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Priscilla Gontijo Leite Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA COIMBRA UNIVERSITY PRESS ANNABLUME Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

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Priscilla Gontijo Leite

Eacutetica e retoacuterica forenseasebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

ANNABLUME

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Seacuterie Humanitas SupplementumEstudos Monograacuteficos

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Estruturas EditoriaisSeacuterie Humanitas Supplementum

Estudos Monograacuteficos

ISSN 2182-8814

Diretor PrincipalMain Editor

Delfim LeatildeoUniversidade de Coimbra

Assistentes Editoriais Editoral Assistants

Elisabete Caccedilatildeo Joatildeo Pedro Gomes Nelson Ferreira Universidade de Coimbra

Comissatildeo Cientiacutefica Editorial Board

Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado Universidade do Minho

Filipe Hernaacutendez Muntildeoz Universidad Complutense de Madrid

Francisco de Oliveira Universidade de Coimbra

Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas Universidade do Porto

Frederico Lourenccedilo Universidade de Coimbra

Todos os volumes desta seacuterie satildeo submetidos a arbitragem cientiacutefica independente

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Priscilla Gontijo LeiteUniversidade de Coimbra

Eacutetica e retoacuterica forenseasebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

ANNABLUME

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Conceccedilatildeo Graacutefica GraphicsRodolfo Lopes Carlos Costa Nelson Ferreira

Infografia InfographicsNelson Ferreira

Impressatildeo e Acabamento Printed bySimotildees amp Linhares Lda Av Fernando Namora nordm 83 Loja 4 3000 Coimbra

ISSN2182-8814

ISBN978-989-26-0844-0

ISBN Digital978-989-26-0845-7

DOIhttpdxdoiorg1014195978-989-26-0845-7

Depoacutesito Legal Legal Deposit38411714

Tiacutetulo Title Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em DemoacutestenesEthics and forensic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenes

Autor AuthorPriscilla Gontijo Leite

Editores PublishersImprensa da Universidade de CoimbraCoimbra University Presswwwucptimprensa_ucContacto Contact imprensaucptVendas online Online Saleshttplivrariadaimprensaucpt

Annablume Editora Comunicaccedilatildeo

wwwannablumecombrContato Contact annablumecombr

Coordenaccedilatildeo Editorial Editorial CoordinationImprensa da Universidade de Coimbra

copy Novembro 2014

Trabalho publicado ao abrigo da Licenccedila This work is licensed underCreative Commons CC-BY (httpcreativecommonsorglicensesby30ptlegalcode)

POCI2010

Annablume Editora Satildeo PauloImprensa da Universidade de CoimbraClassica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis httpclassicadigitaliaucptCentro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos da Universidade de Coimbra

Seacuterie Humanitas SupplementumEstudos Monograacuteficos

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Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em DemoacutestenesEthics and forensic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenes

Autor AuthorPriscilla Gontijo Leite

Filiaccedilatildeo AffiliationUniversidade de Coimbra

ResumoO intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares O estudo foi di-vidido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

Palavras-chaveDemoacutestenes retoacuterica hybris asebeia

Abstract The aim of this study is to analyze the use of the terms asebeia and hybris in the forensic discourses contained at the corpus Demosthenicum Both of these concepts play an important role in the discourse to describe negatively the character of the opponent and to assign a greater guilt to the offense committed The efficiency of these terms in attracting the sympathy of the judges in the discourses is proven by their recurrence about various situations such as homicide assault misuse of citizenship political rivalries and family quarrels This study was divided into three parts The first is devoted to a discussion of the methodological issues the second deals with the notions of asebeia and hybris in the Archaic and Classical period and finally the third is about the use of such notions in the world of the speakers mostly in Demosthenes The third part is divided into seven chapters each of them is dedicated to a specific use of such notions Demosthenes has chosen carefully the use of the notions of asebeia and hybris to compose the negative ethos of the opponent He has done that by enriching the prosecution with factors that are not necessarily connected to the main legal action but are reprehensible in the eyes of citizens Thus both of these notions are widely used in cases where the tradition of the city is in danger

