Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    1/219

    UNIVERSIDADE DE SO PAULOINSTITUTO DE PSICOLOGIA

    FLVIA DA SILVA FERREIRA ASBAHR

    Por que aprender isso, professora?Sentido pessoal e atividade de estudo

    na Psicologia Histrico-Cultural

    So Paulo2011

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    2/219

    FLVIA DA SILVA FERREIRA ASBAHR

    Por que aprender isso, professora?Sentido pessoal e atividade de estudo

    na Psicologia Histrico-Cultural

    Tese apresentada no Instituto dePsicologia da Universidade de So Paulo

    para obteno do ttulo de Doutor emPsicologia.

    rea de concentrao: Psicologia Escolare do Desenvolvimento Humano

    Orientador: Profa. Dra. Marilene ProenaRebello de Souza

    So Paulo

    2011

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    3/219

    AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTETRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO,

    PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    Catalogao na publicaoBiblioteca Dante Moreira Leite

    Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo

    Asbahr, Flvia da Silva Ferreira.Por que aprender isso, professora? Sentido pessoal e atividade de

    estudo na Psicologia Histrico-Cultural / Flvia da Silva FerreiraAsbahr; orientadora Marilene Proena Rebello de Souza. -- So Paulo,2011.

    220 f.Tese (Doutorado Programa de Ps-Graduao em Psicologia.

    rea de Concentrao: Psicologia Escolar e do DesenvolvimentoHumano) Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo.

    1. Atividade escolar 2. Ensino fundamental 3. PsicologiaHistrico-Cultural 4. Psicologia escolar 5. Ensino fundamental 6.Desenvolvimento humano 7. Vygotsky, Lev Semenovich, 1896-1934I. Ttulo.

    LB1051

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    4/219

    FOLHA DE APROVAO

    Por que aprender isso, professora? - Sentido pessoal e atividade de estudo naPsicologia Histrico-Cultural

    Tese apresentada ao Instituto de Psicologia daUniversidade de So Paulo para obteno dottulo de Doutora. rea de Concentrao:Psicologia Escolar e do DesenvolvimentoHumano

    Aprovado em ______/______/______

    Banca examinadora:

    _________________________Presidente

    _________________________

    Membro titular

    _________________________Membro titular

    _________________________

    Membro titular

    _________________________

    Membro titular

    Tese defendida e aprovada em: __/__/__

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    5/219

    Esperana

    L bem no alto do dcimo segundo andar do AnoVive uma louca chamada EsperanaE ela pensa que quando todas as sirenasTodas as buzinasTodos os reco-recos tocaremAtira-seE- delicioso vo!-Ela ser encontrada miraculosamente inclume na calada,

    Outra vez criana...E em torno dela indagar o povo:- Como teu nome, meninazinha de olhos verdes?E ela lhes dir( preciso dizer-lhes tudo de novo!)Ela lhes dir bem devagarinho, para que no esqueam:- O meu nome ES-PE-RAN-A

    Mario Quintana,emNova Antologia Potica

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    6/219

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    7/219

    Agradecimentos

    Marilene Proena Rebello de Souza, querida orientadora, com quem aprendodiariamente que cincia e poltica, teoria e prtica, podem e devem caminhar juntas, em

    um lindo exerccio de coerncia.

    Elenita de Rcio Tanamachi, que, com a insistente pergunta qual a tese?, me fezver mais um monto de outras perguntas e respostas, em um intenso aprendizado sobrea importncia do rigor terico e sobre o valor do companheirismo e da amizade.

    Ao Manoel Oriosvaldo de Moura, querido Ori, por me ensinar que simplicidade,honestidade e paixo pelo conhecimento so ingredientes indispensveis queles que seaventuram no s pela academia, mas pela vida.

    professora Solange, que to generosamente permitiu que eu acompanhasse seutrabalho e com quem muito aprendi sobre o ensinar.

    Aos profissionais da escola onde realizei esta pesquisa, especialmente equipepedaggica, que sempre me acolheram com carinho e respeito.

    Ao professor Guillermo Arias Beatn, pelas valiosas contribuies no exame dequalificao e pela amizade construda.

    Ao professor Pablo Del Rio, pela carinhosa acolhida durante o estgio de doutoradosanduche na Universidad Carlos III de Madrid. Agradeo tambm professora Amlia

    Alvarez e aos demais integrantes do LIC (Laboratrio de Investigacin Cultural).Aos integrantes do grupo de estudo do LIEPPE (Laboratrio Interinstitucional deEstudos e Pesquisas em Psicologia Escolar), com quem compartilho conhecimento e odesejo de um mundo justo.

    Aos colegas do GEPAPE (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a AtividadePedaggica), pela grande parceria nesta busca pela construo de uma educaohistrico-cultural.

    Aos colegas de orientao, Deborah, Roseli, Jane, Zaira, Ana Karina, Gisele, Vnia,

    Crita, Ana Carolina, Lygia, Anabela e Marcelo, com quem muito aprendo sobrepesquisa e sobre Psicologia Escolar em uma perspectiva crtica.

    Aos amigos do grupo de ORIentandos, Carol, Malu, Flvio, Flvia, Samanta, Amanda,Joo e Algacir, pela acolhida fraterna e por me recolocarem no movimento de atividadede pesquisa.

    Ao grupo da pesquisa Formao continuada de professores e a mediao detecnologias de ensino: limites e possibilidades, pelos aprendizados sobre formaodocente. Agradecimentos especiais Professora Denise Trento Rebello de Souza, cujaseriedade, profundidade e coerncia so verdadeiras inspiraes, no apenas

    profissionais, mas principalmente humanas.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    8/219

    Carol Picchetti Nascimento, pelas atentas leituras de meus textos, pelas conversasalentadoras e pela amizade construda.

    Ju (Juliana da Silva Lopes), grande amiga dos planos de conquistar o mundo, que,

    com sua delicadeza, sempre me faz questionar o bvio.

    Syl (Sylvia Silveira Nunes), amiga de muitos almoos na USP e de muitas conversassobre a Espanha e sobre os planos de vida.

    Eliza (Maria Eliza Mattosinho Bernardes), pelo companheirismo na produo deconhecimento, pelo constante incentivo profissional.

    Bel (Maria Isabel Batista Serro), por me ensinar que seriedade e alegria so umatima combinao.

    Ao Vanderlei Elias Nery e Edna Martins, companheiros de trabalho, amigos da vida.

    Daniele Kohmoto Amaral, pelo indispensvel auxlio na pesquisa de campo.

    Aos meus pais, Gilda e Pricles, pelo constante apoio e incentivo na vida pessoal eprofissional, e por fazerem que o conhecimento, a tica e a paixo pelo estudo fossem asbases de meu desenvolvimento desde a infncia.

    minha irm Renata, companheira do dia a dia, das viagens, dos almoos, dassobremesas e das muitas reflexes sobre o que ser professor. Algo que, alis, ela fazmuito bem. Agradeo tambm pelas correes gramaticais do trabalho.

    minha irm Paula, que h pouco tempo era uma menina e que, no processo de tornar-se mulher, ensina-me sobre a busca dos sonhos.

    Ao meu cunhado Ma, que, sem perceber, me faz questionar minhas convices,mostrando-me a complexidade do mundo, sempre com bom humor.

    Aos funcionrios do Instituto de Psicologia, pelo apoio necessrio.

    Aos funcionrios da Biblioteca do IPUSP, pelo grande trabalho que tem sido feito no

    sentido de documentar, organizar e garantir o acesso ao conhecimento em Psicologia. FAPESP, pelo apoio financeiro to necessrio ao desenvolvimento de uma pesquisacomo esta e realizao de estgio na Universidad Carlos III de Madrid.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    9/219

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    10/219

    ASBAHR, Flvia da Silva Ferreira. Why do I need lo learn this, teacher? Personalsense and study activity in Historic-Cultural Psychology.Thesis (PhD) Instituto dePsicologia da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2011.

    ABSTRACTThis research aims to investigate the process of personal sense attribution to the studyactivity of students in Elementary School. It has been considered as a theoreticalreference the Historic-Cultural Psychology that comprises the human development asfrom the periodization of leading activities undertaken through life. The focus of theresearch is the study activity, leading activity of children at school age. The work iscomposed by a conceptual bibliographical research, which products are theoreticalsyntheses on the investigated object and an empirical research, made in a municipal

    public school from the city of Sao Paulo, with students from the 4th grade. Theempirical research is divided in four steps: 1st) Accompanying and observation of aclassroom day-by-day; 2nd) Learning oriented situations, that consist in help to the

    students in their tasks; 3rd) Focal groups with students to understand the motives of theirstudy activity; 4th) Individual interviews with the teacher and some children. For dataanalysis it was used the following procedures: 1) Empirical description, built from themost frequent thematic in the data records, 2) Theoretical description, made from linesof analysis that disclose the movement of the study activity; 3) Establishment of theanalysis unit of the object of this research: the relation between the study activitymotives and the objectives of study actions; 4) Return to the concrete, mediated by theanalysis unit. Finally, it is aimed to reconstruct the real and explain the process of

    personal sense attribution to the study activity. It is analyzed, therefore, the limits of theformation of this activity in the current organization of teaching and the scholarcontradictions that show, on the other hand, possibilities of study activity formation andof constitution of a personal sense that is consistent with the maximum possibilities ofhumanization existent in the activity in focus. In this perspective, it is analyzed how therelation between the motives of the study activityand the actions of study may engender

    purposeless actions, which do not allow the formation of this activity. They may, on theother hand, produce actions that generate reasons of learning, in which the knowledge isno longer merely a school content and becomes content experiences by the student. Inthe first case, that we name of existing personal sense, it is noticed the rupture betweenthe motives and actions of study. In the second case, it is pointed out the contradictionsin the organization of the pedagogical activity that indicate possibilities of overcomingthis fragmentation between motives and actions and between social meanings and

    personal sense of the study activity, and that indicate the process of the attribution ofpossible personal senses, in the direction of the appropriation of the specific humanknowledge of the pedagogical activity. It is emphasized the role of the teacher in this

    process. As a result, it is defended the thesis that for the scholar learning to happen, thestudy actions of the students must have a personal sense correspondent to the motivesand to the social meanings of the study activity, towards the human development

    promotion. It is proposed, as a synthesis, an explanatory set of theoretical elements ofthe process of attribution of personal sense to the study activity in general, explainingwhat is needed to comprehend to situate the activity of the teacher as a humanizingactivity, in a way that his or her mediation leads to the study activity of the student bymeans of the personal sense attribution.

