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ARTIGO ARTICLE 1599 1 Laboratório de Desenvolvimento Familiar, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília. Campus Darcy Ribeiro. 70910-900 Brasília DF. [email protected] 2 Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília. As contribuições da ciência do desenvolvimento para a psicologia da saúde The contributions of developmental science to the health psychology Resumo A ciência do desenvolvimento humano vem estimulando uma nova visão sobre a pesqui- sa em saúde, destacando variáveis contextuais e ecológicas que influenciam o processo de desen- volvimento e condicionam o diagnóstico, o trata- mento e o prognóstico de indivíduos e grupos. O objetivo deste artigo é discutir as implicações da ciência do desenvolvimento humano à psicologia da saúde, área de intervenção educacional volta- da aos diversos contextos de tratamento de saúde. Pretende-se, ainda, analisar criticamente alguns aspectos metodológicos dos estudos da área e apon- tar tendências atuais e futuras para uma análise mais funcional do processo saúde-doença. Espe- ra-se que os profissionais de saúde se beneficiem dos argumentos e modelos propostos pela ciência do desenvolvimento humano, construindo ambi- entes de cuidados mais adequados às necessidades psicossociais de pacientes e familiares. Palavras-chave Psicologia da saúde, Ciência do desenvolvimento humano, Modelo bioecológico, Métodos de pesquisa em psicologia Abstract The science of human development has been stimulating a new perspective on health re- search, highlighting contextual and ecological vari- ables that influence the process of development and condition the diagnosis, treatment and prognosis of individuals and groups. The objective of this article is to discuss about the implications of the science of human development for health psychol- ogy, specifically for the educational area aimed to- ward intervention in several contexts of health treatment. Another objective of this article is to critically analyze some methodological aspects os the studies in this area and point current and fu- ture tendencies at a more functional analysis of the health-disease process. It is expected that health professionals benefit from the arguments and models proposed by the science of human development, designing environments that are more adequate to the psychological needs of patients and families. Key words Health psychology, Science of human development, Bioecological model, Research meth- ods in psychology Simone Cerqueira-Silva 1 Maria Auxiliadora Dessen 2 Áderson Luiz Costa Júnior 2

As contribuições da ciência do desenvolvimento para a psicologia da saúde

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1 Laboratório deDesenvolvimento Familiar,Instituto de Psicologia,Universidade de Brasília.Campus Darcy Ribeiro.70910-900 Brasília [email protected] Instituto de Psicologia,Universidade de Brasília.

As contribuições da ciência do desenvolvimentopara a psicologia da saúde

The contributions of developmental scienceto the health psychology

Resumo A ciência do desenvolvimento humanovem estimulando uma nova visão sobre a pesqui-sa em saúde, destacando variáveis contextuais eecológicas que influenciam o processo de desen-volvimento e condicionam o diagnóstico, o trata-mento e o prognóstico de indivíduos e grupos. Oobjetivo deste artigo é discutir as implicações daciência do desenvolvimento humano à psicologiada saúde, área de intervenção educacional volta-da aos diversos contextos de tratamento de saúde.Pretende-se, ainda, analisar criticamente algunsaspectos metodológicos dos estudos da área e apon-tar tendências atuais e futuras para uma análisemais funcional do processo saúde-doença. Espe-ra-se que os profissionais de saúde se beneficiemdos argumentos e modelos propostos pela ciênciado desenvolvimento humano, construindo ambi-entes de cuidados mais adequados às necessidadespsicossociais de pacientes e familiares.Palavras-chave Psicologia da saúde, Ciência dodesenvolvimento humano, Modelo bioecológico,Métodos de pesquisa em psicologia

Abstract The science of human development hasbeen stimulating a new perspective on health re-search, highlighting contextual and ecological vari-ables that influence the process of development andcondition the diagnosis, treatment and prognosisof individuals and groups. The objective of thisarticle is to discuss about the implications of thescience of human development for health psychol-ogy, specifically for the educational area aimed to-ward intervention in several contexts of healthtreatment. Another objective of this article is tocritically analyze some methodological aspects osthe studies in this area and point current and fu-ture tendencies at a more functional analysis ofthe health-disease process. It is expected that healthprofessionals benefit from the arguments and modelsproposed by the science of human development,designing environments that are more adequate

to the psychological needs of patients and families.Key words Health psychology, Science of humandevelopment, Bioecological model, Research meth-ods in psychology

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Introdução

As últimas décadas têm registrado significativasmodificações científicas e tecnológicas em psico-logia, propiciadas pelo crescente avanço das teo-rias sistêmicas, sobretudo na área do desenvol-vimento humano. Os modelos sistêmicos têmdemandado novas formas de gerar dados queenvolvem a inter-relação entre os aspectos bio-lógicos, sociais, culturais e históricos do desen-volvimento humano. Considerando essa evolu-ção, acredita-se que a psicologia da saúde temsido altamente beneficiada com as conquistas ob-tidas, nos últimos anos, pela ciência do desen-volvimento.

