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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR CES VII CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIAS AS NAÇÕES UNIDAS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GOVERNANÇA GLOBAL: UM ORDENAMENTO SISTEMÁTICO PARA A SOCIEDADE INTERNACIONAL Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Relações Internacionais na Universidade do Vale do Itajaí. ACADÊMICO: ORESTE PEDRO MAIA ANDRADE JUNIOR São José (SC), fevereiro de 2006.

AS NAÇÕES UNIDAS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA …siaibib01.univali.br/pdf/Oreste Junior.pdf · inglesa (com atenção especial à obra A Sociedade Anárquica de Hedley Bull), do

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR CES VII CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIAS

AS NAÇÕES UNIDAS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GOVERNANÇA GLOBAL:

UM ORDENAMENTO SISTEMÁTICO PARA A SOCIEDADE INTERNACIONAL

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Relações Internacionais na Universidade do Vale do Itajaí.

ACADÊMICO: ORESTE PEDRO MAIA ANDRADE JUNIOR

São José (SC), fevereiro de 2006.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR CES VII CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIAS

AS NAÇÕES UNIDAS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GOVERNANÇA GLOBAL:

UM ORDENAMENTO SISTEMÁTICO PARA A SOCIEDADE INTERNACIONAL

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Relações Internacionais na Universidade do Vale do Itajaí, sob orientação da professora Dra. Karine de Souza Silva.

ACADÊMICO: ORESTE PEDRO MAIA ANDRADE JUNIOR

São José (SC), fevereiro de 2006.

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We travel together, passengers on a little space craft, dependent upon its

vulnerable reserves of air and soil, all committed for our safety to its

security and peace, preserved from annihilation only by the work, the care

and, I will say, the love we give our fragile craft. We cannot maintain it half

comfortable, half miserable; half confident, half despairing; half slave to the

ancient enemies of mankind, half free in a liberation of resources undreamed

of until this day. No craft, no crew, can travel safely with such vast

contradictions. On their resolution depends the survival of us all .

Adlai Ewing Stevenson (1900-1965), United States

Ambassador to the United Nations

We don t inherit the Earth from our ancestors, we borrow it from our

children .

David Brower (1912-2000), Earth Island Institute founder

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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS...........................................................p. 5

RESUMO......................................................................................................p. 7

ABSTRACT..................................................................................................p. 8

RÉSUMÉ.......................................................................................................p. 9

RESUMEN..................................................................................................p. 10

INTRODUÇÃO..........................................................................................p. 11

1. O CONCEITO DE SOCIEDADE INTERNACIONAL E A BUSCA

PELA ORDEM EM UM MUNDO ANÁRQUICO...........................p. 14

1.1. Considerações Preliminares...............................................................p. 14

1.2. Formação da Teoria da Sociedade Internacional.............................p. 15

1.2.1. Aporte histórico-evolutivo da Sociedade de Estados.......................p. 16

1.2.2. Considerações teóricas sobre a Sociedade Internacional.................p. 20

1.3. Ordem Mundial...................................................................................p. 27

2. GOVERNANÇA GLOBAL: O SISTEMA DE ORDENAÇÃO DA

SOCIEDADE INTERNACIONAL.....................................................p. 33

2.1. Considerações Preliminares...............................................................p. 33

2.2. A inter-relação de Governança Global, Regimes e Organizações

Internacionais......................................................................................p. 35

2.2.1. As organizações internacionais........................................................p. 35

2.2.2. Os regimes internacionais.................................................................p. 40

2.2.3. A Governança Global.......................................................................p. 44

2.3. A atualização do conceito de Governança Global............................p. 53

3. AS NAÇÕES UNIDAS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA

GOVERNANÇA GLOBAL.................................................................p. 58

3.1. Considerações Preliminares...............................................................p. 58

3.2. A importância das instituições internacionais e o universalismo....p. 59

3.3. As Nações Unidas: o fortalecimento da organização como requisito ao

desenvolvimento da Governança Global...........................................p. 65

3.3.1. Breve histórico das Nações Unidas..................................................p. 66

3.3.2. Estrutura das Nações Unidas............................................................p. 68

3.3.3. Reforma das Nações Unidas.............................................................p. 73

3.3.4. A alternativa cosmopolita.................................................................p. 78

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................p. 85

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.....................................................p. 88

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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

À Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), pelas oportunidades acadêmicas

e pelo ensino;

À Universidade Del Salvador (USAL) e à Universidade de Lille (USTL) pela

acolhida; Às pessoas de Fernando Salleras e Camille Del Rue respectivamente.

À Embaixada do Brasil em Buenos Aires e à Organização dos Estados

Americanos, pelas primeiras experiências laborais; Às pessoas de Roberto Furian

Ardenghy e Alessandro Warley Candeas, ambos do Itamaraty, e a Pablo Zúñiga,

Bautista Logioco e Mariana Herrera, da OEA.

A todo o corpo docente da UNIVALI, composto de muito mais amigos que

professores: Amarildo Felipe Kanitz, Aloysio Martins de Araújo Jr., André Vinícius

Tschumi, André Lipp Pinto Basto Lupi, Denise de Mesquita Correa, Emília

Schveitzer, Gabriel Cepaluni, Hercílio Bathke, Karine de Sousa Silva, Luiz Magno

Pinto Bastos Jr., Marcelo Alves, Márcio Roberto Voigt, Paulo Emílio Vauthier

Borges de Macedo, Paulo Jonas Grando, Roberto Di Sena Jr., Rolando Humberto

Coto Varela.

A minha orientadora de monografia, Karine de Souza Silva, pelas diretrizes

iniciais e finais em trabalhos acadêmicos; pelos valiosíssimos conselhos profissionais,

que fortificaram minha perseverança nas Relações Internacionais; pela orientação

deste trabalho.

Ao meu co-orientador Paulo Jonas Grando, pela crença em seus alunos; pela

motivação; pelas broncas; pelos esforços em nome do curso de Relações

Internacionais da UNIVALI; pelas lições e colaborações imprescindíveis à realização

deste trabalho; pelo encorajamento; pela demonstração natural da grandeza do ser

humano que é; pela real tutoria acadêmica, à qual serei eternamente grato.

Aos grandes amigos: Daniela de Azevedo Silva, Elaine Cristina Cezario,

Alexandre Manoel Brum, Alini Braun, Stefânia Forner, Marcelo Zeni, Luana

Zandavalli Lima, Beatriz Bastos Moreira Lima, Julieta Sayán, Emiliano Andrés La

Rocca, Mariana Celerier, Maria Soledad Ali, Mireille Visser, Maarten Booschem,

Stoyan Ivanov, Laura Lee Spring, Johannes Skarka, Joris Fierens, Chrystal Kunosson,

Dieter Alvoet, Ignacio Goñi, Mauricio Seguel Ioos, Victoria Subercaseaux, Mireille

Saad, Jean-Pierre Marchant, Sean Bartlett, Meghan Allen, Hank Sheldon, Sofia

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Sepúlveda, Camila Martins de Araújo Gontijo e Diana Judith Lewin; cuja única

separação entre nós é física;

Aos amigos do peito, Gabriel Sant Anna Palma Santos e Raphael Spode, pela

companhia, pela comunhão de ideais e pela partilha dos grandes e memoráveis

momentos da faculdade;

Aos meus familiares, pelos valores morais;

Ao meu irmão Stenio Augusto Lopes Andrade, pela lição diária da real

fraternidade;

Aos meus pais, Oreste Pedro Maia Andrade e Dalva Elisa Lopes Andrade, pela

confiança, pela fé e pela vida;

A Deus, por tudo.

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RESUMO

Investigar se as Nações Unidas são capazes de institucionalizar a Governança

Global é o objetivo geral desta monografia, cujo tema é o papel da Organização nesta

meta. A hipótese é positiva, principalmente em se considerando uma reforma

democrática da Organização. A teoria de base é uma fusão do racionalismo da escola

inglesa (com atenção especial à obra A Sociedade Anárquica de Hedley Bull), do

pragmatismo da Governança Global (especificamente dos estudos de James Rosenau

sobre este tema) e do movimento reformista das Nações Unidas.

Para o desenvolvimento do texto serão apreciadas considerações acerca de

Sociedade Internacional, ordem mundial, regimes internacionais, organizações

internacionais e cosmopolitismo, além de uma contextualização histórica, estrutural e

perspectiva das Nações Unidas.

Tal iniciativa se baseia na constatação da existência de inúmeros estudos que

já estabeleciam vínculos entre a Sociedade Internacional e a Governança Global, e de

outros entre esta e as Nações Unidas, porém jamais sequer um esboço que

equacionasse estes três tópicos.

Foi hipotético-dedutiva e analítico-qualitativa a metodologia de pesquisa, cuja

opção teórica fundamentou-se: 1) na documentação indireta, através de pesquisa

bibliográfica e documental, e; 2) na fonte direta, por meio da audiência a palestras. Na

construção do texto, as citações com origem em línguas estrangeiras foram traduzidas

livremente pelo autor.

Esta pesquisa foi motivada pela absoluta crença nas Relações Internacionais

como receptáculo de outras ciências mais tradicionais

como a Filosofia, o Direito, a

Economia etc.

que interagem harmoniosamente em sua singular

multidisciplinariedade, moldada pela vasta amplitude da política internacional,

permitindo um humanismo dinâmico e prático, contribuinte do progresso da

humanidade.

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ABSTRACT

To investigate whether the United Nations are capable to institutionalize the

Global Governance is the general aim of this paper, which purpose is to identify the

Organization s role in this goal. The hypothesis is positive, namely considering a

democratic reform of the Organization. The support theory is a fusion of the English

School s rationalism (particularly Hedley Bull s The Anarchical Society), of the

pragmatism of Global Governance (mostly the James Rosenau studies of this theme)

and of the reformist movement of the United Nations.

For this essay considerations on International Society, international order,

international regimes, international organizations and cosmopolitism should be

appreciated, as well as a historical, structural and perspective contextualization of the

United Nations.

Such an initiative bases itself on the conception of the existence of several

studies that have established links between International Society and Global

Governance.

The research methodology was hypothetic-deductive and analytic-qualitative,

which had by theorical option: 1) the indirect documentation, through the

bibliographical and documental research, and; 2) the direct source, over lectures

attending. Pertaining to text translation, the foreign language quotations were freely

translated by the author.

This research was motivated by the absolute belief in International Relations

as a receptacle of other more traditional social sciences

such as Philosophy, Law,

Economics etc.

which harmoniously interact on International Relations unique

multidisciplinariety character, framed by the wide amplitude of international politics,

allowing a dynamic and practical humanism, and thus contributing to the welfare of

humanity.

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RÉSUMÉ

Rechercher si les Nations Unies sont capables d institutionaliser la

Gouvernance Globale c est l objectif général de cette monographie, dont le sujet n est

que le rôle de l Organisation dans ce but là. L hypothèse est positive, principalement

en considerant une reforme démocratique de l Organisation. La théorie de base est

une fusion du racionalisme de l école anglaise (avec attention spéciale à l ouvrage La

Société Anarchique d Hedley Bull), du pragmatisme de la Gouvernance Globale

(spécifiquement des études de James Rosenau sur ce thème) e du mouvement

reformiste des Nations Unies.

Pour le development du text, ils seront appreciées les considerations sur la

Société Internationale, l ordre international, les régimes internationaux, les

organisations internationales et le cosmopolitisme, en plus d une contextualisation

historique, structurel et perspective des Nations Unies.

Telle initiative se base sur la constatation de l éxistance de divers études

qu établissaient déjà des liens entre la Société Internationale et la Gouvernance

Globale, aussi que d autres entre celle-ci et les Nations Unies, mais jamais un

esquisse qu équationnait ces trois topics là.

Elle a été hypothétique-deductive et analytique-qualitative la méthodologie de

recherche, dont l option théorique a été: 1) la documentation indirecte, à travers la

recherche bibliographique et documentale, et; 2) la source directe, via l audience à

conférences. Dans la rédaction du texte, les citations d origine étrangère ont été

traduisées librement par l auteur. Cette recherche a été motivée par l absolute

croyance dans les Relations Internationales comme receptacle d autres sciences plus

traditionelles

la Philosophie, le Droit, l Économie etc.

qu interactuent

harmonieusement dans son unique multidisciplinariété, moulée par la vaste amplitude

de la politique internationale, permettant un humanisme dynamique et practique,

contributeur du progrès de l humanité.

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RESUMEN

Investigar si las Naciones Unidas son capaces de institucionalizar la

Governancia Global es el objetivo general de esta monografía, cuyo tema es el rol de

la Organización en esta meta. La hipótesis es positiva, principalmente considerando

una reforma democrática de la Organización. La teoría de base es una fusión del

racionalismo de la Escuela inglesa (con atención especial en la obra La Sociedad

Anárquica de Hedley Bull), del pragmatismo de la Governancia Global

(específicamente de los estudios de James Rosenau sobre este tema) y del movimiento

reformista de las Naciones Unidas.

Para el desarrollo del texto van a ser apreciadas consideraciones sobre

Sociedad Internacional, orden internacional, regímenes internacionales,

organizaciones internacionales y cosmopolitismo, además de una contextualización

histórica, estructural y perspectiva de las Naciones Unidas.

Tal iniciativa se basa en la constatación de la existencia de diversos estudios

que ya establecían vínculos entre la Sociedad Internacional y la Governancia Global y

de otros entre ésta y las Naciones Unidas, pero jamás siquiera un esbozo que fusione

estos tres tópicos.

Fue hipotético-deductiva y analítico-cualitativa la metodología de

investigación, cuya opción teórica se ha fundamentado: 1) en la documentación

indirecta, a través de la investigación bibliográfica y documental, y; 2) en la fuente

directa, por medio de audiencias y conferencias. En la construcción del texto, las

citaciones con origen en lenguas extranjeras fueron traducidas libremente por el autor.

Esta investigación fue motivada por la absoluta creencia en las Relaciones

Internacionales como receptáculo de otras ciencias más tradicionales

como

Filosofía, Derecho, Economía etc.

que interactúan armoniosamente en su singular

multidisciplinariedad, moldeada por la ancha amplitud de la política internacional,

permitiendo un humanismo dinámico y práctico, contribuyente del progreso de la

humanidad.

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INTRODUÇÃO

Investigar se as Nações Unidas são capazes de institucionalizar a Governança

Global é o objetivo geral desta monografia, cujo tema é o papel da Organização nesta

meta. Para a resolução deste problema de investigação três questões específicas

haverão de ser respondidas:

1) O sistema de Estados, em sua busca por ordem, constitui-se em uma

Sociedade Internacional, conforme os termos de Hedley Bull?

2) De que forma a Governança Global, amparada pelos regimes e

organizações internacionais, impõe uma ordem sistemática à Sociedade

Internacional?

3) Como as Nações Unidas, através de uma reforma democrática, constituem-

se na organização internacional mais apta a institucionalizar a Governança

Global?

Os três capítulos em que a monografia está dividida exploram,

sucessivamente, a resposta a estas três questões, de modo a, por fim, responder ao

objetivo geral.

A teoria de base é uma fusão do racionalismo da escola inglesa (com atenção

especial à obra A Sociedade Anárquica de Hedley Bull), do pragmatismo da

Governança Global (especificamente dos estudos de James Rosenau sobre este tema)

e do movimento reformista das Nações Unidas.

O primeiro capítulo busca contextualizar a conceituação e o estudo sobre a

Sociedade Internacional. Pretende-se, além de se levantar algumas das principais

discussões terminológicas, elucidar os aportes necessários à compreensão de como

este se tornou o objeto de estudo das Relações Internacionais (conforme a perspectiva

adotada, a ser explicada a seguir). A importância desse aspecto refere-se à existência

de valores, problemas, normas e interesses que trespassam as fronteiras nacionais (ou

seja, pertencem à Sociedade Internacional como um todo), constituindo o arcabouço

de razões para o exercício da Governança Global.

A justificativa deste primeiro capítulo encontra-se no fato de que a ciência das

Relações Internacionais surgiu no início do século XX, tendo por objeto explicar a

existência das guerras, mas que no último quartel do referido século assistiu a

expansão deste objeto, fundindo tópicos como cooperação, resolução de conflitos,

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promoção da democracia, preservação ambiental, resguarda dos direitos humanos,

papel dos novos atores etc. De acordo com alguns estudiosos, como Hedley Bull, a

busca por ordem contribui para a modificação do objeto da disciplina, resumindo-o

como Sociedade Internacional (conforme será visto adiante). Entende-se que,

contudo, essa mudança de objeto constitui, na realidade, não uma alteração per se,

mas um refinamento conseqüente da evolução do mesmo.

Após o capítulo introdutório, a finalidade do segundo capítulo é de explicar a

Governança Global, através da articulação de regimes e organizações internacionais,

como mantenedora incomparável da paz e da segurança internacionais. Considera-se

tal aspecto significativo pois, sobretudo a partir da segunda metade do século XX,

competências tradicionalmente nacionais passaram a ser delegadas a organizações

internacionais que trabalham por interesses comuns. A percepção, por parte dos

Estados nacionais, de que a proteção dos interesses domésticos possuiria maior

solidez quando buscados em convergência com interesses internacionais, constitui a

razão pela qual tanto se desenvolveram essas organizações nos últimos tempos.

A proposta da Governança Global surge como uma possível resposta às

demandas do objeto refinado da disciplina. Essa perspectiva aparece quando, tanto na

academia quanto nas organizações internacionais, e até mesmo na sociedade civil, se

percebe que a gerência da Sociedade Internacional não pode mais se restringir

unicamente aos belicistas de gabinete. A Governança Global é uma alternativa à

clássica política de poder, que busca a satisfação dos interesses comuns por meio da

convergência dos interesses nacionais e jamais pela polarização destes.

Por fim, o terceiro capítulo analisa como a Organização das Nações Unidas,

sendo o principal fórum internacional contemporâneo, pode, através de reformas

específicas em sua estrutura, priorizar a mise-en-place da Governança Global na

agenda internacional.

A perspectiva organizacional permite compreender que as Nações Unidas são

a principal via institucionalizadora da proposta de Governança Global, sendo que a

melhoria da representatividade democrática do sistema de poder da Organização, a ser

alcançada por meio de uma reforma, é elemento-chave na recuperação de sua

efetividade e de seu prestígio.

A hipótese sustentada neste trabalho é a de que as Nações Unidas são capazes

de institucionalizar a Governança Global, principalmente através de uma reforma da

instituição.

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Foi hipotético-dedutiva e analítico-qualitativa a metodologia de pesquisa, cuja

opção teórica fundamentou-se: 1) na documentação indireta, através de pesquisa

bibliográfica e documental, realizada em frutíferas consultas às Bibliotecas da

Universidade do Vale do Itajaí, da Universidade de Brasília, da Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro, do Real Gabinete Português de Leitura e,

inclusive, da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, e; 2) na fonte direta,

através de audiência a palestras, na Fundação Nacional de Estudos e Pesquisas, no

Woodrow Wilson Center for Scholars e no International Institute of Economics,

ambos os últimos em Washington. Na construção do texto, as citações com origem

em línguas estrangeiras foram traduzidas livremente pelo autor.

Cabe ressaltar que a mesma certamente não está isenta de juízo de valores,

pois se estivesse seria estéril, mas é importante notar que seu interesse é estritamente

intelectual. A inter-relação entre Sociedade Internacional, Governança Global e

Nações Unidas se deve fundamentalmente à intenção de contribuir com uma temática

bastante própria das Relações Internacionais.

Para a universidade, entende-se que a pesquisa teórica desta natureza será

bastante enriquecedora, uma vez que a disponibilidade do presente tema para a

consulta acadêmica livre é fundamental.

Para o curso de Relações Internacionais, nada mais propício que uma

monografia que busca equacionar três temáticas que lhe são tão próprias, contribuindo

assim para a consolidação da autonomia científica da disciplina.

Para o pesquisador, é fundamental esclarecer se as organizações internacionais

pretendem seguir atreladas à estrutura de poder que lhes deu origem ou se almejam de

fato seus propósitos ideais.

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1. A SOCIEDADE INTERNACIONAL E A BUSCA

PELA ORDEM EM UM MUNDO ANÁRQUICO

Acreditaram os homens, realmente, no decurso do último século, atravessado por três grandes

guerras, que a paz fosse razoavelmente o alvo a que tendem as sociedades? Em que meios, a fim

de preservá-la, pensaram eles? Qual o alcance prático de suas tentativas?

Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle1

Se a ordem internacional tem algum valor, isto só pode ocorrer porque ela é um instrumento

orientado para atingir a meta maior, da ordem no conjunto da sociedade humana

Hedley Bull2

1.1. Considerações Preliminares

Este capítulo discorre sobre a evolução do estudo da Sociedade Internacional,

bem como o alcance do patamar de objeto de estudo das Relações Internacionais pela

mesma3, a fim de responder à questão se o sistema de Estados, em sua busca por

ordem, constitui-se em uma Sociedade Internacional de fato, conforme os termos de

Hedley Bull.

Com esta finalidade, apresenta-se um breve histórico da Sociedade

Internacional, precedendo a visão de alguns autores já clássicos e outros

1 RENOUVIN, Pierre; DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à História das Relações Internacionais. Trad. Hélio de Souza. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967. p. 258. (com adaptações) 2 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 29. 3 Relações Internacionais é a ciência contemporânea que tem por objeto de estudo a Sociedade Internacional, enquanto, por outro lado, relações internacionais é o conjunto das relações entre os atores internacionais, estatais ou não, como um todo. Aludindo à obra Introducción a las Relaciones Internacionales de Celestino del Arenal, o professor Gilberto Rodrigues ressalva a perspectiva segundo a qual Sociedade Internacional é o objeto de estudo das Relações Internacionais. RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio. O que são Relações Internacionais. São Paulo: Brasiliense, 2001. (Coleção Primeiros Passos, 296)

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contemporâneos4 sobre a mesma. A seguir são tecidas considerações sobre ordem

mundial, de modo a permitir a resposta da questão do capítulo.

A Sociedade Anárquica de Hedley Bull constitui o livro de base deste primeiro

capítulo, tanto no tópico sobre a formação da teoria da Sociedade Internacional, como

no de ordem mundial. Isto não significa que as idéias de outros autores não serão

inseridas neste contexto, mas sim que orbitarão em torno do pensamento de Bull.

1.2. Formação da Teoria da Sociedade Internacional

O estudo da Sociedade Internacional representa uma das maiores conquistas

das Relações Internacionais. Como ficará evidenciado a seguir, a partir da perspectiva

adotada, esse tema se transformou no próprio objeto de estudo da disciplina.

Nesse sentido, a escola racionalista inglesa5, cujos maiores expoentes foram

(justamente) os presidentes do Comitê Britânico para Teoria da Política

Internacional6, amplificou o debate conceitual acerca de Sociedade Internacional a

toda a comunidade epistêmica de Relações Internacionais, por meio dos escritos de

seus autores-membros.

Em A evolução da Sociedade Internacional7, Adam Watson8 traça um

panorama histórico-evolutivo da Sociedade Internacional, abordando desde os

Sistemas de Estados Antigos (Suméria, Assíria, Pérsia etc.) até a contemporânea

4 Autores como Martin Wight, Adam Watson, Hedley Bull, Raymond Aron, Terri Nardin, Fred Halliday, entre outros. 5 O estudo das relações internacionais na Grã-Bretanha nos últimos cinqüenta anos tem sido dominado pela chamada escola inglesa (ou escola racionalista, ou escola realista inglesa, ou, ainda, escola da Sociedade Internacional), que se refere a um grupo de acadêmicos de universidades britânicas, cujas características principais são a preservação e a defesa dos conceitos de Sociedade Internacional e de soberania dos Estados, tradicionalmente rejeitando quaisquer espécies de justiça distributiva na esfera internacional, algo que deveria restringir-se às searas nacionais. Contudo, membros mais recentes da escola inglesa já logram acomodar ideais enfáticos de justiça internacional por dentre as características da escola (como veremos adiante com a chamada Democracia Cosmopolita de David Held no terceiro capitulo). Talvez o maior legado da escola inglesa tenha sido a conciliação do estado de anarquia do sistema internacional, tipicamente realista, com o estado de cooperação da Sociedade Internacional, vinculada à tradição liberal-idealista. CANEY, Simon. British perspectives on internationalism, justice and sovereignty: from the English school to cosmopolitan democracy. The European legacy 6 (2). Newcastle: NUP, 2001. p. 265-275. 6 Os presidentes do Comitê foram, em ordem cronológica, Herbert Butterfield, Martin Wight, Adam Watson e Hedley Bull. WATSON, Adam. O Comitê Britânico para a Teoria da Política Internacional. In: A evolução da Sociedade Internacional. Brasília: UnB, 2005. p. 13-19. 7 WATSON, Adam. A evolução da sociedade internacional

uma análise histórica comparativa. Trad. René Loncan. Brasília: UnB, 2004. (Col. Relações Internacionais) 8 Adam Watson é o último membro remanescente do tradicional grupo de escola inglesa. Atualmente leciona Relações Internacionais na Universidade da Virgínia.

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Sociedade Internacional Global, estabelecendo entre ambas um elo preenchido pela

Sociedade de Estados Europeus (entre o Medievo e o Concerto Europeu do século

XIX).

Por sua vez, Hedley Bull9, em A Sociedade Anárquica10, elabora conceitos-

chave para o estudo das Relações Internacionais, discorrendo sobre questões

relacionadas à ordem mundial e afirmando-se como o principal representante da

chamada escola inglesa.

Trechos de inflexão identificados nos dois estudos foram tomados, no presente

texto, como pontos de partida para o desenvolvimento de um raciocínio mais incisivo

em questões outras, referentes à presença da filosofia política e das discussões

terminológicas e paradigmáticas11 das Relações Internacionais.

De início, alguns conceitos elementares sobre o ponto de partida da disciplina

de Relações Internacionais serão contextualizados, seguidos da expansão da

concepção européia de Sociedade Internacional como modelo para as relações entre

todos os Estados soberanos.

Entende-se, assim, poder levantar as condições para aprofundamento e

compreensão do debate atual de Governança Global e suas perspectivas institucionais,

a ser mormente adentrado ao longo dos capítulos seguintes.

