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1 AS FUNÇÕES DA MEMÓRIA AFETIVA NO ANÚNCIO DO RESSUSCITADO EM LUCAS 24, 13-35 Ricardo Demenech Fermo * RESUMO A partir da interpretação da perícope de Lc 24,13-35 1 , buscou-se identificar a presença da memória afetiva e compreender as suas funções para o Anúncio do Ressuscitado transmitido na comunidade cristã primitiva e à atualidade. Na memória dos acontecimentos são alojados os resíduos emotivos das experiências vivenciadas pelo sujeito que, mesmo o fato sendo esquecido, o resíduo permanece, é a memória afetiva. A crucifixão de Jesus de Nazaré possibilita o emergir do trauma de onde nasce a memória afetiva devido à carga emocional contida nesse evento, gerando a memória da dor nos discípulos que tendem a desanimar, perder a esperança no Projeto de Jesus e a negar sua morte, fugindo do contexto vital em que ela foi provocada: Jerusalém. O fugir de Jerusalém para Emaús foi o meio encontrado pelos discípulos para negar a realidade de sua dor e da perda. Necessita fazer o processo de aceitação da mesma, elaborar o luto e ressignificar a perda diante da dor para encontrar forças para crer, ter esperança e continuarem a viver a missão. O próprio Ressuscitado ao fazer-se “peregrino”, companheiro de caminho, ajuda-os a compreender o sentido da sua vida e missão. A fim de atingir o objetivo, utiliza-se de caminhos que o Evangelista Lucas propõe como meio de encontro com Ele: o caminho do Evangelho, pela vertente das Escrituras e do Partir do Pão e o caminho da Igreja, pelas ações dos Apóstolos. Dentro do caminho do Evangelho, a Memória Afetiva emerge como novidade no diálogo entre o Ressuscitado com os discípulos. Palavras-chave: Memória Afetiva. Evangelho de Lucas. Mistagogia. Presentificação. Luto. * Discente do Curso de Teologia do Centro Universitário La Salle Unilasalle, matriculado na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Ferreira Machado. E-mail: [email protected].

AS FUNÇÕES DA MEMÓRIA AFETIVA NO ANÚNCIO DO … · fazer o processo de aceitação da mesma, ... utiliza-se de caminhos que o Evangelista Lucas propõe como meio de encontro

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AS FUNÇÕES DA MEMÓRIA AFETIVA NO ANÚNCIO DO RESSUSCITADO EM

LUCAS 24, 13-35

Ricardo Demenech Fermo*

RESUMO

A partir da interpretação da perícope de Lc 24,13-351, buscou-se identificar a

presença da memória afetiva e compreender as suas funções para o Anúncio do

Ressuscitado transmitido na comunidade cristã primitiva e à atualidade. Na memória

dos acontecimentos são alojados os resíduos emotivos das experiências

vivenciadas pelo sujeito que, mesmo o fato sendo esquecido, o resíduo permanece,

é a memória afetiva. A crucifixão de Jesus de Nazaré possibilita o emergir do trauma

de onde nasce a memória afetiva devido à carga emocional contida nesse evento,

gerando a memória da dor nos discípulos que tendem a desanimar, perder a

esperança no Projeto de Jesus e a negar sua morte, fugindo do contexto vital em

que ela foi provocada: Jerusalém. O fugir de Jerusalém para Emaús foi o meio

encontrado pelos discípulos para negar a realidade de sua dor e da perda. Necessita

fazer o processo de aceitação da mesma, elaborar o luto e ressignificar a perda

diante da dor para encontrar forças para crer, ter esperança e continuarem a viver a

missão. O próprio Ressuscitado ao fazer-se “peregrino”, companheiro de caminho,

ajuda-os a compreender o sentido da sua vida e missão. A fim de atingir o objetivo,

utiliza-se de caminhos que o Evangelista Lucas propõe como meio de encontro com

Ele: o caminho do Evangelho, pela vertente das Escrituras e do Partir do Pão e o

caminho da Igreja, pelas ações dos Apóstolos. Dentro do caminho do Evangelho, a

Memória Afetiva emerge como novidade no diálogo entre o Ressuscitado com os

discípulos.

Palavras-chave: Memória Afetiva. Evangelho de Lucas. Mistagogia. Presentificação.

Luto.

* Discente do Curso de Teologia do Centro Universitário La Salle – Unilasalle, matriculado na

disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Ferreira

Machado. E-mail: [email protected].

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho de pesquisa tem por finalidade buscar identificar a presença da

Memória Afetiva na perícope de Lucas 24,13-35, compreender suas funções para o

Anúncio do Ressuscitado nessa narrativa bíblica proposta. A fim de atender ao

objetivo da pesquisa, procura-se, primeiramente, situar o conceito de Memória

Afetiva; em seguida, mostrar um panorama global do Evangelho de Lucas,

procurando contextualizar, em sua estrutura, a narrativa bíblica, seu interesse e o

vínculo afetivo do autor que colaborou na formação de sua memória afetiva.

A parte final do trabalho destaca-se por expor as diferentes funções da

Memória Afetiva, presente na perícope, apresentando-a como uma possibilidade de

caminho para o discípulo e a comunidade cristã encontrar-se com o Ressuscitado e

seguir em sua missão de Anúncio que está submetido à memória afetiva de quem

irá anunciar, ao modo como essas memórias foram registradas, são elaboradas,

compreendidas e interpretadas pela pessoa portadora da Boa-Nova.

2 COMPREENDENDO A MEMÓRIA AFETIVA

Na vida e vivências de qualquer pessoa se podem distinguir memórias de

fatos vivenciados, cujo acervo constitui sua memória pessoal. Também se pode

identificar aquilo que a Psicologia denomina de Memória Afetiva: lembranças

reprimidas que emergem do inconsciente do sujeito quando, por algumas

semelhanças, revive o fato traumático que provocou a repressão.

A memória dos acontecimentos, o pensamento, a racionalidade, os fatos em

si e a emoção ou carga emocional, são elementos constitutivos do ser humano e

marcam a sua subjetividade. A memória é o local onde são alojados os resíduos

emotivos das experiências existenciais vivenciadas pelo sujeito. Devido à carga

emocional, contida na experiência, no fato ocorrido (memória do fato), mesmo esse

sendo esquecido ao longo dos tempos, a carga emocional (memória afetiva) ligada a

esse fato, permanece gravada. Isso faz com que seja possível ser reavivada e

tornar-se novamente presente pela vivência de uma situação semelhante ao ato ou

ao fato que a gerou, pois carrega a bagagem do passado. A esse fenômeno

psíquico denomina-se Memória Afetiva. Ela reativa a emoção ligada ao fato ocorrido

no passado a partir de uma situação análoga vivenciada no presente. Esse termo foi

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cunhado por Magda Arnold a fim de descrever essa experiência. Segundo Magda

Arnold (1960),

Memória afetiva é a documentação da história da vida emotiva de cada pessoa, não registrando somente os fatos, mas as emoções conexas a ele. Quando um determinado fato é registrado na memória juntamente com sua carga emocional, que mesmo com o tempo venham a ser esquecidos os acontecimentos, as emoções que eles provocaram ou que estão de alguma maneira ligadas a eles, não serão esquecidas (ARNOLD, 1960, p.187).

O psicólogo Cencini (2002) explica o termo Memória Afetiva a partir de Magda

Arnold,

na pessoa existem duas memórias: a dos fatos e a das emoções ligadas ao fato, isto é a Memória Afetiva [...] que representa o resíduo emotivo das experiências existenciais, especialmente das mais significativas. De fato, podemos esquecer os acontecimentos, não porém, as emoções que eles provocam ou que, de alguma maneira, a esses estão ligados. (CENCINI, 2002. p.130).

Não basta saber o que aconteceu na vida. É de fundamental importância

saber o que a emoção ligada a este acontecimento deixou registrado na psique, se

algo positivo ou negativo, se houve aceitação ou rejeição, tendo em vista o seu

resultado deliberado.

Procurando esclarecer a função da Memória Afetiva, Cencini (2002)

apresenta um exemplo ilustrativo de um jovem que busca a vida religiosa

consagrada:

Um jovem vocacionado à vida religiosa pode ter tido um relacionamento difícil com a figura paterna; será então, importante verificar o que ficou dessa experiência, em seu coração, pressupondo que um certo resíduo emotivo sem dúvida tenha ficado. O nosso jovem poderá reagir de maneira suspeita, ou defensiva ou agressiva, em relação aos superiores, ou então será levado a enxergar sempre e em qualquer lugar expressões de autoritarismo, ou mesmo poderá sofrer, de maneira exagerada com o voto de obediência, ou ter fixação da liberdade ou da autonomia. Tudo isso porque carrega dentro de si uma experiência negativa que faz com que espere a mesma atitude negativa das várias “figuras paternas” que encontrar sucessivamente na vida (CENCINI, 2002, p.130).

A atitude do jovem, descrita por Cencini, demonstra o dinamismo da memória

afetiva, provocando fragilidades nas vivências de seu cotidiano e do ideal

vocacional, quando não tiver sido tornada consciente e devidamente trabalhada.

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A memória afetiva, a partir de uma experiência negativa, pode fazer com que

as pessoas percebam o mundo, as relações de forma desfigurada. Exemplo disso é

a relação com a própria imagem de Deus. Se a pessoa tem a experiência de ter

convivido com um pai autoritário, severo e cobrador, possivelmente projetará em

Deus, representante de autoridade, a figura deste pai, percebendo um Deus

autoritário que está observando para efetuar um julgamento moral sobre suas

atitudes. Portanto, o relacionamento dessa pessoa com Deus será limitado e

distorcido. Então, passa a funcionar um mecanismo de defesa do Ego que Freud

(1996) denomina de projeção. A pessoa projeta sobre Deus a imagem introjetada

pelas memórias afetivas negativas. Com isso distorce a realidade percebida e se

complica em suas vivências.

Os relacionamentos com as pessoas tenderão acontecer sob duas

perspectivas: a) submissão: devido à baixa autoestima, intolerância, dificuldades de

enfrentar desafios e corrigir erros; b) autoritário: ao se defrontar com alguém que

tenha algum poder reconhecido e legitimado, tenderá assumir uma postura ditatorial.

São mecanismos de defesa que a pessoa encontra para se adaptar à realidade e

nela viver. Essa forma distorcida de visualizar a realidade influencia a percepção do

mundo, da vida e dos relacionamentos.

