27
Artigos São Paulo / JANEIRO 2017 1 Texto para o livro “O Cinquentenário do Código Tributário Nacional”, coordenação de Hugo de Brito Machado Segundo, Gustavo Lanna Murici e Raphael Silva Rodrigues, Editora D’Plácido, Belo Horizonte, 2016, v. 2, p. 459. Autor: Ricardo Mariz de Oliveira A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO, NO CINQUENTENÁRIO DO CTN RESUMO. Na comemoração dos cinquenta anos do Código Tributário Nacional, todas as atenções se voltam para o que ele contribuiu para o desenvolvimento do direito tributário brasileiro. Neste artigo o objetivo é fazer esta verificação especialmente no que diz respeito à interpretação das normas. ABSTRACT. When is commemorated fifty years since the National Tax Code was enacted, everybody think about how it has contributed to the development of the Brazilian tax legislation. This article seeks to particularly verify how much the code has been important in relation to the interpretation of the laws. PALAVRAS CHAVE. Interpretação. Lacuna. Literal. Inteligente. KEY WORDS. Interpretation, Loophole. Literal. Inteligent.

Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/02/NArt.04... · Texto para o livro “O Cinquentenário do Código Tributário Nacional”,

Embed Size (px)

Citation preview

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

1

Texto para o livro “O Cinquentenário do Código Tributário Nacional”, coordenação de Hugo de Brito Machado Segundo, Gustavo Lanna Murici e Raphael Silva Rodrigues, Editora D’Plácido, Belo Horizonte, 2016, v. 2, p. 459.

Autor: Ricardo Mariz de Oliveira A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO, NO CINQUENTENÁRIO DO CTN

RESUMO. Na comemoração dos cinquenta anos do Código Tributário Nacional, todas as atenções se voltam para o que ele contribuiu para o desenvolvimento do direito tributário brasileiro. Neste artigo o objetivo é fazer esta verificação especialmente no que diz respeito à interpretação das normas. ABSTRACT. When is commemorated fifty years since the National Tax Code was enacted, everybody think about how it has contributed to the development of the Brazilian tax legislation. This article seeks to particularly verify how much the code has been important in relation to the interpretation of the laws. PALAVRAS CHAVE. Interpretação. Lacuna. Literal. Inteligente. KEY WORDS. Interpretation, Loophole. Literal. Inteligent.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

2

O Capítulo IV do Título I do Livro Segundo do CTN (art. 107 a 112), ao mesmo tempo em que deu azo a inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais, sem dúvida prestou relevantes serviços para a interpretação e a integração da legislação tributária brasileira.

Se lembrarmos o ambiente que antecedia a promulgação do código,

poderemos aquilatar com mais objetividade a qualidade e a quantidade dos problemas resolvidos.

Assim, antes de 1966 discutia-se, principalmente sob a influência do

direito germânico, a prevalência da substância econômica sobre a forma jurídica, noção esta amplamente superada em nossas fronteiras graças aos referidos dispositivos do CTN e aos que constavam dos seus anteprojeto e projeto, os quais afastados em virtude do contexto sistemático do nosso sistema constitucional, tão bem refletido no CTN em suas linhas principais.

Também as relações entre o direito privado e o direito tributário

puderam ser melhor compreendidas e explicitadas graças ao CTN, sendo abandonadas ideias como a da autonomia do direito tributário, como se fosse um nicho legislativo absolutamente separado das demais normas jurídicas, inclusive das que disciplinam o ambiente econômico e suas relações, onde se encontram as capacidades contributivas.

São fascinantes as conclusões a que se pôde chegar para preencher

lacunas e na percepção da importância da interpretação mais favorável ao acusado nos casos de dúvida, ambos os temas iluminados pelo princípio supremo da legalidade, do qual são manifestações tópicas.

Seguramente a doutrina e os tribunais poderiam ter avançado no

enfrentamento de todas estas questões, mas, também sem dúvida, o CTN muito contribuiu para isso, inclusive para reduzir as consequências de controvérsias meramente acadêmicas, ou seja, para que tais temas pudessem ser entendidos de modo a produzir maior segurança jurídica, a qual somente é quebrada quando julgadores reticentes se permitem interpretações que contraditam flagrantemente as normas dos art. 107 a 112 da codificação tributária nacional.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

3

Qualquer estudioso do assunto sabe perfeitamente que cada um desses dispositivos pode gerar obras de grande profundidade científica e de igual importância prática, ou mesmo trabalhos menos pretensiosos, mas com maior alcance.1

Entretanto, para a presente ocasião é necessário escolher um deles,

e a preferência recaiu sobre o art. 1112, em virtude de duas razões paradoxalmente antagônicas: ao mesmo tempo em que a melhor doutrina e a jurisprudência mais adiantada evoluíram na compreensão da norma espelhada nesse dispositivo, superando dificuldades mediante o emprego dos melhores preceitos de hermenêutica jurídica, a aplicação acrítica e errada do art. 111 continua a se repetir em volume assustador, seja por ignorância, seja para o fim de defender este ou aquele interesse específico e momentâneo.

Apesar da escolha, no desenvolvimento do tema teremos

oportunidade de apreciar noções de ordem geral, relativas à interpretação e à integração da legislação tributária, embora não seja possível, nos limites destes comentários, esgotar o que há a dizer a este respeito.

Vamos ver, ainda nos limites destes comentários, qual a verdadeira

exegese devida ao art. 111, começando com a lembrança da autorizada voz de GILBERTO DE ULHÔA CANTO, dirigida a esse artigo, mas que, no fundo, bem pode ser aplicada a outras situações nas quais o dispositivo não seja aplicável, mas cujas normas também requeiram interpretação mais atenta.

Realmente, ouvi de ULHÔA CANTO, com a sua autoridade de um dos

autores do anteprojeto do CTN, em aula ministrada em 27.4.1985 na Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), no Curso de Atualização em Direito Tributário promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, que a redação final do art. 111 traiu a intenção dos seus redatores, que não 1 Já escrevi sobre “Interpretação e Integração da Lei Tributária”, juntamente com MATOS, Gustavo Martini, e BOZZA, Fábio Piovesan, na coletânea coordenada por MACHADO, Hugo de Brito, do Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET e da Dialética, 2010, p. 356. 2 “Art. 111 -. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I - suspensão ou exclusão do crédito tributário; II - outorga de isenção; III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.”

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

4

pretendiam manietar o processo mental de reconhecimento do sentido das leis, mas apenas dizer que, nas matérias submetidas àquele dispositivo, a interpretação deveria ser restritiva, e não extensiva.

De fato, seja quanto aos assuntos abarcados pela hipótese de

incidência do art. 111, seja quanto às hipóteses de todas as demais normas do ordenamento positivo, inclusive às do próprio CTN, o processo mental do exegeta é incerceável.

