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 36º Encontro Anual da ANPOCS GT 38 – Violência, Criminalidade e Punição no Brasil  As di nâm ic as d as f ron tei ras e os jo vens vít im as d e ho mic ídi os no mu nic ípio d e Foz do Iguaçu/PR (2001-2 01 0)  Eric Gustavo Cardin (U NIOEST E)

As Dinâmicas Das Fronteiras e Os Jovens Vítimas de Homicídios

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Estudo relativo a situação de jovens em regiões de fronteira.

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  • 36 Encontro Anual da ANPOCS

    GT 38 Violncia, Criminalidade e Punio no Brasil

    As dinmicas das fronteiras e os jovens vtimas de homicdios no municpio de Foz do Iguau/PR (2001-2010)

    Eric Gustavo Cardin (UNIOESTE)

  • As dinmicas das fronteiras e os jovens vtimas de homicdios no municpio de Foz do Iguau/PR (2001-2010)

    Eric Gustavo Cardin1

    Resumo: Foz do Iguau/Pr representa uma das cidades brasileiras com os

    maiores ndices de violncia contra jovens do Brasil, principalmente quando se

    observa o nmero de vtimas de homicdios com menos de 18 anos de idade.

    Assim, a pesquisa realizada teve como objetivo principal traar um perfil das

    crianas e adolescentes vitimadas, buscando entender suas trajetrias

    individuais e as dimenses dos processos de socializao. Durante quase dez

    anos foram acumuladas e organizadas informaes obtidas em bancos de

    dados pblicos e por meio das visitas realizadas aos responsveis das vtimas,

    conseguindo abranger quase 80% dos casos. Os resultados obtidos possibilitam

    observar o desenvolvimento da problemtica, assim como permite a construo

    de perfis e uma anlise terica derivadas das seguintes constataes: 1) a

    pobreza corresponde a um elemento comum na maioria dos casos; 2) a

    presena do poder pblico por meio de seus aparelhos repressivos e corretivos

    modifica os ndices; 3) o impacto das transformaes nos processos de

    socializao no ntido e, por fim; 4) as dinmicas prprias de uma fronteira

    desigual fomentam um contexto fundamental no entendimento da violncia.

    Palavras-chaves: violncia; segurana pblica; fronteiras; sade coletiva.

    Foz do Iguau um municpio localizado no extremo oeste do Estado do

    Paran, com 256.081 habitantes (FOZ DO IGUAU, 2011). Sua economia

    intimamente atrelada ao setor turstico, que altamente dependente das

    1 Doutor em Sociologia. Professor do Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paran (UNIOESTE).

  • visitaes ao Parque Nacional do Iguau e Usina Hidreltrica de Itaipu, e

    tambm s diversas possibilidades de renda originadas da existncia das

    fronteiras internacionais com a Argentina e o Paraguai. De modo geral, a regio

    marcada por um grande fluxo de pessoas, capitais e mercadorias, fomentando

    um contexto social marcado por dinamismos prprios (CARDIN, 2011c).

    No entanto, a multiplicidade tnica derivada das migraes, as flutuaes

    do mercado de trabalho, os diferentes ciclos econmicos da cidade e as

    oportunidades fomentadas pelas fronteiras no vem garantindo nmeros

    positivos referentes ao desenvolvimento social e econmico. Pelo contrario, a

    cidade marcada por desigualdades, por concentrao de renda, por processos

    de empobrecimento das condies de habitao e por altos ndices de

    criminalidade. Observa-se, por exemplo, que Foz do Iguau possui as maiores

    taxas de homicdios no Estado do Paran e se destaca nacionalmente pelos

    ndices relacionados aos nmeros de homicdios juvenis (WAISELFISZ, 2011).

    Como destaca Kleinschmitt (2012, p.74), desde 1979 as taxas de mortes

    por homicdio ocorridos no municpio foram superiores s taxas estaduais e

    nacionais, atingindo o nmero de 102 mortes por 100 mil habitantes em 2006. O

    aumento de mortes por homicdio em Foz do Iguau entre 1979 e 2006 foi de

    aproximadamente 69 bitos por 100 mil habitantes, com um pico considervel

    de crescimento entre os anos 2000 e 2003, quando permaneceram elevadas at

    2006. Aps o ano de 2006, as taxas no municpio tiveram uma queda

    considervel chegando a 61 por 100 mil habitantes em 2009. Apesar da

    diminuio das taxas, o municpio continua com os indicadores extremamente

    elevados.

    Kleinschmitt (2012, p. 75) observa que a populao masculina foi a mais

    vitimada, pois desde o ano de 1979 os indicadores referentes s mortes de

    pessoas do sexo masculino sempre acompanharam a tendncia geral de

    crescimento das taxas do municpio. Neste contexto, enquanto as taxas em

    1979 estavam em 33 por 100 mil habitantes, as taxas de mortes do sexo

    masculino estavam em 27,14. No ano 2009, as taxas apresentavam um ndice

    de 60,59 mortes por 100 mil habitantes, sendo 55,98 compostas pela populao

    masculina. No total das 4.221 mortes por homicdio no municpio, 3.899 eram de

    homens.

  • Grfico 01 Relao Adolescentes Vtimas de Homicdio, Gnero e Ano

    Fonte: Fundao Nosso Lar.