1.2.1. Aporte histórico-evolutivo da Sociedade de Estados

9 Hedley Bull (1932-1985), australiano, foi o expoente máximo da escola racionalista. Sua obra mais importante é A Sociedade Anárquica, na qual aborda questões centrais das Relações Internacionais contemporâneas. 10 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) 11 Os paradigmas das Relações Internacionais costumam ter uma certa variabilidade de classificações e denominações, vez que não há consenso entre os principais autores. Logo, qualquer posição adotada pode eventualmente ser caracterizada de arbitrária. Contudo, a classificação de Paul Viotti e Mark Kauppi, faz uma tripla classificação paradigmática entre Realismo, Pluralismo e Globalismo, a ser discorrida ao longo do livro. Segundo a obra (que se tornou referência no estudo de Relações Internacionais), no paradigma realista os Estados são os únicos atores das Relações Internacionais (vez que atores internos se digladiam para formar a política externa), dotados de racionalidade (visam a maximizar benefícios e minimizar custos), que hierarquizam os assuntos das Relações Internacionais. Já para a perspectiva pluralista (de perfil liberal, idealista para alguns), junto aos Estados há uma gama de atores não-estatais bastante influente e considerável, que, por isso, releva a importância da racionalidade do Estado na compreensão das Relações Internacionais, dado que suas posições são objetos de barganha interna e internacional por esses novos atores e, ainda, que a ampla extensão de temas da agenda internacional desconsidera hierarquizações. Por fim, o globalismo procura enfatizar a estrutura internacional (analisando o contexto internacional em questão), a visão histórica das relações internacionais (fatores passados que levaram à formação do contexto atual), os mecanismos de dominação entre os atores (sejam estatais ou não), bem como a valoração da importância da economia nas Relações Internacionais. VIOTTI, Paul R.; KAUPPI, Mark V. International Relations Theory: realism, pluralism, globalism. Nova Iorque: Macmillan, 1993.

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Em 1648, após longos anos de guerra na Europa, a chamada Paz de Vestfália12

estabeleceu o sistema moderno de Estados europeus, sustentado nas premissas do

equilíbrio de poder e da soberania. Esse tratado deve sua importância ao fato de haver

implementado o princípio de que os Estados da Europa deveriam conviver tendo

como base os valores da tolerância e da coexistência, em razão dos princípios da

soberania e da não-ingerência. À exceção dos períodos napoleônico e hitlerista, esse

sistema perdurou quase trezentos anos, até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918),

quando o mapa político europeu foi então reestruturado. Conforme assevera Gilberto

Sarfati13:

Vestfália é o marco das relações internacionais (foco de estudo do campo acadêmico), pois, a partir daí, passa a ser possível, claramente, separar o que seria assunto interno de um país daquilo que seria a sua relação com o restante do mundo. Contemporaneamente, convencionou-se que o foco de estudo das ciências políticas seria as relações políticas internas de um país, ao passo que o foco das Relações Internacionais seria as relações externas aos Estados (o que pode incluir as chamadas relações transnacionais que não envolvem necessariamente dois Estados).

Por este modo, em razão do sistema originário de Vestfália, surgiu a

concepção de equilíbrio de poder, na qual nenhum Estado se encontra na posição de

predominar abertamente e impor a lei aos demais. Tal preceito correspondeu à

realidade das relações internacionais até meados do século XX, quando surgiu, em

função do resultado da Segunda Guerra Mundial, o diferencial das superpotências14.

12 A chamada Guerra dos Trinta Anos durou oficialmente entre 1618 e 1648, mas seus conflitos menores iniciaram quase cinqüenta anos antes. O objetivo principal era de unificar a Europa sob o domínio conjunto de um imperador e da cristandade papal. As principais frentes travaram-se entre os Reinos da Espanha e dos Países Baixos, tal como entre o Sacro Império Romano-Germânico e a coalizão formada por França, Suécia e demais principados alemães do norte. Os conflitos terminaram em 1648 quando, nas cidades de Münster e Osnabrück (na província de Vestfália) dois tratados de paz foram assinados estabelecendo, entre outras, a composição político-territorial que perduraria na Europa durante os 300 anos seguintes

à exceção dos períodos napoleônico e hitlerista. BARSA. A guerra dos trinta anos. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. São Paulo: 2000. 13 Gilberto Sarfati é professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). SARFATI, Gilberto. Teorias de Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 13. 14 O equilíbrio de poder é possível quando as potências possuem seu poder balanceado. De acordo com Bull, uma potência presume três características: 1) a existência de duas ou mais potências de status comparável; 2) a comparabilidade do poderio militar destas potências; 3) o exercício de certos direitos e obrigações especiais, concebidos por seus povos e por sua liderança, que são reconhecidos pelos outros Estados. O conceito de superpotência surgiu quando duas nações tiveram poderio consideravelmente maior que o de outras potências. Por isso, a rigor, dizer que os Estados Unidos são a única superpotência atual seria errôneo. Contudo, essa questão será preterida no desenvolvimento

deste texto, e a noção de Estados Unidos como única superpotência continuará a ser utilizada. BULL,

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Desse equilíbrio de soberanias resultou o desenvolvimento de um Direito

Internacional Público e de toda uma complexa estrutura diplomática e institucional

para regular seu funcionamento. Além do mais, a percepção de unidade na

diversidade15 mostrou-se relevante, vez que as monarquias eram peculiarmente

solidárias, com eventuais laços familiares, mas que, contudo, guerrearam em inúmeras

ocasiões. Assim, havia algo que era comum a toda a Europa o sistema de Vestfália

e que viria e se expandir a toda a Sociedade Internacional16.

Cabe enfatizar, portanto, que desde o início do estudo das Relações

Internacionais como campo autônomo, já na cátedra de Aberystwyth17,

convencionaram-se os episódios de Vestfália, em 1648, como o ponto de partida da

disciplina e o principal antecedente da Sociedade Internacional18, pois foi quando a

Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 229-232. 15 Oriundo do poema Moretum, atribuído a Virgílio, o lema E pluribus unum simboliza a unidade derivada da diversidade, havendo sido adotado como lema nacional na fundação dos Estados Unidos da América, em razão da fusão de treze colônias britânicas na América do Norte. Em 1956, o Código Americano (US Code) substituiu o tradicional lema por In God We Trust (Em Deus Nós Acreditamos). Em 2000, a União Européia adotou um lema parecido In varietate, concordia. Contudo, essa percepção de unidade na diversidade já era clara entre os estadistas europeus desde o século XVII. JORDAN, Terry L. The US Constitution

And fascinating facts about it. Naperville (IL): Oak Hill, 2005, e; WATSON, Adam. A evolução da sociedade internacional

uma análise histórica comparativa. Trad. René Loncan. Brasília: UnB, 2004. (Col. Relações Internacionais) 16 Os estudiosos do Comitê Britânico viam o meio das relações internacionais, a priori, como uma sociedade composta primordialmente

não obrigatoriamente

de Estados, designando-a simplesmente, conforme já elucidado, de Sociedade Internacional. Outros, entretanto, sobretudo os pensadores norte-americanos, costumam conceituar este meio de Comunidade Internacional

International Community. Contudo, uma comunidade requer, como diz seu próprio étimo, a existência de comuns valores e instituições, em um grupo de indivíduos, ou seja, uma comunhão de interesses, bem como uma identidade natural potencialmente homogênea. Entre ambas designações, há de se concordar que a que menos corresponde à realidade internacional é Comunidade , posto que seus principais atores estão longe de celebrarem pontos comuns, e muito menos de constituírem uma unidade entre si. Afinal, uma das características da Sociedade Internacional, estabelecida pelo próprio Wight e aqui supramencionada, é sua heterogeneidade própria. BULL, Hedley; KINGSBURY, Benedict; ROBERTS, Adam. Hugo Grotius and international relations. Nova Iorque: Oxford UP, 2002. p. 7. (tradução livre) 17 A primeira cátedra de Relações Internacionais (designada de cadeira Woodrow Wilson de Política Internacional) foi fundada em 1919 na Universidade de Gales, em Aberystwyth, quando o professor Alfred Zimmern recebeu o desafio de explicar a ocorrência das guerras, bem como as possibilidades de se evitá-las. Tem-se neste episódio, a despeito de controvérsias, o marco histórico da emancipação das Relações Internacionais como campo autônomo das ciências sociais, que tomaria força nos anos seguintes com cátedras semelhantes na London School of Economics and Political Sciences (1923) e na Universidade de Oxford (1930). 18 RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio. O que são Relações Internacionais. São Paulo: Brasiliense, 1994 (Coleção Primeiros Passos). p. 20, e; VIGEVANI, Tullo. Ciclos longos da sociedade internacional. In: Revista Lua Nova, no 46. Edição do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC). São Paulo, 1999. p. 6.

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extraterritorialidade19 dos fatos permitiu que a diplomacia se desenvolvesse

fortemente, ocupando o espaço vazio que até então era a esfera internacional20.

Por fim, como lembra Tullo Vigevani21, a partir de Vestfália a Europa passou

a ser reconhecida como uma multiplicidade de Estados independentes, nos quais seus

respectivos soberanos (imperadores, reis e príncipes católicos e protestantes)

determinariam a religião em seus territórios. Tal princípio fazia caducar a idéia de

uma autoridade externa ao poder temporal, como o Papa ou o imperador do Sacro

Império Romano-Germânico22, tornando mais distantes os ideais unificadores da

Europa.

O sistema de Vestfália não apenas consolidou-se como o pressuposto de

interações entre as unidades soberanas européias como, ainda, a partir do século XIX,

transformou todo o planeta em uma única rede de relacionamentos, lançando assim as

bases para o sistema global atual. Segundo Adam Watson23:

A expansão européia, que havia continuado desde as Cruzadas da Idade Média, já havia produzido mudanças maciças nas relações entre as comunidades do mundo na época do Acordo de Viena. Os europeus ocidentais, em seus navios à vela que nos parecem inadequados para sua tarefa global, e equipados com o que eram à época novas formas de tecnologia militar, haviam explorado e assentado grandes porções do Novo Mundo e incorporado as Américas a seu sistema. Com os mesmos meios, eles avançaram sobre a Ásia, na direção do Oriente através do oceano Índico, e para o Ocidente, através do Pacífico.

Em A evolução da sociedade internacional, Watson contextualiza

didaticamente a disseminação do sistema vestfaliano de Estados da Europa pelo

mundo afora. Para ele, o clímax dessa expansão européia foi a descolonização das

Américas, no século XIX, e da África e da Ásia, no século XX, que materializaram

novos Estados nos moldes do sistema europeu, fazendo multiplicar o número de

19 A extraterritorialidade é o fenômeno jurídico em que um fato ocorrido no estrangeiro possui validade como causa processual no direito interno de um país. REZEK, José F. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2002. Em Relações Internacionais, contudo, entende-se que tal definição não necessite ser tão estrita quanto no jusinternacionalismo, ou melhor, possa ser caracterizada como fatos ocorridos no estrangeiro que de alguma maneira digam respeito também aos interesses nacionais (posição deste autor). 20 A importância dos episódios de Vestfália para preencher o espaço vazio do plano internacional foi asseverada pela professora Mônica Herz, em palestra na sede da FINEP, no Rio de Janeiro, a 10 de agosto de 2005. 21 Tullo Vigevani é professor de Ciência Política da Universidade Estadual de São Paulo. 22 VIGEVANI, Tullo. Ciclos longos da sociedade internacional. In: Revista Lua Nova, no 46. Edição do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC). São Paulo, 1999. p. 6. 23 WATSON, Adam. A evolução da sociedade internacional

uma análise histórica comparativa. Trad. René Loncan. Brasília: UnB, 2004. p. 369.

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membros desse sistema. Watson leciona que muitos estadistas da época

metaforizavam as colônias como frutos que iriam cair da árvore-mãe (européia)

quando estivessem maduras para a independência24.

Nesse abordagem, todo o sistema internacional global com o qual convivemos

hoje é descendente dessa expansão sistemática européia ao longo dos últimos séculos.

Portanto, é do sistema europeu de Estados que se deve partir para a análise do sistema

mundial de Estados contemporâneo25, cuja contextualização teórica será discorrida a

seguir.

1.2.2. Considerações teóricas sobre a Sociedade Internacional

A partir dessa constatação da existência de um sistema mundial de Estados,

vários autores se debruçaram em pesquisas bastante aprofundadas sobre suas

características, sua terminologia e suas perspectivas.

Martin Wight26 observou quatro características próprias e sui generis da

Sociedade Internacional27:

1- É composta das outras sociedades mais organizadas, os Estados

membros principais e imediatos;

2- Possui número pequeno de membros

menos de duzentos, enquanto boa

parte das sociedades nacionais conta seus membros em milhões.

3- Seus membros ostentam grande heterogeneidade;

4- É uma sociedade imortal

enquanto os Estados, apesar de geralmente

durar muito mais que uma vida humana, podem simplesmente desaparecer,

a Sociedade Internacional é perpétua.

Seu aprendiz, Hedley Bull, profere a análise tida como mais precisa e legítima,

por meio da qual se pode hierarquizar a organização da política internacional,

estabelecendo uma escala crescente, de quatro níveis, a respeito da organização da

24 Ibidem. 25 Desde os séculos XIX e XX o Estado evoluiu para a forma predominante de organização política. A partir de então, a superfície terrestre foi dividida com algumas exceções peculiares, como a Antártida, o Vaticano, alguns principados europeus, a Palestina e a ilha de Formosa

em um emaranhado de países com população, território, governo e soberania próprios. Logo, surgiu uma sociedade de Estados, ou melhor, a Sociedade Internacional. 26 Martin Wight (1913-1972), membro da escola realista inglesa, ou escola racionalista, foi professor na London School of Economics and Political Sciences (LSE). Teve seus principais escritos publicados postumamente por sua esposa e por Hedley Bull. 27 WIGHT, Martin. A Política do Poder. Trad. Carlos Sérgio Duarte. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 98-99.

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política internacional28: Estados; Sistema Internacional; Sociedade Internacional, e;

Ordem Mundial.

Para Bull, o ponto de partida das relações internacionais é a existência de

Estados, caracterizados como comunidades políticas independentes, cada uma das

quais possui um governo e afirma a sua soberania com relação a uma parte da

superfície terrestre e a um segmento da população humana 29.

Ainda segundo o autor citado, o Sistema Internacional (ou Sistema de

Estados) se forma quando dois ou mais Estados têm suficiente contato entre si, com

suficiente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que se conduzam pelo

menos até certo ponto, como partes de um todo 30.

Por conseguinte, a Sociedade Internacional (ou Sociedade de Estados) existe

quando um grupo de Estados, conscientes de certos valores e interesses comuns,

forma uma sociedade, no sentido de se considerarem ligados, no seu relacionamento,

por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns 31.

Nos estudos acerca de Sociedade Internacional, Bull introduziu essa

diferenciação nos conceitos de Sistema e Sociedade, ressalvando que esta, em termos

hierárquicos, pressupõe àquele, mas não o inverso. Reitera ele32:

Dois ou mais Estados podem manter contato entre si, interagindo de tal forma que cada um deles represente um fator necessário nos cálculos do outro, sem que os dois tenham consciência dos interesses e valores comuns, mas percebendo que estão ambos sujeitos a um conjunto comum de regras ou cooperando para o funcionamento das instituições comuns.

Há de se notar que, enquanto no Sistema Internacional o interesse egoísta dos

Estados possui maior evidência, na Sociedade Internacional é a cooperação que se

sobrepõe, uma vez que nesta situação os Estados reconhecem sua interdependência.

28 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 13. 29 Ibidem. p. 13. A definição de Estado é tão implícita nas discussões de relações internacionais que até mesmo pouco se a discute. Em Direito Internacional, Estado é definido pela conjunção de 4 elementos: território, população, governo e soberania. Sua existência prática dá-se pelo reconhecimento, dessas características, por outras unidades soberanas. Assim, esse Estado, quando reconhecido pelos demais, tornar-se-á equivalente a eles, passando a compor o Sistema de Estados. Autores que discutem a definição de Estado nesse sentido são Hedley Bull em A Sociedade Anárquica, Kenneth Waltz em O Homem, o Estado e a Guerra, e Fred Halliday em Repensando as Relações Internacionais. 30 Ibidem. p. 15. 31 Ibidem. p. 19. 32 Ibidem. p. 19.

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Bull indica que, em todo caso, o que vige na contemporaneidade é um Sistema

de Estados, que apenas vem a constituir a Sociedade Internacional quando seus

membros plurais decidem aceitar regras e instituições comuns33. E é neste nível

hierárquico que serão trabalhados os argumentos ao longo do presente texto, vez que

tanto a posterior proposta de Governança Global, quanto o funcionamento das

Nações Unidas, requerem a pressuposição da idéia de uma Sociedade Internacional,

cujos membros se predispõem a cooperar para a resolução dos conflitos decorrentes

de sua natural interação. Nesse sentido, o pensamento de Bull, apesar de

complementado pelo de demais autores, serve de norte para o desenvolvimento desta

monografia.

Por outro lado, ao se observar outras definições sobre o conceito de Sociedade

Internacional, como a visão realista clássica de Raymond Aron34, verifica-se

diferenças semânticas e léxicas. Em sua obra Paz e Guerra entre as Nações, o autor

conceitua Sistema Internacional em termos hobbesianos35 como o conjunto

constituído pelas unidades políticas que mantêm relações regulares entre si e que são

suscetíveis de entrar numa guerra geral , cujos membros integrais são as unidades

políticas que os governantes dos principais Estados levam em conta nos seus cálculos

de forças . Segundo ele, a expressão Sociedade Internacional é fruto de um

comodismo idealista, definido como o conjunto de todas aquelas relações entre

Estados e entre pessoas que nos permitem sonhar com a unidade da espécie

humana 36. O autor afirma ainda que os sistemas internacionais são o aspecto

interestatal da sociedade à qual pertencem as populações submetidas a soberanias

distintas (a Sociedade Internacional) e prossegue

numa passagem em que extravasa

33 Ibidem. p. 263. 34 Raymond Aron (1905-1983), jornalista e filósofo, defendeu, isolado em meio ao ideário socialista da intelectualidade francesa, o liberalismo político durante a Guerra Fria, havendo contribuído para o desenvolvimento do pensamento conservador das Relações Internacionais de maneira considerada intelectualmente bastante elegante. Sua obra mais célebre é Paz e Guerra entre as Nações. Foi professor da Universidade de Paris e do Collège de France. 35 O filósofo contratualista inglês Thomas Hobbes (1588-1679) escreveu a famosa obra o Leviatã, na qual expõe sua filosofia política. Segundo o filósofo, a primeira lei natural do homem é a da autopreservação, que o induz a impor-se sobre os demais; por isso, a vida seria uma "guerra de todos contra todos" (bellum omnium contra omnes), na qual "o homem é o lobo do homem" (homo homini lupus). Para construir uma sociedade, o homem tem que renunciar a parte de seus direitos e estabelecer um "contrato social", garantido pela soberania. Em Relações Internacionais, a filosofia hobbesiana fundamenta o paradigma realista, cuja perspectiva sustenta que o sistema de Estados compõe-se por várias unidades soberanas potencialmente beligerantes, para assegurar a defesa de seus interesses nacionais. Ver: HOBBES, Thomas. Leviatã. Trad. J. P. Monteiro e M. B. Nizza da Silva. Vol. 1. Cap. XVII. São Paulo: 1988. p. 105 (Col. Os Pensadores). 36 ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI)

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uma concepção liberalista da sociedade, eventualmente chocante para aqueles que

nele costumam enxergar apenas um realista clássico e céptico dizendo que37:

a sociedade transnacional manifesta-se pelo intercâmbio comercial, pelos movimentos de pessoas, pelas crenças comuns, pelas organizações que ultrapassam as fronteiras nacionais, pelas cerimônias e competições abertas aos membros de todas as unidades políticas. Ela é tanto mais viva quanto maior é a liberdade de comércio, de movimentação e de comunicação; e quanto mais fortes forem as crenças comuns, mais numerosas serão as organizações não-nacionais, mais solenes as cerimônias coletivas.

Outros autores também fizeram contribuições importantes para a definição de

Sociedade Internacional. Terry Nardin38 inovou com uma diferenciação conceitual

entre Sociedade Internacional e Sociedade de Estados, enquanto Hedley Bull

equivalera ambos os conceitos39. Fred Halliday40, por sua vez, afirma que o conceito

de Sociedade Internacional é duplo, podendo ser interestatal, baseado na relação de

normas compartilhadas e entendimentos entre os Estados soberanos, ou transnacional,

observando a emergência de laços não-estatais de economia, política, associação,

cultura e ideologia que transcendem as fronteiras dos Estados e constituem, em maior

ou menor medida, uma sociedade que vai além destas mesmas fronteiras41.

37 ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 153, e; ARON, Raymond. La société internationale. Paris: Juilliard, 1984. p. 24. (tradução livre). 38 Terry Nardin é professor de Ciências Políticas da Universidade Estadual de Nova Iorque. 39 Para Nardin, a sociedade de Estados derivou, por analogia, da sociedade civil. Para ele, nações são comunidades étnicas, e quando se refere ao contexto mundial, a rigor, haveria de se empregar a expressão sociedade de Estados, pois o componente étnico não está em questão. O debate levantado por Nardin ecoa a velha discussão terminológica de relações internacionais: seriam relações internacionais ou interestatais? Contudo, a ampliação do termo internacional e sua conveniência didática foram materializadas por Bull, sendo que o próprio Nardin releva a importância dessa discussão terminológica, afirmando que, na prática, não há normas superiores que regem as atitudes dos Estados, pois estes são soberanos e, se houver, não são significativas nas relações internacionais, pois sucumbem logo que interesses vitais parecem ameaçados e, portanto, somente governam atividades de importância marginal na busca de segurança e poder . NARDIN, Terry. Lei, moralidade e as relações entre os estados. Trad. Elcio Gomes de Cerqueira. Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária, 1987. p. 46, 54-55. Sociedade civil é para Norberto Bobbio, sinônimo de sociedade política, portanto, de Estado. BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: Para uma teoria geral da política. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 40 Fred Halliday é professor de Relações Internacionais da London School of Economics and Political Science, a mesma instituição onde lecionaram Martin Wight e Hedley Bull. Seu perfil acadêmico é freqüentemente considerado marxista. 41 Essa perspectiva de Halliday conduziu a London School of Economics and Political Sciences a separar os estudos de Política Global das Relações Internacionais. HALLIDAY, Fred. Repensando as relações internacionais. Trad. Cristina Soreanu Pecequilo. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1999. p. 107.

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Wight sustenta que42:

a comprovação mais essencial da existência de uma sociedade internacional é a existência do Direito Internacional [...]. Toda sociedade possui o Direito, que é o sistema de regras que estabelece os direitos e os deveres de seus membros [...]. O Direito Internacional é um tipo peculiar de Direito; o Direito de uma sociedade politicamente dividida em um grande número de Estados soberanos .

De fato, é absolutamente incontestável a importância do Direito Internacional

para assegurar a cooperação internacional. O aumento em progressão geométrica dos

contatos, do comércio, dos indivíduos, da sociedade civil etc. entre as diferentes

nações requer uma normatização igualmente progressiva. O jusinternacionalismo,

sedimentado em convenções e tratados, promovido por um número cada vez maior de

doutrinas e guardado pelas organizações internacionais, vem responder a esta

demanda da Sociedade Internacional, digna dos tempos atuais e vindouros.

Aron, contudo, era mais cauteloso quanto à eficiência do jusinternacionalismo,

pois não via qualquer progresso no campo do Direito Internacional, quer se trate da

sociedade transnacional, do sistema internacional ou da consciência da comunidade

humana , além de afirmar que a heterogeneidade do sistema (internacional) impede

o pleno desenvolvimento da sociedade transnacional 43. Edward Hallett Carr44,

igualmente, leciona que a maior prerrogativa soberana dos Estados seria justamente o

direito não se submeter ao mando de qualquer outra nação ou qualquer corte de

justiça. Sobre este aspecto45:

O Direito Internacional, embora estabeleça mecanismos para a solução de litígios, não estabelece nenhuma jurisdição compulsória. [...]. Está bem solidificado no Direito Internacional , declarou a própria Corte (Internacional de Haia) num de seus julgamentos, que nenhum Estado pode, sem seu consentimento, ser compelido a

submeter seus litígios com outros estados à mediação, à arbitragem ou a qualquer outro meio de solução pacífica .

42 WIGHT, Martin. A Política do Poder. Trad. Carlos Sérgio Duarte. São Paulo: IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 99-100. 43 ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Trad. Sérgio Bath. São Paulo: IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI). p.878. 44 Edward Hallett Carr (1892-1982), diplomata e jornalista britânico, foi professor nas Universidades de Oxford e Cambridge, e delegado da Grã-Bretanha nas Conferências de Paz de Versalhes e na Liga das Nações. Sua obra mais importante é Vinte Anos de Crise: 1919-1939, um verdadeiro monumento ao realismo clássico das Relações Internacionais. 45 CARR, Edward Hallett. Vinte Anos de Crise: 1919-1939. Trad. Luiz Alberto Figueiredo Machado. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 249-250.

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Para Aron, o princípio pacta sunt servanda, é uma condição da existência do

Direito Internacional

se não é seu fundamento moral, ou sua norma primeira 46. E

ele continua, afirmando que este Direito tende a ser conservador, pois47:

a estabilização de uma ordem jurídica, baseada nos compromissos recíprocos dos Estados, seria satisfatória em uma das hipóteses seguintes: se os Estados concluíssem tratados que todos considerassem eqüitativos; ou se houvesse uma instância superior, reconhecida por todos e capacitada a proceder revisões nesses tratados, guiando-se por critérios indiscutíveis de justiça.

Contudo, apesar desse cepticismo em relação ao Direito das Gentes, o

acirramento progressivo do contato entre os povos requer o aperfeiçoamento deste

ramo jurídico. A Sociedade Internacional precisa regular seu funcionamento cada vez

mais, obviamente respeitando sempre o princípio da soberania equivalente e

horizontal dos Estados48, buscando, entretanto, maleá-lo progressivamente.

Enfim, apesar de constituírem uma boa fonte de estudos, tais considerações a

respeito do jusinternacionalismo não serão aprofundadas pois não correspondem ao

objetivo aqui pretendido, qual seja mostrar que como toda a sociedade possui um

direito que lhe é próprio, a Sociedade Internacional é regida pelo Direito

Internacional.

Pressupor a Sociedade Internacional por meio da existência do Direito

Internacional significa admitir também que ocorrem litígios a serem resolvidos por

esse Direito. Isto não significa que o sistema de Estados é uma guerra em potencial

generalizada, nos termos puramente hobbesianos, porque ele simplesmente não o é49.