Por este motivo superior e até alheio ao direito, as disposições dos

art. 107 a 112 devem ser reconhecidas como normas gerais que explicitam diretrizes para que a exegese seja feita dentro dos princípios que orientam o nosso sistema tributário, e assim também deve ser com relação à compreensão do próprio art. 111.

ULHÔA CANTO, no XV Simpósio Nacional de Direito Tributário,

realizado São Paulo no ano de 1988, aludiu de passagem ao defeito redacional do art. 1113 e, em estudo datado de 25.3.1986, provavelmente não publicado, foi claro:

“Na aplicação da lei tributária, como na de qualquer outra, a autoridade começa por tentar compreendê-la. Muitas vezes basta a sua leitura para que o conteúdo fique claro e o seu comando, entendido sem qualquer dúvida pelo aplicador, possa ser executado. Em outros casos, porém, isso não acontece, e a autoridade encarregada de fazer atuar a determinação legislativa precisa, por processo gnoseológico complexo e, às vezes, difícil, buscar no texto o seu sentido, o seu conteúdo, a sua ordem. A esse processo chama-se interpretação. A orientação do CTN sobre a matéria foi bastante infeliz; primeiramente, porque não nos parece que a lei deva fixar regras sobre interpretação, que consiste em operação do espírito humano, e não se pode fixar normas cogentes sobre o processo de elaboração mental de qualquer pessoa. Depois, no art. 111, ele preconizou a interpretação literal de normas sobre isenção, no que

3 CANTO, Gilberto de Ulhôa, in “Caderno de Pesquisas Tributárias - Vol. 15”, coedição Centro de Extensão Universitária e Editora Resenha Tributária, São Paulo, 1988, p. 16.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

5

parece ter pressuposto uma concepção já superada da figura, modernamente reconhecida como importante e eficaz instrumento de estímulo à atividade que, no interesse social e econômico, convém excluir do campo da imposição.”

Neste sentido, verdadeiramente confirmando o testemunho de

ULHÔA CANTO através de interpretação histórica, um interessantíssimo trabalho de pesquisa e reflexão foi publicado por LUCIANA IBIAPINA LIRA AGUIAR, que buscou os debates parlamentares travados quando da tramitação do projeto do CTN e certificou que a ideia dos seus autores não era prescrever a interpretação estritamente literal.4

Com razão, a literalidade não se impõe em qualquer época e em

qualquer lugar, pois, segundo HANS KELSEN, a maior expressão mundial do positivismo jurídico, “não há absolutamente qualquer método – capaz de ser classificado como de direito positivo – segundo o qual, das várias significações verbais de uma norma, apenas uma possa ser destacada como ‘correta’ – desde que, naturalmente, se trate de várias significações possíveis: possíveis no confronto de todas as outras normas da lei ou da ordem jurídica”.5

Por isso, segundo FRANCESCO FERRARA, a interpretação, iniciada

pela leitura da lei e pela consideração do sentido das palavras, desloca-se de imediato para a interpretação lógica, que se desenvolve “num ambiente mais alto e utiliza meios mais finos de indagação, pois remonta ao espírito da disposição, inferindo-o dos fatores racionais que a inspiraram, da gênese histórica que a prenda a leis anteriores, da conexão que a enlaça a outras normas e de todo o sistema”.6

E mais especificamente quanto às palavras, o mesmo FERRARA

acentua que “as palavras hão de entender-se na sua conexão, isto é, o pensamento 4 AGUIAR, Luciana Ibiapina Lira, “Reflexões Históricas sobre o Art. 111 do CTN: a Escolha pela Expressão ‘literalmente’ em Oposição à Expressão ‘restritivamente’”, Revista Direito Tributário Atual, coedição Instituto Brasileiro de Direito Tributário e Dialética, São Paulo, 2014, n. 34, p. 245. 5 KELSEN, Hans, “Teoria Pura do Direito”, Arménio Amador Editora, Coimbra, 1984, 6ª ed., p. 468, tradução de João Baptista Machado. 6 FERRARA, Francesco “Interpretação e Aplicação das Leis”, Arménio Amador Editor, Coimbra, 3ª ed., p. 140.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

6

da lei deve inferir-se do complexo das palavras usadas e não de fragmentos destacados, deixando-se no escuro uma parte da disposição” e acrescenta que se deve “partir do conceito de que todas as palavras têm no discurso uma função e um sentido próprio, de que não há nada supérfluo ou contraditório e por isso o sentido literal há de surgir da compreensão harmônica de todo o contexto”. 7

Ou seja, considerar as palavras da lei é inevitável, mas a literalidade

mecânica e inaceitável. PAULO BROSSARD, então CONSULTOR-GERAL DA REPÚBLICA e

depois Ministro do Supremo Tribunal Federal, aludindo a duas observações de CELSO no Digesto, as quais considera como diretrizes permanentes de interpretação das leis e ponto de partida da hermenêutica dos textos jurídicos, as declina: a primeira é a de que “saber as leis não se resume a conhecer as suas palavras, mas aprofundar a sua força e o seu poder”, e a outra é no sentido de que, se se quiserem executar a vontade das leis, será preciso interpretá-las favoravelmente a elas mesmas, sem esquecer-lhes os fins sociais, e “nunca se limitar ao sentido literal” (Parecer S-002/85, item 36).

Segundo o brocardo, “summum jus, summa injuria”, e assim

sentenciou o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL para rejeitar o apego à interpretação literal (Recurso Extraordinário nos Embargos Infringentes na Apelação Cível n. 35920-RS, em 25.9.1984).

Nesta linha de pensamento, a prescrição da literalidade, tal como

escrita no art. 111 do CTN, atualmente está bem compreendida pela doutrina e pela jurisprudência como significando restritividade, no sentido de que a interpretação não pode acarretar a ampliação das hipóteses alcançadas pelas regras excludentes do crédito tributário, e não no sentido de que tal prescrição deva reduzir a interpretação daquelas regras ao seu literalismo, com desprezo inclusive dos seus objetivos.

JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES foi enfático a este respeito:

7 Ob. cit., p. 140.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

7

“Determinar a interpretação literal é praticamente mutilar a interpretação, ou mesmo suprimi-la, porque essa restrição pode situar o exercício da função interpretativa aquém da extensão total do preceito de lei. Para obedecer-se ao comando de interpretação literal, há de desobedecer-se muitas vezes a ‘mens legis’”.8

É igualmente relevante trazer à baila o Parecer n. AGU/SF/01/2000,

de 28.9.2000, da ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, da lavra de OSWALDO OTHON DE PONTES SARAIVA FILHO, aprovado e subscrito pelo Ministro GILMAR MENDES, então Advogado-Geral da União, o qual explicou em seu item 201 que a norma do art. 111 do CTN, ao falar em interpretação literal, prescreve a interpretação restritiva e não ampliativa:

“Cabe apenas responder que, em face de o art. 111 do CTN estabelecer que a legislação sobre isenção deve ser interpretada literalmente, ou seja, restritivamente, não comportando interpretação ampliativa, que fuja do sentido que as palavras podem ter ... .”

