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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    VINICIUS BORGES ALVES

    CULTURA, EDUCAO E FORMAO A PARTIR DA TEORIA CRTICA

    Trabalho apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Educao como requisito para concluso da disciplina Formao Cultural e Educao, do 1 semestre de 2011 sob orientao da Professora Dra. Maria do Rosrio Silva Resende

    Goinia 2011

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    CULTURA, EDUCAO E FORMAO A PARTIR DA TEORIA CRTICA

    Vinicius Borges Alves 1

    RESUMO

    Na tentativa de entender e relacionar os conceitos de cultura, experincia formativa e educao este trabalho apresenta uma discusso terica a partir da Teoria Crtica formulada principalmente por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer. E especificamente tentar problematizar as questes sobre formao, cultura e educao. Este escrito trata sob o ponto de vista da dialtica, de alguns conceitos desenvolvidos pelos tericos da Escola de FrankFurt, mencionando as condies necessrias para a (im)possibilidade de superao da barbrie instalada na sociedade atual. No mbito geral ser aludido as nuanas do indivduo socialmente constitudo no mundo moderno. O artigo est dividido em duas partes: a primeira descreve algumas consideraes sobre a (in)racionalidade do homem; a outra, uma reflexo sobre a Educao e suas interfaces com a barbrie.

    Palavras-chave: Educao. Formao. Cultura. Barbrie.

    INTRODUO No s o mundo das coisas que se torna superior ao homem, mas

    tambm as circunstncias sociais e polticas por ele criadas se tornam seus senhores

    (Fromm 1970 p. 57).

    No sculo XX testemunhou-se grandes acontecimentos histricos, tanto no mundo ocidental quanto no leste Europeu e em pases asiticos. A corrida imperialista, promovida pelas principais potncias econmicas, desencadeou uma corrida armamentista que fez alterar completamente a concepo de progresso e desenvolvimento do perodo; colocou em dvida os mais otimistas, e desiludiu ainda mais aqueles que acreditam que o processo histrico imprevisvel. Os acontecimentos da primeira metade do sculo passado instigaram Theodor Adorno a formular vrios pensamentos sobre as razes que legitimam a dominao de uns sobre os outros e, ainda, os motivos pelos quais outros milhes consentiram a dizimao de comunidades inteira.

    Nesse sentido, este artigo analisar as contribuies de Adorno e dos principais tericos da Escola de Frankfurt sobre o processo de formao e emancipao do homem. Tentando apresentar algumas consideraes sobre os aspectos ideolgicos altamente

    1 Mestrando em Educao pela Universidade Federal de Gois PPGE/FE.

    [email protected]

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    coercitivos da cultura humana, bem como a barbarizao do indivduo e consequentemente da sociedade capitalista. E ainda versar sobre os postulados de Adorno e outros autores sobre as possibilidades de desbabarizao da sociedade.

    ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE EDUCAO, SOCIEDADE E CULTURA.

    Perto de completar dez anos de um dos maiores ataques terroristas das Amricas o mundo se pergunta: quais so as razes que poderiam justificar ataques suicidas? O que pode ser feito para que algo to avassalador no se repita? Qual o papel da educao nos tempos atuais? Tm servido a qual propsito? Responder a essas indagaes requer um esforo terico exaustivo.

    Reconhecer essa realidade como complexa, no s desresponsabiliza este trabalho com propsito de apontar solues, como tambm compartilha da ideia que no h certeza de quase nada, pois jamais se poderia imaginar que a humanidade um dia experienciaria o terror do holocausto descrito por Theodor W. Adorno como acontecimento mais brbaro da histria da humanidade.

    Assim, com este trabalho, espera-se contribuir para o debate acerca dos desdobramentos no campo da educao e da cultura e seus efeitos no sujeito histrico. Alm da pretenso de se tentar formular novos pensamentos, o intuito maior com este texto de levantar questionamentos sobre as contradies do homem moderno. Tendo-se o devido cuidado de no cometer anacronismo, pode-se dizer com o olhar na historiografia que houveram tempos em que a barbrie era justificada pela falta de razo. Todavia, foi a partir do sculo XVIII, com o movimento filosfico francs, que as formas de governo, sobretudo os princpios da ordem social que passaram a ser contestados, provocando grande transformao cultural, econmica e social. Entretanto, ressalte-se que, mesmo com o advento do iluminismo constatam-se fatos que colocam em dvida o conceito de modernidade.