Ela (memória afetiva) predispõe o comportamento do sujeito agindo e reagindo conforme as experiências já realizadas, criando a ilusão de que não se mudará. A memória afetiva pode ser chamada de matriz de qualquer experiência e ação a marca permanece gravada na mente e no coração (ARNOLD, 1960, p.186 apud CENCINI, 1998, p.48).

Faz-se necessário resgatar essas memórias afetivas, assumindo-as como

parte da totalidade do Ser. Buscar ter consciência da memória afetiva do

inconsciente que carrega dentro de si suas lembranças e as emoções às quais estão

vinculadas, a fim de poder manter um equilíbrio razoável a partir de uma avaliação

reflexiva crítica acerca do “porquê”, e o quanto isto incide sobre a vida da pessoa e,

na sua forma de se relacionar, de criar expectativas quanto aos planos para o futuro

e quanto à sua realização pessoal. Outro elemento importante ligado à memória dos

fatos são as emoções (carga emocional) que ajudam a formar a memória afetiva.

Os afetos, em sua origem interna ou externa, dão um colorido especial à vida

do Ser Humano. São eles um dos aspectos mais importantes da vida, composto

pelas emoções e sentimentos, que fazem viver, sonhar, buscar a concretização de

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ideais. As emoções são caracterizadas por darem densidade ao relacionamento com

a realidade; serem sensações muito intensas e de curta duração. Encontramos

também, ligadas às reações do organismo, exemplos de alterações dos batimentos

cardíacos.

Somos animais racionais, dirigidos por forças emocionais poderosas cuja gênese é inconsciente. As emoções são as vias para o alívio da tensão e apreciação do prazer. Elas também podem servir ao ego ajudando-o a evitar a tomada de consciência de certas lembranças e situações [...]; motivações das emoções são chaves para descobrir as forças motivadoras do inconsciente (FADIMAN & FRAGER, 1986, p.25).

As reações do organismo acompanham as emoções; elas são as reações

globais que mobilizam o ser humano integral envolvendo sua mente e corpo que

revelam a vivência do estado emocional em que o sujeito se encontra; por exemplo:

riso, expressões faciais, podemos chegar ao choro, mas não com lágrimas. Ao se

referir às expressões emocionais Antônio Xavier Teles (1983) menciona:

[...] que as expressões emocionais são a linguagem da emoção, assim como as palavras são a linguagem da atividade mental ou intelectual das pessoas; [...] o rosto e as mãos são o que melhor exprimem os estados emocionais (TELES, 1983, p.146).

As emoções estão participando da totalidade da vida do ser, mesmo quando

não são percebidas. Elas possuem o caráter de uma vida subterrânea, quando

caladas, agem no desgaste do inconsciente. Elas influenciam na função de

percepção, julgamento e decisão sobre a vida do sujeito. As emoções, segundo

Vernon (1973), podem vir a motivar ações como induzi-las:

certas emoções não induzem necessariamente à ação; na alegria, procuramos simplesmente prolongar a situação existente, e na dor desistimos de qualquer esperança de melhoramento. Existem outras emoções complexas e sutis, que não conduzem necessariamente a nenhuma linha específica de ação. Assim, a simpatia pode ser pouco mais do que um registro passivo das emoções de outras pessoas, acompanhadas de emoções correspondentes; ao passo que a compaixão nos estimula a agir para aliviarmos a tristeza dos outros. Ao passo que todas as emoções nos capacitam a avaliar os objetos e acontecimentos e a julgar seu significado para nós (VERNON, 1973, p.131).

Na compreensão de Rulla (1987), elas possuem a tendência para classificar

as experiências nas categorias de agradável e desagradável.

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[...] Trata-se de uma avaliação intuitiva, imediata. A atração ou aversão pelo objeto é acompanhada por um conjunto de mudanças fisiológicas (suor, mudança de ritmo cardíaco, etc), organizadas para aproximação ou afastamento do objeto. Além da avaliação intuitiva, o ser humano faz avaliação reflexiva, uma avaliação intelectual que transcende o eu afetado por um estímulo. A avaliação intuitiva geralmente não leva o adulto consciente à ação, mas é corrigida e completada por uma ação reflexiva sucessiva que poderá levar à ação (RULLA, 1987, p.149).

As emoções e os sentimentos ainda constituem o componente emotivo na

formação da Memória Afetiva, pois se ligam ao querer emotivo avaliado nas

experiências realizadas como boas, agradáveis ou más, desagradáveis, e ligam-se à

ideia originada pela experiência, que desencadeia uma emoção fazendo com que

não haja uma emoção solta dentro do sujeito, representando a ideia de uma

experiência. “Elas são rápidas e passageiras, surgem e acabam quando aquilo que

desencadeou deixa de existir” (MARTINS, 2004, p.18).

Cabe destacar que há muita discordância quanto à causa das reações

fisiológicas nas emoções. Inclusive as mesmas podem diferir de sujeito para sujeito.

Tendo presente isso, torna-se importante compreender as emoções que se

expressam em cada sujeito levando em consideração os afetos que os

acompanham: os pensamentos, as fantasias, aquilo que fica contido no mais

profundo de seu interior, a fim de que se possa compreender o sujeito em sua

totalidade e realidade de contextos.

Os acontecimentos e as emoções ligadas a eles, que originam a Memória

Afetiva, encontram-se ilustrados e exemplificados no cenário dos Discípulos de

Emaús, em Lucas 24,13-35. O autor do terceiro Evangelho, ao colocar nos lábios

dos Discípulos a expressão: “Não ardia nosso coração quando Ele nos falava pelo

caminho, quando nos explicava as Escrituras?” (Lc 24,32), com ela cria algumas

possibilidades, ainda não discutidas por teólogos e comentaristas bíblicos, a função

da Memória Afetiva.

Nessa perícope Lucana identificamos as funções da Memória Afetiva: 1)

Resgata o “Sitz im Leben” da Memória Afetiva: Jerusalém a Emaús- (v.13); 2)

Presentificação da Memória - (v.14-16.18-24.32); 3) Lugar de Encontro Mistagógico

com o Ressuscitado - (v.25-27. 30-31); 4) Lugar de elaboração do luto (18-24) e

ressignificação da perda (25-27).

Antes de entrarmos na perícope Lucana, foco de nosso estudo,

apresentaremos o Panorama Geral da Estrutura organizacional do Evangelho a fim

de situarmos a perícope dentro dessa estrutura.

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3 O EVANGELHO DE LUCAS UM PANORAMA GERAL

Ao nos aproximarmos do terceiro Evangelho, devemos ter presente que ele é

a primeira parte de uma obra que representa um todo, no qual a continuidade se dá

no conjunto do escrito do Livro dos Atos dos Apóstolos. Ambas as partes constituem

uma unidade nos sinóticos, assim como os pesquisadores bíblicos concordam

(BULL, 2009; MARGUERAT, 2012):

O Evangelho e os Atos dos Apóstolos constituem, tanto formalmente quanto em termos de conteúdo, uma unidade, sendo que ambas as partes não devem ser examinadas abstraindo-se uma da outra (BULL, 2009, p.34). Lucas apresenta uma dupla originalidade no seio da tradição sinótica: é o único dos evangelhos a ser dotado de uma continuação em um outro livro, os Atos dos Apóstolos; a obra de Lucas (também chamada Lucas-Atos) compreende, portanto, dois volumes, o primeiro dos quais é o evangelho (MARGUERAT, 2012, p.107).

A obra em dois volumes somente pode ser compreendida quando uma

considera a outra, ambas iluminam-se mutuamente, pois estão intimamente

interligadas em conteúdos, estilo e teologia, encontrando eco no conjunto de sua

totalidade literária (Lc 1,1-4 e At 1,1s), sendo considerada a narrativa mais extensa

dos quatro evangelhos representando um quarto do Novo Testamento (BROWN,

2012, p. 327).

Nela percebe-se a pretensão do autor em capacitar os destinatários para a

compreensão da história salvífica que Deus realiza na humanidade pela via dos

caminhos de libertação e Ressurreição: caminhos de encontro com o Ressuscitado

(PAGOLA, 2012, p.358). A partir de um olhar integral apresenta esses caminhos de

forma didática sob duas ênfases: o caminho de Jesus2, o Evangelho em si; e o

caminho da Igreja3, o livro dos Atos dos Apóstolos.

Segundo Storniolo (2011, p.8), “entre o caminho realizado por Jesus e o

caminho a ser realizado pela Igreja, situa-se Jerusalém, ponto de chegada do

caminho de Jesus e ponto de partida do caminho da Igreja”. No caminho da Igreja,

a ação salvadora de Deus continua sendo concretizada através da missão de ser

testemunhas do Reino de Deus, que não se encontra restrita a um povo étnico, o

judeu, mas aos não-judeus, à toda humanidade. No caminho da Igreja, o encontro

com o Ressuscitado acontece na missão, no Anúncio do Querigma4, pois esse se

origina da missão do Filho e do Espírito Santo, por meio dela a Igreja assume sua

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participação no Mistério 5da ação Salvífica de Deus, sua natureza missionária (cf. Ad

Gentes n. 2).

Nossa opção, devido ao objetivo de nosso estudo, se faz pelo caminho de

Jesus, no qual se encontra situada à perícope proposta para o aprofundamento,

entre os relatos da Ressurreição. Nesse caminho, o encontro com o Ressuscitado,

ocorre à medida que o discípulo se identifica com o Mestre, “com sua ação

libertadora que supera preconceitos, inclui quem foi social, cultural e religiosamente

posto à margem” (cf. ANDERSON, 2005, p.68), que carrega a cruz pelo caminho.

[...] enfrenta as dificuldades e até o mesmo destino. Os discípulos deverão ser testemunhas do Ressuscitado em todos os ambientes, mesmo naqueles hostis em que o caminho da cruz é a identidade de todo o discípulo de Jesus e que não se pode separar dela (SENIOR; STUHLMUELLER, 1987, p.61).