KeywordsDemosthenes rhetoric hybris asebeia

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Autora

Doutora em Mundo Antigo pela Universidade de Coimbra com a tese Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes sendo apro-vada com Distinccedilatildeo e Louvor por unanimidade Mestre em Histoacuteria pela Universidade Federal de Minas Gerais com a dissertaccedilatildeo Contra Miacutedias a utilizaccedilatildeo da impiedade por Demoacutestenes Possui graduaccedilatildeo em Histoacuteria com habilitaccedilatildeo em licenciatura pela Universidade Federal de Minas Gerais Participou de projetos para a divulgaccedilatildeo da cultura helecircnica tais como ldquoPrometeu Libertordquo e ldquoTrupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigordquo Tutora do curso de Especializaccedilatildeo em Estudos Claacutessicos promovido pela Universidade de Brasiacutelia Possui artigos publicados em diversas revistas cientiacuteficas brasileiras e participou de congressos no Brasil e no exterior Os principais interesses de pesquisa satildeo religiosidade grega retoacuterica em Demoacutestenes sistema judiciaacuterio e concepccedilatildeo de cidadania em Atenas

Author

PhD in Ancient World Universidade de Coimbra with the thesis ldquoEthics and foren-sic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenesrdquo that being passed with Distinction and Honors unanimously Master in History at the Universidade Federal de Minas Gerais with the dissertation Against Midias the use of impiety by Demosthenes Graduated in History at the Universidade Federal de Minas Gerais Participated in projects for the promotion of Hellenic culture such as Prometeu Liberto and Trupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigo Tutor of the specialization in classical studies promoted by the Universidade de Brasiacutelia Has published articles in several Brazilian journals and participated in conferences in Brazil and abroad The main research interests are Greek religion rhetoric in Demosthenes judiciary system and the conception of citizenship in Athens

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Sumaacuterio

Nota preacutevia 11

Introduccedilatildeo 13

Parte I - Questotildees Metodoloacutegicas

Capiacutetulo 1 - Hybris e asebeia intercacircmbios e revelaccedilotildees 2311 O estudo das palavras a histoacuteria das palavras 23

111 A importacircncia da palavra no contexto ateniense 25122 Histoacuteria das palavras e a compreensatildeo de uma realidade 29

12 Direito e Sociedade 3313 A religiatildeo grega antiga 3814 Opccedilotildees de traduccedilatildeo 44

141 As Fontes 48

Parte II - A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense um breve percurso do ultraje e da impiedade

Capiacutetulo 2 - Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias 5321 Adikeia hybris e asebeia no mundo arcaico 56

211 Hybris em Soacutelon ultraje e sua relaccedilatildeo com a injusticcedila 59212 Os atos dos homens inferiores em Teoacutegnis

impiedade e ultraje como males da cidade 71213 A poesia arcaica e os conflitos da cidade a justiccedila como superaccedilatildeo da hybris 83

22 Impiedade e ultraje no mundo traacutegico 84211 A hybris nas trageacutedias 87212 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva 88

23 Hybris e asebeia como indicativos da transposiccedilatildeo da moira 104

Parte III - hybris e asebeia no mundo dos oradores

Capiacutetulo 3 - O homiciacutedio em Atenas 10931 Miasma e purificaccedilatildeo 11632 A vinganccedila privada e a puniccedilatildeo puacuteblica

o processo de institucionalizaccedilatildeo da justiccedila na poacutelis ateniense 12133 Os tribunais de assassinato na Atenas Claacutessica 130

331 Areoacutepago 133332 Palaacutedion 136333 Delfiacutenion 136334 Pritaneu 139335 Freato 142

34 Homiciacutedio e impiedade 142

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35 Os testemunhos dos escravos 14536 A intencionalidade do assassinato 14837 Assassinatos purificaccedilatildeo vinganccedila e a institucionalizaccedilatildeo da justiccedila 149

Capiacutetulo 4 - Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte 15141 Aspectos religiosos nas Tetralogias 15742 Injusticcedila e aspectos religiosos nos outros discursos de Antifonte 17243 Antifonte e as percepccedilotildees da imbricaccedilatildeo entre retoacuterica religiatildeo e direito 180

Capiacutetulo 5 - Assassinatos uso da impiedade e do ultraje no ataque aos adversaacuterios 18351 Contra Androacutecion e Contra Timoacutecrates 18852 Contra Aristoacutecrates 19953 Assassinatos e o desvio do caraacuteter 205

Capiacutetulo 6 - Hybris e violecircncia anaacutelise do Contra Coacutenon 20961 A violecircncia exacerbada e o caraacuteter ultrajante 20962 O galo e o riso a violecircncia simboacutelica 212