Este artigo tem o objetivo de analisar as im-plicações da ciência do desenvolvimento para apsicologia da saúde, destacando os aspectos teó-ricos e metodológicos dos estudos da área e apon-tando as tendências atuais e futuras no estudosobre os processos de saúde-doença envolvendoindivíduos, grupos e populações. Na primeiraseção, apresentar-se-á a psicologia da saúde en-quanto campo de contribuição da psicologia,bem como os principais pressupostos metodo-lógicos de pesquisa da área, ressaltando a rele-vância do uso combinado dos métodos qualita-tivos e quantitativos. Na segunda seção, será dis-cutida a perspectiva teórica da ciência do desen-volvimento, com destaque às contribuições paraa compreensão do processo saúde-doença. Omodelo bioecológico de Bronfenbrenner é apre-sentado como uma das alternativas promisso-ras para o estudo desse processo. A terceira se-ção aponta algumas tendências atuais e futurasdos estudos em psicologia da saúde.

Psicologia da saúde: caracterização

A busca por variáveis psicológicas que pudessemexplicar, mesmo parcialmente, a vulnerabilidadeindividual a determinadas doenças remonta àGrécia Clássica. No entanto, o ensino de psicolo-gia na formação médica teve início apenas nocomeço do século XX, nos Estados Unidos daAmérica, ao mesmo tempo em que ocorriam asprimeiras inserções de psicólogos em hospitaisgerais1,2. No Brasil, os primeiros serviços de psi-cologia no hospital foram instalados na décadade cinquenta, no Hospital das Clínicas da Facul-dade de Medicina da Universidade de São Paulo2.

Ao longo do século XX, o reconhecimentocientífico de que fatores psicológicos interferemsobre a etiologia de doenças somáticas e a de-

monstração de que a prestação de serviços deassistência à saúde inclui um complexo processode interações sociais entre indivíduos dispostoshierárquica e funcionalmente subsidiaram ummovimento crescente de questionamento à ori-entação biomédica da assistência à saúde e deampliação da perspectiva social da medicina. Taisquestionamentos levaram ao desenvolvimento demodelos de saúde que priorizam a educação e aatenção integral ao indivíduo - modelos biopsi-cossociais - em detrimento de modelos médicostradicionais - modelos biomédicos - ainda vi-gentes na maior parte dos sistemas de saúde1,3,4 eà criação da psicologia da saúde, Divisão 38 daAmerican Psychological Association, em 19783.

A psicologia da saúde, fundamentada nomodelo biopsicossocial, representa um rompi-mento com o modelo linear de saúde, de causa eefeito, centrado em eventos biológicos como cau-sadores de doença na tecnologia médico-farma-cológica como principal opção resolutiva. Fato-res biológicos, psicológicos e sociais são conside-rados como integrados e inter-relacionados aoprocesso de saúde-doença, constituindo impor-tantes indicadores de como indivíduos e gruposenfrentam processos de doença e aderem, ou não,a prescrições de tratamento médico3,5.

Enquanto um campo de contribuição específi-ca da psicologia, científica e profissional, a psicolo-gia da saúde prioriza a promoção e a manutençãoda saúde, bem como a prevenção e o tratamentodas doenças. Para isso, busca a identificação derelações funcionais entre os fatores psicossociais(por exemplo: idade, gênero, status socioeconômi-co, hábitos de vida, raça, rede social de apoio, com-portamentos, etc.) e a etiologia, o diagnóstico e oprognóstico de doenças e disfunções1,4.

Devemos lembrar que a própria Organiza-ção Mundial da Saúde, desde 19706, quando es-tabeleceu os princípios fundamentais da saúde(considerar a pessoa dentro do seu contexto so-ciocultural; investigar a exposição da pessoa afatores de risco e vulnerabilidades; avaliar os fa-tores protetores do desenvolvimento da pessoa;promover ações em todos os níveis de atenção àsaúde e priorizar a educação para a saúde), jáapontava as vantagens de modelos de promoçãoe atenção integral à saúde.

Destaca-se, ainda, que a psicologia da saúdese caracteriza pelo agrupamento de intervençõeseducacionais que podem ser aplicadas a diferen-tes problemas de um sistema de saúde, incluindousuários, recursos humanos, instituições e polí-ticas de saúde. Trata-se de uma área em plenaexpansão, com crescente reconhecimento acadê-

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mico, profissional e de associações científicas,tanto brasileiras quanto estrangeiras. Uma dasimplicações deste fato é o crescimento do núme-ro de periódicos especializados e de psicólogosinseridos em serviços de saúde pública e privada.Atualmente, vários temas têm sido investigados,dentre os quais merecem destaque a adesão aotratamento (por exemplo, os estudos de Arru-da7, Barletta8, Ferreira9 e de Tanesi et al. 10); asestratégias de enfrentamento - coping (por exem-plo, os estudos de Koenig11, Lorencetti e Simo-netti12; Panzini e Bandeira13; Pereira e Araújo14;Santos e Alves Júnior15; Santos et al. 16 e de Seidl etal. 17); indicadores de qualidade de vida (por exem-plo, os estudos de Minayo et al. 18 e Ravagnani etal. 19); aspectos comportamentais e contextuaisdas doenças (por exemplo, o estudo de Flores20)e educação para a saúde (por exemplo, os estu-dos de Ferreira21 e de Jenkins22).