    Keywords: School activity; School education; School Psychology; fundamentaleducation; Historic-Cultural Psychology; human development; Vygotsky, LevSemenovich, 1896-1934.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    11/219

    Lista de quadros e figuras

    Quadro 1: Contedo dos grupos focais.........................................................................111

    Quadro 02: Sntese dos procedimentos metodolgicos de apreenso dos dados..........112

    Figura 01: Eixos de anlise da descrio terica..........................................................115

    Figura 02: Movimento de anlise dos dados.................................................................119

    Figura 03: Foto da rvore da convivncia.....................................................................169

    Figura 04: Foto do trabalho coletivo.............................................................................170

    Figura 05: Relao singular-particular-universal no processo de atribuio de sentido

    pessoal atividade de estudo.........................................................................................186

    Figura 06: Modelo explicativo do processo de atribuio de sentido pessoal atividadede estudo........................................................................................................................189

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    12/219

    SUMRIO

    RESUMO......................................................................................................................... 8

    ABSTRACT.....................................................................................................................9

    INTRODUO.............................................................................................................15

    Meus motivos e o objetivo de pesquisa...............................................................15 O caminho percorrido e a tese defendida ...........................................................18

    CAPTULO I A Psicologia Histrico-Cultural: uma concepo de homem e de

    cincia ............................................................................................................................22

    1.1.Princpios tericos da Psicologia Histrico-Cultural...........................................241.2.Uma breve incurso sobre uma polmica no interior da Psicologia Histrico-Cultural.......................................................................................................................34

    CAPTULO II - A criana em desenvolvimento: a relao entre desenvolvimento e

    aprendizagem na Psicologia Histrico-Cultural........................................................ 37

    2.1. A concepo histrico-cultural sobre desenvolvimento e aprendizagem......... 382.2. O problema da periodizao do desenvolvimento psicolgico na infncia..... 44

    CAPTULO III - A atividade de estudo e a formao do pensamento terico ...... 60

    3.1. Contedo e estrutura da atividade de estudo ................................................... 63

    3.2. A formao do pensamento terico e a organizao do ensino ....................... 69

    3.3. A atividade orientadora de ensino como unidade dialtica entre atividade de

    estudo e atividade de ensino ............................................................................................. 77

    CAPTULO IV - Sentido pessoal, significado social e a constituio da conscincia

    humana ......................................................................................................................... 82

    4.1. A relao entre sentido e significado na constituio da conscincia humana:

    leituras de Vigotski e Leontiev................................................................................ 84

    4.2. O sentido pessoal e a atividade de estudo........................................................ 94

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    13/219

    CAPTULO V - O mtodo em movimento.............................................................. 101

    5.1. Concepo metodolgica da Psicologia Histrico-Cultural...............................101

    5.2. Procedimentos metodolgicos para a apreenso dos dados de pesquisa:

    conhecendo o concreto catico ..............................................................................106

    5.3. Procedimentos analticos.................................................................................113

    5.4. Caracterizao inicial de uma singularidade: o referente

    emprico..................................................................................................................120

    CAPTULO VI Anlise dos dados: o processo de atribuio de sentido pessoal

    atividade de estudo......................................................................................................125

    6.1. O contexto da atividade de estudo ..................................................................1266.2. Desenvolvimento da atividade de estudo........................................................142

    6.3. Resultados da atividade de estudo...................................................................170

    SNTESES: A relao singular-particular-universal no processo de atribuio de

    sentido pessoal atividade de estudo ........................................................................184

    REFERNCIAS .........................................................................................................195

    ANEXOS......................................................................................................................211

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    14/219

    15

    INTRODUO

    Meus motivos e o objetivo de pesquisa

    Professor, por que eu tenho que aprender isso?, Para que vou usar isso que

    estou aprendendo na minha vida?, Por que eu preciso ir escola?. Frases como

    essas, ditas por estudantes de escolas em que trabalhei, por colegas de classe e por mim

    durante minha vida escolar e, mais recentemente, como professora universitria, pelos

    meus prprios alunos, produzem em mim grandes angstias e inquietaes.

    Em uma das escolas pblicas em que atuei como psicloga escolar, ao

    entrevistar estudantes sobre seu processo de escolarizao, seus depoimentos

    chamavam-me a ateno. Quando perguntava a eles porque frequentavam a escola e por

    que precisavam estudar, a resposta sempre se referia a algo externo a eles: Pra poder

    pegar um servio bom, ser um cara esperto; Pra trabalhar e dar sade pros filhos;

    Pra, quando eu crescer, no ficar desempregado; Porque, pra trabalhar, voc tem

    que saber ler. At pra catar lixo.A palavra aprendizagemraramente aparecia como

    finalidade de suas aes na escola.

    Em experincias mais recentes, como professora universitria da disciplinaPsicologia da Educao, no curso de Pedagogia, costumo iniciar minhas aulas pedindo

    aos estudantes que relembrem sua vida escolar, destacando os fatos mais marcantes. Em

    todas as turmas, os enfoques predominantes das memrias so situaes de humilhao,

    vergonha, medo e castigo. Alguns alunos relatam episdios dramticos que, em suas

    anlises, produziram grandes dificuldades ou, at mesmo, a desistncia de aprender.

    Ao elaborar o projeto de pesquisa que deu origem a esta tese, deparei-me com

    uma reportagem publicada no jornal O Estado de So Paulo com o seguinte ttulo:As crianas j esto na escola; agora s falta elas aprenderem1. Nessa matria,

    estudantes de escolas pblicas municipais e estaduais, de Ensino Fundamental e Mdio,

    do municpio de So Paulo, relatavam o que estavam aprendendo nas escolas: Ns s

    copia as coisas l (aluno de 6 ano); Fiz a prova na segunda e j esqueci (o que

    estudei para a prova)(aluno de 6 ano); Estou aprendendo continhas.Quantos so

    1SANTANNA, Lourival. As crianas j esto na escola; agora s falta elas aprenderem. O Estado de SoPaulo, So Paulo, 9 jul. 2006. Caderno A, p. 26-27.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    15/219

    16

    seis vezes seis?, pergunta o reprter. No me lembro. (aluno da 4 ano). Muitos

    estudantes no conseguiam dizer com clareza o que estavam aprendendo na escola.

    As situaes relatadas, alm das inquietaes produzidas, levam-me a formular

    algumas questes, que foram ponto de partida para as perguntas de pesquisa que

    orientam esta tese: Por que a aprendizagem no aparece como finalidade da escola nas

    respostas dos alunos? Qual o espao da aprendizagem em situaes em que prevalece

    o medo e o castigo? Como foi o processo de aprendizagem em histrias de vida

    marcadas pelo fracasso e pela humilhao? O que faz os estudantes terem pouca clareza

    do que esto aprendendo na escola? Como vem sendo organizado esse ensino em que os

    estudantes no tm controle sobre seu prprio processo de aprendizagem?

    Como sabemos, a escola pblica brasileira sofre graves problemas no que dizrespeito aos processos de escolarizao, ensino e aprendizagem. Pesquisas indicam que,

    a partir dcada de 1990, o acesso escola foi, em grande medida, universalizado e, em

    muitas regies do Brasil, 96 % das crianas e adolescentes em idade escolar frequentam

    a escola (FERRARO, 1999). Assim, por um lado, podemos dizer que as crianas em

    idade escolar esto, em sua maioria, matriculadas na escola. Mas, por outro, as

    condies de permanncia e aprendizagem no esto consolidadas. Ainda nos

    deparamos com o grave problema da reprovao em muitos Estados e municpiosbrasileiros, j fortemente denunciado por Patto (1999), Paro (2001a) e outros autores.

    Tambm nos deparamos com as consequncias desastrosas de polticas que visam

    eliminar a reprovao sem eliminar suas causas2, produzindo alunos semialfabetizados

    em todos os nveis do Ensino Bsico.

    Diante desse cenrio, pesquisadores brasileiros tm investigado as polticas

    pblicas em educao3, a formao de professores4, a produo do fracasso escolar5e a

    gesto escolar

    6

    , entre outras temticas, buscando compreender as repercusses desseselementos no cotidiano da escola e na aprendizagem discente. Mas h outros temas

    2 Como exemplo, a poltica de progresso continuada no Estado de So Paulo, analisada por Vigas(2006, 2007).3Como vemos em Arelaro (2005).4So referncias os trabalhos produzidos pelo GEPEFE - FEUSP (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre aFormao do Educador), elencados em http://www2.fe.usp.br/~gepefe/ (acesso em 12/02/2010). Ressalto,tambm, o texto de Bueno et.al. (2006) acerca dos mtodos autobiogrficos como estratgias de formaodocente.5Patto (1999) uma das principais referncias sobre a produo do fracasso escolar. Em Angelucci et al.(2004) podemos ver um panorama do estado da arte da pesquisa sobre o fracasso escolar na rede pblicade ensino fundamental, em uma retrospectiva histrica acerca do tema.6Por exemplo, Paro (2006, 2010).

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    16/219

    17

    ainda a serem abordados, como, por exemplo, compreender como os estudantes avaliam

    seu prprio processo de escolarizao, ou seja, entender a escola a partir da anlise dos

    estudantes.

    Nessa perspectiva, a Psicologia Escolar e Educacional pode fornecer importantes

    contribuies na medida em que tem se dedicado a investigar como os prprios sujeitos

    que estudam e trabalham nas escolas explicam o processo de escolarizao e,

    especialmente, como as crianas entendem e vivenciam sua histria escolar7.

    Quando menciono as contribuies da Psicologia Escolar, tomo como referncia

    uma compreenso crtica de Psicologia e Educao, que supere a histrica

    culpabilizao dos alunos em relao aos problemas escolares e busque compreender o

    processo de escolarizao em suas mltiplas determinaes. Nesse sentido, o objeto deanlise e interveno da Psicologia Escolar em uma perspectiva crtica o encontro

    entre o sujeito humano e a educao (MEIRA, 2000, p. 58).

    Tal concepo de psicologia compreende a escola como instituio que est

    inserida em uma sociedade de classes, o que requer, para que se possa analisar o

    encontro entre os sujeitos e a educao, um exame do papel da escola nesta sociedade

    (SAVIANI, 2008).