A partir disso, pergunta-se: Como o autor faz a estruturação organizacional do

caminho de Jesus? A fim de apoiar a questão de estrutura, contamos com a qual

Storniolo (2011, p.12-13; MOREIRA, 2012, p.22-23) oferece em sua reflexão para o

caminho de Jesus, o Evangelho de Lucas:

Lc 1,1- 4: Prólogo da obra. Contendo a intenção do autor. Lucas manifesta o que pretende com a narração dos fatos e ensinamentos de Jesus. Faz uma narrativa ordenada da catequese da Igreja primitiva, com dedicatória a Teófilo. Lc 1,5-2,52: Relatos das infâncias. Apresenta as Infâncias de João Batista e de Jesus, em paralelo [...] mostrando a superioridade de Jesus em relação ao profeta, seu precursor. João, último profeta representante do Antigo Testamento; e no Novo Testamento, Jesus, o Messias prometido, Filho de Deus que veio trazer o Reino a todos. Lc 3,1-4,13: Preparação do ministério Público de Jesus, a missão (3,1-4,13). Pregação de João Batista para acolher a Jesus, anunciando sua chegada e com ele a chegada do Reino, exigindo conversão. Batizado por João Batista, Jesus se prepara para a missão. No batismo recebe o Espírito Santo, que o consagra como Rei-Messias, o Filho de Deus. Apresenta a genealogia de Jesus, como Filho de Deus e da humanidade. Após a morte deJoão Batista, Jesus inicia o seu ministério público, inaugurando nova história e nova sociedade, onde há justiça e liberdade. Lc 4,14-9,50: Ministério de Jesus na Galileia/periferia. Terra considerada marginalizada, de povo ignorante e pecador. Aí Jesus anuncia a Palavra e pratica sua ação de libertação que transforma as realidades. Espaço de missão para os discípulos onde dão testemunho do Mestre. É símbolo do êxodo de Jesus rumo à ressurreição passando pela morte em Jerusalém (MOREIRA, 2012, p.23). Jesus é reconhecido como profeta que traz a visita de Deus. Os discípulos vão percebendo o Mistério de Jesus. Lc 9,51-19,28: Relato da Viagem de Jesus da Galileia para Jerusalém. Apresentação de Lucas sobre o êxodo de Jesus (saída e subida) para Jerusalém. O trecho de Lc 18,15-19,27 o Evangelista toma do Evangelho de Marcos e se assemelha ao de Mateus (MOREIRA, 2012, p.23). Prepara

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uma grande catequese aos discípulos que desejam segui-Lo. É o caminho dos discípulos e da Igreja. Configurando-se em caminhada de libertação (Storniolo, 2011, p.14). Lc 19,29-24,53: Ministério de Jesus em Jerusalém ao relato da Ressurreição. Apresentação da entrada de Jesus em Jerusalém – capital do centro do poder -, marca inicio de sua trajetória de condenação em Jerusalém a partir do templo; Anúncio por Jesus do fim de Jerusalém, denúncia de estruturas injustas. Jesus é preso, condenado e recebe sua sentença de morte, a crucifixão (símbolo de seu êxodo = entrega do Espírito nas mãos do Pai), Relatos da Ressurreição (Lc 23,13 - 24,53). Ressurreição de Jesus e sua manifestação aos discípulos pelo caminho (Lc 24,13-56); envio dos discípulos como testemunhas de sua pessoa e missão. Volta de Jesus ao Pai, como Messias-Rei (cf. STORNIOLO, p. 2011, p.15; MOREIRA, 2012, p.25).

Nessa maneira didática de estruturar a apresentação do Evangelho, encontra-

se o caminho percorrido pela ação salvadora de Deus encarnada na realidade

histórica e humana, na pessoa de Jesus. O caminho realizado por Jesus é o

caminho que Deus encontrou para tornar concreto seu projeto de salvação e

libertação. Ao percorrer esse caminho, através da leitura do Evangelho, o leitor, o

qual é caracterizado pelo autor como discípulo, percorre o itinerário geográfico por

onde a mensagem da salvação caminhou, da periferia (Belém, Nazaré) onde ela tem

origem, até um dos centros do poder político e religioso (Jerusalém)6, de onde essa

mensagem irá se expandir. Esse caminho geográfico “para quem guarda de

memória a organização do evangelho de Marcos, a macroestrutura do evangelho de

Lucas aflora no texto; ela de fato serviu de base para o evangelista estruturar sua

narração” (MARGUERAT, 2012, p.111).

Ele não faz somente o caminho geográfico, e sim, um itinerário de encontro

com o Ressuscitado e com a ação salvadora de Deus que supera a lei e difunde-se

como Palavra. É devido a esse motivo que, ao final da estruturação do Evangelho, o

leitor depara-se com os relatos pascais, um deles é a perícope dos discípulos de

Emaús (Lc 24,13-35), e nela localiza-se a memória afetiva (Lc 24,32), lugar de

encontro Mistagógico com o Ressuscitado. Com os discípulos de Emaús o

evangelista busca motivar os seus destinatários - a comunidade cristã em crise e

sem esperança que está com os olhos fechados devido ao acontecimento da

crucifixão - a caminhar ao encontro do Ressuscitado, a resgatá-lo em suas

memórias, nas Escrituras, na fração do pão a fim de abrir os olhos para anunciá-Lo.

Quem são os destinatários?

Os destinatários da mensagem do terceiro Evangelho são cristãos da terceira

geração (cf. BULL, 2009, p.36; MOREIRA, 2012, p.19) que já haviam recebido o

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primeiro Anúncio, procedentes do mundo pagão, de fora da Palestina, na diáspora e

aqueles vindos do judaísmo helênico (MOREIRA, 2012, p.19-20), representados na

expressão “Teófilo” (cf. Lc 1,1-4), nome grego. Por essa razão, no decorrer da

narrativa, diversos termos que dizem respeito especificamente à cultura judaica,

foram amenizados e até mesmo extintos, sendo substituídos por termos e nomes

gregos.

A Teófilo, o autor revela sua intenção de escrever uma narrativa

apresentando tudo o que ocorreu utilizando-se da historiografia da antiguidade,

servindo-se de diversas fontes, as quais compreende como documentação segura.

As fontes às quais recorreu, foram três: Evangelho de Marcos, a “fonte Q” e a fonte

propriamente sua, pois há passagens em sua narrativa que não se encontram em

paralelos com os demais escritos sinóticos, exemplo disso são os capítulos de

Lucas 9,51 até 18,14.

Segundo Moreira (2012, p.17) quando Lucas segue Marcos, aparecem muito

mais semelhanças do que diferenças e provavelmente Lucas e Mateus utilizaram a

mesma fonte, mas de forma independente. Lucas pode ter recolhido informações

com outros testemunhos dignos de fé (Paulo, Maria – mãe de Jesus e outros

próximos a esses)7, devido a isso, justifica a explicação do evangelista no prólogo

onde manifesta a intenção do escrito do autor.

Visto que muitos já empreenderam compor uma narração dos fatos que se cumpriram entre nós - conforme no-los transmitiram os que, desde o principio, foram testemunhas oculares e ministros da Palavra – a mim também pareceu conveniente, após acurada investigação de tudo desde o principio, escrever-te de modo ordenado, ilustre Teófilo, para que verifiques a solidez dos ensinamentos que recebeste (Lc 1,1-4).

O Evangelista tem a preocupação de dar solidez, segurança aos

ensinamentos concedidos a Teófilo8, como que um aprofundamento na catequese

continuada dos membros da comunidade nele representado, procurando responder

a inquietação eclesial em que a comunidade estava sendo questionada sobre a sua

legitimidade quanto herdeiras da tradição das comunidades do Antigo Testamento.

Além disso, utilizou-se da técnica historiográfica, a fim de, fazer o resgate da

memória dos acontecimentos dos Eventos Salvíficos (Encarnação, Paixão, Morte e

Ressurreição), e do conteúdo afetivo nelas registradas que foram transmitidas pela

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tradição oral e escrita pela comunidade aos cristãos que aderiram ao seguimento de

Jesus em seu discipulado.

Moreira (2012) responde às inquietações mencionando que a prática das

comunidades tem sua referência na memória da origem dos ensinamentos de Jesus.

Lucas queria dizer que a prática das comunidades do seu tempo estava enraizada no próprio tempo de Jesus, ou seja, a prática das primeiras comunidades era legítima, pois correspondia aos ensinamentos e ações de Jesus havendo continuidade e a consonância entre o Antigo Testamento, Jesus, Pedro e Paulo (Novo Testamento), defende que as primeiras comunidades cristãs são herdeiras legítimas de Jesus de Nazaré e do Povo de Deus do Antigo Testamento (MOREIRA, 2012, p.20).

O Evangelista recorre aos ensinamentos de Jesus nos quais está focada toda

a cristologia eclesiologia e teologia de sua narrativa.

O episódio da pregação de Jesus de Nazaré (Lc 4,16-30), bastante ampliado a partir do relato de Marcos (6,1-6) está o programa da cristologia de Lucas: a proclamação messiânica está apoiada nas Escrituras (17-21); a evangelização dos pobres e a libertação dos cativos anunciam a dimensão ética do Evangelho (v.18); rejeição de Jesus prefigura a paixão (v.28). O relato dos peregrinos de Emaús (24,13-35) expõe, narrativamente, a conformidade de morte do Messias com a Sagrada Escritura e as condições de reconhecimento do Ressuscitado (MARGUERAT, 2012, p. 119), [...] a história de Deus e a dos homens não estão divorciadas, a história se torna em sua narração, história de salvação que prega o Reinado de Deus entre nós animada pelo Espírito Santo (MARGUERAT, p.126 -131).

A narrativa é um convite ao leitor a compreender a misericórdia, a partilha, o

amor com que Deus age na humanidade sendo suas testemunhas (cf.Lc 9,51-10,

24) e que caminha com o seu povo. É um convite a construir o Reino de Deus, um

Reino de justiça, amor, de paz “no serviço e na misericórdia aos irmãos, confiando

no Espírito, acolhendo os pecadores e proclamando a eles o amor e o perdão

acolhedor de Deus” (CNBB, 1997, p.6).

