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AS DUAS GLOBALIZAÇÕES

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PUCRS

PONTIFÍCIA

UNIVERSIDADE CATÓLICA

oo R1o GRANDE oo SuL

Chanceler: Dom Dadeus Grings

Reitor: Joaquim Clotet

Vice-Reitor: Evilázio Teixeira

Conselho Editorial: Ana Maria Tramuntlbmios

Antônio Hoh((eldt Dalcidio M. Cláudio

Delcia Enricone Draiton Gonzaga de Souza

Elvo Clemente Jaderson Costa da Costa

Jerônimo Carlos Santos Braga Jorge CamQOS da Costa

J01ge Luis Nicolas Audy (Presiden te) Jurem ir Machado da Silva

Lauro Kopper Filho Lúcia Maria Martins Girq{Ta Luiz Antonio de Assis Brasil

Maria Helena Memw Barreto Abrahiio Marília Gerhardt de Oliveira

Ney Laert Vi/ar Calazans Ricardo Timm de Souza

Urbano Zil/es

EDIPUCRS: Jerônimo Carlos Santos Braga -Diretor

J01ge Campos da Costa - Editor-che(e

~ EDIPUCRS

EDIPUCRS- Av. lpiranga 668 1, prédio 33 Caixa postal 1429 - 90619-900 - Pmto Alegre - RS - Brasil

Fone/Fax: (51) 33320-3523 - www.pucrs.br/edipucrs e-mail: [email protected]

2007

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Edgar Morin

AS DUAS -GLOBALIZAÇOES COMPLEXIDADE E COMUNICAÇÃO

UMA PEDAGOGIA DO PRESENTE

COLEÇÃO COMUNICAÇÃO 13

---------------------"lA~Eorç-kCJ----

~ EDIPUCRS

Joaquim Clotet Juremir Machado da Silva (org.)

Editora Sulino

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©Edgar Morin, Joaquim Clotet e Juremir Machado da Silva, 2001

Capa: Vitor Hugo Turuga Revisão: Patrícia Aragão Projeto gráfico: Daniel Ferreira da Silva Coordenador da coleção: Jurem ir Machado da Silva

Coordenação editorial: Luis Gomes

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO ( CIP)

BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: DENISE MAR I DE ANDRADE SouZA CRB I 0/1204

M958d Morin, Edgar As duas globalizações: complexidade e comunicação, uma

pedagogia do presente I Edgar Morin. Joaquim Clotet e Juremir Machado da Si lva- 3' Edição- Pono Alegre: Sulina, EDIPUCRS, 1007 85 p.

ISBN: 978-85-105-0469-7 (Sulina) ISBN: 978-85-7430-625-4 (EDIPUCRS)

I. Sociologia da comunicação. 2. Filosofia. 3. Jom<:~l i smo. 4. Complexidade- Fi losofia I. CICiei, Joaquim. li. Si lva, Juremir Machado da. II I. Titulo

-----------------------------------------GD~300----------------------

306.4 170

CDU: 070 101 316.77

Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA MERIDIONAL E A EDIPUCRS.

Av. Osvaldo Aranha, 440 cj . 101 Cep: 90035- 190 Porto Alegre-RS Tel: (Oxx51) 33 11-4082 Fax: (Oxx5 1) 3264-4194 www.editorasulina.com.br e-mail: [email protected]

{ Abri l/2007 I

IMPRESSO NO BRASIL/PR!NTED IN BRAZIL

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SUMÁRIO

Apresentação ............................... ............................. 7

Joaquim Clotet Ciência mutilada? .......................... ............................ 9

--~;)'uremir-Machado-da--8ilva,---

Pensar a vida, viver o pensamento ......... .................. 13 Em busca da complexidade esquecida II .............. ... 21

Edgar Morin As duas globalizações: comunicação e complexidade ......... ... ... .. ........... .. ..................... ..... 39 Da entrevista no rádio e na televisão ......... .. ........ ... . 61

Breve relato biográfico ............................................ 81

Obras de Edgar Morin ....................... ............ ... ....... 85

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APRESENTAÇÃO

Este livro, resultado de vários trajetos existenciais e de uma série de relações intelectuais, alcança uma nova edição. Nada mais desejável e instigante. Há sempre um personagem central: Edgar Morin, hoje com 85 anos. Uma situação especial a ser lembrada: a concessão a ele, em 1 o

de setembro de 2000, do título de Doutor Honoris Causa da Pontifícia Universidade Cató-lica do Rio Grande do Sul, por iniciativa da Faculdade de Comunicação Social.

Há também um conjunto de textos e de diálogos que já provaram a sua validade. O atual reitor da PUCRS, Joaquim Clotet, então vice-reitor, saudou o homenagea­do, num artigo publicado no jornal Zero Hora, com uma reflexão sobre a "ciência mutilada". Edgar Morin, em conferência, manteve-se fiel ao seu compromisso com o pensamento aliado à atualidade e abordou, com sua co­nhecida erudição, o tema da globalização. Para este vo­lume, buscou-se também um ensaio de Morin publicado, em junho de 1968, no Jornal do Brasil, sobre a arte da entrevista. Homem de conversação e de dialógica, Mmin sempre apostou no contato como um método e um cami­nho para desvendar os mistétios do homem.

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Edgar Morin é o pensador das interfaces. Nada mais adequado, portanto, do que inseri-lo numa relação de alteridade: o intelectual e seus interlocutores. Da mesma forma, nada mais interessante do que reprodu­zir um documento de valor histórico e metodológico em que o homem do diálogo teoriza, através dos com­plexos mecanismos da entrevista, o momento de encon­tro entre o entrevistador e o entrevistado, ou seja, entre dois atores em cena provisória.

Decidiu-se também incluir aqui o discurso profe­rido em homenagem a Morin durante a cerimônia que o tomou Doutor Honoris Causa da PUCRS. Por fim, um ensaio sobre a complexidade, numa tentativa de comen­tar alguns aspectos relevantes da obra de um pesquisa­dor e teórico que, em razão da influência do seu trabalho, dispensa maiores comentários, mas exige, cada vez mais, interpretação, esse horizonte incontornável da aventura cogitante.

Entrar num corpo de idéias é sempre uma aventura que requer engajamento, esforço, prazer, curiosidade e paixão. Este pequeno volume situa-se, justamente, na en­cruzilhada entre todos esses elementos. Antes de tudo, apre­senta-se como a conseqüência de uma admiração. Esta, porém, não elimina necessariamente o distanciamento para uma nova e mais produtiva aproximação. A admiração pela obra de Morin aparece aqui como uma busca sucessiva de iluminação. Uma admiração que não pára de crescer. Cin­co anos depois de uma cerimônia de afeto e de cultura, os efeitos continuam disseminando-se e este pequeno livro permanece verdadeiro e fundamental.

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Juremir Machado da Silva Março de 2007

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CIÊNCIA MUTILADA?

JOAQUIM CLOTET

REITOR DA PUCRS

A presença do eminente pensador francês Edgar Morin em Porto Alegre tem motivado uma nova apro­ximação à sua vasta produção escrita. O interesse pela sociologia e a política permeia os seus trabalhos e per-

_mite~ s_egundQD_p_rópriD autof~_llma melhor compreen=. são do conhecimento científico. Quem não está admirado do grande poder da ciência em nossos dias? A genética molecular, por exemplo, vem desafiando, entre outros, os padrões tradicionais da reprodução dos seres vivos e da terapêutica humana. No Brasil, afortunadamente, a produção da vacina de DNA contra a tuberculose já está sendo testada em cobaias, prevendo-se não tardar mui­to a sua aplicação em seres humanos. Os potenciais be­nefícios do uso de células-tronco para a produção de tecidos humanos enche de entusiasmo, mas também aler­ta a população, não apenas os cientistas e intelectuais. O estado atual da pesquisa embrionária humana é moti­vo de estudos e debates nos mais diversos foros nacio­nais e internacionais.

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Edgar Morin, felizmente presente entre nós, devi­do à outorga do título de Doutor Honoris Causa por uma das nossas universidades sul-rio-grandenses, está também interessado na biologia e nos seus problemas, pois dedicou um período de estudo e pesquisa no Salk Institute for Biological Studies de San Diego. A ciência e a filosofia se enriquecem mutuamente quando ambas se comunicam. Este tem sido um dos paradigmas deste paladino do Conselho Nacional da Pesquisa Científica (CNRS) e do Centro Internacional de Estudos Bioantropológicos e de Antropologia Fundamental (Ciebaf) que mais tarde passou a ser o Centro Royaumont para a Ciência do Homem na França.

A antropologia do novo século não pode prescin­dir de uma reflexão sobre a biologia molecular. A civili­zação temológica hodierna parece estar conse uindo dominar o cosmos, contudo corre também o risco de prejudicá-lo. Estas reflexões de Edgar Morin, acompa­nhadas de um certo ceticismo e ironia de raiz nitida­mente filosófica, têm um valor extraordinário no dia de hoje. A ciência não é a deusa benfeitora exaltada pela renascença, pelo iluminismo e pelo neopositivismo ló­gico. Ela tem, sim, uma função capital: estar a serviço da humanidade. Isto seria, segundo o novo Doutor Honoris Causa em terras gaúchas, censurado ao mesmo tempo pela sociedade burguesa e pela corrente stalinista em outras décadas, um dos traços do conhecimento ci­entífico, que ele próprio denominou com a sugestiva e apropriada expressão de "ciência com consciência" (1982). Ciência sem consciência é uma realidade muti-

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lada e mutiladora. O progresso científico, os avanços da genética molecular, a experimentação embrionária humana não podem ser realizados à toa. Na medida do possível, a sociedade como um todo, o que infelizmen­te constitui uma aspiração ainda irrealizável em nosso país, assim como em muitos outros, deveria intervir no uso e na prática conscienciosa ou eticamente adequada dos resultados das novas tecnologias em benefício da vida planetária e particularmente da vida humana.

Numa visão social mais ampla e abrangente, sem­pre procurada por Edgar Morin, o progresso científico já alcançado deveria apresentar concomitantemente, aqui, os benefícios da tecnologia e o direito aos serviços de saúde para a classe social mais pobre e esquecida. Cabe aos governos dos diferentes países e Estados, às organi­zaçôes__não~go\'effiamentaiS_(_ONGs) e a toda pessoa cons­ciente do seu exercício da cidadania, o esforço e o compromisso em manter e incentivar uma ciência tecnológica que não seja mutilada nem mutiladora nas suas possíveis aplicações.

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PENSAR A VIDA, VIVER O

PENSAMENTO

JUREMIR MACHADO DA SILVA

DouraR EM SoCIOLOGIA, JORNALISTA E

PROFESSOR FAMECOS/PUCRS

(discurso em homenagem a Edgar Morin, proferido por ocasião da entrega do título de Doutor Honoris Causa, a ele concedido pela PUCRS, por iniciativa da Faculdade de Comunicação Social, em cerimônia realizada em 1 o de setembro de 2000)

Por delegação do Magnífico Senhor Reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e do Conselho Universitário, coube-me fazer a sauda­ção a Edgar Morin neste momento solene em que lhe é atribuído o título de Doutor Honoris Causa desta Uni­versidade. Trata-se para mim de uma honra sem prece­dentes, pois Morin é meu mestre. Mestre na arte de fazer caminhos ao caminhar.

No Regimento Geral da PUCRS, prevê-se a con­cessão do título de Doutor Honoris Causa a personali­dades ilustres que tenham se distingüido por seu notório saber e expressiva contribuição ao desenvolvimento do conhecimento em benefício da humanidade. É exata­mente o caso de Edgar Morin, pensador da complexida­de, do imaginário, da compreensão e de uma sociologia do cotidiano e do presente.

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A parte está no todo, assim como o todo está na parte. Edgar Morin é um pensador hologramático, for­mado na tradição complexa de Pascal. Para ele, a vida está no pensamento que pensa a vida. Fora disso, o rato silvestre não sacode as tapeçarias e nada resta da silente legenda. Eliot ecoava a certeza de que no princípio está o fim e alertava que "todo o nosso conhecimento nos aproxima da ignorância/Toda a nossa ignorância nos avizinha da morte". Morin, cuja reflexão vence a prosa dos dogmas, dialoga com a poesia. Se "as casas vivem e morrem", como denuncia Eliot, o tempo de construir, de viver e de conceber pode ser o mesmo, contrariando as previsões do grande poeta. Mas o mesmo é sempre um múltiplo.

No rastro de Edgar Morin, intelectual, historiador, antropólogo, sociólogo, filósofo, epistemólogo, pensa­dor interdisciplinar, seguem as palavras de outro poeta, poeta de sua predileção: "Caminhante não tem cami­nho ... ". Resistente ao invasor nazista, opositor de pri­meira hora ao stalinismo, humanista por excelência, Morin aprendeu cedo, lendo Rimbaud, que o "eu é um outro". Tomou-se, então, o analista generoso do cine­ma e do homem imaginário, das estrelas e da morte. Sem ressentimento, sem lições a dar, tecendo junto com outros uma leitura sensível, apoiada numa razão aberta, capaz de acender lâmpadas serenas onde outros só en­xergam os fogos da tempestade.

Caminhante pelos caminhos do conhecimento, em busca, como certos gigantes, da "morada do ser", Mo­rin descobriu que o fundamental está na reforma do fa-

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zer científico. Quer, de fato, "tecer junto", de acordo com a origem latina da palavra "complexus". Na sua vasta trajetória dialógica marcada pela publicação de cerca de 30 livros, ele sempre se pautou pela busca da contextualização, do sentido de uma totalidade polissê­mica, movediça, e da inter-relação das peças que for­mam o imenso puzzle das práticas sociais.

Pode, entretanto, um intelectual ser crítico sem anunciar o apocalipse? O francês Edgar Morin, nascido em 1921, aposta que sim. Sem vender ilusões nem uto­pias imutáveis, continua a acreditar que a "renúncia ao melhor dos mundos não significa a renúncia a um mun­do melhor". Quando o elogio da especialização, levado ao extremo, produz separação e ausência de diálogo entre construtores do saber, Morin atreve-se, citando Ernesto Sabato, a pegar a contramão e gritar: "Precisamos de mundiólogos".

