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AS TENSÕES ENTRE A CONCEPÇÃO DE TERRITÓRIO DO ESTADO E O TERRITÓRIO VIVIDO DA AGRICULTURA FAMILIAR
Luciana Pinheiro Viegas Universidade Federal Fluminense – Dinter UFF/UNEMAT
Carlos Alberto Franco da Silva Universidade Federal Fluminense - UFF
Resumo O território rural apresenta diversidade de concepções e complexidade de ações, reflexo da modernização conservadora do campo. O artigo em tela objetiva analisar as tensões entre a concepção de território do Estado e a do território vivido da agricultura familiar. O território foi embasado na perspectiva de clássicos como Deleuze e Guattari (2010) e está ligado à subjetividade individual e coletiva, contemplando diferentes dimensões como a cultural, econômica e existencial. Há preocupação com o vivido e com a dinâmica que envolve cada situação espaço-tempo. Dessa forma, a política como parte constitutiva do território é definida numa relação dialógica, sob bases que atendam aos interesses do coletivo - representado por grupos organizados da agricultura familiar, e, particular - representado de forma individualizada pelas elites agrárias. Palavras-chave: Território Rural. Políticas Públicas. Estado. Agricultura Familiar.
Introdução
A diversidade de concepções e complexidade de ações no âmbito da realidade do meio
rural, reflexos da modernização do campo na segunda metade do século XX, é a
temática geral do artigo em tela. O objetivo parte da construção teórica da minha tese de
doutorado a qual se propõe a analisar as tensões entre a concepção de território do
Estado e o território vivido da agricultura familiar. Para isto, busquei fundamentar,
especialmente neste artigo, o território na perspectiva de clássicos como Deleuze e
Guattari (2010), que estão ligados à subjetividade individual e coletiva, contemplando
diferentes dimensões como a cultural, a econômica e a existencial. Há preocupação com
o vivido e com a dinâmica que envolve cada situação espaço-tempo. Eles acreditam que
o pensamento se desterritorializa e reterritorializa, desliga-se e religa-se ao lugar.
Deleuze e Guattari defendem que o território é, ao mesmo tempo, material, imaterial,
relacional, psicossocial, totalidade e unidade. Além deles, há preciosas contribuições de
Lefebvre (2006) e Haesbaert (2011; 2007).
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No espaço agrário/agrícola, os movimentos de resistência são materializados por
desapropriações, e constituição de territórios rurais de resistência ao agronegócio
marcados com o próprio sangue do trabalhador. A expressão do valor de uso da terra,
nesses territórios, sinaliza não somente para a produção de alimento que sustentará
populações tradicionais, mas também suas diversas manifestações impressas ao longo
de décadas ou até séculos numa dimensão simbólica-cultural.
Diante de tal problemática das transformações do espaço agrário impostas pelo
agronegócio e das resistências que se afirmam pela ação dos movimentos sociais, neste
artigo, há uma proposta metodológica. As pesquisas foram realizadas a partir de
consultas bibliográficas com uma, ainda embrionária, pesquisa de campo que já ilumina
pontos fundamentais para uma análise cuidadosa e responsável das concepções do
Estado e empresas e aquelas da agricultura familiar que, apesar de um grupo
subalternizado, constituído por um mosaico de vozes que está, cada vez mais, fazendo-
se presente, representado e visibilizado.
Para melhor compreensão dos momentos pelos quais passaram e passam a agricultura
brasileira, dentro dos diferentes contextos por que passaram o Brasil desde a
Modernização conservadora da agricultura, cabe uma reconstrução desse processo
fundamentada em Delgado (2010), Moreira (1999) e outros pesquisadores de grande
relevância.
O Estado e a modernização no campo
As formas de divisão social do trabalho, separando proprietários das condições de
trabalho e trabalhadores, ao mesmo tempo em que determinam a divisão entre
proprietários e não-proprietários, entre trabalhadores e pensadores, determinam a
formação das classes sociais e, finalmente a separação entre sociedade e política, ou
seja, entre instituições sociais e Estado (CHAUÍ, 2001).
O Estado aparece como a realização do interesse geral1, mas na realidade ele é a forma
pela qual os interesses da classe dos proprietários, ou seja, a classe hegemônica, aquela
de onde ecoa o discurso público são atendidos. Para a mesma autora, o “Estado não é
um poder distinto da sociedade, que a ordena e regula para o interesse geral definido por
ele próprio enquanto poder separado e acima das particularidades dos interesses de
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classe [...]”, é a garantia da preservação dos interesses da classe dominante (CHAUÍ,
2001, p. 66).