Mas quem está por trás da escrita de toda a narrativa do conjunto do terceiro

Evangelho? Quanto à autoria, Marguerat (2012,p.107;122), se posiciona

mencionando que o nome do autor permanece desconhecido, mesmo que,

pessoalmente se expresse pelo pronome “eu”, é “costume dos autores bíblicos

desaparecer por trás da palavra que anunciam, salvo no caso das cartas”. Já a

tradição mais antiga aponta para os escritos de Irineu de Lião (180 d.C), que cita

Lucas, como o autor do Evangelho e dos Atos dos Apóstolos. Ele cita que era

médico e um acompanhante de Paulo. Nos escritos de Paulo o nome Lucas ganha

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ênfase por três vezes: Colossenses 4,14; segunda carta a Timóteo 4, 11 e Filemon

24. Segundo Storniolo (2011, p.10) “A confirmação de ser médico e acompanhante

de Paulo nas viagens encontra-se no livro dos Atos dos Apóstolos ao usar o plural

nós”. Ele era de certa posição social privilegiada, conhecia bem a língua grega e

escrevia nessa língua; possuidor de formação helenista, conhecedor da Septuaginta

e fascinado pela tradição judaica. Trata-se de um cristão não-judeu, expressa BULL

(2009, p.35; CNBB, 1997, p.26).

Escreve por volta dos anos 80-90 d.C, em um tempo difícil (perseguições e

risco de voltar à vida pagã) em que o anúncio do Evangelho, pela força do Espírito

Santo (cf. At 1,8), já tinha ocupado os mais diversos espaços do Império Romano,

ultrapassado os limites da Palestina e estava a caminho dos confins da terra (At

1,8). O Império Romano, “juntamente com os sacerdotes propõe como caminho de

salvação: o poder, o dinheiro, cultura e o prestígio, quanto a proposta da

comunidade cristã no Evangelho, é ir na contramão. (MOREIRA, 2012, p.32). Foi

escrita, sendo provável, em mais de uma cidade, marcada pela cultura grega e

ligada as estruturas Imperiais: Antioquia da Síria, ou Corinto, na Grécia (MOREIRA,

2012, p.32)9.

As duas ênfases apresentadas, de modo especial, o caminho de Jesus,

constitui a memória dos Eventos Salvíficos, onde o protagonista é Deus que, através

da ação do Espirito Santo, guia e anima as ações de Jesus que se torna realidade

na história e continua a impulsionar a missão da Igreja no Anúncio oportunizando ao

longo do caminho encontrar-se com o Ressuscitado. Essas memórias dos Eventos

Salvíficos, recebidas das diversas fontes e da comunidade, foram ordenadas pelo

autor não somente pelo material disponibilizado, e sim, devido ao vínculo afetivo que

ele construiu com a comunidade. Assim, tornou possível as memórias se manterem

vivas – eternas -, serem escritas e transmitidas, pois, como bem menciona a Poeta

Adélia Prado, “o que a memória aprendeu a amar permanece eterno10!”.

A concretização prática no cotidiano pode ser visibilizada no âmbito familiar,

na tentativa de manter na atualidade viva as memórias (Tradição) dos ancestrais,

não somente utilizando-se da transmissão oral ou escrita recebida de avós para pais

e esses para seus filhos, e sim, através do vínculo afetivo desenvolvido com quem

se transmitiu a memória. Dessa forma, ocorre uma adesão à memória (Tradição)

por parte de quem a recebe. Ama-se a memória recebida pelo fato de ter

primeiramente amado quem a transmitiu. Moltmann (2007) faz alusão a esse vinculo

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com a memória dos ancestrais ao enfatizar a comunhão de gerações ligada ao culto

dos antepassados:

“Os antepassados” não estão mortos no sentido moderno de não mais existirem, pois eles continuam existindo no reino dos espíritos e estão de tal modo presentes juntos aos vivos, eles se sentem obrigados por eles, sentindo também responsabilidades diante deles. Todas as decisões de família lhe são comunicadas [...]. Os descendentes vivem na consciência da permanente presença dos “antepassados”. Todas as decisões de vital importância devem ser tomadas na presença da sucessão dos antepassados, pois elas não dizem respeito apenas aos descendentes, mas também aos antecessores, porque elas não somente atingem a geração presente e os descendentes, mas também os antepassados [...] A comunhão de gerações é parte fundamental da própria vida (MOLTMANN, p.163).

No caso do Evangelho, a partir do vínculo afetivo que Lucas criou com a sua

comunidade, pela qual foi evangelizado, que fez com que fosse possível a

transmissão das memórias - dos eventos salvíficos - às futuras gerações de cristãos,

e proporcioná-las a buscar nelas um caminho, um lugar de Encontro Mistagógico

com o Ressuscitado - de Revelação do Mistério de Deus - expressa na perícope de

Lc 24,13-35, de modo especial, no trecho “Não ardia o nosso coração quando Ele

nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras?” (Lc 24,32) e um lugar

para elaborar o luto e ressignificar a perda resultando na saída para Anúnciar o

Ressuscitado. Este “arder o coração” torna-se o resultado das manifestações das

funções da memória afetiva.

4 AS FUNÇÕES DA MEMÓRIA AFETIVA NA PERÍCOPE LC 24,13-35

A fim de atender o objetivo de identificar e compreender as funções da

Memória Afetiva, oferecemos a seguinte Estruturação11 que identificamos estar

presente na perícope quando nos aproximarmos dela: Resgata o “Sitz im leben” da

Memória Afetiva: Jerusalém a Emaús- (v.13); Presentificação da Memória - (v.14-

16.18-24.32); Lugar de Encontro Mistagógico 12 com o Ressuscitado - (v.25-27. 30-

31); Lugar de elaboração do luto (18-24)13 e ressignificação da perda (v.25-27)14

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4.1 Resgata o Sitz im Leben da Memória Afetiva: Jerusalém a Emaús

Na literatura, ao escrever um texto, se alcança mais que uma elaboração e

sim uma trama conectada com uma linguagem, um contexto e uma determinada

cultura. Nem um texto, por mais abrangente que seja, não consegue abordar toda

uma trama cultural de uma época histórica. Ele toca somente alguns aspectos que

foram considerados importantes pelo escritor. Haverá sempre elementos que

permanecerão escondidos. Ao estudar uma narrativa não se faz necessariamente

todo o detalhamento cultural e os desdobramentos de sua época, mas, sim, aqueles

aspectos referidos pelo autor. Isso é que se chama na língua alemã de Sitz im

Leben “contexto cultural-histórico, lugar vital” que envolve a narrativa.

Sitz significa “lugar/assento” e im Leben quer dizer “na vida”. Literalmente “Sitz im Leben” significa, pois, “lugar na vida” = lugar vivencial. Alguns autores preferem outras traduções ou termos como “lugar de origem”, “situação geratriz”, “ambiente vital” ou “contexto histórico” (WEGNER, 2012, p.210).

Em estudo de um texto qualquer, a busca de sua origem pode reconstruir o

Sitz im Leben, seu “assento vital”, a situação vital da qual o texto passou a existir e à

qual se refere. Na perícope em estudo buscamos contextualizar o Sitz im Leben da

Memória Afetiva, o lugar vital de seu surgimento.

No versículo 13, a narrativa apresenta o lugar vital do surgimento da memória

afetiva dos discípulos de Jesus: Jerusalém, o local da crucifixão e da morte de seu

projeto. A crucifixão é um trauma na vida discípulos de Jesus. Ela originou a

memória afetiva! Jerusalém como lugar do poder político e religioso que condena e

violenta, persegue e mata, causa medo e insegurança nos discípulos, por isso, eles

desejam voltar para Emaús, a fim de se afastarem e fugirem após perdida a

esperança da libertação política de Israel.

Perdida irremediavelmente a esperança da libertação de Israel, esperança que os tinha entusiasmado durante o tempo que conviveram com Jesus, os discípulos afastaram-se de Jerusalém, abandonaram o grupo dos onze e dos outros discípulos e vão embora em busca de um refúgio para sua decepção e tristeza (BARREIRO, 2001, p.09).

Não somente da cidade Jerusalém se afastam, mas das lembranças da

realidade traumática da cruz que extinguiu a vida de seu mestre. Essa tensão

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emocional das lembranças, do resgate do seu Sitz im Leben faz com que os dois

discípulos percorram o caminho de Jerusalém para Emaús, no domingo da

Ressurreição (CHAMPLIN, 1985, p.238). Esses representam a comunidade cristã

primitiva que se encontram sem esperança, desanimada (Lc 24,17), com medo e

insegura diante de situações de perseguição e da possibilidade da crucifixão, leva-

os se afastarem de Jerusalém.

Como saber se os discípulos estão em Jerusalém? Isso é possível ao

observar o posicionamento da preposição “de” na narrativa (Lc 24,13). Ela vem

agregada a palavra “Jerusalém” a qual toma como referência, ou seja, ela concorda

com o substantivo mais próximo. Ao adotá-la como referência cria ideia de um

caminho a ser percorrido nesse caso, de Jerusalém a Emaús.

Enquanto Jerusalém é símbolo do poder, da dor, da morte; Emaús, em Lucas,

torna-se símbolo da transitoriedade: da morte para a vida, da tristeza para alegria,

da insegurança para a certeza de que Jesus ressuscitou e se revela presente na

memória da caminhada pessoal e comunitária. Emaús é apresentado como um

pequeno vilarejo na qual esses dois discípulos residem. Quanto aos dois discípulos,

Dreher (1993) enfatiza que eles são um casal membros do grupo dos seguidores de

Jesus.

Duas pessoas caminham numa estrada. Vêm de Jerusalém, seguem para Emaús, uma pequena aldeia, na qual moram. Pelo relato, estas pessoas faziam parte do grupo que seguia a Jesus. Parecem ser um casal, um homem e uma mulher. O homem se chama Cleópas [...]. A outra pessoa não tem nome. [...] O texto não diz quem é. Mas sabemos de Jo 19,25 que, junto à cruz, estava ao lado da mãe de Jesus, de sua irmã e de Maria Madalena, ainda uma outra Maria, mulher de Clopas. E acreditamos que a mulher de Clopas deve ser aquela pessoa que andava com Cleópas – o mesmo Clopas – no caminho de Emaús (DREHER, 1993, p.8-9).

Segundo Marconcini (2001, p.149), o outro discípulo anônimo (Lc 24,13-

14.18) seria identificado como Lucas, o evangelista, pois esse está entre os 72

discípulos escolhidos para missão de anuncio do Reino de Deus, do Evangelho.

Champlin (1985, p.283), menciona que o discípulo anônimo “atende por Simão, filho

de Cléopas, eleito posteriormente como dirigente da Igreja de Jerusalém

substituindo Tiago, irmão do Senhor (Jesus)”.

Diante da diversidade de nomes sugeridos pelos autores citados, na tentativa

de identificar o discípulo anônimo, podemos perguntar pela importância do nome.