Preocupado com temas da Educação, das Ciências Humanas, da Filosofia, da Epistemologia, da mídia, da cultura de massas, Edgar Morin quer comunicar. O c i­entista e o sábio não podem eximir-se do esforço de alcançar a clareza. Tudo é comunicação para Morin. A dialética, contudo, foi substituída pela dialógica, em nome da articulação do simples e do complexo, da or­dem e da desordem, do separável e do não-separável. Conhecer é uma aventura inigualável que leva ao cora­ção do homo sapiens, ludens, demens,faber.

A reforma do pensamento capaz de evoluir da ló­gica clássica à dialógica complexa consiste na supera­ção das especializações estanques que distanciam as

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várias áreas da pesquisa e impedem a conexão essencial entre campos aparentemente destinados ao isolamento. No abandono das certezas teóricas absolutas, operação de contestação do paradigma científico moderno, resi­de a sua maior luta epistemológica. Biodegradáveis, as certezas perecem a cada dia. As teorias nascem e mor­rem. Os verdadeiros pensadores permanecem.

Nem só de verdades científicas alimenta-se o ho­mem. A obra de Morin reconhece o valor da religião, da arte, dos mitos. Não há humanidade sem imaginário. O sonho também move o homem. A utopia só não pode, segundo a expressão tomada de empréstimo a Karl Korsch, tomar-se "reacionária", ou seja, fechar-se à sua própria mudança.

O caminhante, que se orgulha de não pertencer a nenhum grupo ou escola, escolheu o caminho da soli­dão: "É quase instintivamente que, diante de qualquer idéia, busco o seu contrário", diz. A contradição é semi­nal. A exemplo do brasileiro Gilberto Freyre, Morin sabe que a vida é um "equilíbrio de antagonismos". Na caminhada, que se pretendia solitária, muitos se junta­ram ao caminhante, dispostos a partilhar sol e poesia, saber e esperança, fábulas e conhecimento, tolerância e descoberta.

Morin defende a reforma educacional que permita à universidade ocupar lugar decisivo na formação de homens voltados para a liberdade. Deve-se enfrentar todo tipo de conformismo, inclusive o que se pretende inconformista. Depois das modas que anunciaram a mmte do Homem e do Sujeito, M01in continua a professar sua crença na hu-

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manidade, no indivíduo, na sua capacidade de manter-se uno no múltiplo e múltiplo na unidade.

A chegada de um novo milênio não o afastou do compromisso com a transformação: o futuro povoa o imaginário dos homens e cobra projeções que revelam, no mínimo, preocupações legítimas com o bem-estar das gerações do amanhã. Sofre-se no presente a anteci­pação do devir. A humanidade experimenta hoje a de­cadência de um tipo de idéia de futuro. Cabe construir uma nova concepção de porvir passível de acolher uma confluência de sonhos. O amanhã é um rio que corre desde sempre na mente de cada ser banhado pelo sol da igualdade. Morin é um deles.

Fugir do racionalismo para alcançar a racio­nalidade, eis a aposta de Morin. Esse elogio da racionalidade nunca deixa de salientar os limites desse instrumento mágico que possibilita o diálogo com o desconhecido, mas não apresenta respostas para tudo. Sociologia do presente, filosofia da incerteza, episte­mologia da complexidade, teoria do acaso fundador, abertura ao imponderável, anseio radical de elucidação, paixão pelo diálogo, cruzamento de disciplinas, amor pelo saber: a obra de Edgar Morin é um convite à expe­rimentação das dores e das delícias da "imprecisão", no sentido imortalizado pela poesia de Fernando Pessoa, cuja paráfrase moriniana poderia ser: compreender não é preciso, mas muito necessário.

Observador da vida que experimenta e faz, oca­minhante constrói seu olhar, como uma narrativa que descreve o caminho feito pelo prazer de caminhar. Os

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quatro volumes de "O Método", obra-prima de Edgar Morin, ultrapassam os limites da metodologia para con­figurar uma teoria e um imaginário do conhecimento. Essa apologia da compreensão vertiginosa supõe um infindável jogo de posições. A complexidade negocia com a incerteza, não para exorcizá-las, o que é impossí­vel, mas na perspectiva do estabelecimento de pontes provisórias entre o ser que busca e o desconhecido.

A informação, vista como a finalidade suprema deste final de milênio, acaba por esconder ou negligen­ciar o sujeito da troca de signos. Informação para quê? Informação para quem? Os meios de comunicação não podem tomar-se sujeitos de si mesmos. A informação fetiche desconsidera a humanidade dos homens. Sim­plificar não pode mais ser a palavra-chave da mídia.

Tampouco a tarefa primordial do "cientista" se al­terou: transformar o conhecimento em sabedoria. Morin nomeia o "grande paradigma" e aponta os seus males: a vida, com suas paixões e sentimentos, reduzida ao cál­culo, engolida pelo império da racionalização. Na era da informação, a comunicação não pode ser um simula­cro, um fantasma, uma ausência, uma recusa, uma qua­se impossibilidade. Deve ainda, e sempre, manifestar-se o sujeito da contestação, o homem da alteridade, o ser da exclusão.

Intelectual, contudo, para Morin, não são apenas o pesquisador, o professor, o cientista e o escritor; os jornalistas, no sentido amplo da palavra, também o são. Intelectuais que não podem abdicar do prazer e da obri­gação de repudiar o si lêncio. A mídia não pode distan-

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ciar-se da complexidade. A crítica da mídia deve englo­bar a própria mídia. Produtores e produzidos por um imaginário que os envolve, os meios de comunicação, para serem examinados em profundidade, devem ser · submetidos a complexas radiografias à luz do paradigma que os justifica.

Edgar Morin é um amigo das idéias que conserva a força da rebeldia. A complexidade implica afrontar as verdades caseiras, as certezas confortáveis e, por vezes, até mesmo os ideais mais caros e aparentemente gene­rosos. A irreverência sábia vai além dos compromissos ideológicos e significa a exegese de todas as ideologias. Exercício constante de dialógica: colocar em relação o exame dos pressupostos de um projeto, de uma idéia, de uma posição, deslegitima as pretensões universais intemporais e fundamenta a evolução paradigmática. Edgar Morin simboliza o eterno retomo da dúvida.

A Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran­de do Sul honra Edgar Morin com o título de Doutor Honoris Causa. Caro Mestre, somos nós que nos senti­mos honrados com esta distinção para a honra. Seria preciso narrar-lhe o entusiasmo com que nosso reitor, Irmão Norberto Rauch, acolheu nosso projeto. Seria preciso também falar-lhe do belo artigo de nosso vice­reitor, Joaquim Clotet, publicado na Zero Hora, do en­tusiasmo de nossos pró-reitores de Pesquisa e de Graduação, Monsenhor Urbano Zilles e professor Fran­cisco Jardim, de nosso diretor da Faculdade de Comu­nicação, professor Jerônimo Braga, da Faculdade de Letras, professora Solange Medina, da Faculdade de

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Educação, do Serviço de Orientação Pedagógica, Valdemarina Bidone e, enfim, de todo o Conselho Uni­versitário. Todos abraçaram a concessão deste título com alegria. A iniciativa da Faculdade de Comunicação en­controu cedo a acolhida do coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Antonio Hohlfeldt, do vice-diretor da FAMECOS de então, Francisco Menezes, e sempre, com convicção, do professor Jerônimo Braga.

Ao ler a sua obra, caro mestre, não é possível dei­xar de pensar em outros versos de T.S. Eliot: "O tempo presente e o tempo passado/Estão ambos talvez presen­tes no tempo futuro". O senhor, com certeza, já está ins­crito no futuro de nossa instituição.

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EM BUSCA DA COMPLEXIDADE

ESQUECIDA 11* JUREMIR MACHADO DA SILVA

Só se esquece o que nunca se chegou a realmente possuir. O esquecimento do complexo diz mais sobre os mecanismos de produção do saber no mundo mo der­no do que inúmeras obras relativas à natureza desse tema. No esquecimento da complexidade, afirma-se a simpli­ficação que rege procedimentos sofisticados, porém in­completos. A busca do complexo orienta um aventura, nunca uma finalização. Na encruzilhada da memória com a herança, a procura do complexo que suplanta o esquecimento e supera, ainda que provisoriamente, a redução, sempre à espreita, fundamenta uma nova rela­ção do sujeito com o objeto. Nela, tudo é rede.

Todo texto se trai ao cristalizar-se. Assim, o tecido de ontem exige a revisão de hoje. A rede amplia os seus nós, diversifica os seus links, destaca as incorreções, exige esclarecimentos, enfatizao que não está em fase, sublinha a falta de sintonia, cobra o movimento das idéi­as que defendem o movimento. Obra em construção, o ensaio tem sempre uma dimensão de ensaio. Repetição para teste, simula o dito que ainda não foi dito, o qual ,

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ao ser dito, restará imperfeito, logo pedindo novas ver­sões.

Edgar Morin gosta de citar uma passagem de Pascal: "Toutes choses étant causantes, aidées et ai dantes, médiates et immédiates, et toutes s' entretenant par un lien naturel et insensible qui lie les plus eloignées et les plus différentes, je tiens impossible de conna!tre les parties sans conna!tre le tout, non plus que de conna!tre le tout sans conna!tre particulierement les parties".<I> Essa reflexão densa serve-lhe de base para a fundamentação da epistemologia da complexidade. Ex­posições e entrevistas mais longas levam-no quase sem­pre a recorrer a essa chave de seu pensamento.

O pensamento, leia-se na passagem anterior, pos­sui uma chave, mas nunca uma chave definitiva, cate­górica, simplificadora. Abrir significa ampliar as possibilidades de sentido, logo impossibilitar a estação de chegada. Nisso não reside um relativismo absoluto, mas um absoluto desejo de pôr em relação permanente o começo e o fim, o processo e a conclusão, o fazer e o já feito. Morin escolhe à caminhada ao caminho. O método consiste na descrição do caminho percorrido ao longo da caminhada empreendida.

Complexo não é o complicado. Ao contrário, na complexidade abriga-se o simples traduzido de manei­ra profunda. Já se disse que o difícil não é escrever difí­cil, mas escrever fácil. Da mesma forma, o complexo não reside na concepção complicada, nebulosa, obscu­ra, mas na percepção transparente, aberta por um meca­nismo de síntese. O humor tem essa capacidade de

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condensação, ao qual o riso surge como resposta epidérmica ao estímulo da inteligência formulada como provocação. Edgar Morin, por isso mesmo, é um com­plexo pensador da alegria. Alegria de pensar, ainda que as misérias do mundo exijam circunspeção e crítica.

Criticar significa pôr em crise. Um pôr em crise que não deve ser traduzido como viver para a crise. Vive­se de crise, não para a crise, embora pela crise. O pensa­mento simplificador costuma ver na crise uma anomia. Já a perspectiva complexa, holista, encontra na crise um fator de alimentação. A evolução nutre-se de crise, tan­to quanto a crise alimenta-se de evolução e de regres­são. Edgar Morin trabalha, por exemplo, o paradoxo do saber que, ao aprofundar-se, abre as janelas da existên­cia e, ao especializar-se para aprofundar-se, fecha as portas do conhecimento aos que não são especialistas.

O fundamental para ele está na reforma do fazer científico como a ti v idade social e imaginai. Alain Touraine define-o como um intelectual interdisciplinar e incontornável: "Peut-être ne faut-il pas chercher un lieu central dans l'oeuvre d'Edgar Morin, tellement sa richesse et sa séduction viennent de sa capacité de répondre à toutes les grandes interrogations du monde contemporain". (2) Todo ato de conhecimento funciona como uma gestação coletiva. Mas o indivíduo perma­nece um fertilizador indispensável e incontornável.

Intelectual, pois a figura se impõe na discussão, tal qual um fantasma em busca do seu autor, refere-se ao inseminador, o fertilizador que polinizao saber. Não há, contudo, fertilização sem um ato de amor, mesmo

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da natureza, impensado, inconsciente, poético, criati­vo, natural. O complexo transforma a prosa do cotidiano em poesia da vida. Na primeira, o drama devasta o carpe diem. Na segunda, o trágico acentua o viver intensamente o possível, tentando construir o impossível. O intelectual deve ser um problematizador, facilitador e construtor da possibilidade do impossível. Não se trata de mero jogo de palavras, embora jogar com as palavras seja uma delícia intelectual, mas da gestação do ainda não existente.

Para Aonde vai o engajamento do intelectual? Na chamada pós-modernidade, o vácuo das utopias foi subs­tituído pelo vazio das propostas imediatas? No tempo de Jean-Paul Sartre, intelectual engajado, os vendedo­res de certezas encantavam o mundo e afirmavam-se como gênios da reflexão devastadora. Passada a época das utopias racionalistas, que prometiam o paraíso,--mer­gulhadas no irracionalismo metafísico e na arrogância de uma cientificidade insustentável, espalhou-se que não havia mais grandes intelectuais para estudar a comple­xidade da vida. Magnífico erro. Edgar Morin nada deve aos mestres de 30 anos atrás. Vence-os, certamente, em humildade e tolerância.

Morin, porém, não vende ilusões. Homem de sa­ber enciclopédico, tomou-se enfim uma referência no pensamento europeu. Traz no coração e na mente a con­vicção de que "le renoncement au meilleur des mondes n' est nullement le renoncement à un monde meilleur". <3l

De fato, a renúncia ao melhor dos mundos não significa a renúncia a um mundo melhor. Implica, contudo, uma concepção movediça do social e de suas perspectivas.