621 A figura do galo na mentalidade grega 212622 Coacutenon e a imitaccedilatildeo do galo 225623 O riso da audiecircncia 225

63 A violecircncia como uma das facetas da hybris 228

Capiacutetulo 7 - O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes o caso de Miacutedias e Neera 231

Capiacutetulo 8 - Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios 25981 A expansatildeo macedocircnica e as posiccedilotildees poliacuteticas de Demoacutestenes e Eacutesquines 26682 Contra Timarco o ultraje ao corpo e o mau exerciacutecio da cidadania 26883 A embaixada e as acusaccedilotildees de desserviccedilo agrave poacutelis 28584 O caso da Coroa e a disputa pelo reconhecimento do melhor cidadatildeo 29885 Inimizade hybris e asebeia 309

Capiacutetulo 9 - Disputas familiares a preservaccedilatildeo do oikos e a manutenccedilatildeo da ordem da poacutelis 31191 A religiatildeo familiar e o dever de culto aos mortos 31892 A representaccedilatildeo das disputas familiares e do dever dos filhos no teatro 32593 O conflito familiar na vida juriacutedica 33494 Iseu e as disputas sucessoacuterias os problemas da adoccedilatildeo e o dever de cuidar dos mortos 33795 Demoacutestenes e as contendas familiares 345

951 Contra Aacutefobo 349952 Contra Onetor 353

96 Demoacutestenes logoacutegrafo 357961 Contra Beoto 357962 Contra Macaacutertato 361

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97 Apolodoro 36398 Demoacutestenes e as contendas familiares 370

Consideraccedilotildees Finais - Ultraje e ofensa ao sagrado na caracterizaccedilatildeo negativa dos adversaacuterios em Demoacutestenes 373

Bibliografia 379

Leacutexico 401

index locorvm 407

index nominvm 413

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13 (Paacutegina deixada propositadamente em branco)
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Nota preacutevia

O presente trabalho eacute o resultado do esforccedilo investigativo durante o doutoramento em Estudos Claacutessicos na Universidade de Coimbra no periacuteodo de 2009 a 2013 Nessa trajetoacuteria recebi o apoio de inuacutemeras pessoas que auxiliaram das mais diversas maneiras A todas elas expresso minha graditatildeo e que minhas atitudes demonstrem mais que minhas palavras o quanto satildeo importates no caminho que sigo

Agradeccedilo agrave Universidade de Coimbra pelo suporte ao longo desses anos e principalmente ao Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos que possibi-litou o acesso a uma riquiacutessima bibliografia Natildeo me resta duacutevida de que sem esse apoio o trabalho natildeo teria a mesma qualidade A passagem por Coimbra foi essencial para o meu crescimento intelectual e pessoal e por isso sou grata a todos

Agradeccedilo especialmente ao Doutor Delfim Ferreira Leatildeo por ter acei-tado me orientar pelas leituras atentas do texto pelo diaacutelogo constante pela atenccedilatildeo pela paciecircncia e pela sagacidade em lidar com a questatildeo da distacircncia pois a maior parte da tese eu escrevi em outro continente

Meu muito obrigada a todos os membros da banca pela leitura atenta e bons conselhos Ao Doutor Francisco de Satildeo Joseacute de Oliveira agradeccedilo a forma criteriosa como conduziu os trabalhos Ao Doutor Filipe Hernaacutendez Muntildeoz pela disponibilidade de viajar para estar presente na banca pelas indicaccedilotildees de leituras e a avaliaccedilatildeo cuidadosa do texto Agrave Doutora Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado por fazer avanccedilar minha reflexatildeo com seus comentaacuterios pertinentes Agrave Doutora Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas e ao Doutor Frederico Bio Lourenccedilo pela leitura e avaliaccedilatildeo do trabalho e pela oportunidade de diaacutelogo

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 2: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

Seacuterie Humanitas SupplementumEstudos Monograacuteficos

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Estruturas EditoriaisSeacuterie Humanitas Supplementum

Estudos Monograacuteficos

ISSN 2182-8814

Diretor PrincipalMain Editor

Delfim LeatildeoUniversidade de Coimbra

Assistentes Editoriais Editoral Assistants

Elisabete Caccedilatildeo Joatildeo Pedro Gomes Nelson Ferreira Universidade de Coimbra

