As contribuições dos ensinamentos de Leonardo Bloomfield para a Linguística

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Descritivismo, estruturalismo e linguística.

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  • 28 Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 09. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    AS CONTRIBUIES DOS ENSINAMENTOS

    DE LEONARD BLOOMFIELD PARA A LINGUSTICA

    Jnatas Gomes Duarte (UFT)

    [email protected] Sebastio Elias Milani (UFG)

    Maria Jos de Pinho (UFT)

    1. Introduo

    Este artigo tem a finalidade de demonstrar a relevncia dos ensi-

    namentos da teoria descritiva de Leonard Bloomfield para a lingustica

    estruturalista norte-americana. A pesquisa seguiu os pressupostos teri-

    cos e metodolgicos da historiografia lingustica, cujos principais objeti-

    vos so: descrever e explicar como se produziu e desenvolveu o conhe-

    cimento lingustico em um determinado contexto social e cultural, atra-

    vs do tempo.

    Leonard Bloomfield (1887-1949) estudou na Universidade de

    Harvard e se formou em 1906, seu doutorado foi pela Universidade de

    Chicago, recebeu o ttulo de doutor em 1909. reconhecido como gran-

    de expoente da lingustica estruturalista norte-americana. Desenvolveu

    pesquisas em vrios idiomas, e trabalhou no agrupamento dos idiomas

    nativos americanos. Foi membro fundador da Sociedade Lingustica da

    Amrica, em 1924. Seus principais livros foram: An introduction to the

    study of language (1914) e Laguage (1933).

    Segundo Passos (2004), nas obras bloomfieldianas so abordadas

    as seguintes temticas: A histria dos estudos lingusticos desde a anti-

    guidade; a gramtica da ndia que se baseou na descrio do snscrito

    (sendo este o primeiro grande trabalho desse tipo que surgiu na Europa e permitiu o estudo comparativo das lnguas); a base terica do autor que

    fundamentada na concepo fisicalista e behaviorista que a linguagem

    possui na vida dos falantes e ouvintes; a lingustica descritiva e sincrni-

    ca, com seus principais tpicos, a fonologia, o significado, a gramtica, a

    sintaxe e a morfologia; a lingustica histrica e comparativa; estudos so-

    bre a dialetologia.

    A obra bloomfieldiana marcou o incio do descritivismo nos Esta-

    dos Unidos, pois foi considerada a mais grandiosa da lingustica do scu-

    lo, nas dcadas seguintes sua publicao. Contudo, os mtodos bloom-

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 09. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    fieldianos elencados fizeram com que fosse considerada a existncia de

    uma lingustica ps-bloomfieldiana nos Estados Unidos.

    A influncia desse, que foi chamado o maior livro de lingustica publica-do em nosso sculo, deste ou do outro lado do atlntico, foi tal que podemos considerar bloomfieldiana, ou ps-bloomfieldiana, a lingustica americana dos

    trinta anos seguintes a 1925 (LEPSCHY, 1975, p. 88).

    No comeo de sua vida acadmica foi diretamente influenciado

    pelo Behaviorismo, uma corrente terica da psicolgica que se baseia no

    estudo do comportamento. Suas ideias foram fundamentadas pela apro-

    ximao do significado com os princpios behavioristas. Um terico que

    influenciou diretamente Leonard Bloomfield foi Wilhelm Wundt (1832-

    1920), que se baseou na psicologia para descrever a fala humana: "Wundt baseou sua psicologia do discurso sobre toda e qualquer descri-

    o acessvel da lngua". (BLOOMFIELD, 1933, p. 18, traduo nossa).

    A deciso por optar pelo behaviorismo foi uma tentativa que Blo-

    omfield fez para seguir a escola terica daquele momento que desenvol-

    via teorias cientficas sobre o estudo comportamental do universo. Essa

    posio foi defendida por Harris:

    possvel, claro, estudar o discurso como o comportamento humano,

    para gravar os movimentos fisiolgicos que esto envolvidos na articulao,

    ou a situao cultural e interpessoal em que o discurso ocorre, ou as ondas so-

    noras que resultam da atividade de falar, ou as impresses auditiva adquirida

    pelo ouvinte. Poderamos tentar regularidades na descrio de cada um desses

    corpos de dados. (HARRIS, 1951, p. 4, traduo nossa).