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O melhor é um lugar que não existe, embora deva sem­pre ser buscado. Mudar não é preciso (em tempos de incerteza), mas é fundamental. Homem comprometido com a justiça social, Morin não cessa de refletir sobre as noções de pátria, nação, universalismo, identidade, ecologia, política, comunidade, etc. Interessa-lhe disse­car os mecanismos para a compreensão da intrincada rede cultural contemporânea. Nessa linha, os fenôme­nos da globalização e do fortalecimento dos nacionalis­mos xenófobos, elementos paradoxais para um mesmo período histórico, encontram finalmente explicação fora das teses redutoras.<4l

Combatente atento das simplificações, Morin en­frenta os procedimentos científicos lineares e enraizados, que recorrem a princípios finalistas mutiladores e à ló­gica binária cartesiana da separação arbitrária dos com­ponentes de um conjunto fenomenológico secular. "Edgar Morin propose d'envisager la culture comme un systeme faisant communiquer; dialectisant une expé­rience existencielle, vécue, et un savoir constitué''. <SJ Toda comunicação, para Morin, funciona a partir de um desejo. Essa falta gera a busca do incompleto, daquilo que não se fechará pelo excesso de presença. Elogio da racionalidade aberta.

Em Meus demônios, obra na qual resume o seu percurso e as idéias obsessivas que o dominaram ao lon­go de uma vida de aventura intelectual, Edgar Morin conta como descobriu, durante a II Guerra Mundial, o marxismo. O encantamento durou pouco. O ser da des­confiança já estava em ação. O marxismo não podia mais

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seduzi-lo por ter-se convertido, segundo a expressão tomada de empréstimo a Karl Korsch, numa "utopia reacionária".<6l As asperezas do percurso underground incentivaram-no a investir na originalidade absoluta. Comelius Castoriadis sintetiza: "L'unité et la singularité de la démarche de Morin découlent d'une intuition pro f onde et vraie de la spécificité de chacune des spheres de l'être en même temps que de leur solidarité indestructible".(7) Singularidade que se expressa na con­versão da verdade profunda em profunda explicitação das suas fragilidades.

O errante descobriu as delícias do extravio e da singularidade: "Je vis sans cesse l'assaut des vérités contraíres, des impératifs contraires".<8l Intelectual, su­gere, A quem através do ensaio, do texto de revista ou do artigo de jornal, com riqueza de informação, trata das grandes questões humanas e explora até as últimas conseqüências a articulação confiança/desconfiança. Os especialistas, costuma repetir com acidez, são, com fre­qüência, homens de saber alheios à dialógica da com­plexidade que não passam de gafanhotos; simpáticos, quando isolados; predadores, em bando. Grande parte das dificuldades que enfrentrou, antes de ser reconheci­do como um pensador de primeira grandeza, são explicadas por sua disposição em atacar os intelectuais: "Je ne respecte pas la loi du milieu".<9l O meio, porém, muitas vezes, não perdoa a divergência, não suporta a discrepância, impõe a "espiral do silêncio" .

O silêncio maior se consuma por excesso de fala, a qual elimina a escuta. Quando todos se comunicam, a

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comunicação toma-se um enorme ruído. De onde a com­plexa noção de subnutrição informativa na era da infor­mação. Tudo circula, nem tudo se assenta. Na aceleração do verbo, imperativa, perde a doçura do tempo parado. Morin está entre os que ainda clamam pela necessidade do tempo perdido, o tempo que se rouba da produção, do utilitarismo, da eficiência, do resultado.

VIVER A IMPRECISÃO

Em 1962, após o período de hospitalização em Nova York, Morin sentiu necessidade de escapar à po­dridão da comunidade intelectual, certo de que um in­divíduo não deve afundar-se na caricatura da própria vida. Conhecedor de manobras corporativas, com as quais nunca concordou, sofreu as perseguições e o re­púdio de uma categoria corroída, na época, pela medio­cridade e soldada em nome do Progresso, do Saber, da Verdade, da Ciência e de outros termos de fundamental importância, mas também de conhecida manipulação. Na contramão de todos os credos científicos, jogou a carta da incerteza em oposição às leis históricas jamais demonstradas, recuperou o risco e o imprevisível como vetores naturais e recusou-se a aceitar o messianismo das esquerdas duras e desejosas de uma linearidade sal­vacionista.

Sempre a complexidade. Sempre a procura do algo mais, da vida na vida, do cruzamento do imaginá1io com a investigação. Necessidade imposta pelo avanço do

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pensamento tecnocrático, pela ameaça dos fanatismos religiosos e pelo esquecimento da dimensão humana do Ser. Para Morin, adversário de todos os totalitarismos, respaldado por sua biografia de resistente ao nazismo, os meios de comunicação de massa e as universidades representam muitas vezes o papel de oponentes vigoro­sos da compreensão profunda dos dilemas sociais. Não se trata de um ataque gratuito ou ideológico à produção crítica acadêmica. Ao contrário. Morin defende a refor­ma educacional que permita à universidade ocupar lu­gar decisivo na formação de homens voltados para a liberdade.

Pesquisador sem tabus temáticos, Edgar Morin debruçou-se sobre os problemas da cultura da massa. A imagem, por exemplo, é um de seus assuntos predile­tos. Michel Maffesoli observa: "Receptáculo dos sonhos, o cinema constitui o elo mágico por excelência, pois sua estrutura, como analisa com pertinência E. Morin, permite o jogo de sombras, do sortilégio, da passivida­de, coisas que, como sabemos, são constitutivas da vida social".0°> Esse espaço do irredutível, do inútil, tem o seu preço. Os intelectuais e cientistas positivistas, em­briagados pelo saber acrítico acumulado, adoram de­nunciar o cretinismo dos meios de comunicação de massa e dos incultos sem jamais admitir que os espíri­tos simples possuem também um saber e a capacidade de participar intensamente de emoções (a imersão num filme, por exemplo) e ainda assim estabelecer a diferen­ça entre ficção e realidade. Os intelectuais, afirma, são alienados, através de uma ideologia abstrata, típica do

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fetichismo moderno, que não podem suportar a aliena­ção dos outros pelas telenovelas ou pelo futebol.< 11

>

Gozar não é estar de acordo. Irônico, Morin sali­enta o essencial: os intelectuais positivistas atacam o conformismo e os estereótipos e esquecem que eles mesmos formam uma subcultura convencional, cheia de estereótipos, conformista e preconceituosa. Além disso, arrogante. Nenhuma moda lhe escapa: estruturalis­tas, marxistas, althusserianos, eliminadores da idéia de Homem e de Sujeito, crentes de toda a sorte, recebem a sua parte. Solitário, Morin sabe que pouco pode contra os representantes da elitização de um saber impotente em relação à complexidade existencial, mas poderoso enquanto mecanismo de dominação.

Maffesoli sustenta que não existem enganados e enganadores, "mas uma atitude global".02> Morin per­segue o ponto de intersecção entre as perspectivas opos­tas, o núcleo indefinível da ambigüidade, a encruzilhada dos inconciliáveis. Caminhada de confronto, segundo as suas próprias palavras, em duas frentes: contra a bai­xa cretinização gerada pela mídia e, na outra ponta, con­tra a alta cretinização alimentada pelos intelectuais prepotentes.<13

> A guerra só poderia ser devastadora. De um lado, a abstração conceitual falsamente elucidativa (os ismos de todos os tipos). De outro, a recusa de teori­as absurdas dando conta da morte do homem e do fim da noção de sujeito. Morin não se dobrou jamais: "J'ai été souvent solitaire parce que je ne pense pas selon les alternati ves et les évidences de la c as te intellectuelle". <

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A luta intelectual de Morin nunca foi, porém, con­tra todos os intelectuais. Esse tipo de generalização seria uma contradição devastadora que não encontra abrigo em sua filosofia de vida. Ser intelectual é, para Morin, como ser cientista, sábio, erudito, algo nobre, essencial, digno de todas as honras. Intelectual é quem pensa o hoje com vistas a um amanhã de compreensão. Intelectual é quem semeia para uma colheita de idéias capaz de saciar a fome de todos, sem nunca, porém, arrogar-se o direito de pen­sar sozinho ou em nome de uma sociedade que lhe con­cedeu tal delegação.

As misérias do Terceiro Mundo, é compreensível, fazem com que a tentação salvacionista reacenda a cada dia o mito, nem sempre confessado, da revolução nos corações inconformados com o capitalismo. Os leitores de Morin perceberão que para ele a construção do pre­sente passa pela descoberta de um novo amanhã e pela ruptura com o projeto nostálgico de recuperação de um passado fracassado. Todo intelectual permanece um so­nhador do social.

Sociólogo de uma era de nebulosa, conforme Fages, Morin descobre que a profunda crise civili­zacional exige uma "sociologie du présent".05l Se a cientificidade não é uma garantia de lucidez política, a racionalidade, sistema aberto às contradições funda­mentais do homem lúdico, produtivo e exposto cons­tantemente à esquizofrenia societal, aparece como a mais elevada forma de conhecimento humano. Ao con­trário da racionalização, fechada e calcificada logicamente, a racionalidade conjuga esforços

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argumenta ti vos, de verificação, de crítica e de autocrítica e, mais do que tudo, rejeita argumentos de autoridade e de sujeição.C16l O postulado de Morin de­clina-se num "penso, logo dialogo".

A METODOLOGIA DO MÉTODO

A obra de Edgar Morin é um instrumento de com­preensão dos paradoxos da era da informação. Os qua­tro volumes de O MétodoC 17l situam com perfeição o intelectual sempre em busca do caminho desconhecido e inovador. J. J. Le Moigne, exímio conhecedor da obra de Edgar Morin, toca o aspecto decisivo: "Une pensée qui sait qu' elle peut relier et que les liens qu' elle cons­truir peuvent former ce prodige de l'esprit qu'est le entendement humain".CIBl Quando a atomização esprei­ta, marca assustadora de sociedades performáticas e es­cravizadas pela burocratização dos saberes e dos poderes, a superação, ainda que sempre parcial, do es­facelamento intelectual pressupõe a valorização do con­junto, da totalidade multidimensional.

Estratégia da desintegração para a reconstrução, a complexidade desmonta a totalidade totalizante, clássi­ca e monolítica, com a preocupação teórica de estabele­cer uma nova totalidade aberta, circular, precária e em permanente intercâmbio com as suas partes. Morin está muito longe de ser um apologista da fragmentação cate­górica ou das virtudes da ausência da finalidade. Os finalismos deterministas, porém, não o convencem na

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medida em que ele questiona a própria finalidade da finalidade. Tudo o que concorre para a realização da vida não pode desviar-se da pergunta sobre a finalidade última do vi ver.

O grande perigo da obsessão finalista perversa está em que "cette rationalisation finalitaire devient symé­trique à 1' ancienne causalité élémentaire, car, comme elle, elle chasse 1' incertitude et la complexité". Não se deve esperar da complexidade, enquanto meio de en­tender os fenômenos, uma arma para enfim eliminar a incerteza, descobrir os verdadeiros fins e estabelecer sem margem de erro a trama precisa dos objetos. A informa­ção, vista como a finalidade suprema deste final de mi­lênio, acaba por esconder ou negligenciar o sujeito da troca de signos. Informação para quê? Informação para quem? Os meios de comunicação tomaram-se sujeitos de si mesmos. A informação fetiche desconsidera a hu­manidade dos homens. Simplificar é a palavra-chave da mídia.

"Ainsi l'idée de finalité s'impose. Mais il faut non seulement tempérer 1' enthousiasme piagétien: il faut relativiser et relationner l'idée de finalité".0 9l Morin não é o único a enfrentar as distorções da cientificidade moderna. O "Grupo dos 10", formado entre outros por Jacques Robin, Henri Atlan, Jacques Attali, Henri Laborit, Michel Serres, Joel de Rosnay e, claro, Morin, empreendeu nos anos 1960 uma cruzada contra o cartesianismo. Rosnay destaca a importância da "sepa­ração" cartesiana na edificação do esplendor científico atual, mas socorre-se de Morin para enfatizar que a in-

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teligência parcelada, fruto do fracionamento dos pro­blemas, resultou no estilhaçamento da complexidade do mundo.

Implodir a fortaleza das verdades consumadas con­tinua a ser o maior desafio dos adeptos de uma nova visão sistêmica: "Indispensable pour fonder la science, la démarche analytique ne suffit plus pour expliquer la dynamique et l'évolution des systemes complexes, les rétroactions, les équilibres, 1' accroissement de la di versité ou 1' auto-organisation. Il était donc nécessaire qu' émergent de nou velles méthodologies d' organisation des connaissances face à la complexité du monde".<20l

Caos e auto-organização entrelaçam-se. A ordem nasce da desordem. A desordem origina-se na ordem. Ordem e desordem geram o irreconhecível, o imprevisível. Nenhuma síntese acabada é possível.

Tomar, portanto, as ciências da complexidade como portadoras da salvação remete ao passado e trai a lógica desses aportes plenos de inconformismo. A com­plexidade só permanece complexa na medida em que reconhece os seus limites e rejeita a burocratização. O Método é um grito contra as tentações tecnocráticas do "metodologismo": "La stérilité menace tout travail qui ne cesse pas de proclamer sa volonté de méthode".<2 tl

Edgar Morin conhece o valor do método, o que, de res­to, não seria razoável contestar, nas difíceis veredas da pesquisa científica. No entanto, a exemplo de Paul Feyerabend, entende que "a ciência é um empreen­dimento essencialmente anárquico: o anarquismo teo­rético é mais humanitário e mais suscetível de estimular

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o progresso do que as suas alternativas representadas por ordem e lei".<22>

O mundo confunde-se com os seus mitos. A ciên­cia, altar da razão, mistura-se com as suas fantasias. Morin e Feyerabend foram longe nas denúncias contra a barbárie do conhecimento tecnocrático. A tarefa pri­mordial do "cientista" não se alterou: transformar o co­nhecimento em sabedoria. Urge quebrar a arrogância dos metadiscursos, fomentar a interpenetração dos cam­pos de investigação, relativizar o alcance de certas des­cobertas, estimular a curiosidade pura, acionar a máquina da desconfiança, multiplicar as perguntas, sonhar sem­pre com novas verdades, combater as velhas verdades injustas, etc .