Mesmo entre os filósofos contratualistas, as divergências acerca da esfera

46 ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Trad. Sérgio Bath. São Paulo: IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI). p.169. 47 Ibidem. p. 169. 48 Aqui interessa saber que em dois ângulos a soberania pode ser observada, um interno e outro externo. A soberania interna equivale à autoridade do poder central de um território face à totalidade das demais autoridades existentes dentro desse mesmo território. Ao campo das relações internacionais interessa a acepção de soberania externa, vez que o engodo se dá entre as entidades políticas soberanas, portanto suas respectivas soberanias externas. Quando o poder central de um território responde pelos interesses de suas sub-autoridades internas em face de outras entidades soberanas distintas, então, estar-se-á tratando da soberania externa. BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. São Paulo: IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI). p. 13. 49 A perspectiva de guerra potencial precisa ser relativizada, pois a inexistência de uma situação de guerra iminente prova que a perspectiva hobbesiana não deve ser considerada com rigidez.

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internacional são assaz consideráveis e, nesse sentido, a relatividade da tradicional

postura de guerra de todos contra todos poderá sempre ser argüida50.

As evidências de cooperação, ainda que mascarem interesses futuros e/ou

excusos, são demasiado claras para que se as conteste, e fatidicamente impedem que a

situação internacional chegue ao patamar de uma guerra generalizada. Pelo contrário,

legitimam a existência de uma Sociedade Internacional, constituída por membros que,

imbuídos de quaisquer que sejam os reais interesses, estão dispostos a cooperar51.

De fato, posturas belicistas na Sociedade Internacional devem se limitar à sua

própria defesa, ou seja, a guerra como instituição deve permanecer como um recurso

de consenso amplo dos atores internacionais, um recurso da diplomacia derradeira, de

modo a atingir a finalidade única de assegurar a paz e a segurança internacionais52.

Assim, a Sociedade Internacional pressupõe a coexistência de cooperação e

conflito. A partir desta constatação, um outro tópico mostra-se também relevante para

a continuação do raciocínio: a busca por ordem mundial. Ei-lo a seguir.

50 Contratualismo é a doutrina de filosofia política segundo a qual o Estado forma-se através do contrato social. O pacto social é a transição da sociedade natural para a sociedade civil. À luz desta doutrina, cabe ao Estado fazer cumprir o contrato social, de modo a manter a ordem, isto é, a autoridade política deve zelar pela liberdade individual e pelo consentimento racional, impedindo a prevalência do estado natural sobre a ordem na vida social. Para o contratualista inglês Thomas Hobbes (1588-1679), por exemplo, a realidade das relações entre os homens se baseia no estado natural do homem, cujas paixões levam, em último plano, à guerra de todos contra todos. (BARSA. Contratualismo. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. São Paulo: 2000). Todos, no caso das relações internacionais, podem ser lidos como os Estados, uma vez que unificam uma população determinada. Todos são, nessa perspectiva hobbesiana, naturalmente egoístas. Se os Estados são egoístas então o altruísmo (a cooperação) apenas pode ser artificial. Assim, todos os Estados são potencialmente conflituosos trata-se do que Hobbes chamou de postura de gladiador , pois com suas forças armadas, estão todos prontos para a batalha. Essa leitura de Hobbes, que tanto convence inúmeros teóricos contemporâneos, ajudou a formular o conceito do paradigma realista das Relações Internacionais, e continua válida na leitura segundo a qual a cooperação nada mais representa que o interesse próprio a longo prazo. Outra perspectiva é a do também contratualista inglês John Locke (1632-1704), segundo a qual vige nesta o estado de paz, até que esta condição seja então transgredida por algum membro, advindo assim o estado de beligerância. Essa perspectiva lockeana é sustentada por Hedley Bull. BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 60. 51 Isso pode ser observado em relação à condenação das guerras, pois, a humanidade se satisfaz absolutamente quando seus governos logram bons êxitos diplomáticos sem precisar recorrer aos custosos (e trágicos) meios bélicos. 52 Hedley Bull afirma que o uso da força para manutenção da ordem internacional deve se restringir a limites toleráveis, pois, para ele, a Sociedade Internacional per se reluta em considerar a guerra como um instrumento para implementar o direito, excetuados os casos de autodefesa . Contudo é admissível que a guerra pode ser, em determinados casos, contrária ao Direito da Sociedade Internacional, e, em outros, sancionada por este, sendo que ambas situações evidenciam seu funcionamento. Essa percepção viria a fundamentar a lógica da segurança coletiva internacional estabelecida séculos após na Carta de São Francisco, conforme se verá no terceiro capítulo. BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 226. BULL, Hedley; KINGSBURY, Benedict; ROBERTS, Adam. Hugo Grotius and international relations. Nova Iorque: Oxford UP, 2002. p. 15-16.

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1.3. Ordem Mundial

Para Hedley Bull, ordem é uma estrutura de conduta que leva a um resultado

particular, um arranjo da vida social que promove determinadas metas ou valores 53.

Segundo ele, ordem internacional refere-se a um padrão das atividades internacionais

que sustentam os objetivos (elementares, primários ou universais) da Sociedade

Internacional54. Leciona este autor que ordem mundial é um conceito mais amplo,

mais fundamental e primordial do que o de ordem internacional, que aquele precedo

moralmente este, pois se trata dos padrões e disposições da atividade humana que

sustentam os objetivos elementares ou primários da vida social na humanidade

considerada em seu conjunto55.

Assim, partindo dessa conceituação de Bull acerca de ordem mundial (ainda que

ela não deva ser exaustiva, pois, como diz o próprio autor, não significa que não possa

ser formulada de maneira diversa), podemos então seguir para o estudo sobre como

buscá-la na Sociedade Internacional.

Este arranjo da vida social não pressupõe portanto a paz, mas sim um sistema

de condutas ordenado e acordado, que, sob descumprimento de qualquer dos

membros, permite o conflito. A própria Carta de São Francisco56, que em seu Capítulo

VI estabelece a solução pacífica das controvérsias internacionais, acaba por admitir

no Capítulo VII, o uso da força e da agressão caso necessário. Logo, no próprio

sistema das Nações Unidas, o conflito pode vir a ser legítimo, se constituir alguma

espécie de cláusula aceita pela totalidade dos membros e, paradoxalmente, contribuir

para a manutenção da ordem.

53 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. São Paulo: IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI). p. 8. 54 Objetivos da Sociedade Internacional: 1) Preservar o próprio sistema. O que quer que os separe, os Estados modernos se unem na crença de que eles são os principais atores da política mundial, além dos mais importantes sujeitos de direitos e deveres desse orbe; 2) Assegurar a independência/soberania externa dos Estados individuais. Nesse sentido, almeja-se o reconhecimento da sua independência com relação à autoridade externa, e especialmente o reconhecimento da jurisdição suprema que tem sobre o seu território e população; 3) Manter a paz. Não se trata de estabelecer uma paz permanente ou universal nos termos irenistas54, pois, na verdade, nunca se viu a Sociedade Internacional perseguir seriamente este objetivo, conforme observam Renouvin e Duroselle54. Trata-se de manter a paz no sentido de que a ausência de guerra seja a situação normal do relacionamento entre os Estados, e que os conflitos sejam apenas eventuais, decorrentes de princípios geralmente aceitos; 4) Respaldar os objetivos comuns a toda vida social. Como exemplo, a limitação da violência, o cumprimento dos pactos e a estabilidade da posse mediante regras de propriedade. Ibidem. p. 13. 55 Ibidem. p. 26. 56 A Carta de São Francisco de 1945 é o documento constitutivo da Organização das Nações Unidas, conforme será visto no terceiro capítulo.

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Na óptica de Gelson Fonseca57, a análise da ordem remete simultaneamente ao

universo do que existe e do que é possível . Para ele58:

a ausência de instituições uniformizadoras de valores e de uma autoridade comum dá o sentido específico à indagação sobre a ordem internacional: como se desenha a ordem sem autoridade, como se articulam regras de convivência social num meio anárquico?

Tantos anos se passaram desde os Tratados de Vestfália e o sistema de Estados

soberanos, que buscam ordem sem uma autoridade comum, foi resistindo (ainda que

com alterações marcantes) a certames cruciais (como as guerras napoleônicas, as duas

guerras mundiais e a dicotomia bipolar). Talvez o maior diferencial hoje em relação

ao início do sistema vestfaliano, que permite à Sociedade Internacional se munir de

esperança para a busca da ordem, seja o advento das instituições internacionais59.

Sobretudo a partir do século XX, alguns teóricos, como Norman Angell e John

Keynes60, trabalharam a idéia de que a busca da ordem nada mais é do que a

conscientização de que a guerra não passa de uma rude e sistemática ignorância. Sua

argumentação seria de que o belicismo raramente leva os Estados aos seus objetivos

específicos iniciais, e, se os leva, isto não ocorre senão às custas de um desgaste

incontável

de prejuízos extremos

das partes envolvidas, nos planos político, social

e econômico

dignos de profundas reflexões posteriores acerca da própria idéia de

guerra. É bem dizer que, se os países envolvidos diretamente nos conflitos refletirem

seriamente acerca da necessidade, bem como da relação custo-benefício, do conflito, é

bem provável que, na grande maioria das vezes, cheguem às obviedades de que teria

sido imensamente melhor investir nas negociações diplomáticas. Houve, sobretudo

após as grandes guerras do século XX, a difusão da noção de que a guerra não é

apenas cruel, mas também autodestrutiva, freqüentemente desnecessária e, sobretudo,

altamente prejudicial.

57 Gelson Fonseca Jr. é Embaixador do Brasil no Chile e ex-representante do Brasil na Missão Permanente junto às Nações Unidas em Nova Iorque. 58 FONSECA Jr., Gelson. A legitimidade e outras questões internacionais

Poder e ética entre as nações. São Paulo: Paz e Terra, 1998. p. 41. 59 As mesmas serão analisadas no capítulo seguinte. 60 Anos antes da Primeira Guerra Mundial, foi o britânico Norman Angell que, em A Grande Ilusão (1911), contestou a utilidade e a eloqüência da guerra como meio para o alcance de objetivos políticos. O lorde John Maynard Keynes, cujo prestígio já fora propagado a partir da formulação das soluções econômicas que ajudaram os Estados Unidos a se restabelecerem após a Crise de 1929, foi um dos mentores das instituições de Bretton Woods (1944). Escreveu ele um clássico das Relações Econômicas Internacionais, As Conseqüências Econômicas da Paz (1923), em que ressalva os incontáveis prejuízos das guerras como desastrosos para as finanças das nações.

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É preciso estar claro, a busca da ordem não equivale, a priori, à busca da

paz61. Inclusive, em razão da fatídica política de poder que predomina no trato

internacional, as Relações Internacionais almejam, em primeiro plano, não a paz, mas

a ordem mundial.

Esse contraste dicotômico entre ordem mundial e política de poder parece

sempre favorecer esta última. É mister precisar que a política de poder, seja qual for

sua forma62, está presente em todos os momentos da política internacional, e sua

prática deverá continuar ao longo de muitos anos mais, até que a totalidade dos atores

perceba, conjuntamente, a necessidade e a importância de se preterir essa concepção e

adotar mecanismos mais transparentes e democráticos para o funcionamento da

Sociedade Internacional. Mas, por enquanto, ambicionar isto é utopia pura.

Para Bull, dentro da Sociedade Internacional, a ordem é conseqüência de um

sentido de interesse comum nos objetivos elementares da vida social, de regras que

prescrevem a conduta e de instituições que ajudam a normatizar essas regras. A

percepção da existência de interesses comuns, por parte dos Estados, deriva de um

cálculo racional do desejo dos Estados de aceitar restrições recíprocas à sua liberdade

de ação, onde o estabelecimento de regras internacionais permita não apenas a

coexistência, mas também a cooperação. Nesse sentido, as instituições internacionais

possuem um rol primordial na identificação de interesses nacionais concordes aos

internacionais63.

61 Paz não é a mera ausência de guerra, como costumam indicar a maioria dos dicionários e também dos autores, mas um estado de comunhão entre os atores, onde a cooperação e a ordem são componentes básicos. O conceito de guerra sempre foi mais forte que o de paz. Nas mitologias grega e romana, por exemplo, havia deuses para a guerra, respectivamente Ares e Marte, e deuses de menor importância, semideuses ou guardiões para a paz, respectivamente Irene e Quirino. Em outras mitologias a relação não era muito diferente, ou seja, as figuras da paz sempre foram mais levianas e menos importantes que as de guerra na história humana. BARSA. Paz. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. São Paulo: 2000. Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle também enfatizam a paz como ausência de guerra. RENOUVIN, Pierre; DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à História das Relações Internacionais. Trad. Hélio de Souza. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967. p. 258. 62 Robert Keohane e Joseph Nye introduziram um debate alternativo, através da obra Power and Interdependence, publicada originalmente em 1977. Segundo eles, o poder pode ser exercido de duas formas. A primeira, nos termos do realismo clássico, trata-se do poder exercido pelas nações com emprego do poderio bélico para o alcance de resultados através do uso da força, designado de hard power. A inovação conceitual surge com o que estes autores chamaram de soft power, que significaria a habilidade para conseguir resultados desejados porque os outros querem o que você quer. É uma

habilidade para atingir metas por meio da atração ao invés da coerção. [...] reside no apelo às idéias, à cultura ou à habilidade para organizar agendas por meio de padrões ou instituições que moldam a preferência dos outros atores . KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence. Nova Iorque: Harper Collins, 1989. (tradução livre) 63 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. São Paulo: IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI). p. 79-89.

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Contudo, nem sempre esses interesses internacionais possuem clara

correspondência com os interesses nacionais, o que ocasiona certos descumprimentos

de normativas internacionais. Uma abordagem estritamente jusinternacionalista

poderia afirmar que, em termos absolutos, todo tratado ou pacto é passível de ser

denunciado ou rompido. Assim, não há garantias de que, uma vez um armistício ou

qualquer tratado pacífico assinado, a ordem (e conseqüentemente a paz) estará

mantida. O cerne problemático dos dispositivos normativos internacionais é que as

partes contratantes são unidades soberanas, capazes de deles abrirem mão quando

entenderem que de seu interesse isso seja.

Em última análise, como não há um monopólio da força na Sociedade

Internacional

pois este só poderia ser exercido por uma unidade governamental,

estatal ou federal mundial, nos termos kantianos64

as relações internacionais são e

serão aquilo que seus membros pretendem que elas sejam65.

Com o fim da Guerra Fria66, os Estados Unidos se viram como a única

superpotência residual do período, persistindo nesta condição até hoje. Políticas

64 O filósofo prussiano Immanuel Kant (1724-1804) passou sua vida ligado à Universidade de Königsberg, onde desenvolveu um idealismo crítico que, para o pensamento ocidental, representou um ponto de inflexão comparável, na astronomia, ao heliocentrismo de Copérnico. Seu escrito À Paz Perpétua, uma espécie de tratado que propõe uma federação mundial de Estados, é bastante importante na tradição universalista das Relações Internacionais (a ser comentada no terceiro capítulo). Em razão desta obra, os ideais de federação ou confederação de Estados soberanos sempre remetem seus fundamentos a Kant. Os pressupostos federalistas de Kant serão mencionados no terceiro capítulo. 65 A natural utilização de conceitos (soberania, estado de natureza, monopólio da força etc.) importados de outras ciências (Ciência Política, Direito, Economia etc.) em um campo tão novo como as Relações Internacionais deve ser cuidadosamente observada. Como lembra o professor Gilberto Sarfati, forasteiros ou outsiders oportunistas confundem a multidisciplinariedade da área com o seu próprio desenvolvimento teórico. A contribuição de outros domínios é importante para as Relações Internacionais, mas esses outsiders não podem clamar por um conhecimento, próprio das Relações Internacionais, de que não possuem. Obviamente, economistas, geógrafos e juristas muito têm a dizer sobre e para o nosso campo, mas, se quiserem dizer algo em nome dele, devem aderir à área, porque nenhum especialista de Relações Internacionais tem o direito de clamar por um conhecimento jurídico ou econômico de que não possui, já que não fez graduação nem pós-graduação nessas áreas. Portanto, o mesmo deve ocorrer na direção oposta: a regra deve ser a de que, para fazer parte da Comunidade Epistêmica de Relações Internacionais, é preciso ter estudos específicos na área, seja em nível de graduação ou pós-graduação. SARFATI, Gilberto. Teorias de Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005. 66 Dois países

os Estados Unidos, capitalistas, e a União Soviética, socialista

inauguraram, em meados do século XX, a concepção de superpotência, em contraste com a designação de potência conferida às tradicionais nações da Europa Ocidental. Estas superpotências bipolarizaram a concertação do poder mundial entre agosto de 1945 e dezembro de 1991, disputando a preponderância ideológica sobre países os quais pretenderam agregar em suas respectivas órbitas de influência, sem jamais haverem travado diretamente uma guerra entre si, justamente pela consciência das partes em buscar evitar a utilização de suas armas atômicas altamente destrutivas. Tensões diplomáticas diretas entre as superpotências, além de guerras abertas entre elas e os países orbitais (mas nunca entre ambas, apesar de oscilantemente potenciais) constituíram por quase meio século o que se convencionou chamar de Guerra Fria.

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comerciais protecionistas, descaso político com o resto do planeta, fortalecimento de

barreiras de imigração, enfim, o egoísmo de Estado por excelência atingiu, com os

Estados Unidos do pós-Guerra Fria, sua expressão mais caricatural. Essa política

externa peculiar da única superpotência planetária veio a se exacerbar na

administração conservadora de George W. Bush. Ironicamente, o país que se

autodesigna baluarte da liberdade e promotor da democracia, virtudes bastante

liberais, não se preocupou em utilizar seu imenso poderio para implementar essas

premissas nas relações internacionais67.

A inconstância de ordem, a escassez de diálogo, a intolerância à diferença,

bem como uma série de outros fatores absurdos, formam um conglomerado de

elementos que constituem a problemática da Sociedade Internacional contemporânea.

A miséria africana, as injustiças comerciais, a imigração para os países desenvolvidos,

o afloramento de rivalidades religiosas, o estabelecimento de um maniqueísmo

civilizacional e, sobretudo, a emergência do terrorismo de autoria obscura, nada mais

são que conseqüências dos desentendimentos entre as nações, que preterem a

construção da ordem internacional em favor de interesses egoístas, cujo resultado

mostra-se, em última análise, em razão dessa problemática, um verdadeiro jogo

contra . Ou seja, quando se pretere a cooperação em prol do conflito bélico, os

prejuízos gerais costumam ser de notabilidade amplamente maior.

Eis que essa é a nova ordem mundial da qual falara George Bush (Sênior) em

seu discurso sobre o Estado da União em 29 de janeiro de 1991. Uma ordem

paradoxal, fundada na desordem do sistema, com execrável desleixo em relação à

maior organização internacional do planeta. A crise do Golfo Pérsico nesta época

levara Marcel Merle68 a se perguntar: o despertar das Nações Unidas é uma realidade

ou uma ilusão passageira? Parece que, uma década e meia depois, já se tem um

esboço da resposta69.

67 De fato, de acordo com a perspectiva realista, não se espera que o país mais poderoso do planeta promova tais valores de liberdade e democracia, contudo, é absolutamente execrável, então, usar a defesa dos mesmos como justificativa para ações militares de interesses obscuros. 68 Marcel Merle foi professor de Ciências Políticas na Sorbonne e no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Sua principal obra é Sociologia das Relações Internacionais. 69 ZORGBIBE, Charles. O pós-guerra fria no mundo. Trad. Maria Cristina da S. Leme Gonçalves. Campinas: Papirus, 1996. p. 15.

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A transformação do sistema vigente em uma ordem internacional mais

democrática e justa requer invariavelmente a convergência dos interesses nacionais

em aspirações internacionais comuns. Nas palavras de Bull70:

É óbvio que a ordem internacional existente não satisfaz algumas das aspirações de justiça mais profundas [...]. É bem verdade que a justiça, em qualquer uma de suas formas, só é realizável dentro de um contexto de ordem [...]. As idéias de justiça mundial e cosmopolita só são realizáveis (se o são) no contexto de uma sociedade mundial ou cosmopolita. Portanto, as demandas por uma justiça mundial são inerentemente revolucionárias, e implicam transformação do sistema e da sociedade de Estados .

Se há uma razão clara pela qual os Estados não cooperam sempre, mas apenas

às vezes, é, sem dúvida, porque não está suficientemente claro que os interesses

internacionais abrangem também os interesses nacionais, e é neste sentido que os

estudos sobre instituições internacionais, cujo esboço será apresentado no próximo

capítulo, devem ser progressivamente aprofundados.

Enfim, realizadas essas considerações sobre Sociedade Internacional e ordem

mundial, é possível já responder à pergunta a que se propôs o primeiro capítulo. O

sistema internacional

formado por unidades políticas soberanas, amparadas

progressivamente pelos novos atores

ao buscar a ordem mundial

pressupondo

resolução de problemas compartilhados e celebração de valores comuns

constitui-se

sim, conforme os termos de Bull, em uma Sociedade Internacional.

A Sociedade Internacional se esforça para conviver com o chamado paradoxo

da política internacional, segundo o qual se formula a seguinte questão: o egoísmo de

Estado representa, em última análise, o seu próprio interesse? Com a convicção de

que a resposta é negativa, o capítulo seguinte procurará mostrar de que maneira a

Governança Global apresenta-se como uma proposta primordial na consecução da

ordem na Sociedade Internacional, podendo, inclusive, ser interpretada como uma

continuação dos trabalhos de Bull. Na seqüência, o terceiro capítulo buscará elucidar

de que modo o sistema das Nações Unidas pode institucionalizar essa iniciativa, nos

moldes da justiça cosmopolita.

70 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. São Paulo: IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI). p. 102.

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2. GOVERNANÇA GLOBAL: O SISTEMA DE

ORDENAÇÃO DA SOCIEDADE INTERNACIONAL

Desafio para nós, da Comissão, é não só demonstrar como as mudanças na situação global

tornaram indispensável a existência de melhores mecanismos para a governabilidade dos assuntos

internacionais, mas também apontar os conceitos e valores que devem respaldar esses mecanismos

a fim de que possam instaurar uma ordem mundial mais propícia à paz e ao progresso

para todos os povos do mundo .

Comissão sobre a Governança Global71

Há muito a aprender com a natureza, o escopo e os limites da governança em um contexto no

qual as ações dos Estados, sua soberania e seu governo não são precondições

para a forma como os eventos acontecem .

James Rosenau72

2.1. Considerações Preliminares

Este capítulo se abre com o tópico A inter-relação de Governança Global,

Regimes e Organizações Internacionais, onde serão intercontextualizados

organizações, regimes e governança, a partir da perspectiva segundo a qual o período

pós-Guerra Fria representa não apenas um divisor de águas no estudo das Relações

Internacionais, mas também uma oportunidade para a institucionalização progressiva

da ordem mundial.

O objetivo do capítulo é responder de que forma a Governança Global,

amparada pelos regimes e organizações internacionais, impõe uma ordem sistemática

à Sociedade Internacional, ao mesmo tempo em que a pressupõe.

71 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa Comunidade Global

Relatório da Comissão. Trad. Luiz Alberto Monjardim e Maria Lucia L.V. Magalhães. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 5. 72 ROSENAU, James N. Governança, ordem e transformação na política mundial. In: ROSENAU, James N.; CZEMPIEL, Ernst-Otto (Orgs). Governança sem Governo

ordem e transformação na política mundial. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2000. p. 46.

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Cabe salientar que face à obra Governança sem Governo, organizada em 1992

pelos professores James Rosenau da George Washington University e Ernst-Otto

Czempiel da Universidade de Frankfurt, todas as demais parecem apenas

complementar os conceitos de perfil definitório que ali foram estabelecidos.

Por isso, pareceu óbvio classificar este livro como fonte primária73 para o

estudo da Governança Global. Usando as palavras da professora Marie-Claude

Smouts, do Centro de Pesquisa Científica da França, pode-se afirmar que o livro

tornou-se um clássico 74.

Contudo, outras fontes são também preciosas, mas representam o

desenvolvimento ou a propagação das concepções elaboradas em Governança sem

Governo, não apenas pela posterioridade das publicações, mas pela análise do

desenrolar do tema.

Inclusive, Rosenau assevera reiteradamente a perspectiva segundo a qual a

governança pressupõe acordos, não governos. Essa idéia já era sustentada por Hedley

Bull em A Sociedade Anárquica ao defender o estado de natureza de Locke, que o

concebia como uma sociedade sem governo75.

Uma coletânea de artigos bastante importante, publicada pela UNESCO,

serviu de fonte para o trabalho. Trata-se da edição La gouvernance da Revue

Internationale de Sciences Sociales, de março de 1998, inspirada nos trabalhos de

uma Conferência realizada em Lausanne em novembro de 1996.

No Brasil, a principal fonte a respeito do assunto é outra coletânea, da

Fundação Konrad Adenauer-Stiftung, intitulada Governança Global

Reorganização

da Política em todos os níveis de ação, que compõe o número 16 da Série Pesquisas,

de 1999. Outros artigos, publicados em outros periódicos de Relações Internacionais

do Brasil, também compõem o acervo nacional.

Ainda, um livro magistral é Nossa Comunidade Global, que nada mais é que o

Relatório da Comissão sobre Governança Global, idealizada pelo ex-chanceler alemão

73 De fato, todos os textos, artigos e livros que tratam da Governança Global e sua relação com a ordem mundial, mencionam a obra Governança sem Governo e utilizam o conceito elaborado por Rosenau. 74 SMOUTS, Marie-Claude. Du bon usage de la gouvernance en relations internationales. In: Revue internationale de sciences sociales, 155. Paris: UNESCO, março de 1998. p. 85 75 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 60. Conforme Samuel Makinda, Apesar dos esforços de Bull para olhar além do sistema de Estados e considerar o papel dos atores não-estatais, críticas o acusaram de distorcer o desenvolvimento das Relações Internacionais, sendo estatocêntrico, marginalizando vozes dissidentes e ignorando as forças da transformação global . MAKINDA, Samuel M. Hedley Bull and global governance: a note on IR theory. In: Australian Journal of International Affairs, v. 56, n. 3. Deakin (Austrália): AIIA, 2002. p. 361-371. (tradução livre)

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Willy Brandt e instituída sob os auspícios de diversas entidades76, publicado

originalmente em inglês, em 1995. A obra engloba boa parte da temática a respeito do

assunto, tendo o privilégio de ser fruto da reunião de representantes de quilate dos

mais diversos países. Nas palavras de Nelson Mandela77, ostentadas na capa, trata-se

de um livro oportuno, digno de toda nossa atenção .

2.2. A inter-relação de Governança Global, Regimes e

Organizações Internacionais

O aumento dos fóruns internacionais para a discussão de questões de interesse

comum, o estabelecimento de regimes internacionais e a proposta da Governança

Global surgem como resposta a uma demanda de ordenamento na Sociedade

Internacional.

