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19 As *-U. tendências que vão mudar a nossa vida Mudança Em 2019, o digital continuará a dominar as tendências da ciência e tecnologia, mas depois do deslumbramento está a surgir desconfiança em relação ao poder que as grandes marcas têm para controlar as nossas vidas Textos VIRGÍLIO AZEVEDO Ilustração GONÇALO VIANA em A ideia de que a tec- nologia pode re- solver muitos dos nossos problemas e tornar-nos mais felizes está a per- der força, devido ao controlo crescente dos nossos dados pessoais e da nossa vida pelas grandes marcas. O mun- do maravilhoso prometido pelas empresas tecnológicas começa a ser posto em causa e há mesmo conhecidos futurólogos como o alemão Gerd Leonhard autor do livro "Tecnologia versus Hu- manidade" a defender que se a tecnologia não faz o ser humano feliz e não cria uma sociedade melhor não deve ser usada ou terá de ser fortemente regulada e limi- tada pelas leis. Assim, os governos têm de de- finir claramente a fronteira en- tre as tecnologias que elevam a Humanidade em termos sociais e espirituais e as tecnologias que não o fazem. E os investigado- res e utilizadores da ciência e da tecnologia "devem ser mais res- ponsabilizados", defende Rodrigo Martins, presidente da Academia Europeia das Ciências. Na verdade, começamos a cons- tatar que o Facebook está a con- trolar cada vez mais os nossos relacionamentos pessoais ou que a Amazon está a condicionar de forma crescente as nossas esco- lhas de consumo. Quanto ao Goo- gle, o verdadeiro big brother que controla tudo", afirma sem rodeios o divulgador de ciência Rui Agostinho, investigador da Faculdade de Ciências da Uni- versidade de Lisboa (FCUL). O mais surpreendente é que somos nós próprios a fornecer de livre vontade os nossos dados pessoais, o que significa que não é preciso nenhuma ditadura ou big brother para isso acontecer. O fim da privacidade? Como disse em entrevista ao Ex- presso o matemático Jorge Bues- cu, da FCUL, "quando estamos naqueles programas de acesso livre em que nos perguntam se aceitamos cookies e dizemos que sim, quer dizer que qualquer tecla que seja premida por nós é moni- torizada, e todos os dados obtidos serão coligidos e tratados por al- goritmos muito complexos que conseguem extrair daí informa- ção que rende", isto é, informação

As *-U. tendências · 2019-01-14 · Assim, os governos têm de de-finir claramente a fronteira en-tre as tecnologias que elevam a Humanidade em termos sociais e espirituais e as

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19As *-U.tendênciasque vãomudara nossa vidaMudança Em 2019, o digital continuará a dominar as tendências da ciênciae tecnologia, mas depois do deslumbramento está a surgir desconfiança emrelação ao poder que as grandes marcas têm para controlar as nossas vidas

Textos VIRGÍLIO AZEVEDOIlustração GONÇALO VIANA

em

Aideia de que a tec-nologia pode re-solver muitos dosnossos problemase tornar-nos maisfelizes está a per-der força, devido

ao controlo crescente dos nossosdados pessoais e da nossa vidapelas grandes marcas. O mun-do maravilhoso prometido pelasempresas tecnológicas começa aser posto em causa e há mesmoconhecidos futurólogos como oalemão Gerd Leonhard — autordo livro "Tecnologia versus Hu-manidade" — a defender que se atecnologia não faz o ser humanofeliz e não cria uma sociedademelhor não deve ser usada ou teráde ser fortemente regulada e limi-tada pelas leis.

Assim, os governos têm de de-finir claramente a fronteira en-tre as tecnologias que elevam aHumanidade em termos sociaise espirituais e as tecnologias quenão o fazem. E os investigado-res e utilizadores da ciência e datecnologia "devem ser mais res-

ponsabilizados", defende RodrigoMartins, presidente da AcademiaEuropeia das Ciências.