Na era da comunicação a informação é quase uma impossibilidade: "La techno-science se forme, se rarnifie, s'institutionnalise dans les universités, puis les entrepri­ses industrielles, puis l'État. En deux siecles, elle passe de la périphérie au coeur de la sociéte".<23> Onde pode ainda se exprimir o ser instado a tudo dizer? Em que esferas pode ainda se elevar o discurso do tribuno do nada, a voz do excluído, a frase do poeta maldito, a música dos "homens sem qualidades"?

Mesmo que as brechas sejam mínimas, Morin não as despreza. Os intelectuais, os formadores de opinião, preci­sam retomar o trabalho de discussão. Forjar idéias é fundar universos dialógicos. A dialógica não existe sem pluralismo, sem desvio, sem contestação, sem contra-in­formação, sem comunicação de sentimentos. A nmmali­zação, expressão máxima do conformismo, paralisa os

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intelectuais, arranca-lhes a originalidade, tira-lhes a auto­nomia, impede-os de pensar por conta própria. Tudo é pre­visto, das palavras permitidas às teorias defensáveis:

"Aussi peut-on voir, dans les hautes spheres inte­llectuelles universitaires, des exemples superbes de con­formisme, qui n'y sont reconnus qu'apres quelques générations"<24l. Intelectuais que há muito abdicaram do prazer e da obrigação de repudiar o conformismo. A mídia quer distância da complexidade. A simplificação é mais rentável. Edgar Morin não deve ser entendido como o inimigo dos intelectuais. Verdadeiro amigo das idéias, conserva a força da irreverência. A complexida­de implica afrontar as verdades caseiras, as certezas con­fortáveis e, por vezes, até mesmo os ideais mais caros e aparentemente generosos. A irreverência epistemológica vai além dos compromissos ideológicos e significa a exegese de todas as ideologias.

Ao contrário dos que trocam de posição para sus­tentar as mesmas atitudes, Edgar Morin nunca se con­verteu no oposto de si mesmo. Não lhe parece que a vida seja um retrato em preto e branco, tampouco uma querela ideológica circunscrita ao lugar de cada um na esfera produtiva. Direita e esquerda permanecem no­ções de referência, embora topográficas, matizadas por novos conteúdos. No essencial, claro, a esquerda conti­nua a centralizar a crítica da exclusão, enquanto a direi­ta encama o conservadorismo. No entanto, Morin mostra o quanto pode haver de direitismo na esquerda e de anticonservadorismo na direita. Nenhuma posição está isenta do que a nega e compromete.

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A barbárie habita o coração da civilização. A fra­se, mesmo apocalíptica, esconde uma interpelação ne­cessária. O bárbaro não é o outro, a alteridade, o exterior, o estrangeiro. Civilizado, a não ser numa concepção etnocêntrica, não pode ser quem designa a diferença como barbárie. Pensar o outro na sua especificidade re­clama a relativização do sujeito da enunciação. O outro não é o eu com outras vestes, mas um outro integral, cujo pensamento pensa aquele que o pensa com outras categorias. Da transfiguração do eu em outro nasce a descoberta da particularidade do próximo, num proces­so de estranhamento capaz de tirar o véu do familiar e o medo do estranho.

As teorias precisam do estranho para crescer. Aber­tas, bebem na diferença a seiva que as revitaliza. So-

----tmnen te-as-d-eu t-r-i-nas---teme-ID:---6-contra ~a-rgu-ms a-te, a contestação, a disparidade. Fechadas, escondem o con­traditório, sufocam o complexo, asfixiam a liberdade de expressão. O teórico nunca faz parte de uma seita. Coletor de dados que confirmem ou neguem as suas idéi­as, aplaude o novo, sempre em busca das aproximações sucessivas da verdade.

Pensar é algo que se pensa num estado permanen­te de pensamento. No pensar existem palavras num jogo infinito de articulações sinuosas. O pensamento, às ve­zes, pensa o pensador que pensa pensá-lo. Feito um do­mador de verbos selvagens, o pensador retoma a cada dia a labuta do adestrador de vertigens. A complexida­de é uma atriz extraordinária que encama todos os pa­péis ao mesmo tempo. Tão rica e poderosa que pode

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apresentar-se sob as vestes de uma camponesa. Edgar Morin, porém, não é um pastor. Apenas um semeador satisfeito com a semeadura.

NoTAs

* As primeiras versões deste texto foram publicadas em Castro, Gustavo, Carvalho, Edgar de Assis e Almeida, Maria da Conceição (orgs.), Ensaios de complexidade, Porto Alegre, Sulina/EDUFRN, 1997.

<'> MORIN, Edgar. La méthode 1. la nature de la nature, Paris, Seuil, 1977, p. 7.

<21 TOURAINE, A. "Edgar Morin et les chances de la liberté''. In: Les jardins de la connaissance, Paris, Université Euro-arabe Itinérante, n° 2, outubro de 1995, p. 29.

<J> MORIN, Edgar. "La pensée socialiste en ruine". In: Le Monde, Pa­ris, 2110411993, p. 2. Nesse artigo extraordinário, Morin lembra que para Marx: "la science apportait la certitude", sendo o mundo determinista; de resto "ni I' imaginaire-ni le-mythe ne fai.saient par:tie­de la réalité humaine profonde". Em oposição a isso, Edgar Morin sustenta que não se pode "opposer un futur radieux à un passé de servitudes et de superstitions. Toutes les cultures ont leurs vertus , leurs expériences, leurs sagesses, en même temps que leurs carences et leurs ignorances".

<41 Ver MORIN, Edgar. Terra-pátria, Porto Alegre, Sulina, 1995. Uma das epígrafes do livro, colhida na obra do escritor Ernesto Sabato, já diz muito sobre a maneira de pensar de Morin: "Precisamos de mundiólogos" (p. 5).

<SI F AGES, J. B. Comprendre Edgar Morin, Paris , Privat, 1980, p. 159. ' 61 MORIN, Edgar. Mes démons, Paris, Stock, 1994, p. 246. 01 CASTORIADIS , Cornelius. "Morin !e cheminant". In: Les jardins

de la connaissance, op. cit ... , p. 39. . <B> MORIN, Edgar. Mes démons, op. cit .. . , p. 83. '91 Idem, p. 96.

<' 01 MAFFESOLI, Michel. A conquista do presente, Rio de Janeiro, Rocco, 1984, p. 65 .

'" 1 MORIN, Edgar. Mes démons, op. cit .. . , p. 263-264. ' ' 21 MAFFESOLI, M. A conquista do presente, op. cit ... , p.llü. "

31 MORIN, Edgar. Mes démons, op. cit ... , p. 21 7. ""

1 Idem, p. 258.

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<15> FAGES, J. B., Comprendre Edgar Morin, op. cit ... , p.123. <16

> Sobre esse aspecto, ver. MACHADO DA SILVA, Juremir. "Entretien avec Edgar Morin, penseur de la complexité". In: Les jardins de la connaissance, op. cit .. , p. 22-27.

<17> Ver MORIN, Edgar. La méthode 1; la nature de la nature, Paris,

Seuil, 1997, v. t. _.La méthode 2; La vie de la vie, Paris, Seuil, 1980, vol II. _.La méthode 3; la connaissance de la connaissance, Paris , Seuil, 1986, v. III. _. La méthode 4; les idées, leur habitat, leur vie, leurs moeurs, leur organisation, Paris, Seuil, 1991, v. IV

<18> LE MOIGNE, J.J., "Une pensée qui relie ... ". In: Les jardins de la connaissance, op. cit .. , p. 34.

<19> Idem, p. 267.

<20> ROSNA Y, J oel de. L' homme symbiotique; regard sur le troisieme

millénaire, Paris, Seuit, 1995, p. 37-38. <21

> BARTHES,Roland, apud JEANNENAY, Jean-Noel. Une histoire des médias; des origines à nosjours, Paris , Seuil, 1996, p. 9.

<22> FEYERABEND, Paul. Contra o método, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977, p. 17.

<23> MORIN, Edgar. La méthode; les idées, leur habitat, leur vie, leurs moeurs, leu r organisation, op. cit .. , p. 228.

--------~24~Idem, -~. ~-------------------------------------

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ÁS DUAS GLOBALIZAÇÕES:

COMUNICAÇÃO E COMPLEXIDADE

EDGAR MüRIN

O que chamamos de globalização hoje em dia é o resultado no momento atual de um processo que se ini­ciou com a conquista das Américas e a expansão dominadora do ocidente europeu sobre o planeta. A pri­meira modernização no princípio do século XVI é a globalização dos micróbios, porque os micróbios euro­peus, como a tuberculose e outras enfermidades chega­ram às Américas ao longo dos anos. Porém, os micróbios americanos, como os da sífilis, chegaram à Europa. Esta é a primeira unificação mundial danosa para todos.

Entretanto o dano principal foi para os con­quistados. Podemos dizer que há um processo com múltiplos eixos, porém de onde podemos tirar dois ei­xos principais. Dois processos principais e ao mesmo tempo antagônicos. Primeiro, o da escravização das populações conquistadas, a dos negros que foram trans­portados para as Américas e a dos povos colonizados. A dominação da Europa ocidental no século XIX é sobre­tudo uma dominação da Inglaterra na Índia, na Ásia, no Canadá, em vários pontos do Globo.

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Essa dominação começa a mudar com o século XX. Este é um século de globalização e nesse senti­do pudemos viver duas guerras mundiais, que come­çam no solo da Europa e se expandem e influenciam todo o planeta. Depois da última guerra mundial co­meça o processo de descolonização ou a emancipa­ção relativa dos povos dominados. E, ao final dos últimos dez anos, com a derrubada do Muro de Berlim e o fracasso do império soviético, tem-se a hegemonia, sobretudo a partir do centro norte-americano, do mer­cado mundial, com a dominação tecnológica e eco­nômica do Ocidente.

A segunda globalização, que é o negativo da pri­meira, é uma globalização minoritária. Começa no pró­prio coração das nações dominadoras. Primeiro com a concepção de Bartolomeu de las Casas, padre espanhol que provocou uma controvérsia, uma disputa teológica, ao dizer que os índios das Américas eram humanos como os ocidentais e que tinham uma alma, Quase ao mesmo tempo Montaigne tem a mesma idéia, de que se devia considerar todas as culturas e civilizações não unica­mente como inferiores em relação à ocidental, mas como também tendo suas virtudes e suas qualidades.

Também acontece como que uma autocrítica minoritária. Por exemplo, Montesquieu, escritor fran­cês do princípio do século XVIII, escreve as Cartas Persas, imaginando um persa que vai a Paris e conside­ra como um antropólogo os costumes dos franceses, vis­tos como uma população exótica. Este momento de autocrítica, de relativização de si mesmo culmina no

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século XX com as concepções do antropólogo francês Lévi-Strauss. Ele disse que as culturas pequenas, mais antigas, chamadas primitivas, têm virtudes e qualidades humanas.

Esta é uma coisa muito importante porque desco­brimos que havia conhecimentos que não conhecemos, conhecimentos sobre as qualidades de plantas e animais, como muito bem sabem algumas populações indígenas da Amazônia. Agora se faz nas faculdades pesquisas e cursos de etnofarmacologia, da farmacologia dessas populações. Considera-se que o modo de curar dos xamãs não é unicamente ilusão, mas prática psicos­somática de curar enfermidades. Considera-se também que os analfabetos não são pessoas sem cultura, mas que têm a cultura oral, tradicional, velha, muito antiga, como também sábia. Cada cultura tem verdades, conhe­cimentos, sabedoria, como também ilusões, equívocos.

Então, esse movimento da segunda globalização que tende a considerar com respeito e atenção os outros continua com as idéias dos direitos humanos, que a re­volução francesa havia difundido, com as idéias do humanismo, com as idéias antiescravagistas - que pro­vocaram no final do século passado a abolição da escra­vatura, com uma guerra civil como foi nos Estados Unidos- e com a reação dos intemacionalismos do sé­culo passado e início deste.

Em todos estes fenômenos, do final do século XX até hoje, há uma coisa nova: são as manifestações da cidadania planetária, que aparecem nas várias asso­ciações de médicos sem fronteiras, que vão curar gente

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de todas as religiões, de todas as opiniões, nas asso­ciações como a Anistia Internacional, que em todos os países denunciam as torturas e o descumprimento dos direitos humanos.

Também nos países ocidentais há Survival International, que defende as diferenças das pequenas nações, como na África e nas Américas, mas também na Ásia e em outros lugares; Greenpeace e a proble­mática da auto-salvação, da salvaguarda da nossa biosfera, que é vital, é também uma associação planetá­ria. Há fenômenos de mestiçagem, que não são fenô­menos de homogeneização, mas de criação de nova diversidade, como o demonstra muito bem a civiliza­ção brasileira, em que sínteses culturais fazem seus in­tercâmbios.

Podemos ver os dois eixos. Não há uma única globalização (ou modernização?), mas duas que são li­gadas e antagônicas. E há fenômenos quase ambivalentes, como o desenvolvimento das comuni­cações. Por que ambivalentes? Porque o desenvolvi­mento das comunicações, sobretudo nos últimos anos, com o fax, o telefone celular, internet, a comunicação instantânea em todos os pontos do planeta, é um fenô­meno notável no sentido que pode ter efeitos muito po­sitivos , que permitam comunicar, entender e intercambiar informações.

Mas não devemos confundir comunicação e com­preensão, porque a comunicação é comunicação de in­formação às pessoas ou grupos que podem entender o que significa a informação. Mas a compreensão é um

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fenômeno que mobiliza os poderes subjetivos de sim­patia para entender uma pessoa como uma pessoa que é também sujeito. Por exemplo, se eu vejo uma pessoa chorando. Como explicar? Devo fazer uma investiga­ção para chegar à explicação.

