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As cantigas de escárnio Nessa cantiga, o eu – lírico, faz uma crítica (sátira) indireta e com duplos sentidos a alguém. Para os trovadores fazerem uma cantiga de escárnio, ele precisa compor uma cantiga falando mal de alguém, ou seja, fazendo uma critica a alguma pessoa, através de palavras de duplo sentido, ou seja, através de ambigüidades, trocadilhos e jogos semânticos, através de um processo denominado pelos trovadores equívoco. Essa cantiga é capaz de estimular a imaginação do autor, sugerindo-lhe uma nova expressão irônica. Vejamos um exemplo de cantiga de escárnio: Ai, dona fea, foste-vos queixar que vos nunca louv[o] em meu cantar; mais ora quero fazer um cantar em que vos loarei toda via; e vedes como vos quero loar: dona fea, velha e sandia!… As cantigas de Maldizer. Esse tipo de cantiga, também traz criticas, ou seja sátiras diretas, porém não são acompanhadas de duplos sentidos. É normal que ocorra agressões verbais à pessoa que está sendo criticada, ou seja, satirizada, geralmente usa-se até mesmo palavrões para compor esse tipo de cantiga, onde se revela ou não o nome da pessoa que está sendo agredida verbalmente. Vejamos um exemplo de cantiga de Maldizer: Roi queimado morreu con amor Em seus cantares por Sancta Maria por ua dona que gran bem queria e por se meter por mais trovador porque lhela non quis [o] benfazer fez-sel en seus cantares morrer mas ressurgiu depois ao tercer dia!… Outras modalidade satíricas As cantigas sátiricas distiguem-se de várias formas , ou modalidade de cantigas. As cantigas de joguete arteio e risabelha: são pequenas composições que fazem rir somente no momento, ou seja, causa um riso imediato, e que não têm nenhuma críticas às pessoas e nem à sociedade. As cantigas de seguir: são construídas a partir de outra cantiga, ou seja, o tema da cantiga foi reaproveitado, os versos, as rimas e as músicas. O sirventês: muito diferente de uma sátira personalizada, era composto por um servo em honra a seu senhor, ou seja, escreveu sobre os inimigos de seu senhor O desacordo: se diferencia pela irregularidade do esquema métrico.

As Cantigas de Escárnio

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cantigas de escárnio

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Page 1: As Cantigas de Escárnio

As cantigas de escárnioNessa cantiga, o eu – lírico, faz uma crítica (sátira) indireta e com duplos sentidos a alguém. Para os trovadores fazerem uma cantiga de escárnio, ele precisa compor uma cantiga falando mal de alguém, ou seja, fazendo uma critica a alguma pessoa, através de palavras de duplo sentido, ou seja, através de ambigüidades, trocadilhos e jogos semânticos, através de um processo denominado pelos trovadores equívoco.Essa cantiga é capaz de estimular a imaginação do autor, sugerindo-lhe uma nova expressão irônica.Vejamos um exemplo de cantiga de escárnio:Ai, dona fea, foste-vos queixarque vos nunca louv[o] em meu cantar;mais ora quero fazer um cantarem que vos loarei toda via;e vedes como vos quero loar:dona fea, velha e sandia!…

As cantigas de Maldizer.Esse tipo de cantiga, também traz criticas, ou seja sátiras diretas, porém não são acompanhadas de duplos sentidos. É normal que ocorra agressões verbais à pessoa que está sendo criticada, ou seja, satirizada, geralmente usa-se até mesmo palavrões para compor esse tipo de cantiga, onde se revela ou não o nome da pessoa que está sendo agredida verbalmente.Vejamos um exemplo de cantiga de Maldizer:Roi queimado morreu con amorEm seus cantares por Sancta Mariapor ua dona que gran bem queriae por se meter por mais trovadorporque lhela non quis [o] benfazerfez-sel en seus cantares morrermas ressurgiu depois ao tercer dia!…

Outras modalidade satíricas As cantigas sátiricas distiguem-se de várias formas , ou modalidade de cantigas.

As cantigas de joguete arteio e risabelha: são pequenas composições que fazem rir somente no momento, ou seja, causa um riso imediato, e que não têm nenhuma críticas às pessoas e nem à sociedade.

As cantigas de seguir: são construídas a partir de outra cantiga, ou seja, o tema da cantiga foi reaproveitado, os versos, as rimas e as músicas.

O sirventês: muito diferente de uma sátira personalizada, era composto por um servo em honra a seu senhor, ou seja, escreveu sobre os inimigos de seu senhor

O desacordo: se diferencia pela irregularidade do esquema métrico. As tensões: era como se fosse um desafio onde os trovadores e os jograis tinham que

calcular suas habilidades poéticas.