Na verdade, começamos a cons-tatar que o Facebook está a con-trolar cada vez mais os nossosrelacionamentos pessoais ou quea Amazon está a condicionar deforma crescente as nossas esco-lhas de consumo. Quanto ao Goo-

gle, "é o verdadeiro big brotherque controla tudo", afirma semrodeios o divulgador de ciênciaRui Agostinho, investigador daFaculdade de Ciências da Uni-

versidade de Lisboa (FCUL). Omais surpreendente é que somosnós próprios a fornecer de livrevontade os nossos dados pessoais,o que significa que não é precisonenhuma ditadura ou big brotherpara isso acontecer.

O fim da privacidade?

Como disse em entrevista ao Ex-presso o matemático Jorge Bues-

cu, da FCUL, "quando estamosnaqueles programas de acessolivre em que nos perguntam se

aceitamos cookies e dizemos quesim, quer dizer que qualquer tecla

que seja premida por nós é moni-torizada, e todos os dados obtidosserão coligidos e tratados por al-

goritmos muito complexos queconseguem extrair daí informa-ção que rende", isto é, informação

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com grande interesse comercialpara diferentes aplicações. Destemodo, além dos dados pessoaisque já temos no Facebook, Mes-

senger, Instagram ou Twitter,"juntamos ainda tudo o que estáno Google sobre o nosso compor-tamento", explica Rui Agostinho.

Mas há também boas notícias

para 2019, como a chegada do

SG, a quinta geração de comu-nicações móveis, que permitiránavegar na internet a velocida-des muito maiores; os avanços nacomputação quântica ou a demo-cratização do acesso ao Espaço,que dará novas oportunidades dedesenvolvimento a países comoPortugal, com a emergência dosmicrosatélites e de lançadoresmais pequenos, baratos, flexíveise de baixo impacte ambiental.

vazevedo(S>expresso.impresa.pt

COMUNICAÇÕES

SG, a mãe das tecnologiasSem ela, os carros autónomos, os no-vos drones, as cidades inteligentes, odesenvolvimento da internet das coisase os próximos supercomputadores nãoserão possíveis, mas vamos finalmentever a quinta geração das comunicaçõesmóveis (SG) em todo o lado. Em 2018

avançaram as aplicações fixas, mas esteano é a vez das aplicações móveis, quepermitirão aos smartphones navegar nainternet a uma velocidade pelo menosdez vezes maior do que aquela a queestamos habituados. E há outras van-tagens: baixa latência de comunicação,grande largura de banda ou elevadadensidade das conexões, que abremportas a novos usos. A latência é o tem-po que demora a passar uma mensa-gem do remetente para o recetor.

LIBERDADEControlar o big brother...

Na segurança informática e nos dados

pessoais "o público ainda não percebeubem o que se está a passar", alerta RuiAgostinho. O divulgador de ciência ediretor do Observatório Astronómicode Lisboa diz que "o Google é o verda-deiro big brother que controla tudo".Por isso, se 2018 "marcou a história daevolução tecnológica com uma mudan-

ça de atitude em relação à manipulaçãoda informação pessoal, 2019 será o ano

do desbravar de novos caminhos que re-gulamentem e balizem bem as linhas de

ação das grandes empresas que vivemda venda de informação pessoal".

PRIVACIDADE

... e os dados pessoais

A base deste problema "é a privacida-de dos dados pessoais, isto é, como os

ocultamos, vendemos ou oferecemos",argumenta o investigador da Faculdadede Ciências da Universidade de Lisboa.Vendemos? "Sim, quando concordamoscom os Termos de Serviço do Google e

pensamos que é troca por troca, em queficamos os dois a ganhar." Rui Agos-tinho esclarece que "além dos dadospessoais que já temos no Facebook,Messenger, Instagram ou Twitter, namaior parte das vezes abertos ao mun-do, juntamos ainda tudo o que está noGoogle sobre o nosso comportamento".Assim, o Google consegue saber, atra-vés da localização que o smartphone

envia 40 vezes por hora, mesmo quan-do está sem fazer nada, "a que igreja va-mos ou não vamos; em que reuniões de

grupo participamos; que tipo de baresou restaurantes frequentamos; em quefarmácias passamos e quantas vezes;onde fazemos férias, durante quan-to tempo e com quem; em que lojascompramos; onde trabalhamos e comquem partilhamos o dia; etc". Mais:com o Google Photos, Does, DeepMind,Home, Chrome e Android, a empresa"analisa as fotos de família e dos amigose a quem as enviamos, tudo o que escre-vemos e falamos ao telemóvel, sabe queassuntos pesquisamos na internet, o

que compramos, que músicas ouvimosou os relatórios médicos que temos noGmail".

