamento institucional. Uma delas seria a exposio 22
anos de Design na FAUL (24/01-23/03/2014), a qual celebrava a atuao
da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa com trabalhos de
alunos. A segunda exposio tambm foi marcada por celebrao, mas a
outro parceiro da instituio, a Ikea: A Vida em Casa: 10 anos da Ikea em
Portugal (30/10-30/11/2014). Embora bastante questionvel a musealizao
de objetos ou marcas atuantes no mercado econmico, essa iniciativa
condiz com a atuao do MUDE frente sua temtica.
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Figura 8 :: Exposio Morte ao Design! Viva o Design! no primeiro andar do museu.Fonte :: NC|AI, 08/12/2011.
Consideraes analticas
O fato de o museu ser temtico em considerao ao contexto
histrico e socioeconmico contemporneo, unindo objetos e expresses
por seus processos de criao, desenvolvimento e consumo (objetos
identitrios), faz dele uma instituio que foi inicialmente concebida como
reflexo da atualidade. Isso abre diversas possibilidades e conexes a serem
feitas com diferentes setores de maneira mais direta, o que alarga a atuao
do museu a uma perspectiva mais ativa e interativa. Pelas aes do MUDE,
parcerias e eventos, nota-se que uma constante essa incurso do museu
na atualidade como um agente ativo do cenrio do design portugus e, aos
poucos, no cenrio museolgico internacional.
Com exceo aos museus de arte e artes decorativas que se formaram
por uma diversidade de objetos e tipologias os quais permanecem em
acervo, como o caso do Metropolitan Museum of Art (USA), Victoria and
Albert Museum (UK), ou deram origem a outros museus, como o Museu
de Arte Antiga (PT), quando cedeu sua coleo de indumentria para
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a formao do Museu Nacional do Traje (PT) de modo geral, o que se
encontra so museus de traje/moda e museus de design como narrativas
totalmente desligadas. Essa distino bastante possvel, pois ambos
os direcionamentos possuem suas especificidades e aprofundamentos.
Por exemplo, o Design Museum (UK) possui uma coleo de moda, mas
sua posio institucional mais alargada. J o Museo del Traje (ES) est
direcionado temtica da moda, apesar de tambm possuir uma vasta
coleo de objetos para alm do vesturio, j que resguarda, em suas
reservas, o que antes era o Museu de Antropologia (com uma coleta
contempornea do design de produto).
Como possvel perceber, esses exemplos no traam a mesma
narrativa apresentada pelo MUDE, pois a constituio deste como museu de
design e de moda bastante singular no contexto internacional. Tambm
se deve considerar que, por ele possuir uma coleo pouco alargada
em perodo histrico, ou mesmo bastante contempornea, acaba por
inevitavelmente flertar com as tendncias e manifestaes da atualidade.
Nesse sentido, a escolha de uma curadoria que se distancia do imaginrio
museogrfico, como exemplo a opo em excluir vitrines e barras de
segurana e localizar os objetos em plataformas (pouco acima do nvel do
cho) ou, ainda, a opo de iluminar bem os objetos. Essas escolhas fazem
com que a experincia no ambiente expositivo do museu seja mais prxima
de uma exposio em feira comercial, onde os objetos so apresentados
com destaque por sua particularidade (esttica/tcnica), mas prximos ao
toque, utilizao e comercializao. Porm esse vnculo termina antes do
limite da mo e a experincia na exposio orientada contemplao e
no a processos interativos, em uma forte ligao com a herana expositiva
de obra de arte.
Conforme se apresentou em evidncia na Figura 3, o museu trouxe
narrativa patrimonial objetos no autorais. Repetiu essa forma de contar
histria em sua exposio Tesouros da Feira da Ladra14. A beleza do
design annimo (24/05-30/09/2012) totalmente dedicada a esses objetos
sem marca. Essa valorizao da histria do design por uma vertente
desvinculada ao estrelato autoral e fundamentada na criao e apropriao
de objetos por seu uso e integrao ao dia a dia bastante discutida e
14
A Feira da Ladra o maior
mercado de rua da cidade de Lisboa
e, desde 1882, localiza-se no Campo
de Santa Clara.
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defendida por diversos autores (Bassi, Papanek, Bonsiep, entre outros)
e muito comum aos museus de etnografia, onde a lgica de mercado/
consumo no faz parte da histria narrativa dos objetos como foco de sua
razo de existir. Tanto no design de produto como no design de moda, a
questo autoral representa um forte apelo ao seu processo de valorizao;
ao serem patrimonializados, os objetos carregam esse valor recebido em
sua atuao no contexto econmico. Objetos de autores annimos, para
serem inseridos em narrativa museolgica, precisam justificar-se de outra
maneira; na moda, por sua iconizao diante do mercado de massa
(Rothstein, 2010). No design de produto, como se verificou nas caixas
acrlicas, tambm por sua massificao, ou mesmo total submerso na
vida cotidiana.