    Dentre as vrias abordagens tericas da Psicologia que buscam compreender osfenmenos escolares de forma crtica, a referncia adotada por mim a Psicologia

    Histrico-Cultural, cujos principais representantes so Vigotski, Leontiev, Luria,

    Elkonin, Galperin e Davidov, entre outros. Tal concepo terica tem, como origem

    filosfica e epistemolgica, o mtodo materialista histrico dialtico de Marx e, como

    projeto de Psicologia, o estudodos fenmenos verdadeiramente humanos, na direo da

    elaborao de uma psicologia concreta do homem (VIGOTSKI, 2000a). Para esta

    teoria, os fenmenos psicolgicos devem ser entendidos em sua constituio histrico-cultural.

    Um dos conceitos fundamentais da Psicologia Histrico-Cultural o de sentido

    pessoal, que deve ser compreendido a partir da unidade dialtica entre a atividade

    humana e a conscincia. O sentido pessoal expressa a relao subjetiva que o sujeito

    estabelece com os significados sociais e com as atividades humanas. este o conceito-

    chave da presente tese justamente porque permite compreender como a relao que as

    7Um exemplo dessa abordagem acerca dos fenmenos escolares o livro organizado por Souza (2010), oqual rene diversas pesquisas que tm como ponto de partida a compreenso das crianas sobre a escola.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    17/219

    18

    crianas estabelecem com a escola e com o estudo, ou seja, possibilita entender a escola

    a partir da anlise dos estudantes.

    Chego, assim, ao objetivo desta tese: investigar o processo de atribuio de

    sentido pessoal atividade de estudo de estudantes do Ensino Fundamental.

    Algumas perguntas de pesquisa so necessrias para que o objetivo seja

    alcanado: Qual o sentido pessoal que os estudantes atribuem a sua vida escolar? Mais

    especificamente, qual o sentido pessoal atribudo a sua atividade de estudo? Como o

    processo de atribuio de sentido pessoal a essa atividade? Quais so os determinantes

    objetivos e subjetivos desse processo? Quais so os motivos da atividade de estudo de

    estudantes da escola pblica?

    Ressalto que o objetivo e as perguntas de pesquisa tm uma dupla origem: asinquietaes geradas no decorrer de minha vida profissional e a reconfigurao dessas

    questes a partir do estudo da Psicologia Histrico-Cultural e da Psicologia Escolar em

    uma perspectiva crtica. Ou seja, as reflexes produzidas por esta tese tm como ponto

    de partida as questes surgidas em minha prtica profissional como psicloga escolar e

    professora universitria, mas s podem ser produzidas porque partem de uma

    determinada concepo terica que sustenta a investigao e orienta a tese desde a

    definio das perguntas e do objeto a ser estudado at o caminho terico e metodolgicopercorrido.

    Destaco, tambm, que, desde o mestrado, preocupo-me com a questo do

    sentido pessoal atribudo pelos indivduos a sua atividade principal. Em minha

    dissertao, investiguei o processo de atribuio de sentido pessoal de professores a sua

    atividade pedaggica (ASBAHR, 2005a)8. Na atual pesquisa, meu foco ser o estudante.

    O caminho percorrido e a tese defendida

    Tendo como referncia o objetivo e as perguntas de pesquisa, iniciaram-se as

    investigaes tericas e bibliogrficas da tese, bem como o desenho da investigao

    emprica. A tese composta por uma investigao bibliogrfica conceitual (captulos I,

    II, III e IV), em que apresento as snteses tericas produzidas a partir do estudo das

    obras de diferentes autores que me ajudaram a compreender o objeto estudado, o

    8A pesquisa de mestrado tambm foi orientada pela Professora Dra. Marilene Proena Rebello de Souza.Contou com financiamento da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP).

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    18/219

    19

    sentido pessoal atribudo atividade de estudo, e tambm a conceber a outra parte da

    tese, a investigao emprica (captulos V e VI), realizada em uma escola pblica

    municipal da cidade de So Paulo, com estudantes de 4asrie.

    Inicio a apresentao dos resultados da investigao bibliogrfica conceitual

    explicitando os princpios terico-metodolgicos da Psicologia Histrico-Cultural, a

    concepo de homem presente na teoria marxiana e seus desdobramentos Psicologia

    Histrico-Cultural (captulo I).

    Da concepo geral de homem e de Psicologia, destaco, no captulo II, a

    compreenso de desenvolvimento e aprendizagem advinda da Psicologia Histrico-

    Cultural, tendo como fonte as obras de Vigotski, Leontiev e Davidov. Explicito, assim,

    conceitos centrais na obra dos autores dessa escola, tais como Zona deDesenvolvimento Proximal, as crises do desenvolvimento, a situao social de

    desenvolvimento e a periodizao do desenvolvimento infantil baseada no conceito de

    atividade principal.

    Como desdobramento, o captulo III aprofunda a anlise de uma das atividades

    principais, a atividade de estudo, tpica das crianas em idade escolar. Exponho, na

    primeira parte do captulo, o contedo e a estrutura da atividade de estudo. Na segunda,

    analiso como se constitui a principal neoformao psicolgica da atividade de estudo, opensamento terico, em sua relao com a organizao do ensino. Por ltimo, discuto o

    conceito de atividade orientadora de ensino como unidade dialtica entre a atividade de

    ensino do professor e de estudo dos alunos.

    No captulo IV, fao uma reviso bibliogrfica sobre pesquisas que utilizam os

    conceitos de significado social, sentido pessoal e atividade de estudo, bem como sobre

    os aportes da Psicologia Histrico-Cultural acerca desses conceitos. Na primeira parte

    do captulo, discuto a relao entre sentido e significado na constituio da conscinciahumana, tendo como referncia obras de Vigotski e Leontiev. Na segunda parte, analiso

    a relao entre sentido pessoal e atividade de estudo a partir de levantamento

    bibliogrfico acerca do tema.

    Estes captulos, I a IV, produtos da investigao bibliogrfica conceitual, trazem os

    elementos tericos necessrios que compuseram o planejamento da segunda parte da tese, a

    pesquisa emprica, a organizao e a anlise dos dados, presentes nos captulos V e VI.

    No captulo V, alguns pressupostos do mtodo materialista histrico dialtico

    que orientaram esta pesquisa so explicados. Exponho, ainda, como foi organizada a

    pesquisa em termos de procedimentos metodolgicos de apreenso dos dados e quais

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    19/219

    20

    foram os procedimentos analticos utilizados, isto , o movimento de anlise dos dados.

    neste captulo que apresento o referente emprico de pesquisa, uma classe de 4 srie

    do Ensino Fundamental de uma escola pblica municipal de So Paulo. A classe em

    foco era uma turma de PIC (Programa Intensivo de Ciclo), projeto educacional descrito,

    brevemente, no referido captulo.

    Ainda neste captulo, ao explicaro movimento de anlise dos dados, explicito a

    unidade de anlise do processo de atribuio de sentido pessoal, a relao entre os

    motivos da atividade de estudo e os fins das aes de estudo. Essa relao a parte

    indecomponvel do processo de atribuio de sentido pessoal atividade de estudo, que

    revela sua constituio, e ferramenta conceitual para desvelar como tal fenmeno

    ocorre.No captulo VI, apresento a anlise dos dados de pesquisa a partir de trs eixos:

    o contexto da atividade de estudo, o desenvolvimento da atividade de estudo e os

    resultados da atividade de estudo. neste momento que explico como se d o processo

    de atribuio de sentido pessoal atividade de estudo dos estudantes de Educao

    Bsica, tendo como mediao a unidade de anlise elencada, a relao entre os motivos

    da atividade de estudo e os fins das aes de estudo.

    No percurso de produo deste trabalho, das investigaes realizadas para aescrita dos captulos tericos anlise dos dados frutos da investigao emprica, foi

    configurando-se uma tese a ser defendida, que procurei expressar em cada etapa do

    trabalho. A tese , portanto, produto da anlise empreendida tanto das obras tericas

    estudadas como dos dados advindos da pesquisa de campo, articulando a investigao

    bibliogrfica conceitual e a investigao emprica.

    Torna-se necessrio explicitar a tese desde a introduo porque ela deve orientar

    a leitura do trabalho e permite que o leitor acompanhe as snteses que realizei, avaliandosua coerncia e seu percurso de desenvolvimento. Vamos a ela.

    Defendo a tese de que, para que a aprendizagem escolar ocorra, as aes de

    estudo dos estudantes devem ter um sentido pessoal correspondente aos motivos e aos

    significados sociais da atividade de estudo, no sentido da promoo do desenvolvimento

    humano. Dessa forma, no conjunto do trabalho, explico como ocorre o processo de

    atribuio de sentido pessoal atividade de estudo e os limites de formao desta

    atividade na atual organizao do ensino. Aponto, por outro lado, as contradies

    escolares que indicam possibilidades, ainda que incipientes, de formao desta

    atividade.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    20/219

    21

    Nessa perspectiva, como sntese do trabalho, no captulo Snteses: a relao

    singular-particular-universal no processo de atribuio de sentido pessoal atividade de

    estudo, proponho um conjunto de elementos tericos explicativo do processo de

    atribuio de sentido pessoal atividade de estudo em geral. Tal conjunto explicita

    aquilo que preciso compreender para situar a atividade do professor como atividade

    humanizadora, de modo que sua mediao conduza atividade de estudo do estudante

    por meio da atribuio de sentido pessoal.

    Considero, assim, que a tese desvela alguns elementos presentes na atividade de

    estudo que indicam a possibilidade de educao da conscincia e apropriao das

    elaboraes do gnero humano, a despeito da hegemonia das condies alienantes em

    que se encontra a atividade humana. Postulo que a compreenso desses elementos necessria ao professor preocupado com uma organizao do ensino promotora do

    desenvolvimento de seus estudantes no sentido da formao do pensamento terico.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    21/219

    22

    CAPTULO I

    A PSICOLOGIA HISTRICO-CULTURAL:

    Uma concepo de homem e de cincia

    La accin humana, segn surge en el procesohistrico-cultural del comportamiento, es unaaccin libre, esto es, independiente de lasnecesidades directas y de la situacin inmediata

    percibida, es una accin orientada al futuro.(VIGOTSKI & LURIA, em El instrumento y elsigno en el desarrollo del nio, p. 80)

    Neste captulo, apresento a concepo terica que orienta esta tese. Explicito osprincpios terico-metodolgicos da Psicologia Histrico-Cultural, enfocando a

    concepo de homem presente na teoria marxiana e seus desdobramentos a essa

    abordagem da Psicologia.