    Segundo Bloomfield (1933), somente a partir no sculo XIX sur-

    giu teorias lingusticas que foram reconhecidas como sendo cientficas,

    isso ocorreu por causa do desenvolvimento do mtodo descritivista que

    buscava caractersticas gerais da lngua: "Somente no sculo passado ou

    a partir da que a linguagem tem sido estudada de forma cientfica, pela observao cuidadosa e abrangente." (BLOOMFIELD, 1933, p. 3, tradu-

    o nossa).

    De acordo com Hall (1970), na teoria bloomfieldiana a lingustica

    apresenta uma determinada orientao metodolgica, ao contrrio dos

    linguistas contemporneos de Bloomfield, pois mesmo que se tenham es-

    forado para aprimorar um mtodo de descrio sincrnica, no tiveram

    xito na formulao de um mtodo mais claro e completo. Bloomfield foi o primeiro a demonstrar a possibilidade e exemplificar por meio de

    uma abordagem cientfica unificada para todos os aspectos da anlise

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    lingustica: fontica, morfologia, sinttica; sincrnica e diacrnica (HALL, 1970, p. 549).

    Leonard Bloomfield foi responsvel pela formao de muitas ge-

    raes de pesquisadores da linguagem no apenas nos Estados Unidos da Amrica, mas tambm, em todos os principais centros de pesquisa lin-

    gustica da contemporaneidade. No entanto, apesar da importncia de su-

    as ideias, e do longo alcance da sua perspicaz concepo, Bloomfield no

    encontrou entre os brasileiros at ento quem lhe fizesse justia, reali-

    zando a traduo de suas obras para o portugus, concedendo assim, o

    destaque que lhe faz jus.

    2. Metodologia

    O trabalho desenvolvido se define como um estudo de historiogra-

    fia lingustica, compreendida como uma estratgia metodolgica que

    consiste na abordagem de tcnicas apropriadas, e em situaes especfi-cas. Portanto, o trabalho terico est vinculado aos pressupostos da histo-

    riografia lingustica, pois visou descrever e analisar como Leonard Blo-

    omfield desenvolveu seu pensamento acerca dos estudos da lngua e da

    linguagem, mostrando como aplicou teorias lingusticas tanto concernen-

    tes a sua poca quanto pertencentes h um tempo anterior ao seu.

    Em qualquer obra a historiografia lingustica composta pelos

    pressupostos da interdisciplinaridade, por meio de uma viso holstica.

    Sendo assim, filia-se a sete regies do conhecimento: a histria, a litera-

    tura, as artes, a sociologia, a filologia, a psicologia e a filosofia. Toman-

    do por emprstimo de todas as reas algo tcnico para promover uma re-

    viso do documento. (MILANI, 2011). A historiografia lingustica, se interessa pelas mnimas e nfimas historinhas, ela se interessa em juntar a ao dos grandes pensamentos com esses substratos sociolgicos e inte-

    lectuais (MILANI, 2011, p. 15).

    Segundo Milani (2011), deve-se seguir algumas etapas para de-

    senvolver um trabalho historiogrfico lingustico. As etapas indicadas

    quando o objeto for um indivduo/autor/obra completa, como o proposto

    neste artigo so as seguintes:

    1 estabelecer uma biografia bsica, vinculada rea temtica pesquisada;

    2 estabelecer os conceitos bsicos produzidos, numa sntese precisa; 3 vincu-

    lar os fatos da vida pessoal e cientfica/acadmica e conceitos s instituies e

    s pessoas a ele relacionadas; 4 verificar fontes preceptoras e fontes escritas;

    5 mapear os conceitos das fontes; 6 descrever os mtodos ou o mtodo; 7

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    vincular o mtodo s cincias com suas respectivas fontes; 8 verificar o trao

    diferenciador do mtodo do autor; 9 mostrar a contribuio de seu mtodo pa-

    ra os conceitos e 10 relatar os avanos da obra (MILANI, 2011, p. 33).