A poesia desta época compőe-se basicamente de cantigas, geralmente com acompanhamento de instrumentos (alaúde, flauta, viola, gaita etc.). Quem escrevia e cantava essas poesias musicadas eram os jograis e os trovadores. Estes últimos deram origem ao nome deste estilo de época portuguęs. 

Mais tarde, as cantigas foram compiladas em Cancioneiros. Os mais importantes Cancioneiros desta época săo o da Ajuda, o da Biblioteca Nacional e o da Vaticana. 

As cantigas eram cantadas no idioma galego-portuguęs e dividem-se em dois tipos: líricas (de amor e de amigo) e satíricas (de escárnio e mal-dizer). 

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Do ponto de vista literário, as cantigas líricas apresentam maior potencial pois formam a base da poesia lírica portuguesa e até brasileira. Já as cantigas satíricas, geralmente, tratavam de personalidades da época, numa linguagem popular e muitas vezes obscena. 

Cantigas de amor 

Origem da Provença, regiăo da França, trazidas através dos eventos religiosos e contatos entre as cortes. Tratam, geralmente, de um relacionamento amoroso, em que o trovador canta seu amor a uma dama, normalmente de posiçăo social superior, inatingível. Refletindo a relaçăo social de servidăo, o trovador roga a dama que aceite sua dedicaçăo e submissăo. 

Eu-lírico - masculino 

Cantigas de amigo 

Neste tipo de texto, quem fala é a mulher e năo o homem. O trovador compőe a cantiga, mas o ponto de vista é feminino, mostrando o outro lado do relacionamento amoroso - o sofrimento da mulher ŕ espera do namorado (chamado "amigo"), a dor do amor năo correspondido, as saudades, os ciúmes, as confissőes da mulher a suas amigas, etc. Os elementos da natureza estăo sempre presentes, além de pessoas do ambiente familiar, evidenciando o caráter popular da cantiga de amigo. 

Eu-lírico - feminino 

Cantigas satíricas 

Aqui os trovadores preocupavam-se em denunciar os falsos valores morais vigentes, atingindo todas as classes sociais: senhores feudais, clérigos, povo e até eles próprios. 

Cantigas de escárnio - crítica indireta e irônica 

Cantigas de maldizer - crítica direta e mais grosseira 

A prosa medieval retrata com mais detalhes o ambiente histórico-social desta época. A temática das novelas medievais está ligada ŕ vida dos cavaleiros medievais e também ŕ religiăo. 

A Demanda do Santo Graal é a novela mais importante para a literatura portuguesa. Ela retrata as aventuras dos cavaleiros do Rei Artur em busca do cálice sagrado (Santo Graal). Este cálice conteria o sangue recolhido por José de Arimatéia, quando Cristo estava crucificado. Esta busca (demanda) é repleta de simbolismo religioso, e o valoroso cavaleiro Galaaz consegue o cálice. 

Ao ler um texto poético desse período, não podemos ter em mente a tradição moderna e o que hoje entendemos por poesia. A poesia não era escrita para ser lida por um leitor solitário. Era poesia cantada (daí o nome de cantiga, que passaremos a usar de agora em diante), geralmente era acompanhada por um coro e por instrumentos musicais. Seu público não era, portanto, constituído de leitores, mas de ouvintes. Assim, devemos sempre considerar as cantigas como poesia intimamente ligada à música, própria para apresentações coletivas.

CANTIGA DE AMIGO "ONDAS DO MAR DE VIGO,"

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  Ondas do mar de Vigo,

se vistes meu amigo?**

         e ai Deus, se verrá cedo?

  

Ondas do mar levado,

5 se vistes meu amado? **

       e ai Deus, se verrá cedo?

  

Se vistes meu amigo,

o por que eu sospiro?

       e ai Deus, se verrá cedo?

  

10 Se vistes meu amado,

o por que hei gram coidado?

       e ai Deus, se verrá cedo?

 

Vigo - Na época medieval, apenas uma pequena povoação nas Rias Baixas galegas.

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    Estamos, mais uma vez, em presença de uma cantiga de amigo, do subgénero Barcarola ou Marinha, sugerido pela presença do mar, elemento natural a que a rapariga se dirige, pretendo saber novas do seu amigo, "Ondas do mar de Vigo, / se vistes...".

    E se este apelo constitui o tema desta cantiga, há que distinguir a existência de duas vertentes dentro desta mesma temática: a temática marítima, (ests. I e II) e a temática amorosa, presente nas duas outras estrofes.

    Nas primeiras duas estrofes ou de temática marítima, encontramos o já referido apelo da menina, que questiona as ondas do mar sobre o paradeiro do seu amigo, visível, aliás, na forma verbal "se vistes" e igualmente no refrão "se verrá cedo".