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Teria alguma importância? De fato, podemos intuir que saber o nome não é tão

importante quanto saber o motivo pelo qual se é discípulo, pois mesmo no

anonimato, o discípulo não deve deixar de ser testemunha do Ressuscitado (v.33-

35).

4.2 Presentificação da Memória (v.14-16.18-24.32)

Ao tomarmos por definição o Sitz im Leben como “assento vital” ou “lugar

vivencial” de onde e pelo qual se gerou a memória, esse trata de questões quanto o

motivo de sua origem. Quando falamos de presentificação 15acenamos ao ato de

tornar algo novamente presente que já foi vivido, tanto negativo como positivo na

medida em que se comunica a problemática ainda não resolvida.

Segundo o psicanalista brasileiro Gilberto Safra (2009)16 “a memória do que

foi positivo ou negativo frente a uma problemática, se atualiza no momento em que a

pessoa comunica o seu sofrimento para outra pessoa surgindo a memória do já

vivido”.

Esse fenômeno de presentificação da memória independe da idade, é parte

da condição humana. Decorre, quando, por uma razão, não se encontra com quem

partilhar as questões existenciais que faz sofrer. Os seres humanos constituídos de

memória, lembram. Ao lembrar está se posicionando no mundo, explicitando a

memoria do já vivido, por essa razão, no momento em que se fala com alguém,

acontece a presentificação da memória do vivido.

A presentificação torna-se função da memória afetiva “pois ela liga com o

afeto que pode ser recuperado e reproduzido na intensidade das experiências

significativas vividas” (MARTINS, 2004, p.182). O acontecimento vivido, mesmo que

seja esquecido, a carga emocional a ele vinculado, se mantém presente e atualiza-

se. Segundo Bissi (2003, p.22), a carga emocional a ele vinculado pode ser

transferida para outro objeto de prazer afastando ou aproximando-se dele.

A presentificação é, em linguagem teológica, um sacramental. Segundo

Leonardo Boff (1975, p.13), “o sacramental é o símbolo que remete a uma

experiência considerada sagrada por parte de quem a vivenciou”. A tradição judaica

e o cristianismo, por serem religiões com base na recordação, da consciência

histórica, a memória torna-se um sacramental, pois torna-se lugar de Revelação do

Sagrado ao relembrar as suas ações na história

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“[...] quando recorda que o próprio Javé libertou o povo de Israel da dominação egípcia, ideia que percorre todo o Antigo Testamento. O cristianismo herdou do judaísmo seu caráter memorial, só que ele centrou sua memória na Encarnação, Vida, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, o libertador não só do Egito – como fora Moisés – mas de todas as formas de dominação. O olhar dos cristãos está fixo em Cristo. [...] a memória do Cristo carrega a esperança, sem memória cristã desvanece a esperança” (HOORNAERT,1986, p. 17-18).

Nos versículos 14 ao 24, caracteriza-se um pouco essa dimensão da memória

como presentificação e sacramental no discurso da narrativo da situação vivenciada

pelos discípulos. A memória dos acontecimentos passados se faz novamente

presente no momento em que os discípulos comunicam o motivo de seu sofrimento,

pois não conseguem esquecê-los, através da narração dos fatos, que envolve o

contexto político e religioso (Lc 24,20) no qual os mesmos se encontravam e que

contribuíram para a sentença de Jesus de Nazaré: a Crucifixão e a queda das

expectativas em vista de uma libertação politica de Israel devido a estarem sobre o

domínio do Império Romano. Morre Jesus Nazareno e com Ele as expectativas e a

imagem de um libertador político, restaurador de Israel (Lc 24, 21-24).

Segundo Grün (2014, p.58) “o deus de nossa superstição deve morrer.

Devemos libertar a imagem de Deus de todas as projeções que ligamos a essa

imagem”. Os discípulos projetaram em Jesus Nazareno seus desejos de libertação,

de agressividade, de poder e domínio, isso fez com que surgisse a imagem de um

Jesus restaurador político, uma imagem idealizada, mas esse Jesus Nazareno,

como restaurador político, morreu desencadeando nos discípulos: desânimo,

tristeza, falta de esperança e medo. A missão de Jesus não foi compreendida, pois

seus discípulos a ligaram às ações políticas, militares17, por isso, ao constatarem ao

contrário da imagem idealizada, caem no desânimo e falta-lhes a esperança. E a

imagem real de Jesus, que o Evangelista de Lucas quer apresentar, é aquela que

caracteriza a Sua18 missão: o serviço. É “Ungido/Messias” - para servir através de

sua ação de libertação dos oprimidos, cura das enfermidades, e Anúncio do Reino

de Deus,

‘homem de compaixão, em que sua morte deixa perplexo os que esperam a libertação de Israel (Lc 24,21), sua mensagem não se limita a proclamar a libertação dos oprimidos sobre os opressores nem se restringirá a Israel, mas criará uma comunidade de homens e mulheres livres que seguindo seu exemplo, se ponham a serviço dos outros’. (RIUS-CAMPS,1995, p.55)

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Sua proposta implica em libertação de tudo aquilo que é causa de

marginalização, opressão e devolução do sentido da esperança aos que O seguem

ao se deixarem conduzir para dentro do seu Mistério, tornando-se dele participante.

Ao ser conduzido para dentro do Mistério, ocorre o encontro Mistagógico com o

Ressuscitado, outra função característica da Memória Afetiva.

4.3 Lugar de Encontro Mistagógico com o Ressuscitado (v.25-27. 30-31)

Quando falamos da Memória Afetiva, como lugar de Encontro Mistagógico

com o Ressuscitado, temos que definir o que se entende por Mistagógico cujo seu

sinônimo provém de Mistagogia. Costa (2015) apresenta uma breve descrição do

termo com suas variantes de sentido em sua obra “A mistagogia em Cirilo de

Jerusalém”.

O termo Mistagogia tem sua origem em dois vocábulos gregos: mystes, que significa Mistério, e agein, que significa conduzir. Mistagogia vai adquirir o sentido de “conduzir através do Mistério”, “iniciar ao conhecimento do Mistério”. Etimologicamente possui o sentido de ser conduzido para o interior dos Mistérios, e na Iniciação Cristã, para o Mistério que é “Cristo em nós, esperança da Glória” (Cl 2,19). Na antiguidade cristã, o termo “mistagogia” designa, sobretudo, a explicação teológica e simbólica dos ritos litúrgicos da iniciação, em particular do Batismo e da Eucaristia. Outro sentido para a mistagogia está relacionado à ação sacramental, que configura o neófito como nova criatura, renascido pela água do Batismo e alimentado com o Pão da vida (COSTA, 2015, p.16-17).

Nós assumiremos o significado dado acima, compreendendo que é um

deixar-se conduzir/guiar para dentro do Mistério de Deus. Esse Mistério revelado à

humanidade chama-se Jesus Cristo.

Assume uma pedagogia própria: da aproximação, do caminhar junto

(acompanhar) e partilhar o pão. Aproxima-se dos discípulos (Lc 24,15) e caminha

com eles. Após, pergunta-lhes o motivo de sua tristeza e de sua dor, de seus

passos lentos. Estavam abatidos, desanimados, desesperançados, que não

conseguiram reconhecer a Jesus (Lc 24, 16), ao ponto de considerá-Lo como um

peregrino (Lc 24,18). Essa pedagogia de aproximar-se, caminhar junto

(acompanhar), e perguntar sobre a sua dor, escutando sua realidade, funciona como

um ato terapêutico de Jesus para com os discípulos, pois ao perguntar, eles

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começam a falar sobre sua dor, o que lhes desagrada, sobre os acontecimentos que

marcaram sua memória (Lc 24,19-24), que lhes causaram tensão emocional,

fazendo com que mudassem o seu fisiológico “rosto sombrio” (Lc 24,17)19 e

depressivos. Falar da dor é um processo de libertação, isso foi-lhes oportunizado

através da pergunta sugerida por Jesus: “Que palavras são essas que trocais

enquanto ides caminhando? (Lc 24,17)”.

A partir dessa pergunta, Jesus tem acesso à memória dos fatos e afetivas –

emoções - dos discípulos; como Mistagogo,20 toma a iniciativa de conduzir os

discípulos para dentro do seu Mistério, na compreensão de sua missão – seu

Projeto do Reino de Deus, por meio do diálogo durante o caminho, no qual os

introduz na catequese sobre o Mistério (Lc 13-27). Para atender a esse seu objetivo,

lança mão de dois elementos: a retomada da memória dos fatos, da memória afetiva

(a carga psíquica emotiva – o sofrimento, dor e alegrias das vivencias) dos

discípulos referente ao Messias21 - Jesus de Nazaré - e as Escrituras.

Nos versículos 25-27, Ele explica o significado de sua missão e de seus atos

salvíficos, recuperando, através das Escrituras, a memória dos discípulos sobre o

que os profetas haviam anunciado. Vendo a dificuldade de compreensão, enfatiza:

“Insensatos e lentos de coração para entender e crer no que os profetas

anunciaram” (Lc 24,25).

As Escrituras estão na memória histórica e afetiva da comunidade cristã

primitiva, as quais os discípulos representam, por isso, o Evangelista as utiliza nessa

passagem como elemento proposto por Jesus para fazer compreender sua missão e

apresentá-la como caminho para o encontro com o Ressuscitado; para descobrir o

Mistério que é Jesus e os Mistérios do Reino por ele revelados, enquanto faz

caminho junto aos discípulos. As Escrituras contêm a memória da ação salvífica de

Deus, por isso, é importante na vida da comunidade e devem ser guardadas na

memória e no coração - sede das emoções -, a fim de conhecer para amar, e

amando desejem permanecer ficar com Ele (Lc 24,29) e aprofundar em seu Mistério.

O aprofundamento em seu Mistério é um caminho de êxodo e de profissão de fé: êxodo do coração, da entrega processual de si ao projeto de Deus[...] e profissão de fé, que se transforma em coerência de vida, em acolhimento em deixar-se preencher pela pedagogia divina presente na Sagrada Escritura, nos símbolos litúrgicos, na ação sacramental, na vida comunitária (COSTA, 2014, p.155).