Entretanto, é possível apontar que os estudoscarecem de um delineamento de pesquisa maissistemático para a obtenção de informações fun-cionalmente relevantes das inter-relações da pes-soa em desenvolvimento e o seu ambiente de cui-dados. A seguir, apresentamos um panorama dasituação atual e uma proposta do uso combina-do dos métodos qualitativos e quantitativos eminvestigações do processo saúde-doença.

Metodologia de pesquisa nos estudosdo processo saúde-doença:necessidade do uso combinadode métodos quantitativos e qualitativos

É possível constatar que há uma supremacia douso de métodos quantitativos nos estudos sobreprocesso saúde-doença. Em levantamento realiza-do em uma das principais revistas de saúde noBrasil, Cerqueira-Silva et al.23 constataram que noperíodo de janeiro de 2001 a outubro de 2007, das933 publicações, 122 tratavam de questões referen-tes à saúde da criança e do adolescente e, dessas, amaioria (91%) empregou a metodologia quanti-tativa, sobretudo a estatística inferencial. As auto-ras concluíram que, apesar da maior parte dos ar-tigos considerarem variáveis biopsicossociais, nota-se que algumas dessas variáveis foram considera-das apenas nas discussões dos artigos e, não pro-priamente, na coleta e análise dos dados.

As pesquisas na saúde, em sua maioria, utili-zam o método quantitativo devido à tradição doparadigma positivista e sua preocupação com ageneralização dos resultados, o que inevitavelmen-te remete aos testes estatísticos e a um maior núme-

ro de participantes de pesquisa24. Nesse modelode pesquisa, as relações causais entre algumasdoenças e uma determinada condição biológicade uma população têm sido propostas como prin-cipal elemento explicativo. Esta tendência, nemsempre apropriada, se deve à grande influênciada formação e do contexto médico biológico.

Grady e Wallston6, por exemplo, descrevemos passos necessários para o delineamento deuma pesquisa na área da saúde, em que ficamevidenciadas tanto a generalização dos resulta-dos quanto a precisão no controle e medida dasvariáveis. Tais princípios são típicos das pesqui-sas que empregam delineamentos experimentais,que por si só não satisfazem plenamente as exi-gências do estudo de processos de desenvolvi-mento humano.

Contudo, é importante ressaltar que a meto-dologia quantitativa constitui um importanterecurso de investigação do processo saúde-do-ença, uma vez que propicia compreender rela-ções entre variáveis, pressupondo descrição, pre-dição e controle25. Portanto, este tipo de métodoreúne, registra e analisa dados numéricos; utilizacritérios estatísticos de representatividade amos-tral; busca identificar e quantificar as diferençasque existem num mesmo segmento e fornece re-sultados que permitem uma conclusão e com-preensão geral do fenômeno estudado26.

Em consonância com essas contribuições dométodo quantitativo, a maioria dos estudos temempregado análises estatísticas inferenciais, pró-prias desse método (por exemplo, Assunção etal.27; Ferriolli et al.28; Leal et al.29 e Macedo et al.30).Estes estudos mostram que uma investigação,em uma amostra representativa da população,que visa identificar associações entre diferentesvariáveis ou a prevalência de um determinadofator na amostra estudada, em muito se benefi-cia dos recursos da estatística inferencial.

Apesar da predominância dos estudos quan-titativos, tem crescido o interesse e o uso de mé-todos qualitativos em saúde. O reconhecimentoda importância de fatores sociais, políticos e eco-nômicos sobre as condições de saúde e doençade indivíduos e grupos, tais como fumo, violên-cia, obesidade, etc., tem apontado para a necessi-dade de se compreender, mais precisamente, opapel das variáveis biopsicossociais, o que temexigido delineamentos metodológicos mais so-fisticados de pesquisa, não exclusivamente quan-titativos. Em outras palavras, para estudar a com-plexidade das interações humanas, consideran-do a influência dos fatores contextuais, faz-senecessário que os pesquisadores conduzam pes-

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quisas no contexto de vida natural das pessoasem desenvolvimento, o que requer, também, ouso de métodos qualitativos24.

Confirmando a importância do método qua-litativo de pesquisa em psicologia da saúde, Sti-les31 afirma que esta é a melhor maneira de estu-dar a experiência humana e seus significados eque esse tipo de análise favorece os estudos decaso ou de pequenos grupos, em contraposiçãoaos estudos que utilizam amostras representati-vas. O autor destaca, ainda, que o método quan-titativo, baseado no modelo linear de causa e efei-to, em correlações e regressões estatísticas, temlimitações para tratar de questões não lineares,como os processos de interações humanas.