    Outro aspecto relevante destacado nos estudos referentes violncia no

    municpio diz respeito idade das vtimas. Sem embargo, o maior percentual de

    bitos por homicdio foi observado na populao jovem e adulta, entre 15 e 39

    anos de idade, tendncia que se repete em todos os lugares do mundo.

    Contudo, a diferena a intensidade dessas mortes em Foz do Iguau

    especialmente da faixa etria de 20 a 29 anos, cujo municpio liderava

    nacionalmente o ranking de municpios que mais matam jovens at muito

    recentemente (WAISELFISZ, 2011).

    O problema social descrito, devido ao impacto econmico, poltico, social

    e humano, vem exigindo estudos cuidadosos para servir de base construo

    de polticas pblicas e interveno da sociedade civil organizada. O presente

    artigo apresenta parcialmente os resultados de uma pesquisa extensa de

    acompanhamento sistematizado das questes vinculadas aos nmeros de

    bitos de jovens vtimas de homicdios em Foz do Iguau. Trata-se de um

    trabalho coletivo de mais de 10 anos, onde foram analisados bancos de dados

    pblicos e entrevistados os familiares ou responsveis de quase a totalidade das

    vtimas com idade igual ou inferior a 17 anos.

    Percentual adol/homicdio por gnero/ano

    84%94% 90% 88%

    97%86% 89%

    94%

    80%87%

    16%6% 10%

    13%3%

    14% 11%6%

    20%13%

    0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

    100%

    2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    MasculinoFeminino

  • A pesquisa foi iniciada no ano de 2004 com o objetivo de identificar a

    realidade, os motivos e o perfil dos adolescentes acometidos pela violao de

    seu direito a vida, visando auxiliar ou de algum modo subsidiar o poder pblico e

    a sociedade em geral naquilo que se refere aos dados sobre o problema. Os

    trabalhos realizados tiveram o apoio da Usina Hidreltrica de Itaipu, da

    Universidade Estadual do Oeste do Paran, da Vara da Infncia e da Juventude,

    da Prefeitura Municipal de Foz do Iguau, do Instituto Mdico Legal, da Central

    de Lutos, da Vigilncia Epidemiolgica, da Delegacia de Homicdios e do

    Governo do Estado do Paran.

    Para tanto, adotou-se a definio de homicdios utilizadas no campo da

    sade coletiva, que explicita que a morte violenta provocada por homicdio

    conseqncia de golpes, de feridas e de traumatismos resultantes de

    intervenes exteriores e brutais, podendo ser intencional ou acidentalmente

    infligidas (ZALUAR, 2004). No Artigo 121 do Cdigo Penal Brasileiro homicdio

    definido de forma bastante objetiva como matar algum. Para a realizao

    deste estudo, foram excludos os casos de mortes ocorridas durante os conflitos

    com a polcia.

    As tcnicas para obteno dos dados foram compostas por diversas

    formas de abordagem. Em um primeiro momento foi realizado um levantamento

    e cruzamento de dados junto aos rgos pblicos e imprensa, como certides

    de bito, laudos cadavricos, IML, consultas a jornais, dados da Delegacia de

    Homicdios e da Central de bitos. Em um segundo momento foi aplicado um

    questionrio estruturado diretamente a um dos familiares ou responsveis do

    adolescente assassinado. Nos anos de 2004 e 2005 as entrevistas eram

    realizadas diretamente nas residncias das vtimas, tcnica que permitia uma

    vivencia diferenciada durante a pesquisa, mas, por outro lado, acarretava alguns

    transtornos.

    Neste sentido, no intuito de garantir a segurana dos pesquisadores,

    comeou-se a enviar correspondncia para os endereos contidos nos

    documentos da Delegacia de Homicdios, do IML e da Central de Lutos,

    convidando os familiares ou responsveis a participarem da pesquisa

    comparecendo, mediante agendamento, ao Frum de Justia. As cartas

    devolvidas e os familiares ou responsveis que no compareceram da data

  • definida receberam visitas da equipe de trabalho, visando atingir a totalidade dos

    casos ocorridos. O resultado da estratgia adotada foi positivo, pois permitiu a

    realizao de entrevistas com uma parcela significativa da populao,

    abrangendo 66,33% dos 328 casos.

    Tabela 01 Nmero de Entrevistas Realizadas Ano Total de

    adolescentes vtimas

    de homicdio

    Nmero de questionrios

    aplicados com familiares

    ou responsveis

    Certido de bitos

    consultados nos casos de

    impossibilidade de realizao

    da entrevista

    2001 19 9 10

    2002 33 16 17

    2003 29 19 10

    2004 32 23 9

    2005 29 29 0

    2006 51 34 17

    2007 54 30 24

    2008 33 21 12

    2009 25 17 8

    2010 23 13 10

    Fonte: dados da Fundao Nosso Lar organizados pelo autor.

    O questionrio aplicado era composto por 64 perguntas e abrangia

    diversas dimenses sociais. De forma geral, ele buscava: 1) traar um perfil da

    vtima e de seus pais explorando indicadores econmicos e educacionais; 2)

    explorar as relaes sociais das vtimas e os seus grupos de pertencimento; 3)

    investigar a aproximao dos adolescentes com o crime organizado e com

    situaes violentas, observando tambm a existncia ou no de passagens da

    vtima em instituies de recuperao de menores; 4) por fim, observar questes

    mais pontuais relacionadas aos possveis motivos do homicdio.