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Jesus, na condução ao Mistério através das memórias (de fato e afetiva) e

das Escrituras, durante o caminho de Jerusalém para Emaús vai progressivamente

inserindo os discípulos em sua amizade, no seu caminho - missão e compromisso

com a profecia do Reino - no discernimento e na vida de sua comunidade em que se

torna presente pela Palavra (Escrituras), pela memória (fato e afetiva) e na fração do

pão (Lc 24,30). Esses são lugares teológicos para a Revelação de Deus, lugares por

Ele escolhidos para oportunizar o encontro e reconhecê-Lo como Ressuscitado.

Segundo Mosconi (1991, p.16), para o Evangelista Lucas, a fim de poder ver e

reconhecer o Ressuscitado, se faz necessário colocar-se à escuta das Escrituras

que explicadas pelo próprio Ressuscitado para se compreender o significado da

missão, do Mistério, à luz dessa explicação.

Desses lugares, de modo especial, destaca-se a Memória Afetiva, pois ela

recorda os acontecimentos e carga emocional ligada a eles das experiências

vivenciadas com Jesus, quando são novamente reproduzidas ou vivenciadas de

forma semelhantes. Experiências que tornam possível reconhecê-Lo e abrir os

olhos, isso acontece de forma mais expressa nessa perícope nos versículos 30-31,

no momento da fração do pão.

A atitude do “peregrino,” ao final de sua viagem, ao ser convidado para jantar,

sentar-se à mesa, abençoa, parte o pão e come a ceia com os discípulos, resgata e

novamente vivencia a fração do pão realizado entre a comunidade cristã primitiva e

Jesus. Ao presentificar essa vivência revive neles a memória da ultima ceia (o fato)

e a emoção a ela relacionada: a despedida antes de ser crucificado e morto. Esta

presentificação da ceia possibilita aos discípulos dela participarem e reviverem o

banquete da vida, da comunhão, tendo como resultado a abertura aos olhos e o

reconhecimento do Ressuscitado que se faz caminhante junto deles e parte o pão

fazendo com que “ardam os seus corações” (Lc 24,32).

Sentar-se à mesa com Jesus, para os discípulos, na linguagem do

Evangelista Lucas, significa viver em um contínuo estar com ele, um ligar o próprio

destino e a própria vida ao seu destino e à sua vida, a reencontrar com o Seu

projeto; e ao reencontrar-se, com o Ressuscitado, encontrando ali a força

motivadora para retomar a missão de anunciá-Lo.

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O partir o pão fizeram ressuscitar Jesus na vida deles. Perderam o medo, recuperaram a esperança e o sentido da vida. Voltaram atrás, rumo a Jerusalém, a cidade violenta que tinha crucificado Jesus. Foram levar a boa notícia aos companheiros, para fazer renascer também dentro deles, caso fosse necessário, a esperança e o sentido da caminhada. Recomeçou a missão (MOSCONI, 1991, p.68)

Quando os olhos dos discípulos se abriram, eles reconhecem a Jesus que

passa a estar invisível diante deles e esse desaparece (cf. Lc 24,31), pois

recuperam a consciência de que de fato são seus discípulos, ao assumirem em si

não somente os seus gestos, e sim seu Projeto, vida e espiritualidade: Identificando-

se22 com Ele. Com a identificação, internalizam em si, a pessoa, a missão e o

destino de Jesus. Com a internalização de sua presença, a consequência é a não

necessidade de sua presença física. A internalização23 da sua presença é a certeza

que mesmo não estando visível, Ele se faz presente na interioridade de quem a

internalizou. Essa certeza é decorrente da atitude de confiança-básica no discípulo,

gerada na infância, na experiência de ter sido e sentir-se amado algum dia.

O reconhecimento e aceitação de que Jesus está vivo na interioridade da vida

do discípulo resulta na alegria, na renovação da fé e na volta imediata para

Jerusalém a fim de se integrarem à sua missão e anunciar que Ele vive. Os

discípulos encontram-se não somente com a memória do fato e do afetivo, mas com

a presença real de Jesus, com o próprio Mistério de Deus, o Ressuscitado que se

faz presente no ser. Por isso, a memória afetiva é um lugar teológico privilegiado de

Encontro Mistagógico com o Ressuscitado, pois é Dele a iniciativa de conduzir os

seus para dentro do seu Mistério onde se revela, para o encontro pessoal com Ele,

para o diálogo amoroso com cada um e com cada comunidade afim de que se

tornem responsáveis na mediação da gratuidade da Revelação de Deus a quem

está sendo inserido e está caminhando no caminho.

4.4 Lugar de Elaboração do Luto e Ressignificação da Perda (v.18-27)

O processo de elaboração do luto acerca da perda sentida pelos discípulos

devido à crucifixão e morte de Jesus, encontra espaço no percurso do caminho de

Jerusalém para Emaús, onde os discípulos presentificam a memória de tudo o que

foi significativo da vida do profeta em suas vidas, pois para Leonardo Boff (2004, p.

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80-83) “o caminho constitui um dos arquétipos mais arcaicos da psique humana. O

Ser humano guarda a memória de todo o caminho em busca do sentido”.

O caminho de Jerusalém para Emaús é o símbolo de tempo do processo de

elaboração do luto, aparece evidenciado entre os versículos 18 a 24, quando os

discípulos, no decorrer do caminho, conduzidos pelo próprio Ressuscitado na figura

do peregrino resgatam os fatos ocorridos com Jesus (v. 18-22) e a memória afetiva

que guardam d’Ele ao narrá-lo ao peregrino. No instante em que começam a falar

sobre sua dor e as expectativas das quais se alimentavam a partir da imagem que

tinham de Jesus (v.21) dão início ao processo de elaboração do seu luto e de sua

libertação emocional. Quem acompanha e conduz esse processo é o próprio

Ressuscitado que se faz presente no caminho e age como terapeuta. Ao aproximar-

se dos discípulos, deixar falar-lhes, escutá-los, e entendê-los em sua dor, são

atitudes que assume para o processo de auxílio para a elaboração do luto.

Os discípulos estão enlutados e as características de seu luto são as

mudanças fisiológicas que encontramos expressas como – desânimo “rosto sombrio”

(v.17), perda de esperança (v.21) e o desespero. Segundo Bermejo (2012) há fases

para o processo de elaboração do luto: a negação (abalo emocional, procura,

espera) e a aceitação (integração da dor, apoderamento do objeto da perda,

libertação das lembranças e valorização da auto-estima).

O luto é o processo de tomar contato consigo tornando real o acontecimento da perda. No luto expressa-se os sentimentos relacionados à perda presentes na mudança fisiológica. Apresenta algumas fases: a) A negação: como o abalo emocional - podendo durar longos dias ou instantes curtos, como horas. Os elementos que se manifestam nessa fase é a raiva, o desespero, o isolamento e a irritabilidade, que são defesas encontradas para a negação da perda. Outra fase é a procura. O enlutado busca o que perdeu. As manifestações de deslocamentos aos lugares que a pessoa gostava de frequentar, realização de atividades de que a pessoa em vida gostava de realizar, caracterizam essa procura na tentativa de recuperar o perdido. Acompanhado da procura está a Espera, caracterizada em manter os pertences do falecido no local em que ele ocupava (Ex: quarto arrumado como havia deixado no último encontro), pois acredita que a matéria irá retornar, é o desejo da permanência. Ao dar-se conta da realidade há um desencantamento e frustração pois o enlutado não realizou seu objetivo de encontrar-se com o que procurava. Momentos de choro, de tristeza, desapontamento são comuns nessa fase, pois a pessoa dá-se conta que suas tentativas foram ineficientes e diante disso, revela-se sem Esperança e entra em desespero (BERMEJO, 2012, p.83-85).

Esta é a realidade na qual os discípulos se encontram: desanimados, sem

esperança, é a dificuldade no primeiro momento de aceitar a morte, então há a sua

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negação na atitude de “fugir”24 para Emaús, sair do contexto vital que fez com que

surgisse a sua memória afetiva: a crucifixão e morte de Jesus, em Jerusalém.

Somada a essa dificuldade de aceitar a morte, encontra-se a perda da fé -

simbolizada em não acreditar no Anúncio das mulheres diante do túmulo Vazio

(v.22-24) – faz com que não consigam entender o motivo de todos os

acontecimentos onde, a intensidade da dor lhes impede de vislumbrar outra

dimensão do viver (v.16).

As palavras das mulheres espantaram-nos e alarmaram-nos [...]. A comprovação do testemunho das mulheres feita por Pedro tampouco conseguiu abri-los à fé. Os discípulos estão tão desiludidos e desesperançados, que nenhuma teoria do mundo – muito menos “visões de anjos”, relatadas por mulheres – seria capaz de fazer renascer neles a esperança. O túmulo Vazio não é para eles uma prova que Jesus ressuscitou [...] A razão aduzida e sublinhada para a falta de fé e de esperança dos discípulos é: “mas não o viram” (v.24). Se estivesse vivo ter-se-ia manifestado a eles em vez de enviar-lhes recados por mulheres (BARREIRO, 2001, p.37-38).

Ajudados pelo peregrino, os discípulos dão inicio a outra fase no processo de

elaboração do luto: a aceitação.

Caracteriza-se no apoderamento da energia afetiva investida no objeto da perda [o defunto] incorporando-a ao próprio Ego as partes boas da mesma. Nessa fase há compreensão de que a vida necessita ser continuada. Algumas séries de libertações das lembranças do objeto perdido: a reorganização dos espaços por este ocupado - ao iniciar a doação dos objetos por ele utilizado - há uma presente saudade e tristeza de pouca intensidade. [...] O que era isolamento do enlutado, passa-se a busca de encontrar-se com outras pessoas, a valorizar sua auto-estima e a disponibilizar-se em investir em outros projetos que lhe sejam significativos para sua vida dando-lhe um motivo para continuar a existir (BERMEJO, 2012, p.85-86).

Através da Escritura, interpretada pelo “peregrino” aos discípulos (v.27), eles

vão se abrindo à aceitação da realidade da morte, no instante que começam a

compreender o sentido: a entrada de sua glória (v.26) pelo caminho da entrega na

cruz, caminho de todo o discípulo de Jesus.

O peregrino consegue tirar do caminho a pedra de escândalo na qual os discípulos tropeçam: a incompreensão da paixão e a morte de Jesus. Corrige seu falso messianismo fazendo-lhes compreender que o desígnio salvífico do Pai devia ser realizado não mediante a manifestação espetacular do poder de Deus, mas pela fidelidade e entrega do Messias Sofredor no caminho do sofrimento até a morte para entrar em sua glória [...]. Não queremos aceitar um Messias Sofredor, queremos um Messias

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triunfador que nos salve sem passar pela cruz. Ora, o caminho da cruz foi justamente o escolhido por Deus para realizar seu desígnio salvífico. Não, há portanto, outro caminho de Salvação (BARREIRO, 2001, p.42).