Comissatildeo Cientiacutefica Editorial Board

Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado Universidade do Minho

Filipe Hernaacutendez Muntildeoz Universidad Complutense de Madrid

Francisco de Oliveira Universidade de Coimbra

Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas Universidade do Porto

Frederico Lourenccedilo Universidade de Coimbra

Todos os volumes desta seacuterie satildeo submetidos a arbitragem cientiacutefica independente

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Priscilla Gontijo LeiteUniversidade de Coimbra

Eacutetica e retoacuterica forenseasebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

ANNABLUME

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Conceccedilatildeo Graacutefica GraphicsRodolfo Lopes Carlos Costa Nelson Ferreira

Infografia InfographicsNelson Ferreira

Impressatildeo e Acabamento Printed bySimotildees amp Linhares Lda Av Fernando Namora nordm 83 Loja 4 3000 Coimbra

ISSN2182-8814

ISBN978-989-26-0844-0

ISBN Digital978-989-26-0845-7

DOIhttpdxdoiorg1014195978-989-26-0845-7

Depoacutesito Legal Legal Deposit38411714

Tiacutetulo Title Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em DemoacutestenesEthics and forensic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenes

Autor AuthorPriscilla Gontijo Leite

Editores PublishersImprensa da Universidade de CoimbraCoimbra University Presswwwucptimprensa_ucContacto Contact imprensaucptVendas online Online Saleshttplivrariadaimprensaucpt

Annablume Editora Comunicaccedilatildeo

wwwannablumecombrContato Contact annablumecombr

Coordenaccedilatildeo Editorial Editorial CoordinationImprensa da Universidade de Coimbra

copy Novembro 2014

Trabalho publicado ao abrigo da Licenccedila This work is licensed underCreative Commons CC-BY (httpcreativecommonsorglicensesby30ptlegalcode)

POCI2010

Annablume Editora Satildeo PauloImprensa da Universidade de CoimbraClassica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis httpclassicadigitaliaucptCentro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos da Universidade de Coimbra

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Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em DemoacutestenesEthics and forensic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenes

Autor AuthorPriscilla Gontijo Leite

Filiaccedilatildeo AffiliationUniversidade de Coimbra

ResumoO intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares O estudo foi di-vidido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

Palavras-chaveDemoacutestenes retoacuterica hybris asebeia

Abstract The aim of this study is to analyze the use of the terms asebeia and hybris in the forensic discourses contained at the corpus Demosthenicum Both of these concepts play an important role in the discourse to describe negatively the character of the opponent and to assign a greater guilt to the offense committed The efficiency of these terms in attracting the sympathy of the judges in the discourses is proven by their recurrence about various situations such as homicide assault misuse of citizenship political rivalries and family quarrels This study was divided into three parts The first is devoted to a discussion of the methodological issues the second deals with the notions of asebeia and hybris in the Archaic and Classical period and finally the third is about the use of such notions in the world of the speakers mostly in Demosthenes The third part is divided into seven chapters each of them is dedicated to a specific use of such notions Demosthenes has chosen carefully the use of the notions of asebeia and hybris to compose the negative ethos of the opponent He has done that by enriching the prosecution with factors that are not necessarily connected to the main legal action but are reprehensible in the eyes of citizens Thus both of these notions are widely used in cases where the tradition of the city is in danger

KeywordsDemosthenes rhetoric hybris asebeia

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Autora

Doutora em Mundo Antigo pela Universidade de Coimbra com a tese Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes sendo apro-vada com Distinccedilatildeo e Louvor por unanimidade Mestre em Histoacuteria pela Universidade Federal de Minas Gerais com a dissertaccedilatildeo Contra Miacutedias a utilizaccedilatildeo da impiedade por Demoacutestenes Possui graduaccedilatildeo em Histoacuteria com habilitaccedilatildeo em licenciatura pela Universidade Federal de Minas Gerais Participou de projetos para a divulgaccedilatildeo da cultura helecircnica tais como ldquoPrometeu Libertordquo e ldquoTrupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigordquo Tutora do curso de Especializaccedilatildeo em Estudos Claacutessicos promovido pela Universidade de Brasiacutelia Possui artigos publicados em diversas revistas cientiacuteficas brasileiras e participou de congressos no Brasil e no exterior Os principais interesses de pesquisa satildeo religiosidade grega retoacuterica em Demoacutestenes sistema judiciaacuterio e concepccedilatildeo de cidadania em Atenas