    Ao sugerir um texto como objeto de estudo historiogrfico, o lin-

    guista acaba escolhendo tambm o contedo de um determinado contexto

    histrico e sociocultural de uma poca ou lugar. Neste caso a funo do

    historigrafo linguista ser: (...) compreender esse texto como refrao das fontes formadoras, da prtica cultural e da ordem de coisas presentes

    no contexto do texto-discurso. (MILANI, 2011, p. 10).

    3. A influncia saussuriana em Bloomfield

    O desenvolvimento das teorias estruturalistas foi o grande marco

    para a consolidao e o aumento das pesquisas relacionadas lingustica

    contempornea. Os linguistas que pertenciam a este movimento, tanto os

    europeus quantos os norte-americanos, foram importantssimos neste

    processo.

    Segundo Passos (2004), Saussure, na Europa, e Bloomfield, nos

    Estados Unidos, so considerados os grandes expoentes da cincia da lngua e da linguagem, que suscitaram os grandes mentores da lingustica

    do sculo XX, isso ocorreu por causa de suas obras e devido s relevn-

    cias de suas ideias. Deve-se a ambos a formao das escolas mais impor-

    tantes da lingustica moderna. No entanto, enquanto as ideias de Saussure

    receberam entre os estudiosos brasileiros uma imediata acolhida e aceita-

    o, as relevantes contribuies de Bloomfield no receberam o mesmo

    tratamento, haja vista que at hoje no houve uma nica traduo de suas

    obras para a lngua portuguesa, ficando, desse modo, desconhecido para

    aqueles que no dominam a lngua inglesa.

    Bloomfield veio da Escola neogramtica da lingustica. Isso signi-

    fica que ele se concentrou sobre os aspectos histricos e a evoluo das

    lnguas. Ele estudou lnguas especficas, a sua histria e como as palavras so geradas. Bloomfield e Saussure ambos estudaram a lngua como uma

    estrutura e com uma base cientfica. A principal diferena que Bloom-

    field estudou a lingustica diacrnica: o seu desenvolvimento histrico e

    comparativo. Saussure estudou a lngua sincronicamente: ele fez a com-

    parao entre linguagem e o jogo de xadrez. No h necessidade de saber

    que a histria se movimenta, ou seja, voc pode entender o sistema s de

    olhar para o tabuleiro a qualquer momento. Este o estudo sincrnico da

    linguagem.

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    Outra diferena marcante que Bloomfield nunca sugeriu que era

    possvel descrever a sintaxe e a fonologia de uma lngua em total igno-

    rncia do significado das palavras e frases. Sua viso era incompleta,

    pois ele estudou parte do sistema e no o todo. Em contraste, Saussure estudou a lngua como um sistema, incluindo todos os seus aspectos. Ele

    considerou que o sistema possui trs propriedades:

    1. Integridade, desde que o sistema funcione como um todo.

    2. Transformao, o sistema no esttico, pois capaz de mudar.

    3. Autorregulao, est relacionado com o fato de que os novos

    elementos podem ser adicionados ao sistema, mas a estrutura b-

    sica dele no pode ser alterada.

    Bertucci (2008) destaca que Bloomfield, de maneira particular,

    aplicou nos Estados Unidos a teoria estruturalista saussuriana4, privilegi-

    ando por sua vez, a descrio das leis do sistema lingustico, herdando do

    linguista europeu o fazer lingustico sincrnico. Fato que inmeros conceitos, conhecidos em lingustica, foram inaugurados e utilizados pe-

    los estruturalistas, dentre os de maior destaque esto o de estrutura e sis-

    tema.