Igualmente, no âmbito PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA

NACIONAL, encontra-se o Parecer PGFN-CAT n. 1495/01, de 9.8.2001, o qual, confrontando norma instituidora de incentivo fiscal com o art. 111 do CTN, afirmou que o processo interpretativo deve ser “desprovido de preconceitos e sem apego exagerado à simples leitura da letra fria da lei”, devendo se desenvolver através de todos os métodos cabíveis, tendo ressaltado, mais, que “o exame da norma, mesmo a concessiva de favor fiscal, deve valer-se de todos os elementos interpretativos, de forma a se aproximar o máximo possível do seu verdadeiro sentido e alcance”.

E não se contentou com pouco, pois disse peremptoriamente:

“22. Não se defenda a interpretação absurdamente restritiva, ou excessivamente apegada à literalidade da lei, porque não nos parece ser esse o método hermenêutico mais inteligente e consentâneo com a Ciência do Direito. Com efeito, o exame da

8 BORGES, José Souto Maior, "Isenções Tributárias", Editora Sugestões Literárias, São Paulo, 2ª ed., 1980, p. 125.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

8

norma, mesma a concessiva de favor fiscal, deve valer-se de todos os elementos interpretativos, de forma a se aproximar o máximo possível do seu verdadeiro sentido e alcance. Entendo, particularmente, não ser o mandamento do art. 111 do CTN impeditivo do exame percuciente da norma jurídica.”

Em outro pronunciamento, a mesma PROCURADORIA-GERAL DA

FAZENDA NACIONAL manifestou dever o intérprete, entre vários sentidos que a letra possivelmente ofereça, buscar o mais justo e mais praticável. Trata-se do Parecer PGFN/PGA-454/92, item 9, subscrito pelo então Procurador-Geral TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR,

Há muito a jurisprudência também chegou a igual entendimento em

vários precedentes, dentre os quais o acórdão do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 1ª Turma, no Recurso Especial n. 14400-SP, relatado pelo Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, e julgado em 20.11.1991, onde se lê:

“O real escopo do art. 111 do Código Tributário Nacional não é impor a interpretação meramente literal - a rigor impossível - mas evitar que a interpretação extensiva ou outro qualquer princípio de hermenêutica amplie o alcance da norma.”

Igual entendimento está exarado no Recurso Especial n. 14426-SP,

da mesma data, e também no Recurso Especial n. 104614-SP, julgado em 21.11.1996.

Tal visão da exegese prolonga-se no tempo, como se pode ver por

mais algumas citações, dentre muitíssimas que poderiam ser arroladas: - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2a Turma, Recurso Especial n.

217948/SP, decidido em 2.5.2000, tendo sido relator o Ministro FRANCIULLI NETTO:

“Há de haver cautela na interpretação da letra da lei, para que não ocorra um exacerbado rigorismo interpretativo que afaste o hermeneuta do melhor processo de compreensão da vontade real do legislador.”

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

9

- SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2ª Turma, Recurso Especial n. 163529-MG, decidido em 4.10.2001, sendo relator o Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS:

“A ‘interpretação literal’ preconizada pela lei tributária objetiva evitar interpretações ampliativas ou analógicas; cabe, entretanto, ao intérprete mostrar o alcance e o sentido da norma geral e abstrata que instituiu o incentivo.”

- SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2a Turma, Recurso Extraordinário

n. 183403-0-SP, julgado em 7.11.2000, pelo voto do Ministro MARCO AURÉLIO:

“Abandona-se a interpretação meramente verbal, gramatical: embora seduzindo, por ser a mais fácil, deve ser observada em conjunto com métodos mais seguros, como é o teleológico.”

Vale constatar que, ao recusar a intelecção do art.

111exclusivamente segundo as suas palavras, a doutrina e a jurisprudência já estão, por pressuposto, aceitando a ineficiência e a insuficiência desse método de exegese jurídica.

Ainda a propósito das hipóteses subsumidas ao art. 111 do CTN,

emblematicamente, a CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS, no Acórdão n. CSRF/01-0867, de 14.4.1989, julgando matéria isencional, fê-lo de forma livre das peias da interpretação simplesmente literal, para encontrar a verdadeira finalidade da lei. Discutia-se a isenção do imposto de renda sobre proventos de aposentadoria por motivo de doença, para se determinar se seria aplicável aos já aposentados que contraíssem a moléstia após a aposentadoria, ou se, tendo em vista a letra da lei, somente aos que já estivessem doentes por ocasião da aposentadoria. É importante transcrever a seguinte passagem do acórdão:

“Aquele que já inativado venha a contrair uma das moléstias em questão não se amolda à situação que ensejou a edição da norma isencional? Qual o motivo que excluiria do alcance da referida isenção essa plêiade de aposentados? O simples fato de que ao se aposentar não sofria o servidor do mal que somente tempos depois o veio afligir?

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

10

Parece-me excesso de formalismo interpretar-se o dispositivo em debate dando tamanha relevância à palavra ‘motivada’, a ponto de restringir o universo daqueles a quem a lei se propõe isentar. Tal exegese afronta a lógica, o bom senso e os princípios da isonomia, da universalidade e da capacidade contributiva, todos expressamente contemplados pela Constituição em vigor.”

Outras citações podem ser acrescentadas, como as seguintes: - Parecer Normativo CST n. 2/92: admitiu a impossibilidade da

interpretação literal, aplicando a sistemática; - CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS, acórdão n. CSRF/01-

0571, de 20.9.1985: aplicou a interpretação gramatical, teleológica, sistemática e histórica para lei sobre isenção;

- SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 1ª Turma, no Recurso Especial

n. 20983-7-PE, julgado em 31.8.1994, com a seguinte ementa da relatoria do Ministro MILTON LUIZ PEREIRA:

“Tributário. Importação de Peças e Componentes Sobressalentes para Reposição do Equipamento Principal Isento do Imposto de Importação e do IPI. Interpretação Lógica para o Ajustamento ao Princípio da Legalidade. Artigos 97, 109, 110, 111 e 176, CTN. Decreto-lei n. 1726/79 (art. 2o., IV, f, 5). 1. A isenção deve ajustar-se à uma realidade-valor, de modo que não se elimine o alcance da lei isencional, quanto à sua justa e razoável finalidade, prejudicando superiores interesses sociais. 2. As peças acessórias importadas por concessionária de serviço público federal, isento o equipamento principal do Imposto de Importação e do IPI, também estão isentas do pagamento dos mesmos tributos (Dec.lei 1726/79, art. 2o., IV, f, 5).”

