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XVIII-1 AS COMUNICAÇÕES NA MARINHA Dos primórdios a 1975 Comunicação apresentada na Academia de Marinha pelo Membro Efectivo contra-almirante José Luís Leiria Pinto, em 1 de Junho de 2010 Expor sobre as radiocomunicações em Portugal é reportar a uma actividade em que a Marinha foi pioneira e sempre se tem mantido na vanguarda, mercê da competência e dedicação dos seus membros. A presente palestra visa, fundamentalmente, descrever a história das comunicações navais desde a criação dos simples Postos Radiotelegráficos até à operação das potentes Estações Radionavais, que constituíram a espinha dorsal das comunicações na Marinha, ligando o Continente às Ilhas Atlânticas e aos antigos territórios portugueses de África, Ásia e Oceânia. O espaço de tempo desde os primórdios da T.S.F. até 1975 pode ser dividido em períodos, balizados por factos significativos: 1º Período 1898 – 1910 Dos primórdios ao Posto Radiotelegráfico do Arsenal da Marinha (Casa da Balança). 2º Período 1910 – 1926 Do estabelecimento dos serviços radiotelegráficos regulares à utilização da onda curta.

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AS COMUNICAÇÕES NA MARINHA Dos primórdios a 1975

Comunicação apresentada na Academia de Marinha pelo Membro Efectivo contra-almirante José Luís Leiria Pinto, em 1 de Junho de 2010

Expor sobre as radiocomunicações em Portugal é reportar a uma actividade em que a Marinha foi pioneira e sempre se tem mantido na vanguarda, mercê da competência e dedicação dos seus membros. A presente palestra visa, fundamentalmente, descrever a história das comunicações navais desde a criação dos simples Postos Radiotelegráficos até à operação das potentes Estações Radionavais, que constituíram a espinha dorsal das comunicações na Marinha, ligando o Continente às Ilhas Atlânticas e aos antigos territórios portugueses de África, Ásia e Oceânia. O espaço de tempo desde os primórdios da T.S.F. até 1975 pode ser dividido em períodos, balizados por factos significativos: 1º Período 1898 – 1910 Dos primórdios ao Posto Radiotelegráfico do Arsenal da

Marinha (Casa da Balança). 2º Período 1910 – 1926

Do estabelecimento dos serviços radiotelegráficos regulares à utilização da onda curta.

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3º Período 1926 – 1933 Do desenvolvimento da onda curta à chegada dos

primeiros navios do “Programa Naval Magalhães Corrêa”. 4º Período 1933 – 1945 Das novas técnicas radioeléctricas ao fim da II Guerra

Mundial. 5º Período 1945 – 1960 Do fim da II Guerra Mundial e posterior entrada de

Portugal na NATO aos inícios da Guerra do Ultramar. 6º Período 1960 – 1975 Da Guerra do Ultramar à denominada Descolonização. Julga-se que data de 1898 a primeira notícia publicada em Portugal sobre a T.S.F. Foi nos “Anais do Clube Militar Naval”. Dois anos depois, na “Revista Colonial e Marítima”, o então Tenente Gago Coutinho apresenta um estudo sobre o novo sistema de comunicações e nesse mesmo ano regista, na Repartição de Indústria, duas patentes da sua invenção sobre radiocondutores.

De salientar que seis anos antes, em 1894, o físico italiano Marconi tinha registado a primeira patente mundial da T.S.F.. No ano seguinte, nova publicação nos “Anais” sobre T.S.F., agora a descrição de um equipamento radioeléctrico da autoria do Tenente Victor Sepúlveda, que conjuntamente com Gago Coutinho deverão ser considerados entre os pioneiros da T.S.F. em Portugal. Da escrita passa-se à prática e assim, também em 1901, em Vale de Zebro, no mesmo local onde actualmente se situa a Escola de Fuzileiros, é criado o Serviço e Escola Prática de Torpedos e Electricidade, “o berço do ensino da T.S.F.” e responsável por tudo o que com ela se relacionou até 1923, ano em que esse encargo passa à Repartição dos Serviços Radiotelegráficos da Armada. Os anos da primeira década do século XX são marcantes para o desenvolvimento da T.S.F.. Foram as primeiras experiências de radiocomunicações entre o cruzador “D. Carlos”, a Cidadela de Cascais e o Posto Semafórico da mesma vila. Foi, em 1904, quando a primeira escola do ensino da T.S.F. em Portugal começa a funcionar em Vale de Zebro. Foi em 1909 a criação da especialidade de “telegrafistas navais”, a recrutar na classe de “timoneiros sinaleiros” e a aquisição de equipamentos, tendo os