Cabe aos discípulos retomar o caminho de Jesus na tarefa de aprofundá-lo e

encontrar-se com Ele a fim de recuperar N’Ele o motivo de seu existir e continuar a

sua missão para que seja possível seguir em frente com sua vida dando sentido ao

caminho e no caminhar para o Anúncio de que Ele está vivo (v.33-34) e se faz

presente na caminhada, nas Escrituras, no partir do pão, nas lembranças dos fatos e

afetivas que se mantém vivas quando são novamente presentificadas no instante

que reproduzem os gestos salvíficos de Jesus (cura, benção, partilha e distribuição

do pão, etc).

Se o luto é processo, é chance de olhar para a perda. A perda é

“carcaterizada pela carência ou ausência do motivo de significado do viver. A

ausência é a representação do Vazio que fica quando se perde um ente querido ou

algo estimado onde se depositou parte da energia afetiva com que se estabeleceu

vínculo” (BERMEJO, 2012, p.84).

Nos discípulos de Emaús, a perda como ausência do motivo que significa o

viver, é simbolizada na imagem do túmulo Vazio. Está Vazio, pois há ausência e

essa ausência é a de Jesus. Quando Jesus está ausente não há vida ou abundância

de vida! Exemplo, morte do filho da viúva de Naim (Lc 7,11-17), carência de pão (Lc

9,10-17), doenças e enfermidades (Lc 5,12-15;6,6-11; 8,49-56), carência de

misericórdia (Lc 6,27-38). O vazio do túmulo não significa o vazio da ‘não existência’,

porque ‘não existência’ segundo o dicionário Aurélio, é o Nada. E o vazio é a não

ocupação de um espaço.

Aplicando o conceito de ‘vazio’ à imagem do túmulo vazio, pode-se mencionar

que o mesmo se encontra nessa situação porque algo que estava ocupando seu

espaço foi deslocado e não deixou de existir, pois a ‘não-existência’ é o Nada. No

túmulo de Jesus, o vazio é o sinal do deslocamento deste para outro espaço ou

realidade a que pode ser chamada de Ressurreição. Na crença cristã da

comunidade primitiva e na atualidade, Jesus não deixou de existir, está existindo em

outra realidade que é a Ressurreição “o clamor da vida atravessou o ar, nenhum

túmulo foi capaz de retê-lo” (CHAMPLIN, 1985, p.241), por isso, menciona-se o

túmulo vazio.

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Entre o Vazio e o Nada encontra-se a força criadora de Deus. Somente Ele é

capaz de criar do Nada, de trazer a ‘não-existência’ à existência, à Ressurreição.

Explica-se assim, a presença da imagem dos anjos diante do túmulo, pois eles são

os mensageiros de Deus que anunciam a sua ação que traz vida no espaço em que

ela está ameaçada ou extinta. Ao ressuscitar a Jesus revela sua fidelidade, “não

abandona o homem na morte, deixando-o desaparecer para sempre. Porque é fiel, e

ao mesmo tempo um Deus da vida, vai manter o ser humano para além da morte”

(BLANK, 2004, p.100), e permite-o se fazer presença novamente nos caminhos da

humanidade, caminhando com os seus discípulos (v.15), mesmo que não o

reconheçam (v.16), interpretando as Escrituras (v.27), permanecendo com eles

(v.29); tomando, abençoando, partindo o pão e distribuindo-o(v.30): “Jesus lhes dá

o mesmo sinal que lhes dera na cena do partilhar dos pães (Lc 9,16) que os levou a

reconhecê-lo como Messias (9,18-20)” (RIUS-CAMPS, 1995, p. 352), ativando neles

a sua memória afetiva representada no “arder do coração” – que lhes permite a

presentificar os momentos vivenciados com Ele, assim, passam a ter a certeza que

pela fé, não é apenas uma lembrança, e sim, presença real e transformada pela

ressurreição.

Ela traz esperança que “é essencial nos seres humanos, que não podem

resistir muito tempo sem ela; quando se tira a esperança a alguém, costuma cair em

estado tão profundo de depressão que seja qual for o desenlace, a sua vida torna-se

miserável e ausente de sentido” (BERMEJO, 2012, p.107). Ela preenche o vazio

com vida, a ausência com a presença que permite ressignificar a perda com o ânimo

que impulsiona a superar o medo, o desânimo, a tristeza, a entregar a vida com

sentido.

Os discípulos ao elaborarem o luto na compreensão do sentido da missão de

Jesus, por meio das Escrituras, ressignificam a sua perda no anuncio da

Ressurreição (Lc 23,30) que convida a assumir uma postura de alegria superando o

desânimo, o isolamento, e a gerando disposição de sair de si, retomando o caminho

(retorno a Jerusalém), colocando-se ao encontro do outro, sendo os portadores do

Anúncio do Ressuscitado ao levarem na sua memória afetiva a experiência do

encontro com Ele.

A memória da dor está presente, mas há um motivo para se continuar a viver:

o motivo é a Ressurreição que é experiência de fé que leva ao anúncio alegre (Lc

24,9), o reencontrar-se com o Projeto de Jesus – no caminho, na memória afetiva

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(gestos, vivências), nas Escrituras e do partir do pão - e dar continuidade à sua

missão, abrindo-se a um horizonte de possibilidades, pois a experiência diante da

morte ajudou-os para a tomada de consciência de que tendem a se realizar na

medida em que cumprem com seus ideais frente ao que a vida lhes proporcionou,

por isso, a morte de Jesus encontra sentindo no seu contrário: no sentido em que se

deu a sua vida.

É por esse sentido de vida de Jesus que fala à vida dos discípulos e os

motiva a seguirem, retomando o seu caminhar, mesmo no momento mais dolorido

de sua existência, pois segundo, Frankl (2008, p.128) “[...] nada no mundo contribui

tão efetivamente para a sobrevivência, mesmo que nas piores condições, como

saber que a vida da gente tem um sentido”. Saber que a vida tem um sentido

permite a elaboração do luto e a ressignificação da perda.

5 O Anúncio do Ressuscitado (v.33-35)

Após terem realizado a experiência mistagógica do encontro com o

Ressuscitado, os discípulos retornam para Jerusalém, animados na missão de

anunciar aos demais discípulos que ali permaneceram, que Jesus está vivo e como

eles O encontraram e O reconheceram pelo caminho.

Esta missão de evangelizar não é exclusiva dos Onze. Todos os que se encontram com o Ressuscitado ouvem o chamado a transmitir sua própria experiência a outros. [...] Entre os cristãos da segunda e terceira geração recordava-se que fora o encontro com Jesus vivo depois de sua morte que havia desencadeado o anúncio contagioso da Boa Notícia de Jesus (PAGOLA, 2011, p.508).

A narração de como se realizou a experiência, é resultado do processo de

resgate da Memória Afetiva possibilitada pelas suas funções, pois toda a narrativa

se encontra envolvida por uma memória do fato e pela carga emocional vinculada a

ela – memória afetiva - que contribui para que o Anúncio da Boa Nova da

Ressurreição, de alegria e da evangelização de que Jesus Ressuscitado se faz

presente no caminhar. As funções da memória afetiva estão presentes nas ações de

quem anuncia e convida para o discipulado de Jesus. Ela revela-se como um

caminho pascal, lugar teológico para a comunidade cristã, encontra-se com o

Ressuscitado.

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Essa narração é uma projeção do que são as experiências mistagógicas da

Igreja na atualidade, pois é a partir dela que a pessoa que realizou a experiência,

anuncia às outras o que lhes marcou no mais profundo em sua afetividade. Isso

ocorre por meio da ativação da sua memória afetiva: que, ao fazer-lhes o Anúncio,

em sua fala, transmite a vinculação afetiva com a qual estabeleceu com a

experiência – como a percebeu, se sentiu: agradável ou desagradável – mais do que

o conteúdo em si revelado.

Esse processo ocorreu de modo semelhante nos diferentes cenários da

Igreja25 que foram emergindo ao longo dos séculos, a partir da experiência da

memória afetiva que receberam sobre o Ressuscitado. Dessa memória originaram-

se os modelos eclesiais, os processos evangelizadores decorrentes desses modelos

e às imagens de Deus e do Ressuscitado.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo de pesquisa, na composição deste trabalho, ofereceu a

possibilidade de reinterpretar a narrativa bíblica através da memória afetiva,

identificadas na perícope, e apontá-la como um novo caminho possível de encontro

com o Ressuscitado, dentro do caminho do Evangelho, visto que na interpretação

tradicional os teólogos apresentam somente duas possibilidades de percursos no

caminho do Evangelho: as Escrituras e o Partir do Pão.

A descoberta da memória afetiva é uma novidade que o próprio Ressuscitado

faz emergir na consciência de seus discípulos como caminho de revelação e

encontro com Ele. É novidade do Espírito! Ela se faz necessária para anunciá-Lo,

pois não resgata somente o vínculo afetivo que permite o discípulo a reconhecê-Lo

no caminho (v.33-35), mas também a resgatar o Sitz im Leben dos acontecimentos,

a presentificar a memória, a experiênciá-la como lugar de encontro Mistagógico, a

elaborar o luto e ressignificar a perda para retomar a continuidade da vida e cumprir

com sua missão. Essa encontra sentido na vida de Jesus e em sua missão de

evangelizar, libertar, curar (cf. Lc 4,18-19), abençoar, partir e distribuir o pão no

banquete oferecido a todos (cf. Lc 24,30; Lc 14,15-24) na partilha comunitária e no

seu Anúncio.

O anunciar está submetido à memória afetiva de quem proclamará o anúncio,

na articulação dessa memória, como foram registradas, são elaboradas,

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compreendidas e interpretadas pela pessoa. O registro, a elaboração, compreensão

e interpretação da memória fornecerão elementos de como poderá se construir a

imagem de um Jesus Ressurreto a ser transmitida nos processos evangelizadores e

nos modelos eclesiais assumidos pela comunidade cristã primitiva e atual como

missão. Assim, ocorreu na construção dos Evangelhos sinóticos ao utilizar-se da

memória afetiva que cada comunidade registrou sobre Jesus de Nazaré.