A diretriz de hermenêutica contida nesse julgado do Superior

Tribunal de Justiça, concorde, aliás, com tudo o que foi precedentemente exposto e transcrito, certamente lança uma luz sobre como cada matéria deve ser

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

11

enfocada em face das exigências da exegese jurídica, mesmo quando não se trate de lei sobre isenção tributária.

De fato, a recusa em admitir a interpretação meramente literal não

se manifesta apenas nas paragens do art. 111 do CTN, inclusive como se vê por algumas remissões acima, mas assume coloração especial em virtude desse dispositivo legal aludir à literalidade, pois ela se espraia em caráter geral.

Porém, como aqui nos atemos às normas do direito tributário, e em

especial a àquele artigo, prossigamos neste campo. PAULO DE BARROS CARVALHO nos aponta que o texto escrito não é

mais do que a “porta de entrada” para o processo de compreensão da lei, e faz dura crítica à intepretação literal: “O desprestígio da chamada interpretação literal, como critério isolado de exegese, é algo que dispensa meditações mais sérias, bastando arguir que, prevalecendo como método interpretativo do direito, seríamos forçados a admitir que os meramente alfabetizados, quem sabe com o auxílio de um dicionário de tecnologia jurídica, estariam credenciados a descobrir as substâncias das ordens legisladas, explicitando as proporções dos significados das leis. ... Daí por que o texto escrito, na singela conjugação de seus símbolos, não pode ser mais do que a porta de entrada para o processo de apreensão da vontade da lei ...”.9

GERALDO ATALIBA, em escrito conjunto com J. A. LIMA

GONÇALVES, disse o seguinte: “BARBA NOM FACIT MONACHUM, já ensinava a velha sabedoria popular medieval. Não é a aparência que vale. Os juristas não lidam com palavras; operam com conceitos por elas, bem ou mal, revelados. ‘Os problemas de dogmática não se resolvem pela taxinomia’, já dizia, há décadas, o autorizado Agostinho Alvim”. 10

9 CARVALHO, Paulo de Barros, “Curso de Direito Tributário”, Editora Saraiva, São Paulo, 4ª ed., 1991, p. 81. Este trecho foi inclusive citado no acórdão n. CSRF/01-0867, de 14.8.1989, da Câmara Superior de Recursos Fiscais. 10 ATALIBA, Geraldo e GONÇALVES, José Arthur, Lima, “A Contribuição Social Instituída pela Lei n. 7.689/88”, in Revista do Advogado, Associação dos Advogados de São Paulo, n. 31, 1990, p. 11 (trecho na p. 19).

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

12

O mesmo ATALIBA e AIRES FERNANDINO BARRETO, verdadeiramente ridicularizando a interpretação meramente gramatical, aludiram a SOUTO MAIOR BORGES, dizendo que esse eminente jurista pernambucano “apontava o caminho correto a ser percorrido pelo exegeta, que não quisesse fazer o triste papel de simples leitor, apegado pedestremente à letra do texto, desconsiderando as exigências sistemáticas maiores, que devem prevalecer, por apoiarem-se em princípios, e não em simples normas”.11

Em suma, não é correto procurar obter o conhecimento da lei

exclusivamente pelo método gramatical ou literal, sendo sempre necessária a utilização de todos os processos intelectivos disponíveis.

Isto vale, inclusive, para se entender a diretriz contida no art. 111 e

para interpretar toda e qualquer norma que se subsuma a ele, isto é, quando se tratar de norma sobre suspensão ou exclusão do crédito tributário, ou sobre outorga de isenção, ou sobre dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

Para se chegar a esta conclusão, houve necessidade de adotar

muitos preceitos sobre a hermenêutica jurídica, não cabendo neste espaço a abordagem de todos eles.

Mesmo assim, além do que já foi exposto, é possível resumir dizendo

que a consideração das palavras é necessária e inevitável, até porque é por meio delas que o legislador exprime a sua lei, mas o entendimento delas deve ser razoável, tendo-se em vista inclusive que uma só palavra não é suficiente para dar expressão a todo o contexto da lei, e também que qualquer palavra, ou conjunto de palavras, pode comportar mais de um sentido12.

Ademais, a exegese jurídica não se limita à leitura dos textos legais,

pois é preciso chegar ao verdadeiro comando dispositivo da norma, que se costuma identificar com o “espírito da norma”, com a “vontade da lei” ou mesmo 11 ATALIBA, Geraldo, e BARRETO, Aires Fernandino, “Conflitos de Competência e Tributação de Serviços”, Revista de Direito Tributário, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1978, n. 6, p. 62. 12 Neste sentido, o Ministro MARCO AURÉLIO já disse que um sútil jogo de palavras não é suficiente par alterar a natureza das coisas (Recurso Extraordinário n. 150764-1-PE).

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

13

com a “vontade do legislador”, especialmente quando não defluem facilmente da forma linguística adotada no corpo legislativo.

Por isso, no processo de interpretação é necessário perquirir sobre

a teleologia da lei, isto é, sobre o seu verdadeiro sentido através do seu fim (descobrir a “mens legis”), bem como é preciso correlacionar o dispositivo ou a lei sob interpretação com todos os demais dispositivos da mesma lei e com todas as demais leis que compõem o direito positivo, pois que todas elas atuam conjunta e sistematicamente para revelar a verdadeira norma jurídica aplicável à determinada situação fática.

Neste particular, é interessante acrescentar a transcrição de uma

parte do Parecer n. AGU/MF-01/96, de 11.1.1996, da ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, aprovado pelo Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República, o qual trata da confrontação entre a letra da lei e o seu espírito, nos seguintes termos:

“32. É importante ressaltar que o Poder Judiciário não cria o direito, não legisla, apenas, aplica o direito existente. É que muitas vezes a literalidade da lei não diz tudo o que no seu espírito se contém. O que importa é a ‘mens legis’ e, mesmo diante da clareza do texto, a interpretação se impõe, ‘quando se percebe que a letra da lei não está em consonância com o seu espírito’ (Maria S. Zanella Di Pietro, Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, São Paulo, Atlas, 1991, p. 114) e com os valores que informam o sistema jurídico vigente. Encontrado o valor que se deseja preservar, se a letra da lei não alberga todas as situações em que este valor é posto em jogo, dá-se, então, pela interpretação, a integração que é um dos processos pelos quais se preenchem as lacunas da lei, com a extensão da norma aos casos análogos.”