    A sociedade moderna reuniu as condies ideais para o esfacelamento do homem em relao a formao tica. Obstinado ora pelo poder, ora pelos prazeres oferecidos pelo modo de produo, os princpios revolucionrios burgueses inauguraram no indivduo comportamentos sobrepondo os interesses coletivos aos individuais. A noo de liberdade, igualdade, fraternidade ou no esto mais inerentes ao sujeito moderno se que algum dia foi , ou se a proporo delas no suficiente para despertar do sono da inconscincia. O

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    indivduo, nos ltimos sculos provou ser capaz de coisas inacreditveis: arruinou comunidades inteiras, colonizou e explorou organizaes sociais pelos cinco continentes.

    Melo considera que

    hoje no mais a ignorncia sobre algo da natureza que nos tem alienado de ns mesmos, mas sobretudo a ignorncia acerca de aspectos da prpria cultura, gerados pelos homens e inerentes a eles, aspectos da razo, do pensamento, de como este se processa e assimila mimeticamente os caracteres dominantes da cultura monetarista, totalitria e excludente, assumindo tais caracteres como norma, modus operandi, atitudes esperadas as quais tm se apresentado nas relaes e, portanto, se esforam a cada dia em cada em de ns e, consequentemente, na cultura ( 2004 p.68).

    Com base nessa infeies o autor nos possibilita dizer que as manifestaes humanas tem se deixado levar pela ao hegemnica da sociedade e, portanto, da cultura. A subjetividade humana permitiu o alojamento de atitudes que distanciam o homem de seus semelhantes mesmo em pocas de estreitamento das relaes sociais. A grande concentrao de pessoas no espao urbano, ao contrrio do que se possa pensar favoreceu o individualismo; por conseguinte, as opresses sociais.

    Grande parte das aes nefastas do sujeito moderno ou foi absolvida pela religio, ou foi inocentada pela chamada cincia racional. Pode-se dizer com isso que a barbrie encontrou libi para sua manuteno. O que importa dizer que com o surgimento da cincia moderna, verificamos em quantidades exorbitantes a permanncia da ignorncia. O movimento do sculo XVIII fez emergir novas formas de gesto, de poltica e, consequentemente, de democracia e cidadania. Entretanto verificam-se enormes abismos entre os ideais iluministas e as prticas modernas de comandar as naes. O nacionalismo contaminou algumas geraes cegando-as em relao s injustias sociais.

    Segundo Mattei,

    no apogeu da civilizao europeia, foi possvel acreditar que o homem alcanaria uma tripla vitria sobre as foras de dissociao que negavam sua humanidade revelada pelo pensamento, a razo e a lei. A ignorncia se dissiparia medida das luzes do conhecimento, o desejo se curvaria s ordens da razo, e a barbrie se submeteria civilizao numa converso de todo seu ser [...] (2002, p.141).

    A confiana depositada no homem moderno foi sendo abalada, ao passo que as injustias sociais foram se consolidando. As conquistas, as guerras tanto contra o absolutismo como em sua manuteno permite-se nos dizer que, ou foram deturpados os princpios da Revoluo Francesa, ou, na essncia no havia acepo que pudesse eliminar os antecedentes criminais do homem considerado racional.

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    A barbrie se d em vrios lugares e de modos distintos, em relao ao indivduo portador de conscincia e, portanto, de razo2. Considera barbrie praticar o mal,assim como tambm barbrie deixar de fazer o bem. Adorno entende a barbrie como

    algo muito simples, ou seja, estando na civilizao do mais alto desenvolvimento tecnolgico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relao a sua prpria civilizao --- e no apenas por no terem em sua arrasadora maioria experimentado a formao nos termos correspondentes ao conceito de civilizao, mas tambm por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um dio primitivo ou, na terminologia culta, um impulso de destruio, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que esta civilizao venha explodir, alis uma tendncia imanente que a caracteriza (1995, p.155).