    Apesar dessa verossimilhana, nota-se diferena conceitual signi-

    ficativa entre o estruturalismo orientado por Saussure na Europa e o ame-

    ricano defendido por Bloomfield, nos Estados Unidos. A terminologia

    estrutura, entendida como sistema, caracterstica defendida pelo estru-

    turalismo europeu, enquanto o estruturalismo sobre orientao bloomfi-

    eldiana defende a ideia de distribuio de elementos, mediante a capaci-

    dade de associao ou substituio.

    4. A teoria estruturalista bloomfieldiana

    Para entender a teoria estruturalista Bloomfieldiana, importante

    anotar que o estruturalismo norte-americano teve como precursor Franz

    Boas, formado pela escola de neogramticos europeus, especialista em

    lnguas amerndias, autor do Handbook of American Indian languages,

    obra particularmente importante para a lingustica descritiva (LEPSCHY,

    1975, p. 79). Logo, nota-se que a teoria estruturalista foi condicionada

    pela anlise descritiva das centenas de lnguas amerndias no final do s-

    culo XIX.

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    Lepschy (1975) salienta que foi a partir da segunda dcada do re-

    ferido sculo, tambm alavancada pelo progresso das telecomunicaes,

    que a lingustica estruturalista nos Estados Unidos ganha fora, perodo

    em que os autores se esmeraram no cuidado em descrever as lnguas sin-cronicamente, buscando atender s exigncias requeridas para a compre-

    enso das lnguas amerndias e ao ensino e aprendizagem das lnguas

    desconhecidas.

    Nesse contexto, destaca-se o trabalho do Edward Sapir, discpulo

    de Boas e autor de Language (1921). A exemplo de Saussure, Sapir fez

    ressalvas ao carter da linguagem como modelo geral, fundamentando,

    portanto, o alicerce e/ou o caminho da lingustica estrutural americana.

    Todavia, ao falar do fato lingustico e/ou da estrutura de uma lngua ele

    foi cauteloso. Provavelmente, o conhecimento por ele adquirido nas di-

    versas reas o tenham impedido de enveredar por uma definio simplis-

    ta da estrutura (BERTUCCI, 2008).

    Lepshy (1975) endossa essa afirmativa quando expressa que foi a

    partir de 1920 que a lingustica da Europa desenvolveu caractersticas es-

    pecificas em relao quela desenvolvida nos Estados Unidos, quando se

    delineou uma direo estruturalista firmada nas concepes de Sapir e de

    Bloomfield. Lepshy reitera que apesar desse primeiro linguista diferir do

    ltimo quanto metodologia, visto que Sapir no considera necessrio

    indicar mtodos rigorosos e objetivos, mecanicamente aplicveis para

    controle e verificao de afirmativas, inclusive, criticando severamente

    aqueles que solucionam problemas da cincia utilizando-se do rigor natu-

    ralista do mtodo cientfico, ambas as correntes se indicam, tendo mto-

    dos oriundos da psicologia mentalista (de Sapir) e comportamentista (de

    Bloomfield).

    Todavia, importa notar que tanto Bloomfield quanto Sapir preten-

    deram reconstruir as civilizaes primitivas, cujas estruturas lingusticas

    consideravam indissociveis do contexto social e cultural em que se ha-

    viam originado. E, embora Sapir tenha se oposto s concepes materia-

    listas de Bloomfield, foi de igual modo influenciado pelas teorias socio-

    lgicas advindas da Europa, uma vez que para ambos a lngua constituiu

    uma herana cultural (LEROY, 1971).

    Bloomfield, embora tenha recebido de Boas e Sapir a influncia

    de um estudo voltado especialmente para as lnguas amerndias, reconhe-

    cido e valorizado os estudos histricos da linguagem, teceu crticas ao ca-

    rter psicolgico, mentalista e pseudoexplicativo de tais estudos, propon-

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    do que se substitua esse processo pela generalizao indutiva, com base no estudo descritivo da linguagem (LYONS, 1987, p. 62).