Partindo dessa definição de Estado e já adiantando sua opção em trabalhar, planejar e
executar ações voltadas quase que exclusivamente para as elites agrárias, é importante
uma visita ao contexto atual percorrendo a trajetória da modernização quando de sua
chegada ao campo, fortemente caracterizada pela globalização e por todo avanço
tecnológico que apresentam movimentos diferentes em diferentes escalas e, cabe à
geografia uma reflexão a respeito das questões colocadas nas relações entre política -
modo de organizar conflitos de interesses e, território - locus de formas de vidas de
sociedades diferenciadas e complexas (CASTRO, 2010).
A mesma autora afirma ainda que a escala da ação política está relacionada ao grau de
complexidade e diversidade dos grupos e classes sociais e, é a partir das relações sociais
que surgem os conflitos de interesses que se territorializam em disputas entre os grupos
sociais para organizar os territórios de acordo com seus interesses. Posto isso, podemos
refazer os caminhos percorridos pela agricultura familiar e pela modernização do
campo.
O setor industrial, nas décadas de 1980 e 1984 foi superado pela agricultura devido a
uma queda significativa dos preços internacionais das commodities agrícolas e dois
elementos importantes explicam o desempenho da agricultura, são eles, em 1979, em
que o Governo Figueiredo estabeleceu prioridade à agricultura, tendo como expressão
“encher a panela do povo”, popularizada por Delfim Neto, temendo uma crise de
abastecimento de alimentos, frente ao fracasso da produção na década anterior. Seus
reflexos foram sentidos com a mudança na política agrícola com vistas ao
fortalecimento da política de preços mínimos e diminuição da importância da política de
crédito rural (DELGADO, 2010).
O segundo elemento foi a política de desvalorização da taxa cambial que compensou as
perdas de receitas em dólares dos exportadores brasileiros decorrente da queda dos
preços internacionais das commodities agrícolas, o que garantiu a continuidade da
produção.
Diante disso, pode-se dizer que na década de 1980, as políticas, cambial, de preços
mínimos e tecnologia viabilizaram o crescimento agrícola em ambiente
macroeconômico interno e externo desfavorável. Com o melhor desempenho na
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produção de alimentos para o mercado interno, pode-se dizer que a década de 1980 foi
bastante positiva para a agricultura familiar2.
Em um contexto de abertura política no final dos anos 1970 e início dos 1980, em meio
a ações pela democratização do país, a questão agrária entra para uma agenda de
discussões públicas já que passou a assumir relevância política central frente aos
movimentos de resistência representativos de uma diversidade de anseios compondo as
lutas que se configuram no meio rural.
Fazem parte desses movimentos de resistência, os movimentos sociais rurais como o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e suas dissidências, o
Movimento dos Atingidos por Barragens, o movimento de mulheres trabalhadoras
rurais, o Conselho Nacional dos Seringueiros, e ainda, antigas e novas representações
do movimento sindical como, respectivamente, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (CONTAG) e a Central Única
dos Trabalhadores (CUT).
Importante destacar também a presença de entidades da igreja católica como a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Prelazia3 e algumas Organizações Não-
Governamentais (ONG’s) e a mobilização da própria sociedade civil organizada que se
envolveu na luta pela reforma agrária nas diferentes regiões do Brasil, com objetivos
específicos impressos no contexto de especificidade de cada localidade, como na região
Sul, por exemplo, em função da modernização que avançava no campo e, aos
agricultores familiares,4 restava a perda de suas terras e identificação de “sem-terra”; na
região Norte, os seringueiros resistindo ao ver suas terras de seringais serem
transformadas em pastagens. E ainda os posseiros, nas áreas de “fronteira agrícola” nos
Estados do Norte e Centro-Oeste. A partir de então foram surgindo reivindicações por
políticas públicas que atendessem as necessidades dos agricultores familiares que foram
alijados do processo de modernização com a tecnificação da produção, o que tornou a
questão agrária mais complexa e diversificada levando à reflexão a questão da
identidade entre rural e agrícola e entre desenvolvimento e modernização (DELGADO,
2010).
Diante desse retrato, capturado por uma modernização socialmente conservadora da
agricultura e caracterizado por permanências que remontam o padrão de industrialização
adotado em 1950, foi clara a opção do Estado em implementar esse padrão de
industrialização e o caráter conservador do processo, visto que não representou o
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rompimento com as elites agrárias e esteve baseado na manutenção dos salários
reduzidos.