    Devido abrangncia do estudo realizado e as inmeras possibilidades

    de anlise existentes, este artigo ir se concentrar em algumas observaes

    gerais possveis de serem realizadas por meio de reflexes sobre o conjunto dos

    indicadores levantados. Contudo, salienta-se que a pesquisa realizada j

    possibilitou a publicao do livro Abandono, Explorao e Morte de Crianas e

  • Adolescentes em Foz do Iguau no ano de 2006, contendo resultados parciais

    da investigao. E, atualmente, encontra-se em estado de elaborao um novo

    livro composto pela anlise geral dos dados coletados no projeto por

    pesquisadores de diferentes reas do conhecimento.

    O desenvolvimento econmico de Foz do Iguau no linear ou

    progressivo. Ele marcado por ondas bem definidas de crescimento sucedidas

    por grandes recesses. Em linhas gerais, o governo brasileiro sempre se

    apresentou de uma maneira determinante nos diferentes ciclos econmicos

    vivenciados na regio. No processo inicial de povoamento, com a criao da Vila

    Militar e com a conseqente colonizao, durante a construo das pontes

    internacionais e da Usina Hidreltrica de Itaipu Binacional e, por fim, no controle

    estatal dos fluxos de pessoas, capitais e mercadorias nas divisas com a

    Argentina e o Paraguai.

    Os picos de acumulo de capital e de aumento demogrfico possibilitado

    por cada um dos momentos apresentados acima so acompanhados

    posteriormente de grandes crises, marcadas por aumento do desemprego e da

    ocupao territorial irregular. Tal situao fomenta uma cidade com um desenho

    urbano problemtico e de difcil planificao, somada a uma pssima

    distribuio de renda. As conseqncias desta configurao social uma

    significativa dependncia do municpio em relao s prticas informais

    relacionadas a comrcio existente em Ciudad del Este, Paraguai (CARDIN,

    2009a; 2011c).

    Segundo Kleinschmitt (2012, p. 100), efetuadas comparaes com Brasil,

    Paran, Curitiba, Foz do Iguau, Cascavel e Toledo (outros municpios plo da

    regio) o municpio acumula indicadores socioeconmicos preocupantes. Neste

    sentido, a autora demonstra que:

    os indicadores com piores desempenhos em relao aos outros locais analisados so a Esperana de vida ao nascer e a Longevidade (IDHM-L). A Taxa bruta de frequncia escolar, a Educao (IDHM-E) e o IDH-M apareceram na quarta posio, na frente somente dos indicadores do Paran e do Brasil, ou seja, os nmeros de Foz do Iguau s so melhores do que a mdia do Paran e do pas. Os indicadores Taxa de alfabetizao de adultos, Renda per capita e Renda (IDHM-R) apareceram na terceira posio, atrs somente dos

  • indicadores de Curitiba e Cascavel. Em relao aos indicadores socioeconmicos Foz do Iguau est na posio 42 e na classificao nacional em 850.

    A pesquisa realizada por Andrade (2009) fortalece o entendimento dos

    vnculos entre as questes econmicas e os ndices de criminalidade da regio.

    Por meio de um cruzamento dos dados apresentados por este autor com

    informaes obtidas em um estudo anterior (CARDIN, 2009a), constata-se que

    os bairros mais populosos e que possuem a renda per capita mais baixa so

    aqueles que possuem o maior nmero de homicdios juvenis. Neste sentido,

    observa-se que no perodo de 2000 a 2007, as regies que apresentaram maior

    concentrao de homicdios foram o So Francisco, a Vila C e a Vila Carim,

    locais que, coincidentemente, tambm apresentam a renda mdia mais baixa

    entre os trabalhadores informais. No suficiente, destaca-se que o local onde

    ocorreu a agresso, em 67,3% dos casos, fica a uma distncia de no mximo de

    1000 metros do local de residncia da vtima, o que nos permite afirmar que

    estes jovens no procuram uma situao de risco, eles vivem no interior dela.

    Grande parte das favelas do municpio est localizada em reas de invaso, de preservao ambiental, constitudas de moradias insalubres, sem saneamento bsico, energia eltrica, e outros e ainda um dficit habitacional que gira em torno de 10 mil unidades. Ainda, de acordo com dados do Plano Diretor do Municpio, Foz do Iguau conta com 10,22% de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. (SOUZA, 2011, p. 01).

    Contata-se que mais de 20 mil moradores do municpio encontram-se

    abaixo da linha de pobreza. Em linhas gerais, trata-se de uma populao pobre,

    inseridas precariamente na economia e com baixa escolaridade. Concentrando-

    se em alguns indicadores econmicos dos familiares das vtimas de homicdio

    em Foz do Iguau, observa-se que a renda da maioria das famlias no

    ultrapassava dois salrios mnimos e era obtida basicamente por meio do

    desenvolvimento de atividades precrias e informais, que exigiam uma baixa

    escolaridade e ofereciam baixos salrios. As atividades so as mais diversas, se

    distribuindo em algumas dezenas de ocupaes diferentes, porm algumas se

    destacam por apresentarem alguma concentrao. Entre os pais dos jovens

  • observam-se que 32% atuavam em alguma atividade vinculada construo

    civil ou manuteno predial, 8% em atividades vinculadas ao Paraguai e 5% em

    atividades vinculadas ao circuito turstico da cidade.