Em sua clássica obra, CARLOS MAXIMILIANO, mestre maior da

hermenêutica jurídica, começa exaltando a importância do texto legal, mas ressalva a sua insuficiência:13

13 MAXIMILIANO, Carlos, “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 3a ed., p 153.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

14

“Na verdade, o sentido da prescrição regular acha-se nos vocábulos usados pelo legislador, que formam a primeira e a mais espontânea manifestação da ideia. Embora sejam eles meios deficientes para transmitir pensamentos, constituem elemento fundamental da função interpretativa, merecedor de exame antes de qualquer outro. O processo gramatical será o primeiro na ordem metódica, em a gradação tradicional; porém não em valor, importância: interpretação, por excelência, é a que se baseia no elemento ideológico.”

MAXIMILIANO também nos brinda com infindáveis e sempre atuais

lições importantes em torno do assunto, como, por exemplo, sobre o processo sistemático necessário à compreensão da norma14, sobre a verificação do resultado da intepretação15, e, especialmente, tendo em vista o que se lê no art. 111 do CTN, sobre os perigos decorrentes da interpretação apegada ao texto, além de ensinar que as leis concessivas de benefícios devem ser interpretadas de maneira a atingir plenamente as suas finalidades. A este respeito, diz MAXIMILIANO:

“Melhor e com frequência maior do que a letra crua indicam se a exegese deve ser mais, ou menos, estrita os motivos, o fim colimado, a razão lógica, os valores jurídico-sociais que deram vida à regra e a justificam no sistema geral da legislação. Como sempre sucede, a propósito de quaisquer questões de Direito, também na órbita das normas excepcionais orienta-se o hermeneuta pela perspectiva do resultado provável deste ou daquele modo de agir, atende às consequências decorrentes da interpretação liberal, ou rigorosa, do texto.” 16 ..... “Decretos de anistia, os de indulto, o perdão do ofendido e outros atos benéficos, embora envolvam concessões ou favores e, portanto, se enquadrem na figura jurídica dos privilégios, não suportam exegese estrita. Sobretudo se não interpretam de modo que venham causar prejuízo àqueles que os referidos atos ou normas devem beneficiar. Assim se entende, por incumbir ao

14 Ob. cit., p 161 e seg. 15 Ob. cit., p. 204. 16 Ob. cit., p. 285.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

15

hermeneuta atribuir à regra positiva o sentido que dá eficácia maior à mesma relativamente ao motivo que a ditou, e ao fim colimado, bem como aos princípios seus e da legislação em geral.”17

É claro que MAXIMILIANO não escreveu a respeito do art. 111, mas

sua doutrina se junta a todas as manifestações sobre esse dispositivo legal, o qual serve, ele mesmo, de exemplo impar sobre a impropriedade da interpretação literal das palavras que emprega.

Em pé de igualdade com CARLOS MAXIMILIANO, TERCIO SAMPAIO

FERRAZ JÚNIOR deslinda como se desenvolve a interpretação jurídica. Seu escrito contém inúmeras passagens importantes, mas aqui impende transcrever as seguintes:

“A interpretação jurídica, como tarefa dogmática, ocorre num amplo espectro de possibilidades. Envolve o direito como um fenômeno complexo, na perspectiva da decidibilidade de conflitos. O jurista não interpreta como o faz o ser humano, ordinariamente, quando procura entender a mensagem de alguém numa simples conversa. Neste caso, o que se busca é entender o que foi comunicado, captando o sentido a partir de um esquema de compreensão próprio de quem ouve, a fim de orientar suas reações e subsequentes ações. Já o jurista pressupõe que, no discurso normativo, são fornecidas razões para agir de um certo modo e não de outro. Essas razões, portanto, se destinam a uma tomada de posição diante de diferentes possibilidades de ação nem sempre congruentes, ou seja, conflitivas. Pressupõe, assim, que o ser humano age significativamente, isto é, atribui significação à sua ação. Como essa significação conhece variações subjetivas, a interpretação jurídica cria condições para tornar decidível esse conflito significativo. O que se busca na interpretação jurídica é, pois, alcançar um sentido válido de uma comunicação normativa, que manifesta uma relação de autoridade. Trata-se, portanto, de captar a mensagem normativa como um dever-ser para o agir humano.”18 .....

17 Ob. cit., p. 286. 18 Ob. cit., p. 215.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

16

“É hoje um postulado universal da ciência jurídica a tese de que não há norma sem interpretação, ou seja, toda norma, pelo simples fato de ser posta, é passível de interpretação. Houve, é verdade, na Antiguidade, exemplos de rompimento desse postulado, como a conhecida proibição de Justiniano de que se interpretassem as normas de seu ‘Corpus Juris Civilis’. Contudo, sabemos hoje que não só não se conseguiu evitar que aquelas normas se submetessem ao domínio do exegeta, como também, como nos mostra Stroux (1949) em seu admirável ensaio sobre as relações entre a jurisprudência romana e a retórica grega, não se desejou romper com aquele postulado, afirmando-se tão somente que se reconhecia como vinculante apenas a interpretação do imperador: a proibição de interpretar não era uma supressão, mas um limite.”19 ..... “Não é sem razão, pois, que a doutrina hermenêutica costuma dizer difusamente que a interpretação é um ato de síntese e que o intérprete, para alcançar a ‘ratio legis’, deve lançar mão de todos os meios doutrinários a seu alcance.”20

No âmbito do direito tributário, a doutrina, acompanhada pela

jurisprudência, também atingiu outros resultados relevantes e que extravasam a questão da interpretação literal, os quais, contudo, remontam a conhecimentos mais amplos, como o pronunciado por CARLOS MAXIMILIANO a respeito de que a interpretação das normas jurídicas deve ser feita inteligentemente. Sobre isto, doutrinou o consagrado mestre:

“DEVE O DIREITO SER INTERPRETADO INTELIGENTEMENTE: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter à conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela, sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo. Releva acrescentar o seguinte: ‘é tão defectivo o sentido que deixa ficar sem efeito (a lei), como o que não a faz produzir efeito senão em hipóteses tão gratuitas que o

19 Ob. cit., p. 220. 20 Ob. cit., p. 261.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

17

legislador evidentemente não teria feito uma lei para preveni-las’. Portanto, a exegese há de ser de tal modo conduzida que explique o texto como não contendo superfluidades, e não resulte um sentido contraditório com o fim colimado ou o caráter do autor, nem conducente à conclusão física ou moralmente IMPOSSÍVEL. Desde que a interpretação pelos processos tradicionais conduz à injustiça flagrante, incoerências do legislador, contradição consigo mesmo, impossibilidades ou absurdos, deve-se presumir que foram usadas expressões impróprias, inadequadas, e buscar um sentido equitativo, lógico e acorde com o sentido geral e o bem presente e futuro da comunidade.”21

Este preceito da interpretação inteligente é fundamental, tendo sido

adotado pela CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS no acórdão n. CSRF/01-0434, datado de 25.5.1984. Depois de transcrever o primeiro texto acima, de MAXIMILIANO, a Câmara Superior acrescentou a este propósito: “Essa lição já vem dos romanos, quando consignavam que ‘interpretatio illa summenda, quae absurdum evitetur’ (a interpretação deve ser feita de modo a evitar absurdos).”

