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36 As práticas de Restauro nas Belas-Artes Alice Nogueira Alves

As práticas de Restauro nas Belas-Artes · 2019. 7. 3. · de uma intervenção de Conservação e Restauro, apoiados em matérias leccionadas noutras disciplinas como as Práticas

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As práticas

de Restauro

nas Belas-Artes

Al i c e Nogue i ra Alv e s

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Poucos meses depois da instituição da Academia das Belas Artes

de Lisboa, em 1836, era ordenada a entrega para catalogação,

retoque e cópia das pinturas de maior valia existentes no espólio

recolhido pela Comissão do Depósito das Livrarias dos Extintos

conventos1

para puderem ser admiradas as maiores obras de arte portugue-

sas na área da pintura. Mais tarde, o atraso na instituição destes

espaços, levou à criação de uma Galeria na própria Academia

onde as classes estudantis aprenderiam esta arte através da ob-

servação dos mais belos exemplares.

No século seguinte, o desenvolvimento da disciplina da História

da Arte levou à caracterização destas colecções como casos de

estudo, ilustrando os vários passos da evolução da pintura portu-

guesa, especialmente, quando os grandes estudiosos começaram

a procurar provar a existência da escola dos chamados “primi-

tivos” portugueses.

A manutenção do estado de conservação desta colecção, inicial-

mente com cerca de 540 exemplares2 -

-

ro a trabalhar no mesmo edifício até 1946, quando se mudou

de Arte Antiga3.

Foi entre as paredes do edifício da Academia que se desenvol-

veram os primeiros trabalhos de restauro destas pinturas, de

uma forma sistemática, observando o vetusto Convento de São

Francisco o aparecimento de uma consciência sobre a obra de

depois das colecções de pintura ali albergadas serem transferidas

até 1911.

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Por estas razões, não admira serem facilmente localizáveis na

-

rios e modos de intervir4, no princípio a cargo dos professores,

secundados pelos artistas agregados, mas também, num período

posterior, com o apoio de técnicos vindos de fora, seguindo-se

uma prática já antiga no nosso país, lutando sempre contra di-

políticas culturais.

Freire veio revolucionar o panorama da prática do restauro no

nosso país. Tendo iniciado a sua formação nesta Escola, onde

mais tarde leccionou, aqui realizou as suas experiências iniciais

que o tornaram o primeiro Restaurador de pintura com uma

atenção e cuidado baseados em conhecimentos adquiridos no

estudo do próprio objecto artístico. Lutando contra as opiniões

desfavoráveis dos seus críticos e chegando a ser acusado de re-

pintar os painéis de Nuno Gonçalves, devido à luminosidade das

cores originais reaparecidas depois de séculos de obscuridade

sob repintes e vernizes alterados, este restaurador não hesitou

em aplicar na prática as suas ideias e princípios, seguindo me-

todologias até então impensáveis no nosso contexto artístico e

social. Actualmente, é difícil imaginar qual terá sido o choque da

opinião pública ao deparar-se com o triunfo da cor nas pinturas

do século XV e XVI até aí amarelecidas e escurecidas.

Um longo caminho tinha sido percorrido desde os primeiro tra-

balhos orientados pelo Professor António Manuel da Fonseca,

passando pelas discussões em plena sessão académica onde, em

1859, o Professor Metrass defendia a conservação em vez do

restauro5, até se chegar ao espírito inicialmente curioso, rapi-

Luciano Freire, que trocou a sua liberdade criativa da pintura,

pela salvação e recuperação das imagens deixadas pelos grandes

mestres da arte portuguesa.

baseadas no respeito pela obra original e na procura da intenção

do seu autor, num total receio de destruir vestígios importantes,

cuja perda seria irremediável para a História da Arte. O seu

discípulo Fernando Mardel foi mais longe, apoiado pelos novos

métodos de exame e análise aplicados ao restauro da pintura,

permitindo uma maior segurança de intervenção.

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Desde 1946 até 2010 muitos foram os trabalhos de restauro rea-

lizados nos vários espólios da Faculdade e da Academia Nacio-

nal de Belas-Artes, mas só agora vemos instalar-se novamente

um laboratório de restauro neste edifício (deixamos fora destas

considerações as questões relacionadas com o Museu Nacional

de Arte Contemporânea).

O REGRESSO

Inserida num enquadramento formativo muito semelhante ao

existente em várias Universidades europeias, volta a surgir a prá-

tica do restauro no seio das Belas-Artes de Lisboa, numa sim-

biose entre o centro da criação e o restauro que se torna muito

-

cados no meio artístico.