No segundo conjunto de estrofes ou temática amorosa, a menina expressa os seus sentimentos mais   profundos

"o por que eu sospiro?" e "o por que hei gram coidado" reveladores da sua "coita", da sua angústia bem como da sua preocupação e da sua saudade em

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relação ao amado.

    O mar surge aqui como confidente em substituição da mãe ou da amiga embora represente, simultaneamente, um obstáculo que se interpõe entre os dois amados. Por sua vez, o mar apresenta-se com ondas, revolto e bravo, constituindo assim um obstáculo acrescido; é ainda possível estabelecer uma relação entre o estado do mar e o estado de espírito da menina, angustiada e desesperada pela ausência do amigo.

 

    Aspetos formais a considerar:

    1 - paralelismo perfeito;

    2 - leixa-prem**;

    4 - Vocativo / Apóstrofe;

   5 - rima AA / BB / A'A / B'B - alternada, contribuindo para a musicalidade do texto;

    6 - dísticos monorrimos;

    7 - refrão monóstico;

   

    Outras notas:

    1 - toda a cantiga poderia resumir-se aos versos 1, 2, 8, e refrão;

    2  - neste texto não há ação; o discurso é

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semidirecto (monólogo interior) cujo destinatário é literário, ou seja, as ondas do mar;

    3 - o refrão exterioriza a dúvida da donzela, que tanto a angustia;

    4 - personificação das ondas do mar que, no entanto, não ouvem o apelo.

CANTIGA DE AMIGO, ALBA OU ALVORADA "LEVANTOU-S'A VELIDA"

D. Dinis  

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  Levantou-s'a velida,

       levantou-s'alva,

e vai lavar camisas

       eno alto,

5        vai-las lavar alva.

  

Levantou-s'a louçana,

       levantou-s'alva,

e vai lavar delgadas

       eno alto,

10        vai-las lavar alva.

  

[E] vai lavar camisas;

       levantou-s'alva,

o vento lhas desvia

       eno alto,

15        vai-las lavar alva.

  

E vai lavar delgadas;

       levantou-s'alva,

o vento lhas levava

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       eno alto,

20        vai-las lavar alva.

  

O vento lhas desvia;

       levantou-s'alva,

meteu-s'[a] alva em ira

       eno alto,

25        vai-las lavar alva.

  

O vento lhas levava;

       levantou-s'alva,

meteu-s'[a] alva em sanha

       eno alto,

30

       vai-las lavar alva.

 

Albas ou Alvoradas, subgénero a que pertence esta cantiga de amigo, são assim designadas por "acontecerem" ao amanhecer, ao nascer do dia. 

Este subgénero foi pouco cultivado em Portugal. Os costumes não eram tão permissivos como outros, nomeadamente da região provençal, e situações como

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a narrada nesta cantiga, dificilmente poderiam ocorrer.

 

Nesta cantiga de D. Dinis faz-se a descrição  de uma rapariga que se levanta de madrugada e vai lavar roupa que o vento arrasta, deixando-a furiosa.

 

Fosse esta a simples leitura e tudo pareceria inocente e conforme embora, na realidade, esteja longe de o ser.

 

Alva simboliza a pureza, a inocência própria da virgindade. No texto,alva  pode estar ainda a substituir o próprio amanhecer ou, como adjetivo, referir-se à cor branca, provavelmente da pele da rapariga que será jovem e cuja pele não estará ainda crestada do sol.

Por esta razão, encontramos os termos "velida" e "louçana" significandoformosa ou de belo aspeto.

 

Atente-se no terceiro verso da primeira estrofe

 

e vai lavar camisas

 

 

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** camisas são igualmente designadas delgadas

 

 

E vai lavar delgadas;

 

As camisas constituíam a primeira peça de roupa que se vestia, em linho ou seda, quer para o homem quer para a  mulher, correspondendo à atual roupa interior; são roupas íntimas, simbolizando a intimidade.

 

Assim, considere-se o verso

 

  

e vai lavar camisas

 

 

também ele carregado de simbologia. O ato de lavar camisas, tal como o banho nupcial, era um ritual simbólico da expetativa da noiva; lavar camisas surge associando a água à sensualidade feminina.

 

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Já o vento surge no texto como simbolizando um ambiente agressivo que não se relaciona com a delicadeza da menina. Simboliza preocupações que o amigo lhe provoca ou o sopro fálico, isto é, uma relação sexual.

 

Simbolicamente, esta cantiga representa uma experiência sexual: acordados pela manhã, um casal de namorados, que terão passado a noite juntos, irrita-se com o nascimento do dia que obrigará a que se separem.

 

A narração é feita na 3ª pessoa, o narrador não corresponde à pessoa que detém a ação no texto.