    Ressalto que, quando me refiro Psicologia Histrico-Cultural, parto do

    entendimento de que esta uma escola iniciada por Lev Sememovich Vigotski9(1896-

    1934) e constituda inicialmente pelo grupo que se conhece por Troika, composto por

    Alexander Romanovich Luria (1902-1977) e Alexei Nikolaievich Leontiev(1903-1979). Luria (1988) analisa o encontro dos trs pesquisadores e sua proposta de

    elaborao de uma nova Psicologia:

    Reconhecendo as habilidades pouco comuns de Vigotskii, Leontiev e euficamos encantados quando se tornou possvel inclu-lo em nosso grupode trabalho, que chamvamos de troika. Com Vigotskii como lderreconhecido, empreendemos uma reviso crtica da histria e da situaoda psicologia na Rssia e no resto do mundo. Nosso propsito,superambicioso como tudo na poca, era criar um novo modo, mais

    abrangente de estudar os processos psicolgicos humanos. (p.22)

    Alm da troika, desde seu princpio, o projeto de construir uma Psicologia

    Histrico-Cultural agregou outros pesquisadores que estudavam diferentes temticas e

    que, ao longo dos anos, distriburam-se em vrias universidades da ex-URSS. So

    integrantes dessa escola, entre outros, Daniil Borisovich Elkonin (1904-1984), Piotr

    Iakovlevich Galperin (1902-1988), Bluma Vulfovna Zeigarnik (1900-1988), Alexander

    9Em portugus, aparecem vrias grafias para Vigotski: Vygotski, Vygotsky, Vigotskii, entre outras. Nocorpo do texto, optei por usar Vigotski, mas, nas referncias, consta a grafia original usada em cadaobra.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    22/219

    23

    Vladimirovich Zaporozhets (1905-1981), Rosa Evgenevna Levina (1909-1989), Nataliia

    Grigorievna Morozova (1906-1989), Lidia Ilinichna Bozhovich (1908-1981), Lia

    Solomonovna Slavina (1906-1986), Vasili Vaslievich Davidov (1930-1998), BorisFedorovich Lomov (1927-1989), Piotr Ivanovich Zinchenko (1903-1969) e Sergey

    Leonidovich Rubinstein (1899-1960). Esses pesquisadores podem ser divididos em

    geraes, em uma periodizao cronolgica e/ou temtica da Psicologia Histrico-

    Cultural10.

    No caso desta tese, as principais referncias tericas so as obras de Vigotski,

    Leontiev, Davidov e Bozhovich, autores que se dedicaram ao estudo da atividade

    humana como unidade central da vida do sujeito concreto.

    Ainda como parte da introduo deste captulo, gostaria de mencionar que seuobjetivo no fazer um compndio da obra de Vigotski, mas apenas levantar os

    elementos que orientam este trabalho, bem como as pesquisas e estudos dos grupos aos

    quais me vinculo, o grupo de estudo do LIEPPE (Laboratrio Interinstitucional de

    Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar)11 e o GEPAPE (Grupo de Estudos e

    Pesquisas sobre a Atividade Pedaggica)12.

    Como sabemos, h muitas obras, nacionais e internacionais, que apresentam um

    panorama da constituio histrica e terica da Psicologia Histrico-Cultural ou dabiografia de seus autores, a partir de diferentes enfoques interpretativos. H, tambm,

    muitos trabalhos que explicam as principais proposies de Vigotski e de seus

    continuadores. Dentre essas snteses, destaco algumas: Beatn (2005); Daniels (1996);

    Freitas (2007); Oliveira (2010); Ratner (1995); Rego (1995); Riviere (1994); Shuare

    (1990); Van der Veer & Valsiner (2001) e Wertsch (1988).

    Dessa forma, tendo em vista os inmeros esforos de sintetizar e sistematizar a

    teoria histrico-cultural, j conhecidos pelos pesquisadores do tema, o objetivo docaptulo modesto: apresentar brevemente os principais aportes da Psicologia

    Histrico-Cultural que orientam esta pesquisa.

    10Como trabalhos que buscaram realizar essas aes, cito Beatn (2005), que faz uma periodizao daobra de Vigotski, destacando quais foram os principais enfoques do autor no decorrer de sua produo, eAlmeida (2008), que, tendo como objeto o estudo da memria, faz uma anlise histrica dos perodos dedesenvolvimento da teoria histrico-cultural.11O Laboratrio est sediado no Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo e coordenado

    pela Prof Dr Marilene Proena Rebello de Souza (IPUSP), minha orientadora, e pela Prof Dr Elenita de

    Rcio Tanamachi (Psicologia/UNESP/Bauru). Sou membro desde 2003.12Sediado na Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (USP) e coordenado pelo Prof Dr.Manuel Oriosvaldo de Moura. Sou membro do grupo desde 2002.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    23/219

    24

    Nessa perspectiva, considero que o ponto de partida para compreender a

    Psicologia Histrico-Cultural entender o mtodo materialista histrico dialtico no

    qual est fundada sua concepo de homem e de cincia. De acordo com Duarte (2001,

    p. 78), para se compreender o pensamento de Vigotski e sua escola indispensvel o

    estudo dos fundamentos filosficos marxistas dessa escola psicolgica.

    Entender Vigotski a partir do mtodo materialista histrico dialtico tem sido a

    proposta do grupo de estudo do LIEPPE, como anuncia a tese a seguir:

    [...] a tese que orienta e organiza o trabalho do grupo prope que omtodo materialismo histrico dialtico o diferencial da teoriahistrico-cultural porque permite explicar a realidade e as

    possibilidades concretamente existentes para a sua transformao,desde que a finalidade seja a superao daquelas condies oucircunstncias particulares de objetivao/apropriao alienada nosentido da humanizao, ou seja, no sentido da constituio dasocialidade dos indivduos. (TANAMACHI, ASBAHR &BERNARDES, 2011, no prelo)

    Feita esta introduo, vamos aos princpios tericos centrais da Psicologia

    Histrico-Cultural.

    1.1.Princpios tericos da Psicologia Histrico-Cultural

    A Psicologia Histrico-Cultural, desde suas primeiras tentativas de formular

    uma nova concepo de psiquismo e cincia psicolgica, buscou na Filosofia,

    especificamente no materialismo histrico dialtico, os marcos metodolgicos para

    desenvolver a investigao cientfica.

    Vigotski (1999), como um grande estudioso da Psicologia e das Cincias

    Humanas de sua poca e impactado com as mudanas sociais produzidas no bojo da

    Revoluo Russa de 1917, analisa as teorias psicolgicas existentes naquele momento.

    No texto O significado histrico da crise da Psicologia uma investigao psicolgica,

    escrito em 1927, o autor investiga as diversas teorias acerca dos fenmenos

    psicolgicos, como a Reflexologia, a Gestalt, a Psicanlise e o Personalismo. Constata

    que essas abordagens tericas no do conta de formular uma teoria geral de Psicologia

    uma Psicologia Geral e tampouco de explicar o psiquismo humano. Defende a tese

    de que a Psicologia est em crise, uma crise metodolgica que s pode ser superada por

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    24/219

    25

    meio de uma metodologia com embasamento na histria. Prope, assim, a construo de

    uma Psicologia de base marxista.

    Mas Vigotski tinha clareza de que a apropriao direta dos conceitos marxistas

    pela cincia psicolgica, sobrepondo conceitos sociolgicos e econmicos aos

    fenmenos psquicos, resultaria em uma compreenso mecnica e reducionista de

    Psicologia. Assim, um de seus mritos foi a apropriao do materialismo histrico

    dialtico como mediao para a formulao da Psicologia Histrico-Cultural e no

    como uma colagem das citaes de Marx na Psicologia. Faz isso de maneira criadora,

    levantando elementos para elaborar uma teoria que permita conhecer o psiquismo

    humano a partir do mtodo marxiano.

    Como decorrncia do materialismo histrico dialtico, Vigotski apropria-se deuma lgica de conhecimento, a lgica dialtica; uma concepo de homem, baseada na

    historicidade e na materialidade; e uma concepo de cincia, preocupada no em

    descrever a realidade, mas em explic-la e transform-la.

    Na teoria de Vigotski, h vrios conceitos-chave, muitos dos quais sero

    expostos no decorrer desta tese. No entrelaamento desses conceitos, o autor constri

    um edifcio harmnico de cincia psicolgica13. Nesse conjunto terico, o eixo que

    organiza e gera os demais conceitos o historicismo (SHUARE, 1990).

    Vigotski introduz o tempo na Psicologia ou, melhor dizendo, aocontrrio, introduz o psiquismo no tempo. Mas, para ele, o tempo no um devir externo que se soma como durao ao curso dosfenmenos por natureza atemporais; o vetor que define a essncia dopsiquismo humano.14(SHUARE, 1990, p. 59, traduo minha, grifosda autora)

    A compreenso do carter histrico do psiquismo pode ser entendida como a

    revoluo fundamental que Vigotski fez na Psicologia. Na investigao do psiquismo

    humano, o ponto de partida a histria social, a histria dos meios pelos quais a

    sociedade desenvolve-se e, nesse processo, desenvolvem-se os homens singulares. A

    proposta vigotskiana , portanto, compreender os fenmenos psicolgicos enquanto

    mediaes entre a histria social e a vida concreta dos indivduos.

    13 Expresso usada por Marta Shuare em palestra proferida na Faculdade de Educao da USP, em

    novembro de 2010.14Original: Vigotski introduce em tiempo en la psicologa o, mejor dicho, al revs, introce la psiquis en eltiempo. Pero para l, el tiempo no es el devenir externo que se adosa como duracin al curso de losfenmenos por naturaleza intemporales; es el vetor que define la esencia de la psiquis humana.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    25/219

    26

    Da historicidade do psiquismo humano desdobram-se outros conceitos

    necessrios construo da psicologia do homem concreto, como denominaVigotski

    (2000). Shuare (1990) aponta alguns deles: o carter material do psiquismo humano, o

    papel da atividade na constituio psquica e o carter mediatizado do psiquismo.

    Vamos a eles.