    A barbrie no contexto atual alm de existir de vrias formas se sustenta de aes impensadas, porm legitimadas pelo individualismo. Em outros termos, percebe-se que a subjetividade tem deslocado o indivduo para uma posio nunca ocupada antes, pelo menos no da forma que hoje se pode verificar. Para Hobsbawm (2008), o sculo XX foi a era das catstrofes. No entando, com os acontecimentos micro e macro averigua-se que a primeira dcada do sculo XXI no apresenta indcios que ser diferente. Para evitar inflexes exarcebadas, compreende-se que os primeiros anos deste sculo marcaram as relaes sociais e, sobretudo o comportamento do homem com a natureza e suas criaes tal como o pensamento de Eric Fromm na epgrafe.

    Refletindo sobre os massacres do maior campo de concentrao alemo, o pesadelo de Auschwitz, Adorno acentua que se a barbrie encontra-se no prprio princpio civilizatrio, ento pretender se opor a isso tem algo de desesperador (1995, p. 120). Ento, embora no seja pretenso reforar negativismo, os exemplos registrados ao longo da histria nos permitem dizer que a sociedade , inegavelmente, imprevisvel; no se pode afirmar, portanto, que o passado se repete nem que o contrrio seja impossvel. Deve-se apenas levar em conta que preciso reunir as condies para que a possibilidade de reprisar equvocos do passado esteja no muito prximo. Para que algo desta natureza seja ocupada por aes baseadas numa racionalidade indispensvel o papel da educao.

    Nesse sentido, Melo adverte que

    o pensamento que orienta as relaes sociais, servindo-se da racionalidade instrumental, entendendo e compreendendo o outro pelos mesmos princpios com os

    2 Segundo Weber a razo tem que estar vinculada interpretao para a compreenso social. Dicionrio do

    Pensamento Social do sculo XX de Outhwaite e Bottomore (1996)

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    quais o sujeito entrou em contato com os processos da natureza e depois com o movimento da economia poltica e consigo mesmo, mantm-se mitificado na modernidade e tem patrocinado barbaridades (2004, p. 68).

    Assim o acordo, individual ou coletivo, firmado na sociedade atual, consciente ou inconscientemente, gerou uma sociedade altamente complexa. Os valores j no so to fceis de conceitu-los, em outros termos, aquilo que pode ser considerado como ideal para a maioria resiste a oposio das foras barbarizantes. A relao do homem com as vrias formas de organizao social, econmica, poltica e cultural plasmou nos mesmo sentimentos suficientes para reduzi-lo em coisa.

    Melo tambm ressalta que a coisificao algo que se manifesta e se revela objetivamente na cultura, nas relaes sociais, mas tambm manifestao de uma qualidade de conscincia, de algo que tambm produto da razo (2004, p. 71). Nessa perspectiva, entende-se que o sujeito ou amarrado s circunstncias determinadas pelas relaes sociais, ou pela influncia da cultura, ou ainda pelas duas, concomitantemente.

    A ideia de conscincia coisificada formulada por Adorno (p.130) prevalece s tentativas objetivas do homem que ainda acredita no projeto de mundo forjado no altrusmo. A coerncia est em admitir que por um motivo ou por outro o homem opera em consonncia do pensamento hegemnico proporcionando a instalao dos mecanismos de explorao e subordinao. Obedecendo a ordem social e cultural estabelecida, o sujeito torna-se vtima do sistema ao mesmo tempo em que assume o papel de provedor da estrutura que o domina. Em outras palavras, o comportamento do homem em direo a uma formao autntica subjugado s foras ideolgicas, pois nela, a ideologia, encontra-se os elementos que mina permanentemente a possibilidade de autoreflexo do indivduo; os ensaios de questionamento sobre a realidade e dos mecanismos de dominao so esvaziados pela prpria ordem cultural (Melo 2004). As foras produtivas exercem influncia direta nas relaes sociais, os indivduos incorporam os valores ditados pelo sistema econmico.

    Melo enfatiza esta interrelao afirmando que as relaes sociais devem obedecer aos mesmos ditames do mercado econmico, e as pessoas que no incorporam isso no so reconhecidas como participantes da cultura (2004, p. 76). A inflexo supracitada permite nos dizer, analogicamente, que os espaos formativos agem de maneira persuasiva, para no dizer coercitiva.