Em geral, o método qualitativo consiste emuma pesquisa naturalística, tem dados descriti-vos, enfatiza o processo, é indutivo e consideraessencial a questão da significação26,32. Além dis-so, caracteriza-se como uma abordagem multi-metodológica quanto ao seu foco e interpretati-va, pois busca dar sentido ou interpretar os fe-nômenos em termos das significações que as pes-soas trazem para eles33. As características da pes-soa ou das suas interações podem ser avaliadas,por exemplo, a partir de um questionário e/oude uma entrevista, por sessões de observação decomportamentos interpessoais, em diferentes si-tuações cotidianas ou por escalas ou inventários.

O estudo de Darbyshire34 ilustra a aplicaçãodo método qualitativo em psicologia da saúde,tendo como fundamentação teórica a abordagemfenomenológica. O objetivo desse estudo foi in-vestigar a percepção dos genitores quanto à recu-peração de crianças hospitalizadas. Para Darbyshi-re, o seu estudo exploratório, o qual não tinha aintenção de generalizar os resultados, apresentoudados ricos e detalhados quanto às experiências“daquelas mães e naquele contexto”. Outros estu-dos, mais recentes34-38,também têm utilizado ométodo qualitativo para compreender diversosfenômenos relacionados ao processo saúde-do-ença, tais como questões referentes ao desenvol-vimento de estratégias de enfrentamento, à de-pressão, ao alcoolismo, às relações de gênero epaternidade e ao consumo de drogas ilícitas.

Apesar das contribuições de ambos os méto-dos para a compreensão do processo saúde-do-ença, a oposição entre a qualidade e a quantida-de tem sido uma constante nos estudos da psi-cologia da saúde, embora esses métodos de cole-ta e análise de dados sejam inter-relacionados ecomplementares39,40. Além disso, constata-se queas investigações deixam a desejar quanto ao usode abordagem multimetodológica; à coleta de da-

dos em ambiente natural e em diferentes mo-mentos de experiência; ao acesso aos diferentesníveis do ambiente ecológico da pessoa em de-senvolvimento e ao acesso aos processos proxi-mais que promovem a saúde e/ou doença23.

Uma das alternativas para a pesquisa na psi-cologia da saúde, em consonância com o modelobiopsicossocial e com o uso combinado dos mé-todos quantitativos e qualitativos, é empregar ospressupostos norteadores da ciência do desen-volvimento que têm sido recentemente difundi-dos no Brasil41. A seguir, serão apresentadas al-gumas questões teóricas e conceituais referentesao desenvolvimento humano, destacando, emespecial, as suas contribuições para a compreen-são do processo saúde-doença. O modelo bioe-cológico de Bronfenbrenner é proposto comouma das alternativas a ser implementada na pes-quisa em psicologia da saúde.

O desenvolvimento humanoe suas contribuições para a compreensãodo processo saúde-doença

No decorrer da segunda metade do século XX,vimos ocorrer inúmeras modificações nas ciên-cias em geral e, em especial, o surgimento de umaciência para o estudo do desenvolvimento: a ci-ência do desenvolvimento42. Esta ciência tem sidoconsiderada um caminho promissor para o es-tudo científico do curso de vida, cujo processo émarcado por dinâmicas inter-relações entre ossistemas que existem dentro e fora da pessoa.

A pessoa, na interação com o ambiente, é con-siderada um organismo ativo, que influencia e éinfluenciada por ele e depende das interações re-cíprocas entre os seus subsistemas (cognitivo,emocional, fisiológico, perceptual e neurobioló-gico) que, por sua vez, também se influenciammutuamente. Portanto, o desenvolvimento doindivíduo ocorre de modo organizado hierarqui-camente em múltiplos níveis que podem influen-ciar-se reciprocamente: dos genes ao citoplasma,célula, sistema de órgãos, organismo, compor-tamentos e meio ambiente. O trânsito dessas in-fluências é bidirecional. Logo, os genes formamuma parte integral do sistema e sua atividade éafetada pelos eventos dos seus outros níveis, in-cluindo o ambiente e o organismo43. Por exem-plo, uma baixa produção hormonal pode ser afe-tada pelos eventos ambientais tais como a luz,duração do dia, nutrição e comportamentos.

Nesse sentido, o desenvolvimento humanotem sido concebido como (a) um processo con-

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tínuo no tempo; (b) em permanente mudança;(c) progressivamente mais complexo e (d) cau-sado por atividades, experiências e coações de-senvolvidas na interação entre a pessoa e seuambiente44-47.