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dois primeiros sido montados um na Escola e outro no cruzador “S. Gabriel”. Este navio larga para a 1ª viagem de circum-navegação da Marinha Portuguesa, a 11 de Dezembro, data que igualmente assinala o estabelecimento das primeiras comunicações radiotelegráficas em termos operacionais. Porém, só no ano seguinte se iniciam as comunicações em moldes definitivos e regulares. Foi a 16 de Fevereiro de 1910, a data histórica de que presentemente se comemora o centenário, quando Vale de Zebro é ligado ao Posto Radiotelegráfico do Arsenal da Marinha, recém instalado na Casa da Balança o qual se considera a primeira estação radiotelegráfica portuguesa. No fim do ano de 1910, além destes dois postos, dispunham de equipamentos radiotelegráficos os seis cruzadores; “S. Gabriel”, “Almirante Reis” (ex. “D. Carlos”), “São Rafael”, “Adamastor”, “Vasco da Gama” e “República” (ex. “Rainha D. Amélia”). Estavam assentes os alicerces da T.S.F. na Marinha, tornava-se agora necessário estabelecer os vários pólos radiotelegráficos que permitissem uma rede de comunicações alargada e consolidada. Em 1913, o Posto da Casa da Balança é aberto ao serviço público móvel marítimo, sendo considerado, por esse facto, a primeira estação pública de T.S.F.. Era já a “Marinha de duplo uso”. Em 1916, mais um ano significativo. É criado o Posto Radiotelegráfico do Monsanto que durante a I Guerra Mundial presta relevantes serviços à causa aliada emitindo periodicamente em francês, avisos de guerra à navegação e apoiando as comunicações entre a esquadra inglesa a oeste de Lisboa e Gibraltar. Constituirá durante décadas o pólo central das comunicações navais. É “Algés”, como designada na gíria naval a estação do Monsanto, que fará a ligação do Comando Superior da Marinha com os seus navios, comandos navais e de defesa marítima espalhados por quatro continentes.

Para os mais velhos de certo se recordam que quando embarcados era “Algés” que encaminhava os NAV`s, o meio mais rápido e eficiente para contactar com a família e com os amigos e transmitia as sempre aguardadas notícias da Press Lusitânia. Entretanto, Portugal entra na guerra e é também em 1916 activado o Posto Radiotelegráfico do Cabo da Roca que presta serviço de vigilância costeira em ligação com o cruzador “Vasco da Gama”, navio chefe da Divisão Naval de Defesa e Instrução. Este posto será extinto logo em 1919. No ano seguinte, 1917, é criado o Posto Radiotelegráfico de Faro que foi a primeira estação fora da área de Lisboa e a antecessora da Estação Radionaval de Faro.

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Em 1918, na fortaleza do Promontório de Sagres é instalado o Posto Radiogoniométrico “Infante D. Henrique”, anos mais tarde a Estação Radionaval de Sagres. É o início do apoio radiogoniométrico em águas portuguesas. Como referência histórica de assinalar que é através do Posto do Monsanto que foi recebida, em primeira mão em Portugal, no dia 11 de Novembro de 1918, às seis horas da manhã, a notícia da assinatura do Armistício da I Guerra Mundial. Terminada a Guerra e logo em 1920 é encerrado o Posto da Casa da Balança e a ligação que mantinha com Monsanto passa para o Posto Radiotelegráfico da Majoria General da Armada, recém-instalado no 1º andar do mesmo imóvel. Entretanto, técnicos da Marinha participam na implantação das radiocomunicações no âmbito da Direcção dos Correios e Telégrafos e do Ministério das Colónias. Esta valiosa intervenção de especialistas da Marinha na área das comunicações têm-se mantido ao longo dos tempos sendo amplamente reconhecida e elogiada, tanto no espaço público como no privado. Em 1922, surge a Companhia Portuguesa Rádio Marconi, que fica com o exclusivo do serviço radiotelegráfico, com a excepção do tráfego interno no Continente, Ilhas e Ultramar, do serviço militar interno e externo e do marítimo dos portos onde já existissem postos destinados a esse fim. De salientar que o serviço comercial marítimo, por incapacidade da Marconi, só foi em 1933 por si assegurado, tendo a Marinha mantido esta tarefa, de que era responsável desde 1913, até aquele ano. Os assuntos radiotelegráficos passam, em 1923, da tutela de Vale de Zebro, para a então instituída Repartição dos Serviços Radiotelegráficos que no ano seguinte é substituída pela Direcção do Serviço de Electricidade e Comunicações (DSEC). A DSEC durante 54 anos, foi extinta em 1978, teve a responsabilidade da instalação, operação e manutenção de todo o material eléctrico e radioeléctrico em serviço na Marinha, tendo enfrentado com total êxito a sua contínua evolução, especialmente resultante da inovação técnica e de uma complexidade crescente. Tratou da questão fundamental das frequências, defendendo os interesses nacionais no direito à sua utilização e criando nesse âmbito um serviço de previsões ionosféricas. Apoiou e fiscalizou as comunicações das Marinhas Mercante e de Pesca. Competiu-lhe ainda a responsabilidade da instalação dos meios decomunicação do Comando NATO em Oeiras – o COMIBERLANT, que