    Influenciado pelo Behaviorismo das cincias naturais, o linguista

    americano adota nova perspectiva para obter o mximo rigor cientfico no estudo da linguagem mediante a utilizao da teoria behaviorista em sua anlise lingustica e define o uso da linguagem mediante a concep-o materialista (mecanicista e no dialtica) e comportamentista (em

    termos de estmulo e reao), em que a lngua pode ser analisada como

    um sistema, cujos elementos se organizam por certo comportamento ge-

    ral. Para ele: o comportamento no considerado uma doutrina psicol-gica particular, mas identificado com o mtodo cientfico tout cour (LEPSCHY, 1975, p. 92).

    Essa necessidade de encontrar princpios metodolgicos apropria-

    dos para a anlise das lnguas amerndias, em sua maioria grafas e des-

    conhecidas, levou Bloomfield a desenvolver enfoque antropolgico e et-nolgico em seus estudos, dando origem ao descritivismo bloomfieldia-

    no, cuja orientao ao linguista proceder, mediante uma posio empi-

    rista e positivista em relao ao fato observado, uma pesquisa verdadei-

    ramente cientfica (BERTUCCI, 2008).

    Harris (1951) afirma que essa prerrogativa precisa leva em conta o

    fato de que lingustica descritiva deve ter como universo de trabalho,

    uma lngua, especificamente, logo, ela no configura a busca por prover

    uma descrio nica para todas as lnguas, visto que em uma mesma ln-

    gua podem existir dialetos que tenham regularidades diferentes entre os

    elementos.

    Ao comentar o carter mecanicista e comportamentista do descri-

    tivismo bloomfieldiano, Leroy (1971, p. 157) comenta:

    Bloomfield no deixou de chocar muitos de seus compatriotas ao defen-

    der uma teoria do tipo claramente materialista - deixando parte a conscincia

    que inacessvel, ele explica o mecanismo da comunicao pelo jogo de est-

    mulo e reaes.

    Essa concepo mecanicista do comportamentismo (behavioris-

    mo) se resume em termos de estmulo e resposta e feito atravs do es-

    quema S-r-s-R, no qual um estmulo externo (S) leva algum a falar (r), esta resposta lingustica do locutor constitui para o ouvinte um estmulo

    lingustico (s) que provoca uma resposta prtica (S). (LEPSCHY, 1975, p. 89). S e R so, portanto, eventos prticos que pertencem ao mundo extralingustico. Diante desta prerrogativa, Bloomfield acredita, em an-

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    lise geral, que tanto a diviso do trabalho quanto todo o funcionamento

    da sociedade humana se efetua em detrimento da linguagem.

    Bertucci (2008, p. 74) afirma que, para Bloomfield:

    A teoria mentalstica baseia-se no esprito (ou na mente). O esprito

    quem decidir a resposta ao estmulo. A teoria mecanicista, afirmar Bloomfi-

    eld, diz a variabilidade da conduta humana (inclusive a fala) acontece graas

    complexidade do corpo humano. As aes humanas so partes das sequn-cias de causa e efeito, como na fsica ou na qumica. Mas, pela complexida-de, o corpo humano uma estrutura mutvel. E o sistema nervoso o respon-

    svel pela mutao: causa-efeito versus estmulo-resposta. por isso que no

    possvel saber que reposta um ouvinte dar a um estmulo.

    A soluo mecanicista escolhida pelo linguista se justifica quando

    se considera que o sistema nervoso o responsvel pelo funcionamento

    da linguagem e por ser um mecanismo de gatilho permite a execuo de aes complicadas aps um estmulo aparentemente negligencivel, a

    exemplo das minsculas percusses das ondas sonoras na membrana do

    tmpano. Embora parea esta colocao ao extremo comportamentista,

    Lepschy (1975) aponta que Bloomfield a prope por consider-la coeren-

    te com o universo, sendo esta teoria mentalista considerada adequada e em alguns casos, a nica possvel para se elucidar questes a serem enca-

    radas pelo linguista, na atualidade, inclusive.