Coações são as tensões criadas nos níveis es-trutural e funcional do organismo quando estese depara com circunstâncias novas ou adversasà manutenção do equilíbrio44. Para Gottlieb48, oconceito mais frequentemente utilizado para de-signar as coações no nível do funcionamento doorganismo são as experiências, que podem sertanto favoráveis quanto desfavoráveis ao desen-volvimento humano. Por exemplo, as doençaspodem representar uma experiência adversa paraa pessoa em desenvolvimento, provocando de-sequilíbrios e crises tanto em seu organismo quan-to nos seus diferentes ambientes de vida.

O desenvolvimento humano, assim concebi-do, passou a ser compreendido como multide-terminado, isto é, de causalidade sistêmica. Emoutras palavras, passou a constituir um processoao mesmo tempo universal e individual, que in-fluencia e é influenciado por contextos externos -ambiente físico e social - e por contextos internos- o próprio organismo histórico e biológico -, emdimensões de tempo e espaço específicos49.

Nesse sentido, é uma futilidade tanto o deba-te dos geneticistas comportamentais sobre a con-traposição entre biologia e ambiente, quanto aresistência dos defensores do contextualismo aoignorarem as diferenças biológicas entre os hu-manos50. A não separação do contexto e orga-nismo garante a identificação e compreensão dosdeterminantes do comportamento humano, e ainter-relação entre genótipo e fenótipo exempli-fica a bidirecionalidade que caracteriza o desen-volvimento, incluindo tanto fatores biológicosquanto sociais.

Compartilhando dessa mesma concepção,Dal-Farra e Prates51 consideram que os estudossobre o desenvolvimento humano demonstramque tanto os fatores ambientais quanto os fato-res genéticos são fundamentais para a estrutura-ção do ser humano. Os genes influenciam o com-portamento, mas não o determinam, e as ten-dências genéticas na construção das doenças tam-bém são probabilísticas e não deterministas, ge-rando um mosaico de possibilidades do desen-volvimento humano.

Neste contexto, as pesquisas futuras sobre arelação entre genética e ambiente no desenvolvi-mento humano devem ir além de simplesmenteperguntar “se” e “quanto” os fatores genéticosinfluenciam o comportamento, sendo necessá-

rio identificar como o genótipo torna-se fenóti-po52. Portanto, as pesquisas futuras nessa áreadevem não somente esclarecer como a interaçãogene-ambiente modela o desenvolvimento hu-mano, mas também fornecer informações sobreas características ambientais e hereditárias quefavorecem ou dificultam as competências funci-onais49. Em outras palavras, isto significa inves-tigar as diferenças individuais que podem ser atri-buídas ao potencial genético e às conexões com oambiente.

Assim, uma das alternativas para se compre-ender melhor o processo saúde-doença é adotar,na prática da pesquisa, os pressupostos da ciên-cia do desenvolvimento. A seguir, apresentamosos argumentos necessários para a investigaçãodesse processo com base na ciência do desenvol-vimento.

O processo saúde-doençasob a ótica da ciência do desenvolvimento

A saúde e a doença podem ser compreendidascomo duas diferentes modalidades do desenvol-vimento. Na primeira, o processo de desenvolvi-mento humano caracteriza-se como um estadode excelência em todas as suas condições (físicas,biológicas, emocionais, bioquímicas, sociais,etc.). Na segunda, esse mesmo processo se cons-titui de modo desequilibrado, disfuncional, comtodas essas mesmas condições em desarmonia.Estes dois estados do desenvolvimento variam ese diferenciam considerando a ampla gama defatores que podem interferir nessa configuração,sejam variáveis externas ou internas à pessoa.

Tanto a saúde quanto a doença são proces-sos multideterminados por aspectos intra e intersujeitos, com origem e evolução perfazendo umatrajetória probabilística. Isto significa dizer queseu resultado depende de um conjunto de fato-res (do nível micro ao nível macro), que interco-nectados se influenciam mutuamente, podendomudar o rumo do desenvolvimento em qual-quer fase da vida43. Assim, podem ser criadosinstrumentos promocionais de saúde e preventi-vos à instalação de patologias crônicas ao longoda vida das pessoas.

Na perspectiva do curso de vida, assumida pelaciência do desenvolvimento, fica difícil dizer o queseja um padrão normal ou patológico53. O cursode vida representa uma orientação teórica para oestudo do desenvolvimento humano que incor-pora distinções temporais, contextuais e proces-suais. O curso de vida envolve o indivíduo e a

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sociedade; maturação, crescimento, forças sociaise contextos socioculturais em diferentes níveis54.

Assim, o processo saúde-doença se caracteri-za como um processo em desenvolvimento, cons-truído a partir do interjogo entre o fenótipo e ogenótipo. Nessa teia de relações, os processosproximais (atividades realizadas) funcionamcomo coações, podendo desencadear avanços ouretrocessos, equilíbrios ou desequilíbrios e, con-sequentemente, transtornos ou doenças. Assim,a doença ou a saúde podem ser compreendidascomo contextuais, isto é, dependem do ambienteno qual a pessoa vive. Podem, ainda, ser com-preendidas como dinâmicas, uma vez que mu-dam de acordo com o curso de vida.