A noção de interpretação inteligente confunde-se com a de

interpretação racional, isto é, aquela que chega ao sentido e ao fim da lei, motivo pelo qual está ao menos subjacente em incontáveis trabalhos de doutrina e de aplicação da lei, tais como o acórdão n. CSRF-01/0667, de 20.6.1986, da CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS (que afastou a possibilidade de a intepretação levar a incongruências), o Parecer PGFN n. 279/91, da PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA, do qual se destacam os itens n. 40 (que alude à doutrina de MAXIMILIANO no sentido de que a interpretação prestigie todos os vocábulos e principalmente frases da lei, mas para se achar o seu verdadeiro sentido e para que todos tenham efeito e não sejam inoperantes), 41 (relativo à lição de ALÍPIO SILVEIRA no sentido de que as palavras sejam interpretadas tendo em vista o escopo e a finalidade da lei) e 63, “g” (resumindo as mesmas noções), e várias decisões do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Pleno, como o Recurso Extraordinário n. 150764-1-PE, julgado em 16.12.1992, sendo relator o Ministro MARCO AURÉLIO, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2348-9-DF (Medida Cautelar), julgada em 6.12.2000, sendo relator o Ministro MARCO AURÉLIO, e o Recurso Extraordinário n. 94462-1-ES, julgado pelo 21 Ob. cit., p. 204.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

18

Plenário em 30.6.1981 sob relatoria do Ministro SOARES MUÑOZ, além de outros.

Sobre o tema, TERCIO FERRAZ SAMPAIO JÚNIOR elucida o seguinte:

“É inquestionável que subjacente à busca da vontade da lei ou do legislador encontra-se a necessária pressuposição epistemológica de um desígnio que quer ser entendido e afigurar-se como racional. A base dessa racionalidade encontra-se no princípio kantiano ‘dever implica poder’, no sentido de que ninguém, em sã consciência, poderia desejar o impossível ou o incoerente ou obrigar-se a ele (cf. G. von Wright, 1970: 111), o que ecoa o antigo brocardo: ‘ad impossibilia nemo tenetur’ (ninguém se obriga a coisas impossíveis). Assim, na comunicação que se estabelece, intermediada pelo intérprete com base no texto estatuído, entre o legislador empírico e o destinatário normativo, assume-se que os agentes (autoridade e sujeitos) compartilham um mínimo de padrões de racionalidade. Tal exigência de compartilhamento de padrões mínimos de racionalidade é condição necessária de todo e qualquer ato interpretativo, dentro de uma teoria geral da interpretação de comportamentos. Atribuir intenções desarrazoadas ao agente interpretado simplesmente mina a possibilidade de interpretar, posto que a identificação de sentidos normativos necessariamente pressupõe uma adequada conceptualização do agente interpretado.”22

A racionalidade, portanto, impõe-se sobre a literalidade, e até

mesmo para compreender o sentido que a lei quer dar às palavras empregadas em seu texto.

A mesma mensagem doutrinária encontra continuidade na ideia do

legislador racional, para a qual evolui este trecho da lavra de TERCIO FERRAZ, e que será vista a seguir.

A interpretação inteligente também se impõe porque o

ordenamento jurídico não é um aglomerado de preceitos reduzidos a meras 22 Ob. cit., p. 235.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

19

fórmulas literárias dissociadas de qualquer sentido prático e lógico. Ao contrário disso, ele é um todo orgânico e coerente, que busca distribuir eficazmente um resultado que o legislador entendeu ser conveniente integrar no regramento das relações jurídicas.

Como disse MIGUEL REALE, o sistema jurídico é “lucidus ordo”: “as

normas jurídicas se dispõem e se coordenam segundo ‘lucidus ordo’, de conformidade com reiterado ensinamento de Rui Barbosa”.23

O próprio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, por exemplo, através de

sua 1ª Turma, no Recurso Extraordinário n. 159213-3-SP, julgado em 8.2.1994, sendo relator o Ministro CELSO DE MELLO, declarou na ementa que "os postulados que informam a teoria do ordenamento jurídico e que lhe dão o necessário substrato doutrinário assentam-se na premissa fundamental de que o sistema de direito, além de caracterizar uma unidade institucional, constitui um complexo de normas que devem manter entre si um vínculo de essencial coerência".

E explicitou no corpo do acórdão:

“Os postulados que informam a teoria do ordenamento jurídico assentam-se na premissa fundamental de que este ‘além de uma unidade, constitui também um sistema’ (NORBERTO BOBBIO, ‘Teoria do Ordenamento Jurídico’, p. 71, 1989, Polis/Editora UnB), razão pela qual as normas que o compõem devem manter entre si um vínculo essencial de coerência.” (negritos no original)

E TERCIO FERRAZ SAMPAIO JÚNIOR resume:24

“Por fim, quando se enfrentam as questões de compatibilidade num todo estrutural, falemos em interpretação sistemática (‘stricto sensu’). A pressuposição hermenêutica é a da unidade do sistema jurídico do ordenamento.” (grifo no original)

De todas estas regras sobre interpretação do direito, ou melhor,

quando elas são aplicadas corretamente, chegamos à conclusão de que a 23 REALE, Miguel, artigo publicado no “O Estado de São Paulo” de 6.11.1987. 24 Ob. cit., p. 244.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

20

intepretação é mais do que um trabalho passivo de leitura e apreensão do sentido dos textos legais, pois é um trabalho ativo de verdadeira construção da norma aplicável a cada situação fática.

Esta é a posição de HUMBERTO ÁVILA em artigo no qual não

emprega a expressão “carga construtiva” que tem sido utilizada em pronunciamentos de outros juristas.25

A noção envolvida é de que a interpretação contém uma carga

construtiva, carga esta, contudo, no sentido de construir uma interpretação que melhor adeque a norma ao caso concreto, e nunca para admitir que o intérprete possa criar uma lei ou chegar à conclusão absolutamente incompatível com o texto legal.

Esta breve explicação não deve conduzir ao engano de se pensar que

a carga construtiva somente caiba na aplicação da norma a um dado fato concreto, pois, ao contrário, ela pode se dar no terreno que antecede a aplicação, isto é, no terreno da hermenêutica, em que é preciso primeiramente construir uma interpretação racional da norma, seja quanto ao seu antecedente descritivo da hipótese a que ela se destina, seja quanto ao seu consequente determinante da respectiva disposição normativa. Sem esta atividade mental preliminar sequer se pode passar, no momento da aplicação da norma, à segura constatação de que o fato se subsume a ela e terá o devido tratamento por ela prescrito.