Cabe ressaltar que, ao lado dessa modernização conservadora, caminha um Estado
igualmente conservador que desempenha, da mesma forma, suas funções, dentre elas a
de “sustentáculo de um pacto de poder autoritário e excludente das camadas populares
especialmente no meio rural [...]” (DELGADO, 2010), além da responsabilidade de
formular e executar políticas públicas que privilegiaram a constituição de uma
economia urbano-industrial, deixando, mais uma vez, o meio rural na “sala de espera”
das políticas de desenvolvimento territorial rural (WALSH, 2007).
A legitimação da postura conservadora e unilateral do Estado e a aliança com a grande
propriedade territorial, eram questionadas a todo tempo pelos movimentos sociais, na
medida em que incentivava a burguesia a formar alianças com os setores emergentes,
rompendo com as velhas formas de dominação no campo, com as estruturas de poder
local e apontando para a formação de uma classe média rural (MOREIRA, 1999).
As reformas de base, como a reforma agrária, por exemplo, eram necessárias e
fundamentais para o desenvolvimento do meio rural, porém não contavam com o apoio
da burguesia, uma vez que para esta, estava claro que seu desenvolvimento independia
de reformas na estrutura fundiária. Além disso, o Estado apoiava o novo foco que o
mercado estava voltado, o consumidor potencial que se tornava real de insumos
modernos, como máquinas, adubos, pesticidas, dentre outros.
Foi a partir da década de 1960 que esta industrialização, com características de exclusão
e dependência começou a entrar em crise, visto que seus mecanismos tradicionais de
financiamento e sua expansão foram abalados pela alta da inflação e perda da
articulação do pacto de poder, por parte do Estado, que sustentava o modelo.
Mesmo com a criação do Estatuto da Terra, em 1964, em que as esperanças foram
renovadas na questão da estrutura agrária brasileira, o Ato Institucional nº 5, de 1968,
impediu qualquer avanço nesse sentido, já que a hegemonia política (Estatal) era
promover o latifúndio para transformá-lo numa grande empresa brasileira, o que
culminou, no final da década de 1960, com a chamada modernização conservadora da
agricultura na década de 1970.
Contudo, foi a partir de 1976 que a agricultura encontrou uma conjuntura financeira e
comercial favorável ao crescimento das exportações agrícolas marcando a expansão da
produção de soja iniciada no Sul do país e, mais tarde avançando por todo o território
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brasileiro, como a “revolução verde”, um processo de modernização tendo como uma de
suas diversas conseqüências, a expulsão da mão-de-obra do campo. Esse contingente de
mão-de-obra expulsa do campo foi engrossar as estatísticas de desemprego e
marginalização nos centros urbanos.
Como se trata de um modelo dependente e excludente, o que não considero redundante
relembrar, aos excluídos, dentre eles os agricultores familiares, assalariados rurais e
populações rurais sem-terra, coube a caracterização de público-alvo dos “projetos de
desenvolvimento rural integrado” difundidos pelo Banco Mundial por toda a América
Latina.” (DELGADO, 2010, p. 23).
Diante da subordinação dos agricultores familiares frente ao atual modelo de
desenvolvimento hegemônico e excludente, os movimentos sociais assumem,
gradativamente, uma postura que os leva a conduzir debates e discussões em torno da
construção de um modelo alternativo de desenvolvimento centrado na justiça social e
que busque a participação de todos na democratização da revolução verde, permitindo
que a modernização tenha o acesso de todos no meio rural.
Contudo, imerso em uma realidade um tanto quanto perversa, quando se trata de acesso
a novas tecnologias e oportunidades, o agricultor familiar, apesar de garantir, com sua
produção, grande parte dos alimentos que vão à mesa dos brasileiros diariamente, nunca
foi inserido, por meio de suas representações de interesse - associações e sindicatos -
como proponentes de projetos de desenvolvimento local para a conseqüente efetividade
das ações quando da elaboração de políticas públicas para o desenvolvimento de
territórios rurais contemplando sua diversidade e particularidade.
Território vivido da agricultura familiar
Ao falar de território, especialmente neste artigo, devemos situar o sentido adotado que,
apesar de uma diversidade de abordagens com contribuições importantes de clássicos
como Deleuze, Guattari e outros, este sentido é entoado a partir dos contextos vividos
da agricultura familiar. Pela maneira como está sendo abordado, o território parte do
conceito de espaço, que segundo Massey (1998), é produto de inter-relações, o espaço
visto como possibilidade de existência de multiplicidade, existência de mais de uma voz
e está sempre em processo de devir. Harvey (2004) caminha na mesma direção
afirmando que o espaço é construído dentro de diferentes contextos, que suscitam
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modificações, o que faz surgir mudanças. Estas abordagens refletem a dinâmica dos
grupos sociais que debatem, discutem e constroem suas demandas a partir de processos
participativos caracterizando a construção e organização social num dado espaço, ou
seja, o território.