    Sobre o carter material do psiquismo humano, tal compreenso advm do

    materialismo histrico segundo o qual os modos de produo da vida material

    determinam o conjunto da vida social, poltica e espiritual. Nessa perspectiva, as

    relaes de produo so a base das relaes sociais e determinam a forma e o contedo

    da relao entre os homens. Marx analisa, nesse sentido, a relao entre os modos de

    produo e o processo de constituio da vida humana e afirma que: No aconscincia dos homens que determina o seu ser; ao contrrio, o seu ser social que

    determina a sua conscincia (MARX, 1989c, p. 233).

    Da mesma maneira, para Vigotski, as relaes materiais, sociais e histricas entre

    os homens esto na base da formao do psiquismo humano. Shuare (1990) sintetiza

    essa ideia:

    [...] os fenmenos psquicos, o psiquismo humano, sendo sociais emsua origem, no so algo dado de uma vez para sempre; existe umdesenvolvimento histrico de tais fenmenos, uma relao dedependncia essencial dos mesmos com respeito vida e atividadesocial. O social no condiciona o psquico no sentido de agregar-lhemais uma determinao, superposta ao propriamente psquico (ou aofisiolgico, se considerarmos que o psquico um epifenmeno), masconstitui sua essncia: a histria do psiquismo humano a historiasocial de sua constituio.15(p.61, grifos da autora, traduo minha)

    Ao compreender o carter social e material dos fenmenos psquicos, uma das

    teses defendidas pela Psicologia Histrico-Cultural refere-se ideia de que as

    caractersticas tipicamente humanas no esto presentes desde o nascimento, no so

    biolgicas16 ou inatas. So produto do desenvolvimento cultural do comportamento.

    15Original: [...] los fenmenos psquicos, la psiquis humana, siendo sociales por su origen, no son algodado de una vez para siempre; existe un desarrollo histrico de dichos fenmenos, una relacin dedependencia esencial de los mismos con respecto a la vida y la actividad social. Lo social no condicionalo psquico en el sentido de agregarle una determinacin ms, superpuesta a lo propiamente psquico (o alo fisiolgico, si se considera que lo psquico es un epifenmeno), sino que constituye su esencia: la

    historia de la psiquis humana es la historia social de su constituicin. 16Vigotski e demais autores de sua escola entendem que o crebro a base biolgica do funcionamento

    psquico. O crebro entendido como um rgo de grande plasticidade, como um sistema aberto,constitudo na relao do homem com a cultura, sendo, portanto, um rgo culturalmente moldado.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    26/219

    27

    Essas preocupaes levaram Vigotski a pesquisar as formas superiores de

    comportamento, as funes psicolgicas superiores, e entend-las a partir das relaes

    sociais que o indivduo estabelece com o mundo. Nas palavras do prprio autor (1995):

    [...] a cultura origina formas especiais de conduta, modifica aatividade das funes psicolgicas, edifica novos nveis no sistema docomportamento humano em desenvolvimento. [...] No processo dedesenvolvimento histrico, o homem social modifica os modos e

    procedimentos de sua conduta, transforma suas inclinaes naturais efuncionais, elabora e cria novas formas de comportamentoespecificamente culturais17. (p. 34, traduo minha)

    A apropriao do mundo material pelos homens e sua transformao em rgos

    de sua individualidade, na expresso de Marx e Engels, ocorre por meio da atividade

    humana sobre este mundo. A categoria de atividade humana, vinculada ao conceito

    marxiano de trabalho, categoria central da fundamentao da Psicologia Histrico-

    Cultural. Segundo Leontiev (1978), a passagem vida em sociedade d-se por meio do

    trabalho, que modifica a prpria natureza humana.

    O trabalho entendido, segundo Marx (1983a), como atividade adequada a um

    fim, o que fundamentalmente nos faz humanos. o primado ontolgico para a

    compreenso da humanizao do homem, ou, em outras palavras, a condio universal

    para que o homem torne-se humano. Recorrendo a Marx:

    [...] o trabalho um processo entre o homem e a Natureza, umprocesso em que o homem, por sua prpria ao, media [sic], regula econtrola seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defrontacom a matria natural como uma fora natural. Ele pe em movimentoas foras naturais pertencentes sua corporalidade, braos e pernas,cabea e mo, a fim de apropriar-se da matria natural numa forma

    til para sua vida. Ao atuar, por meio desse movimento sobre aNatureza externa a ele e ao modific-la, ele modifica, ao mesmotempo sua prpria natureza. (MARX, 1983a, p. 149)

    A categoria marxiana de trabalho assumida pela Psicologia Histrico-Cultural

    como categoria explicativa do psiquismo humano e ampliada para o conceito de

    atividade. Desde as primeiras proposies de Vigotski, a atividade aparece como

    17Original: [...] la cultura origina formas especiales de conducta, modifica la actividad de las funciones

    psquicas, edifica nuevos niveles en el sistema del comportamiento humano en desarrollo. [...] En elproceso del desarrollo histrico, el hombre social modifica los modos y procedimientos de su conducta,transforma sus inclinaciones naturales y funciones, elabora y crea nuevas formas de comportamientoespecficamente culturales.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    27/219

    28

    princpio explicativo da conscincia e das funes psicolgicas superiores.

    A origem deste conceito pode ser encontrada nos primeiros escritos de

    Lev Vygotsky (1896-1934), que sugeriu que a atividade (Ttigkeit)socialmente significativa pode servir como princpio explanatrio emrelao conscincia humana e ser considerado como um gerador deconscincia humana. (KOZULIN, 1996, p. 111)

    Leontiev, posteriormente, ir aprofundar a explicao da relao entre atividade

    e conscincia, postulando que formam uma unidade dialtica do psiquismo humano.

    Leontiev (1988) sintetiza o conceito de atividade:

    No chamamos todos os processos de atividade. Por esse termodesignamos apenas aqueles processos que, realizando as relaes dohomem com o mundo, satisfazem uma necessidade especialcorrespondente a ele. [...] Por atividade, designamos os processos

    psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como umtodo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo queestimula o sujeito a executar esta atividade, isto , o motivo. (p.68)

    Ao considerar a atividade como princpio explicativo do psiquismo, importante

    estar atento a duas dimenses: a atividade como condio universal de humanizao e a

    atividade desenvolvida em nossa sociedade capitalista, ou seja, como uma

    particularidade. Na sociedade de classes, caracterizada pela propriedade privada dos

    meios de produo e pela separao entre trabalho intelectual e manual, a atividade

    humana no necessariamente humanizadora. Ao contrrio, o trabalho deixa de ser a

    atividade mediadora que forma a essncia do humano no homem e passa a ser uma

    atividade que esvazia o ser do homem (OLIVEIRA, 2006, p.13).

    Marx (1989a), nos Manuscritos econmico-filosficos, analisa a alienao do

    trabalho, apontando trs dimenses desse processo: a) a relao do trabalhador com osprodutos de seu trabalho, que no lhe pertencem; b) a relao com o prprio processo de

    trabalho, que no dirigido ou controlado pelo trabalhador e, portanto, torna-se alheio a

    ele; c) a relao do homem com o gnero humano, em que no se apropria (ou se

    apropria limitadamente) dos instrumentos culturais produzidos ao longo da histria do

    gnero humano.

    No entanto, essencial considerar que a alienao no um trao ontolgico do

    ser do homem, como a sociedade burguesa faz crer, e, portanto, no um processoineliminvel da constituio do homem. A alienao constitutiva de um momento

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    28/219

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    29/219

    30

    desprendem-se, em primeiro lugar, distintas especiais atividadessegundo o motivo que as impele; depois se desprendem as aes

    processos subordinados a objetivos conscientes; e, finalmente, asoperaes que dependem diretamente das condies para o sucesso do

    objetivo concreto dado.

    20

    (LEONTIEV, 1983, p.89, traduo minha)

    Como vimos, a apropriao do mundo social pelos indivduos ocorre por meio da

    atividade. Mas esta relao do homem com o mundo no uma relao direta, como a

    relao dos animais com a natureza. A atividade humana, social por natureza, sempre

    atividade mediada pelos objetos criados pelos homens. Daqui se depreende outra

    concepo central da Psicologia Histrico-Cultural: o carter mediatizado do psiquismo

    humano.

    Diferentemente da relao entre os animais e a natureza, que , via de regra, uma

    relao imediata entre estmulos e respostas ou produzida por reaes instintivas, a

    atividade humana supera definitivamente o carter imediato do psiquismo, pois

    mediada por instrumentos psicolgicos.

    Vigotski (1995), inclusive, faz severas crticas s abordagens psicolgicas de seu

    tempo que estudavam o psiquismo humano da mesma forma que o comportamento

    animal, reduzindo-o a funes elementares, biolgicas. Segundo o autor, esse tipo de

    Psicologia no consegue explicar as diferenas entre os processos orgnicos e culturaisdo desenvolvimento humano. Para que a Psicologia possa sair do campo biolgico de

    estudos, deve investigar aquilo que especificamente humano, ou seja, as funes

    psicolgicas superiores, que so aquelas funes mediatizadas, produzidas na relao

    histrica do homem com a cultura. As funes psicolgicas superiores so, assim,

    objeto de estudo da Psicologia Histrico-Cultural. Vigotski (1995) explica o que so

    essas funes:

    O conceito de desenvolvimento das funes psquicas superiores e oobjeto de nosso estudo abarcam dois grupos de fenmenos que,

    primeira vista, parecem completamente heterogneos, mas que, defato, so dois braos fundamentais, duas causas de desenvolvimentodas formas superiores de conduta, que jamais se fundem entre si,ainda que estejam indissoluvelmente unidas. Trata-se, em primeirolugar, de processos de domnio dos meios externos do

    20Original: [...] del flujo general de la actividad que forma la vida humana en sus manifestaciones superiores

    mediadas por el reflejo psquico, se desprenden en primer trmino, distintas especiales actividades segn elmotivo que las impela; despus se desprenden las acciones procesos suborninados a objetivos conscientes;y finalmente, las operaciones que dependen directamente de las condiciones para el logro del objetivo concretodado.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    30/219

    31

    desenvolvimento cultural e do pensamento: a linguagem, a escrita, oclculo, o desenho; e, num segundo momento, dos processos dedesenvolvimento das funes psquicas superiores especiais, nolimitadas nem determinadas com exatido, que, na psicologiatradicional, denominam-se ateno voluntria, memria lgica,formao de conceitos etc. Tanto uns como outros, tomados emconjunto, formam o que qualificamos convencionalmente como

    processos de desenvolvimento das formas superiores de conduta dacriana.21(p. 29, traduo minha)

    Os principais elementos mediadores da atividade so os instrumentos e os

    signos. O instrumento o meio que o homem utiliza para transformar o mundo externo.