    Tabela 02 Ocupao dos Pais das Vtimas Ocupao 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Atividades relacionadas

    ao Paraguai

    0 1 0 3 3 0 3 3 2 0

    Atividades relacionadas

    ao Turismo

    0 1 2 2 0 0 1 0 3 0

    Atividades relacionadas

    a construo civil e a

    manuteno predial

    3 4 5 5 17 8 7 7 2 5

    Atividades vinculadas a

    manufatura e a indstria

    0 3 3 0 1 3 3 2 1 0

    Atividade Rural 0 1 2 1 0 2 2 0 0 0

    Prestao de servios,

    liberais ou autnomos

    3 5 6 7 5 7 4 3 2 1

    Comrcio 1 0 0 1 0 2 1 0 2 0

    Servio Pblico 0 0 0 1 0 0 0 0 2 0

    Aposentado 0 0 1 0 1 1 1 0 1 0

    No sabe ou no soube

    responder

    1 1 3 2 0 3 6 4 2 5

    Fonte: Dados da Fundao Nosso Lar organizados pelo autor.

    Levando em considerao que parcela significativa das vtimas vivia

    unicamente com as suas mes (36% dos jovens moravam apenas com a me,

    enquanto que 29% com o pai e a me), observar a insero destas no mercado

    representativo, pois abre a possibilidade de pensar sobre a necessidade do

    trabalho dos adolescentes na complementao de renda. Neste contexto,

    observa-se, por exemplo, que 34% das mes eram do lar, 20% trabalhavam

    como domsticas, zeladoras ou nos servios gerais, 10% atuavam no circuito

    turstico e 7% das mes desempenhavam alguma atividade vinculada ao

    Paraguai. Em 2007, ano com o maior nmero de homicdios de jovens at 17

    anos de idade, 47% das vtimas moravam apenas com as mes, fato que

    refora a necessidade de se observar com mais ateno o papel feminino no

    mercado de trabalho e na organizao familiar.

  • Uma parcela reduzida dos pais das vtimas possua carteira assinada nos perodos levantados pela pesquisa, 27,91% no ano de 2005, 21,74% em 2006, 27,91

    em 2007, 23,81 em 2008 e 17,39% em 2009. Concentrando-se exclusivamente nos

    nmeros referentes s mes das vtimas, possvel observar que a grande maioria

    delas no estava atuando de maneira registrada, 58% no ano de 2005, 74% em 2006,

    65% em 2007, 71% em 2008 e 87% em 2009, reforando a necessidade dos jovens em

    auxiliar na composio da renda familiar. Sobre isso, ressalta-se o elemento indicado

    anteriormente referente a baixa renda das vtimas e o fato de que a grande maioria das

    famlias e dos responsveis das vtimas se considerarem pobres ou muito pobres.

    A insero das famlias no mercado de trabalho e as condies de vida dos

    jovens vitimados so alguns indicadores que apontam para as relaes dos processos

    de empobrecimento e os crimes ocorridos. Todavia, eles ainda podem ser

    complementados com a anlise da participao mais direta dos jovens nos mundos do

    trabalho e no interior das escolas. A necessidade de ajudar na composio da renda

    familiar e de conciliar trabalho e estudo so aspectos possveis de serem identificados

    nas informaes coletadas. Neste sentido, constata-se que 46% dos jovens eram

    economicamente ativos, desempenhado inmeras atividades remuneradas, que podem

    ser visualizadas na tabela 03.

    Tabela 03 Ocupao dos Jovens Economicamente Ativos Vtimas de Homicdio Ocupao 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Atividades relacionadas

    ao Paraguai

    40% 50% 55% 34% 39% 25% 40% 0% 0% 0%

    Atividades relacionadas

    a construo civil e a

    manuteno predial

    0% 0% 11% 11% 0% 23% 10% 15% 0% 17%

    Atividades vinculadas a

    manufatura e a indstria

    0% 0% 0% 33% 17% 20% 10% 8% 40% 0%

    Atividade Rural 0% 25% 0% 0% 0% 6% 2% 8% 0% 17%

    Prestao de servios,

    liberais ou autnomos

    40% 25% 22% 22% 18% 10% 18% 16% 40% 17%

    Comrcio 0% 0% 12% 0% 26% 10% 20% 8% 0% 34%

    Programas de Insero

    Social

    0% 0% 0% 0% 0% 6% 0% 8% 20% 0%

    No sabe ou no soube

    responder

    20% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 39% 0% 15%

    Fonte: Dados da Fundao Nosso Lar organizados pelo autor.

  • Devido ao papel econmico que muitos dos jovens possuam no interior

    de seus lares e tambm devido as suas prprias idades no momento em que

    foram mortos, o nvel de escolaridade das vtimas tende a se concentrar no

    ensino fundamental concludo e incompleto. De forma geral, os ndices indicam

    para existncia de uma alta evaso e de reteno, e tambm para uma

    necessidade eminente da efetivao da matricula no perodo noturno, fato que,

    como veremos, tem um forte impacto nos nmeros de homicdios observados.