SEGURANÇA

Ameaça globalna internet das coisas

Mais de dez mil milhões de objetos co-nectados estavam a ser utilizados em2018 e a consultora norte-americanaGartner estima que este número suba

para 20,4 mil milhões em 2020. A ex-

pansão da internet das coisas está a ser

impressionante, o que gera um pro-blema: há cada vez mais hipóteses de

que muitos destes objetos revelem umbaixo nível de segurança. Estamos a

falar de coisas como frigoríficos, robôs,drones, automóveis ou aparelhos derastreio na área da saúde. "Será pri-mordial para os fabricantes e para todaa sua cadeia de fornecedores aumentarfortemente o nível de segurança — quemantém os hackers à distância —

todos os produtos que venham a serlançados no mercado", recomenda apublicação internacional "InterestingEngineering". "Caso contrário, há umaboa hipótese que venhamos a assistira uma falha global de segurança nainternet das coisas em 2019".

DESINFORMAÇÃO

Deepfake vídeos, a novafronteira da falsificação

Depois dâsfake news, os vídeos e as

imagens "serão a próxima fronteira dafalsificação digital", avança a revistanorte-americana "Wired". "A mani-pulação deliberada de material visualprovocará uma mudança na formacomo nós interagimos com o mundo".Deepfake é uma tecnologia de síntese de

imagens ou de sons humanos baseadana inteligência artificial e na aprendiza-gem automática, usada para combinaruma fala qualquer com um vídeo jáexistente ou alterar o próprio vídeo. Os

primeiros vídeos pornográficos falsosde figuras públicas surgiram em 2017,envolvendo várias atrizes e cantorasnorte-americanas conhecidas. E naseleições gerais no Brasil em 2018, umdos candidatos a governador de São

Paulo, o maior estado do país, apareceunum deepfake vídeo numa orgia. Mas2019 é o ano em que os vídeos falsos se

vão tornar cada vez mais sofisticados.Como diz a tecnóloga Yasmin Green,diretora de pesquisa e desenvolvimentoda empresa de segurança Jigsaw, "pro-vavelmente a conclusão mais arrepian-te do crescimento das deepfakes é de

que não precisam de ser perfeitas paraproduzirem o efeito pretendido". E o

mundo vai ser confrontado com situa-

ções "em que novos vídeos falsificadospodem enganar populações inteiras".

ÉTICA

Responsabilizar cientistas

"A maior responsabilização ética dos

investigadores e utilizadores da ciênciae da tecnologia" é uma das grandes

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tendências destacadas pelo presidenteda Academia Europeia das Ciências, o

português Rodrigo Martins. "Cada vezmais se irá promover a avaliação dos

objetivos da investigação científica porpadrões éticos", antecipa o professorcatedrático da Faculdade de Ciênciase Tecnologia da Universidade Nova deLisboa (FCT-Nova), "preferencialmen-te nas tecnologias ligadas à saúde, im-pactos ambientais, energia, alimenta-ção e mudanças climáticas". Exemplos:"Realinhar os interesses da indústriafarmacêutica com os interesses dos

doentes, ou analisar os esforços paratrazer padrões éticos para a indústriaalimentar global." Nesse sentido, sãonecessárias "mais estruturas institucio-nais da ciência responsável no combateà fraude e ao plágio, com maior partici-pação dos cidadãos".