Contudo, para uma leitura atualizada do espaço, Moreira (2006) sugere analisá-lo “por
meio de seu recorte [...]”, nascendo a partir de então, o território. Com isso pode-se
dizer que “o recorte espacial é o princípio do conceito de território [...] cada recorte do
espaço é um território.”
Quando se realiza análise do território, sob diferentes perspectivas, devemos levar em
consideração que, para a existência deste, devem existir relações de poder e, como
ponto de partida para o avanço das reflexões sobre o conceito de território, sugerimos
iniciar um olhar a partir de teorias que buscam melhor compreensão desse conceito
partindo de pensadores como Deleuze (1992; 2010), e Guattari (1992; 2010).
Contribuições importantes também do filósofo Foucault, marcado por grandes dilemas.
Considerando que o núcleo epistemológico do território é o poder, as contribuições de
Foucault são fundamentais para este debate, mesmo com abordagem do território
restrita ao poder estatal como soberano. Ele afirma que, sempre, onde há poder, há
resistência, pois a resistência não é o outro do poder. Seu conceito de poder está
diretamente ligado a sua posição política e o trata como prática, empiria.
A compreensão de território na perspectiva de Deleuze e Guattari (2010) está ligada à
subjetividade individual e coletiva, contemplando diferentes dimensões como a cultural,
a econômica e a existencial. Há preocupação com o vivido e com a dinâmica que
envolve cada situação espaço-tempo. Eles acreditam que o pensamento se
desterritorializa e retorritorializa, desliga-se e religa-se ao lugar. Enfim, ambos
defendem que o território é, ao mesmo tempo, material, imaterial, relacional,
psicossocial, totalidade e unidade.
Haesbaert (2011); Moreira (2006) e Renard (2002) concebem “o território como um
pedaço de espaço” cujos elementos constitutivos são organizados e estruturados pelas
ações dos grupos sociais que o ocupam e o utilizam, finaliza Renard (2002). Nesta
perspectiva território é unidade geográfica, delimitada por uma fronteira, material ou
simbólica, criando assim, uma oposição do que está dentro e está fora.
Em contexto social do território, espaço da prática, Sack trabalha componentes
fundamentais para compreensão dos contextos sociais vividos. Possui visão relacional
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do território enfatizando a existência de um único poder hegemônico que controla
pessoas e recursos, destaca também, território político, o qual será objeto de constantes
análises nesta pesquisa, território como categoria da prática política. Para ele, o
território, construído socialmente, “pode ser usado para conter ou restringir, bem como
para excluir pessoas.” (SACK, 2009, p. 20).
Território nos remete ao poder e como afirma Haesbaert (2007), não aquele poder
tradicional, “poder político”, mas no sentido de dominação ou apropriação. Para essa
distinção, importante para as discussões, Lefebvre (2006) diferencia apropriação de
dominação, a primeira como processo simbólico, prática marcada pelo vivido, território
apropriado como valor de uso. Já a dominação é mais funcional, configura como valor
de troca e, como há dominação, há relações de subalternização.
A partir disso fica clara a importância de se analisar o território em sua multiplicidade
de manifestações, incorporada através de seus múltiplos sujeitos tanto do dominador,
com lutas hegemônicas, quanto dos dominados, com lutas de resistência, com
sobreposições de territorialidades assim como são caracterizadas as relações sociais que
se desdobram no território.
O território político, como categoria da prática, analisado em constantes discussões pela
multiplicidade de sujeitos dentro de grupos socialmente organizados, apresenta, a partir
de Aristóteles, preocupações de como “oferecer uma luz” aos homens ou o “bem
supremo” na direção dos negócios públicos sinalizando uma nova forma na medida em
que se forma um “espaço de presença da política no cotidiano e se abre um terreno à
participação política fora do âmbito restrito do exercício do governo.” (MAAR, 2006, p.
31).