Considerando essa natureza dinâmica do de-senvolvimento humano, no processo de saúde-doença, a pessoa é ativa no seu desenvolvimentoe, consequentemente, suas escolhas podem ter umpapel substancial no curso desse processo, inclu-indo o curso de doenças55. Esta concepção diferedaquela do modelo tradicional de pesquisa.

Tendo em vista essa noção do processo saú-de-doença na perspectiva da ciência do desenvol-vimento, os diagnósticos e prognósticos levamem consideração uma variedade de fatores tantointernos quanto externos da pessoa, em suas ava-liações e tratamentos propostos. Somado a isso,a dimensão probabilística do curso de vida desfazas previsões deterministas, comumente realiza-das em prognósticos médicos restritos a variáveisbiológicas, e, sobretudo, realça a importância dasestratégias de intervenção e de decisão da pessoaem desenvolvimento, bem como o papel dos pro-fissionais de saúde como cuidadores da pessoaem desenvolvimento e temporariamente expostaa contextos de tratamento médico.

No que tange à pesquisa na perspectiva daciência do desenvolvimento, o processo de saú-de-doença deve ser investigado de modo multi-disciplinar e interdisciplinar45,53, 56,57, incorporan-do os diferentes níveis do ambiente ecológico,nos quais a pessoa se desenvolve. Isto requer con-tribuições da interface de diversas disciplinas ci-entíficas tradicionais: biologia, psicologia, fisio-logia, neuropsicologia, psicologia social, socio-logia, antropologia. Nessa perspectiva, a ênfasenos estudos desses processos está nas múltiplascausas e nos múltiplos níveis de análises, bemcomo nas interações, no papel da família e nadinâmica dos sistemas mais amplos, como apolítica55. Portanto, o modelo bioecológico pro-posto por Bronfenbrenner58,59 constitui uma dasalternativas promissoras para investigação doprocesso de saúde-doença.

O modelo bioecológico de Bronfenbrenner:em busca de uma alternativapara o estudo do processo saúde-doença

Bronfenbrenner44,60, descontente com as limita-ções científicas nas abordagens que prevaleciampara a pesquisa em desenvolvimento humano, einsatisfeito com a configuração da psicologia dodesenvolvimento até meados da década de setenta(século XX), propôs um modelo para orientar pes-quisas em desenvolvimento humano, intituladomodelo bioecológico de desenvolvimento huma-no. Sua principal crítica foi relativa às pesquisasconduzidas pela psicologia do desenvolvimento,que eram sobre um comportamento estranho, emsituações estranhas, com adultos estranhos e embreves períodos de tempo. Este modelo reorien-tou a tradicional concepção da psicologia de en-tão, que atomizava as funções psicológicas e davaaos processos psicológicos uma conotação dema-siado individualista ou intimista61.

Defendendo a importância dos planejamen-tos de pesquisas em ambientes naturais e susten-tando que, para se entender o desenvolvimentohumano, deve-se considerar o sistema ecológicointeiro no qual a pessoa está inserida, Bronfen-brenner44 se interessou pelos processos e pelascondições que governam o desenvolvimento hu-mano nos ambientes naturais, nos quais os sereshumanos vivem. Nessa perspectiva, o ambientesignifica o contexto social maior e não só o localimediato em que a pessoa se desenvolve. Portan-to, ele criticou a visão de ambiente como sendo olocal concreto que contém a pessoa, que predo-minava nas pesquisas realizadas na época, e enfa-tizou a importância de se ampliar esse conceito.

Com base nesse conceito ampliado de ambi-ente, Bronfenbrenner44,60 destaca a necessidade deir além da observação direta do comportamentode uma ou mais pessoas no mesmo local para com-preender o desenvolvimento humano. Além disso,afirma ser necessário levar em consideração aspec-tos além do ambiente imediato que contém a pes-soa, para incluir outros sistemas macrossociais aolongo do tempo histórico. Portanto, a ecologia dodesenvolvimento humano consiste no estudo ci-entífico das acomodações progressivas e mútuasentre o crescente organismo humano e o ambienteimediato em que ele vive, ao longo do curso devida44. Em outras palavras, um estudo fundamen-tado no modelo bioecológico de Bronfenbrennerpermite analisar as variações do processo e do pro-duto do desenvolvimento enquanto função con-junta das características da pessoa e do ambienteem um determinado período histórico62.

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Nesse sentido, o ambiente ecológico é conce-bido como um arranjo de estruturas concêntri-cas inseridas umas nas outras. Inicialmente, comocentro dessas estruturas, está o microssistema,que é definido como o complexo de relações en-tre a pessoa em desenvolvimento e o ambienteimediato que a contém (casa, escola, trabalho).Nesses locais, as pessoas se engajam em ativida-des e papéis específicos, em determinados perío-dos do tempo, que são vivenciados face a facecom filhos, pais, professores, alunos e profissio-nais, dentre outros. O mesossistema, segundocomponente do modelo, refere-se ao conjuntode microssistemas e às inter-relações entre esseslocais imediatos que contem a pessoa, ou seja,entre a escola e a família, entre local de trabalho ea família. Esses locais mudam ao longo do tem-po, uma vez que a pessoa em desenvolvimentopassa a fazer parte de diferentes locais.