Eu posso pegar algumas lágrimas e fazer uma aná­lise química. Mas a análise química das lágrimas não vai dar o resultado do que significam as lágrimas. Pre­cisa-se mobilizar a compreensão. Se me recordo de quando estou sofrendo. Se tenho este fenômeno de sim­patia para entender esse sofrimento, isso gera a com­preensão. Então, estamos num planeta de tantas comunicações e pouca compreensão. Não unicamente pouca compreensão de uma parte do globo a outra parte do globo. Podemos ver que em uma mesma família, em uma mesma igreja, em uma mesma faculdade há muita incompreensão de pessoa a pessoa, que não vê que tem do outro uma visão pejorativa. Há filhos que não entendem os pais e pais que não entendem os fi­lhos. Tudo isso é um problema. Há um problema fun­damental no mundo da comunicação: não basta multiplicar as formas de comunicação, também é pre­ciso a compreensão.

E também vemos outro fenômeno que podemos chamar de ambivalente, que pode ter vários aspectos: é o princípio nacional. Na história humana se inserem ci­dades, impérios, mas o fenômeno nacional é um fenô­meno que vem da Idade Média, na Europa. Significa um poder que pode unificar etnias diversas e transformá­las em regiões. É um processo de séculos, com o

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desenvolvimeto de uma administração com leis comuns, língua comum.

Mas a nação necessita para a concretização uma coisa maior que uma organização estatal. Necessita do que podemos chamar um mito fundamental. Mito, di­gamos no sentido que podemos elucidar quando consi­deramos a palavra pátria. Vejam a palavra pátria. Começa com Pa, de padre, paternal. E se acaba com Tria, femi­nino, maternal. Nós dizemos mãe pátria. Eu diria que na pátria há uma substância maternal de amor e há uma substância paternal. Esta é a autoridade do Estado ao qual devemos obedecer.

Isto significa que há cidadãos e cidadãs de uma pátria, que não têm nenhuma relação familiar e genéti­ca, têm um sentido em momentos importantes, quando há uma ameaça à pátria, como se fossem irmãos. É o que dizem as primeiras palavras da Marselhesa: "Em frente, filhos da pátria ... ".

Neste sentido de comunidade há uma pátria e não uma nação, no sentido integral. Podemos dizer que as nações do Ocidente têm dominado o mundo. Mas a emancipação do mundo se faz com a apropriação pelos dominados das idéias que levam ao interior do Ociden­te e não ao exterior.

Por exemplo, na Inglaterra gerou-se um modelo de democracia e de direitos humanos durante os séculos XVIII e XIX, mas não havia democracia nas colônias inglesas. Os colonizados utilizam as idéias de liberda­de, emancipação, direitos dos povos e nação. É por esta razão que ocorreu a multiplicação das nações. Primeiro

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na Europa, porque na Europa havia impérios como o otomano, austro-húngaro, czarista.

A luta pela emancipação se deu com a constitui­ção de novas nações. Nas Américas, começou nos Esta­dos Unidos e, no século XIX, a emancipação das nações da América Latina. Entretanto, no final da 11 Guerra Mundial é um fenômeno geral, por todo o planeta. Di­gamos que o fim do colonialismo é a constituição de novas nações. Fenômeno positivo porque sabemos que a nação é um quadro de civilização. Mas também um fenômeno negativo porque nesta época de globalização, em que há problemas tão graves, o poder absoluto das nações concentra, como os Estados Unidos, toda deci­são importante.

Também sabemos que na França temos duas pala­vras: patriotismo e nacionalismo. Falar em patriotismo significa um amor justificado pela pátria. Nacionalismo significa, ao contrário, um orgulho com desprezo pelos outros, uma hostilidade, uma agressividade. Há os fe­nômenos nacionais. O pior é o nacionalismo, a agres­são contra os outros. O melhor, o patriotismo.

Quando vemos esses fenômenos, vemos um pou­co sua complexidade. Não basta ver direito. A complexi­dade é cada vez uma cumplicidade de desconstrução e de criação, de transformação do todo sobre as partes e das partes sobre o todo. Há influência do todo sobre as partes e das partes sobre o todo. Tomemos os casos das guerras do Iraque, da Bósnia, problemas do Oriente Médio, fenômenos locais, de pequena importância mun­dial e que provocam a intervenção da maioria das po-

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tências . O mundo atual não se pode conceber como um sistema organizado, racional. É um caos, é uma verti­gem em movimento. É muito difícil de entender o que se passa. É exatamente como disse Ortega y Gasset: "Não sabemos o que passa. E é isso que se passa".

Esta dificuldade de entender o mundo é uma coisa muito angustiante porque quanto mais estamos nesta possessão do mundo sobre nós menos somos capaz de entendê-lo e de atuar. Ademais, devemos dizer que o mundo se encontra cada vez mais uno e cada vez mais particularizado, digamos, cortado em pedaços. Uno no sentido de que cada parte do mundo faz parte cada vez mais do mundo em sua globalidade. E que o mundo em sua globalidade encontra-se dentro de cada parte.

Isto vale também para os indivíduos. Tomemos um europeu médio. De manhã, liga seu rádio japonês, toma café da América Latina, põe a camisa de algodão da Índia, uma calça de lã da Austrália, uma carteira de rép­til africano. TemrumdaMartinica, tequilamexicana, saquê e talvez cachaça brasileira. Escuta sinfonia alemã, com a direção de um maestro coreano ou japonês. Nas misérias das favelas africanas, asiáticas e da América Latina tam­bém há presença do mercado mundial, porque é o merca­do que afeta o custo do cacau, do açucar, do café.

Isso determina fenômenos negativos que punem os povos. Na Áflica, por exemplo, a monocultura in­dustrial toma o lugar dos camponeses, que se trans­formam em suburbanos, buscando trabalho, domicílio, utilizando instrumentos de alumínio, de plástico, que bebem cerveja e coca-cola, que aspiram a uma vida de

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bem-estar que pode ser vista na publicidade do Ociden­te. São objetos do mercado mundial, mas também sujei­tos do Estado criado sobre um modelo ocidental, mas nem por isso democrático. Assim, cada ser humano, rico, pobre, do sul, do norte, do leste ou oeste, tem sua singularidade mesmo no planeta inteiro. Falo também de um mundo cada vez mais uno, com esses fenômenos das comunicações, mas cada vez mais cortado em pe­daços. Há uma conexão entre estes dois fenômenos an­tagônicos. Primeiro porque o desenvolvimento da multiplicação dos Estados nacionais fecha-se demais em s1 mesmo.

Nesse fenômeno há duas motivações fortes: há a vontade de manter a continuidade da identidade ances­tral dos pais e esta necessita rechaçar os processos de homogeneização que vêm do Ocidente, como o proces­so civilizacional que faz desaparecer as línguas, os mo­dos tradicionais de dançar, de comer, de outros. Há a resistência que vem nos momentos em que se tem medo de perdê-las. Esta vem dos velhos, mas sobretudo dos jovens que querem continuar fiéis às tradições.

Outro fator é que estamos numa situação de per­dição do porvir, do futuro, porque o mundo vi via com a ilusão de que o progresso é uma necessidade histórica, determinada, de que os progressos técnico, mecânico, industrial levavam ao progresso humano, ao bem-estar da compreensão. E havia a idéia de um futuro muito bom, ideal, não unicamente no mundo soviético, com o futuro radioso, o porvir feliz, mas também um ideal no mundo ocidental de desenvolvimento, de democracia,

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de técnica industrial. Hoje em dia se vê que não há o futuro feliz. Há a incerteza sobre o futuro. Estamos como em uma navegação na noite e na neblina.

Quando se perde o futuro, o porvir, e se percebe que o presente é de angústia, de incerteza, então no que se pode segurar? É no passado, é o movimento ao passado, buscar as verdades no passado e não mais a verdade de futuro. E nessa situação há a ressurreição da força virulenta de muitas religiões em conexão com os nacionalismos agressivos. Há conflito entre as reli­giões. Entre laicismo e religião, modernização e tradi­ção, democracia e ditadura, ricos e pobres, jovens e velhos, países velhos e jovens.

Ainda mais quando os interesses das grandes po­tências estabelecem zonas específicas no globo, como o Gfiente Méàie, onde há o choqu~de todos os antago­nismos mundiais, concentração de dificuldades de ne­gociar, enfim de finalizar o acordo de independência dos palestinos. É uma situação tão grave porque não se tem todavia as possibilidades de pensar o contexto e o global porque isto vem do mundo da educação sistema­tizada pelo ocidente que tem permitido um grande de­senvolvimento científico. Mas com a hiperespecialização das disciplinas, os projetos são concebidos fora dos con­textos. Por exemplo, quando houve no Egito a decisão do coronel Nasser de fazer a barragem do Canal de Suez, do ponto de vista técnico, era uma necessidade de ener­gia elétrica para as populações e também de regular o curso do rio Nilo. Sem considerar o contexto social e humano, a batTagem impediu o assentamento do húmus

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fertilizante. A perda de grande parte do húmus fertili­zante, que a cada ano fazia a refertilização do vale do Nilo, comprometeu as colheitas de trigo, dos alimentos, dos vegetais que nutriam os camponeses egípcios. A barragem também impediu a pesca no vale baixo do rio, ocasionando a falta de alimentação aos camponeses.

Houve uma migração massiva dos camponeses, tomando as cidades gigantes. Aumentou a miséria, com gente vivendo nos túmulos dos cemitérios. Também devemos considerar que a extensão de terra afetada pe­las inundações não era tão ruim, pois durante dois, três anos, permitia a ampliação das zonas de cultura de trigo e outros vegetais. Ademais hoje em dia vemos que o peso dos fertilizantes sobre a barragem é um perigo. Para todos os peritos, há problemas.

Não s-eu engenheiro,-não posso dizer o que--f-azer. A única coisa que se pode saber é que é necessário con­ceber, quando se faz um projeto técnico, as conse­qüências humanas e sociais. Este foi o equívoco gigante da União Soviética que fez várias coisas desastrosas para ela própria. É preciso contextualizar e não apenas globalizar. Conceber não unicamente as partes, mas o todo. Esta é a razão pela qual somos cada vez mais in­capazes de pensar o planeta. Realmente, temos a neces­sidade do que chamo uma reforma do pensamento e da educação, que permita desenvolver o mundo de conhe­cimento, através das relações e dos contatos globais.

No caos atual do mundo vemos que há três ou qua­tro motores associados que fazem com que a nave espa­cial seja hoje em dia um Titanic voador. Estes motores

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são a ciência, a técnica e a economia. Havia um motor muito importante, o Estado. Basta pensar na energia atô­mica: foram os Estados Unidos que permitiram o de­senvolvimento da indústria atômica. Não significa que a utilização principal da energia atômica seja para bom­bas. Hoje em dia a ciência vale sobretudo para o desen­volvimento da nova biologia, na conexão máxima das pesquisas biológicas, nas técnicas de intervenção e manipulação e no comércio e na indústria de consumo.

Por esta razão é mais difícil poder intervir nesses assuntos. A ciência, que foi um fenômeno muito margi­nal no princípio do século XVII, hoje é uma coisa cen­tral, não unicamente em cada sociedade, mas no porvir de todas as sociedades. A ciência, a técnica, a economia e o Estado são as forças. Temos hoje os perigos funda­mentaisaa ciênciaâo conhecimento. O perígnliífl:lc;s­truição dos humanos com as bombas atômicas, que têm uma difusão muito grande. Não basta pensar que não há mais a Guerra Fria. Pode-se pensar na existência das guerras quentes em muitas partes do mundo.

Há o problema da biosfera, decorrente do desen­volvimento por si mesmo. Assim, não podemos pensar que tudo que significa desenvolvimento e técnica tem que ser bom. É ambivalente. Esta idéia de ambivalência é mui­to difícil de entender porque muito do pensamento que te­mos é um modo de pensamento que quer a resposta, visão simples: bom ou mal. Há os que dizem ser a ciência muito boa - "vejam a medicina, as coisas úteis, a salvação dos doentes". Há os outros que dizem ser muito má, por causa do poder de destruição, de manipulação.

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Por que esta dificuldade de unir duas noções tão contraditórias? Temos na história do pensamento oci­dental uma tradição que passa por Heráclito, por Pascal, Hegel, Marx e outros, Lupasco, que diz que duas verda­des contraditórias podem valer ao mesmo tempo. Pascal disse que o contrário de uma verdade não é um erro, é outra verdade. É o mesmo que dizia o grande físico Bohr, um dos pais da rnicrofísica: o contrário de uma verdade profunda é outra verdade profunda. Esta é uma coisa muito importante: comparar duas verdades profundas, ou seja, considerar a ciência como ambivalência.

Ambivalência também de todos os processos das duas globalizações. Por esta razão, temos de considerar o século passado sinônimo de progressos gigantes em tantos campos, mas também de regressões e perigo. A barbárie antiga de novo se desenvolveu, com violência, massacres, destruição, ódios, em uma aliança entre a velha barbárie, que não havíamos extirpado, e uma barbárie nova, fria, oriunda da ciência e da tecnologia, alheia aos problemas humanos. A velha barbárie utiliza a nova barbárie, o que os filósofos de Frankfurt chama­vam de razão instrumental, que não é a racionalidade, mas a utilização do poder racional com as forças de opressão e de destruição. Então é a ambivalência geral que gerou o desafio fundamental do século atual.

Se há correntes dominantes, não unicamente das barbáries, mas das tendências à degradação da vida e da qualidade da vida, da qualidade da vida e da comparti­mentalização, homogeneização e marginalização de to­dos esses tipos de fenômenos, existem também contra-

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correntes, que são reações aos movimentos dominan­tes. Primeiro a corrente ecológica. O crescimento do desmatamento, das degradações e a aparição de catás­trofes como Chemobyl contribuem para a consciência ecológica sobre a biosfera.