    Condensa materialmente e culturalmente as operaes sobre a natureza, visando

    aprimorar e otimizar o trabalho humano. O homem, mediado pelo uso do instrumento,

    transforma o objeto da atividade: "(...) ele (o instrumento) orientado externamente;

    deve necessariamente levar a mudanas nos objetos. Constitui um meio pelo qual a

    atividade humana externa dirigida para o controle e domnio da natureza"

    (VIGOTSKI, 1988b, p.62).

    Os signos, embora anlogos aos instrumentos, so um tipo de mediao especial,

    pois no modificam o objeto da operao psicolgica, pois so orientados internamente.

    Sua funo essencial dirigir, controlar a atividade interna do homem, sendo, portanto,

    um meio da atividade interna dirigido para o controle do prprio indivduo. Vigotski

    resume a funo do signo:

    Chamamos signos os estmulos-meios artificiais introduzidos pelohomem na situao psicolgica que cumprem a funo deautoestimulao; outorgando a este termo um sentido mais amplo e,ao mesmo tempo, mais exato do que se d habitualmente a essa

    palavra. De acordo com nossa definio, todo estmulo condicionalcriado pelo homem artificialmente e que se utiliza como meio para

    dominar a conduta prpria ou alheia um signo. Dois momentos,

    21 Original: El concepto de desarrollo de las funciones psquicas superiores y el objeto de nuestroestudio abarcan dos grupos de fenmenos que a primera vista parecen completamente heterogneos peroque de hecho son dos ramas fundamentales, dos cauces de desarrollo de las formas superiores deconducta que jams se funden entre s aunque estn indisolublemente unidas. Se trata, en primer lugar, de

    procesos de dominio de los medios externos del desarrollo cultural y del pensamiento: el lenguaje, laescritura, el clculo, el dibujo; y, en segundo, de los procesos de desarrollo de las funciones psquicas

    superiores especiales, no limitadas ni determinadas con exactitud, que en la psicologa tradicional sedenominan atencin voluntaria, memoria lgica, formacin de conceptos, etc. Tanto unos como otros,tomados en conjunto, forman lo que calificamos convencionalmente como procesos de desarrollo de lasformas superiores de conducta del nio.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    31/219

    32

    portanto, so essenciais para o conceito de signo: sua origem efuno.22(VIGOTSKI, 1995, p.83, traduo minha).

    Shuare (1990) sintetiza as semelhanas e diferenas entre instrumentos e signos:

    A diferena fundamental que o instrumento est dirigido a provocaruma ou outra modificao no objeto da atividade, o meio daatividade externa do homem destinada a conquistar a natureza. Osigno no modifica nada no objeto da ao psicolgica; o meio daao psicolgica sobre o comportamento, est dirigido internamente.Por ltimo, ambos esto unidos na filo - e na ontognese. O domnioda natureza e o domnio de si mesmo esto mutuamente unidos,enquanto a transformao da natureza modifica a prpria natureza dohomem. Assim como o emprego de instrumentos marca o incio do

    gnero humano, na ontognese, o primeiro signo assinala que o sujeitosaiu dos limites do sistema orgnico da atividade.23 (p.64, traduominha)

    A constituio das funes psicolgicas superiores caracteriza-se por ser

    mediatizada pelo signo. A linguagem tem um papel primordial na formao dessas

    funes na medida em que o sistema de signos mediatizador por excelncia, pois

    atravs dela que os indivduos organizam, transmitem e apropriam-se das experincias

    individuais e coletivas.

    Por meio da atividade mediada, os seres humanos apropriam-se das formas de

    comportamento e dos conhecimentos historicamente acumulados. Vigotski ir

    investigar, assim, como se d a passagem das aes realizadas no plano social para as

    aes realizadas no plano psquico. Chama a esse processo de internalizao, que a lei

    geral de formao das funes psicolgicas superiores.

    Segundo Vigotski & Luria (2007), todas as atividades simblicas da criana

    foram, anteriormente, formas sociais de cooperao, pois a criana no se relaciona

    22 Original: Llamamos signos a los estmulos-medios artificiales introducidos por el hombre en lasituacin psicolgica, que cumplen la funcin de autoestimulacin; adjudicando a este trmino un sentidoms amplio y, al mismo tiempo, ms exacto del que se da habitualmente a esa palabra. De acuerdo connuestra definicin, todo estmulo condicional creado por el hombre artificialmente y que se utiliza comomedio para dominar la conducta propia o ajena es un signo. Dos momentos, por lo tanto, sonesenciales para el concepto de signo: su origen y funcin.23 Original: La diferencia fundamental es que el instrumento est dirigido a provocar unas u otrasmodificaciones en el objecto de la actividad, es el medio de la actividad externa del hombre destinada aconquistar la naturaleza. El signo no cambia nada en el objecto de la accin psicolgica; es el medio de laaccin psicolgica sobre el comportamiento, est dirigido hacia adentro. Por ltimo, ambos estn unidos

    en la filo - y en la ontognesis. El dominio de la naturaleza y el dominio de s mismo estn mutuamenteenlazados, por cuanto la transformacin de la naturaleza cambia la propia naturaleza del hombre. Ascomo el empleo de instrumentos marca el inicio del gnero humano, el la ontognesis el primer uso delsigno senla que el sujeto ha salido de los lmites del sistema orgnico de la actividad.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    32/219

    33

    diretamente com o mundo social seno atravs de outra pessoa. Ou seja, toda funo

    psicolgica superior , primeiramente, resultado da relao entre as pessoas para depois

    ser interiorizada, como resultado da ao do prprio indivduo, transformando-se em um

    instrumento regulador do comportamento.

    Todas as funes psicointelectuais superiores aparecem duas vezes nodecurso do desenvolvimento da criana: a primeira vez, nas atividadescoletivas, nas atividades sociais, ou seja, como funes interpsquicas;a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do

    pensamento da criana, ou seja, como funes intrapsquicas.(VIGOTSKI, 1988a, p.114)

    O processo de internalizao no consiste na simples passagem do mundo

    externo para o mundo interno, mas implica na transformao estrutural da relao do

    homem com o mundo, implica na constituio das funes psicolgicas superiores, o

    salto qualitativo que o psiquismo do homem d em relao psicologia do animal.

    Dessa forma, as funes psicolgicas superiores surgem como neoformaes

    especficas ligadas internamente ao desenvolvimento da atividade simblica na criana.

    Com a definio das funes psicolgicas superiores como objeto de estudo da

    Psicologia e com a explicao da lei geral de sua formao, Vigotski expressa, de forma

    contundente, o carter histrico e material do psiquismo e demonstra a coerncia de sua

    construo terica. Temos aqui a proposio de uma Psicologia que estuda os

    fenmenos verdadeiramente humanos, umapsicologia concreta do homem.

    So os fundamentos apresentados no presente captulo que orientam esta tese.

    Tais fundamentos, nos prximos captulos, sero explicitados nos temas especficos

    desta investigao: a relao desenvolvimento e aprendizagem e a periodizao do

    desenvolvimento infantil; a atividade de estudo como atividade principal da criana em

    idade escolar; a relao significado social e sentido pessoal na constituio daconscincia humana, especialmente na formao da atividade de estudo; o mtodo

    materialista histrico dialtico e seu movimento de apropriao e exposio no que diz

    respeito a esta tese; finalmente, a anlise do processo de atribuio de sentido pessoal

    atividade de estudo.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    33/219

    34

    1.2. Uma breve incurso sobre uma polmica no interior da Psicologia Histrico-

    Cultural

    Como mencionei anteriormente, as principais referncias tericas desta tese so as

    obras de Vigotski, Leontiev, Davidov e Bozhovich, autores que se dedicaram ao estudo

    da atividade humana como unidade central da vida do sujeito concreto. Em minha

    anlise, esses autores, embora apresentem diferenas tericas, fazem parte da mesma

    escola de Psicologia.

    A despeito da defesa que fao em relao existncia de uma escola

    denominada Psicologia Histrico-Cultural abarcando os autores acima citados, no

    posso deixar de mencionar a existncia de uma polmica em seu interior referente continuidade ou no entre as proposies de Vigotski e Leontiev, ou, mais

    especificamente, entre a Psicologia Histrico-Cultural e a teoria da atividade24. Ainda

    que no seja objetivo desta tese discutir essa polmica, entendo ser necessrio

    posicionar-me para que o leitor oriente-se quanto ao modo de utilizao das obras

    desses autores como minhas referncias.

    Entre os atuais intrpretes da Psicologia Histrico-Cultural, h aqueles que

    entendem existir uma descontinuidade ou ruptura entre os dois autores. Na avaliaodesses pesquisadores, a teoria da atividade no a continuidade mais leal aos

    pressupostos vigotskianos (BLANK, 2003; PEREDA, 2010; TOOMELA, 2000; e

    outros).

    Outros pesquisadores contemporneos que estudam a Psicologia Histrico-

    Cultural avaliam que as proposies de Leontiev so uma continuidade da obra de

    Vigotski (DUARTE, 2003; GOLDER, 2004; ZINCKENKO, 2006; entre outros). Para

    eles, h formulaes na obra de Leontiev que aperfeioam a de Vigotski, como, porexemplo, a anlise da relao dialtica entre a estrutura da atividade e da conscincia e

    o fenmeno da alienao. Duarte (2003) defende, inclusive, que as tentativas de separar

    os autores fazem parte da estratgia ideolgica de distanciamento da teoria vigotskiana

    do marxismo. Segundo Duarte, as proposies de Leontiev so herdeiras das

    concepes vigotskianas e podem ser consideradas um desdobramento do projeto de

    24Blank (2003) postula que no h trabalhos conjuntos de Vigotski e Leontiev. Afirma, tambm, que

    Leontiev distanciou-se teoricamente de Vigotski no perodo stalinista. Em Duarte (2003) e Tunes &Prestes (2009), h uma anlise dessa polmica. No primeiro artigo, Duarte examina as interpretaesatuais da teoria da atividade e, no segundo, Tunes & Prestes resgatam documentos pessoais, como cartasentre Leontiev e Vigotski, que ilustram a problemtica.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    34/219

    35

    construo de uma Psicologia Histrico-Cultural, fundamentada na filosofia marxista.