Já o exossistema é uma extensão do mesos-sistema, envolvendo outras estruturas sociais,formais e informais, que não contém a pessoaem desenvolvimento, mas que influenciam o seudesenvolvimento. Em se tratando de filhos pe-quenos, o trabalho dos pais constitui um exem-plo de exossistema. Por outro lado, o macrossis-tema abrange os sistemas de valores e crençasque permeiam a existência e a evolução das di-versas culturas e subculturas, tais como a econo-mia, políticas sociais, educacionais e legais44.

Além disso, Bronfenbrenner e seus colabora-dores63,64 ressaltaram a necessidade de olhar apessoa em desenvolvimento considerando o fa-tor tempo, que ele denominou de cronossiste-ma. Este conceito implica que a passagem do“tempo” não é um atributo meramente do serhumano em crescimento, mas é também umapropriedade do ambiente. Isto é, as mudançasou continuidades ao longo do tempo ocorremnão só nas características da pessoa, mas tam-bém no ambiente no qual ela vive, tais como naestrutura familiar, no status socioeconômico, noemprego, no lugar de residência ou no grau dehabilidade na vida diária57.

Com base nos diferentes níveis desse ambi-ente, do micro ao macrossistema, Bronfenbren-ner44 propõe que um estudo sobre o desenvolvi-mento humano, para ser válido ecologicamente,precisa demonstrar compatibilidade entre o pro-blema que se propõe a investigar e o local paraessa investigação. Isto significa que um ambientenatural não é, necessariamente, válido para to-dos os estudos do desenvolvimento humano.Além disso, um experimento ecológico, na con-

cepção de Bronfenbrenner, deve investigar o con-texto de desenvolvimento, mostrando os pro-cessos recíprocos, ou seja, o efeito de A sobre B etambém o efeito de B sobre A. Outro destaquedado por ele refere-se ao efeito de segunda or-dem - influência indireta de uma terceira pessoaou dos efeitos indiretos de fatores físicos no de-senvolvimento do indivíduo. Em geral, os ruí-dos, as informações da televisão, a disposição domobiliário, as cores em um ambiente constitu-em exemplos de efeitos de segunda ordem.

Outra característica desse modelo consiste naimportância de se estudar o desenvolvimentohumano em períodos denominados de transi-ções ecológicas, normativas ou não normativas,que são as mudanças na vida das pessoas diantede papéis e atividades diferentes que são desem-penhados ao longo de sua vida. Por exemplo, odeslocamento de um bebê recém-nascido do hos-pital para casa, a entrada de uma criança na pré-escola ou quando uma pessoa muda de empregoou torna-se esposa, mãe ou irmã, são mudançasna vida de um membro familiar que podem alte-rar todo o sistema de relações familiares, e sãoconsideradas normativas44. As transições ecoló-gicas não normativas são consideradas comunsno contexto da saúde, isto é, em condições ad-versas ou atípicas de desenvolvimento: a própriahospitalização, a comunicação de um diagnósti-co adverso ou, ainda, a exposição da pessoa aprocedimentos médicos invasivos.

De acordo com os princípios do modelo bio-ecológico de Bronfenbrenner65, um delineamen-to de pesquisa que tem por objetivo investigar ascaracterísticas psicológicas da pessoa e seu de-senvolvimento deve permitir comparações siste-máticas e interpretações de avaliações em dife-rentes contextos. Por exemplo, em se tratando deuma avaliação da competência cognitiva e/ousocioemocional de um indivíduo ou grupo, estadeveria ser interpretada à luz da cultura ou sub-cultura na qual a pessoa vive. Além disso, taiscomparações devem ser feitas por observadoresque diferem em seu papel e em sua relação com apessoa foco do estudo (pais, professores, super-visores e pesquisadores treinados), e, ao mesmotempo, pela própria pessoa, cuja percepção deveser levada em conta.

Em síntese, este modelo destaca a importân-cia de se pesquisar os processos de interação entrea pessoa e o ambiente, as características da pes-soa, as características relativas ao tempo históri-co, cultural e social, e por fim, as característicasdo contexto - ambiente físico, social e cultural.

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Considerações finais: tendências atuaise futuras nos estudos da psicologia da saúde

Uma proposta de estudo que visa investigar asaúde e a doença pode ter como eixos teóricosnorteadores, sobretudo, a ciência do desenvolvi-mento e, em especial, o modelo bioecológico deBronfenbrenner. Essa ciência possibilita que osprocessos de desenvolvimento sejam considera-dos em sua natureza sistêmica e inter-relaciona-da, oferecendo conceitos e propondo medidasque permitem descrever a pessoa em seu contex-to, tempo e espaço específicos66.