Author

PhD in Ancient World Universidade de Coimbra with the thesis ldquoEthics and foren-sic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenesrdquo that being passed with Distinction and Honors unanimously Master in History at the Universidade Federal de Minas Gerais with the dissertation Against Midias the use of impiety by Demosthenes Graduated in History at the Universidade Federal de Minas Gerais Participated in projects for the promotion of Hellenic culture such as Prometeu Liberto and Trupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigo Tutor of the specialization in classical studies promoted by the Universidade de Brasiacutelia Has published articles in several Brazilian journals and participated in conferences in Brazil and abroad The main research interests are Greek religion rhetoric in Demosthenes judiciary system and the conception of citizenship in Athens

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Sumaacuterio

Nota preacutevia 11

Introduccedilatildeo 13

Parte I - Questotildees Metodoloacutegicas

Capiacutetulo 1 - Hybris e asebeia intercacircmbios e revelaccedilotildees 2311 O estudo das palavras a histoacuteria das palavras 23

111 A importacircncia da palavra no contexto ateniense 25122 Histoacuteria das palavras e a compreensatildeo de uma realidade 29

12 Direito e Sociedade 3313 A religiatildeo grega antiga 3814 Opccedilotildees de traduccedilatildeo 44

141 As Fontes 48

Parte II - A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense um breve percurso do ultraje e da impiedade

Capiacutetulo 2 - Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias 5321 Adikeia hybris e asebeia no mundo arcaico 56

211 Hybris em Soacutelon ultraje e sua relaccedilatildeo com a injusticcedila 59212 Os atos dos homens inferiores em Teoacutegnis

impiedade e ultraje como males da cidade 71213 A poesia arcaica e os conflitos da cidade a justiccedila como superaccedilatildeo da hybris 83

22 Impiedade e ultraje no mundo traacutegico 84211 A hybris nas trageacutedias 87212 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva 88

23 Hybris e asebeia como indicativos da transposiccedilatildeo da moira 104

Parte III - hybris e asebeia no mundo dos oradores

Capiacutetulo 3 - O homiciacutedio em Atenas 10931 Miasma e purificaccedilatildeo 11632 A vinganccedila privada e a puniccedilatildeo puacuteblica

o processo de institucionalizaccedilatildeo da justiccedila na poacutelis ateniense 12133 Os tribunais de assassinato na Atenas Claacutessica 130

331 Areoacutepago 133332 Palaacutedion 136333 Delfiacutenion 136334 Pritaneu 139335 Freato 142

34 Homiciacutedio e impiedade 142

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35 Os testemunhos dos escravos 14536 A intencionalidade do assassinato 14837 Assassinatos purificaccedilatildeo vinganccedila e a institucionalizaccedilatildeo da justiccedila 149

Capiacutetulo 4 - Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte 15141 Aspectos religiosos nas Tetralogias 15742 Injusticcedila e aspectos religiosos nos outros discursos de Antifonte 17243 Antifonte e as percepccedilotildees da imbricaccedilatildeo entre retoacuterica religiatildeo e direito 180

Capiacutetulo 5 - Assassinatos uso da impiedade e do ultraje no ataque aos adversaacuterios 18351 Contra Androacutecion e Contra Timoacutecrates 18852 Contra Aristoacutecrates 19953 Assassinatos e o desvio do caraacuteter 205

Capiacutetulo 6 - Hybris e violecircncia anaacutelise do Contra Coacutenon 20961 A violecircncia exacerbada e o caraacuteter ultrajante 20962 O galo e o riso a violecircncia simboacutelica 212

621 A figura do galo na mentalidade grega 212622 Coacutenon e a imitaccedilatildeo do galo 225623 O riso da audiecircncia 225

63 A violecircncia como uma das facetas da hybris 228

Capiacutetulo 7 - O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes o caso de Miacutedias e Neera 231

Capiacutetulo 8 - Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios 25981 A expansatildeo macedocircnica e as posiccedilotildees poliacuteticas de Demoacutestenes e Eacutesquines 26682 Contra Timarco o ultraje ao corpo e o mau exerciacutecio da cidadania 26883 A embaixada e as acusaccedilotildees de desserviccedilo agrave poacutelis 28584 O caso da Coroa e a disputa pelo reconhecimento do melhor cidadatildeo 29885 Inimizade hybris e asebeia 309