    A partir da dcada de 1950, a busca descritivista pelas regularida-

    des na lngua conduziu seguidores da escola bloomfieldiana a lanarem

    manuais e livros que divulgavam as ideias do descritivismo. Dentre os

    autores, destacam-se Gleason (1978) e Harris (1951). O primeiro lana

    um manual de lingustica descritiva que elucida a importncia da lingua-

    gem no estudo de outras disciplinas, defendendo que a linguagem se liga

    intimamente aos problemas humanos e sobre eles exerce influncia to

    profunda que a compreenso dos mecanismos a ela adjacentes so fun-

    damentais, uma vez que podem contribuir para a resoluo de situaes

    inusitadas. Bertucci (2008) afirma que este convincente discurso atraiu muitas pessoas e influenciou na insero da lingustica descritiva no cur-

    rculo de diversas universidades americanas.

    Harris (1951) destaca que, na lingustica descritiva, as falas (utte-

    rances) do corpus de uma lngua em anlise devem ser capazes de mos-

    trar a regularidade de todas as falas da lngua. Neste aspecto, Bertucci

    (2008, p. 76) comenta:

    Para os descritivistas, um corpus de anlise bem definido pode mostrar

    no s as regularidades da lngua para aquelas falas escolhidas, mas uma

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    amostragem da lngua como um todo. Assim, as regularidades do corpus so

    as regularidades da lngua e a distribuio dos elementos nas frases do corpus

    ser a mesma para aquelas que esto fora dele. Em outras palavras, escolher

    algumas falas no manipular a anlise ou no dar conta das falas no anali-

    sadas. Essa a questo da previso, que decorre do mtodo dedutivista.

    Desse modo, esse autor sustenta que se os elementos da lngua -

    fonolgicos e morfolgicos forem definidos pelo linguista, ser poss-vel representar a lngua por meio da descrio das regularidades e das re-

    laes que existem entre os elementos definidos, podendo este trabalho

    minucioso. Conforme Gleason (1978) gerar uma gramtica descritiva (e

    no prescritiva), caso o linguista consiga uma generalizao adequada e a

    partir do corpus pesquisado, delineie regras da lngua estudada.

    Uma gramtica descritiva adequada proporciona uma descrio para

    qualquer frase da lngua. Esta descrio uma seleo de regras que, quando

    bem combinadas, definem um esquema bsico que se pode considerar exem-

    plificando por uma frase dada (GLEASON, 1978, p. 214).

    Em seus estudos Bloomfield (1933) privilegia o estudo da fala

    (observao normal da fala), dos sons da lngua. O fonema por ele con-

    siderado parte da lngua conectada com o significado e essencial para a

    comunicao e defende ser eles que possibilitam identificar a distribuio

    dos elementos da lngua. Ele acredita que os dialetos de uma lngua, em-

    bora possam apresentar uma distribuio diferente dos elementos da fala,

    a escrita vai se mostrar igual. Em razo desta constatao, ele sustenta

    que o estudo da escrita indispensvel, devendo ser o mesmo feito por outras abordagens, a exemplo da literatura.

    Todavia, vale ressaltar que Bloomfield exclui de suas considera-

    es, quase completamente, aluses significao ou semntica. Ele

    remeteu o estudo do significado s vrias cincias particulares, reservan-

    do lingustica apenas a definio rigorosa dos significados gramati-cais (LEPSCHY, 1975, p. 133).

    Bertucci (2008, p. 77) assinala que sobre significado de uma for-

    ma lingustica (meaning), Bloomfield aconselha:

    O pesquisador deve defini-lo como a situao em que o falante pronuncia

    algo e o ouvinte responde. Em outras palavras, deve ser entendido a partir da

    viso behaviorista do estmulo-resposta. Mas ele faz uma ressalva: os signifi-

    cados dados pelas diversas cincias aos seus objetos so variados e impreci-

    sos.

    De acordo com Bloomfield "o significado , portanto, o ponto fra-

    co do estudo da lngua, e permanecer assim at que o conhecimento

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    humano avance para alm do seu estado atual." (BLOOMFIELD, 1933,

    p. 140, traduo nossa).