GENÉTICA

Genoma a baixo preçoO custo da sequenciação completa do

genoma humano tem vindo a baixar

de ano para ano e já está nos 600 eu-ros por pessoa. "É uma tendência quevai ter avanços substanciais em 2019e chegar ao mercado", antevê CarlosFiolhais, divulgador de ciência e pro-fessor catedrático da Universidade de

Coimbra, "porque já foram criadosalgoritmos que lêem rapidamente o

genoma, o que significa que a sequen-ciação se vai democratizar". O físico ex-

plica que este processo "permitirá aosmédicos consultar rapidamente o ge-noma, que não diz tudo sobre o estadode um doente mas revela coisas muitoimportantes". A empresa norte-ameri-cana Illumina é o fabricante das máqui-nas de sequenciação mais potentes domundo. A concorrência é muito fortee a startup Coimbra Genomics, criadano Biocant Park, o primeiro parque de

biotecnologia português (Cantanhede),é uma das empresas que está a apostarneste mercado promissor. Mas comosublinha a revista científica britânica"Nature", este ano os cientistas vão terde lidar com as consequências do anún-cio polémico feito em dezembro últimopelo investigador chinês He Jiankui de

que conseguira criar duas gémeas como ADN alterado através da edição ge-nética, para prevenir infeções por VIH.

INDÚSTRIA

Materiais inteligentesHá um novo paradigma que está asurgir: o conceito de "materiais esta-minais" {stem materiais), materiaisinteligentes capazes de desempenharautonomamente várias funções, mime-tizando a natureza, ou seja, as célulasestaminais {stem cells), que se podemdiferenciar em diversas linhagens celu-lares. "Os materiais como os conhece-mos são raramente adaptáveis e, mui-tas vezes, requerem um grande númerode componentes para alcançar elevados

desempenhos em funções específicas",explica Rodrigo Martins. Mas em cen-tros de investigação pioneiros ligadosà eletrónica como o CENIMAT/Í3N daUniversidade Nova de Lisboa, dirigidopor Elvira Fortunato, os cientistas es-tão a "desenvolver dispositivos eletróni-cos capazes de desempenharem váriasfunções". Esta "forma disruptiva de veros desafios do futuro torna Portugal umdos líderes globais da utilização desteconceito", afirma o professor catedrá-tico da FCT-Nova.

ESPAÇO I

Revolução democrática

A democratização do acesso ao Espa-ço vai marcar 2019. Fora das grandes

agências espaciais públicas, a SpaceX, do empresário Elon Musk, foi aprimeira empresa privada a fazer lan-

çamentos com os foguetões Falcon, e

existem planos da Virgin Galactic, deRichard Branson, ou da Blue Origin,de Jeff Bezos (presidente da Ama-zon). Mas são de grande dimensão e

de custos elevados. A rápida evoluçãotecnológica está a provocar uma mu-dança de paradigma, com a chegadaao mercado de lançadores (foguetões)muito mais pequenos, baratos, flexí-veis e de reduzido impacte ambiental.O primeiro voo comercial foi feitoa 11 de novembro de 2018 na NovaZelândia pela empresa Rocket Lab.E este ano, os 90 projetos ativos emtodo o mundo de construção de bases

espaciais para microlançadores de

pequenos satélites vão dar que falar.O domínio exclusivo do Espaço pelosgrandes países, agências e empresasestá a chegar ao fim.

ESPAÇO 2

As novas nações espaciais

Esta mudança está a ser uma oportu-nidade para pequenos países como aNova Zelândia ou Portugal, membro daAgência Espacial Europeia desde 2000.Há várias iniciativas em curso : a constru-

ção de uma base espacial para pequenoslançadores na ilha de Santa Maria, nos

Açores; a criação de um laboratório con-

junto Portugal/China (o STARLab), ondeserão investidos €50 milhões na produ-ção de pequenos satélites; e um progra-ma europeu de €8 milhões para Portugalaprender a fabricar microlançadores.