    O que faz o homem agir de modo esdrxulo em relao a seus semelhantes, e at contra ele mesmo, foi reelaborado por Eric Fromm a partir de Marx. Compreendendo a ligao do homem e o processo de trabalho, Fromm (re)apresenta a ideia segundo a qual

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    o homem alienado no o est apenas dos outros homens; ele est alienado da essncia da humanidade, de seu ente-espcie, tanto em seus atributos naturais como espirituais. Essa alienao da essncia humana leva a um egosmo existencial, descrito por Marx como a essncia humana do homem convertendo-se em um meio para a existncia individual dele (1970, p. 58) [Grifos do autor].

    Para compreender a natureza do homem preciso antes de qualquer coisa reconhecer que suas aes chamadas de racionais, so, ao longo da histria, imprevisveis. A irracionalidade encontra bojo na conscincia humana. Em outras palavras, para corresponder s vicissitudes do sistema produtivo o homem desempenha uma conduta fundamentada nos interesses particulares. A estrutura imposta pela sociedade moderna gera a seguinte complexidade: aquele que pode ser considerado nessa discusso como alienado acusa aqueles que provisoriamente no so. Nessa perspectiva, esses tidos como no alienado apropriam-se discretamente dos valores alienantes que antes no os possua, mas que por influncia do sistema passam a conserv-los.

    Embora os apontamentos feitos at este momento possam de certa forma denotar uma afirmao imperiosa, no a inteno deste trabalho. Certamente, o fenmeno da barbrie no pode ser interpretado como regra geral da civilizao atual. Entretanto, as evidncias e os fatos, mesmo que isolados, possibilitam dizer que com maior ou menor intensidade ela de manifesta. O homem seja no trabalho, seja nos espaos formativos formais e informais est sob o efeito barbarizante do mundo moderno. Ele ameaado constantemente pelas circunstncias sociais, econmicas, polticas e culturais. A alienao descrita anteriormente ilustra uma das artimanhas da barbrie, vez que ela provoca angstias para os diversos grupos sociais e, independentemente da posio social, o indivduo no est isento do processo mencionado at aqui. Em maior ou em menor medida, o sujeito est propenso a cometer ou sofrer a barbrie.

    A EDUCAO COMO (IM)POSSIBILIDADE DE DESBARBARIZAO DA SOCIEDADE

    A educao assumiu papeis distintos no decurso da histria da humanidade; desde a antiguidade clssica at os dias atuais os costumes e as tradies delinearam concepes diversas sobre o que deve ser repassado s geraes futuras. Durante a Idade Mdia, a cincia foi ocupada, de certo modo, pelos estudos escolsticos. Com a consolidao da cincia

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    moderna, sobretudo as cincias sociais, os ltimos sculos do milnio passado foram palco de intensas transformaes sociais, econmicas, polticas e culturais.

    O ensino forjado nos princpios de liberdade, igualdade e fraternidade despertava no homem novas formas de conceber o mundo. Com o advento do capitalismo e, consequentemente, a concentrao do homem nos espaos urbanos, o indivduo vai incorporando necessidades que legitimam a utilizao cada vez mais frequente da formao institucionalizada. As expectativas vo sendo alimentadas pelos ideais nacionalistas e liberais. O comportamento humano se alterna entre os interesses coletivos e individuais agravando os antagonismos de classes.

    Os eventos que colocaram em dvida a chamada razo foram sendo mais intensos ao ponto de se tornaram em verdadeiras aporias. Estudos econmicos, sociais e psicolgicos tentaram entender e explicar as atitudes individuais e coletivas tanto no cometimento de violaes sociais como no sentido de evit-las. Para muitos pensadores, um dos meios mais eficazes para barrar a barbrie por meio da educao.

    Adorno pondera que a educao tem sentido unicamente como educao dirigida a uma auto-reflexo crtica (1995, p. 121). Nesse aspecto, a educao assume papel imprescindvel para o processo de desbarbarizao da sociedade, mesmo sendo preenchida por diversos valores que, ou esto inerentes aos indivduos ou por eles so internalizados da sociedade; pois a educao rene os elementos constitutivos no ser humano. Adorno (1995) apresenta uma concepo de educao que supere a noo de modelagem das pessoas e de transmisso de conhecimento, mas a produo da conscincia verdadeira.