Ao considerar os conceitos de espao e discurso elaborados por
Dernie (2006), nota-se que, apesar das narrativas aqui j discutidas, o
MUDE atua com um modelo de percepo pautado pela contemplao dos
objetos. Na exposio Viva o Design! Morte ao Design!, percebeu-se a
inevitabilidade que alguns objetos impunham a essa narrativa, e assim, o
modelo expositivo precisou ser contextualizado e vdeos com o processo
de produo da obra foram apresentados. Do contrrio, grande parte da
histria desses seria perdida. Nesse sentido, Fallan (2010) defende que, se
for considerada somente a herana de um estudo e narrativa pela histria
da arte, a histria do design amputada, pois, segundo o autor, ela exige
outras anlises, outra forma de ser pesquisada e narrada. De encontro com
isso, Riello (2011) pontua trs maneiras de estudar a histria de moda, j
que esta inclui objetos materiais e conceitos abstratos. Dessa maneira, o
autor expe (1) a importncia dos objetos em si, (2) os conceitos a eles
relacionados e, principalmente, (3) os significados a eles atribudos na sua
relao com a vida humana.
So essas relaes e conexes do objeto com a sua imaterialidade,
teorias, conceitos e humanidade que acabam por ser eclipsadas em algumas
narrativas patrimoniais. Esses objetos acabam por ser apresentados muito
mais prximos herana museolgica de arte do que por outras disciplinas,
devido ao forte apelo visual que carregam, pois, apesar de fazerem parte
de uma cultura material, tambm so testemunhos da cultura visual. Um
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claro exemplo disso a prpria ficha de identificao dos objetos que
discrimina autor/objeto/ano/material/produo-coleo/n inventrio.
So informaes importantes, mas limitam-se ao essencial, no instigam
questionamentos ou, como Schaffner (2011) tambm defende, poderiam ser
mais significativas. No entanto, esse o senso comum e, em uma exposio
permanente, raramente transporiam essa normativa padro e correta.
Por fim, importante tambm considerar o fato de o MUDE,
abarcado pela Cmara Municipal de Lisboa, partilhar o espao urbano
com o Museu Nacional do Traje15. Ambos possuem, com especificaes, a
mesma tipologia de coleo: roupa. O MNT assume um conceito histrico
e etnogrfico centrado no traje, enquanto o MUDE atua por contexto
socioeconmico e industrial por uma abordagem mais contempornea,
em uma perspectiva alargada do design de produto a partir do sculo XX.
No entanto, inevitavelmente, por alguns fatores eles se cruzam e mesmo
poderiam conversar em dilogos visuais e patrimoniais. Apesar disso, ainda
no perceptvel a nvel pblico esse tipo de parceria16, em que o municipal
e o nacional produzam projetos correlacionados para suprir lacunas e
estimular um circuito patrimonial mais intenso, seja na cidade ou no pas.
Concluso
O MUDE como instituio museolgica um importante agente
ativo para a promoo do design portugus ou em portugus no
contexto nacional e internacional. Suas prticas expositivas procuram estar
mais prximas percepo do pblico por um modelo de contemplao
dos objetos, recusando-se ao uso de anteparos nessa relao. A promoo
de eventos vinculados a reas de sua temtica tambm uma forma de
promover narrativas, discusses e reflexes acerca do patrimnio e do
contexto em que ele est inserido, no s por enfoque histrico, mas
tambm por enquadramento atualidade.
Considera-se que ainda prevalece o desafio para a exposio
dos objetos da cultura material de moda (design de produto) por outras
15
O Museu Nacional do Traje
Parque do Monteiro-Mor (MNT)
uma instituio portuguesa com
quase quarenta anos de atuao.
Possui relevantes colees histricas,
inclusive objetos da corte portuguesa
antes da partida para o Brasil.
Localiza-se na regio do Lumiar em
um palcio tombado e rodeado de
um parque botnico, onde tambm
est localizado o Museu Nacional
do Teatro. Essa regio, apesar de
ser atendida por linhas de nibus e
a linha amarela do metr, fica fora
do circuito turstico do centro da
cidade. Mais informaes sobre
o museu consultar o site: http://
www.museudotraje.pt, a publicao
Norogrando (2011), indicada nas
referncias deste texto, ou outros
artigos disponveis no blog i-material,
em: .
16
As parcerias aqui discutidas
no so referentes a emprstimos
patrimoniais, como aconteceu para
a exposio Com esta Voz me Visto.
O Fado e a Moda (23/11/2012-
28/04/2013), na qual eram expostos
objetos do Museu Nacional do Traje,
Museu Nacional do Teatro, Museu do
Fado e outras colees.
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narrativas, ou seja, pela compreenso ou interao de seu universo pr e
ps-usurio. Assim sendo, o objeto no somente por sua materialidade,
mas por sua relao material e imaterial com o ser humano.
Em pases onde a cultura de design e design de moda j intrnseca
ao cotidiano em uma natural valorizao de suas atuaes, a escolha de
uma narrativa e outra pode ter pouco efeito. No entanto, acredita-se que,
em situaes em que ainda existe a necessidade de consolidao de
atividades ligadas ao design, de grande valia a presena da instituio
museolgica como um agente comunicativo do setor a um pblico
alargado. Os objetos de design no so somente fruto da criatividade
humana, tambm representam contextos e intervenes no meio social e
fsico. Dessa maneira, somente a narrativa esttica, em uma dinmica de
valorizao patrimonial/comercial, deixa de apresentar todo um contexto
de concepo, produo, uso e descarte que muito poderia contribuir para
uma conscincia mais ampla da cultura material na atualidade e da herana
que isso representa.
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