    Tabela 04 Escolaridade das Vtimas Grau de escolaridade

    do adolescente

    2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Bsica 13% 8% 7% 11% 4% 0% 0% 16% 0% 15%

    CEBEJA 0% 0% 0% 0% 0% 8% 4% 0% 0% 8%

    Classe Especial 0% 0% 0% 0% 0% 0% 4% 0% 0% 0%

    Fundamental 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 5% 0% 0%

    Fundamental Incompleto 88% 85% 79% 63% 83% 68% 81% 58% 85% 54%

    Mdio 0% 0% 0% 0% 0% 0% 4% 0% 15% 0%

    Mdio Incompleto 0% 0% 14% 21% 13% 16% 7% 0% 0% 15%

    Superior 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

    NS/NR 0% 8% 0% 5% 0% 8% 0% 21% 0% 8%

    Fonte: Dados da Fundao Nosso Lar organizados pelo autor.

    O nmero de adolescentes mortos que eram matriculados na rede de

    ensino abaixo da mdia do municpio, sinalizando para a importncia da

    escola na diminuio dos crimes. No entanto, acreditamos que seria

    interessante observar a relao ou a proporo dos mortos no matriculados

    com o universo geral da populao que est fora da escola, tal relao poderia

    oferecer dados mais precisos sobre a importncia da escola na vida das

    crianas e adolescentes em situao de risco. Todavia, por meio dos dados

    existentes possvel afirmar que o nmero de vtimas aumenta conforme o

    perodo em que os jovens estudavam. Aqueles matriculados no perodo noturno

    so mais suscetveis a estarem em situao de risco, pois representem o maior

    nmero de jovens vtimas.

    Grfico 02 Turno de Freqncia nas Escolas.

  • Fonte: Fundao Nosso Lar.

    Embora o universo investigado seja composto por menores de idade,

    constata-se uma alta freqncia dos jovens no ensino oferecido a noite. Tal

    constatao abre espao para duas colocaes significativas: 1) nos anos onde

    existe um maior nmero de vtimas matriculadas no perodo diurno visualiza-se

    a diminuio no nmero de homicdios e; 2) os altos ndices de matriculas no

    perodo noturno sinalizam para um problema no fluxo escolar e para uma

    suposta necessidade de conciliao dos estudos com o trabalho. Sobre o

    primeiro aspecto chama a ateno o fato dos anos de 2003, 2008 e 2009 terem

    os ndices de vtimas matriculadas no perodo diurno superior aos demais anos

    e, ao mesmo tempo, apresentarem uma diminuio nos homicdios em relao

    ao momento imediatamente anterior.

    Quanto ao segundo aspecto, os dados disponibilizados demonstram que

    a grande maioria das vtimas freqentava o ensino de 5 a 8 srie, confirmando

    a dificuldade de muitos no avano nos estudos. O fato de estarem fora da idade

    adequada para os respectivos anos letivos talvez justifique o nmero de

    estudantes matriculados no perodo noturno, j que nem todos estavam

    inseridos no mercado de trabalho. Sobre isso, os dados disponibilizados so

    parciais, pois so limitados aos anos posteriores a 2005. No entanto, levando

    em considerao estudos que vem sendo realizados sobre o mercado de

    trabalho local, possvel afirmar a existncia de uma gradativa e lenta

    diminuio da importncia do Paraguai na absoro da fora de trabalho juvenil

    Turno: graf 6

    0,00%

    10,00%

    20,00%

    30,00%

    40,00%

    50,00%

    60,00%

    2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009Ano

    Manha

    Tarde

    Noite

  • na regio. Ao longo da ltima dcada, observa-se um sucessivo aumento na

    intensidade da fiscalizao e no combate ao contrabando e ao descaminho na

    fronteira do Brasil com o Paraguai, inibindo algumas prticas comuns no circuito

    sacoleiro2, como aquelas desempenhadas por laranjas3 e cigarreiros4.

    Historicamente, tais ocupaes sempre foram fundamentais no mercado

    de trabalho na regio das trs fronteiras, assimilando trabalhadores com os mais

    diferentes perfis, mas, principalmente, aqueles com maiores dificuldades de

    acesso ao mercado formal. Assim, muitos jovens encontravam no Paraguai a

    oportunidade de ingressar no mundo dos economicamente produtivos, assim

    como pessoas de maior idade que no conseguiam retornar ao mercado formal

    (Cardin, 2011a). Contudo, isso tudo vem passando por uma rpida

    transformao, basta vermos a maior procura por cursos profissionais oferecidos

    pelas mais diferentes instituies sociais da cidade, o aumento da procura por

    empregos no setor de servios, as mutaes ocorridas no funcionamento do

    circuito sacoleiro ou ento a pouca relao das vtimas e de seus familiares com

    o comrcio estabelecido com o pas vizinho.

    Durante a dcada de 1990 e comeo dos anos 2000 Foz do Iguau se

    apresentava como o corredor principal de trfico e contrabando no Brasil.

    Entretanto, ao longo da ltima dcada, com as mudanas do processo de

    fiscalizao da Polcia e da Receita Federal na fronteira com Ciudad del Este

    vem se observando um diminuio gradativa de prticas ilegais na regio e a

    diminuio da utilizao da fora de trabalho de crianas e adolescentes. Uma

    conseqncia disso a queda dos nmeros que expressam a violncia na

    regio, como tambm da prpria evaso escolar. Por outro lado, se os nmeros

    de Foz do Iguau vm apresentando melhoras, os indicadores das outras

    cidades banhadas pelo Lago de Itaipu e pelo Rio Paran comeam a preocupar.