    O pensamento do autor consideravelmente relevante para a compreenso da educao na direo da emancipao. Entretanto, coerente dizer que a atuao dos espaos formativos, sobretudo da escola falvel, pois se no fosse no possuiramos tantos exemplos de barbrie. Mesmo admitindo esta terrvel situao, a de instaurar regimes calamitosos, no elimina e talvez nem deva diminuir a esperana depositada na educao dos homens.

    J foi dito neste trabalho que na organizao social que o homem criou as condies insustentveis para a prpria vida em grupo, ou seja, a partir das relaes entre duas ou mais pessoas que foram sendo estabelecidas as circunstncias sociais, econmicas, polticas e culturais. Porm, antes de fazer outras referncias sociedade de modo geral, indispensvel apresentar a concepo que Horkheimer e Adorno (1956) estabeleceram de sociedade. Aduzem que

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    no seu mais importante sentido, entendemos por sociedade uma espcie de contextura formada entre todos os homens e na qual uns dependem dos outros, sem exceo; na qual o todo s pode subsistir em virtude da unidade das funes assumidas pelos co-participantes, a cada um dos quais se atribui, em princpio, uma tarefa funcional; e onde todos os indivduos, por seu turno, esto condicionados, em grande parte, pela sua participao no contexto geral (1956, p. 25).

    Esta apresentao tardia no texto, do conceito de sociedade, no por acaso para expor dois pensamentos: o primeiro que para a existncia da sociedade, houve desde o incio, determinados interesses pessoais para a conservao da vida em grupo, independentemente dos motivos o homem considerou mais conveniente o agrupamento do que o isolamento; segundo porque dessa conjurao que surgiram confuses de ordem social, econmica, poltica e cultural. Todavia, para projetar qualquer tipo de organizao onde ningum seja tolhido de seus direitos, preciso praticar a solidariedade. Em outros termos, a regularidade da sociedade ser garantida por aes de indivduos autnomos.

    Nessa perspectiva, o homem no processo de socializao constituiu e se constitui nesse movimento com seus semelhantes. reconhecida sua participao na elaborao dos smbolos, das crenas e representaes. Analisando a concepo de Adorno (1993) sobre o processo de individuao do sujeito, Resende enfatiza que

    o indivduo deve ser pensado como uma categoria da sociedade, mediada, desde a origem, pela convivncia social. Porm, o conceito de indivduo indica a possibilidade de autodeterminao e autoconscincia do homem, diferenciando-o, dessa forma, da natureza e da sociedade. Significa, portanto que ele traz consigo a anttese da sociedade que o constitui. Assim, entendido ao mesmo tempo, como produto e produtor da cultura. Por causa dessa possibilidade de autoconscincia e autodeterminao que se produz um contraste entre o indivduo, a sociedade e a cultura (2010, p. 143).

    O raciocnio anterior aponta que, sendo a sociedade uma organizao complexa no sentido amplo e sendo a escola uma instituio criada por ela e para ela, pode-se concluir que a educao congrega tanto os elementos para barrar como para promover a barbrie. Advogar-se-ia toda sociedade para a manuteno da segunda, ou pelo menos o aniquilamento da primeira, embora, se definhando a primeira, a segunda hiptese possivelmente se estabelecer. Todo o sacrifcio, ainda que sem resultado de tentar idealizar uma sociedade com indivduos emancipados, deve ser o propsito principal da educao.

    Adorno, analisando o indivduo em sociedade segundo os postulados de Weber, Kant e Hegel, aponta, sobretudo a partir de concepo weberiana, que

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    a verdadeira autonomia consiste, to-somente, na unidade e compenetrao da individualidade com a universalidade, pois o universal s adquire realidade concreta atravs do singular e particular s encontra no universal a base indestrutvel e o verdadeiro contedo da sua realidade (1956, p. 50).

    O indivduo constitui e se constitui em um movimento dinmico e ininterrupto. Sendo assim, na relao de aes individuais predispostas a realizar mudanas baseadas na razo que a barbrie entra em um estgio degradativo. A emancipao no pode ser pensada de fora para dentro e sim no processo inversivo, ainda que o indivduo internalize valores que impedem a performance da autonomia do interior para o exterior que obter-se- temporariamente o indivduo emancipado.

    O papel da educao inquestionavelmente importante para o processo de desbarbarizao da civilizao, porm os espaos formativos tm promovido a barbrie involuntariamente. Na tentativa de gerar indivduos ativos ela robustece os princpios que deveria conter.