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concretizou com sucesso, comprovando o seu elevado prestigio ao nível nacional e internacional. É também em 1923 que o Posto do Monsanto passa a emitir comunicados meteorológicos. A Marinha torna-se então a pioneira do Serviço Meteorológico, contribuindo substancialmente para a eficácia deste Serviço as informações recebidas de bordo dos seus navios. A primeira estação de Marinha fora do Continente é, em 1924, o Posto Radiotelegráfico do Funchal, que mais tarde passará a Estação Radionaval. A especialidade de telegrafista já tinha sido instituída, como anteriormente referido, para as praças, tornava-se urgente para oficiais, pelo que, em 1925, é-lhes criada a Especialização em Radiotelegrafia e Comunicações.

Também em 1925 é instalada na localidade de Lavadores o Posto Radiotelegráfico e Radiogoniométrico do Porto, que seria extinto em 1948. Em 1926 entra em funcionamento o Posto Radiogoniométrico de Cascais. É o terceiro de rede, depois de Sagres e do Porto. Este posto dará origem à Estação Radionaval de Cascais. Significativa, na área das comunicações ao nível nacional foi, em 1926, a criação da Rede de Emissores Portugueses (REP) - Associação Nacional de Radioamadores que se tem mantido desde aquela data em plena actividade. Foi um dos seus sócios fundadores o Capitão-tenente Nunes Ribeiro, então Director do Serviço de Electricidade e Comunicações. De salientar que no primeiro quartel do século XX todos os postos de TSF civis portugueses eram propriedade de radioamadores e os equipamentos utilizados construídos por eles próprios, tendo por consequência as primeiras emissões de radiodifusão sido feitas a partir dessas estações, assim como foram oficiais que se dedicavam ao radioamadorismo os instrutores iniciais da Escola de Vale de Zebro.

No debelar da segunda década do século XX os postos de faísca estavam ultrapassados tecnologicamente e a onda média ia sendo abandonada para as longas distâncias.

A Marinha necessitava de estabelecer comunicações com os seus

navios, muitas vezes longe de Lisboa, por esse facto foi preciso começar a explorar as potencialidades da onda curta. Em 1927, operando um equipamento por si adaptado à onda curta o 1º Tenente Gabriel Prior, também radioamador, a bordo do cruzador “Adamastor”, em serviço no Extremo-Oriente, estabelece, em Abril, contactos a partir de Macau com o cruzador “República” em Xangai e

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quando da viagem deste navio para Singapura. Igualmente nesse ano e no seguinte comunica com radioamadores espalhados pelo mundo. Tal o êxito dessas comunicações que equipamentos de onda curta são então montados nos navios da Armada em serviço no Extremo-Oriente. Em honra deste pioneiro do radioamadorismo em Portugal e da sua actividade em prol do desenvolvimento da onda curta e das comunicações na Marinha o “Núcleo de Radioamadores da Armada” instituiu, em 2002, o “Diploma Almirante Gabriel Prior”. Este diploma, que tem carácter permanente, pode ser obtido por qualquer estação de amador desde que faça prova de ter contactado todos os países (foram 17 na Europa, Américas, Ásia e Oceânia) com que o Tenente Prior estabeleceu comunicações entre 27 de Setembro de 1927 e 19 de Fevereiro de 1928 a bordo do cruzador “Adamastor” com o indicativo XEP1MA e cumulativamente com os países do mundo lusófono.