Este tópico destina-se a analisar justamente três das maiores instituições da

Sociedade Internacional, criadas a fim de buscar soluções para seus problemas

comuns: as organizações internacionais, os regimes internacionais e a Governança

Global.

A pretensão é demonstrar de que maneira a Governança Global apresenta-se

como um elo dinâmico entre a concepção abstrata da Sociedade Internacional e a

existência concreta de organizações internacionais dispostas a lhe imprimir ordem.

2.2.1. As organizações internacionais

De acordo com o professor Ricardo Seitenfus78, organização internacional é a

associação voluntária entre Estados, constituída através de um Tratado que prevê

um aparelhamento institucional permanente e uma personalidade jurídica distinta

76 Para maiores detalhes sobre a Comissão, ver: COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa Comunidade Global

Relatório da Comissão. Trad. Luiz Alberto Monjardim e Maria Lucia L.V. Magalhães. Rio de Janeiro: FGV, 1996. 77 Nelson Mandela foi o principal líder do movimento rebelde anti-apartheid. Preso político por décadas, ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 1993. Foi presidente da África do Sul de 1994 a 1999. BARSA. Nelson Mandela. Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. São Paulo: 2000. 78 Ricardo Seitenfus é professor de Relações Internacionais e Direito Internacional Público na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Maria.

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dos Estados que a compõem, com a finalidade de buscar interesses comuns, através

de uma permanente cooperação entre seus membros 79.

Para Marcel Merle, a instituição da Sociedade das Nações, após o fim da

Primeira Guerra Mundial, representa a passagem do estado de anarquia para o de

sociabilidade, onde os Estados, sob o efeito utopista que caracterizou o período entre-

guerras, pensavam haver abolido o estado de natureza e implementado uma sociedade

organizada, nos moldes das sociedades nacionais80.

A partir de então, criou-se na Sociedade Internacional um ambiente dentro do

qual se trata de temas nas mais variadas esferas

jurídica, econômica, social, militar

etc. A interdisciplinariedade é fator predominante na realidade das relações

internacionais contemporâneas, e nem sempre os Estados estão preparados para lidar

com isso. Nesse sentido, as organizações internacionais existem justamente para

suprir essa demanda.

As pesquisas sobre organizações internacionais fazem parte de uma extensa área de estudos sobre as formas de como o sistema internacional se governa. (Sua história) está ligada, por um lado, às características da agenda internacional e, por outro, às transformações teóricas e metodológicas da disciplina de relações internacionais como um todo. O nascimento da disciplina e o primeiro debate entre liberais e realistas nos anos 30 e 40, em que se estabeleceu um contraste entre o balanço de poder, o direito internacional e as organizações internacionais, como formas de gerar ordem no sistema internacional, são o marco inicial para a compreensão da história desse campo de estudos81.

Nesse sentido, em fins dos anos 1940 foi lançado o hoje célebre periódico

International Organization, que sempre publicou artigos e ensaios sobre a temática

organizacional no âmbito de Relações Internacionais. Enquanto os textos atuais

costumam adentrar a seara não-governamental, em suas duas primeiras décadas de

79 SEITENFUS, Ricardo A. S. Manual das organizações internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 27. 80 MERLE, Marcel. Sociologia das Relações Internacionais. Trad. Ivonne Jean. Brasília: UnB, 1981. (Col. Clássicos do Pensamento Político). p. 23. 81 HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andréa Ribeiro. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 43. Para Seitenfus, tradicionalmente, nas relações internacionais bilaterais o meio de relacionamento utilizado sempre foi o direito internacional. A partir de quando três ou mais Estados decidiram trabalhar em conjunto para atingir objetivos comuns nasceu a idéia da organização internacional, caracterizada pela multilateralidade (regional ou universal), pela permanência (criação de um secretariado que fixa o objetivo de duração indefinida) e pela institucionalização (previsibilidade de litígios concernentes à organização, secundarização das soberanias nacionais e da postura respeitosa de membro voluntário da organização) . SEITENFUS, Ricardo A. S. Manual das organizações internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. pg. 27.

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circulação (1947-1967) a revista publicou temas centrais que gravitaram em torno da

análise de organizações formais, em especial as Nações Unidas.

As origens das organizações internacionais remontam a cooperação que

ocorria entre as cidades-Estado da Grécia antiga, onde pululavam idéias de arbitragem

e confederação, mas a predominância de Atenas demonstrava os limites dessa

solidariedade82. Na Idade Média, a comunidade cristã não alcançou a formação de

uma organização internacional que a congregasse por completo, mas observou-se o

imperialismo de Roma sobre os cristãos do Ocidente83. Doutrinas importantes sobre a

necessidade da criação de organizações internacionais surgiram a partir da idéia de se

controlar os constantes conflitos entre a humanidade, sobretudo a partir do século das

luzes84. À Paz Perpétua de Immanuel Kant merece destaque como profunda

contribuição para o estudo da cooperação internacional e seus preceitos e

fundamentos constituem fontes de pesquisa até a atualidade85.

Em termos efetivos, foi para diminuir a onerosidade das conferências

internacionais que, a partir do século XIX, as primeiras organizações internacionais

foram sendo criadas para tratar de questões técnicas86. O desenvolvimento do

capitalismo foi também uma grande causa da necessidade de se controlar as relações

internacionais87.

Nas Américas, sucessivos congressos entre os então jovens países foram

realizados ao longo do século XIX, mas a ausência de ratificações e os problemas

internos das novas repúblicas dificultavam a aproximação e desiludiam Simon Bolívar

já nas primeiras décadas desta centúria88. Esse fracasso de interação e as idéias

republicanas afastaram o Brasil Imperial das tentativas de aproximação. As freqüentes

82 A Liga de Delos, criada em 478 a.C. e extinta 140 anos depois, permitia já a associação militar entre as cidades-Estado gregas e a Liga Hanseática. SEITENFUS, Ricardo A. S. Manual das organizações internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. 83 A contestação do Papado, bem como o surgimento de Estados laicos e monarquias nacionais, puseram fim às tentativas de cooperação. Ibidem. 84 Pierre Dubois, George Podiebrad, Émeric Crucé, William Penn, Thomas More, Jean-Jacques Rousseau e o Abade de Saint-Pierre são alguns dos que elaboraram estudos e propostas de paz para Europa e para o mundo. Ibidem. 85 Ibidem. 86 Como administração de bens comuns a mais de um país e apaziguamento dos embates internacionais entre pesos, medidas, moedas, correios, telégrafos etc. Ibidem. 87 Já em 1815 foi criada uma comissão fluvial para administração do rio Reno e, em 1856, para o Danúbio. Na segunda metade deste mesmo século, organizações administrativas foram surgindo, sendo a primeira a União Telegráfica em 1865 (atual União Postal Universal). Ibidem. 88 Na Carta da Jamaica de 1815, Simon Bolívar foi contundente ao afirmar seu desejo em formar uma Confederação Hispano-americana com as regiões anteriormente pertencentes ao império espanhol, em que ficariam de fora os Estados Unidos, o Haiti e o Brasil. Ibidem.

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guerras civis, os desmembramentos territoriais e os conflitos latino-americanos

mostraram os limites das tentativas de organização pan-americana. Os Estados

Unidos, através da doutrina do presidente James Monroe de 1823, já haviam

estipulado unilateralmente as bases de relacionamento da América Latina para com o

mundo

América para os americanos

em troca de sua não-interferência nos

assuntos europeus, que, em certa medida, agradou aos líderes americanos por

distanciar a política hemisférica da recorrente beligerância européia. A Conferência

Pan-Americana que se realizou em Washington entre 1889 e 1890 resultou na criação

da primeira organização internacional regional da história, a União Internacional dos

Estados Americanos, antecessora da Organização Pan-Americana e da atual

Organização dos Estados Americanos, que desde então já estabelecera um mecanismo

de conferências regulares89.

Na Europa, o equilíbrio e a solidariedade do período pós-napoleônico90

fizeram surgir um mecanismo de consultas diplomáticas regulares, a fim de que os

litígios internacionais não se transformassem em guerra. De qualquer forma, os

esforços ainda não constituíam uma organização. Reuniões marcantes foram o

Congresso de Berlim de 1885, que definiu as regras para a divisão político-colonial da

África, e as Conferências de Haia, em 1899 e 1907, para o aperfeiçoamento do Direito

Internacional. Após a Segunda Guerra, a construção de uma Europa unida tomou

fôlego graças aos esforços de homens como Jean Monnet e Konrad Adenauer, que

resultariam na atual União Européia91.

No seio das organizações internacionais está sua limitada autonomia,

decorrente da política de poder que lhes é impressa pelos países-membros. Isto

significa que a igualdade que se manifesta entre os Estados, segundo o Direito

Internacional Público, não ocorre nas vias de fato. Grosso modo, pode-se dizer que os

Estados se dividem em dois grandes grupos. O primeiro é restrito às grandes potências

e aos países desenvolvidos, no qual os países são atores fundamentais da política

internacional, pois possuem interesses generalizados (a grande política). Já o segundo

89 Woodrow Wilson propusera em seu governo, assim como a Liga das Nações, o Pacto das Américas, de modo a contemplar a já antiga doutrina Monroe. Esta proposta veio a ser aceita em 1948, com a assinatura da Carta de Bogotá, que criou a Organização dos Estados Americanos. Ibidem. 90 O militar Napoleão Bonaparte (1769-1821) governou a França entre o fim da Revolução Francesa e a sua queda na Batalha de Waterloo em 1815, época em que conquistou várias regiões da Europa continental. Congressos internacionais realizados em Viena entre 1814 e 1815 restauraram o antigo regime nos países europeus. 91 Ibidem.

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grupo é formado pela grande maioria de países

Estados-membros débeis e atores de

interesses limitados (a pequena política). O processo decisório dessas organizações

observa diversos fatores além do próprio peso do voto. O calibre político do Estado-

membro e o ambiente da instituição são também fatores de forte importância. Nas

organizações de concertação política (como a Organização das Nações Unidas e a

Organização dos Estados Americanos) o peso de cada Estado-membro é fundamental

na tomada das decisões; por vezes, o próprio texto constitutivo das mesmas ressalta

esta importância (como, por exemplo, no Conselho de Segurança das Nações Unidas).

Já nas organizações de natureza técnica, a autonomia dos Estados-membros possui

maior efetividade, o que atrasa o processo decisório, mas garante uma áurea mais

democrática92.

Seitenfus conclui que o surgimento das organizações internacionais levou as

relações internacionais ao âmbito institucional, caracterizando o que ele chama de

institucionalização da hegemonia consensual , e isto lhe parece irreversível93.

Contudo, a existência desse mecanismo não implica repressão dos demais membros, o

que permite que vozes tanto do sul como do norte reclamem reformas nas

organizações internacionais.

Conclusivamente, cabe notar um comentário que o intelectual e político belga

Jean Rey, membro da então Comunidade Econômica Européia, teceu em 1979 a

Victor Pou, traduzindo em uma analogia magistral o tema das organizações

internacionais94:

Os construtores de catedrais, na Idade Média, começavam a construir as suas igrejas sabendo perfeitamente que não as veriam acabadas, porque se requeria um espaço de tempo superior ao da vida de um homem para edificar uma catedral. No entanto, sabiam que sobre os alicerces para cuja construção contribuíam se elevariam catedrais. Parece-me que esta situação serve para definir a vida internacional atual. Não sabemos como evoluirão as coisas nem com que rapidez, mas estamos em condições de pensar que o mundo se organizará progressivamente numa instituição comum. E estou a pensar não numa organização centralizada, que responderia mal à diversidade que existe no mundo, mas sim, mais exatamente, numa organização de tipo federal.

92 Ibidem. 93 Ibidem. p. 48. 94 REY, Jean; Entrevista com. As organizações internacionais. Pág. 14. Rio de Janeiro: Salvat do Brasil, 1979.

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É certamente precoce imaginar que o federalismo internacional esteja

próximo, mas seria também incorreto desconsiderar a hipótese de que este seja o

cume da catedral , conforme analogia de Rey. Apesar da difícil previsibilidade, é

possível que se esteja construindo as bases de uma futura federação mundial95.

Enfim, o que importa admoestar é que as organizações internacionais, apesar

da realidade da política de poder que lhes é própria, bem como de seu amplo déficit

democrático96, produzem normas de todos os níveis, que irão influenciar diretamente

as vidas das pessoas comuns, inclusive no interior dos Estados nacionais. Por isso, é

mister que os cidadãos, através de seus representantes diplomáticos, nelas estejam

engajados para efetivar minimamente, por mais débil que seja a influência de seu país,

a participação na redação das tão importantes normas internacionais. Este talvez seja

o grande tema das Relações Internacionais da atualidade97.

De maneira complementar ao papel das organizações internacionais, foi criada

a noção de regimes internacionais, de modo a compartimentar o estudo de Relações

Internacionais em áreas temáticas. Eis as considerações a respeito no tópico a seguir.

2.2.2. Os regimes internacionais

Alguns autores da área de regimes internacionais equivalem o significado

dessa expressão ao de instituições internacionais. É o caso de John Mearsheimer98,

que escreveu o seguinte: defino instituições como um conjunto de regras que

estipulam as formas como os Estados deveriam cooperar e competir entre si. Essas

instituições prescrevem comportamentos estatais aceitáveis e proscrevem tipos

95 O federalismo mundial não corresponde ao tema desta monografia e não será portanto aqui discorrido em maiores detalhes, porém, comentários a seu respeito estão notados ao longo do texto. 96 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa Comunidade Global

Relatório da Comissão. Trad. Luiz Alberto Monjardim e Maria Lucia L.V. Magalhães. Rio de Janeiro: FGV, 1996. 97 Talvez a realidade do meio internacional, fundamentada na política de poder, nunca tenha sido tão assimétrica quanto é hoje, à exceção da época do Império Romano. Contudo, atualmente, a existência das organizações internacionais como fóruns da Sociedade Internacional permite que haja uma participação mínima dos atores menos importantes e dos Estados mais débeis. Por tratarem de temas relativos à realidade de toda a humanidade

desde o estabelecimento de normas e padrões para comercialização de enlatados até as regras para o comércio internacional

é necessário o maior número de atores delas participem, para lograr-se um mínimo de representatividade e legitimidade nessas instituições. Cabe aos países capacitar profissionais para trabalharem nessas organizações. Sobre este tema, a professora Mônica Herz proferiu uma palestra na sede da FINEP no Rio de Janeiro, a 10 de agosto de 2005. 98 John Mearsheimer é professor de Ciência Política da Universidade de Chicago.

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inaceitáveis de comportamento99 . Essa equivalência entre os termos não será adotada

no presente texto, que trabalhará apenas com a expressão regimes internacionais.

Assim como Joseph Grieco100, por contemplar apenas os Estados, em

detrimento dos chamados novos atores da cena internacional

tais como as empresas

multinacionais, as organizações não-governamentais etc. , a conceituação de

Mearsheimer perdeu relevância nos estudos que os consideram, apesar de ser citada

em quase todos os trabalhos sobre regimes internacionais.

Robert Keohane e Joseph Nye buscaram explicar as novas relações

internacionais, demonstrando a interação dos Estados (ditos atores privilegiados) com

os novos atores. Para eles, a nova dinâmica da Sociedade Internacional constituiria

uma interdependência complexa , ou seja, uma espécie peculiar de dependência

recíproca entre os atores, vulneráveis uns aos outros em relação aos custos e aos

benefícios, com vantagens e desvantagens assimétricas101. Esse modelo serviria de

base para o que se convencionou chamar de paradigma interdependentista das

Relações Internacionais.

Contudo, na abordagem dos regimes internacionais, a conceituação de Stephen

Krasner102 possui maior coerência com essa abordagem interdependentista de

Keohane e Nye, dado que ela considera também os atores transnacionais e

provavelmente por isso ela se tenha tornado clássica. Para ele, os regimes são

definidos como um conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos de

decisão, implícitos ou explícitos, em torno dos quais as expectativas dos atores

convergem em um domínio específico de Relações Internacionais 103. Essa é a

conceituação que será adotada no presente trabalho, pois serve de pressuposto para o

prosseguimento do estudo de Governança Global.

99 MEARSHEIMER, John J. The false promise of international institutions. In: BROWN, Michael E.; COTÉ Jr., Owen R.; LYNN-JONES, Sean M.; MILLER, Steven E. (Eds). Theories of War and Peace. Cambridge: MIT, 2000. p. 333. O debate sobre a centralidade ou não dos Estados está no cerne das pesquisas acadêmicas de Relações Internacionais, constituindo-se definitivo para a divisão do pensamento internacionalista em escolas. 100 Joseph Grieco é professor de Ciência Política da Duke University. GRIECO, Joseph. Anarchy and the limits of cooperation: a realist critique of the newest liberal institucionalism. In: International Organization, 42. Cambridge: MIT, 1988. 101 KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence. Nova Iorque: Harper Collins, 1989. 102 Stephen Krasner é professor licenciado de Relações Internacionais da Universidade de Stanford e, desde fevereiro de 2005, é Diretor de Planejamento Político da Secretaria de Estado norte-americana. Foi editor do periódico International Organization entre 1986 e 1992. 103 KRASNER, Stephen D. Structural causes and regimes consequences

regimes as intervening variables. In: KRASNER, Stephen D. (Org.) International regimes. Londres: Cornell, 1983. (tradução livre)

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O campo de estudo dos regimes é maior que o das organizações internacionais

e diferente do das instituições internacionais e, embora muitos autores equiparem os

conceitos104, é mister precisar suas diferenças. Um regime internacional

regimes

sobre os direitos humanos, sobre o meio ambiente, sobre o controle de proliferação de

armas etc.

pode suscitar o aparecimento de várias organizações internacionais que

tratem do tema. Obviamente, uma organização pode também coordenar trabalhos

referentes a mais de um regime

organizações para promoção do desarmamento e

para a proteção dos direitos humanos

mas, conforme o gráfico de Platiau et alii105,

apresentado abaixo, costuma-se estabelecer os regimes internacionais como um

domínio de maior amplitude que as organizações internacionais106.

Gráfico: Relação entre Governança Global, regimes internacionais e abordagens organizacionais

Assim, as organizações são um subconjunto dos regimes, e estes, por sua vez,

um subconjunto da Governança Global. Em síntese, os regimes são domínios

temáticos (comércio internacional, direitos humanos, meio ambiente etc.) de potencial

institucional-normativo da Sociedade Internacional.

A teoria dos regimes tomou corpo na década de 80, tendo como fundo a

corrente institucionalista neoliberal. No centro deste debate está uma reflexão de

104 John Ruggie e John Mearsheimer equivalem regimes e instituições . Este último é por vezes também equiparado às organizações . Neste trabalho, contudo, será utilizada a perspectiva segundo a qual o domínio dos regimes (instituições abstratas) é mais amplo que o das organizações (instituições concretas), e o termo instituições será evitado. Ver: RUGGIE, John Gerard. Embedded liberalism and the postwar economic regimes. In: RUGGIE, John Gerard. Constructing the World Policy

Essays on international institutionalization. Nova Iorque: Routledge, 2000. e; MEARSHEIMER, John J. The false promise of international institutions. In: BROWN, Michael E.; COTÉ Jr., Owen R.; LYNN-JONES, Sean M.; MILLER, Steven E. (Eds). Theories of War and Peace. Cambridge: MIT, 2000. Nota: Esse artigo de John Mearsheimer fora originalmente publicado no periódico International Security, 19(3), p 5-49, de 1994/1995. 105 Gráfico extraído de: PLATIAU, Ana Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias; SCHLEICHER, Rafael T. Meio ambiente e relações internacionais

perspectivas teóricas, respostas institucionais e novas dimensões de debate. In: Revista Brasileira de Política Internacional 47 (2). Brasília: IBRI, 2004. p. 107 (com adaptações) 106 A questão de Governança Global, expressa no gráfico de Platiau et alii, é tratada no tópico seguinte.

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fundo econômico sobre o papel do mercado como modo de regulação, bem como suas

imperfeições, com uma constatação bastante inspirada no pensamento de Friedrich

Hayek107: nunca existe concorrência perfeita nem preços verdadeiros em razão da

repartição assimétrica da informação entre agentes econômicos. A necessidade das

organizações estaria justamente neste ponto, pois serviriam para colaborar com a

redução das assimetrias de informação dos sujeitos do mercado108. Andreas

Hasenclever, Peter Mayer e Volker Rittberger109, membros do chamado grupo de

Tübingen, entram a fundo na discussão de regimes, argüindo inclusive a existência de

três escolas de teoria dos regimes, cuja divisão seria entre neoliberais, realistas e

cognitivistas110.

De acordo com Smouts, os teóricos dos regimes e do multilateralismo

utilizarão as noções de jogo interativo e de reciprocidade difusa . Ela afirma

que111:

Segundo eles (os teóricos dos regimes), quando os estados estão inscritos em um jogo de trocas repetido (a construção européia, a Organização Mundial do Comércio, o Conselho de Segurança...), e nesse jogo, eles são ora ganhadores, ora perdedores, de toda maneira, eles terão de encontrar os outros. [...]. A longo prazo o comportamento cooperativo é a melhor estratégia possível. Como conclusão, os regimes teriam o grande interesse de reforçar essa

107 Friedrich Hayek (1899-1992), austríaco, foi economista e cientista social notável por sua defesa da escola liberal e do sistema de preços livres no capitalismo. 108 Esse raciocínio teve origem na teoria econômica chamada neoliberal, em voga nos Estados Unidos na década de 1980, e foi introduzido na Ciência Política por James March e Paul Olsen na obra Rediscovering Institutions. SMOUTS, Marie-Claude. As novas relações internacionais. Trad. Georgete. M. Rodrigues. Brasília: UnB, 2004. p. 138. 109 HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter; RITTBERGER, Volker. Theories of International Regimes. Cambridge: CUP, 2004. 110 A escola neoliberal ou funcional baseia-se na teoria microeconômica para sustentar que o regime internacional surge para reduzir as incertezas entre os atores, possibilitando-os buscar resultados ótimos (Vilfredo Pareto (1848-1923), economista italiano da escola de Lausanne, definiu como ótima a situação em que num grupo de indivíduos, o bem-estar de um indivíduo poderia ser maximizado sem prejuízo aos demais. Tal situação ficou conhecida como o ótimo de Pareto.). A perspectiva realista ou estruturalista pretere os aspectos normativos internacionais em favor do poder como a variável central da política internacional, uma vez que, sua distribuição díspar influencia assimetricamente a formação e a manutenção dos regimes. Por fim, a abordagem cognitivista, que possui fortes raízes na filosofia da ciência e na sociologia, sustenta que os regimes podem beneficiar significativamente a Sociedade Internacional, justamente por esse espectro sócio-filosófico. O melhor exemplo do grupo funcionalista é a obra After Hegemony de Robert Keohane, enquanto no grupo realista encontra-se a Teoria da Estabilidade Hegemônica de Krasner e Gilpin. Na abordagem cognitivista, situam-se as críticas de Kratochwil e Ruggie à definição de regimes internacionais proposta por Krasner. PLATIAU, Ana Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias; SCHLEICHER, Rafael T. Meio ambiente e relações internacionais

perspectivas teóricas, respostas institucionais e novas dimensões de debate. In: Revista Brasileira de Política Internacional 47 (2). Brasília: IBRI, 2004. 111 SMOUTS, Marie-Claude. As novas relações internacionais. Trad. Georgette M. Rodrigues. Brasília: UnB, 2004. p. 140.

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reciprocidade difusa, de tornar mais pesado o custo da defecção e mais vantajoso o da cooperação.

Smouts conclui que, para aqueles que estão fora do círculo de admiração e de

citações mútuas, construído pelos principais pesquisadores dos regimes, essa literatura

pode parecer tediosa, mas ressalta que seria um erro desconsiderar ou minimizar sua

contribuição, pois constituem um profundo enriquecimento da análise em Relações

Internacionais112.

Os regimes são, portanto, os domínios temáticos internacionais e a busca por

suas normatizações, ou seja, constituem-se, concomitantemente, na causa e na

conseqüência das organizações internacionais. Claras estas noções, segue-se para o

próximo tópico do raciocínio, a Governança Global.

2.2.3. A Governança Global

Desde a década de 1970, vários teóricos criticam a oposição entre ordem

interna e anarquia internacional, fato que tende a tornar cada vez mais próxima a

convergência entre Relações Internacionais e o Direito Internacional. Assim, como

vem afirmando a professora Mônica Herz113, o estudo das normas internacionais se

tornou o grande tema da disciplina de Aberystwyth. Eis que surge a proposta da

Governança Global, alicerçada nos regimes e nas organizações internacionais.

O próprio Hedley Bull já pesquisara tópicos atualmente discutidos na teoria da

Governança Global, como os desafios da Sociedade Internacional e o significado da

sociedade civil. Sua principal obra trata de temas como emergência de novos atores e

instituições internacionais, mas é, sobretudo, sua idéia de busca de justiça, como meio

de reconstrução da ordem mundial e administração da anarquia, que constitui um elo

direto entre seu trabalho e a proposta da Governança Global114.

Já se estabeleceu, nas páginas anteriores, que as organizações internacionais

estão inseridas em um campo maior, qual seja os regimes internacionais. A

112 SMOUTS, Marie-Claude. As novas relações internacionais. Trad. Georgette M. Rodrigues. Brasília: UnB, 2004. p. 141. 113 Mônica Herz, diretora do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI-PUC-RJ), proferiu a palestra intitulada Governança Mundial, na sede da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), no Rio de Janeiro, em 10 de agosto de 2005. 114 Deve ser remarcado que a expressão Governança Global entrou em voga na década de 1990, posteriormente ao falecimento de Hedley Bull (em 1985).

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Governança Global, por sua vez, pode ser conceituada justamente como a esfera,

ainda maior, na qual interagem os regimes internacionais115.

Desse modo, a teoria da Governança Global não deve ser entendida, em si,

como uma forma isolada de busca da ordem, mas sim como o emaranhado

institucional no qual as diversas formas da busca da ordem se inserem. Sua meta

consiste em aproveitar a época oportuna do pós-Guerra Fria para esclarecer o

funcionamento da ordem mundial, num contexto onde a autoridade sofre

deslocamento contínuo, tanto exteriormente, no sentido das entidades supranacionais,

como internamente, no sentido dos grupos subnacionais 116, identificando-se, assim,

como pode existir a governança na ausência de um governo.

As formas de busca que nela se inserem são exatamente as instituições

internacionais, que podem ser concretas, como as organizações internacionais, ou

abstratas, como os regimes. O Direito Internacional e a diplomacia multilateral são os

fundamentos que regem o funcionamento dessas instituições.