    2 O termo identifica as relaes entre os diferentes sujeitos sociais responsveis pelo percurso trilhado pelas mercadorias disponibilizadas no mercado paraguaio e que entram no Brasil de forma ilegal. 3 Trabalhadores contratados informalmente para transportar determinada quantia de mercadoria em troca de um valor previamente determinado, que conhecido como cota. Esse servio possui a funo de auxiliar os sacoleiros na travessia dos produtos adquiridos pela Ponte da Amizade e pelos Postos de Fiscalizao da Polcia e da Receita Federal. 4 Trabalhador responsvel exclusivamente pelo transporte de cigarros sobre a Ponte da Amizade.

  • Enquanto Foz do Iguau recebe maior ateno no que diz respeito

    segurana pblica e ao desenvolvimento social, os grupos que atuavam no

    circuito sacoleiro e no circuito mais vinculado ao narcotrfico esto se

    deslocando para outros municpios fronteirios. Neste sentido, observa-se que

    cidades pequenas, com caractersticas rurais, esto apresentando ndices

    significativos de violncia e de evaso escolar. Cidades limtrofes com o

    Paraguai, como Terra Roxa e Guaira, apresentam respectivamente 13,2% e

    11,5% de evaso, nmeros superiores a mdia brasileira, que de 9,5%. O

    fortalecimento dos fluxos de mercadorias entre as cidades brasileiras e

    paraguaias ampliam as possibilidades comerciais e, simultaneamente, a

    necessidade de cooptao de jovens aptos a trabalhar no transporte

    clandestino.

    Neste sentido, observar a participao das vtimas no mercado de

    trabalho tambm algo representativo. Segundo as pessoas que responderam

    os questionrios, 32,6% dos jovens vitimados entre os anos de 2001 e 2010

    trabalhavam, enquanto 67,4% no. Contudo, quando os mesmos entrevistados

    so questionados sobre as atividades realizadas pelos jovens os ndices se

    modificam, passando para 39,4% e 60,6% respectivamente. A justificativa

    encontra-se no fato de alguns dos responsveis pelas vtimas no consideravam

    atividades relacionadas ao contrabando e ao trfico de drogas como trabalho.

    Os anos de 2005 e 2006 apresentam altas taxas de homicdios, 29 e 51

    mortos respectivamente, e tambm os maiores ndices de jovens trabalhadores.

    Por outro lado, a ano de 2007, que teve o maior nmero de jovens vitimados

    (54), apresenta o menor nmero de jovens trabalhando. Entre os 328 mortos no

    perodo estudado, 28 realizavam alguma atividade vinculada ao Paraguai. No

    ano de 2005, dos 18 jovens trabalhadores mortos, 07 atuavam no Paraguai, 06

    destes desempenhavam a funo de laranja. Em 2006, dos 16 mortos 03 eram

    laranja e, em 2007, dos 10 trabalhadores mortos 04 eram laranjas.

    Jogar futebol, beber com os amigos, festar e danar correspondiam as

    atividades de lazer preferidas dos jovens vitimados. 66,7% saiam e andavam

    com grupos de amigos, na grande maioria das vezes vizinhos da rua. 83,17%

    dos responsveis no consideravam o jovem briguento ou "esquentado". O

    aprofundamento das questes com este perfil marcada por um sucessivo

  • aumento das perguntas "sem resposta". Quando questionados se os

    adolescentes davam trabalho para suas famlias, um pouco mais da metade dos

    questionrios foram respondidos, mais precisamente 134, e quanto perguntados

    sobre o "tipo de trabalho" este nmero cai para 58.

    Um pouco mais da metade das vtimas usavam algum tipo de droga,

    36,95% consumiam maconha, 25,89% lcool e 19,42% tabaco, sendo que

    22,97% chegou a fazer algum tipo de tratamento contra o vcio. 14,59% dos

    jovens tinham alguma arma de fogo e 58,82% deles j tiveram algum tipo de

    passagem pela polcia ou pelas instituies de recuperao de menores

    infratores. Tais nmeros expressam distanciamentos entre as respostas, ao

    mesmo tempo em que mais de 80% dos jovens no eram considerados pelos

    responsveis como problemticos, quase 60% deles j tiveram algum tipo de

    problema com a justia, sendo o roubo (27,27%), porte de arma (10,74%) e

    trfico de entorpecentes (9,09%) os delitos mais apontados.

    Os motivos da morte so os mais diversos, mas agrupando as respostas

    nas categorias mais citadas observa-se que 17,76% dos jovens morreram por

    estarem na ocasio do crime envolvido em algum tipo de briga ou conflito sem

    motivos claros, 16,24% foram vtimas de acerto de contas, 15,73% pelo

    envolvimento com drogas, 11,16% em crimes passionais e 6,09% em assaltos.

    Observa-se que as respostas necessariamente no so excludentes. Brigas

    sem motivos claros ou por motivos fteis, acerto de contas e envolvimento com

    drogas podem ser em algumas ocasies fatos co-relacionados.

    A maioria dos entrevistados no sabe informar sobre o autor do crime,

    mais precisamente 35,41%; em 12,5% dos casos os autores morreram; em

    16,66% eles aguardam o julgamento; em 6,94% eles encontram-se presos e; em

    27,77% eles nunca foram encontrados. Tais indicadores explicitam dificuldades

    do sistema policial e judicirio em resolver e aplicar adequadamente as leis nos

    casos de homicdio onde jovens so vitimados. Isso ajuda a entender o fato de

    que 26,42% das famlias das vtimas terem se mudado e de que 39,28% das

    famlias terem se sentido ameaadas aps o incidente.