De acordo com as concepções da ciência dodesenvolvimento, o processo de saúde-doença éconsiderado como um fenômeno social, dinâmi-co e cultural. A proposta de aplicação do modelobioecológico de Bronfenbrenner na área da psi-cologia da saúde, particularmente para a investi-gação do processo de saúde-doença, poderá abrirum campo promissor para responder questõescentrais da interface entre saúde e desenvolvimentohumano. O estudo de tais questões exige a ado-ção de modelos que possam capturar a comple-xidade e a inter-relação típicas de fenômenos sis-têmicos e holísticos, pouco explorados até o pre-sente. Não resta dúvida que a tarefa é desafiado-ra, especialmente porque implica aplicar o pensa-mento sistêmico na prática de pesquisa.

Segundo Nicassio et al.4, os avanços da psi-cologia da saúde apontam para algumas reco-mendações futuras quanto à pesquisa, aplicaçõesclínicas e políticas públicas. Em primeiro lugar,eles ressaltam a importância de se adotar abor-dagens interdisciplinares na pesquisa em saúde edefendem que as intervenções psicológicas de-vem ser teórica e empiricamente fundamentadas,além de específicas e, consequentemente, diferen-ciadas ou sensíveis ao gênero, cultura, status so-cioeconômico e toda variedade de fatores con-textuais. Para eles, os profissionais devem consi-derar os princípios éticos subjacentes às inter-venções e que a pesquisa e a prática clínica estãointer-relacionadas. Estas recomendações, semsombra de dúvida, são consistentes com a pers-pectiva bioecológica.

Suls e Hothman5, por sua vez, também res-saltam a importância de se estudar as diferençasculturais e étnicas no desenvolvimento das doen-ças e de coletar informações a respeito de todosos fatores que contribuem para o desenvolvimentodo ser humano, ao longo do tempo. Segundo es-ses autores, os pesquisadores não têm avaliado

todos os fatores do desenvolvimento humano;eles constataram, por exemplo, que na revistaHealth Psychology, 94% dos estudos publicadosentre 2001 e 2002 avaliavam apenas variáveis psi-cológicas e metade avaliou, além de variáveis psi-cológicas, variáveis sociais e biológicas.

Para que a psicologia da saúde possa dar umacontribuição efetiva, relevante tanto do ponto devista social quanto científico, faz-se necessárioque se repense o modelo de comportamento hu-mano relacionado ao processo de saúde-doençae se reexamine as necessidades pedagógicas e prá-ticas do campo multidisciplinar e interdiscipli-nar67. Além disso, deve-se partir de uma aborda-gem multinível, pois a melhoria das condições desaúde depende de estratégias que envolvem múl-tiplos conhecimentos: da saúde individual, dasrelações sociais, da legislação e dos fatores ambi-entais. Em se tratando especificamente dos mé-todos de pesquisa na psicologia da saúde, é im-portante destacar o que foi requerido por He-pworth67: um pluralismo metodológico para tra-balhar com idéias interdisciplinares e uma com-binação de abordagens de pesquisa. Nesse senti-do, o autor considera necessário que seja selecio-nado um delineamento de pesquisa apropriadopara tratar das questões específicas de saúde eque esses possam integrar métodos quantitati-vos e qualitativos.

Portanto, faz-se necessário que a psicologiada saúde invista em pesquisas a respeito dos pro-cessos de desenvolvimento humano, que analise ecompreenda os diferentes contextos de vida, in-cluindo a diversidade de trajetórias do indivíduono curso de vida. Reforçar o compromisso e seucomprometimento com o ambiente social, comas relações interpessoais, superando o atendimen-to clínico curativo, deveria ser prioritário na agendada área. Isto requer conhecer a população a seratendida, seus valores, crenças, práticas, bemcomo suas dificuldades e preferências, e, conse-quentemente, relacionar modelos de saúde-doen-ça com distribuição geográfica, nível socioeconô-mico, perfil epidemiológico, gênero, idade e etnia.

Neste contexto, a pesquisa em psicologia dasaúde que se propõe a investigar, sistematicamen-te, os múltiplos fatores envolvidos no processode saúde-doença, pode usufruir dos fundamen-tos teóricos da ciência do desenvolvimento e, es-pecialmente, do modelo bioecológico de Bron-fenbrenner. Ambos se apresentam como umaalternativa promissora e coerente filosoficamen-te com as premissas da psicologia da saúde.

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Colaboradores

S Cerqueira-Silva participou da concepção do ar-tigo e revisões posteriores; MA Dessen realizourevisões críticas e reformulações do artigo apóselaboração inicial; AL Costa Júnior foi responsá-vel pela revisão e aprovação da versão final a serpublicada.

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Artigo apresentado em 28/03/2008Aprovado em 31/10/2008Versão final apresentada em 19/01/2009

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