A utilização da onda curta continuou a ser desenvolvida por outro radioamador, o 2º Tenente Ramos Pereira, a partir de Lisboa com navios atribuídos à Estação Naval de Angola. A onda curta tinha resolvido, para a época, o problema das comunicações a longa distância. O posto do Monsanto passa em 1928, ano em que inicia as experiências de comunicações com os navios no Ultramar, a ter a sua recepção no Posto Radiotelegráfico do Gravato, que mais tarde seria a Central Receptora Naval de Algés. É ainda nesse ano que se inicia a implantação das estações açorianas já que são necessárias informações meteorológicas e radioajudas para a navegação transatlântica, especialmente a aérea, então em pleno desenvolvimento.

Assim, é criada a Estação Radionaval da Horta e também no Faial, a Estação Meteorológica da Marinha no Atlântico, extinta em 1946, quando da instituição do Serviço Meteorológico Nacional. Estas estações prestaram excelentes serviços, especialmente durante a II Guerra Mundial em ligação com os navios em missões de busca e salvamento. 1929 é outro ano histórico. Os Postos do Monsanto e do Gravato iniciam as comunicações regulares com Macau, tornando a Marinha a pioneira da ligação rádio de Lisboa com aquele longínquo território. Nos Açores no período de 1929 a 32 funciona o Posto Radiotelegráfico da Graciosa para substituir, temporariamente, o cabo submarino que ligava aquela ilha ao Faial. Com a chegada em 1933 dos primeiros navios do “Programa Naval Magalhães Corrêa”, inicia-se uma nova fase das técnicas radioeléctricas na Marinha que fixa então dois

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objectivos principais: reforçar o apoio à navegação transatlântica e estabelecer as comunicações com o Ultramar. Com essas intenções, em 1935 são iniciadas as comunicações de Algés com os CTT´s de Panjim, na então Índia Portuguesa, concluindo a ligação radiotelegráfica da Marinha com todo o Ultramar através dos CTT`s locais e com os navios em serviço na área, excepto com Timor, ligação essa só conseguida em 1962, quando da entrada em funcionamento da Estação Radionaval de Díli. No âmbito do reforço ao apoio à navegação transatlântica é, em 1938, criada a Estação Radiotelegráfica das Lajes, na ilha das Flores, onde foi montado um rádio farol que deu uma preciosa ajuda aos bacalhoeiros em rumo de e para os pesqueiros da Terra Nova e Gronelândia. Esta estação é a antecessora da Estação Radionaval das Flores em cujas dependências, a partir de 1963, começará a funcionar uma estação LORAN. Em 1941 os Açores recebem o Posto Radiotelegráfico do Centro de Aviação Naval de Ponta Delgada que originará, em 1946, a Estação Radionaval local.

Em 1942 segue-se a Estação Radiotelegráfica Naval de Angra do Heroísmo que desempenha um papel importante quando da chegada das Forças Aliadas àquela ilha e finalmente, em 1944, com a Estação Radionaval de Vila do Porto, na ilha de Santa Maria, fundamental para assistência aos navios que demandavam o porto para reabastecimento do aeroporto, completa-se a rede das comunicações da Marinha no arquipélago açoriano. Entretanto, no Continente, em 1940, passa a prestar assistência às unidades de Aviação Naval, a Estação Radiogoniométrica Aeronaval do Montijo que em 1958 será Estação Rádionaval, desactivada em 1970. Também no Continente, em 1948, é criada a Estação Radiogoniométrica da Boa Nova que substituiu a dos Lavadores e assim conjuntamente com as estações de Sagres e de Cascais completa a rede radiogoniométrica do Continente. Ainda na área do apoio radiogoniométrico, em 1950 surge a Estação Radiogoniométrica Aeronaval da Apúlia que conjuntamente com a Horta e o Montijo fecha a rede Continente-Açores. De destacar, que em 1952 é estabelecida uma ligação por rádio-link entre Lisboa e o Alfeite. No ano seguinte o Posto do Monsanto passa a ser designado por Estação Radionaval “Comandante Nunes Ribeiro”. Em 1953 encontravam-se em funcionamento no Continente e Ilhas Adjacentes 13 Estações e 39 Postos Radionavais.