Para possibilitar o início de uma formação na área da Conserva-

ção e Restauro, a licenciatura em Ciências da Arte e do Patrimó-

de Práticas de Restauro. Aqui são leccionadas matérias com o

objectivo de os sensibilizar para as várias questões em torno des-

ta área, trabalhando em objectos maioritariamente pertencentes

ao espólio da Faculdade de Belas-Artes, e contando com a dispo-

para apoiarem e acompanharem esta formação.

Os objectivos desta disciplina pretendem facultar a capacidade

de realização de um diagnóstico, a análise das condições am-

bientais, o encaminhamento e acompanhamento informado

de uma intervenção de Conservação e Restauro, apoiados em

matérias leccionadas noutras disciplinas como as Práticas La-

boratoriais de Diagnóstico e Teoria do Restauro I e II, a cargo

de docentes da Faculdade de Ciências, regidas pela Professora

-

mo módulo a nosso cargo. Por outro lado, caso os alunos estejam

interessados em seguir a sua formação nesta área a nível dos 2.º

e 3.º ciclos, terão um conjunto de conhecimentos essenciais para

conseguir alcançar este objectivo.

No ano lectivo de 2010/2011 deram-se início a estes trabalhos,

começando o primeiro semestre por uma formação generalista,

mais vocacionada para o diagnóstico, abrangendo vários tipos

de materiais, com o apoio de Conservadores Restauradores es-

pecializados em diferentes áreas, como Maria José Francisco,

Adriana Batista Ferreira e Lina Falcão, contando-se igualmente

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com a realização de duas palestras por Nazaré Tojal e Joaquim

destes assuntos em visitas realizadas a Museus e Monumentos.

No segundo semestre os alunos foram direccionados para deter-

minadas áreas da sua preferência: a pintura, sob a orientação

de Maria José Francisco, a cerâmica arqueológica, a pedido da

aluna Andreia Braz, tendo a preciosa cedência de peças da co-

lecção particular de Luís Lyster Franco tornado possível a sua

concretização, e na área da pedra, representada pela primeira

fase da limpeza de um sarcófago existente na Faculdade, de ori-

gem desconhecida.

Como todos os processos que se iniciam, este foi apenas o pri-

meiro ano de participação activa no contexto académico, onde

se realizou o contacto com as várias colecções, numa aborda-

gem preambular ao imenso espólio existente e à análise do seu

estado de conservação e necessidades de intervenção. No futuro,

prevê-se a abertura a novas áreas, com o apoio de pessoas expe-

rientes nestas colecções e dos responsáveis pelos vários acervos.

Pretende-se ainda alcançar uma capacidade de resposta às ne-

cessidades da Faculdade, nomeadamente, no apoio a projectos

de investigação, e da Reitoria da Universidade de Lisboa, acom-

panhando intervenções mais abrangentes, não sendo ainda de

descurar o mercado exterior, caso se venha a proporcionar este

tipo de situação.

Esperamos ter recomeçado uma linha digna dos nossos anteces-

sores, enquadrada agora no contexto contemporâneo.

Não podemos terminar este texto sem louvar e agradecer o

apoio de todos aqueles que possibilitaram e facilitaram este

processo na Faculdade de Belas-Artes, nomeadamente ao seu

Director, o Professor Doutor Luís Jorge Gonçalves, ao Profes-

sor Doutor Fernando António Baptista Pereira, coordenador

da Licenciatura e Director do CIEBA, ao Luís Lyster Franco, à

recursos humanos, e, especialmente, aos nossos alunos por terem

tornado esta experiência uma troca de conhecimentos enrique-

cedora, tanto para eles como para nós.

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1 Sobre este processo, aconselha-se a consulta da Documentação existente no arquivo de Secretaria da

Academia Nacional de Belas Artes de Lisboa, referente a este período.2 Academia Nacional de Belas

Artes, Livro 1-A-SEC.007, Actas de 1838 e 1839, n.º 112, pp. 161-179.

2 Parte deste espólio acabou por se dispersar por várias razões, entre as quais se encontra o regresso de

peças à sua localização original.

3 -

blicada no Boletim do Museu Nacional de Arte Antiga, Vol. I, fasc. 3, Jan-Dez 1946, pp.

171-172.

4 Veja-se como exemplo a documentação publicada em: NETO, Maria João Baptista, “A propósito da

descoberta dos Painéis de São Vicente de Fora – Contributo para o estudo e salvaguarda da pintura

gothica em Artis

n.º 2, Braga, 2003, pp. 219-260. Tivemos também a oportunidade de tratar alguma informação relacio-

nada com este tema em: ALVES, Alice Nogueira, 2009, Ramalho Ortigão e o Culto dos Monumentos

Nacionais no Século XIX

na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, exemplar policopiado, Lisboa.

5 NETO, Maria João Baptista, “A propósito da descoberta…, pp. 232 e 239.

Notas