    Quando os entrevistados foram indagados sobre o que poderia ter sido

    feito para evitar o ocorrido nenhum dos depoentes assinalaram para o aumento

    ou melhoria na segurana pblica. De forma geral as respostas se amarram a

  • trs questes: 1) a vtima deveria ter mudado algum aspecto de sua conduta,

    como, por exemplo, voltado a estudar, a trabalhar, parar de beber, usar drogas,

    etc.; 2) a vtima deveria escutar mais sua famlia e responsveis ou ter ficado

    mais tempo em casa e; 3) ter ficado em sua cidade de origem ou ter ido embora

    de Foz do Iguau.

    As entrevistas realizadas neste estudo e tambm em uma investigao

    anterior (CARDIN, 2011c) indicam que a fronteira internacional se configura

    como uma varivel importante nas prticas sociais dos jovens. A configurao

    das relaes sociais e comerciais existentes, principalmente, na regio da

    fronteira do Brasil com o Paraguai, apresenta-se como um aspecto importante

    para a compreenso do fenmeno de interesse. Em um primeiro lugar ela gera e

    ao mesmo tempo dependente de um conjunto de ocupaes e relaes

    flexveis e muitas vezes precrias que garantem a circulao de pessoas

    mercadorias e capitais. Por fim, ela possibilita e se alimenta de prticas de

    consumo particulares, marcadas por fluidez, pirataria e clandestinidade.

    Uma caracterstica comum das regies de fronteira a circulao de

    pessoas, mercadorias e vivendas derivada das diferenas polticas, econmicas,

    tributarias e sociais existentes entre os pases limtrofes. Em diversas realidades

    observa-se a existncia de um transito originado das diferenas. Pessoas que

    buscam se aproveitar organizando estratgias para utilizar de forma instrumental

    as fronteiras, seja na busca de lazer ou da prpria sobrevivncia. Conforme a

    distncia ou tamanho das diferenas existente entre os pases mais atrativo se

    torna o "cruzamento das fronteiras", como os casos da imigrao ilegal dos

    latino-americanos para os Estados Unidos, dos africanos na Europa e do trfico

    de drogas, armas, animais e mercadorias ilegais nas regies fronteirias.

    Em todos os casos, as prticas surgem de e/ou fomentam redes e grupos

    sociais que visam organizar os mecanismos e estratgias de aproveitamento

    das diferentes conjunturas. So os coiotes, as mfias, os grupos de

    narcotraficantes, os diferentes circuitos sociais, que disputam espao e

    concorrem pelos melhores lugares e canais de circulao na busca da

    ampliao do lucro e dos diferentes fluxos. Quanto mais dependente a economia

    regular de uma cidade for das prticas ilegais e clandestinas, mais as redes e os

  • grupos sociais desenvolvem a capacidade de cooptar os jovens e a populao

    vulnervel.

    O desenvolvimento destes grupos vinculado e altamente dependente da

    relao que eles estabelecem com o Estado e com os demais grupos que

    utilizam e vivenciam a mesma realidade. Nos conflitos e articulaes dos grupos

    com os aparelhos de fiscalizao e represso do Estado e tambm com os

    grupos concorrentes se desenham as paisagens das fronteiras e,

    principalmente, a formas que adquirem o trfico, o contrabando e o descaminho

    nas mais diferentes regies. Os espaos so disputados no sentido de se

    buscar as melhores posies e os esforos so direcionados para a conquista

    ou a construo do monoplio de determinado setor, ramo ou nicho econmico.

    Neste sentido, crimes relacionados ou definidos como acerto de conta,

    execuo sumria, queima de arquivo, tendem a explicitar a disputa de

    posies. Logo, as regies de maior dinamismo nos fluxos e com a maior

    quantidade de atores envolvidos tendem a serem as localidades mais violentas,

    pois so e esto constantemente em disputa. A fronteira de Foz do Iguau com

    Ciudad del Este configura-se como uma regio de grande destaque no Brasil,

    pois possuem as maiores cidades limtrofes dos dois pas, sendo

    representativas econmica e socialmente. Conseqentemente, apresenta

    maiores possibilidades e oportunidades para suas respectivas populaes,

    independente das possveis definies jurdicas ou criminais.

    As formas de interveno do Estado tambm modificam a geografia e a

    organizao dos grupos nas regies de fronteira. Um Estado mais permissivo

    garante a existncia de uma maior quantidade de grupos e de formas de

    utilizao das fronteiras, enquanto um Estado mais repressivo e fiscalizador

    inibe a formao dos grupos e fortalece o estabelecimento ou nascimento de

    monoplios ou, em outros termos, de grupos especficos que controlam de

    forma agressiva determinado o espao econmico e social. Assim, as alteraes

    no modo de ao dos Aparelhos do Estado so acompanhadas de mudanas na

    organizao dos grupos sociais.