    Duarte (2003) destaca a relao entre a estrutura objetiva da atividade e a estrutura

    subjetiva da conscincia como questo central da obra leontieviana e aponta alguns dos

    avanos que a anlise dessa relao produziu:

    Entre as vrias e decisivas implicaes da anlise que Leontiev fazdessa relao, destaco duas: em primeiro lugar, o avano no campo dateoria marxista no que se refere s complexas relaes entre indivduoe sociedade; em segundo lugar, mas com igual grau de importncia, oenriquecimento dos instrumentos metodolgicos de anlise dos

    processos de alienao produzidos pelas atividades que do o sentido(ou o sem-sentido) da vida dos seres humanos na sociedadecapitalista. (p.284)

    Em minha anlise terica das obras de Vigotski e Leontiev, avalio que h

    continuidade entre suas proposies e esta a posio terica assumida na tese. Entendo

    que h diferenas entre os autores e que, em Vigotski, o mtodo de Marx apropriado

    com criatividade desde a escolha das questes de pesquisa at a sua forma de escrita.

    Em Leontiev, qui pelo momento histrico vivido25, o mtodo aparece de forma mais

    dogmtica em termos de linguagem. Por outro lado, o autor aprofunda questes que

    foram apenas anunciadas por Vigotski, como a conscincia e a alienao.Dessa forma, o que me faz afirmar a existncia de uma continuidade entre eles,

    sem negar as diferenas mencionadas, o fato de que ambos partem da mesma

    concepo de homem e de cincia e especificamente de Psicologia orientando suas

    pesquisas fundamentados no materialismo histrico dialtico como referncia

    ontolgica e epistemolgica.

    Quanto s diferenas entre os autores, Zinckenko aponta:

    A principal diferena consiste em que, para a primeira (a PsicologiaHistrico-Cultural), o problema central era e continua sendo amediao do psiquismo e a conscincia, enquanto que, para a teoria daatividade, o importante a orientao ao objeto, tanto na atividade

    psicolgica interna como na externa. Sem dvida, na teoria daatividade, tambm aparece o tema da mediao, mas enquanto que,

    para Vygotski, a conscincia estava mediada pela cultura, paraLeontiev, o psiquismo e a conscincia estavam mediados pelos

    25Refiro-me ao perodo stalinista. Almeida (2008) faz uma anlise do impacto do stalinismo PsicologiaHistrico-Cultural. Em Golder (2004), h um texto intitulado Crtica a Leontiev: em prol de uma firmeadeso ao bolchevismo em questes de psicologia, escrito na poca, em que se classifica o trabalho deLeontiev como contrarrevolucionrio.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    35/219

    36

    instrumentos e objetos.26 (ZINCKENKO, 2006, p. 38, traduominha)

    Embora existam distines tericas, Zinckenko (2006) esclarece que no

    podemos falar de duas escolas psicolgicas, mas apenas de duas tendncias

    investigativas:

    [...] chegou o momento de tomar conscincia de que atualmente nosenfrentamos com dois paradigmas cientficos: a Psicologia Histrico-Cultural e a teoria psicolgica da atividade. tambm o momento detomar conscincia de que estamos falando de duas tendncias deinvestigao, e no de duas escolas.[...] Os paradigmas existem, masconsiderar a existncia de duas escolas separadas hoje em dia pode ser

    inadequadamente otimista.27(p. 37, grifos meus)

    No cabe a este trabalho fazer uma anlise aprofundada desta polmica, o que

    requer estudos histricos, biogrficos e tericos sobre o tema. Minha inteno com esta

    pequena reflexo foi apresentar meu posicionamento, explicitando a relao que

    estabeleo entre esses dois autores ao longo da tese.

    26 Original: La principal diferencia estriba en que para la primera (la psicologia histrico-cultural) elproblema central era y contina siendo la mediacin de la psique y la conciencia, mientras que para lateoria de la actividad lo importante es la orientacin al objeto, tanto en la actividad psicolgica internacomo en la externa. Por supuesto, en la teoria de la actividad tambin aparece el tema de la mediacin,

    pero mientras que para Vygotski la conciencia estaba mediada por la cultura, para Leontiev la psique y laconciencia estaba mediada por instrumentos y objetos.27Original: [...] ha llegado el momento de tomar conciencia de que actualmente nos enfrentamos a dos

    paradigmas cientficos: la Psicologia Histrico-Cultural y la teoria psicolgica de la actividad. Es tambinel momento de tomar conciencia que estamos hablando de dos tendencias de investigacin, y no de dosescuelas. [...] Los paradigmas existen, pero considerar la existencia de escuelas separadas hoy en dia

    puede resultar inadecuadamente optimista.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    36/219

    37

    CAPTULO II

    A CRIANA EM DESENVOLVIMENTO:

    A RELAO ENTRE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEMNA PSICOLOGIA HISTRICO-CULTURAL

    Relembro a ingenuidade que h muitos anos mefez sonhar em ser bilogo, essa vontade de levar omundo ao colo ante um cenrio em chamas. Hoje a

    pergunta com que nos confrontamos simples:estamos ns realmente salvando o mundo? No me

    parece que a resposta possa ser aquela quegostaramos. O mundo s pode ser outro, se esse

    mundo nascer em ns e nos fizer nascer nele. (MiaCouto, emPensatempos)

    Muitas so as teorias que explicam (ou buscam explicar) o desenvolvimento

    humano, especialmente o desenvolvimento infantil. Inclusive professores em formao

    inicial, nos cursos de Pedagogia e nas diversas licenciaturas, normalmente tm em suas

    grades curriculares a disciplina Psicologia do Desenvolvimento ou Psicologia da

    Educao, cujo objetivo apresentar, em linhas gerais, as principais teorias psicolgicas

    do desenvolvimento. A finalidade dessas disciplinas seria instrumentalizar o futuroprofessor quanto constituio do desenvolvimento humano nas suas dimenses

    cognitivas e afetivas mediadas por processos pedaggicos. Entende-se que, ao conhecer

    o processo de desenvolvimento, o professor poderia adequar melhor suas propostas de

    contedo e metodologias de aula.

    O grande problema dessas disciplinas que, de forma geral, o estudo das

    diversas teorias atm-se anlise de um indivduo abstrato, distante da realidade

    encontrada por nossos professores. Mas a questo no simplesmente a organizaodessas disciplinas, mas sim, principalmente, a natureza do conhecimento sobre o

    desenvolvimento humano presente nessas teorias. Ou seja, pautam-se em concepes

    maturacionistas ou ambientalistas, que no s no auxiliam na compreenso do

    desenvolvimento infantil como ainda atrapalham o professor na compreenso da

    produo do fracasso escolar e dos resultados educacionais. comum, por exemplo,

    escutarmos professores dizendo que determinado aluno no aprende porque no tem

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    37/219

    38

    maturidade, atribuindo-lhe expresses como: idade mental inferior cronolgica;

    limtrofe; infantil; imaturo; "bobinho28.

    Tais explicaes expressam uma profunda biologizao da sociedade e da

    educao, que reduz ao aparato biolgico do indivduo a explicao de problemas

    advindos da situao social e educacional, culpabilizando a vtima pelo seu prprio

    fracasso. Ao dizer que determinado aluno infantil ou imaturo, o professor remete a

    teorias do desenvolvimento infantil estudadas durante seu curso de formao que

    retratam o desenvolvimento humano como algo maturacional, linear, determinstico. E

    mesmo sem ter estudado profundamente tais teorias, so estas que embasam o trabalho

    docente. Sendo assim, apenas cabe ao professor esperar que seu aluno amadurea ou

    que seja estimulado adequadamente pela famlia.No objetivo deste captulo analisar profundamente essas teorias do

    desenvolvimento humano, mas sim buscar uma compreenso que supere tais

    concepes biologizantes. Vigotski e seus continuadores buscaram justamente

    compreender o desenvolvimento humano em sua constituio histrica, cultural e

    social, ou seja, buscaram analisar o desenvolvimento da criana em sua concretude.

    Nesse percurso, o autor no s analisou tais teorias, como tambm as criticou,

    principalmente no que se refere s suas implicaes pedaggicas. Alm disso, props,em suas obras, outra compreenso da relao entre desenvolvimento e aprendizagem

    que redimensiona o papel da escola na promoo do desenvolvimento infantil.

    2.1. A concepo histrico-cultural sobre desenvolvimento e aprendizagem

    Vigotski (1988a) divide as teorias que explicam a relao entre desenvolvimento

    e aprendizagem em trs categorias fundamentais.A primeira categoria parte do pressuposto da independncia entre os processos

    de aprendizagem e desenvolvimento. Segundo tal concepo, a aprendizagem utiliza

    os resultados do desenvolvimento, em vez de se adiantar ao seu curso e de mudar sua

    direo (p.103). Vigotski chama a ateno para o quanto as investigaes conduzidas

    por pesquisadores desse grupo terico, do qual Piaget o principal representante,

    desconsideram a escola como local privilegiado de desenvolvimento infantil, pois

    partem do pressuposto de que o processo de desenvolvimento independente do que a

    28Frases extradas de ASBAHR & LOPES (2006).

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    38/219

    39

    criana aprende na escola. Dessa forma, busca-se compreender o desenvolvimento

    infantil de forma pura, independente dos conhecimentos, da experincia e da cultura da

    criana.

    Segundo tais teorias, a escola s pode fazer seu trabalho depois que a criana

    atingir determinado nvel de maturao:

    O desenvolvimento deve atingir uma determinada etapa, com aconsequente maturao de determinadas funes, antes de a escolafazer a criana adquirir determinados conhecimentos e hbitos. Ocurso do desenvolvimento precede sempre o da aprendizagem. Aaprendizagem segue o desenvolvimento. Semelhante concepo no

    permite sequer colocar o problema do papel que podem desempenhar,

    no desenvolvimento, a aprendizagem e a maturao das funesativadas no curso da aprendizagem. O desenvolvimento e a maturaodestas funes representam um pressuposto e no um resultado daaprendizagem. (VIGOTSKI, 1988a, p. 104, grifos meus)

    O segundo grupo terico afirma, por outro lado, que aprendizagem

    desenvolvimento. Segundo Vigotski, esse grupo parece ser, num primeiro momento,

    mais avanado que o primeiro, ao qual faz oposio. Mas uma anlise mais profunda

    deste grupo terico demonstra que as duas concepes tm muito em comum. Para tal

    concepo, da qual James um dos representantes, o indivduo compreendidosimplesmente como um conjunto vivo de hbitos e o desenvolvimento reduzido a

    uma simples acumulao de reaes (p.105). Um dos pressupostos centrais desse

    grupo terico considerar as leis do desenvolvimento como leis naturais que o ensino

    deve dar conta (p.105) e nesse aspecto que se assemelha ao primeiro grupo.