A propósito da carga construtiva, o MINISTRO MARCO AURÉLIO,

conduzindo o Recurso Extraordinário n. 166772-9-RS, julgado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - Pleno em 12.5.1994 (no mesmo sentido há outros acórdãos, como no Recurso Extraordinário n. 153777-9-MG, julgado em 30.6.1994 pela 2ª Turma), afirmou:

“Se é certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a vinculação à ordem jurídico-

25 ÁVILA, Humberto, “Função da Ciência do Direito” Tributário: do Formalismo Epistemológico ao Estruturalismo Argumentativo”, in Revista Direito Tributário Atual, coordenação de OLIVEIRA, Ricardo Mariz de, SCHOUERI, Luís Eduardo e ZILVETI, Fernando Aurélio, coedição do Instituto Brasileiro de Direito Tributário e da Editora Dialética, São Paulo, 2013, n. 29, p. 181.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

21

constitucional em vigor. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de acordo com a formação profissional e humanística do intérprete. No exercício gratificante da arte de interpretar, descabe ‘inserir na regra de direito o próprio juízo - por mais sensato que seja - sobre a finalidade que ‘conviria’ fosse por ela perseguida’ - Celso Antonio Bandeira de Mello - em parecer inédito.”

A este propósito, MARCO AURÉLIO GRECO foi preciso dizendo: “Em

outras palavras, as considerações até aqui feitas levam à conclusão de que o intérprete tem papel positivo na construção do significado da lei (não é mero espectador), sua função é mais ampla. Mas, este papel positivo e o poder de que está investido não é absoluto e ilimitado, pois, se o fosse, cairíamos num subjetivismo puro, incompatível com o mínimo de previsibilidade das consequências legais, desnaturando a lei que deixaria de ser uma pauta de conduta, para ser um simples pretexto para a tomada de certa decisão e imposição de certo significado”. 26

TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, com sua sabedoria, elucida a

função da hermenêutica, demonstrando sua participação ativa, ou seja, construtiva:27

“A determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de conflitos constitui a tarefa da dogmática hermenêutica. Trata-se de uma finalidade prática, no que se distingue de objetivos semelhantes das demais ciências humanas. Na verdade, o propósito básico do jurista não é simplesmente compreender um texto, como faz, por exemplo, o historiador ao estabelecer-lhe o sentido e o movimento no seu contexto, mas também determinar-lhe a força e o alcance, pondo o texto normativo em presença dos dados atuais de um problema. Ou seja, a intenção do jurista não é apenas conhecer, mas conhecer tendo em vista as condições de decidibilidade de conflitos com base na norma enquanto diretivo para o comportamento.

26 GRECO, Marco Aurélio, “Cofins na Venda de Imóveis”, Revista Dialética de Direito Tributário n. 51, Dialética, São Paulo, 1999, p. 125. 27 Ob. cit., p. 211.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

22

No Capítulo 4, ocupamo-nos da dogmática de modelo analítico, cuja tarefa gira em torno da identificação do direito. Para cumpri-la, em face do princípio da inegabilidade dos pontos de partida, utiliza-se de um conceito fundamental: a validade. É preciso reconhecer a norma jurídica, ponto de partida do saber dogmático. A doutrina, porém, como estamos vendo, não se limita a identificar o direito, apontar as condições para que determinados atos institucionalizados constituam sua fonte, nem organizar o conjunto das relações entre as normas ou entre seus conteúdos na forma de um sistema. É preciso também determinar sob que condições o direito identificado será entendido. Conforme o princípio da inegabilidade dos pontos de partida, cumpre agora interpretar, isto é, fixar um sentido básico. A interpretação jurídica cria, assim, condições para tornar decidível o conflito significativo, ao trabalhá-lo como relação entre regras e situações potencialmente conflitivas. Aqui é preciso distinguir a atividade argumentativa de advogados, diante de juízes, quando buscam uma decisão favorável ao seu cliente, da tarefa posta ao jurista, quando busca uma significação que possa ser válida para todos os envolvidos no processo comunicativo normativo. É o que se chama de interpretação doutrinária. É nesse contexto que se procura identificar o papel organizador do valor justiça num conjunto normativo a ser interpretado juridicamente. O que se busca na interpretação jurídica é, pois, alcançar um sentido válido não meramente para o texto normativo, mas para a comunicação normativa, que manifesta uma relação de autoridade. Trata-se, portanto, de captar a mensagem normativa, dentro da comunicação, como um dever-ser vinculante para o agir humano. Na identificação ou reconstrução dessa diretiva, desse dever, há sempre a potencialidade de erupção da questão sobre a legitimidade desse sentido (da comunicação e, portanto, da própria relação de autoridade) como justo, o que leva à questão: o que é o justo?”

Acresce dizer que a noção de carga construtiva na interpretação está

muito próxima da noção de legislador racional, que é um recurso de hermenêutica que, por paradoxal que possa parecer, mais se impõe exatamente quando estejamos perante textos legais falhos.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

23

De fato, principalmente quando a redação normativa é deficiente (embora também deva ser assim quando a redação legal seja escorreita e precisa) a solução deve partir do pressuposto teórico de que há um legislador racional, não um determinado homem ou um grupo de homens, mas um legislador impessoal presente na boa elaboração do direito, porque, afinal, a interpretação busca uma boa solução jurídica.

No linguajar jurídico é muito comum haver referência ao legislador

desta ou daquela lei, quando se quer identificar alguma norma com o respectivo órgão emissor.

Entretanto, o legislador racional não é alguém ou algum órgão

específico, que esteja em algum lugar do espaço em determinado momento do tempo, pois é o legislador ideal e necessário para a segurança jurídica.

TERCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR nos apresenta essa figura em

sequência ao trecho acima transcrito, no qual ele desenvolve as exigências da interpretação racional, evoluindo para o seguinte:28

“Assim, a atividade de interpretação, desenvolvida pela dogmática jurídica, envolve uma conceptualização ideal do legislador, cuja figura na forma do ‘legislador racional’, muito mais do que uma imagem retórica empregada na argumentação jurídica, constitui a base (racional) para a fundamentação metodológica da atividade de interpretação jurídica.”

Reportando-se às propriedades do legislador racional propostas por

SANTIAGO NINO, TERCIO relaciona as qualidades desse ser ideal29, ao qual também alude MARCO AURÉLIO GRECO, louvando-se em TERCIO FERRAZ e se reportando a julgados da Suprema Corte30.

28 Ob. cit., p. 235. 29 Ob. cit., p. 233 e seg. 30 GRECO, Marco Aurélio, in “Cofins na Lei 9.718/98 – Variações Cambiais e Regime da Alíquota Acrescida”, Revista Dialética de Direito Tributário n. 50, Dialética, São Paulo, 1999, p. 110 e seguintes; idem in “Cofins na Venda de Imóveis”, Revista Dialética de Direito Tributário n. 51, Dialética, São Paulo, 1999, p. 119 e seguintes

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

24

Mas também não se pense que o legislador racional seja necessariamente alguém mais inteligente, nem que a norma por ele produzida precise ser perfeita e a mais desejável. Não é esta a noção correta do legislador racional, mas, sim, a de que ele produz alguma norma inspirado por alguma razão de interesse social e a escreve (ou deveria escrever) coerentemente com essa razão.