    Desta forma, observar a relao entre as cidades limtrofes fundamental

    para desenvolvimento local e para a compreenso das modificaes nos ndices

    de violncia apresentado. Sem embargo, enquanto existia uma alta aderncia

  • do mercado iguauense com o comrcio existentes em Ciudad del Este parte

    significativa da populao tinha sua renda principal vinculada ao circuito

    sacoleiro. As relaes existentes ofereciam inmeras possibilidades de insero

    e sobrevivncia, principalmente durante a dcada de 1990 e comeo do sculo

    XXI. Todavia, com a reorganizao do circuito na ltima dcada, aquela relao

    que era explcita comea a ser mais dissimulada. Gradativamente vai ocorrendo

    um "descolamento" do cotidiano de Foz do Iguau com o comrcio paraguaio e

    uma reorganizao do mercado e das relaes sociais.

    Os anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 representam perodos de adaptao

    da realidade local nova conjunta da trplice fronteira, ou seja, uma

    readequao fiscalizao da Receita, da Polcia Federal e do prprio

    funcionamento do circuito sacoleiro. Uma hiptese para o entendimento da

    diminuio dos crimes contra crianas e adolescentes nos ltimos anos se

    encontra exatamente neste ponto. Acredita-se que ao longo da ltima dcada a

    regio vivenciou e ainda vivencia modificaes na suas organizaes sociais e

    na sua forma de relacionar com as fronteiras, aspecto que interferiu diretamente

    dos nmeros apresentados. Baseando-se exclusivamente nas variveis

    apresentadas, sem realizar uma avaliao mais geral e sem indicar possveis

    elementos que podem interferir nas relaes, mas que neste momento no

    podem ser comprovados, destaca-se a importncia da questo econmica.

    A porcentagem dos jovens inseridos no mercado de trabalho, a

    informalidade das ocupaes tidas pelos pais das vtimas, o nvel de renda das

    famlias que fazem com que a grande maioria delas se considerem pobre ou

    muito pobre, configuram-se como importantes aspectos esclarecedores.

    Enquanto outras variveis disponibilizadas pela pesquisa apresentam grandes

    oscilaes, o nvel de renda e de trabalho homogneo e determinante. ele

    que coloca os jovens em situao de risco, ele que limita o espao de

    manobra e as opes de escolha que os sujeitos podem ter durante suas

    trajetrias de vida. Como no fosse suficiente o processo de empobrecimento

    levar um imenso contingente de pessoas para um constante estado de

    vulnerabilidade, vivemos em um mundo que, cada vez mais, condena a pobreza

    e a criminaliza, promovendo uma verdadeira inverso de valores, onde as

    vtimas se tornam os culpados (Wacquant, 2001).

  • Grfico 03 Nmero de Mortes

    Fonte: Fundao Nosso Lar.

    Observando o Grfico 03, visualiza-se um movimento gradativo de

    ascenso da violncia, que chega em 2007 no seu pice, seguido de uma

    queda significativa. O perodo de crescimento da violncia corresponde ao

    momento de mudana nas formas de atuao e de combate ao contrabando e

    descaminho por parte dos Aparelhos do Estado, um momento de "choque de

    gesto", exigindo uma rpida readequao dos grupos nova realidade,

    respingando nos ndices de violncia da regio. A partir de 2008, observa-se

    uma diminuio paulatina dos nmeros de homicdio em Foz do Iguau, como

    tambm da evaso escolar. Ambos os fenmenos so acompanhados de uma

    maior procura de trabalho na Agncia dos Trabalhadores e no Sistema Nacional

    de Emprego.

    Por outro lado, a violncia e a evaso escolar encontram-se em

    crescimento no restante da extenso da fronteira do Brasil com o Paraguai. A

    ttulo de hiptese, acredita-se que os grupos criminosos que agiam na fronteira

    de Foz do Iguau e Ciudad del Este esto se deslocando para outros pontos da

    fronteira, disputando novos territrios e cooptando nos adolescentes para

    atuarem no transporte de mercadorias, drogas e armas. Explicitamente

    2520 20

    25

    11 12 12

    2

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    Qua

    ntid

    ade

    Ano

    Numero de mortes: graf 1

    Comparativo numero de mortes:Numero de no homicidios Numero de homicidios

    Numero total de mortes

  • constata-se que a diminuio das mortes em Foz do Iguau paralela ao

    aumento nas cidades vizinhas.

    Outro aspecto importante a existncia de uma zona franca em Ciudad

    de Este que oferece mercadorias originais e piratas, legais e ilegais, facilitando o

    acesso e o consumo em uma realidade social marcada pelo consumismo.

    Segundo as entrevistas realizadas com os responsveis dos jovens que foram

    vitimados na ltima dcada em Foz do Iguau, 61,34% da populao

    economicamente ativa no ajudava financeiramente em casa. O dinheiro obtido

    era destinado aquisio de roupas, acessrios e lazer. Algumas entrevistas

    qualitativas realizadas (CARDIN, 2011c) demonstram a importncia do consumo

    na insero e ascenso social.

    Para finalizar, destaca-se que o entendimento da violncia contra os

    jovens perpassa pela observao critica da situao econmica das vtimas, dos

    hbitos de consumo e sociabilidade da populao, da atuao do sistema de

    justia e, por fim, no contexto que envolve realidade investigada, o impacto que

    os dinamismos da fronteira exerce nas prticas sociais adotadas pelos jovens

    que habitam o extremo oeste paranaense. A fronteira e seus conflitos, suas

    oportunidades e possibilidades, geram um universo rico, que agrega elementos

    decisivos na trajetria dos jovens mortos ao longo da ltima dcada.

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