    Essa afirmao Bloomfieldiana motivo de crticas da parte de

    Benveniste (1988), pois este considera que tanto Bloomfield quanto Har-ris no consideraram a questo do significado em seus estudos, o que

    contraria, segundo ele, a prpria teoria descritiva, visto que toda descri-

    o deve supor que o objeto tenha um significado e isso que faz com

    que a estrutura funcione numa lngua.

    No entanto, Bloomfield (1933) rebate crticas ao afirmar que

    funo de outras cincias o estudo do significado e no da lingustica e

    reitera sua afirmao ao considerar a limitao a que o linguista expos-

    to, devido ao prprio desconhecimento humano. No entanto, nota-se que

    ele no nega a existncia do significado, mas a possibilidade de conhec-

    lo. Deste modo, ele reconhece a limitao do linguista da poca: Embo-ra o linguista no pode ir longe em direo a explicao de coisas prti-cas, ele tem a tarefa de classificar formas lingusticas onde seu significa-

    do tem sido determinado por alguma outra cincia." (BLOOMFIELD,

    1933, p. 508, traduo nossa).

    5. As contribuies bloomfieldiana para a lingustica

    Leonard Bloomfield estabeleceu a escola de pensamento que veio

    a ser conhecida como lingustica estruturalista norte-americana, que do-

    minou o campo da lingustica at o surgimento da gramtica gerativa em

    1960.

    Bloomfield repudiou existncia de todas as construes menta-

    listas e tambm a viso clssica de que a estrutura da lngua reflete a es-

    trutura do pensamento. Para ele, a estrutura da linguagem foi o objeto central de estudo lingustico e, portanto, da cincia cognitiva. Bloomfield

    ensinou que toda a estrutura lingustica poderia ser determinada pela

    aplicao de procedimentos analticos, iniciando com as menores unida-

    des que combinam som (caractersticas vocais) e significado (caracters-

    ticas de estmulo e reao), chamado morfemas (BLOOMFIELD, 1926,

    p. 130).

    Bloomfield mostrou como identificar morfemas, e logo em segui-

    da passou a mostrar como identificar as unidades menores (isto , os fo-

    nemas, definidas como unidades mnimas de caractersticas vocais distin-

    tas) e outras maiores (palavras, frases e sentenas). Bloomfield desenvol-

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 09. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    veu ricas teorias de morfologia e sintaxe. Em morfologia, Bloomfield

    prestou ateno especial ao cuidado das alternncias fonolgicas de v-

    rios tipos, que levaram ao desenvolvimento da teoria moderna da morfo-

    fonmica (BLOOMFIELD, 1939).

    Na sintaxe, ele estabeleceu as bases da teoria da estrutura consti-

    tuinte, incluindo os fundamentos da XBAR2 TEORIA. (BLOOMFIELD,

    1933, p. 194-195). Bloomfield gerou tanto entusiasmo com a anlise sin-

    ttica que os seus alunos pensaram que estavam fazendo sintaxe, pela

    primeira vez na histria da lingustica (HOCKETT, 1968, p. 31). Bloom-

    field no desenvolveu sua teoria da semntica do mesmo modo que fez

    com suas teorias da fonologia, morfologia e da sintaxe, contentando-se

    principalmente com a nomeao das contribuies semnticas de vrios

    tipos de unidades lingusticas.

    Por exemplo, ele chamou as propriedades semnticas dos morfe-

    mas de sememas, as formas gramaticais de episememes (BLOOM-FIELD, 1933, p. 62-166). Bloomfield sustentou que, enquanto as propri-

    edades fonolgicas de morfemas so analisveis em partes (ou seja, fo-nemas), sememas so inanalisvel: "No h nada na estrutura de morfe-

    mas como lobo, raposa, cachorro e para nos dizer a relao entre os seus

    significados, isto um problema para o zologo." (BLOOMFIELD,

    1933, p. 162, traduo nossa). Entretanto no final da poca urea da lin-

    gustica estruturalista norte-americana, essa viso foi repudiada, (GOO-

    DENOUGH, 1956; LOUNSBURY, 1956) e a afirmao de que existem

    unidades submorfmicas de significado foi incorporado pelas primeiras

    teorias da gramtica gerativa. (KATZ & FODOR, 1963). Bloomfield es-

    tava ciente de que para uma teoria behaviorista de significado, como a

    sua, ser bem sucedida, ele teria que explicar as propriedades semnticas das formas lingusticas, como o palavras em ingls not e and, e tam-bm estava ciente da dificuldade desta tarefa. Sua tentativa de definir a