A Governança Global visa a solidificar o estudo da Sociedade Internacional de

modo mais incisivo e prático, buscando adaptar as Relações Internacionais às

transformações que lhe foram impressas nos últimos decênios (sobretudo após o fim

da Guerra Fria, quando o acirramento do contato entre os povos passou a crescer

exponencialmente), fazendo com que os Estados Nacionais se apercebessem presos

em uma estrutura política demasiado vetusta, não correspondente com a então

estrutura sócio-econômica117.

Seria, portanto, intelectualmente irresponsável não adaptar a disciplina à

evolução de seu objeto de estudo (a Sociedade Internacional), ainda mais se tratando

de uma disciplina tal em que seu objeto parece estar em constante evolução. O próprio

Adam Watson, membro remanescente da tradicional escola inglesa, em um capítulo

dedicado à Sociedade Internacional Global, aborda a importância do campo

econômico no estudo da disciplina, que pode gerar-lhe, por um lado, segurança

institucional ou, por outro, crises estrondosas118.

115 PLATIAU, Ana Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias; SCHLEICHER, Rafael T. Meio ambiente e relações internacionais

perspectivas teóricas, respostas institucionais e novas dimensões de debate. In: Revista Brasileira de Política Internacional 47 (2). Brasília: IBRI, 2004. 116 ROSENAU, James N. Governança, ordem e transformação na política mundial. In: ROSENAU, James N; CZEMPIEL, Ernst-Otto (Orgs). Governança sem Governo

ordem e transformação na política mundial. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2000. p. 13. 117 Ibidem. 118 WATSON, Adam. A evolução da sociedade internacional

uma análise histórica comparativa. Trad. René Loncan. Brasília: UnB, 2004. (Col. Relações Internacionais). p. 423.

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O estudo da Governança Global se fortaleceu desde quando, em 1989, o Banco

Mundial qualificou o drama da África de crise de governança 119, primeira aparição

do termo em um documento oficial de uma organização internacional120. Logo, este

termo passou a ser associado à política do desenvolvimento no mundo pós-colonial

(sobretudo nas comunidades acadêmica e política dos Estados Unidos e da Grã-

Bretanha). Nesse sentido, 121:

ainda que a palavra (governança) seja com freqüência pura e simplesmente assimilada aos escritos sobre governabilidade dos Estados nacionais, ela manifesta uma tentativa mais ambiciosa de encontrar uma nova caracterização das relações internacionais, que valha não somente para os Estados, mas também para os organismos não-estatais e ostensivamente não-políticos, e sobretudo para as instituições monetárias internacionais e as empresas multinacionais.

Asseverando essa percepção e adicionando um aspecto crítico, Marie-Claude

Smouts afirma que a noção de governança122:

aparenta-se tanto à noção de regime quanto à de ordem mundial , sendo utilizada pelas instituições financeiras internacionais para justificar suas condicionantes políticas nos países inaptos a gerir convenientemente os créditos acordados. [...] O paradoxo é o seguinte: quanto mais a noção de governança é levada a sério, menos a noção de governança global tem de conteúdo. A primeira opõe-se à segunda, por definição.

Para Anthony Pagden123, esse debate sobre ordem mundial está no âmago da

civilização ocidental, e centra-se na discussão sobre a legitimidade dos impérios, em

questão desde os tempos de Vestfália. Segundo suas conclusões, de tom federalista, a

associação civil da Sociedade Internacional deve ser sustentada por um recorte

republicano, em termos precisamente kantianos, de modo a atender à realidade dos

tempos atuais.

As raízes teóricas da governança são as mais variadas: encontram-se na

evolução dos estudos de Relações Internacionais, Economia, Teoria das

119 BANQUE MONDIALE. L Afrique subsaharienne: de la crise à une croissance durable. Washington: BM, 1989. 120 PAGDEN, Anthony. La genèse de la gouvernance et l ordre mondial cosmopolitique selon les Lumières. In: Revue internationale de sciences sociales, 155. Paris: UNESCO, março de 1998. p. 9. (tradução livre) 121 Ibidem. 122 SMOUTS, Marie-Claude. Du bon usage de la gouvernance en relations internationales. In: Revue internationale de sciences sociales, 155. Paris: UNESCO, março de 1998. p. 85. (tradução livre) 123 Anthony Pagden é professor de História da Universidade Johns Hopkins.

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Organizações, Desenvolvimento, Ciência Política, Administração Pública etc.124 A

lapidação convergente dessas disciplinas fornece vários regimes internacionais.

Contudo, faz-se necessária a elaboração do regime dos regimes , ou seja, o regime

maior da busca pela ordem mundial, a ser designado de Governança Global.

Presumir a existência da governança sem um governo significa conceber funções que

precisam ser executadas para dar viabilidade a qualquer sistema humano, mesmo que

o sistema não tenha produzido organizações e instituições incumbidas explicitamente

de exercê-las125 .

As definições tradicionais de governança, encontradas usualmente nos

dicionários, a tornam sinônimo de governo. Contudo, o crescente número de trabalhos

a seu respeito atestam mudanças no seu bojo, tanto no uso quanto no significado. A

governança no sentido atual significa uma nova definição do governo, uma nova

organização do poder ou uma nova forma de governar 126. Portanto, governança se

distingue de governo na medida em que a aplicação de seus pressupostos não é

garantida por uma autoridade formal, mas por acordos sistemáticos entre autoridades

independentes.

A conceituação já clássica de Governança Global foi elaborada pelo professor

James Rosenau127 em 1992: em um diagnóstico de enfraquecimento do poder estatal,

com forte teor funcionalista, ele conceitua a Governança Global como um sistema de

ordenação que depende de sentidos intersubjetivos, mas também de constituições e

estatutos formalmente instituídos [..., que] só funciona se for aceito pela maioria (ou

pelo menos pelos atores mais poderosos do seu universo)128 .

124 Ibidem. 125 Ibidem. p. 14. 126 RHODES, R. The New Governance

Governing without Government. In: Political Studies, 44. p 652-667. In: STOKER, Gerry. Cinq propositions pour une théorie de la gouvernance. In: Revue internationale de sciences sociales, 155. Paris: UNESCO, março de 1998. p. 19. (tradução livre) 127 James Rosenau é diretor da Elliott School de Assuntos Internacionais da George Washington University. 128 Ibidem. p. 16. Com a regulamentação do Protocolo de Quioto, diversos atores da Sociedade Internacional exemplificam perfeitamente o conceito de Governança Global acima enunciado. Não há necessidade que absolutamente todos os atores estejam de acordo. É suficiente que a notável maioria entenda um objetivo como comum, para que suas ações coordenadas levem ao alcance de um fundamento de Governança Global. Nota: Em 14 de dezembro de 1997, com o objetivo de controlar e reduzir a emissão dos gases que provocam o efeito estufa, foi assinado, na cidade de Quioto, no Japão, um acordo internacional, conhecido como Protocolo de Quioto, de modo a complementar a Convenção da ONU sobre a mudança do clima no planeta, assinada na ECO-92, no Rio de Janeiro. O protocolo foi ratificado pela maioria dos países emissores dos gases

os países industrializados

dentre os quais destaca-se a notável exceção do principal emissor, os EUA, o que quase inviabilizou a vigência Protocolo.

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Rosenau, apresenta um sistema internacional bifurcado 129: uma das

vertentes seria estatocêntrica, nos moldes realistas clássicos, onde os Estados são

unidades monolíticas submetidas à política de poder, que buscam o interesse nacional

confrontando-lo ao dilema de segurança 130. A outra vertente seria multicêntrica, nos

moldes neoliberais, onde os novos atores internacionais possuem papel proeminente,

e, segundo Rosenau, são capazes de se evadir das regulamentações impostas pelos

Estados.

O fato é que se tem na Governança Global um mecanismo moderno para o

desenvolvimento da ordem internacional, pois ela visa a criar as condições de um

poder organizado e de uma ação coletiva. Nesse sentido, a governança e o governo

não se diferenciam no objetivo do estabelecimento de ordem, mas nos procedimentos

empregados para seu alcance.

A governança, justamente por não dispor do monopólio da força, tal como o

governo, privilegia os mecanismos que dispensam a autoridade e as sanções do poder

público. Ou seja, como não pode ser imposta, deve ser o resultado da interação entre

os governantes, por meio do fortalecimento dos pactos e dos contratos, da diminuição

das funções do Estado em prol de uma gestão pública internacional131.

Ressalva-se que a análise de Governança sem Governo não requer a

desconsideração dos governos nacionais ou subnacionais, mas implica uma

investigação que presuma a ausência de qualquer autoridade governamental suprema

no nível internacional. A proposta de Rosenau e Czempiel132 traz a idéia segundo a

qual a política internacional caminha rumo a uma poliarquia. A governança e a ordem

são fenômenos claramente interativos. A ordem é concomitantemente uma

129 ROSENAU, James N. Studying structures: the two worlds of world politics. In: ROSENAU, James N. Turbulence in World Politics: a theory of change and continuity. Princeton: PUP, 1990. 130 Dilema de segurança ocorre quando os Estados, na busca por seus interesses põem em risco sua própria segurança, vez que sua satisfação implica na insatisfação conseqüente sobre outros Estados, que podem decidir reagir. Logo, é uma dúvida que incide sobre os mentores da política externa de um país, que precisam decidir a posição sobre a dicotomia: buscar ou não os interesses, considerando eventuais reações? Ibidem. 131 Cabe aqui diferenciar governança de governo. Na definição de James Rosenau, governo sugere atividades sustentadas por uma autoridade formal, pelo poder de polícia que garante a implementação das políticas devidamente instituídas , enquanto governança refere-se a atividades apoiadas em objetivos comuns, que podem ou não derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas e não dependem, necessariamente, do poder de polícia para que sejam aceitas e vençam resistências . ROSENAU, James N. Governança, ordem e transformação na política mundial. In: ROSENAU, James N. e CZEMPIEL, Ernst-Otto. Governança sem governo. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2000. p. 15. 132 O livro Governança sem Governo é organizado por ambos.

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precondição e uma conseqüência do governo. A ordem não existe sem a governança e

vice-versa133.

Mas, se não são os governos, quem são os agentes responsáveis pela

Governança Global e de que maneira a promovem? Rosenau responde a essa questão.

Para ele, há três níveis fundamentais de atividade: o primeiro, ideacional, manifesta-

se primordialmente pela propagação de valores universais, viabilizada mormente

pelos meios de comunicação, mas também por todas as formas de contatos entre

pessoas que ultrapassem as fronteiras; o segundo, comportamental, corresponde às

atitudes dos atores internacionais que demonstram o funcionamento das regras e das

estruturas globais, como, por exemplo, as corporações transnacionais, e; o terceiro,

político, abriga as instituições e regimes internacionais, responsáveis pela

implementação das políticas inerentes aos dois primeiros níveis. O terceiro é o mais

formal dos três níveis, ainda que não se compare ao patamar estatocêntrico134.

Em síntese, pode-se depreender que a responsabilidade pela Governança

Global cabe a todos os atores que de alguma forma interagem, interagiram ou

interagirão por além das fronteiras dos Estados. Todo ator potencialmente

internacional é responsável em parte pela Governança Global.

Como se pode observar, assim como os regimes, nos termos krasnerianos, a

Governança Global abrange atores governamentais e não-governamentais que

concordam intersubjetivamente em que a cooperação justifica a aceitação de

princípios, normas, regras e procedimentos. A despeito dessas semelhanças, regimes e

governança não se confundem. Enquanto os primeiros convergem para uma área

determinada das Relações Internacionais (ou área temática), a governança é munida

de amplitude, congregando inúmeras áreas temáticas, ávidas estas pela construção da

ordem mundial. Os regimes não conseguem articular sozinhos a Sociedade

Internacional, precisam interagir entre si e com as organizações, ou melhor, o

resultado dessa interação dos níveis supramencionados, conforme os termos de

Rosenau, corresponde à Governança Global.

A participação dos Estados na Governança Global é, portanto, secundarizada

por Rosenau. Ele não menciona suas participações nos três níveis de ação, senão

indiretamente por meio das organizações internacionais (no terceiro nível). Contudo,

133 ROSENAU, James N. Governança, ordem e transformação na política mundial. In: ROSENAU, James N; CZEMPIEL, Ernst-Otto (Orgs). Governança sem Governo

ordem e transformação na política mundial. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2000. p. 19-20. 134 Ibidem. p. 28-30.

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entende-se que os Estados são também agentes diretos na Governança Global, pois

trabalham igualmente na articulação com os demais agentes de modo a auferir

diretrizes de ordem internacional.

Portanto, a Governança Global é um sistema de ordenação cooperativa entre

os atores internacionais, que ocorre por meio da aplicação de regras, princípios e

valores considerados comuns à Sociedade Internacional, mas que, contudo, apenas é

praticado quando estes agentes concordam em interagir.

Em todo caso, assim como as organizações e os regimes, a Governança Global

também possui perfil institucional, porém de perfil abstrato, tal como os regimes, em

contraposição à concretude das organizações. A governança, através de sua

amplitude, estabelecida por definição, parece ser a proposta institucional que melhor

responde às demandas do que Bob Jessop135 chamou de sociedade de desafios 136

que se impôs na cena internacional do pós-Guerra Fria.

Cabe admoestar que não devem ocorrer equiparações entre a Governança

Global e sistemas federativos, pois se estaria incorrendo no equívoco de comparar um

espaço dotado de autoridade central e outro não. O modelo federativo, tal como nos

termos kantianos, segundo o ideal de unidade na diversidade (E pluribus unum), foi a

resposta encontrada (com adaptações) por países como os Estados Unidos da

América, a Alemanha e a Confederação Helvética (neste caso, como evidencia o

próprio nome, uma confederação), para solucionar esse problema de gestão complexa,

mas tal molde sustenta-se no estabelecimento impreterível de uma autoridade

centralizadora de funções estratégicas. Não é o que ocorre, nem tampouco o que se

vislumbra que venha a ser implementado

pelo menos não tão cedo , na Sociedade

Internacional137.

Por isso, a governança deve ser trabalhada na medida em que se a reconhece

como o modelo gestor da complexidade e da pluralidade, onde funciona um processo

135 Bob Jessop é professor de sociologia na Universidade de Lancaster. 136 JESSOP, Bob. L essor de la gouvernance et ses risques d échec

le cas du développement économique. In: Revue internationale de sciences sociales, 155. Paris: UNESCO, março de 1998. p. 46. (tradução livre) 137 Vale notar, contudo, o belo trabalho realizado por organizações não-governamentais que visam a promover os ideais federalistas no nível internacional, em especial, o do Movimento Federalista Mundial (MFM).

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de tomada de decisões negociadas. Vez que não há autoridade, a negociação é a

prática da governança138.

No artigo Sociedade Internacional e Governança Global, Andrew Hurrell139

conclui que o caminho do estabelecimento de condições mínimas de coexistência

deveria estar na convergência de dois desenvolvimentos cruciais: 1o) na

transformação das concepções minimalistas ou pluralistas

segundo a qual o mundo

é uma mera pluralidade de estados soberanos, nos termos vestfalianos

para uma

perspectiva maximalista ou solidarista

onde se parte do pressuposto que a

humanidade constitui uma unidade a ser preservada , e; 2o) a partir dessa abordagem

maximalista, é igualmente mister a passagem do solidarismo (meramente) consensual

para um solidarismo coercitivo, ou o que Hurrell chama de uma Sociedade

Internacional com dentes afiados , que na verdade consistiria em se dotar certas

instituições internacionais de recurso próprio à força140. Contudo, ao fim do artigo, ele

próprio salienta que há limites acerca do que poderia ser obtido por meio da coerção,

mas deixa claro que a normatização é o caminho mais eloqüente para a

institucionalização da Governança Global.

Em 1995 surgiria o periódico Global Governance, no qual o próprio James

Rosenau busca uma redefinição do conceito tradicional, afirmando que governança

é141:

todo um sistema de regras, controle e gestão do que pode acontecer na humanidade, em um dado momento, em qualquer nível, da família à organização internacional, ou ainda, todos os inumeráveis regramentos produzidos pela proliferação de redes de interação social em um mundo cada vez mais interdependente.

Redefinir a governança é prioridade para aqueles que com ela trabalham. Ao

lado da academia, as ações públicas e privadas têm também um papel primordial. O

138 ROSENAU, James N. Governança, ordem e transformação na política mundial. In: ROSENAU, James N. e CZEMPIEL, Ernst-Otto. Governança sem governo. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2000. p. 15. 139 Andrew Hurrell é diretor de pós-graduação em Relações Internacionais do Nuffields College da Universidade de Oxford. Para o desenvolvimento desse raciocínio ele cita a questão uma vez levantada por Raymond Aron, em uma conferência na Itália: sob que condições seria possível aos homens, divididos de tantas formas, não meramente evitar a destruição, mas conviver relativamente bem em um mesmo planeta?

HURRELL, Andrew. Sociedade Internacional e Governança Global. Trad. de Cláudia Viertler. In: Lua Nova, n. 46. São Paulo: CEDEC, 1999. p. 57. 140 HURRELL, Andrew. Sociedade Internacional e Governança Global. Trad. de Cláudia Viertler. In: Lua Nova, n. 46. São Paulo: CEDEC, 1999. 141 ROSENAU, James N. Governance in the Twenty-first Century. In: Global Governance 1, vol. 1, Winter 1995. p 13-14. (tradução livre, com adaptações)

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desenvolvimento de fóruns é precioso. As grandes conferências temáticas das Nações

Unidas

como a do Rio sobre o meio ambiente, do Cairo sobre a demografia, de

Pequim sobre os direitos das mulheres, de Istambul sobre o habitat, entre outras

são

interessantes nesse sentido. Portanto142:

A governança, enfim, pressupõe participação, negociação e coordenação. Seus meios são projetos, parcerias, consensos. A racionalidade procedimental (manter o dispositivo de diálogo) é no mínimo tão importante quanto a racionalidade substancial (preencher uma atividade de interesse público).

A reflexão em torno da Governança Global não é, portanto, uma análise do

sistema atual, mas um pensamento potencialmente normativo sobre um mundo

melhor que se convém construir para as gerações vindouras.

A governança pressupõe a progressividade da democratização e da

legitimidade na política internacional, trabalhando-se não com conceitos estanques,

mas com métodos ainda em vias de construção. A percepção dos atores tradicionais

(os Estados) e dos novos atores (as empresas multinacionais, as organizações não-

governamentais etc.) precisa ser então complementada por um ator ainda não

diretamente partícipe da Sociedade Internacional: o indivíduo.

Nesse sentido, o professor Robert Cox143 entra no debate trabalhando a idéia

de novo multilateralismo, onde defende o desenvolvimento de uma ordem mundial

construída de baixo para o alto , isto é, onde os atores não-estatais sejam

definitivamente incluídos144. Para ele, as transformações mundiais dos últimos

decênios requerem formas de Governança Global que, ao incorporarem as forças

sociais que emergem por via dos novos atores, se combinem com os Estados para a

formação de uma sociedade complexa e articulada, exercendo, assim, a capacidade de

adotar estratégias não-convencionais para a preservação da segurança e da

governabilidade internacionais. Trata-se de uma justaposição mais simbiótica entre

Estado e sociedade.

142 SMOUTS, Marie-Claude. Du bon usage de la gouvernance en relations internationales. In: Revue internationale de sciences sociales, 155. Paris: UNESCO, março de 1998. p. 90. (tradução livre) 143 O canadense Robert Cox é professor de ciência política da Universidade de Oklahoma. Em seus trabalhos, de perfil neomarxista, elabora críticas severas ao neoliberalismo de mercado e às injustiças do sistema internacional. Para ele, toda teoria é sempre para alguém e para algum propósito. 144 COX, Robert W. (Ed.) The New Realism

Perspectives on Multilateralism and World Order. Nova Iorque: UNUP, 1997. p. 24.

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Com pilares de equidade e respeito, parte-se aí para um estudo tão mais

profundo quanto incipiente, e que parece servir de base para a democracia

cosmopolita que se busca na Sociedade Internacional: a Justiça Internacional. Mas

esse tema está além da Governança Global.

Por fim, popularizado no pós-Guerra Fria, o conceito de Governança Global

surgiu como uma resposta à nova ordem mundial que então se impôs. Por sua natural

amplitude, tal conceito foi (e ainda é) alvo de inúmeras críticas. Dessa forma,

conforme se observará na seção a seguir, a noção de Governança Global recebeu

vários polimentos conceituais, mas que, na essência, mantêm ainda os termos de

Rosenau.

2.3. A atualização do conceito de Governança Global

Como seria de se esperar, a tamanha amplitude do conceito de Governança

Global foi alvo de inúmeras críticas. Lawrence Filkenstein argüiu que a governança

assim apresentada abrange aproximadamente tudo, não esclarece nada e não facilita a

pesquisa. Em seqüência à crítica, ele elabora proposições para que não mais se

considere a governança como um sistema de regras, mas sim como um campo de

atividades multilaterais, e que se passe a aplicar em escala internacional os

mecanismos de ordem interna dos Estados145. Apesar desse tom de governo global,

diverso da perspectiva da governança, seu texto serve para nos conscientizar da

importância da atividade de todos os que desejam sua realização.

Um aspecto importante é que a literatura de Relações Internacionais, ainda que

com a evolução das novas correntes de pensamento, não se tornou independente,

todavia, das teorias clássicas, a fim de fazer da governança uma ferramenta específica

para resolução dos claros e determinados problemas da Sociedade Internacional, a

despeito da resistência dos moldes vestfalianos.

Seja a Governança Global apresentada como um sistema de regras (como

proposto por Rosenau) ou como uma atividade mais governamental (no pensamento

de Filkenstein), a questão é que, para alguns ela não é uma prática, mas um ideal a ser

buscado. Nesse sentido, os diplomatas e os funcionários internacionais devem imbuir-

145 FINKELSTEIN, Lawrence S. What is Global Governance. In: Global Governance, vol. 1, n. 3, setembro/dezembro 1995. p 368.

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se de uma espécie de perseverança perene, mas que, desprovida de uma finalidade

objetiva, acabaria por se mostrar estática.

Não são poucos os que se enveredam por discussões de boa governança e

meta-governança 146, nas quais, por tamanha subjetividade, este texto não haverá de

se imiscuir. Contudo, a atualização do conceito de governança não trata de buscar

alternativas à proposta inicial, descrita por Rosenau, mas sim de observar esta

concepção na perspectiva prática do século XXI.

Em 1995, a Comissão sobre a Governança Global publicou um relatório

intitulado Nossa Comunidade Global, no qual descreveram as tradicionais

propriedades definitórias da governança no nível mundial.

Tal Comissão foi fruto da proposta do ex-Chanceler da Alemanha Ocidental

Willy Brandt, prêmio Nobel da Paz de 1971, que percebera que as modificações na

política internacional, conseqüentes do fim da Guerra Fria, requeriam novas teorias e

reflexões. Uma reunião preliminar foi realizada em abril de 1991, em Estocolmo, para

debater as necessidades da década de 90. O documento da Conferência, a Proposta de

Estocolmo sobre Segurança e Governança Globais, sugere a criação de uma comissão

internacional para examinar as possibilidades de estabelecer um sistema mais eficaz

de segurança e governança mundiais147. Em abril de 1992, os co-presidentes dessa

nova Comissão, Ingvar Carlsson (ex-Primeiro Ministro da Suécia) e Sir Shridath

Ramphal (ex-Secretário-Geral do Commonwealth), reuniram-se com o então

Secretário-Geral das Nações Unidas, Boutros Boutros-Ghali, para expor-lhe o

objetivo da Comissão. Este louvou a iniciativa e lhes garantiu o seu apoio.

A Comissão sobre Governança Global iniciou seus trabalhos em setembro do

mesmo ano, passou praticamente desapercebida e, com muita cautela, foi acolhida

pelas Nações Unidas148. Personalidades como Jacques Delors, Sadako Ogata, Oscar

Arias, Celina Vargas do Amaral Peixoto e Enrique Iglesias, entre outras, foram alguns

146 Bob Jessop e Marie-Claude Smouts tecem considerações a respeito de boa governança (que seriam os termos de uma boa administração) e meta-governança (tarefas específicas visando a uma governança localizada) que, por não levarem ao objetivo pretendido desta monografia, não serão aqui trabalhados. JESSOP, Bob. L essor de la gouvernance et ses risques d échec

le cas du développement économique. In: Revue internationale de sciences sociales, 155. Paris: UNESCO, março de 1998, e; SMOUTS, Marie-Claude. As novas relações internacionais. Trad. Georgette M. Rodrigues. Brasília: UnB, 2004. 147 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa Comunidade Global

Relatório da Comissão. Trad. Luiz Alberto Monjardim e Maria Lucia L.V. Magalhães. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 273. 148 SMOUTS, Marie-Claude. Du bon usage de la gouvernance en relations internationales. In: Revue internationale de sciences sociales, 155. Paris: UNESCO, março de 1998. p. 88.

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dos 28 membros participantes. Todos atuaram por conta própria, sem quaisquer

orientações de governos ou organizações.

As conclusões do relatório são bastante importantes. A definição de

Governança Global ali descrita é assaz interessante149:

Governança é a totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns. É um processo contínuo pelo qual é possível acomodar interesses conflitantes ou diferentes e realizar ações cooperativas. Governança diz respeito não só a instituições e regimes formais autorizados a impor obediência, mas também a acordos informais que atendam aos interesses das pessoas e instituições.

Esse conceito de Governança Global funde as duas percepções

a de Rosenau

e a de Finkelstein

pois sugere que a governança pressupõe uma postura ativa dos

agentes, reiterando, tacitamente, a diferença entre governança e governo.

O próprio relatório afirma que a ação local é uma forma de governança. Nesse

contexto, tem-se a máxima think globally, act locally , onde, por exemplo, a

governança abrangeria desde cooperativas comunitárias dispostas a organizar o

abastecimento de água ou a reciclagem do lixo até as organizações não-

governamentais de proteção aos direitos humanos e defesa do meio ambiente. Nesse

sentido150:

No plano global, a governança foi vista primeiramente como um conjunto de relações intergovernamentais, mas agora deve ser entendida de forma mais ampla, envolvendo organizações não-governamentais (ONGs), movimentos civis, empresas multinacionais e mercados de capital globais. Com estes interagem os meios de comunicação de massa, que exercem hoje enorme influência.

Marie-Claude Smouts, após observar esses mesmos conceitos de Governança

Global, conclui que a governança é um processo, baseado no acomodamento de

interesses, que abrange atores públicos e privados, desprovido de formalização,

funcionando através de interações contínuas151.