ESPAÇO 3

Regresso à Lua é asiático

É um sinal dos tempos que o regressoà Lua tenha sido protagonizado a 3 de

janeiro por uma nave espacial chinesanão tripulada, a Chang'e 4, numa mis-

são pioneira: pousar pela primeira vezno seu lado oculto, na Bacia Aitken, noPolo Sul. Recorde-se que a Chang'e 3 jávisitara a Lua em 2013. Como salientaa revista "Nature", em 2019 "a Chinapode emergir como o maior investidordo mundo em investigação e desenvol-vimento" (I&D), superando os EUA. O

protagonismo asiático continuará emfevereiro/março com a índia e a suaChandrayaan-2, igualmente não tripu-lada, a alunar também no Polo Sul. Eem fevereiro com a organização não--lucrativa israelita SpacelL, que lançaráuma nave automática num foguetãoFalcon 9 da Space X, a empresa es-pacial de Elon Musk. Será, por isso, aprimeira nave privada a pousar na Lua.

AUTOMÓVEISMais autonomia

Ainda não é o ano da vulgarização dos

carros 100% autónomos, mas os novos

veículos convencionais vão ter cadavez mais dispositivos inteligentes, quenão precisam da intervenção humana.A Gartner prevê que em 2021 cerca de10% dos novos carros terão capacida-des de condução autónomas, e BrianBurke, chefe de pesquisa da conhecidaconsultora norte-americana, diz queos maiores fabricantes de automóveisestão a prever que atingirão o Nível 4da condução autónoma naquele ano."Basicamente, o Nível 4 significa que o

carro se conduzirá a si próprio."

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DADOSMachine learning, o motorda inteligência artificial

Os progressos na tecnologia de machinelearning (aprendizagem automática) e

nos algoritmos vão gerar inteligênciaartificial (IA) nova e mais avançada. "Ve-ículos autónomos e robótica são as duasindústrias que vão sentir desenvolvi-mentos mais rápidos ao longo de 2019",antecipa a "Interesting Engineering".As inovações na IA continuarão a trazeravanços científicos, "em parte graças àvasta quantidade de dados que as no-vas tecnologias recolheram e que estão

agora disponíveis", destaca a publicaçãointernacional. Por outro lado, a machinelearning e a IA "permitirão criar e via-bilizar negócios mais inteligentes". E nacompetição global, "a China vai deixar

para trás os EUA, emergindo como lídernos desenvolvimentos e aplicações dainteligência artificial". Segundo a revis-ta "Forbes", 90% dos dados existentesno mundo foram criados em 2018. Omatemático e divulgador de ciência,Jorge Buescu, professor da Faculdadede Ciências da Universidade de Lisboa,constata que "os progressos estontean-tes dos últimos anos na aprendizagemautomática permitiram já que as má-quinas ultrapassassem o ser humanoem tarefas específicas, com o desenvol-vimento de facetas que se podem carac-terizar com inteligência e criatividade".O processo "está a ser cada vez maisacelerado e hoje em dia é difícil saberos seus limites".

NUVEMCorrida à computaçãoquântica acelera

É ainda uma tecnologia emergentee envolta em segredo devido à fortecompetição entre fabricantes e cen-tros de investigação, mas a corridapara construir o primeiro computadorquântico, que seja totalmente funcio-nal e muito mais rápido e poderoso do

que os supercomputadores convenci-onais, vai intensificar-se em 2019. Umcomputador quântico executa cálculoscom base nas propriedades da mecâ-nica quântica, como a sobreposição e

a interferência. Os especialistas dizem

que no futuro próximo será mais umserviço na nuvem do que uma máquinaque funciona junto do utilizador. A IBMjá está a oferecer serviços de compu-tação quântica baseados na nuvem(cloud computing). "O que se faz nestemomento ainda é muito limitado, masos avanços teóricos conseguidos sãomuito promissores", considera CarlosFiolhais. O professor catedrático daUniversidade de Coimbra explica que"os algoritmos quânticos exigem novasformas de cálculo". E a grande difi-

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culdade técnica "é que os dispositivosquânticos interagem com o ambientee cometem erros, o que significa queprecisam de funcionar a temperaturasmuito baixas, criogénicas".