    palavra not particularmente reveladora. Depois de defini-la como "o inibidor da lingustica na nossa comunidade de fala", ele escreveu: "O

    enunciado, em uma frase, da palavra not produz uma frase que a res-posta simultnea para ambas as frases e a frase paralela sem o not no pode ser feita. (BLOOMFIELD, 1935, p. 312, traduo nossa).

    Em suma, Bloomfield estava tentando reduzir a lei lgica da con-

    tradio com uma declarao sobre possveis pares de estmulo-resposta.

    No entanto, essa reduo no possvel. Nenhuma teoria semntica que

    contm a lei da contradio como um de seus princpios expresso em termos comportamentais. Contudo, a lingustica estruturalista norte-ame-

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 09. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    ricana falhou no foi por causa das suas insuficincias na fonologia, mor-

    fologia e sintaxe, mas porque o behaviorismo no fornece uma base ade-

    quada para o desenvolvimento de uma teoria semntica para as lnguas

    naturais.

    6. Consideraes finais

    Este estudo teve a finalidade de demonstrar a relevncia dos ensi-

    namentos da teoria descritiva de Leonard Bloomfield para a lingustica

    estruturalista norte-americana, mediante a apresentao das caractersti-

    cas gerais do estruturalismo apregoado pelo linguista, denominado des-

    critivismo. Enfocando as contribuies dos estudiosos da rea da lingua-

    gem para o progresso dos estudos lingusticos, contribuies estas que

    tornaram a lingustica uma cincia com um mtodo definido, permitindo

    assim os avanos e a ampliao dos estudos lingusticos na contempora-

    neidade.

    Para Bloomfield, o reconhecimento da lingustica como cincia

    est diretamente ligado a utilizao de seus mtodos para observar e des-

    crever o comportamento dos elementos de uma lngua. Conforme Lep-

    schy (1975) este mtodo de anlise foi o principal objeto de pesquisa da

    teoria neobloomfieldiana ou distribucionalistas, estando entre os estudio-

    sos mais importantes: Bernard Bloch, George L. Trager, Robert Ander-

    son Hall e Zellig S. Harris.

    A preocupao com a descrio das lnguas se faz presente desde

    incio do sculo XIX, perodo em que a lingustica histrica buscou clas-

    sificar as lnguas do mundo de acordo com suas afiliaes, mediante a

    descrio do desenvolvimento histrico das mesmas. Este processo indu-

    ziu criao de teorias e anlises de vrias vertentes da lingustica. Foi a partir destes desdobramentos que surgiu a lingustica estrutural, tendo

    Ferdinand de Saussure como precursor na Europa e Leonard Bloomfield

    como um dos pioneiros nos Estados Unidos (BIZZOCCHI, 2006).

    Um dos fatores que levou Leonard Bloomfield a optar pela abor-

    dagem descritiva foi uma reao crtica ao ensino prescritivo nas escolas

    tradicionais e a rejeio s variantes por estas instituies; uma forma

    encontrada por ele de defender as variantes da lngua como parte da ln-

    gua e no uma lngua errada ou estranha.

    Diante do exposto, constatou-se que o estruturalismo de Leonard

    Bloomfield eminentemente analtico e descritivo, centrado no estudo da

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    Cadernos do CNLF, Vol. XVII, N 09. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2013.

    morfologia e da sintaxe. Em razo disso, na atualidade, Bloomfield

    considerado o linguista que mais profundamente marcou a lingustica dos

    Estados Unidos. A vasta literatura de lingustica geral, metodologia ou

    assuntos especializados, por ele elaborados, influenciaram sobremaneira a lingustica norte-americana.

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