A qualidade avança em luta contra o produtivismo e a lógica da quantidade. Em vários países cultiva-se o desenvolvimento dos vinhos de qualidade, artesanais, e não mais o vinho de produção padronizada. Esse fato também se verifica na Europa do Sul, onde podemos encontrar bons vinhos cabemet. Em muitas partes do mundo há essa reação, o que se vê também na alimenta­ção biológica. Cada vez que há uma catástrofe alimen­tar, como a da vaca louca na Europa, há um salto de conscientização. Há uma busca qualitativa em todo o mundo, no_modo de_\Lestir=.Re_, de_yiycr, de p_as_sar férias - não mais o turismo para ver as coisas de fotografia, mas viver as experiências dos nativos, experimentar o local. Há uma resistência a uma vida unicamente utili­tária que se manifesta na busca de uma vida mais inten­sa, poética. Porque se pode dizer que na vida há dois eixos: o prosaico e o poético. O prosaico são as coisas que devemos fazer por obrigação, para comer, estudar e outras necessidades vitais. A qualidade poética vem das coisas feitas com gosto, amor, prazer, paixão. Também podemos encontrar poesia nos jogos, nos campos de futebol, nas festas, nos carnavais e em outros.

Então, há correntes de resistência à compulsão do consumo padronizado com duas ações: uma na busca da diversidade e outra na busca de uma certa fuga à

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maneira de viver dominada pela sociedade de consu­mo. Há um momento de resistência contra a mercantili­zação da vida.

Temos primeiro o ciclo geral da homogeneização·, da dominação dos problemas econômicos. Depois, um segundo ciclo, o dos problemas humanos, com a idéia de que o mundo não pode ser considerado como uma mercadoria. É uma corrente de emancipação contra a tirania onipotente do dinheiro, porque se percebe are­dução da parte de gratuidade da vida. O que significa a parte de gratuidade da vida? É a parte do serviço mú­tuo, que se faz pela amizade e que não deve resultar em dinheiro: "Sabe onde fica esta rua? Sim, senhor. Tem um real?" É a ação de solidariedade e também a busca de relações de amizade.

Penso que há corrent~ contudo, pequenas, que reagem contra a generalização da violência para resol­ver todos os problemas. Onde há uma situação de de­mocracia, a expressão é permitida, os partidos, os sindicatos e outros atuam livremente. Privilegia-se a vida. Matar é uma violência que somente pode se justi­ficar em uma situação de opressão, de ditadura, de ocu­pação por um país estrangeiro. Hoje há tanta violência por todas as razões que se deve fazer nascer uma ética da pacificação das almas, uma ética da não-violência.

É neste sentido que se considera a herança de Gandhi, com sua política de não-violência. Há sempre grandes aspirações humanas que, no século passado, encontraram expressão, aspiração, a mais libertária, a mais comunitária, a mais fraterna, a mais igualitária,

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primeiro nas idéias democráticas e nas idéias socialis­tas. As idéias do socialismo - de base comunitária e emancipação - são princípios fundamentais que os se­res humanos têm de si mesmos.

Mas a utilização dessas idéias na União Soviética foi exatamente o contrário da ideologia, com a explora­ção dos trabalhadores, sem direito de greve, e a domi­nação de uma casta que detinha o poder total. Hoje há também essa aspiração, o que se vê nas idéias de solida­riedade planetária, nas correntes de vanguarda como Greenpeace e outros. Na França, durante o terrível iso­lamento de Sara vejo, surgiram espontaneamente vários movimentos de ajuda. Temos isso quando assistimos a um flash na televisão de um desastre, uma inundação, um terremoto, um movimento de solidariedade por gente de outro continente de outras etnias.

Há pessoas que dão dinheiro, roupas, comida. Po­rém é um flash pela televisão, em que um desastre é esquecido por outro; mas temos a potencialidade em nós com a presença da televisão que nos dá a possibili­dade de ver os desastres humanos e a compreensão ime­diata do que significa sofrer. Então, o século vai encontrar problemas graves, fundamentais, que são os problemas dos seus motores essenciais.

Esquece-se a ciência que se desenvolveu fora de toda a ética, porque a sua liberdade era não considerar as conseqüências éticas de seu conhecimento. Hoje, a conseqüência dos conhecimentos mais desenvolvidos, que são poderes gigantes na física e na biologia, é a obrigação de fazer uma relação ciência-ética; não bas-

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tam os pequenos comunicados de bioética que são vis­tos pelo mundo. Contudo, necessita-se em todos os pa­íses de cidadãos com uma consciência forte dos problemas que tratam da ciência.

É necessário também que as autoridades interna­cionais imponham a interdição das armas químicas, das armas biológicas. Tem de ser uma coisa mais forte e grande sobre as conseqüências dessas tecnologias. Ver, examinar, porque as conseqüências das aplicações, por exemplo na genética, são ambivalentes. Podem ser apli­cações de genes bons em lugar de genes que provocam o mongolismo. Podemos também fazer a normalização dos genes para criar pessoas padronizadas. Então, ne­cessitamos de um exame muito racional, ético, dos po­deres da ciência.

Segundo problema: domesticar a tecnolo ia ou ser domesticado para ela? Parece uma utopia. A internet é um sistema quase neurocerebral, sobretudo uma rede neurocerebral artificial. Para o planeta é um modo de comunicação maravilhoso, mas a internet não é unica­mente comunicação e informação, e, sim, computação, trabalho de computadores. Hoje se preparam computa­dores de nova geração, mais inteligentes. A inteligência dos computadores é limitada à indução, dedução, ope­rações de lógica ou investigação. Não tem sentimentos, alma. Entretanto, a superioridade dos humanos é a mes­ma que a inferioridade dos humanos. A inferioridade dos humanos é ter sentimentos, que podem ser loucos. Pode ser muito simples, como uma loucura de amor. Percebe-se que a pessoa é maravilhosa, como Dom

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Quixote, alucinado. Também o amor e a paixão podem ajudar a entender a inteligência humana. Os computa­dores não têm paixão.

A teoria diz que um autômato muito desenvolvido tem o poder de fazer a reprodução gráfica de si mesmo e a capacidade de produzir os instrumentos capazes de repro­duzir a si mesmo, segundo os planos de sua organização, deste modo, podendo realizar a replicação dos computa­dores, dos robôs e dos autômatos. É algo previsível.

Há também o desenvolvimento das nanotecno­logias, microfísicas, de pequenos grupos de atores que têm poderes ativos de pequenos robôs e com a possibili­dade futura da reprodução em série, da auto-reprodução. Se existe a idéia da reprodução dos robôs, autômatos, computadores, então se comprova o poder gigante da tec-

___ _!onologia. É ROr esta razão que escrevi um arti o, há al­guns meses, sobre "Por que o Futuro Não Necessita de Nós?". Porque neste momento os humanos serão inúteis. É o momento de liquidação dos humanos.

Hoje muitas das idéias fantasiosas da ficção cien­tífica têm um nicho de previsibilidade. Há o paradoxo da ciência que permite realizar sonhos impossíveis e ao mesmo tempo é o maior perigo de morte que se encon­tra na humanidade.

O paradoxo deste século é viver essa aventura ter­rível, que necessita de consciência mais avançada. Alvin Toffler, em seu artigo sobre o futuro , disse que pode­mos ter uma possibilidade de simbiose muito boa com as tecnologias. Elas fazem muitas coisas. Nós podemos pegar os livros. Mas, disse Toffler, isto necessi ta um

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desenvolvimento intelectual, cerebral, ainda não feito. O problema é o desenvolvimento da inteligência, o de­senvolvimento da ciência, desenvolvimento também da responsabilidade que temos com o futuro.

Existe um princípio de responsabilidade. O autor disse que esse princípio da responsabilidade não repre­senta unicamente a responsabilidade que temos com os outros, mas com as gerações futuras. Somos responsá­veis pela degradação do planeta. Essa é a velha responsa­bilidade prolongada no tempo, de modo que me parece muito necessária.

Podemos considerar hoje a existência de proces­sos de metamorfoses no gênero humano. Metamorfo­ses, por exemplo, no campo da biologia, ecologia, na relação tecnologia/ser humano e da época planetária, porque a situação com as duas globalizações, com a multiplicação das comunicações, é uma situação que permite considerar a possibilidade de fazer uma unida­de geral humana, não um governo mundial, mas uma confederação das nações, uma instância de decisões para os problemas vitais como as armas de destruição, a eco­logia, a economia que necessita de regulação. Não é necessário um governo de controle. Isto significa que no planeta deve-se fazer uma sociedade do tipo nova. Fui a um congresso de sociólogos de língua francesa em Quebec sobre o tema "Existe uma sociedade-mun­do?". Inclusive fizemos a pergunta: existe um fenôme­no que pode efetivamente fazer uma sociedade, como as comunicações? Com todas as comunicações, fizemos uma sociedade? Existem todas as possibilidades orga-

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nizativas de uma sociedade-mundo. Significa que não haveria mais a possibilidade de guerra, de luta, de des­truição, de dominação e opressão.

O que falta é evidente: as consciências ética e po­lítica. Elas necessitam de um sentido que pode se cha­mar de pertencer. Precisam deste fator de comunhão que existe na palavra Pátria. Este é o sentido de pertencer à mesma comunidade humana, à mesma diversidade. O sentido de unidade humana e comunidade de destino, porque todos os problemas de vida e de morte sobressa­em agora. Temos necessidade desse sentido e este senti­do aponta para o desenvolvimento dos sentidos ético e político e da reforma epistemológica, em essência uma reforma do pensamento.

Estamos em um momento em que se pensa nas co i­-sas.-E quando_se_pensanas_coisas__.os princípios são muito pequenos, dispersos. Nos primeiros tempos da religião cris­tã, os discípulos, um pequeno grupo, ficavam na Palestina e eram totalmente desconhecidos da maioria dos romanos e, em dois séculos, esse movimento, com a disseminação das idéias, da idéia de Cristo, se tomou a religião mais importante do mundo antigo e foi a religião do império romano. O mesmo ocorreu com o Islamismo. Era o profe­ta Maomé com muito poucos discípulos e que em pouco tempo expandiu-se para Leste e Oeste. As idéias do socia­lismo, de pequenos pensadores, profetas, ganharam parti­dos social-democratas e depois, o partido bolchevique. Quer dizer, no princípio as coisas parecem sempre improváveis de se realizar, e sempre na história os fatos mais impmtan­tes foram os fatos improváveis.

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Quando eu tinha 20 anos, durante a ocupação da França, com o desastre militar e a dominação nazista sobre a Europa, o provável era pensar que a dominação nazista duraria por muito tempo- 50 anos- e o império do terceiro Reich seria por mil anos. Mas em dois anos tudo mudou. Tudo mudou com a resistência de Moscou e o inverno de 41/42, com o ataque de Pearl Harbor que provocou o desenvolvimento do gigantesco poderio in­dustrial norte-americano. O destino do mundo mudou.

Não se pode fazer a previsão do futuro em função do presente. Há esta amplitude no presente, mas à idéia do improvável permanece a idéia de que quando cresce o perigo cresce a salvação, palavras do poeta Holderlin. Quando se tem essa idéia, se pode ver, com vontade e coragem, a vida e a ação no futuro do planeta.

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0QUEÉ

DA ENTREVISTA NO RÁDIO E NA

TELEVISÃO

EDGAR MORIN

A entrevista é uma comunicação pessoal, realiza­da com um objetivo de informação. Esta definição é comum à entrevista científica, feita em psicologia social,

eâentrevistaâe imprensa, radio, cinema e televisã--o.-A diferença só aparece quanto à natureza da informação. A informação em ciência sociais entra em um esquema metodológico, hipotético e verificador. Nos veículos de comunicação entra nas regras jornalísticas e, muito freqüentemente, tem um fim sensacionalista. Enquanto a informação interessar a apenas um pequeno grupo de pesquisadores , a entrevista é científica. Mas, se for dirigida a um grande público, ela passa a ser um ele­mento de comunicação de massa. Portanto, a entrevista no radiocinema e televisão é uma comunicação pesso­al, suscitada com um objetivo de informação pública, e até mesmo espetacular.

No entanto, há na entrevista algo mais do que a simples informação. Este algo mais é o fenômeno

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psicoafetivo constituído pela própria comunicação. Ele pode perturbar a informação, falseando-a deturpando-a (daí o problema técnico metodológico colocado pela validade ou fidelidade da entrevista).

O fenômeno psicoafeti v o pode, ao contrário, pro­vocar a informação. Ou, então, provocar uma mudança: um certo tipo de encontro, sob o ponto de vista clínico, tem um efeito libertador, purificador ou mesmo - em psicopatologia - de cura. Principalmente no rádio e na televisão, a entrevista pode ter um efeito psicoafetivo que vai além da própria informação.

A entrevista é sempre uma intervenção orientada como comunicação de informação. Mas seu aspecto mais importante é, sem dúvida, a reação psicoafetiva que se processa paralela à informação. A primeira vez que apa­receu como elemento de-Informação nas ciências hu­manas foi nos Estados Unidos. Tanto na psicoterapia como na psicotécnica. Em ambos os casos, a informa­ção é ligada a um fim prático. No primeiro caso, a infor­mação recolhida servirá para curar o entrevistado; no segundo, ela é mais importante para o entrevistador.

ÜS TIPOS DE ENTREVISTA

Desde 1940, e ainda mais depois de 1945, o em­prego da entrevista estendeu-se e intensificou-se. Ela deve responder a exigências cada vez mais precisas, o que leva a um enorme trabalho metodológico; e vai-se

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desenvolver em dois principais ramos: a entrevista ex­tensiva e a intensiva.

A primeira é feita através de questionários, adap­tada à exploração grafomecânica, baseando-se em amostragens representativas das populações, para che­gar a uma formação estatística dos resultados. Neste sentido são feitas as pesquisas de opinião, nas grandes populações, que interessam às grandes firmas comerci­ais e indústrias, aos partidos políticos, aos órgãos de in­formação e aos governos.

