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As belas maneiras de conviver com o Semiárido Através da renda de bilro Domingas reencontrou seu lugar no sertão. Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 7 • nº1096 Agosto/2013 Poço Redondo Lugar de cultura forte onde o Rei do Cangaço deu seu último suspiro, Poço Redondo é uma das cidades mais distantes da capital de Sergipe. São 170 km de estrada contemplando paisagens e pequenas cidades que retratam com simplicidade o alto sertão sergipano através de seu povo, seus costumes, fazeres e resistência. É nessa cidade que a artesã Maria Domingas dos Santos Neto, 44 anos, decidiu repousar na sua arte “Eu fiz o caminho inverso, estava em São Paulo com meu marido,os dois desempregados, decidimos vir para o sertão em busca de melhoria de vida”, nos fala Maria Domingas, natural de Coruripe-AL, casada com Eugênio Neto e mãe de duas meninas e um menino. Foi em 1994 que Domingas e Eugênio decidiram sair da grande São Paulo e vir morar na casa dos pais dele. “A gente tinha mil reais na época, era muito dinheiro (risos), já tínhamos uma filha, então compramos arroz, farinha, feijão e abrimos uma vendinha” relata Domingas. Dois anos depois e com a chegada de outro filho foi que o casal se mudou para a própria casa. Mas foi em 2004 que a vida e os pensamentos de Domingas começaram a mudar. A renda de bilro é uma cultura forte de Poço Redondo que estava correndo o risco de acabar por falta de pessoas interessadas em dar continuidade. Foi então que Domingas resolveu participar de um desses cursos oferecidos pela Secretaria de Inclusão Social, mas não com o objetivo só de aprender, ela queria repassar, falar da renda de bilro em outros espaços. “ Eu queria aprender não só pra mim, mas para ensinar, fiquei tão apaixonada que só pensava na renda, renda o dia inteiro, meu marido já dizia que estava ficando maluca”, diz Domingas. Domingas produzindo sua arte Domingas e sua filha Alane

As belas maneiras de conviver com o Semiárido: através da renda de bilro, Domingas reencontrou seu l

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As belas maneiras de conviver com o Semiárido Através da renda de bilro Domingas reencontrou seu lugar no sertão.

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 7 • nº1096

Agosto/2013

Poço Redondo

Lugar de cultura forte onde o Rei do Cangaço deu seu último suspiro, Poço Redondo é uma das cidades mais distantes da capital de Sergipe. São 170 km de estrada contemplando paisagens e pequenas cidades que retratam com simplicidade o alto sertão sergipano através de seu povo, seus costumes, fazeres e resistência.

É nessa cidade que a artesã Maria Domingas dos Santos Neto, 44 anos, decidiu repousar na sua arte “Eu fiz o caminho inverso, estava em São Paulo com meu marido,os dois desempregados, decidimos vir para o sertão em busca de melhoria de vida”, nos fala Maria Domingas, natural de Coruripe-AL, casada com Eugênio Neto e mãe de duas meninas e um menino.

Foi em 1994 que Domingas e Eugênio decidiram sair da grande São Paulo e vir morar na casa dos pais dele. “A gente tinha mil reais na época, era muito dinheiro (risos), já tínhamos uma filha, então compramos arroz, farinha, feijão e abrimos uma vendinha” relata Domingas. Dois anos depois e com a chegada de outro filho foi que o casal se mudou para a própria casa.

Mas foi em 2004 que a vida e os pensamentos de Domingas começaram a mudar. A renda de bilro é uma cultura forte de Poço Redondo que estava correndo o risco de acabar por falta de pessoas interessadas em dar continuidade. Foi então que Domingas resolveu participar de um desses cursos oferecidos pela Secretaria de Inclusão Social, mas não com o objetivo só de aprender, ela queria repassar, falar da renda de bilro em outros espaços.

“ Eu queria aprender não só pra mim, mas para ensinar, fiquei tão apaixonada que só pensava na renda, renda o dia inteiro, meu marido já dizia que estava ficando maluca”, diz Domingas.

Domingas produzindo sua arte

Domingas e sua filha Alane

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Sergipe

Realização Apoio

A presença de rendeiras de mão cheia como Dona Clotildes ,90 anos, Dona Leopoldina ,76 anos e Dona Sirina, 74 anos, contribuíram bastante para a caminhada de Domingas, que logo, logo já começou a realizar seu sonho de ensinar. “A gente ia, eu e Dona Sirina para a comunidade Sítios Novos, recebíamos 400 reais para as duas, pagando as passagens (risos), não sobrava quase nada ... renda é paixão, só faz se estiver apaixonada”, fala Domingas.

Através da renda foram surgindo vár ias oportunidades. Através da Promoarte, uma entidade do Rio de Janeiro ela conseguiu ser uma agente local e organizava os cursos, tirou sua carteira de artesã e entrou para a Associação de Artesãos de Poço Redondo. Ela hoje lembra com felicidade da premonição de seu tio que não deu certo “Meu tio dizia, não dou noventa dias para vocês voltar, e olhe hoje a gente aqui, eu pago até a faculdade da minha filha com o dinheiro que tiro da renda”, fala Domingas toda orgulhosa.

Em casa o encantamento dessa arte chegou também na filha Alane, que aprendeu com apenas nove anos de idade e hoje aos 16 anos já cria peças diferenciadas como colares com a renda de bilro. Domingas, por tanto falar na renda m todo lugar que chega, já foi para o Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e vai voltar a Florianópolis ainda esse mês através de um intercâmbio que ela diz ser muito importante. “O intercâmbio é ótimo, a gente vai pra um lugar deixa uma renda da gente lá, eles vêm deixam aqui, se continuar vai ter renda de todo lugar no Brasil inteiro”.

A renda de bilro de Poço Redondo tem dois diferenciais, um por ser branca e outro é por ter mulheres como Domingas que lutam para não deixar acabar a cultura, acreditando que são várias as maneiras de conviver com o Semiárido. “Eu só ensino a fazer para virar instrutora, se não for assim não cresce. Hoje tenho minha independência, quero comprar uma coisa, vou lá e compro”, afirma.

A produção é exposta sempre em feiras de artesanato, no Centro de Artes de Aracaju e Museu da Gente Sergipana, recentemente receberam o convite para participar de uma exposição no

Museu do Folclore no Rio de Janeiro.

Todas as quartas-feiras as rendeiras se reúnem em um espaço cedido pela Fundação Dom José Brandão de Castro em Poço Redondo, para fazer renda, conversar e deixar ecoar na cidade o barulho maravilhoso e sintonizado dos bilros.

E como gosta muito de ensinar, Domingas deixa aqui a lista de materiais para fazer essa preciosidade: almofada de tecido com capim ou palha de bananeira, papelão onde fica o molde, espinho de mandacaru, o bilro que precisa ser sempre em número par e a linha mercê crochê.

Dona Leopoldina uma das artesãs mais experientes dePoço Redondo

Instrumento de produção da renda de bilro