    Diferencia-se por partir de uma total identificao do processo de desenvolvimento e

    aprendizagem, no os distinguindo. Tal concepo pode ser identificada como

    ambientalista e autores como Watson e Skinner posteriormente iro aprofund-la.Sobre a compreenso ambientalista, Vigotski (1996) destaca as solues

    equivocadas que vm sendo dadas questo do papel do meio no processo de

    desenvolvimento. Segundo o autor, de forma geral, o meio considerado como algo

    externo criana, como uma circunstncia do desenvolvimento que influencia o

    desenvolvimento infantil. Dessa forma, ele compreendido apenas em sua dimenso

    biolgica: No se pode aplicar teoria do desenvolvimento infantil a mesma

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    39/219

    40

    concepo de meio que se formou na biologia no que diz respeito evoluo das

    espcies animais29(p.264, traduo minha).

    O terceiro grupo terico busca conciliar as concepes apresentadas

    anteriormente, fazendo com que coexistam. Trata-se de uma concepo dualista de

    desenvolvimento, que considera a existncia, por um lado, do processo de maturao

    que depende do desenvolvimento neurolgico e, por outro, da aprendizagem

    considerada em si mesma como processo de desenvolvimento. Koffka um dos

    representantes desse grupo. Vigotski (1988a) resume as novidades dessa teoria em trs

    pontos: conciliam-se dois pontos de vista antes considerados contraditrios; considera-

    se a questo da interdependncia de dois processos fundamentais; amplia-se o papel da

    aprendizagem no desenvolvimento infantil. Porm, para Koffka, o desenvolvimentocontinua expressando um mbito mais amplo do que a aprendizagem:

    A relao entre ambos os processos pode representar-seesquematicamente por meio de dois crculos concntricos; o pequenorepresenta o processo de aprendizagem e o maior, o dodesenvolvimento, que se estende para alm da aprendizagem.(VIGOTSKI, 1988a, p.109)

    Vigotski procura uma nova soluo para o problema da relao desenvolvimentoe aprendizagem que supere as concepes maturacionistas e ambientalistas presentes

    nas teorias analisadas.

    O primeiro aspecto a ser realado da concepo de desenvolvimento da

    Psicologia Histrico-Cultural a compreenso de que a criana no um adulto em

    miniatura30. H uma constituio infantil especfica, tanto fsica como psicolgica, que

    diferencia adultos e crianas no apenas quantitativamente, mas principalmente

    qualitativamente. Alm disso, o desenvolvimento infantil no linear, causado poracumulaes sucessivas. H metamorfoses, revolues radicais no processo de

    desenvolvimento pelas quais passa a criana, que iro garantir sua passagem de ser

    biolgico para ser cultural. Essas metamorfoses no so produzidas biologicamente pelo

    curso natural do desenvolvimento, mas sim pela insero da criana no mundo

    histrico-cultural:

    29Original: No se puede aplicar a la teoria del desarrollo infantil la misma concepcin del mdio que se

    ha formado en la biologia respecto a la evolucin de las especies animales.30Deve-se ressaltar que a compreenso de que a criana no um adulto em miniatura no est presenteapenas em Vigotski e no foi uma criao sua. Tal concepo est presente em teorias dodesenvolvimento anteriores Psicologia Histrico-Cultural.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    40/219

    41

    Uma vez integrada num ambiente adequado, a criana sofre rpidastransformaes e alteraes: esse um processo surpreendentementerpido, porque o ambiente sociocultural pr-existente estimula na

    criana as formas necessrias de adaptao, h muito tempo criadasnos adultos que a rodeiam. (VIGOTSKI & LURIA, 1993, p.180)

    Quando dizemos que a criana no est madura, realizamos uma comparaocom

    o adulto e tomamos o desenvolvimento deste como parmetro, esquecendo-nos das

    diferenas qualitativas entre o desenvolvimento infantil e adulto, e focando-nos apenas

    nas diferenas quantitativas.

    Vigotski, em sua obra, utiliza vrias vezes o termo maturao do

    desenvolvimento, mas, para ele, o desenvolvimento cultural sobrepe-se aos processos

    de crescimento e de maturao orgnica.

    Ao estudar o desenvolvimento cultural do homem, o autor no nega a

    permanncia e importncia das funes naturais (ou elementares) no desenvolvimento

    humano, mas afirma que no so essas funes que explicam a complexidade das

    funes especificamente humanas.

    A tese fundamental, que conseguimos estabelecer ao analisar asfunes psquicas superiores, o reconhecimento da base natural dasformas culturais de comportamento. A cultura no cria nada, apenasmodifica as atitudes naturais em concordncia com os objetivos dohomem. (1995, p. 152, traduo minha)31

    Para esta perspectiva terica, a Psicologia enquanto cincia precisa sair do

    cativeiro da biologia e passar ao terreno da Psicologia histrica humana (VIGOTSKI,

    1995, p.132). Portanto, a maturao, compreendida como maturao biolgica, no nos

    ajuda a compreender e a explicar o desenvolvimento humano. Para o autor, a gnese dasfunes psicolgicas superiores o que interessa Psicologia humana.

    Nesse sentido, deve-se ressaltar que o desenvolvimento das funes psicolgicas

    superiores ocorre a partir de mediaes culturais. No caso das discusses sobre a

    produo do fracasso escolar, tal compreenso desloca o foco das dificuldades da

    31 Original: La tesis fundamental, que conseguimos establecer al analizar las funciones psquicassuperiores, es el reconecimento de la base natural de las formas culturales del comportamiento. La culturano crea nada, tan slo modifica las aptitudes naturales en concordancia con los objetivos del hombre.(2001, p. 152)

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    41/219

    42

    aprendizagem do nvel individual para o social e coloca o problema da qualidade das

    mediaes culturais presentes na vida da criana (FACCI, EIDT & TULESKI, 2006).

    Verifica-se que as causas do atraso mental no podem ser explicadassomente a partir de anamneses, entrevistas e testagens psicomtricas,ou seja, com instrumentos que buscam as causas do no aprender nacriana e em sua famlia, mas essa anlise deve ser ampliada para aatividade de ensino e de aprendizagem, especialmente no que se refere qualidade do contedo ministrado, relao professor-aluno, metodologia de ensino, adequao de currculo, ao sistema deavaliao adotado, em suma, ao acesso da criana ao mundo dosinstrumentos e signos culturais. (p. 111)

    Nessa perspectiva, a escola tem papel central no desenvolvimento de seus

    estudantes, na medida em que cria condies para que se apropriem dos conhecimentosacumulados pela humanidade atravs de mediaes culturais planejadas e intencionais.

    Cabe educao escolar ampliar o desenvolvimento do estudante, ou seja, a escola, a

    partir da organizao adequada do ensino, pode produzir desenvolvimento. Segundo

    Vigotski, "o nico bom ensino o que se adianta ao desenvolvimento" (1988a, p.

    114, grifos meus).

    Assim, os contedos escolares devem ser organizados de maneira a formar na

    criana aquilo que ainda no est formado, elevando-a a nveis superiores dedesenvolvimento. Cabe ao ensino orientado produzir na criana neoformaes

    psquicas, isto , produzir novas necessidades e motivos que iro paulatinamente

    modificando a atividade principal dos alunos e reestruturando os processos psquicos

    particulares (DAVIDOV, 1988).

    Tal concepo de desenvolvimento reconfigura o papel da maturao no

    processo de aprendizagem e d educao escolar um papel central no

    desenvolvimento das funes psicolgicas superiores. Num sentido oposto ao que

    vemos nas teorias analisadas por Vigotski, no cabe escola esperar que a criana

    amadurea. Ao contrrio, seu dever criar condies para que a maturao efetive-se.

    Nessa perspectiva, tem fundamental importncia o conceito de Zona de

    Desenvolvimento Prximo32. Vigotski divide o desenvolvimento humano em dois

    nveis: o Nvel de Desenvolvimento Real33e a Zona de Desenvolvimento Prximo. O

    primeiro nvel refere-se ao desenvolvimento das funes psicolgicas da criana que j

    se realizou, ou seja, s capacidades intelectuais consolidadas pela criana. Nesse nvel,

    32Zona de Desenvolvimento Proximal ou Zona de Desenvolvimento Potencial em algumas tradues.33Ou Nvel de Desenvolvimento Efetivo.

  • 8/13/2019 Asbahr Flavia - Por Que Aprender Isso Professora

    42/219

    43

    esto as tarefas e problemas que a criana consegue realizar sozinha, sem a ajuda de

    outras pessoas.

    Se ingenuamente perguntarmos o que nvel de desenvolvimento real,ou, formulando de forma mais simples, o que revela a soluo de

    problemas pela criana de forma mais independente, a resposta maiscomum seria que o nvel de desenvolvimento real de uma crianadefine funes que j amadureceram, ou seja, os produtos finais dodesenvolvimento. (VIGOTSKI, 1988b, p.97)

    Mas esse nvel no suficiente para compreender a dinmica do

    desenvolvimento. Vigotski demonstra que, em pesquisas com crianas de mesmo Nvel

    de Desenvolvimento Real, varia enormemente o nvel de desenvolvimento quando a

    criana orientada ou ajudada por um adulto ou criana mais experiente, ou ainda

    quando imita colegas mais velhos. Essa diferena de desempenho na mesma tarefa, sem

    e com ajuda, Vigotski nomeou de Zona de Desenvolvimento Prximo. Esse nvel de

    desenvolvimento refere-se s funes psicolgicas que esto em processo de

    desenvolvimento. a distncia entre aquilo que a criana faz sozinha e o que ela

    capaz de fazer com a interveno de um adulto. Nesse sentido, expressa a

    potencialidade para aprender, pois caracteriza o desenvolvimento mental

    prospectivamente.

    A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funes queainda no amadureceram, mas que esto em processo de maturao,funes que amadurecero, mas que esto presentes em estadoembrionrio. (...) Assim, a zona de desenvolvimento proximal