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As redes radioeléctricas e as de cobertura radiogoniométrica estavam concretizadas, faltava, no início da segunda metade do século XX, estabelecer as comunicações navais com o Ultramar, até essa data efectuadas através dos CTT`s. Antes de ser feita referência à implantação da rede ultramarina importa salientar que em 1959 foi criado o Centro de Comunicações da Armada, o último sucessor do já citado Posto Radiotelegráfico da Majoria General da Armada, em 60 é instalado o Centro de Comunicações da Base Naval de Lisboa que dez anos depois seria o Centro de Comunicações do Comando Naval do Continente e em 1963 estavam em operação quatro estações LORAN de rádioajudas à navegação, uma em Sagres, outra em Porto Santo, uma outra em Santa Maria e a última nas Flores. Voltando à rede ultramarina, logo em 1954 entram em funcionamento os Postos Radiotelegráficos das Capitanias de Luanda e de Lourenço Marques e o Posto Radionaval de Nova Goa, instalado em anexo dos CTT`s. Este posto originaria a Estação Radionaval de Goa, extinta em 1961. A Guerra do Ultramar tem então o seu início e no período de 1960 a 1973, sob a superintendência da Direcção de Electricidade e Comunicações foram criadas no Ultramar 14 Estações e 60 Postos Radionavais. Foi um esforço técnico e logístico verdadeiramente ciclópico pôr em funcionamento e assegurar a manutenção de todos estes pólos de comunicação, muitos deles a trabalhar 24 horas por dia, a milhares de milhas de distância de Lisboa. Note-se que a maioria foi criada no curtíssimo espaço de dois anos (1960 a 62).

Toda esta rede de comunicações constituiu uma peça imprescindível para a operacionalidade dos meios navais, por vezes dos outros Ramos das Forças Armadas e até dos Comandos-Chefes e dos Governos Ultramarinos. Não contando com a Estação Radionaval de Macau que constituiu um caso à parte, todas as outras estações do Ultramar foram extintas quando do processo de descolonização. A derradeira a ser desactivada, já em 1975, as suas congéneres tinham sido no ano anterior, foi a Estação Radionaval de Díli, de que tive a honra de ser seu director e infelizmente o último.

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Esta estação com circuitos para Lisboa, Lourenço Marques e Macau, mantinha escuta permanente nas frequências de socorro, apoiava a navegação na área incluindo a lancha atribuída ao Comando da Defesa Marítima e o trem naval do Governo de Timor. Após o incidente do navio “Angoche”, passou a comunicar com os petroleiros portugueses no trajecto do Oceano Índico entre Moçambique e o Golfo Pérsico, enviando as respectivas posições para Lisboa. Igualmente assegurava todo o tráfego de Marinha e muitas vezes do Exército e do Governo de Timor. No início dos incidentes em Díli, que dariam origem à guerra civil timorense, por inoperância da Marconi local, a partir de 12 de Agosto de 1975, todas as comunicações para fora de Timor, inclusive as do Governo, foram efectuadas exclusivamente pela Radionaval. No dia 20 a guerra civil principia na realidade. O pessoal de Marinha, não atribuído ao trem naval do Governo, entretanto desguarnecido pela fuga das suas tripulações nativas, recolhe à Rádionaval que também começa a acolher civis. A Estação mantém-se operacional sem qualquer interrupção, embora esteja continuamente debaixo de fogo, pois as suas instalações fazem fronteira entre os dois contendores. Vários projécteis caem dentro do seu espaço, um dos quais fere um sargento de Marinha que, devido ao seu grave estado de saúde, é evacuado para a Austrália. Note-se que os militares dos outros dois Ramos, estavam confinados à área do porto assim como o Governador alojado perto, numa residência particular. Unicamente a Marinha encontrava-se fora do perímetro de segurança.

Devido ao grande prestígio da Armada em Timor os seus marinheiros circulavam em toda a cidade completamente à vontade, sem qualquer interferência dos grupos em luta. Eram os únicos militares que andavam desarmados. Esta situação mantém-se até 26 de Agosto, data em que o Governador e Comandante-Chefe ordena a saída de Díli. Às 21.15 desse dia, após terem sido enviadas as últimas mensagens para Lisboa e para Macau é desactivada aquela que foi a última voz de Timor em Portugal. Terminava assim, de um modo profundamente inglório, a actividade da rede das Estações Rádionavais do Ultramar, projecto exemplarmente planeado, concretizado e mantido pela Marinha Portuguesa e que na verdade constitui uma das suas mais notáveis realizações.