149 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa Comunidade Global

Relatório da Comissão. Trad. Luiz Alberto Monjardim e Maria Lucia L.V. Magalhães. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 2. 150 Ibidem. 151 SMOUTS, Marie-Claude. Du bon usage de la gouvernance en relations internationales. In: Revue internationale de sciences sociales, 155. Paris: UNESCO, março de 1998. p. 89. (tradução livre)

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Aprofundando a discussão, Mônica Herz e Andrea Hoffmann152 ressalvam153:

A rede de organizações internacionais faz parte de um conjunto maior de instituições que garantem uma certa medida de governança global. Normas, regras, leis procedimentos para a resolução de disputas, ajuda humanitária, a utilização de força militar, programas de assistência ao desenvolvimento, mecanismos para coletar informações são algumas das práticas que produzem a governança global.

Desse modo, no compasso das mais diversas sociedades, a Sociedade

Internacional está cada vez mais complexa, e seu gerenciamento, sua governabilidade,

requer igual complexidade no aprofundamento das análises. Os fenômenos do pós-

Guerra Fria, como a interdependência e a emergência dos novos atores, nos termos

descritos por Keohane e Nye no final dos anos 70, apresentam desenvolvimento

vertiginoso e influem cada vez mais na política internacional. Por isso, cabe aos

governos dos Estados acompanhar essa evolução do sistema, sob pena de perecer na

crise de identidade que já lhes assola.

Smouts afirma que existem três tipos de discursos sobre a Governança Global,

sendo o primeiro referente à boa governança , apregoada pelo Banco Mundial para

os países em desenvolvimento, o segundo alusivo à revista Global Governance, na

linha de estudos do professor Rosenau, e o terceiro tocante às políticas públicas,

consagrado no relatório Nossa Comunidade Global. Entretanto, opta-se aqui por uma

percepção de complementaridade desses discursos

e não por uma categorização,

pois entende-se que eles foram se aperfeiçoando por fatores cronológicos.

Ainda, à luz dos ensinamentos de Sonia de Camargo154, observa-se que em um

mundo onde as formas de autoridade estão sofrendo contínua realocação, se torna

imperativo examinar de que maneira, na ausência de um governo mundial

centralizado, uma Governança Global efetiva poderia se exercer. Até que ponto os

nascentes mecanismos de controle e regulação que estão emergindo nos novos

152 Ambas são autoras da obra Organizações Internacionais e professoras de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 153 HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andréa Ribeiro. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 18. 154 Sônia de Camargo é professora de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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espaços políticos internacionalizados prevêem e asseguram a participação de

indivíduos e grupos nos processos de decisão que afetam seus interesses e valores 155.

Por fim, de maneira conclusiva, mister se faz asseverar que a Governança

Global é um sistema de ordenação acordada das políticas de todos os atores da

Sociedade Internacional, estatais ou não, com vistas a facilitar a interação

cooperativa dos povos, por meio de uma complexa normatização potencial, buscada

nos regimes e nas organizações internacionais. Essa conceituação, elaborada pelo

autor desta monografia (a partir dos fundamentos de Rosenau, observando as

considerações de Filkenstein e do relatório da Comissão sobre a Governança Global),

apesar de bastante ampla, configura-se conclusiva, afinal, a Governança Global é

ampla por si própria. Nesse sentido, este conceito servirá de base para o

prosseguimento do raciocínio pretendido com esta monografia.

Nesta perspectiva, os pesquisadores de regimes e organizações contribuem de

modo essencial para o aprofundamento da Governança Global. A partir disso, vez que

esses autores já trabalharam o liame entre Sociedade Internacional e Governança

Global, cabe buscar os meios de implementação deste mecanismo. Hedley Bull,

apesar de haver falecido em 1985

sem assistir ao fim da Guerra Fria e sem ouvir

falar na expressão Governança Global

lançou as bases para o desenvolvimento de

estudos posteriores que levaram, entre outras, à própria teoria da Governança Global.

A partir das considerações tecidas neste capítulo, depreende-se que a

Governança Global, amparada pelos regimes e organizações internacionais, logra sim

impor uma ordem sistemática à Sociedade Internacional, pois pressupõe a cooperação

entre os Estados.

A institucionalização da Governança Global requer um diálogo aberto entre

todos os atores da cena internacional. Nesse sentido, as Nações Unidas são

inequivocamente o principal foro onde há de se consolidar esse processo. Contudo,

muitos problemas de natureza estrutural afetam o funcionamento da Organização no

seu bojo, e reformas de democratização são pleiteadas desde o fim da Guerra Fria. Por

tal e tanto, o próximo capítulo destina-se a mostrar, após a apresentação da estrutura

da Organização e da questão da reforma, de que maneira a mesma pode vir a melhor

contribuir com os anseios da Governança Global.

155 CAMARGO, Sonia de. Formas de Governança no Contexto da Globalização. In: Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 21, no 2, julho/dezembro 1999, p. 225-257.

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3. AS NAÇÕES UNIDAS E A

INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GOVERNANÇA

GLOBAL

Praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas

forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios

e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a

empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os

povos .

Trecho do Preâmbulo da Carta das Nações Unidas

Somente então os Estados responsáveis, e não os meramente fortes,

serão capazes de trazer uma estabilidade duradoura para nosso mundo .

Sérgio Vieira de Mello156

3.1. Considerações Preliminares

Foi esclarecido, no primeiro capítulo, que o objetivo da Sociedade

Internacional é a busca da ordem mundial, sem olvidar-se do fato de que ela é

composta por Estados soberanos que priorizam seus interesses domésticos e que,

desse modo, essa ordem apenas poderá ser alcançada se o interesse internacional

corresponder aos nacionais.

Foi também visto, no segundo capítulo, que a Governança Global, ao abranger

a totalidade dos regimes internacionais, materializados nas organizações

internacionais, afirma-se como o meio mais eloqüente e sensato para a busca dessa

ordem.

156 Trecho extraído do artigo Apenas os Estados Membros Podem Fazer a ONU Funcionar, publicado originalmente em inglês em The Wall Street Journal, 21 de abril de 2003. MELLO, Sérgio Vieira de. Apenas os Estados Membros Podem Fazer a ONU Funcionar. Trad. Celso Mauro Paciornik. In: MARCOVITCH, Jacques (Org). Sérgio Vieira de Mello: Pensamento e Memória. São Paulo: Edusp, 2004.

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A partir das considerações elaboradas nos dois capítulos anteriores, o terceiro

capítulo deve se debruçar, de maneira prospectiva, a responder a seguinte questão:

Como as Nações Unidas, através de uma reforma democrática, constituem-se na

organização internacional mais apta a institucionalizar a Governança Global?

O relatório Nossa Comunidade Global da Comissão sobre a Governança

Global afirma que a Sociedade Internacional, ao dispor do complexo sistema das

Nações Unidas, bem como de uma variada gama de outras organizações

internacionais, abre luzes para o alcance da ordem mundial. Dessarte, a importância

das instituições internacionais e dos valores ditos universalistas será destacada num

primeiro momento.

A seguir, será apresentada, de modo geral, a estrutura das Nações Unidas, bem

como uma breve discussão a respeito da reforma da Organização. Entre outras fontes,

o guia Basic Facts about the United Nations do Departamento de Informação Pública

da ONU e o artigo A Internacionalização da Política: A perspectiva Cosmopolita em

Face do Debate sobre a Democratização da ONU da professora Mônica Herz, servem

de suporte para a fundamentação desta parte.

Assim, este terceiro capítulo buscará explicar, portanto, como as Nações

Unidas, através de uma reforma democrática, constituem-se na organização

internacional mais apta a institucionalizar a Governança Global.

3.2. A importância das instituições internacionais e o

universalismo

Nas relações internacionais, nem todos os atores dispõem da liberdade de

atuação quanto os mais privilegiados deles, os Estados. Quando realmente lhes

interessa descumprir os pactos internacionais, a prerrogativa da soberania lhes garante

não só essa prática, bem como, se poderosos forem, a isenção de maiores sanções.

Nesse sentido, Oran Young157 descreveu três razões principais que levam os Estados a

desrespeitarem os requisitos institucionais internacionais. São elas158:

157 Oran Young é professor de Governança e Desenvolvimento Sustentável da Universidade da Califórnia. 158 YOUNG, Oran R. A eficácia das instituições internacionais: alguns casos difíceis e algumas variáveis críticas. In: ROSENAU, James N.; CZEMPIEL, Ernst-Otto (Orgs). Governança sem Governo

ordem e transformação na política mundial. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2000. p. 226-227.

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1) pelo menos um dos membros preeminentes do grupo está predisposto a não aceitar os resultados esperados do regime em questão; 2) é comparativamente fácil violar as regras do regime sem que a violação seja percebida, ou de forma tal que seja difícil conseguir uma prova incontroversa dessa violação; 3) as mudanças em curso no caráter da Sociedade Internacional levantam dúvidas sobre os fundamentos sócio-políticos ou intelectuais do regime.

Assim, quanto mais essas condições estiverem simultaneamente presentes

menos efetivos serão os arranjos institucionais159. Em razão disto, na busca pela

ordem, o poder das instituições internacionais deve ser progressivamente aumentado,

a despeito dos interesses imediatos dos Estados, mas, em última análise, terminará por

lhes beneficiar, vez que as mesmas se destinam a servir aos interesses de toda a

humanidade. A tarefa se trata, então, de buscar meios para se convencer os atores

privilegiados disso.

Os estóicos160 já defendiam que os homens são concomitantemente membros

de seu Estado e da humanidade. Mais recentemente, já no século XVIII, época da

Ilustratura, os filósofos modernos desenvolveram a concepção de cosmopolitismo. O

movimento positivista comteano161 defendia a subordinação do homem a três degraus

de hierarquia crescente, a saber, família, nação e humanidade.

Essa percepção tem se tornado cada vez mais observável na Sociedade

Internacional. Percebem-se com maior notoriedade as semelhanças e as diferenças

entre os povos. Dessarte, do mesmo modo que se abrem oportunidades para conflitos,

também se abrem para entendimentos. Cabe apenas aos homens escolher o rumo a ser

tomado.

A compreensão da Sociedade Internacional está paulatinamente transferindo-

se das academias e das esferas organizacionais para a sociedade civil162. O aumento

159 Para Oran Young, há 7 fatores que determinam a efetividade das instituições internacionais, a saber: 1) a facilidade do monitoramento ou da verificação do desempenho à luz das suas principais prescrições de conduta; 2) a resistência dos mecanismos sociais nelas empregados; 3) o rigor das regras reconhecidas que governam as mudanças nas suas normas substantivas; 4) a capacidade que têm os governos dos membros de implementar suas normas; 5) as assimetrias na distribuição do poder entre os participantes; 6) o nível de interdependência dos participantes, e; 7) a manutenção das suas subestruturas intelectuais. Ibidem. p. 238-259. 160 Filósofos helenos do século III a. C. 161 O movimento positivista da modernidade, fruto das idéias do pensador francês Auguste Comte (1798-1857), sistematizou o estudo dos fatos sociais, conferindo grande importância aos fatores empíricos e ao desenvolvimento das ciências. Tais idéias adquiriram perfil maçônico com a fundação da Igreja Positivista pelo próprio pensador. 162 Sociedade civil é um conceito importado da Ciência Política e significa, para Norberto Bobbio, sinônimo de sociedade política, portanto, de Estado. O conceito contemporâneo de sociedade civil

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em nível internacional do turismo, dos negócios, dos estudos etc., desencadeia

naturalmente uma aproximação entre povos. Por um lado, gera renda, empregos e

outros benefícios imensuráveis. Por outro, gera transtornos, desentendimentos e

conflitos culturais.

As instituições internacionais existem justamente para ampliar e propagar os

benefícios da Sociedade Internacional, observando o controle dos malefícios. Hedley

Bull, fundamentado em Martin Wight, afirma que163:

Ao longo de toda a história do moderno sistema de Estados, três tradições doutrinárias têm competido entre si: a hobbesiana, ou realista, que considera a política internacional como um estado de guerra; a kantiana, ou universalista, que preconiza a atuação, na política internacional, de uma comunidade potencial e a grociana, ou internacionalista, para a qual a política internacional ocorre dentro de uma sociedade de estados.

Portanto, segundo Bull, o universalismo é um movimento de perfil kantiano,

no extremo oposto da perspectiva hobbesiana, pois preconiza uma comunidade

potencial. E ele prossegue164:

A tradição kantiana ou universalista assume que a natureza essencial da política internacional não reside no conflito entre os Estados, mas nos vínculos sociais transnacionais entre os seres humanos, que são súditos ou cidadãos de algum estado. Para os kantianos, o tema dominante das relações internacionais parece ser o relacionamento entre estados, mas é na realidade a relação entre todos os homens, participantes da comunidade representada pela humanidade, a qual existe potencialmente, embora não de modo efetivo, e que quando aflorar fará com que o sistema dos estados vá para o limbo.

global possui perfil marxista, pois associa indivíduos de diferentes estados por meio de suas classes sociais. A globalização fortaleceu esse conceito de sociedade civil global na medida em que pessoas de diferentes nacionalidades inter-relacionam-se voluntariamente com objetivos, anseios, problemas e meios comuns. A sociedade civil global diferencia-se da sociedade internacional, pois, diferentemente desta, não engloba as relações interestatais nem transnacionais, mas apenas indivíduos e grupos, por além-fronteiras, sem fins lucrativos (como por exemplo: movimentos sociais, comunidades epistêmicas, organizações não-governamentais etc.). Para maior detalhamento sobre sociedade civil global, ver: HERZ, Mônica; HOFFMANN, Andréa Ribeiro. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 223-253. 163 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 32. 164 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 33. Nota: Marie-Claude Smouts discorda de Bull ao afirmar que a teoria realista é abusivamente universalista, na medida em que ela postula também que todo Estado é igualmente Estado-nação. SMOUTS, Marie-Claude. As novas relações internacionais. Trad. Georgette M. Rodrigues. Brasília: UnB, 2004. p. 45.

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Segundo o ponto de vista universalista, ao contrário dos termos hobbesianos, a

política internacional não seria um jogo de soma zero, mas um exercício cooperativo

de soma maior que zero, que admite a existência de uma moral internacional visando

não só o altruísmo e a coexistência dos Estados, mas a construção de uma Sociedade

Cosmopolita Internacional165. Dessa forma, seria possível suprimir os conflitos de

interesses existentes, vez que são conseqüência do sistema de Estados tal como ele é.

Se devidamente compreendidos, todos os povos possuem os mesmos interesses , diz

Bull sobre a escola universalista166. Eis, em termos kantianos, a razão para se investir

na busca desta sociedade.

Para Gelson Fonseca, a globalização alimenta a perspectiva universalista por

meio do sentimento de unidade moral da humanidade. Em alusão aos regimes

internacionais, ele defende a atualidade da escola universalista167:

A condução dos projetos parciais que afetem a ordem internacional deixa de ser monopólio do Estado, como no caso das perspectivas realista e racionalista, e passa a ser conduzido por entidades variadas, que vão das empresas transnacionais às ONGs, todas marcadas pelo fato de que agem segundo lógicas globais, que tomam o sistema internacional como ponto de referência, não mais o território nacional. Para uma empresa multinacional, a produção é distribuída pelas oportunidades que, em tese, oferecem todos os países do mundo; uma ONG que defenda os direitos humanos denunciará violações em todos os países do mundo etc.

Contudo, como lembra David Held168, o significado da globalização não é o

mesmo para todos os indivíduos, grupos e nações. Segundo ele, é notável que o

impacto dos múltiplos fluxos globais possui efeitos distintos entre os países centrais e

os periféricos, bem como entre as elites

que ele designa de novas elites

cosmopolitas

e as populações marginais de qualquer parte do mundo. O diferencial

dos efeitos da globalização nas pessoas é, para ele, determinado pelo acesso desigual

às organizações, instituições e processos da nova ordem global emergente169.

165 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 33. 166 Ibidem. 167 FONSECA Jr., Gelson. A legitimidade e outras questões internacionais. São Paulo: Paz e Terra, 2004. 168 David Held é professor de Ciência Política da London School of Economics and Political Science. 169 HELD, David. Political Theory Today. Stanford (California): SUP, 1991.

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Um ponto importante a ser destacado é o fator moral defendido pelos países,

mas que freqüentemente se imbui de grande ambigüidade, cuja variabilidade se opera

em função dos interesses em jogo170:

Isto fica evidente, por exemplo, quando as violações de direitos humanos na África não recebem a mesma atenção do que aquelas ocorridas nos Bálcãs. A aplicação de valores morais no campo das Relações Internacionais e a retórica em torno da universalização dos mesmos mostram-se relativas quando colocadas em prática, sugerindo a validade de determinados postulados realistas enfatizados por Hans Morgenthau171.

O fato é que toda a contextualização do universalismo possui como pilares os

elementos que integram os seres humanos além das fronteiras. Não se trata de

enfatizar os problemas dessa busca por valores universais, pois se estaria asseverando

o foco antagônico. Em uma abordagem liberal, o mercado financeiro internacional

seria a prova disso, mas significaria também demasiado reducionista restringir o

universalismo à ordem econômica internacional. Uma perspectiva acadêmica, por

outro lado, daria o suporte dos regimes internacionais, sustentados em organizações,

que lutam por princípios morais comuns a toda Sociedade Internacional.

A partir do momento em que a humanidade desenvolve uma crescente

aceitação de valores, crenças, orientações, práticas e instituições de outros povos,

alhures, há de se constatar uma conjunção cultural entre as nações, que Samuel

Huntington designou de civilização universal172.

170 MORENO, Marta Fernández. Propostas de Democratização das Nações Unidas. In: Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 23, no 1, janeiro/junho 2001, p. 114. Lembrar o caso do genocídio de 500 mil pessoas ocorrido em Ruanda em 1994. 171 O alemão Hans J. Morgenthau (1904-1980) se especializou em direito e diplomacia nas Universidades de Frankfurt e Munique. Com a ascensão do nazismo, emigrou definitivamente para os Estados Unidos, passando a maior parte de seu tempo na Universidade de Chicago, onde escreveu sua obra mais notável, A Política entre as Nações, classificada como uma das bíblias do realismo clássico. É considerado, pelo conjunto de sua obra, o pai do realismo nos Estados Unidos. 172 Para Huntington, um grande fundo da civilização ocidental é observado na civilização universal, que possui quatro pilares, a saber: 1) o compartilhamento de certos valores e instituições básicos (como o assassinato constituir crime e a existência de uma forma de família); 2) existência de elementos civilizacionais básicos (urbanização de cidades e alfabetização da população); 3) apreciação de pressupostos e doutrinas mantidos por muitos povos da civilização ocidental e por alguns povos de outras civilizações; 4) padronização do consumo e da cultura popular nos moldes da civilização ocidental (Cf. HUNTINGTON, Samuel P. O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial. Trad. M. H. C. Côrtes. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996. p. 65-67). Assim sendo, Huntington diz que a visão universalista das relações internacionais nada mais é que uma visão de origens ocidentais, e que, por vezes, esta visão desencadeia conflitos civilizacionais diversos, originados pelos ocidentais, que, ao argumentarem lutar por interesses universais, lutam na verdade por seus próprios interesses. Entretanto, alternativamente a Huntington, que parte da visão universalista para desenvolver

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Fernando Henrique Cardoso legou contribuições importantes em artigos

publicados sobre o estudo da Sociedade Internacional durante seus dois mandatos na

presidência do Brasil (1995-2002). Na Conferência Governança Progressiva para o

Século XXI, ele apresentou um texto173 no qual discorreu, entre outros assuntos, sobre

a globalização das agendas. Argüindo que o pós-Guerra Fria consistia numa janela de

oportunidade ímpar na reconstrução da ordem internacional, asseverou que a

universalização dos valores não se fez acompanhar da construção de um consenso

sólido quanto aos mecanismos para a implementação desses valores , gerando

discrepância entre legitimidade e eficácia; a melhor solução para isso é o

fortalecimento das Nações Unidas e a democratização de seus mecanismos . Ainda,

como bem equacionou, não há alternativa ao multilateralismo (..., em razão disto)

um Conselho de Segurança mais forte, mais eficaz mais representativo é

fundamental 174.

Portanto, a visão universalista das relações internacionais é percebida a partir

do ponto em que interesses, problemas e valores transcendem as fronteiras dos

Estados nacionais. Quando fatos ocorridos em um longínquo ponto do planeta

começam a afetar diretamente a vida de uma nação é porque os interesses desta nação

já não se limitam ao seu espaço territorial. Contudo, essa extraterritorialidade dos

fatos não implica jurisdição extraterritorial dos Estados. Eis a primeira evidência para

se constatar a interdependência entre os mesmos. Para Sonia de Camargo175:

o paradigma das civilizações em conflito, neste estudo partir-se-á do mesmo para desenvolver a análise de cooperação entre os Estados, por via da governança global e das organizações internacionais. 173 Texto apresentado na Conferência Progressive Governance for the 21st Century , promovida pelo Instituto Universitário Europeu e pela Universidade de Nova Iorque, realizada em Florença entre 20 e 21 de novembro de 1999. Contou com a participação do primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Tony Blair, do presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, do presidente do Conselho de Ministros da Itália, Massimo D Alema, do primeiro-ministro da França, Lionel Jospin, e do chanceler Federal da Alemanha, Gerhard Schröeder. CARDOSO, Fernando Henrique. Governança Progressiva para o Século XXI. In: Política Externa, vol. 8, n. 3, dezembro-fevereiro 1999-2000. p. 173-185. 174 A realidade nuclear decorrida do pós-Segunda Guerra contribuiu para formar a consciência social de interdependência. Em 1947, com as campanhas de Albert Einstein para um governo mundial, realizou-se a I Conferência do Movimento Mundial para um Governo Federal Mundial, que culminou na assinatura da Declaração de Montreux, solidificando essa perspectiva. As Nações Unidas constituíram nos anos subseqüentes a mais representativa organização de cunho universalista, institucionalizando a busca dos referidos ideais. CARDOSO, Fernando Henrique. Governança Progressiva para o Século XXI. In: Política Externa, vol. 8, n. 3, dezembro-fevereiro 1999-2000. p. 182. 175 CAMARGO, Sonia de. Governança global: utopia, desafio ou armadilha? Série Pesquisas. Vol. 16. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 1999. p. 3.

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A importância dada, na reflexão atual, aos temas globais é facilmente explicável se levarmos em conta o fato de que as sociedades e os Estados nacionais [...] não estão mais insulados em seus próprios territórios na medida em que estão sendo cada vez mais atingidos por movimentos transnacionais de capitais e por idéias, crenças, acontecimentos, guerras e mesmo crimes produzidos em uma esfera mais ampla e que escapam a seu controle.

Assim, valores e normas comuns à Sociedade Internacional contribuem para a

construção de uma cultura internacional e de um projeto global, nos termos kantianos

de cosmopolitismo. O universalismo corresponde, nos melhores termos, ao

equacionamento dos problemas (regimes) da Sociedade Internacional.

As organizações internacionais em geral possuem como fundamento de sua

própria existência a manifestação de valores universalistas. Tais organizações

congregam países de situações política, econômica, social e cultural por vezes

bastante diversas, fato que requere das mesmas a identificação, em meio a todas essas

variantes, de valores mínimos aceitos por todos os membros. Quando tais valores são

encontrados, tem-se então manifestação do universalismo.

As Nações Unidas são a organização internacional onde o universalismo

alcança sua maior expressividade, pois consiste no único fórum que congrega a quase

totalidade dos Estados-nações do planeta. Em razão disto, constitui-se a Organização,

também, no mais propício meio de institucionalização da Governança Global,

conforme será evidenciado na seqüência.

3.3. As Nações Unidas: o fortalecimento da Organização

como requisito ao desenvolvimento global

Nesta parte discorrer-se-á brevemente sobre o histórico, a estrutura e a questão

da reforma da Organização, de modo a apresentar-se um apanhado geral de seu

funcionamento, bem como das querelas de sua estrutura.

Entende-se que tal aprofundamento no quesito organizacional das Nações

Unidas não desvie o foco do tema da Governança Global, pelo contrário, discutindo-

se a estrutura e as propostas de reforma da Organização, contribui-se com o debate

sobre a melhoria da entidade institucionalizante da Governança Global.

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Ainda, cabe adiantar que os ideais universalistas das Nações Unidas

encontram-se ameaçados pela incompatibilidade entre o sistema de poder da

Organização (correspondente ao pós-Segunda Guerra Mundial) e das novas

características observadas nas relações internacionais contemporâneas.

Enquanto boa parte dos membros da burocracia da Organização une-se aos

líderes dos países em desenvolvimento no ávido clamor por reformas, sobretudo no

Conselho de Segurança, os membros permanentes deste, em postura absolutamente

execrável, resistem em abrir mão de um poder demasiado concentrado, não mais

equivalente à realidade de poder, mas que mantém a idéia de que cabe apenas às

potências a instituição da ordem internacional.

3.3.1. Breve histórico das Nações Unidas

Como explicado no capítulo anterior, os países já cooperavam por meio de

organizações internacionais em matérias específicas desde o século XIX. A primeira

organização intergovernamental internacional de perfil universal foi a Liga das

Nações (ou Sociedade das Nações), estabelecida pelo primeiro artigo do Tratado de

Paz de Versalhes176, assinado em junho de 1919, nos moldes da proposta do então

presidente norte-americano Woodrow Wilson.

A Liga existiu juridicamente entre 1919 e 1946. Seu pacto constitutivo foi

escrito ainda nas reuniões de Versalhes, por um comitê formado por Estados Unidos,

França, Itália, Japão e Reino Unido. Até 1930, quando ficou pronta a sede do Palácio

das Nações em Genebra, as reuniões foram realizadas em Londres177.

Contudo, a não-adesão dos Estados Unidos à instituição, bem como a

prolongada ausência da Alemanha e da União Soviética, ou seja, em termos práticos,

a falta de correspondência com a política de poder do período foi determinante para a

seqüência de fracassos que fez sucumbir a Liga, que não logrou sua finalidade-mor:

evitar a Segunda Guerra Mundial178.

Nesse sentido, a Liga das Nações não alcançou maiores conquistas para o

ordenamento da Sociedade Internacional, senão a de servir como mediadora de certos

176 O Tratado de Paz de Versalhes pôs fim à Primeira Guerra Mundial, impondo severas punições aos países derrotados. 177 UNITED NATIONS. Basic Facts about the United Nations. Nova Iorque: UN Department of Public Information, 2004. 178 Ibidem.

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conflitos a ela contemporâneos, além de, obviamente, ser considerada, grosso modo,

como uma pré-ONU, ou seja, uma instituição que serviu de modelo e de lição para

a formação da organização, ainda mais complexa, das Nações Unidas179.