E, sendo ele racional, permite uma interpretação igualmente

racional, que atente para suas razões e construa uma intelecção lógica e conforme ao texto e ao ordenamento, utilizando todos os elementos intelectivos possíveis, inclusive os de natureza sistemática e teleológica.

Deste modo, o legislador racional se confunde com o intérprete

construtivo, ou melhor, este completa aquele, porque a interpretação não cria a norma, mas traz à lume a norma criada pelo legislador, norma possivelmente defeituosa pelas falhas do legislador real e que não existem na perspectiva do legislador ideal, falhas estas que podem ser escoimadas pela interpretação que impede conclusão influenciada pelas insuficiências do texto, e que produz conclusão correspondente ao verdadeiro espírito da norma.

Enfim, o espírito da norma está na intenção do legislador racional

(por interpretação, se descobre que também está na intenção do legislador da lei), e estaria melhor refletido no texto legal se houvesse sido escrito por ele.

O grande risco de enveredar pela rota da interpretação baseada nas

noções de carga construtiva e legislador racional é o intérprete passar a legislar, isto é, a construir a lei e não a interpretação da lei, o que definitivamente não é admissível. Mesmo sabendo disso, o intérprete cauteloso pode passar do limite, que muitas vezes não é perceptível.

O próprio acórdão no Recurso Extraordinário n. 153777-9-MG,

defendendo a carga construtiva, acrescentou com apoio em CARLOS MAXIMILIANO:

“Atente-se para a advertência de Carlos Maximiliano, isto ao dosar-se a carga construtiva, cuja existência, em toda interpretação, não pode ser negada: ‘Cumpre evitar não só o

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

25

demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, o de forçar a exegese e deste modo encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais se apaixonou, de sorte que vislumbra no texto ideias apenas existentes no próprio cérebro, ou no sentir individual, desvairado por ojerizas e pendores, entusiasmos e preconceitos ‘Hermenêutica e Aplicação do Direito - Editora Globo, Porto Alegre - segunda edição, 1933 - página 118’.”

Por isso, o mesmo MAXIMILIANO ensina mais

"Não se deve ficar aquém, nem passar além do escopo referido; o espírito da norma há de ser entendido de modo que o preceito atinja completamente o objetivo para o qual a mesma foi feita, porém dentro da letra dos dispositivos. Respeita-se esta, e concilia-se com o fim. Isolado, o elemento verbal talvez imobilizasse o Direito Positivo, por lhe tirar todo o elastério. Enquadra, de fato, o último em uma fórmula abstrata, que encerra o escopo social; porém este, como elemento móvel, conduzirá o jurista às aplicações diversas e sucessivas de que a fórmula é suscetível. Deste modo a lei adquire o máximo de ductilidade".31 ..... “O intérprete não traduz em clara linguagem só o que o autor disse explícita e conscientemente; esforça-se por entender mais e melhor do que aquilo que se acha expresso, o que o autor inconscientemente estabeleceu, ou é de presumir ter querido instituir ou regular, e não o haver feito nos devidos termos por inadvertência, lapso, excessivo amor à concisão, impropriedade de vocábulos, conhecimento imperfeito de um instituto recente, ou por outro motivo semelhante."32

GRECO, como vimos, ressalva, a propósito da carga construtiva, que

o papel positivo e o poder de que está investido o intérprete não é absoluto e ilimitado, e também TERCIO repara: “Em não se tratando de definição estipulativa, o entendimento dos conceitos usados por uma norma conhece, pois, limitações. O âmbito de liberdade de interpretação tem o texto da norma como limite. Afinal, o significado do texto tem de apontar para um universo material 31 Oc. cit., p. 190. 32 Ob. cit., p. 204.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

26

verificável em comum ou para um uso comum e constante das expressões, pois, sem isso, a comunicação seria impossível”33.

Por óbvio, ante tudo quanto já foi exposto, o fato de o limite da

interpretação estar no texto da lei não significa que este deva ser interpretado literalmente.

Ademais, para que a interpretação racional e construtiva permaneça

dentro dos seus limites, a chave está em verificar se há coincidência entre a “intentio legislatoris” e a “intentio legis”, refletida esta na “mens legis”, isto é, no espírito da lei. Quando há esta coincidência, a construção da interpretação pode escoimar defeitos de redação com maior segurança, socorrendo-se o intérprete da noção do legislador racional. E o mesmo deve se dar quando haja dissintonia entre a vontade do legislador e a vontade da lei, hipótese em que esta prevalece com seu espírito detectado por escorreita interpretação.

Em suma, o legislador racional e a construção exegética correta

operam para ser atingida a percepção do sentido da norma, corrigindo imperfeições evidentes do texto, descobrindo o sentido deste (o espírito da norma) não apenas pela aparência das palavras, mas pelo que elas significam tecnicamente ou na linguagem comum, e de modo adequado à compreensão da norma em seus dois componentes.

E, a propósito dos diferentes sentidos das palavras, o intérprete não

pode olvidar que há um comando legal para o processo de legislar, que deve ser seguido pelo legislador e assim orienta os destinatários das normas. Trata-se da Lei Complementar n. 95, de 26.2.1998, baixada por determinação constitucional para organizar a feitura das leis, a qual determina que haja “clareza” e “precisão” na redação das normas jurídicas e, adotando recomendações doutrinárias e jurisprudência inclusive do Supremo Tribunal, impõe ao legislador a obrigação de “usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando” (art. 11, “caput” e inciso I, letra “a”).

33 Ob. cit., p. 243.

Artigos

São Paulo / JANEIRO 2017

27

Enfim, assim se interpreta o direito, inclusive o direito tributário e também quando a norma a ser entendida ou aplicada seja submetida ao art. 111 do CTN.

Destarte, pecam gravemente contra a lei os que alargam o alcance

da hipótese de incidência do art. 111, com o fito de incluir na sua disposição normativa outras situações que não são as elencadas exaustivamente no seu antecedente ou descritivo hipotético. E pecam duplamente, porque sempre o fazem para defender o literalismo interpretativo da norma sobre a qual se debruçam.

Que leiam a doutrina e a jurisprudência com atenção e respeito! E que leiam ainda a uma derradeira reprimenda de CARLOS

MAXIMILIANO: “Quem só atende à letra da lei, não merece o nome de jurisconsulto; é simples pragmático (dizia Vico)”.34

34 Ob. cit., p. 143.