Isto marca a ampliação dos espaços de participação para além do soberano. Estão
presentes na arena política os cidadãos para as discussões públicas, voltadas para o
conflito entre as diversidades. Inseridos nessa diversidade, os grupos sociais -
agricultores familiares - se fazem visíveis a partir de representações como as
organizações de classe que vivenciam tensões, como os dois projetos de
desenvolvimento rural no Brasil, o projeto neoliberal, excludente e centrado na
perspectiva das elites agrárias com foco na economia com geração de saldos crescentes
na balança comercial, tendo o agronegócio como seu protagonista e; o projeto
democratizante, que recebe esse nome, segundo Delgado (2010), por sinalizar um
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processo de democratização da sociedade, tendo como protagonista a agricultura
familiar.
A concepção de território para agricultura familiar estará fundamentada em bases
conceituais apresentadas nos espaços de participação e discussão dos agricultores e
agricultoras familiares1 e suas diferentes formas de representação. A diversidade de
sujeitos nestes espaços forma um mosaico de vozes que aqui será refletido a partir do
Painel de discussão apresentado na Confederação Nacional dos Trabalhadores e
Trabalhadoras da Agricultura Familiar - CONTAG sobre reflexão da ação sindical
considerando as dinâmicas ocorridas na conjuntura do campo, na vida e na organização
da classe trabalhadora refletindo ainda sobre a diversidade dos sujeitos do campo e da
floresta.
O painel teve início com uma palestra, proferida pela Professora Socorro Silva, da
Universidade Federal de Campina Grande-PB, em que a mesma expôs a discussão que
parte da tensão do conceito de território a partir de dois projetos de desenvolvimento
afirmando que o território nasce com duas conotações, a simbólica e a material e,
compartilhando com Haesbaert (2007, p. 20) pode ser entendido a partir da etimologia
da palavra, aparece tão próximo à “terra-territorium quanto à térreo-territor (terror,
aterrorizar), ou seja, relacionado à dominação (jurídico-política) da terra e com
inspiração do terror, do medo”, principalmente aqueles que são tolhidos da terra diante
da dominação. Por outro lado, o território se configura como identificação e a “efetiva
apropriação” por aqueles que tem acesso à terra subalternizando aqueles que de terra
pouco ou nada tem.
Território na concepção dos sujeitos da agricultura familiar é mais que um lugar de
produzir riqueza, de produzir o trabalho, ele é um lugar também da construção do ser,
dos sujeitos, de uma identidade. A partir do momento que esses sujeitos perdem a posse
da terra, pode-se dizer que houve uma desterritorialização, a perda de suas raízes.
Na perspectiva do território capitalista, ele apresenta pilares que remontam sua
implementação em nosso país e na conjuntura atual pode ser visivelmente identificado
por meio da monocultura, caracterizada como um desses pilares e se fazendo presente
desde os grandes projetos de colonização no Brasil.
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Inserido nesse contexto, importante destacar a globalização que, em meio a paradoxos e
dicotomias, permite duas leituras que cabem aqui, com muito cuidado e atenção. Uma
delas parte dos agentes hegemônicos que consideram o território como meros “locais de
negociação” analisando vantagens e desvantagens nas operações e, a outra leitura é feita
a partir das populações de cada lugar, sendo o território, lugar de construções sociais,
heterogêneo, múltiplo e diversificado (ROBERTSON, 2000).
Outro ponto de discussão e reflexão entre os grupos sociais organizados nos espaços de
participação é com relação à exploração da mão-de-obra trabalhadora, visto que nesta
pesquisa, o território é carregado de sentido político e de componentes fundamentais
para os contextos sociais vividos apontando o território ordenado ou (des)ordenado,
composto por multiplicidade de sujeitos, de poderes e de “múltiplas arenas políticas”,
em que os conflitos se fizeram e fazem presentes na luta pela terra e pela participação
efetiva na agenda de políticas públicas voltadas para os territórios rurais (LIMA, 2005).
A palavra política é de origem grega, polis: politikós, comunidade organizada e formada
por cidadãos, por aquilo que é de interesse do homem enquanto cidadão (BOBBIO,
2000; SILVA, et al, 2011). Ainda na Grécia Antiga foi Aristóteles, em seu livro “A
política” quem primeiro tratou do tema como prática intrínseca aos homens.
Esta forma de fazer política, deixada pelos gregos, reflete na vida pessoal e a harmoniza
com o coletivo, ela se torna referência para o comportamento individual em detrimento
do coletivo, da multiplicidade da polis. Esta forma de abordar a política deixada pelos
gregos no contexto atual é ponto a ser iluminado mais adiante.