O termo Nações Unidas foi cunhado pelo presidente norte-americano

Franklin Delano Roosevelt, na redação da Declaração das Nações Unidas de 1o de

Janeiro de 1942, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, quando representantes de

26 nações reafirmaram a continuidade da luta conjunta contra as potências do Eixo180.

Em 1945, já no final da Segunda Guerra Mundial, reuniram-se em São

Francisco da Califórnia representantes de 50 países para a redação da Carta das

Nações Unidas, de acordo com os termos pré-estabelecidos por China, Estados

Unidos, Reino Unido e União Soviética em uma reunião realizada em Dumbarton

Oaks (Washington), entre agosto e outubro de 1944 (na ocasião, ainda não se tinha

certeza sobre o posicionamento francês). A Carta foi assinada em 26 de junho pelos

50 países então representados e, posteriormente, pela Polônia, constituindo-se assim

os 51 membros fundadores das Nações Unidas181.

Em 24 de outubro de 1945, com a Guerra definitivamente terminada, havendo

a Carta sido ratificada por China, Estados Unidos, França, Reino Unido e União

Soviética (as potências vencedoras da Guerra), além da maioria dos outros

signatários, foi oficializada a existência da Organização das Nações Unidas182.

O complexo documento de São Francisco possui um belo preâmbulo e 111

artigos distribuídos ao longo de 19 capítulos, que compõem o instrumento constitutivo

de normas, órgãos e procedimentos da organização, além de apontar direitos e

obrigações dos Estados-membros. Anexo à Carta, encontra-se o Estatuto da Corte

Internacional de Justiça, com 70 artigos elencados em 5 capítulos183.

Assim, desde a sua formação, as Nações Unidas trabalham pela manutenção

da paz e da segurança internacionais, visando a assegurar e fortalecer o Direito

Internacional Público, por meio do desenvolvimento da diplomacia parlamentar. Seu

grande diferencial em relação a sua organização antecessora (a Liga das Nações),

179 Ibidem. 180 Ibidem. 181 Ibidem. 182 Ibidem. 183 Ver: Carta das Nações Unidas.

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consiste no fato de seu órgão executivo, o Conselho de Segurança, melhor refletir a

realidade da política de poder internacional184.

De fato, os membros permanentes deste Conselho são os mesmos desde a sua

criação, em 1945. Sessenta anos mais tarde, a Sociedade Internacional, que tem na

Organização seu mais aberto e dinâmico fórum de expressão, clama por reformas não

só neste Conselho como em todo o sistema das Nações Unidas.

A organização foi criada no contexto do pós-Segunda Guerra e início da

Guerra Fria. Hoje, são mais de sessenta anos que esta Guerra já está terminada e mais

de quinze anos que o modelo da bipolaridade não mais bloqueia o funcionamento da

Organização. O mal agora é outro. A superpotência residual do conflito, os Estados

Unidos, país membro permanente do Conselho de Segurança, abusa de uma política

internacional unilateralista que não só enfraquece as Nações Unidas como a põe em

questão. Como se não bastasse, o país refuta todas as propostas concretas de reforma

da Organização (e do Conselho) que são ofertadas185. Sendo um dos cinco países

detentores do poder de veto entre os quinze membros do Conselho de Segurança

mecanismo segundo o qual sem sua aquiescência uma resolução não é aprovada

os

Estados Unidos constrangem e frustram as clamantes expectativas da Sociedade

Internacional por uma ordem internacional mais legítima e justa.

Desse modo, tem-se hoje as Nações Unidas como uma organização que reflete

um contexto de poder já ultrapassado, cuja utilidade à concertação política da

Sociedade Internacional é, em razão disto, progressivamente contestada.

3.3.2. Estrutura das Nações Unidas

À exceção do Conselho de Segurança, os demais órgãos da ONU possuem

maior coeficiente democrático, vez que seus trabalhos possuem um perfil tão mais

técnico quão menos político. De modo geral, eles tratam do que já foi anteriormente,

no segundo capítulo, designado de pequena política pelo professor Seitenfus.

A Carta de São Francisco estabelece os seis principais órgãos da organização:

a Assembléia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, o

184 Ibidem. Capítulo V. 185 As propostas de reforma, até agora todas refutadas, serão apresentadas mais adiante ainda neste capítulo.

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Conselho de Tutela, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado-Geral186. O

sistema (ou família) das Nações Unidas é, entretanto, muito maior, abrangendo quinze

agências especializadas além de vários programas e trabalhos187.

A Assembléia Geral é o principal órgão deliberativo, ou melhor, trata-se do

braço parlamentar das Nações Unidas. Todos os países-membros estão ali

representados e cada um tem direito a um voto de peso absolutamente igual. A

Assembléia é apta a tomar decisões sobre paz e segurança internacionais, decidir pela

admissão de novos membros e matérias orçamentárias, com a aprovação de dois

terços da casa; as demais questões requerem apenas maioria simples188.

Entre outras funções, a Assembléia dispõe da prerrogativa de discutir questões

de paz e segurança apenas quando estas não já estão sendo discutidas pelo Conselho

de Segurança. Contudo, dada a dificuldade em se obter consenso entre os membros

permanentes, a resolução Unindo para a paz, aprovada pela Assembléia em

novembro de 1950, dá poderes à mesma para agir em caso de omissão do Conselho de

Segurança, podendo fazer recomendações aos membros para tomarem medidas

coletivas, inclusive, em caso de rompimento da paz, fazer o uso da força com vistas à

manutenção daquela189.

O Conselho de Segurança tem como responsabilidade primordial a

manutenção da paz e da segurança internacionais190. Possui quinze membros, cinco

permanentes

Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China

e dez não-

permanentes

eleitos pela Assembléia Geral para um mandato de dois anos191. Cada

membro dispõe de um voto, sendo necessários nove dos quinze votos para a

aprovação de uma resolução em matéria procedimental, incluídos entre os nove os

votos de todos os membros permanentes. Eis o mecanismo do veto de que estes países

dispõem192 cuja exigüidade democrática gera inúmeras polêmicas. Alem disso, todos

os países membros do Conselho possuem o direito à abstenção, inclusive os

permanentes, sem prejuízo da plena qualificação do sufrágio. De acordo com a

186 Carta das Nações Unidas, art. 7(1). 187 Carta das Nações Unidas, art. 7(2), e; UNITED NATIONS. Basic Facts about the United Nations. Nova Iorque: UN Department of Public Information, 2004. p. 6. 188 Carta das Nações Unidas, Capítulo IV. 189 Resolução Unindo para a Paz, AGNU 377/50, de 3 de novembro de 1950, e; Carta das Nações Unidas, art. 11(1). 190 Carta das Nações Unidas, art. 24(1). 191 Ibidem, art. 23 (1 e 2). 192 Ibidem, arts. 23, 27 e 108.

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Carta193, todos os membros concordam em aceitar e cumprir as decisões do Conselho

de Segurança194.

Como órgão executivo da Organização, o Conselho de Segurança pode

convocar países-membros, eventualmente sitiados por conflitos em potencial, a

acordarem, sob seu auspício, meios pacíficos para resolução de suas contendas.

Outras prerrogativas do Conselho referem-se à indicação do nome do Secretário-

Geral, a ser eleito pela Assembléia Geral, e a recomendação a esta de países a serem

admitidos pela Organização.

De acordo com a Carta195, o Conselho Econômico e Social, formado por

cinqüenta e quatro membros eleitos pela Assembléia para um mandato de três anos, é

responsável pelo trabalho econômico e social da Organização, além de sua interação

com as agências especializadas. Inclusive, cabe a este Conselho coordenar as relações

e as consultas das Nações Unidas em relação às instituições estatais e às organizações

não-governamentais, tidas como colaboradoras, vez que freqüentemente são dotadas

de grande conhecimento técnico sobre temas com os quais trabalham as Nações

Unidas196.

Com o desenvolvimento da percepção dos novos atores nas relações

internacionais, este Conselho ganhou importância, sobretudo nas questões técnicas,

onde as agências especializadas trabalham em cooperação e consulta permanente com

organizações não-governamentais de perfil semelhante.

Ao Conselho de Tutela cabia supervisionar a administração dos territórios sob

regime de tutela internacional, que tinha por metas a promoção do progresso e da

independência desses territórios197. Seus objetivos foram tão amplamente atingidos

que com a independência da hoje República de Palau, em 1994

o último território

ainda então sob tutela o Conselho suspendeu suas atividades198.

Localizada na Haia, a Corte Internacional de Justiça é o principal órgão

judicial das Nações Unidas. Seu regimento está no Estatuto da Corte, anexo à Carta de

São Francisco, que tem como signatários todos os membros da Organização. Sendo

193 Ibidem, art. 25. 194 UNITED NATIONS. Basic Facts about the United Nations. Nova Iorque: UN Department of Public Information, 2004. p. 8-10. 195 Carta das Nações Unidas, Capítulo X. 196 UNITED NATIONS. Basic Facts about the United Nations. Nova Iorque: UN Department of Public Information, 2004. p. 11-13. 197 Carta das Nações Unidas, Capítulo XIII. 198 UNITED NATIONS. Basic Facts about the United Nations. Nova Iorque: UN Department of Public Information, 2004. p. 13.

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um tribunal colegiado, a Corte se compõe de quinze juízes eleitos pelo Conselho de

Segurança e pela Assembléia para um mandato de nove anos, que não representam

seus países de origem. No caso de não haver juiz representante de um Estado-parte

em um contencioso, um juiz ad hoc pode ser designado199.

Apenas Estados podem ser partes nos contenciosos da Corte, ou seja, esta não

está aberta a quaisquer indivíduos ou organizações. Tanto a Assembléia Geral quanto

o Conselho de Segurança podem requisitar pareceres da Corte acerca de questões de

natureza legal, inclusive, outros órgãos das Nações Unidas podem, se autorizados pela

Assembléia Geral, igualmente solicitar opiniões200.

Sua competência jurisdicional está prevista no capítulo 2 do Estatuto; abrange

todas as questões a ela submetidas, bem como a todos os assuntos relativos à Carta

das Nações Unidas e aos tratados e convenções internacionais em vigor. Suas fontes

de direito são, por ordem: as convenções, os costumes, os princípios gerais do direito

e a jurisprudência; além de poder, ainda, lavrar sentença por equidade, se as partes

litigantes concordarem.

Igualmente diplomata e advogado, servidor civil e chefe executivo do

Secretariado, o Secretário-Geral é o porta-voz dos ideais das Nações Unidas, além de

representar os anseios de todos os povos201. O atual ocupante do cargo é o ganês Kofi

Annan, que assumiu suas funções em 1o de Janeiro de 1997 e foi reeleito em 2002

para um mandato de mais cinco anos.

Os antecessores de Annan foram, em ordem cronológica inversa, o egípcio

Boutros Boutros-Ghali (1992-1996), o peruano Javier Pérez de Cuéllar (1982-1991), o

austríaco Kurt Waldheim (1972-1981), o birmanês U Thant, que serviu interinamente

desde 1961 (1962-1971), o sueco Dag Hammarskjöld, que faleceu em um acidente

aéreo na África em setembro de 1961 (1953-1961), e o estreante norueguês Trygve

Lie (1946-1952)202.

Cada Secretário-Geral estabelece autonomamente em que concentrará suas

funções, além de coordenar o serviço de todos os servidores públicos internacionais.

199 Carta das Nações Unidas, Capítulo XIV e; UNITED NATIONS. Basic Facts about the United Nations. Nova Iorque: UN Department of Public Information, 2004. p. 13-15. 200 UNITED NATIONS. Basic Facts about the United Nations. Nova Iorque: UN Department of Public Information, 2004. p. 14-15. 201 Carta das Nações Unidas, Capítulo XV e; UNITED NATIONS. Basic Facts about the United Nations. Nova Iorque: UN Department of Public Information, 2004. p. 15-19. 202 UNITED NATIONS. Basic Facts about the United Nations. Nova Iorque: UN Department of Public Information, 2004. p. 15-19.

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Annan tem direcionado seus trabalhos à reforma das Nações Unidas, à busca de

soluções para o desenvolvimento da África, à manutenção de operações de paz (como

nos Bálcãs, em Ruanda e no Haiti), à articulação com corporações internacionais e ao

combate à AIDS.

Finalmente, há de se observar que a Organização possui toda a estrutura

institucional, bem como o direcionamento e as boas intenções do Secretariado em

guiar a implementação da Governança Global no sentido de uma ordem internacional

mais justa e solidária. As Nações Unidas demonstram-se como o mais apropriado

fórum para o debate dos problemas mundiais, bem como o melhor laboratório para

suas respectivas resoluções.

Contudo, além da política de poder que sufoca o pleno funcionamento da

instituição, um ponto importante deve ainda ser destacado: o orçamento das Nações

Unidas.

Apresentado anualmente pelo Secretário-Geral e examinado pela Comissão

Consultiva em Assuntos Administrativos e Orçamentários, o orçamento das Nações

Unidas deve ser aprovado pela Assembléia Geral. Em 2000, esta fixou que as

contribuições dos Estados-membros devem ser correspondentes com suas rendas

nacionais em relação aos demais Estados, além de limitar a contribuição do total do

orçamento ao máximo de 22% e ao mínimo de 0,01%. Desde então, os Estados

Unidos sempre contribuem com o máximo e, portanto, representam a principal fonte

de recursos da instituição, quase ¼ do total. Alemanha e Japão fornecem

aproximadamente outros 25% e França, Reino Unido, Itália, Rússia, Canadá,

Espanha, Brasil e Países Baixos outros 30%203.

Essa contribuição orçamentária dos países, através de cifras cabalmente

assimétricas, é um mal necessário às Nações Unidas. Necessário porque constitui a

principal fonte de recursos da instituição, de modo que não explora os países em

desenvolvimento e é basicamente sustentada pelos países desenvolvidos. Mal porque

cada vez mais explicitamente torna a instituição vulnerável aos interesses de seus

maiores contribuintes204.

203 Ibidem. p. 20. Vários países, de grande contribuição orçamentária percentual ou não, são também devedores do erário da instituição. 204 Grande exemplo disso foi a ameaça norte-americana de se retirar das Nações Unidas, em 1996, caso o Secretário-Geral Boutros Boutros-Ghali fosse reeleito. A organização não teve alternativa a não ser seguir a recomendação dos Estados Unidos, vez que não poderia abrir mão não só de seu maior contribuinte, como da participação do país mais poderoso do planeta.

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3.3.3. Reforma das Nações Unidas

Em 1945, após sangrentos anos de Guerra, os fundadores das Nações Unidas

estavam preocupados em assegurar a manutenção da paz e da segurança

internacionais, não de conferir-lhe representatividade, tampouco um aspecto

democrático. Portanto, o impasse ao redor da reforma da Organização remonta sua

história. Seu funcionamento está inevitavelmente atrelado à época de sua criação. Em

síntese205:

O objetivo, estabelecido no preâmbulo da sua Carta, de evitar o

flagelo da guerra pelas gerações vindouras , não tornava qualquer

tipo de guerra ilegítimo. Na verdade, a Organização incorporou a

idéia de guerra justa de Hugo Grócio, já que a guerra continuava

a ser legítima como um ato de política internacional [...].

Contudo, na Cúpula do Milênio das Nações Unidas, realizada em Nova Iorque

entre 6 e 8 de setembro de 2000, que contou com a presença de aproximadamente 150

chefes de Estado e de governo, ficou claro que há um consenso majoritário (não

absoluto) acerca da necessidade de se reformar a Organização, sendo, contudo,

bastante amplo o dissenso acerca da forma como deve essa reestruturação ser

implementada206. Os defensores da reforma da Organização compõem o chamado

movimento reformista207.

Enquanto alguns conservadores extremistas afirmam que a Organização não

pode nem deve ser reformada, radicais defendem até a reescrita da Carta de São

Francisco e a própria recriação da instituição. Entre esses extremos, situa-se a grande

maioria dos especialistas208 que concorda que a revisão institucional é o caminho

205 MORENO, Marta Fernández. Propostas de Democratização das Nações Unidas. In: Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 23, no 1, janeiro/junho 2001, p. 113. 206 Ibidem. p. 111. 207 O movimento reformista foi comentado e comparado a um partidarismo político por Jan Eliasson, atual presidente da Assembléia Geral das Nações Unidas, em palestra no Woodrow Wilson Center for Scholars de Washington, a 9 de novembro de 2005. 208 A maioria dos diplomatas e representantes nas Nações Unidas defende a reforma da Organização. Entre os países em desenvolvimento e os que almejam integrar um Conselho de Segurança reformado essa posição é ainda mais evidente. Já entre os atuais membros permanentes, que até concordam com a necessidade da reforma, não é tão grande o desejo de melhor distribuir o quinhão de poder das Nações Unidas. As posições dos países podem observadas nos discursos dos representantes nos encontros anuais realizados geralmente no mês de setembro.

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mais viável para adaptar e revigorar a Organização 209, idéia já compartilhada e

promovida pelo ex-Secretário-Geral Boutros Boutros-Ghali210, dentro da qual destaca-

se, além da preocupação com a manutenção/melhoria da sua operacionalidade, do uso

de sanções e do recurso à força, sobretudo, a sua democratização.

Essa democratização do processo decisório verte-se na participação mais

articulada e direta dos novos atores da Sociedade Internacional (as organizações não-

governamentais, as corporações, a sociedade civil organizada e até os indivíduos),

bem como na lapidação do equilíbrio entre e a Assembléia Geral e o Conselho de

Segurança, pelo viés principal da reforma deste último e da delimitação mais clara e

específica de suas atribuições, de modo a torná-lo menos autoritário211. Vale lembrar

que as resoluções deste Conselho são todas mandatárias, enquanto as da Assembléia

são apenas recomendatórias.

Nesse sentido, há de se compreender a argumentação da maioria das potências

detentoras do veto que defendem apenas a democratização gradual do Conselho de

Segurança, de acordo com o coeficiente democrático mundial. Por outro lado, é

consensual que ele deva ser mais representativo. O critério da contribuição

orçamentária é realmente vital para o próprio sustento da Organização. Por isso, é

209 HERZ, Mônica. A Internacionalização da Política: A perspectiva Cosmopolita em Face do Debate sobre a Democratização da ONU. In: Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 21, no 2, julho/dezembro 1999, p. 263. 210 Foi em 1992, logo após o fim da Guerra Fria, que, pela primeira vez na história das Nações Unidas, o Conselho de Segurança se reuniu com seus quinze membros representados por seus respectivos chefes de Estado. Naquela circunstância, o então secretário-geral, Boutros Boutros-Ghali, queria que a ocasião representasse o marco de uma nova fase na vida da organização, que, segundo ele, deveria desempenhar um papel central na construção da Nova Ordem Mundial que substituiria o sistema da Guerra Fria210. Mais uma vez, portanto, o espírito de comunhão internacional, tal como percebido nas Conferências de Versalhes de 1919 e de Dumbarton Oaks em 1944, pululava por entre os estadistas reunidos para estabelecer as diretrizes da ordem mundial. Contudo, havia duas razões de destaque para um maior otimismo: primeira, em contraste com as ocasiões precedentes, a mudança na estrutura do sistema deixou intactas as instituições construídas após o fim da Segunda Guerra Mundial, e; segunda, com o fracasso das experiências do socialismo real, a rivalidade ideológica que obstaculizava o funcionamento das instituições internacionais havia terminado. NOGUEIRA, João Pontes. Instituições e governança global na teoria das Relações Internacionais. In: ESTEVES, Paulo Luiz (Org.). Instituições internacionais

comércio, segurança e integração. Belo Horizonte: PUC, 2003. (Col. Estudos em Relações Internacionais) p. 16. 211 Dentro das Nações Unidas é forte a percepção de que os membros do Conselho de Segurança, sobretudo os permanentes, tomam decisões de modo arbitrário e informal. Essa chamada diplomacia de boudoir, ou diplomacia de bastidores, é prática corriqueira e uma herança antiga da história diplomática mundial. Contudo, fora denunciada já por Wilson e Lênin como uma das causas da Primeira Guerra Mundial. Desse modo, o funcionamento do Conselho de Segurança no pós-Guerra Fria vem sendo comparado ao Concerto Europeu derivado do Congresso de Viena de 1815. Para diplomacia de boudoir, BATH, Sérgio. O que é Diplomacia. São Paulo: Brasiliense, 1989; Para comparações do Conselho de Segurança e do Concerto Europeu, ver: MORENO, Marta Fernández. Propostas de Democratização das Nações Unidas. In: Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 23, no 1, janeiro/junho 2001, p. 118.

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natural que os membros permanentes possuam a maior hibridez riqueza-poder.

Contudo, o Conselho deve abrir espaço para membros associados, isto é, um grupo de

países que, juntos, formam uma potência econômica. Se estes grupos de países

apresentarem os méritos necessários, em todo o conjunto, poderão pleitear às vagas, e

assim, aumentar a representatividade212.

Esse é o ponto de inflexão da reforma: a democratização não consiste em uma

mera rodada eletiva regular dos membros, tal como ocorre nas democracias nacionais.

No âmbito das Nações Unidas, a democratização pressupõe, acima de mais nada, a

melhoria da representatividade.

Em 11 dezembro de 1992, a Assembléia Geral adotou a resolução 47/92

convidando os Estados-membros a apresentarem propostas de reforma do Conselho

de Segurança. Mais de cem países enviaram sugestões e a Assembléia decidiu criar

um grupo especial de trabalho para discutir o tema.

Um ponto importante é que, considerando-se o peso na política internacional e

a contribuição orçamentária, Japão e Alemanha devem provavelmente ser incluídos

em situação especial no Conselho de Segurança ao primeiro sinal de reforma, pois

viriam a contribuir com os Estados Unidos nas custosas operações de paz213, além da

necessidade de se encontrar uma fórmula para a representação dos países em

desenvolvimento. O problema a ser equacionado é identificar quais países

representarão essas regiões, (qual) o caráter dessa representação e (como ficaria) o

acesso ao direito de veto 214. Nesse aspecto, a proposta de associação entre países,

acima descrita, parece perfeitamente aplicável. Como assevera Herz215:

A democratização do processo decisório, na verdade, implica a criação de critérios transparentes e capazes de limitar a influência

212 O Conselho de Segurança vem defendendo, no pós-Guerra Fria, os ideais da democracia, porém por um processo decisório absolutamente antidemocrático, sob o argumento (eminentemente realista) de que para se assegurar a ordem em uma sociedade anárquica é preciso garantir a manutenção do poder. Deste modo, apenas após a democratização de todos os países do planeta, as Nações Unidas seriam democratizadas. Essa argüição é considerável na medida em que se concorda que o maior órgão executivo mundial não deve abrir espaço para governos despóticos, sob o perigo de disseminarem o sistema ditatorial. Por mais que as Nações Unidas tenham aumentado o seu número de membros, isso não significa que o comando da organização deva ser ampliado. Em uma analogia simples, não é porque uma empresa cresce que deve aumentar o número de presidentes, mas provavelmente a liderança deverá readaptar sua conduta. 213 A Carta das Nações Unidas, em seu artigo 53, ainda considera Japão e Alemanha como Estados inimigos . 214 HERZ, Mônica. A Internacionalização da Política: A perspectiva Cosmopolita em Face do Debate sobre a Democratização da ONU. In: Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 21, no 2, julho/dezembro 1999, p. 266. 215 Ibidem. p. 267.

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dos interesses particulares de atores poderosos. No contexto do Conselho de Segurança, este é um assunto particularmente sensível; observa-se que um conjunto de decisões surge de articulações informais entre os membros permanentes.

Nesse contexto, ganha destaque o papel que pode vir a ser exercido pela Corte

Internacional de Justiça para a resolução de contendas internacionais. Enquanto sua

utilização estava dificultada ao longo da Guerra Fria, nos últimos tempos a

Assembléia Geral vem emitindo resoluções que incentivam a utilização/consulta da

Corte, o que viria a frutiferamente fortalecê-la. De fato, a Corte precisa ser acionada

mais freqüentemente, de modo a emitir pareceres sobre o próprio processo decisório

das Nações Unidas, bem como acerca doutras questões de caráter multilateral.

A proposta de criação de uma nova assembléia, que aparecera já na Cúpula de

1997, em caráter paralelo à Assembléia Geral, que contaria com a participação dos

novos atores, é uma proposta significativa, sugerida por movimentos como o

CAMDUM (Campanha para uma ONU mais Democrática) e o Movimento

Federalista Mundial216.

Na última reunião da Assembléia Geral, em setembro de 2005, comemorativa

dos 60 anos da Organização, vários chefes de Estado foram ouvidos e reiteraram os

consensos e os dissensos acerca da reforma. Assim, mais uma vez, contudo, o

Secretário-Geral Annan lamentou a inércia das negociações, que não solucionaram o

problema. Um documento final foi assinado assegurando uma reforma em breve , ou

seja, longe da revolução que se esperava nessa sexagésima cúpula217.

Como já era esperado pelos analistas, nenhuma das três propostas

majoritárias218, profundamente discutidas antes da realização desta última

216 ARCHIBUIGI, Daniele; HELD, David. Cosmopolitan Democracy: An Agenda for a New World Order. Cambridge: Polity, 1995. 217 O desfecho frustrante da Sexagésima Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2005, foi relatado por Jan Eliasson, na mesma ocasião já mencionada. 218 A proposta do grupo formado por Brasil, Japão, Alemanha e Índia propõe a ampliação do Conselho de Segurança para 25 membros. Dos novos dez, seis seriam permanentes, nos quais incluir-se-iam, além desses quatro, mais dois países africanos. Entre os outros quatro membros não-permanentes, um deve advir obrigatoriamente da África; A Unidade Africana sugere a ampliação do Conselho para 26 membros. Entre os novos onze, seis teriam direito ao veto, entre os quais dois obrigatoriamente africanos, e os cinco demais seriam membros rotativos; O Grupo denominado Unidos pelo Consenso , formado por cerca de vinte países (entre os quais Argentina, Itália e Paquistão), aconselha o acréscimo de mais dez vagas, todas rotativas, com mandatos de duração diferentes, em função do tamanho dos países. Certamente, alguma dessas propostas pode até vir a ser futuramente aprovada pela Organização (como conseqüência da persistente pressão dos demandantes) e servir de novo modelo para o Conselho de Segurança. Contudo, pode-se antever que não trarão melhorias significativas ao funcionamento da instituição, nem maiores benefícios à Sociedade Internacional. Mascarada por uma pretensa melhoria da representatividade internacional, estes países que buscam a vaga no Conselho de Segurança nada

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Assembléia, foram aprovadas como diretrizes de reforma. Contudo, elas tendem a

permanecer em pauta.