    Adorno e Becker num dilogo em a Educao e Emancipao sobre as competies estimulada nas escolas defendem que

    do pondo de vista segundo o qual a competio um princpio no fundo contrrio a uma educao humana. De resto, acredito tambm que um ensino que se realiza em formas humanas de maneira alguma ultima o fortalecimento do instinto de competio. Quando muito possvel educar desta maneira esportistas, mas no pessoas desbarbarizadas (1955, p. 161).

    As prticas desenvolvidas entre os muros da escola so discrepantes; no intuito de estreitar os laos sociais as aes pedaggicas exaltam o individualismo instigando todos lgica do mundo capitalista. A busca constante pelo poder econmico e prestgio social lota as escolas destinadas formao profissional. Em outras palavras, a educao de modo geral rege em consonncia com os valores que na verdade deveria extirpar. Julgar os processos educacionais juntamente com seus agentes sobremaneira deselegante, contudo o que vigora a incitao dos princpios mercantis. No se trata de acusar todo o processo de escolarizao, o problema que se tais procedimentos fossem orientados, as consequncias seriam menores. Em outros termos, o problema o mau uso que se faz do conhecimento. As aes pedaggicas advertidas sobre os efeitos barbarizantes poder-se-ia neutralizar a obra da barbrie.

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    A educao na direo para a emancipao do sujeito intricada, pois na concretizao deste ideal a subjetividade, elemento essencial para a apreenso da alteridade, possibilita o alojamento do contrrio. Para Adorno

    se no quisermos aplicar a palavra emancipao num sentido vazio como o discurso dos compromissos que as outras senhorias empunham frente emancipao, ento por certo preciso comear a ver efetivamente as enormes dificuldades que se opem emancipao nesta organizao do mundo (1955, p. 181).

    A deciso requer uma autoreflexo consciente dos indivduos, mesmo reconhecendo que na ansiedade de se fortalecer em quanto sujeito emancipado que existe a possibilidade de desvio do eu. O termo, garantia, imprprio para esta discusso, o compromisso com o altrusmo tnue. Adorno ressalta que a nica concretizao efetiva da emancipao consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direo orientem toda a sua energia para que a educao seja uma educao para a contradio e a resistncia (1995 p. 183). Essas ressalvas, embora no apresenta garantia de sobrepujar a barbrie, determina que, a sada para a desbarabarizao o comprometimento efetivo para uma educao para alm da barbrie.

    CONSIDERAES FINAIS

    A partir do ponto de vista dos vrios autores sobre as concepes de educao, sociedade e indivduo tratados aqui, e da forma que se pretendeu problematizar a relao delas possvel dizer que os artifcios para barrar a barbrie devem ser acompanhados pelas aes conscientes dos indivduos.

    Para que os fatos animalescos do passado no se reincida no presente, torna-se necessrio que homens livres e emancipados se relacionem de modo racional. Em outros termos, preciso assegurar que os anseios profcuos no cedam aos enganos da razo instrumental. As lembranas devem servir de advertncia, a possibilidade de repetio no deve ser descartada. A incerteza do futuro, a experincia do passado faz do presente o lugar privilegiado para o homem moderno pensar estas questes.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ADORNO, Theodor W. Educao e Emancipao. Trad.: Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

    FROMM, Eric. Conceito Marxista do Homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

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    HORKHEIMER, Max, ADORNO, Theodor W. Temas Bsicos da Sociologia. Trad.: lvaro Cabral. So Paulo: Cultrix, 1956.

    MATTI, Jean-Franois. A Barbrie Interior: ensaio sobre o i-mundo moderno. Trad.: Isabel Maria Loureiro. So Paulo: UNESP, 2002.

    MELO, Otvio Augusto. Mercado de Relaes. In: FARIA, Nilton Jlio de, BRANDO, Silvana Cardoso Brando. Psicologia Social: indivduo e cultura. Campinas, SP: Alnea, 2004.

    RESENDE, Maria do Rosrio Silva. Professor Universitrio: formao cultural, emancipao e autonomia. In: Anita C. Azevedo, CHAVES, Juliana de Castro (Orgs). Psicologia Social: crtica socialmente orientada. Goinia: PUC, 2010.