Escreveram a sua interpretação teológica da história, demonstrando o jeito de ser de

Jesus como Ressuscitado em cada Evangelho. Neste caso, na perícope do

Evangelho de Lucas, pela qual optamos pesquisar, revela Jesus vivo e próximo ao

se fazer presente como peregrino e companheiro de caminho na caminhada de seus

discípulos. Aí se revela, por meio das Escrituras, ao partir do pão, seus gestos

salvíficos, resgatados pela memória afetiva que os conduz para dentro de seu

Mistério oportunizando o encontro mistagógico e o Anúncio que é o Ressuscitado

(v.33-34).

Esta pesquisa não quer dar conclusões fechadas, bem pelo contrário, deseja

ser uma provocação à riqueza da temática que ainda permanece envolvida pelo

Mistério, o qual possibilita sua exploração em profundidade. É resultado da reflexão

pessoal, do diálogo com obras que abordam o tema, de modo especial, a Memória

Afetiva, bem como as interpretações realizadas por outros autores a respeito da

narrativa de Lc 24,13-35. Sua abordagem é limitada, devido ao tempo, espaço e

compreensão do autor da pesquisa. É atual, pois sugere a pergunta sobre as

memórias afetivas que estão registradas na história existencial de cada pessoa, as

quais animam o sentido de compreender-se, posicionar-se no mundo e o que faz

“arder o seu coração” (cf. Lc 24, 32).

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THE FUNCTIONS OF AFFECTIVE MEMORY IN AN ANNOUNCEMENT OF THE

RISEN IN LUKE 24,13-35

ABSTRACT

Beginning with the interpretation of the paragraph of the Gospel written by Lc 24,13-

35, the idea was to identify the presence of the affective memory and understand its

functions for the announcement of the Resurrected Christ transmitted to the ancient

Christian community as well as to the present day communities. The emotional

background of the happenings is inserted in the memory of individuals. Even being

the facts forgotten, the residue is still there, and it is called affective memory. The

crucifixion of Jesus enables the emergence of the traumatism from where the

affective memory comes, due to the emotional behavior experienced by the disciples

who are tempted to give up, to lose hope in the Jesus Project and to deny his death,

to run away from the vital context in which it was brought forth : Jerusalem The

fleeing from Jerusalem to Emaus was the means they found to deny the reality of

their pain and loss. They were challenged to endure the process of accepting that

reality, elaborate grief and facing the strong side of pain in order to find strength

and order to believe, to have hope and to keep on living in accordance with their

mission, and give new meaning to their great loss.

The resurrected himself, while behaving as a companion walker, helps them to

understand the meaning of their life and mission. And, in order to achieve the aim,

he makes use of directions which the Evangelist Lukas brings forth as a mean to

encounter Him : the path of the Gospel, the Holy Scriptures and the Parting of the

Bread and the path of the Church, through the actions of the Apostles. Inside the

path of the Gospels emerges the Affective Memory as a novelty in the dialogue

between the Resurrected One and his disciples.

Keywords: Affective Memory. Gospel of Saint Luke. Mystagogy. Presentification.

Mourning.

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NOTAS EXPLICATIVAS

1 As citações bíblicas são retiradas da Biblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

2 O caminho de Jesus envolve toda a atividade e vida, morte e ressurreição de Jesus na qual Deus

realiza sua ação salvífica na história revelando o Reino. 3 O caminho da Igreja é a missão de continuar a ação salvadora de Deus no mundo em todos os

contextos, tempos, lugares e culturas, acompanhada pela força do Espírito de Deus e de Jesus proporcionado à comunidade após o episódio de sua morte e ressurreição. 4 Querigma tem origem no grego Kérygma, que significa proclamar, gritar, anunciar. Na linguagem

teológica é apresentar, proclamar, gritar, anunciar a Jesus Cristo, morto e ressuscitado. Primeiro anúncio evangelizador realizado pelo discípulo no intuito de anunciar a Boa-nova de Jesus Cristo (cf. CADERNOS CATEQUÉTICOS, 2011, p. 46). 5 O termo Mistério vem do grego “mystérion”, secreto, relaciona-se com a ação de calar a boca; o verbo é “mýein”, fechar, calar; “mýstes”, que se fecha, o que guarda segredo. Mistério é o designio divino da salvação concentrado na pessoa de Jesus, sua vida, morte e ressurreição (CADERNOS CATEQUÉTICOS, 2011, p.75). 6 O centro do poder para os cristãos e para o governo imperial da época era Roma, capital do Império

Romano. O livro de Atos dos Apóstolos relatará a expansão do Evangelho de Jerusalém até Roma. Mas Jerusalém é outro centro de poder pelo fato de ser o local da morte e da Ressurreição de Jesus, e origem da irradiação do Anúncio do querigma, da Palavra à todas as Nações. 7 Citação de rodapé na obra de MOREIRA, 2012, p.16 apud BROWN, 2012, p.328.

8 O termo Teófilo, provém do grego e significa amigo de Deus (ALBERTIN 2008, p.164).

9 Outros autores sustentam essa ideia: CNBB, 1997, p.25; STORNIOLO, 2011, p.10; MARCONCINI,

2001, p. 149. 10

Ver <http://pensador.uol.com.br/adelia_prado_frases/>. Acessado em 03 de novembro de 2015. 11

A Estruturação é uma proposta de organização nossa a partir da releitura da perícope sob o viés da Memória Afetiva que tem como finalidade ajudar a melhor identificar e compreender a presença e as funções da Memória Afetiva que aparece na narrativa. 12

A condução e inserção no processo é realizado pelo Ressuscitado na recuperação dos momentos vividos assim possibilitando o encontro com o Mistério isto é, Encontro Mistagógico. 13

A Elaboração do luto inicia no momento em que os discípulos começam a falar de sua dor e causa de desesperança. Todo o diálogo da narrativa perpassa o processo de elaboração do luto e ressignificação da perda. Ela começa quando são inquietados pela pergunta de Jesus (Lc 24,17) 14

O Ressuscitado faz compreender o sentido da missão de Jesus utilizando-se das Escrituras. A ressignificação da perda se dá no símbolo da fração do pão e na Ressurreição que traz esperança. 15

O conceito presentificação é explicado por Gilberto Safra em seu artigo: os registros do masculino e feminino na constituição do self. Jornal da Psicanálise. São Paulo: Jun. 2009, n.76 v.42, p. 30. Em nosso trabalho aplicamos o conceito como uma possibilidade de função da Memória Afetiva. 16

SAFRA, Gilberto. Os registros do masculino e feminino na constituição do self. Jornal da Psicanálise. São Paulo: Jun. 2009, n.76 v.42.p.31 e Memória e subjetivação. Disponível> <http://www.fafich.ufmg.br/memorandum/artigos02/artigo03.pdf> Acessado em 12 de setembro de 2015. 17

Ações militares e políticas eram esperadas pelos membros da comunidade de Jesus referente ao Messias pois estavam desejosos de uma intervenção extraordinária de Deus na história que acabasse com toda a desgraça, pois sentiam-se ameaçados e perseguidos (MOSCONI, 1991, p.19) 18

A palavra “Sua” refere-se a missão de Jesus. 19

Resultado fisiológico da carga emocional. 20

Aquele que conduz para dentro do Mistério (COSTA, 2015, p.7). 21

A fim de explicar o termo “Messias”, contamos com a ideia do autor BULL (2009). No tempo pós-exílico é título atribuído a pessoa na qual se depositava a esperança escatológica de libertação. No tempo de Jesus há diversos textos que apontam para a esperança de um Messias. Este carrega os traços idealizados de Davi, de soberano, em que na sua soberania espera-se tempo de paz, de fidelidade à Torá e de Justiça. Deve terminar o domínio estrangeiro sobre Israel e trazer de volta os que estão dispersos. Os cristãos interpretam a morte de Jesus unindo a tradição do servo justo sofredor com a concepção do Messias. Ambas palavras: Messias e Cristo significam ungido (BULL, 2009, p.192). 22

Para explicar o termo tomamos apropriação dos autores CENCINI & MANENTI. Identificação é o processo pela qual um indivíduo adota um comportamento, conjunto de valores, de um modelo referencia o qual deseja ser acreditando e fazendo aquilo que o modelo faz (identificação clássica),

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ou modela seu comportamento segundo expectativa de um grupo (identificação com o grupo), pois esse serve para manter uma relação de gratificação com outro individuo ou grupo afim de conservar uma imagem positiva de si mesmo. O processo de identificação é necessário para a aquisição de valores. O valor é como uma mensagem a ser transmitida e precisa da relação para sua transmissão (CENCINI & MANENTI, 2ª ed. 1998, p.351-353). 23

O termo Internalização é o processo em que o indivíduo introduz em seu interior um conjunto de valores, conteúdos de comportamento coerente com seu próprio sistema de valores ou modo de ser fazendo-lhe próprio reconhecendo-lhe a identidade pessoal (CENCINI & MANENTI, 2ª Ed.1998, p.361). 24Convém salientar aqui que, quando a pessoa revive suas memórias afetivas manifestas com

pesar, amargor e depressão regride e passa a viver como vítima, injustiçada e, não raro, assume um posicionamento infantil negando a realidade objetiva do fato. Essa dinâmica não leva a enfrentar a realidade da vida com objetividade e de modo adulto, mas com forte carga subjetiva que a impede de crescer e sobrepor-se a fatos negativos ocorridos numa etapa da vida. Esse não é o caminho do crescimento e da maturação humana e espiritual, pois a pessoa “teima” em permanecer fixada no passado negativo. Essa fixação a leva reviver o sofrimento que não é redentor. 25

Aqui optamos por não abordar a temática dos Cenários da Igreja mas apenas fazermos menção de que há diferentes cenários na Igreja os quais Libânio aborda-os com as seguintes categorias: a Igreja Instituição (símbolo = o apóstolo Pedro, a hierárquia), a Igreja da Pregação (símbolo = Escritura/Palavra), a Igreja do carisma (símbolo = o Espírito) e a Igreja da práxis-libertadora (símbolo = o pobre). A quem desejar aprofundar para maior compreensão encontrará explicação desenvolvida acerca dos conceitos em LIBÂNIO, J. Batista. Cenários da Igreja. Disponível em <http://www.vidapastoral.com.br/artigos/eclesiologia/cenarios-da-igreja/>. Acessado em 02 de novembro de 2015.

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