O argumento de que haveria uma melhor representatividade pode e até deve

ser avaliado mais especificamente. De fato, os países em desenvolvimento possuiriam

cadeiras permanentes, e isso traria um maior equilíbrio no jogo de poder

internacional. Contudo, sem o diferencial do veto, a permanência não altera a

representatividade regional, vez que esta já está assegurada no vigente mecanismo de

rotatividade. Nesse sentido, a permanência seria nada mais que o interesse de uma

potência regional em sedimentar sua participação imediata na agenda internacional e

seu prestígio, cujos benefícios diretos à Sociedade Internacional seriam contestáveis.

Inclusive, os conservadores têm razão ao primar por garantir a eficiência do

Conselho. Parece vital que uma eventual reforma não venha a ampliá-lo, pois isto,

além de demagógico, requereria esforço e desenvoltura ainda maiores para convencer

um maior número de representantes na aprovação de propostas219. Isso retardaria o

funcionamento da instituição por completo, o que não beneficiaria ninguém. Portanto,

o foco não deve ser a ampliação do Conselho, mas sim o equacionamento entre

representatividade e legitimidade em seu processo decisório, para, aí sim, depreender-

se a democratização das Nações Unidas. A proposta do cosmopolitismo, todavia

bastante restrita à academia, será apresentada a seguir como uma alternativa ao

imbróglio de reforma da Organização.

3.3.4. A alternativa cosmopolita

O cosmopolitismo moderno vem sendo bastante discutido na academia de

Relações Internacionais, desde o auge da escola inglesa até a atualidade. David Held,

um dos pesquisadores que mais tem trabalhado atualmente com essa proposta,

mais procuram que o fortalecimento de suas políticas de prestígio ou, ainda, um fórum mais direto para a luta de seus interesses próprios. Em última análise, nenhuma das três propostas altera o status quo. Em outras palavras, os países pretendentes precisariam dispor de legitimidade para o exercício do que almejam, mas isso seguramente não têm, haja vista as rivalidades regionais que obstaculizam as propostas de reforma. Tais considerações foram também asseveradas por Jan Eliasson na evento já mencionado. 219 Como exemplo de redução de eficiência por aumento de membros, pode ser citado o caso da União Européia, que em maio de 2004 aumentou de 15 para 25 o número de países-membros. Apesar de tratar-se de outro caso, em um contexto cabalmente diverso e próprio de processos de integração, serve-nos aqui a lição de que um eventual aumento do Conselho de Segurança retardará seus trabalhos, além de, por si só, não democratizar a instituição. Essas comparações foram igualmente levantadas por Jan Eliasson na ocasião supramencionada.

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fundamenta-se na tradição kantiana220 e busca contextualizá-la na discussão sobre a

reforma das Nações Unidas.

Diferentemente do que se costuma afirmar na Academia, Kant não era

propriamente um pacifista, mas um legalista que buscava a paz racional. Seu principal

folheto, À Paz Perpétua, repercute até hoje não apenas pela proposição de princípios

republicanos e federativos no sistema internacional, mas por fazê-lo através de uma

estrutura jurídica normativa própria de tratados. Ele escrevera esta peça em ironia aos

armistícios de seu tempo, e não escondia profunda admiração pelos princípios de sua

contemporânea Revolução Francesa. Sua formulação de direito cosmopolita

distinguia-se justamente do Direito Internacional na medida em que defendia a

cooperação internacional e não o direito à guerra. Para ele, a paz apenas seria

alcançada quando todos os Estados fossem republicanos221.

Held trabalha com a concepção de democracia cosmopolita na tentativa de

fortalecer os direitos individuais de autonomia e cidadania como meio de diminuir o

déficit democrático das instituições internacionais222. Ele propõe uma associação entre

os atores internacionais, tradicionais e novos, que se inter-relacionariam por meio da

democracia cosmopolita para alcançar os seus objetivos, seguindo as diretrizes

processuais estabelecidas previamente pela lei223.

Apesar das vastas críticas que se pode lançar sobre o idealismo muitas vezes

ingênuo do autor, o mérito deste trabalho, conforme assinala Herz, consiste na

possibilidade de questionar as propostas de democratização da ONU a partir de uma

perspectiva cosmopolita , pois em que medida o debate hoje incorpora a idéia de

220 Bull interligou as três tradições de Martin Wight a expressões e termos específicos: Realismo ou Hobbesianismo a estado de guerra; Racionalismo ou Grocianismo a Sociedade Internacional; Kantianismo ou Revolucionismo a cosmopolitismo. BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) 221 Como já exposto, a grande política está habitualmente circunscrita ao núcleo de atuação das grandes potências, criando ao seu redor toda uma periferia de Estados de interesses secundarizados. Kant já adiantava que o único meio possível de regular o comportamento dos Estados na cena internacional seria a criação de uma ordem política internacional, e por isso reivindicava a substituição do jus gentium pelo jus cosmopoliticum. PAGDEN, Anthony. La genèse de la gouvernance et l ordre mondial cosmopolitique selon les Lumières. In: Revue internationale de sciences sociales, 155. Paris: UNESCO, março de 1998. p. 10-12, e; KANT, Immanuel. À Paz Perpétua e outros opúsculos. Trad. Artur Morão. Lisboa: 70, 2002. 222 HELD, David. Democracy and the Global Order. Cambridge: Polity, 1996. p. 146, 156. 223 Ibidem. p. 231, 278.

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autonomia, favorece mecanismos democráticos de representação e participação,

indica a gestação de novas formas de cidadania? 224

É também um resgate do pensamento de Hedley Bull, para quem, reitera-se225,

a construção de uma ordem internacional mais justa passa pela transformação

revolucionária do sistema e da Sociedade Internacional em bases cosmopolitas.

Esse perfil sociológico da discussão da reforma das Nações Unidas,

eventualmente proveniente do construtivismo226, pode contribuir e muito para a

perspectiva cosmopolita. Alexander Wendt227 ressalta o papel das identidades

coletivas como um viés para a constituição do que seria o Estado internacional 228. O

fundamental é que os fóruns sobre esta revisão da Organização apontem meios para a

redução progressiva do déficit democrático. Nesse sentido, a abordagem cosmopolita

parece bem corresponder a essa expectativa, de caráter eminentemente

construtivista229, e traz à tona a utilidade da Governança Global.

Apesar do preâmbulo da Carta de São Francisco se dirigir aos povos das

Nações Unidas, é-lhe inerente a consagração do perfil hobbesiano e da moldura

vestfaliana, que no artigo 51 estabelece o princípio da legítima defesa dos Estados.

224 HERZ, Mônica. A Internacionalização da Política: A perspectiva Cosmopolita em Face do Debate sobre a Democratização da ONU. In: Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 21, no 2, julho/dezembro 1999, p. 274. 225 Tal argumento já foi utilizado na conclusão do primeiro capítulo desta monografia. BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. São Paulo: IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI). p. 102. 226 O construtivismo trata de realizar uma leitura geral de um problema de Relações Internacionais e de buscar, por meio das mais variadas perspectivas, todas as soluções teóricas possíveis (pesquisas hipotético-dedutivas), observando, sobretudo, as práticas sociais inovadoras das relações internacionais e lançando mão de supostos axiomas paradigmáticos assentando, finalmente, a transformação como um fator normal da vida política internacional. Daí a origem terminológica da corrente, haja vista que, face uma realidade mutante, há de se estar constantemente construindo soluções. Há de se notar que a moldura sociológica, empírica e analítica desta corrente é bastante proeminente, tanto que a mesma pode também ser designada de social construtivismo. Pela inclinação sociológica, alguns autores podem confundir o neomarxismo com o construtivismo. Contudo, esta se diferencia daquela na medida em que trabalha com a atuação social como preponderante na determinação das relações internacionais, através de uma perspectiva segundo a qual as instituições e os fóruns são capazes de moldar a prática dos Estados, por meio da ênfase nas normas internacionais, ela se diferencia da escola neomarxista. 227 Alexander Wendt é professor de Relações Internacionais da Universidade de Ohio. Seu principal trabalho foi o artigo intitulado Anarchy is what States make of it (In: International Organization, 46, 1992, p. 391-426), onde seu argumento de que a anarquia é uma desculpa para a competição entre os Estados, e que a cooperação nada mais é do que um subproduto desse sistema, valeu-lhe o enquadramento na escola social-construtivista. 228 WENDT, Alexander. Collective Identity Formation and the International State. American Political Science Review, vol. 88, n. 2, p 384-395. 229 A perspectiva construtivista, por meio de seu forte teor sócio-institucional, parece melhor se adaptar à teoria da governança global que, possui um enfoque intersubjetivista de Relações Internacionais, contextualizando os regimes internacionais, as organizações internacionais e os processos de integração regional, sendo estes pontos entendidos como cruciais na atualidade das relações internacionais, não apenas por abarcarem uma realidade condizente a toda humanidade, mas, sobretudo, por servirem de preceitos para a reformulação do funcionamento da Sociedade Internacional e, de modo adjacente, para a reforma do sistema das Nações Unidas.

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Contudo, a Organização constitui o mais privilegiado espaço para a produção de

normas internacionais e, por isso, seu déficit democrático e assimetria política entre os

membros devem ser o mais rapidamente solucionados.

Conforme Herz, os pontos a serem focados, nos estudos sobre como se

reformar as Nações Unidas, devem ser os seguintes: soberania; funcionamento da

organização; regionalização; democratização, e; desenvolvimento230.

A interdependência dos tempos atuais põe em questão os consagrados

princípios da soberania e da não-ingerência. Contra essas duas premissas tradicionais,

situam-se, entre os principais temas da agenda internacional, a idéia de criação de

uma autoridade internacional231 e o desenvolvimento do conceito de intervenção

legítima232. Alguns exemplos de mudança nas tradicionais concepções das Nações

Unidas podem ser notados, como no princípio da soberania estatal233, no princípio da

não-ingerência234, no conceito de Segurança Internacional235 e no princípio do

Consentimento das Partes236.

Uma sugestão interessante é para que as Nações Unidas se associem às

organizações internacionais regionais. União Européia, Organização dos Estados

Americanos, União Africana, entre outras, poderiam compor um quadro de

participação direta nas Nações Unidas, de modo a tornar a Organização mais

articulada no gerenciamento das causas regionais. Aí estaria um importante papel da

230 HERZ, Mônica. O Brasil e a Reforma da ONU. In: Lua Nova, n. 46. São Paulo: CEDEC, 1999. 231 Apesar dessa vontade de constituição de uma autoridade internacional, por parte de alguns, entende-se que a mesma não deva ser momentaneamente considerada, afinal, todo poder é passível de ser corrompido ou tomado por rebeldes. Onde os indivíduos se asilariam sob um governo mundial despótico? Portanto, a liberdade individual é uma premissa que deve estar acima de ideais de governo mundial, antecedendo claramente os interesses dos Estados. Nesse sentido, levando-se em conta a realidade atual da política internacional, a governança global e a reforma do sistema das Nações Unidas continuem a ser as melhores propostas. BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Trad. Sérgio Bath. Brasília e São Paulo: UnB e IOESP, 2002. (Col. Clássicos IPRI) p. 294-296. 232 Os direitos humanos, por exemplo, além de outras normas internacionais que se destinam à salvaguarda de direitos individuais, fornecem a idéia de democracia cosmopolita dos cidadãos, que podem invocar instâncias jurídicas internacionais, ainda que esta se faça por meio de Estados. 233 Em 1991, a Assembléia Geral condenou o golpe de estado no Haiti, contrariando o costumeiro respeito aos assuntos domésticos; 234 A UNTAG (1990), para monitorar a retirada da África do Sul da Namíbia e a realização de eleições neste país; a ONUCA (1989-1992), para ajudar a desmilitarização na Nicarágua; a ONUVEH (1990-1991), na vistoria do processo eleitoral e na manutenção da segurança no Haiti. 235 O Conselho de Segurança em abril de 1991, por meio da resolução 688, declara que a repressão iraquiana às populações curdas e xiitas constituía ameaça à paz e à segurança internacionais, numa clara defesa dos direitos humanos. Nesse contexto, em 1993, foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para os direitos humanos. 236 As operações UNTAC no Camboja, UNAVEM II em Angola, UNPROFOR na ex-Iugoslávia e UNOSOM na Somália demonstram a reconsideração do princípio de consentimento das partes, haja vista a freqüente emergência de conflitos intra-estatais humanitariamente dramáticos.

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nova assembléia proposta, paralela à Assembléia Geral, onde também organizações

não-governamentais, think tanks e instituições congêneres poderiam ser inseridas.

A idéia de se criar um Conselho de Segurança Econômica também atrai

bastante a atenção reformistas, de modo a se fortalecer as instituições econômicas e

financeiras internacionais, para que estejam mais aptas a lidar com as crises

econômicas contemporâneas.

Um outro órgão que poderia ser reativado é o Conselho de Tutela. Suas

atividades poderiam ser retomadas para a administração dos chamados bens globais

comuns , conforme identificados em Nossa Comunidade Global237. Esses bens são de

natureza eminentemente ambiental, e constituem o chamado patrimônio ecológico

global . Trata-se de florestas, mares, profundezas oceânicas, Antártida, atmosfera etc.,

além de paralelamente abranger questões como o controle demográfico mundial238.

Nesse sentido, a Conferência do Rio em 1992 foi importante para lançar as bases

legais, intelectuais e institucionais de uma estratégia que visa ao desenvolvimento

sustentável.

O princípio do sufrágio universal, como mecanismo do sistema de

representatividade (conceito importado da ciência política e das democracias

domésticas para o âmbito das organizações internacionais), colabora com a concepção

de cosmopolitismo e direitos individuais, que, por sua vez, fortalecem a

democratização das relações internacionais. O princípio do voto proporcional também

é destaque em algumas instituições, e é posto em consideração na medida que, muitas

vezes, pode melhor corresponder aos interesses dos países que as compõem. Lembra

Herz que239:

O Instituto de Agricultura, criado em 1905, estabeleceu um precedente ao alocar poder de voto proporcional à contribuição financeira de cada Estado. Em agências voltadas para as questões de comércio internacional o poder de voto tem sido distribuído de forma a conferir representação proporcional aos países

237 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa Comunidade Global

Relatório da Comissão. Trad. Luiz Alberto Monjardim e Maria Lucia L.V. Magalhães. Rio de Janeiro: FGV, 1996. p. 163-164. 238 A maior parte do chamado patrimônio ecológico global situa-se em países em desenvolvimento. Obviamente, a estes países cabe aceitar tal situação apenas com a condição de que também patrimônios urbanos dos países desenvolvidos também venham a ser internacionalizados, isto é, uma internacionalização em via de mão dupla. 239 HERZ, Mônica. A Internacionalização da Política: A perspectiva Cosmopolita em Face do Debate sobre a Democratização da ONU. In: Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 21, no 2, julho/dezembro 1999, p. 281.

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importadores e exportadores ou aos países com participação no comércio internacional de determinado produto.

Desse modo, vale ressaltar que há princípios internacionais que, por vezes, se

aplicam mais a determinadas organizações, como nesse exemplo do Instituto de

Agricultura. Em todo caso, princípios básicos como o da não-discriminação norteiam

todas as instituições internacionais. O serviço público internacional, de fato,

pressupõe a noção de trabalho para a humanidade na perspectiva mais ampla, sendo

inadmissíveis quaisquer formas de diferenciação. Eis outro princípio básico das

organizações, o da multinacionalidade. Nessa perspectiva, pondera Herz que240:

No caso do sistema ONU, prevalece o voto da maioria como princípio mais universal, sendo o poder de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança o mais importante reminiscente do princípio da unanimidade. Preserva-se, assim, que não estão submetidos às decisões da organização que contrariem seus interesses. Por outro lado, os programas e atividades específicos criados pela assembléia são operados a partir de arranjos especiais nos quais o direito de voto não é necessariamente igualitário.

Hodiernamente, a perspectiva kantiana é útil na medida em que se fortalecesse

a legalidade das Nações Unidas, por meio da melhoria de sua representatividade.

Assim, uma reforma objetiva e não-demagógica do Conselho de Segurança, a criação

de uma assembléia para os novos atores, a maior manifestação da Corte Internacional

de Justiça, bem como a supressão progressiva de princípios cada vez mais

ultrapassados, abrem luzes sobre como deve ocorrer a democratização da

Organização.

Sem dúvida, há ainda um vínculo inegável entre a pobreza e as guerras, como

assinalou o ex-presidente norte-americano Bill Clinton, na Cúpula do Milênio em

2000, e como vêm reiterando renomados teóricos do pensamento moderno241. Investir

conjuntamente no desenvolvimento dos países mais necessitados, de modo que esse

240 HERZ, Mônica. A Internacionalização da Política: A perspectiva Cosmopolita em Face do Debate sobre a Democratização da ONU. In: Contexto Internacional. Rio de Janeiro, vol. 21, no 2, julho/dezembro 1999, p. 281. 241 Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998, profere um magistral estudo nesse sentido, intitulado Development as Freedom, havendo realizado uma apresentação de 3 noites (29 e 30 de novembro e 1o de dezembro de 2005) acerca desta obra na School of Advanced International Studies na Universidade Johns Hopkins. SEN, Amartya. Development as Freedom. Nova Iorque: Anchor Books, 1999. Igualmente, Wanda Engel, da Divisão de Programas Sociais do Banco Interamericano de Desenvolvimento, estabeleceu um vínculo bastante parecido, entre desigualdade social e violência, em palestra no International Institute of Economics em Washington, a 8 de dezembro de 2005.

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processo beneficie toda a humanidade, é vital para que as pessoas desfavorecidas

gozem também de oportunidades de ascensão em todos os domínios

social,

econômico, educacional, cultural etc. , além de que poderia contribuir para formar

mentes mais conscientes e aptas a lidar com um mundo cada vez mais complexo.

Se, por um lado, parece hercúlea a tarefa de buscar mecanismos reguladores

das imprevisíveis relações internacionais, por outro, a vastidão das oportunidades e

dos desafios encorajam-nos a percorrer trilhas teóricas e práticas para aonde jamais

foram. A senhora democracia continua a fornecer orientações cabíveis à Sociedade

Internacional, pois, por sua própria natureza deliberativa, convive bem com o dissenso

próprio dos interesses conflitantes. Eis a importância do espaço público, do debate

democrático, da arena de discussões, que se enquadra com maestria nas estruturas

forenses das Nações Unidas, e que deve progressivamente imprimir a melhoria da

representatividade internacional em seu seio.

As Nações Unidas são a mais importante organização internacional de

concertação política e perfil universalista. Sob uma peculiar política de poder,

manifestada no papel dos membros permanentes do Conselho de Segurança, em suas

dependências físicas reúnem-se todas as unidades soberanas do planeta em estado de

igualdade jurídica, dispostas, em geral, a moldar os interesses domésticos aos

interesses internacionais. No caso das grandes potências, entretanto, costuma se

observar uma disposição inversa, isto é, uma preocupação em não permitir que os

interesses internacionais afetem seus interesses domésticos.

De todos modos, as Nações Unidas são a organização multilateralista por

excelência. Quaisquer práticas unilaterais são absolutamente danosas ao seu

regimento. Sempre que um país ameaça isoladamente tomar uma medida discordata,

verificam-se grandes esforços internacionais para dissuadi-lo, de modo que as normas

internacionais sejam respeitadas. Obviamente, um país militarmente forte é capaz de

ganhar uma guerra com facilidade. O problema é, depois da batalha, ganhar a paz. Aí

sim será mister o diálogo com resistentes (ou insurgentes, dependendo do ponto de

vista), e não haverá arma qualquer que os faça se curvar às forças contra as quais

lutaram e que ocuparam seu país. A esta altura, feito o estrago diplomático, restará às

mentes sãs apenas admitir o erro da guerra.

O multilateralismo das Nações Unidas é a expressão máxima da Governança

Global. Um sistema de ordenação, o regime dos regimes , que se propõe a fundir

ideais cosmopolitas e anseios de ordem, cujos laboratórios não podem ser outros

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senão os fóruns onusianos. Deste modo, depreende-se que a melhoria (pela via de

manutenção, mas, sobretudo, por uma reforma democrática) da Organização poderá

vir a contribuir para uma também melhora da Governança Global e, portanto, deve ser

buscada.

Fica claro que a perspectiva unicêntrica, na qual as Nações Unidas guiam a

institucionalização da Governança Global, é proeminente no desenvolvimento do

raciocínio aqui pretendido. Isto não significa que o papel de organizações não-

governamentais e think tanks deva ser preterido, mas implica a noção segundo a qual

a Organização maior deve estabelecer as diretrizes gerais de atuação das iniciativas

locais.

Nesse sentido, conclui-se que, através de uma reforma que democratize o

funcionamento das Nações Unidas, a Organização estará mais apta a institucionalizar

a Governança Global.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No início deste texto afirmou-se que seu objetivo foi de investigar se a

Organização das Nações Unidas é capaz de institucionalizar a Governança Global.

Antes de responder a essa questão, primeiro deve-se buscar esclarecer as dúvidas de

cada capítulo.

O conceito de Sociedade Internacional adotado pressupõe atores internacionais

que cooperam a fim de resolver problemas comuns. Contudo, dispondo da

prerrogativa soberana, o interesse nacional haverá de preterir a cooperação se

entender que o conflito melhor lhe servirá. Portanto, a Sociedade Internacional, nos

termos de Hedley Bull, apenas existe como tal quando os interesses nacionais dos

Estados estão sintonizados na busca por ordem, quando conjuntamente entendem que

o altruísmo lhes será mais útil que os litígios. Do contrário, a concepção utilizada

deve permanecer na categoria de sistema de Estados.

A Governança Global é a proposta de ordenação da Sociedade Internacional,

que busca, através do estabelecimento de regimes e organizações internacionais,

assentar, com certo grau de normatividade, sem pressupor a força coercitiva, mas sim

a convergência de interesses, regras de convivência entre os atores internacionais,

poderosos ou não. Embora iniciativas locais e não-governamentais constituam a parte

mais palpável de seus princípios, sua institucionalização ocorre principalmente nas

organizações internacionais.

As Nações Unidas são a principal organização internacional de concertação

política e perfil universalista, constituindo-se em um verdadeiro fórum da Sociedade

de Estados, que reúne praticamente todos os governos nacionais do planeta, quaisquer

sejam seus regimes políticos. Por sua controversa estrutura de poder, polarizada em

seu órgão executivo, o Conselho de Segurança, acredita-se que reformas

democráticas, que melhor correspondam à representatividade dos atores da Sociedade

Internacional, venham a tornar a organização mais efetiva na resolução das questões

mundiais, ou seja, na institucionalização da Governança Global.

Nessa perspectiva, a Sociedade Internacional, a Governança Global e as

Nações Unidas revelam-se quinhões de um todo maior, a cooperação institucional

internacional. Naturalmente inter-relacionados, estes três tópicos das Relações

Internacionais, trabalhados conjuntamente, contribuem na resposta a questões

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clássicas da disciplina. Como somar os interesses nacionais em um interesse

internacional comum? Ajudar no desenvolvimento de outros países também atende

aos interesses nacionais? Praticar comércio justo colabora na manutenção da paz e da

segurança internacionais? Preservar o meio ambiente mantém o bem-estar das

populações? O egoísmo de estado representa, em última análise, seus próprios

interesses? Por quanto tempo as organizações internacionais haverão de se curvar à

hipocrisia desse paradoxo? Enfim, eis que, após a conclusão deste trabalho, as outras

questões que se apresentam, e que deverão ser motivo de pesquisas futuras, continuam

a ser alusivas justamente a esse mesmo paradoxo.

Enquanto outras grandes potências não vierem a se equiparar à prevalecente,

será realmente difícil buscar regimes internacionais de respeitabilidade absoluta, mas

a emergência de superpotências alternativas, contudo, pode resultar em guerras

ideológicas como a Guerra Fria. Uma nação muito poderosa estará sempre na berlinda

das demais nações, fardo que lhe é natural. Na busca por seus interesses, deverá

trabalhar pela convergência de seus interesses aos interesses internacionais, e não o

inverso, sob pena de promover antipatia e repulsa de outras nações. Adaptando-se às

regras internacionais

e não tentando impor as suas

uma grande nação estará

servindo de exemplo, traçando as diretrizes de desenvolvimento para os demais

povos, que haverão de lhe admirar. Do contrário, servindo de algoz, estabelecerá os

motivos de rejeição, desprezo e vingança. Se uma superpotência quiser preservar seus

valores deverá escolher a primeira opção.

Os ideais kantianos de governo e federalismo mundial, de uma autoridade

central monopolizadora de força coercitiva, inequivocamente permeiam as entrelinhas

do afã de ordem. Entretanto, considerando o contexto atual da política internacional,

buscar tais ideais seria uma luta vã. As grandes potências controlam as relações

internacionais e isso é fato inegável. Qualquer nação que venha a configurar-se como

potência irá fazer uso das decrépitas práticas da política de poder, se necessário for

para resguardar seus interesses. Negar isso seria uma hipocrisia pouco racional.

A partir desse prospecto, que saídas restam aos estadistas e diplomatas dos

países em desenvolvimento para mudar o injusto status quo? Cabe-lhes, em um

primeiro momento, preterir ideologias e utopias em favor do senso da realidade

internacional, da noção de que a política entre as nações é um jogo de interesses

nacionais. Incumbe-lhes convencer as grandes potências de que os interesses

internacionais também são os interesses delas. Demonstrar a elas que o cumprimento

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do Direito Internacional, a institucionalização da Governança Global, o

fortalecimento de organizações e regimes internacionais, a democratização das

Nações Unidas, não apenas engendram os nobres princípios da cooperação

internacional, nem somente envernizam suas ásperas chancelarias, mas, sobretudo, em

última análise, servem aos interesses da Sociedade Internacional

e

conseqüentemente também delas.

Assim, os bons diplomatas serão os que lograrem convergir os interesses

nacionais em interesses internacionais, tal como nos ditames da Governança Global.

Os maus diplomatas serão os belicistas, inveterados beligerantes de plantão, que

desgastarão seus países e, face às grandes potências, parcas chances terão de realizar

seus objetivos.

A hipótese sustentada neste trabalho, de que as Nações Unidas são capazes de

institucionalizar a Governança Global, foi comprovada com o desenvolvimento deste

trabalho. Ainda que sem uma reforma institucional, onde o funcionamento da

Organização requer um esforço muito maior da diplomacia dos países não-membros

permanentes do Conselho de Segurança, essa meta é possível. Mas certamente uma

reforma que melhore a representatividade democrática provavelmente viria a facilitar

bastante os pressupostos da Governança Global.

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