Diferente do pensamento centralizador da política na figura do Estado, como defende
Ratzel, Maar (2006) aponta a política como carregada de multiplicidade de facetas, faz
referência ao poder político, à esfera da política institucional. Destaca a necessidade de
desvincular a palavra “política”, no singular, vinculada a um só poder, o Estado, para
ser tratada como “políticas”, no plural, assim como é representada a sociedade que, por
sua vez, nada tem de singular, é só pensarmos nos movimentos sociais que são
carregados de sentido político. Eles podem não fazer “a política”, mas certamente fazem
“uma política”. São as diversas políticas discutidas por diversos poderes que fazem
parte do território socialmente construído ora discutido.
A liberdade está contida no poder agir, tomar iniciativa, impor um novo começo. A
política tem a ver com liberdade e espontaneidade humana. A restrição à liberdade, a
repressão da espontaneidade humana e a corrupção do poder através da violência são
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ameaças para a política dos sistemas liberais. O espaço original do político é público. O
homem pode agir e começar de novo, independente e sem manipulações. Arendt (2011,
p. 30) diz que a base do pensamento político é a capacidade de formar opiniões e que
essa capacidade seja desenvolvida com liberdade. Para tanto, é importante reconhecer a
política por meio de normatização e de representações sociais diversas, “não há política
sem normatização de práticas sociais.” (SILVA, 2011, p. 23).
Contudo, vale evidenciar que a política atrelada somente à figura do Estado como
unidade de atuação, homogeneizando seus atores é carregada de visão reducionista, pois
nos chama a atenção a multiplicidade de singularidades representadas nesses atores.
Dessa forma, a política deve ser reconhecida como representações sociais diversas e,
como interfere na ordem federativa do Estado brasileiro, contribui para composição do
ordenamento territorial das múltiplas arenas políticas dos atores em tensão.
A agricultura familiar busca, em seus espaços de participação, discutir o território
carregado de políticas e laços de afetividade, porém, parecem demandar políticas de
ordenamento territorial que reproduzem a lógica capitalista de modelos hegemônicos
quanto a sua configuração territorial, quando não vemos discussão de uma nova
proposta e projeto de reforma agrária para o Brasil que tenha suas origens nas bases do
movimento social e organizações de classe.
Conclusões
É fato e de fácil percepção, a existência de uma tensão entre as diferentes concepções de
território do Estado e aquelas da agricultura familiar. A primeira é caracterizada como
concepção hegemônica, o Estado como poder central, compartilhado por Raffestin
(1993), Sack (2009) e Foucault (2010) como apresentado ao longo do texto e, a
concepção de território vivido da agricultura familiar, configurada como simbólica e
sinalizando para diversidade e complexidade de ações e relações sociais, inclusive
relações de conflito em que grupos organizados se fazem visíveis por meio de ações
negociadas pelo Estado para fins de construção de políticas voltadas para seus
interesses, o que caracteriza o território como espaço da prática política.
Essa tensão, interesse, estratégias e resistências são categorias centrais da política
sinalizadas pelo território cujas regras, decisões e ações são formalizadas por acordos
jurídicos ou informais entre a diversidade de atores sob condições materiais/ideológicas,
dado o caráter peculiar do território.
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Dessa forma, a política como parte constitutiva do território é definida numa relação
dialógica, sob as bases que atendam aos interesses do coletivo, representado pelos
grupos organizados da agricultura familiar, e, particular, representado, de forma
individualizada, pelas elites agrárias.
Notas _____________________ 1 Por esse motivo Hegel dizia que o Estado era universalidade da vida social (CHAUÍ, 2001). 2 Ao longo do trabalho, quando fizer referência à agricultura familiar, esta se baseia na Lei 11.326, de 24 de julho de 2006, em que estabelece conceitos, princípios e instrumentos destinados à formulação das políticas públicas direcionadas à Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. 3 Prelazia é uma diocese do interior, uma diocese mais nova, com menos padre e menos recursos, com pessoal missionário vindo de fora (Carta de Encorajamento ao povo da Prelazia de São Félix do Araguaia-MT, escrita por Dom Pedro Casaldáliga em 03 de julho de 1971). 4 Agricultor familiar aqui referenciado é aquele que, de acordo com a Lei 11.326, de 24 de julho de 2006, pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente aos seguintes requisitos: não detenha, a qualquer título, área maior que 4 (quatro) módulos fiscais; utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento e dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. 5. A relevância para a distinção de gênero, neste caso, representa as diversas conquistas das mulheres ao longo da história em constantes lutas no campo por direitos e reconhecimento como trabalhadoras rurais, agricultoras familiares.
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