A entrevista intensiva, ao contrário, pretende aprofundar o conteúdo da comunicação. Nela estão in­teressadas as grandes firmas para conhecer os movimen­tos inconscientes dos consumidores e responder a eles pelos estímulos adaptados: é a corrente dos estudos de motivação.

A nova psicologia social caminha neste sentido. É quando o tête-à-tête torna-se o elemento central da en­trevista; quando ocorre o que se poderia chamar de re­volução rogersiana- o desenvolvimento da entrevista não-dirigida, no campo da psicologia social.

Entre as duas tendências extremas da entrevista, há um antagonismo. De um lado, a entrevista aberta, sem questões colocadas pelo entrevistador. Do outro, a entrevista fechada, feita por questionário ao qual basta responder sim ou não. De um lado, as respostas com­plexas e numerosas; do outro, as respostas claras e sim­ples. De um lado, uma entrevista de longa duração; do outro, um questionário rápido. Sob um aspecto, as pes­soas implicadas- entrevistado e entrevistador- têm uma

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importância capital, assim como a natureza psicoafetiva do encontro. O outro tipo de entrevista (questionário) dá importância à resposta, e não só à pessoa. De um lado, a dificuldade extrema de interpretar a entrevista e tirar dela os resultados; do outro, a possibilidade de es­tabelecer uma amostragem representativa e de tratares­tatisticamente os resultados. Assim surgem dois tipos opostos de entrevistas. Um deles é aprofundado e even­tualmente não-dirigido- nele há um interesse clínico e entrará em toda metodologia, baseada na eficácia do método clínico, referindo-se aos casos extremos e aprofundados, e não só a séries e médias; ele entrará mesmo como elemento, às vezes, elemento-chave, nas técnicas de ação- isto porque solicita a intervenção ati­va do entrevistado.

O outro tipo extremo de entrevista será feito a--par­tir de um questionário preestabelecido e permitirá o tra­balho sobre as grandes massas, pelas sondagens de uma amostragem representativa. Estes dois tipos extremos podem competir: o pesquisador terá de escolher entre o risco da superficialidade (questionário) e o risco "ininter­pretabilidade" (entrevista aprofundada); entre dois ti­pos de eno, entre dois tipos de verdade.

Cada um destes tipos de entrevista convém, de acor­do com os objetivos da pesquisa. E podem ser combina­dos: as entrevistas aprofundadas preparam a elaboração de questionários que serão utilizados de acordo com as sondagens de opinião; inversamente, as sondagens por questionário podem permitir a seleção dos assuntos que serão submetidos a entrevistas menos superficiais.

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Por outro lado, há toda uma gama de entrevistas, entre esses dois tipos extremos, cada um com uma pro­blemática e eficácia próprias.

Portanto, podem-se distingüir: - entrevista clínica do tipo terapêutico; - entrevista em profundidade, na qual se pode in-

troduzir o encontro não-dirigido (Rogers) desen­volvido no campo psicossocial, mas que não se limita somente ao método não-dirigido. A entrevista em pro­fundidade é utilizada nas pesquisas de motivação, po­rém pode ter numerosas aplicações;

-entrevista centrada (jocused interview), em que, depois da formulação de hipóteses sobre um tema pre­ciso, o pesquisador conduz livremente o encontro, de modo a que o entrevistado fale com toda sua experiência pessoal sobre o -probl-ema colocado pelo entrevistador;

-entrevista de respostas livres: na qual o entrevis­tador permite ou provoca a liberdade de improvisação nas respostas;

-entrevista de perguntas abertas -em que as ques­tões são colocadas e escritas previamente e devem ser formuladas de acordo com uma ordem precisa; a liber­dade do entrevistador tomou-se restrita, mas a liberda­de do entrevistado ainda é grande em relação ao quadro das perguntas formuladas;

- entrevista sobre respostas pré-formadas: as di­versas possibilidades de resposta já foram formuladas oferecendo ao entrevistado a liberdade de escolher en­tre as diversas respostas;

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- entrevista de perguntas fechadas: compreende um questionário, ao qual o entrevistado responde por sim ou não, favorável ou desfavorável.

As DIFICULDADES DA ENTREVISTA

Instrumento essencial na psicologia social, a en­trevista traz toda a dificuldade da verdade nas relações humanas; ela suscitou e suscitará ainda um enorme tra­balho crítico e metodológico, seja na entrevista sobre o questionário ou a entrevista não-dirigida. O problema essencial é o da validade da entrevista - sua adequação de acordo com a realidade que se tentou conhecer. O mínimo operacional da validade é a fidelidade que vai ser posta à prova quando for verificada a concordância dos resultados obtidos por entrevistadores diferentes.

A entrevista se fundamenta na fonte mais rica e duvidosa de todas, a palavra. Ela traz, quase sempre, o risco da dissimulação e da fabulação.

A pergunta fechada impõe um esquema, um risco de erro máximo. Por outro lado, a colagem, a inter­pretação, a exploração oferecem garantias máximas à entrevista. A questão aberta, a resposta espontânea (so­bretudo na análise profunda) traz à fabulação um senti­do autêntico, uma riqueza significativa: mas, desta vez, o maior risco de erro se situa ao lado do entrevistador, na sua aptidão em decifrar a mensagem do entrevista­do; na possibilidade de estabelecer uma comparação;

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em transformar os dados científicos em documentos humanos.

O que parece cada vez mais absurdo é fazer questio­nários fechados sobre problemas que, na verdade, escapam à consciência clara do interrogado - em que as respostas são, em geral, racionalizadas e querem justificar alguma coisa. Da mesma maneira, as respostas pré-formadas são incapazes de explicar a motivação profunda em numerosos domínios. Assim, as perguntas do tipo "por que você vai ao cinema?" e as respostas tais como "para me divertir", "para

me instruir", "para passar a noite" são incapazes de expli­car a motivação profunda e verdadeira do entrevistado.

Por outro lado, a experiência revelou que a formu­lação da pergunta tinha um papel decisivo na orientação da resposta. Uma palavra, aparentemente anódina, pode modificar asTespostas. Sabe-se também que a ordem e o número das questões influem sobre as respostas.

Em suma, tudo na entrevista depende de uma alte­ração entrevistador - entrevistado, pequeno campo fe­chado onde se vão confrontar ou associar gigantescas forças sociais, psicológicas e afetivas.

Diversos fatores podem perturbar o entrevistado. Entre eles, por exemplo, os tabus. Tanto em relação ao sexo e à religião como em política. Nesse último plano as desconfianças serão mais ou menos grandes, de acordo com o regime do país em que as perguntas são feitas -se é ou não liberal, de acordo com o caráter minoritário ou não, subversivo ou não, e de acordo com as opiniões políticas do entrevistado. Fora dos tabus, as conside­rações de prestígio social podem falsear as respostas.

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Um outro fator é a questão de opinião e crença- a consciência se enfraquece à medida que se penetra, mais adiante, na motivação. Esta é, quase sempre, obscura no entrevistado, ou, mesmo, encoberta por um sistema de racionalização.

De maneira bem diversa, de acordo com a situa­ção social, histórica, determinação psicológica, clima e caráter da entrevista, os entrevistados reagem por:

-Inibição: que se traduz no bloqueio puro e sim­ples, ou por uma fuga (resposta de lado).

- Timidez e prudência: o entrevistado conduz as respostas de delicadeza e boa educação, de acordo com o prazer que elas dão ao entrevistador. Elas se traduzem pela tendência em responder mais por sim do que por não; pela tendência (prudência) a optar por um número do meio, quando uma e~colha de porcentagem é-pro­posta.

-Atenção ou desatenção: (nas respostas pré-for­madas, tendência a escolher o ponto de vista que abre a entrevista ou o que a encerra).

-Racionalização: dar uma justificação ao próprio ponto de vista, uma legitimação aparente que esconde a natureza verdadeira do entrevistado.

- Os exibicionismos que trazem sinceramente fabulações e comédias.

-Defesas pessoais. Um dos fatores perturbadores da entrevista é o da

aparência do entrevistador. É necessário que o entre­vistado sinta uma perspectiva de distância e proximida­de em relação a ele. Da mesma maneira, o máximo de

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projeção e identificação com o seu entrevistador. Sua figura deve ser simpática e despertar confiança. Muitas vezes, a entrevistadora será melhor comunicadora que o entrevistador. O que ambos precisam, antes de tudo, é um controle de autocrítica. Constatou-se que sua opi­nião e suas previsões influíam inconscientemente nas respostas do entrevistado. Sua atitude, no decorrer da entrevista, suas reações, mesmo que pouco perceptíveis, têm alguma influência. É preciso também que o entre­vistador tenha um interesse profundo pela comunicação e pelo outro. Não basta parecer simpático - ele precisa sentir simpatia.

Finalmente, observa-se que quanto mais impor­tância tenha o entrevistado - e ele é mais importante à medida que a investigação é mais profunda - mais im­portante é a posição do entrevistador.

A pessoa que faz a entrevista deve ter os dons da objetivação e participação subjetiva em alto grau. Deve ser uma pessoa moral e intelectualmente superior- como se fosse um confessor leigo da vida moderna.

É neste ponto que surge uma dificuldade, no mo­mento insolúvel, no sistema das ciências humanas (sal­vo em psicologia clínica). A entrevista é, quase sempre, um ganha-pão subalterno, uma profissão para mulheres um tanto cultivadas, uma etapa para futuros pesquisa­dores. É o trabalho inferior do qual se livram os chefes de equipe.

O fator humano, em princípio anulado pelas ten­dências técnicas e estatísticas da entrevista, reaparece triunfante no fim da análise metodológica e crítica.

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A entrevista provoca (porque é uma intrusão que pode ser traumática e agressiva) um complexo sistema de defesas. Mas, ao mesmo tempo, se dirige a uma enor­me necessidade de expressão.

A descoberta genial e infantil de Rogers consiste em quebrar o sistema de defesa do indivíduo, pela ne­cessidade que ele tem de se exprimir sobre ele mesmo.

A ENTREVISTA NÃO-DIRIGIDA

O encontro não-dirigido, utilizado primeiramente com psicoterapia por Rogers, foi estendido ao campo psicossocial. Ele visa, antes de mais nada, a destacar a percepção do indivíduo. Não é, contudo, um encontro livre levado pela improvisação da conversa. Exige-uma disciplina rígida da parte do entrevistador, no não-co­mentário e não-intervenção, e, também, uma disponi­bilidade enfática.

O grande princípio de Rogers- nossa tendência a julgar, a medir, a aprovar, desaprovar - constitui a pior barreira à comunicação. O que a favorece, ao contrário, é a atenção simpática, a compreensão profunda.

Assim, efetivamente, Rogers se baseia na neces­sidade de expressão, na necessidade imensa e talvez não satisfeita no nosso mundo daqueles que não têm o Gran­de Ouvinte- nem seu mediador católico, o padre; em que só os neuróticos se beneficiam do não-confessor, que é o psicanalista.

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O interesse da entrevista não-dirigida vai além da informação. Primeiro, porque dá a palavra ao homem interrogado, em vez de fechá-la em questões pré-for­muladas. Esta é a implicação democrática deste tipo de entrevista. Em seguida, ela pode ajudar a viver, provo­cando um desbloqueio, uma liberação. Pode ainda con­tribuir à auto-elucidação, a uma tomada de consciência do indivíduo.

A ENTREVISTA COMO "PRÁXIS"

No encontro não-dirigido, o caráter informativo da entrevista está ligado, estreitamente, a um caráter humano global e multidimensional e dele depende. A entrevista é-uma práxis - o uso, a rotina.

O encontro não-dirigido constitui um dos ramos atenuados do encontro freudiano. Este encontro é basea­do sobre a não-diretividade extrema. Ele provoca pro­cessos psicoafetivos intensos, principalmente o da transferência, e finalmente esta catarse que é a cura. O modelo freudiano domina então a prospectiva não­dirigida. Freud destacou ao máximo as possibilidades enérgicas fantásticas que poderiam existir na "procura de si mesmo solicitada por um interlocutor".

Os discípulos dissidentes de Freud reformaram, de várias maneiras, o diálogo analítico. Para muitos, o ana­lista deve parar de ter um papel mudo, estático; espe­cialmente para representar um papel intervencionista, estimulante e provocador.

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Em psicologia social, os métodos provocadores foram testados principalmente na entrevista com perso­nalidades. O entrevistador pode mesmo conduzir um encontro polêmico com o entrevistado. Isto é de grande eficácia no caso em que os entrevistados são muito se­guros deles mesmos, muito habituados à palavra (entre­vistas com advogados). Há também uma fusão possível do método dos testes projetivos e da entrevista. A entre­vista pode provocar situações imaginárias, histórias a se completar, de maneira que o fluxo psicoafetivo reali­za-se fora da zona do sistema de defesas.

A liberação da energia psicoafetiva que a entre­vista profunda provoca, seja não-dirigida, provocadora ou projetista, se traduz por um fluxo de comunicação, no qual o imaginário e o real podem estar intimamente ligados. O indivíduo dirá ao mesmo tempo_que_eie_é, o que ele pensa ser ou aquilo que ele gostaria de ser. O fluxo da comunicação pode ser uma torrente de comé­dia-sinceridade. Aqui se coloca novamente o problema da verdade, mas em nível da pessoa total.

Á ENTREVISTA NO RÁDIO, NA TELEVISÃO E NO CINEMA

A entrevista é um tipo de informação que apare­ceu com a imprensa. Antes de mais nada, é necessário fazer uma distinção entre a origem da entrevista como meio de informação, surgido de uma fonte individual, da declaração oficial que é um discurso unilateral düi­gido ao público, através do jornal ou rádio. A entrevista

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busca a comunicação pessoal. Sua sorte está ligada ao desenvolvimento da cultura de massa que procura, em todos os domínios, levar à satisfação do público, o human touch, e, mais amplamente, à individualização dos problemas. A entrevista vai se desenvolver em di­reção das superindividualidades que reinam no mundo dos veículos de comunicação. Personalidades políticas em primeiro lugar, que serão entrevistadas a cada desci­da ou subida de avião, a cada acontecimento, mas tam­bém os olimpianos, vedetes com as quais tenta-se multiplicar o contato direto - estes deverão responder sobre tudo e sobre nada ao mesmo tempo.