PREVISÃO

O grande negóciodos gémeos digitais

Integram ciência de dados, modelaçãomatemática e simulação computacionale são uma inovação tecnológica "quepode revolucionar a indústria do século

XXI", considera o matemático JorgeBuescu. Um gémeo digital é um mo-delo virtual de um processo, produtoou serviço que evolui em tempo real aomesmo ritmo do que este. "Este empa-relhamento dos mundos virtual e físico

permite a análise de dados e a previsãode problemas do dispositivo real antesde estes ocorrerem, o que pode ser es-sencial em indústrias como a aviação",adianta o professor da Faculdade deCiências da Universidade de Lisboa. Jáexistem modelos digitais de turbinas de

geração elétrica na GE e de equipamen-tos de saúde muito caros na Siemens."Correm na nuvem, aprendem automa-ticamente com os objetos reais atravésdos dados que lhes são enviados e usamalgoritmos matemáticos que simulam o

comportamento de objetos reais". Nos

próximos anos haverá milhões de obje-tos do mundo real representados porgémeos digitais e na saúde a tecnologiapoderá ser usada para tratar doençasgraves, "de forma a que os hospitaisconsigam prever antecipadamente o

que poderá acontecer a cada doente".

SAÚDE

A nova moda

dos dispositivos médicosOs smartphones já permitem recolherfacilmente informação sobre o nosso

corpo e sobre tudo o que está erradocom ele, mas a tecnologia é muito limi-tada. Os dispositivos digitais que podemser usados como peças de vestuário(wearables) "podem revolucionar os

nossos cuidados de saúde em 2019",prevê a revista "Wired", "fazendo lei-turas físicas e mentais e oferecendosoluções personalizadas". Pattie Mães,professora do MIT Media Lab (EUA),assinala que "já estamos dependentesdas tecnologias móveis para muitasdas nossas tarefas e objetivos diários,mas em breve iremos também contarcom as tecnologias digitais para o bomfuncionamento do nosso corpo".IMAGEMMais realidadeaumentada e virtualComeçou nos jogos de vídeo, mas trans-formou-se numa ferramenta útil em in-dústrias como o design de engenharia,a manufatura, os cuidados de saúde oua exploração espacial. Chama-se R+ e

é uma tecnologia que junta realidadeaumentada (integração de elementosvirtuais na visualização do mundo real)e realidade virtual. Este ano esperam-senovas aplicações muito inovadoras. Umrelatório da conhecida consultora EYfala mesmo da "emergência de umanova era de aumento das capacidadeshumanas através da realidade aumen-tada e virtual, da inteligência artificiale da robótica, o que levará a uma rein-venção do trabalho, do comportamentodo consumidor e dos sistemas de regu-lação, com implicações na desigualdadeeconómica, nos contratos sociais e napolítica de educação".

COMPETITIVIDADE'Brexit' pode abalarciência europeiaA saída do Reino Unido da UE é aindauma grande incógnita e todas as hipóte-ses estão em aberto. Mas Rodrigo Mar-tins, presidente da Academia Europeiadas Ciências, está convencido de que"as parcerias europeias com o ReinoUnido subsistirão para lá do 'Brexit',pois assim o determina o progressocientífico, e pensar e fazer o contrárioé insensato". O grande peso global daciência britânica diz tudo: o Reino Uni-do tem apenas 1% da população mun-dial e 4% dos cientistas, mas produz16% dos trabalhos de investigação maiscitados a nível internacional.CLIMAPrimeiras experiênciasde geoengenhariaComo as emissões globais de carbonocontinuam a crescer, em 2019 poderãoacontecer "as primeiras experiênciasdestinadas a perceber como arrefecera Terra de forma artificial, usando achamada geoengenharia solar", revelaa revista "Nature". Os cientistas ligadosao projeto norte-americano SCoPExpretendem espalhar plumas de partí-culas parecidas com giz na estratosfera

para observarem como se dispersam.Quando forem lançadas em larga esca-la, poderão eventualmente arrefecer o

planeta refletindo alguns dos raios doSol para o Espaço. Mas a geoengenha-ria é muito contestada, porque não se

conhecem os seus efeitos colaterais e

os maiores críticos argumentam queenfraquece os esforços globais parareduzir as emissões de carbono.