A entrevista também se desenvolve de um outro lado. Ela procura o homem na rua, o passante anônimo a quem fará uma pergunta à queima-roupa.

No encontro com um homem da rua, delineia-se uma tendência brechtiana que tende a provocar no es­pectador-ouvinte uma distância em relação à sua vida cotidiana. A entrevista tomou recentemente o caminho dos problemas da vida privada. Por isso tomou-se cada vez mais familiar e íntima, tanto na procura de histórias fúteis como na tentativa de diálogo. Há também um tipo de entrevista sob a forma de debate em grupo- propõe­se um modelo dialético de formação da verdade, pelo confronto de opiniões contrárias.

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ENTREVISTA "ESPETACULAR"

Como na psicologia social, a missão oficial da entrevista é recolher informações, e a entrevista espeta­cular poderá trazer também uma energia afetiva consi­derável. Mas, na psicologia social, a energia afetiva será utilizada para permitir uma informação mais profunda, ou para ajudar o indivíduo a viver. Na entrevista de rá­dio e televisão ou no cinema, ela será captada para ser projetada sobre o espectador, para dar-lhe emoções, além de informações.

Aqui surge a primeira grande oposição entre a en­trevista nas ciências humanas e a entrevista comunicada pela televisão: a primeira terá um caráter não-público, mesmo secreto; se há exibição de sentimentos, eles só servem ao entrevist-ador. o-segundo~ipo se dirige a-to­dos - situa-se no fórum telecomunicativo moderno.

No entanto, a maior oposição entre a entrevista em psicologia e a entrevista telecomunicada pode tor­nar-se a maior proximidade, precisamente onde uma e outra são mais intensas. Elas se ligam no ponto em que o problema da amostragem representativa perde todo o sentido, em psicologia social. Isto porque a segunda di­ferença radical entre os dois tipos de entrevista é que na entrevista para a psicologia social há uma grande preo­cupação metodológica e técnica, na sua preparação. Ela busca também que o entrevistado seja representante de uma certa população. No rádio e na televisão, não há nenhuma regra. A entrevista nos meios de comunicação busca uma pseudo-representatividade. Por exemplo,

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quando se entrevista o homem da rua, é necessário fa­zer um esquema de idade, de profissão, de opiniões, buscando mais o pitoresco do que a verdade.

A entrevista nos meios de comunicação visa ao pitoresco, ao divertido, ao espetacular e se preocupa pouco com a validade da informação. A outra procura a fidelidade e se baseia no método.

As duas só vão juntar-se no momento em que uma ou outra possam ser aprofundadas.

Ü FENÔMENO DA MICROCÂMARA

As entrevistas mais profundas são geralmente registradas por um gravador. Pode-se notar que a força inibidora do gravador é igual à sua força exibidora. Isso quer dizer que, se ele aumenta a tendência do entre­vistado de se defender contra a entrevista (o medo surge do fato de as palavras serem registradas), ele aumenta, também, a sua tendência à expressão, ao lançamento de sua mensagem ao mundo.

O gravador no rádio, televisão e cinema registra "para todos e para ninguém", segundo a fórmula de Nietzsche. O gravador não é só quem escuta- pode ser também o instrumento daquele que não sabe escrever para falar de si mesmo. Quem escuta é o entrevistador e, além dele, o público anônimo.

A televisão e o cinema trazem a câmara. Num cer­to sentido, a câmara permite ao mundo (espectadores) ouvir e ver alguém. Mas a câmara é também um olho-

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mais, ainda, um olhar de natureza mal conhecida, mas de uma intensidade prodigiosa. Como no gravador, tan­to pode aumentar as forças inibidoras como as exibidoras. E dispõe de um potencial extralúcido, po­dendo obrigar o entrevistado a dizer a verdade. Isto pode levar a uma comédia mentirosa, porque é quando se tem a vertigem no limiar da verdade que lançamos, mais fa­cilmente o corpo perdido na fabulação.

Assim, graças ao poder do gravador e da câmara, a televisão e o cinema- reinos da falsa comunicação ou da comunicação imaginária - têm imensas possibilida­des de comunicação, mais ricas do que na vida.

O gravador e a câmara de rádio, televisão ou do cinema trazem o público neles mesmos. A grande origi­nalidade da entrevista telecomunicada é que a energia afetiva que ela provoca não se resume no diálogo entre entrevistado e entrevistador. Ela é comunicada para cada ouvinte ou espectador.

Por outro lado, a comunicação pode ser absorvida como espetáculo - absorvida como um filme de ficção -transposta em uma emoção estética. Neste momento, o conteúdo real da comunicação foi perdido e a energia afetiva é substituída pela satisfação de ter visto um es­petáculo bonito e interessante. Ou, então, a comunicação é recusada, e o espectador dá as justificações desta re­cusa: "É falso". "É truque".

A comunicação pode ser também libertadora para aqueles que se reconhecerão e se sentirão menos sozi­nhos- ela será reveladora para aqueles que descobrirão o outro. Com efeito, na nossa sociedade, a comunica-

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ção pela entrevista profunda é a mais freqüentemente enfraquecida em relação ao campo estético de cada es­pectador e recusada como falsa; raramente, ela traz uma nova compreensão.

Á ENTREVISTA NA POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO

A entrevista nas ciências humanas e a entrevista nos meios de comunicação, desde que deixem a zona de frivo­lidade, revelam, uma e outra, uma extraordinária necessi­dade de comunicação. Esta necessidade teria aumentado pela individualização crescente, que isola cada um de nós, e nos dá vontade de revelar o nosso ser autêntico?

A verdade é que a comunicação entre os seres hu­manos é medlcla pelas conversas, essa troca desaJei aaa das palavras convencionais, pontuadas de sorrisos deli­cados e risos espasmódicos, de solilóquios cruzados, entre os quais, às vezes, surge uma pequena luz. Na vida cotidiana, a comunidade é bloqueada, atrofiada, desvia­da- daí o sucesso da comunicação imaginária dos fil­mes e dos romances.

Mas, neste mundo moderno, pobre em comuni­cação (antigamente ainda mais pobre, no entanto os homens acreditavam na comunicação com o Cosmos ou com a Transcendência), a civilização tecnocientífica oferece novos instrumentos. Tanto na psicologia social como nos meios de comunicação existem alguns prin­cípios básicos do que poderíamos chamar de uma polí­tica da comunicação:

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- procurar uma comunicação profunda com o ou-tro;

-procurar a fórmula de um diálogo. O entrevista­do deve ser quem escuta e quem provoca, ao mesmo tempo;

-procurar transformar a assimilação do especta­dor em compreensão. Ele pode abandonar facilmente seu egocentrismo e etnocentrismo no imaginário: então ele se interessará, verdadeiramente, pelo outro. No en­tanto, ele vai ser retomado pelo etnocentrismo, egocentrismo e todos os demônios mesquinhos na vida real. Não há, na televisão e no cinema, uma falha entre o imaginário e o real, pela qual poderia se introduzir a entrevista? Ela não se tomaria operatória, se permitisse, ao mesmo tempo, a objetivação e a subjetivação?

Por objetivação entende-se a possibilidade de o espectador se objetivar em relação a ele mesmo- de se distanciar dele mesmo, de acordo com um desdobra­mento que permite a auto-análise e também a autocrítica.

Por subjetivação compreende-se a tendência do homem a considerar o outro como o objeto, isso quan­do a entrevista nos faz conscientes da presença subjeti­va do outro.

Por outro lado, o diálogo fecundo é o diálogo no qual o estranho toma-se um outro eu, em que eu me tomo o estrangeiro para mim mesmo- processo múlti­plo e contraditório que compõe a dialética da comuni­cação com o outro, a qual não é possível sem a ênfase de uma comunicação de si para si. A imagem do vídeo e

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do cinema permite essa forma de dialética de uma ma­neira vertiginosa.

Dar uma nova dimensão existencial à democra­cia. A psicologia social, na sua tendência não-dirigida, traz em si um princípio democrático literal e que se es­tende além da zona, hoje bem estreita, da política: diri­gir a palavra. Graças à técnica da televisão, pela primeira vez, a palavra pode ser dirigida a um desconhecido, e repercutida e transmitida a milhões de seres humanos.

Não estamos, no entanto, nem no início do que poderia ser chamado de política de telecomunicação, que seria provocar a palavra profunda de um indivíduo, de um grupo, dentro da sociedade.

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BREVE RELATO BIOGRÁFICO

Nascido em Paris, em 8 de julho de 1921, Edgar Morin graduou-se em História, Geografia e Direito (1942). Homem de idéias e de ação, engajou-se na "re­sistência" ao invasor nazista, entre 1942 e 1944, duran­te a ocupação da França pelos alemães. Os resistentes, na II Guerra Mundial, tiveram no jovem Morin (pseu­dônimo que Nahoum adotou na clandestinidade) um militante dedicado, entusiasta e corajoso. Subtenente das Forças Francesas Combatentes, vinculado ao Estado­Maior do lo Exército Francês na Alemanha (1945), de­pois chefe do Serviço de Propaganda do Governo Militar Francês ( 1946), Morin esteve em várias frentes na luta contra o nazismo.

Finda a guerra, o apetite intelectual tomou o lugar da ação. Nascia o pesquisador interdisciplinar, curioso, interessado em tudo, da história à epistemologia, da so­ciologia ao cinema, da cultura de massas à filosofia eru­dita. Em 1950, Edgar Morin entrou para o Centre National de Recherche Scientifique (CNRS), o presti-

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gioso centro de pesquisa da França, ao qual ainda per­manece ligado, tendo recebido o título de diretor emérito de pesquisas.

Espírito tentacular, inter, trans e multidisciplinar, Edgar Morin foi, entre 1973 e 1989, co-diretor do Cen­tro de Estudos Transdisciplinares, sediado em Paris, res­ponsável pela publicação da revista "Communications", a qual Morin dirigiu pessoalmente até 1990. De 1956 a 1962, porém, o interesse pelos temas da cultura, da so­ciedade de massas e da indústria cultural já se fizera notar. Nessa época, Morin dirigiu um periódico de gran­de influência no meio intelectual, a revista "Arguments".

Edgar Morin é um dos pioneiros nos estudos da comunicação desde o ponto de vista da sociologia com­preensiva. Com seu olhar ao mesmo tempo crítico, gene-

----frnose,e---*j3-l-iGativ-~mpreen&iw~c.re-v.eu-alglmS ''clás­sicos" contemporâneos desse campo do conheci-mento, entre os quais "O Cinema e o Homem Imagi-nário" (1956), "As Estrelas" (1957), "Para Sair do Século XX" (1981) e "Cultura de Massas no Século XX: o espírito do tempo" (1962). Autor de mais de 30 livros, Morin atin­giu o apogeu com os seis volumes de sua obra-prima "O Método": Volume 1: "A natureza da natureza" (1977); volume 2: "A vida da vida" (1980); volume 3: "O conhe­cimento do conhecimento" (1986); volume 4: "As idéi­as" (1995), volume 5: "A humanidade da humanidade" (2001) e o volume 6: "Ética" (2004).

Presidente da Agência Européia para a Cultura e da Associação pelo Pensamento Complexo, Edgar Morin já recebeu o título de Doutor Honoris Causa das uni-

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versidades de Perugia, Palermo, Genebra, Bruxelas e Praga, além de inúmeros prêmios e condecorações, como o Laus Honoris Causa do Instituto Piaget, de Portugal, e a Medalha da Câmara dos Deputados da República Italiana. A França concedeu-lhe o grau de oficial da "Légion d'honneur".

Em 1998, foi nomeado por Claude Allegre, mi­nistro da Educação da França, para coordenar uma co­missão de estudos para a reforma do ensino secundário francês. Em meio século de vida intelectual, Edgar Morin tornou-se uma referência no campo da Educação com suas propostas de reforma do pensamento, do ensino, da universidade e dos paradigmas acadêmicos de for­mação dos homens.

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OBRAS DE EDGAR MoRIN

O Método (Editora Sulina) Vol. 1. A natureza da natureza, 2002. Vol. 2. A vida da vida, 2001. Vol. 3. O conhecimento do conhecimento, 1999. Vol. 4. As idéias, 1998.

-------~~umarun~hu~ad~~---------------­Vol. 6. Ética, 2005.

Complexidade Ciência como consciência, 1982. Ciência e consciência da complexidade, 1984. Sociologia, 1984. Argumentos para um método, 1990. Introdução ao pensamento complexo, 2005 (Editora Sulina).

Antropologia fundamental O homem e a morte, 1951. O cinema e o homem imaginário, 1956. O paradigma perdido: a natureza humana, 1973. A unidade do homem, 1974.

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Século XX O ano Zero da Alemanha, 1946 (no Brasil sairá em 2007 pela Editora Sulina). As estrelas, 1957. O espírito do tempo, 197 6. A metamorfose de Plodemet, 1967. Maio de 68: a brecha (com Claude Lefort e Cornelius Castoriadis ), 1968. Para sair do século XX, 1981. Da Natureza da URSS, 1983. A rosa e o negro, 1984. Pensar a Europa, 1987. Um novo começo (com Gianluca Bocchi e Mauro Cerutti), 1991.

Política Introdução a uma política do homem, 1965. Em busea dos funclame-H:005--f'effi.i-6es: textos sobre o marxis mo, 2002 (Editora Sulina).

Etapas Autocrítica, 1959. O vivo do sujeito, 1969. Diário da Califórnia, 1970. Diário de um livro, 1981. Vidal e os seus, 1989 (em colaboração com Verônica Grappe­Nahoum e Haim Vida Sephila). Diário da China (a sair no ano de 2007 pela Editora Sulina).

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