Capiacutetulo 9 - Disputas familiares a preservaccedilatildeo do oikos e a manutenccedilatildeo da ordem da poacutelis 31191 A religiatildeo familiar e o dever de culto aos mortos 31892 A representaccedilatildeo das disputas familiares e do dever dos filhos no teatro 32593 O conflito familiar na vida juriacutedica 33494 Iseu e as disputas sucessoacuterias os problemas da adoccedilatildeo e o dever de cuidar dos mortos 33795 Demoacutestenes e as contendas familiares 345

951 Contra Aacutefobo 349952 Contra Onetor 353

96 Demoacutestenes logoacutegrafo 357961 Contra Beoto 357962 Contra Macaacutertato 361

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9

97 Apolodoro 36398 Demoacutestenes e as contendas familiares 370

Consideraccedilotildees Finais - Ultraje e ofensa ao sagrado na caracterizaccedilatildeo negativa dos adversaacuterios em Demoacutestenes 373

Bibliografia 379

Leacutexico 401

index locorvm 407

index nominvm 413

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Nota preacutevia

O presente trabalho eacute o resultado do esforccedilo investigativo durante o doutoramento em Estudos Claacutessicos na Universidade de Coimbra no periacuteodo de 2009 a 2013 Nessa trajetoacuteria recebi o apoio de inuacutemeras pessoas que auxiliaram das mais diversas maneiras A todas elas expresso minha graditatildeo e que minhas atitudes demonstrem mais que minhas palavras o quanto satildeo importates no caminho que sigo

Agradeccedilo agrave Universidade de Coimbra pelo suporte ao longo desses anos e principalmente ao Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos que possibi-litou o acesso a uma riquiacutessima bibliografia Natildeo me resta duacutevida de que sem esse apoio o trabalho natildeo teria a mesma qualidade A passagem por Coimbra foi essencial para o meu crescimento intelectual e pessoal e por isso sou grata a todos

Agradeccedilo especialmente ao Doutor Delfim Ferreira Leatildeo por ter acei-tado me orientar pelas leituras atentas do texto pelo diaacutelogo constante pela atenccedilatildeo pela paciecircncia e pela sagacidade em lidar com a questatildeo da distacircncia pois a maior parte da tese eu escrevi em outro continente

Meu muito obrigada a todos os membros da banca pela leitura atenta e bons conselhos Ao Doutor Francisco de Satildeo Joseacute de Oliveira agradeccedilo a forma criteriosa como conduziu os trabalhos Ao Doutor Filipe Hernaacutendez Muntildeoz pela disponibilidade de viajar para estar presente na banca pelas indicaccedilotildees de leituras e a avaliaccedilatildeo cuidadosa do texto Agrave Doutora Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado por fazer avanccedilar minha reflexatildeo com seus comentaacuterios pertinentes Agrave Doutora Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas e ao Doutor Frederico Bio Lourenccedilo pela leitura e avaliaccedilatildeo do trabalho e pela oportunidade de diaacutelogo

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 3: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

Estruturas EditoriaisSeacuterie Humanitas Supplementum

Estudos Monograacuteficos

ISSN 2182-8814

Diretor PrincipalMain Editor

Delfim LeatildeoUniversidade de Coimbra

Assistentes Editoriais Editoral Assistants

Elisabete Caccedilatildeo Joatildeo Pedro Gomes Nelson Ferreira Universidade de Coimbra

Comissatildeo Cientiacutefica Editorial Board

Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado Universidade do Minho

Filipe Hernaacutendez Muntildeoz Universidad Complutense de Madrid

Francisco de Oliveira Universidade de Coimbra

Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas Universidade do Porto

Frederico Lourenccedilo Universidade de Coimbra

Todos os volumes desta seacuterie satildeo submetidos a arbitragem cientiacutefica independente

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Priscilla Gontijo LeiteUniversidade de Coimbra

Eacutetica e retoacuterica forenseasebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

ANNABLUME

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Conceccedilatildeo Graacutefica GraphicsRodolfo Lopes Carlos Costa Nelson Ferreira

Infografia InfographicsNelson Ferreira

Impressatildeo e Acabamento Printed bySimotildees amp Linhares Lda Av Fernando Namora nordm 83 Loja 4 3000 Coimbra

ISSN2182-8814

ISBN978-989-26-0844-0

ISBN Digital978-989-26-0845-7

DOIhttpdxdoiorg1014195978-989-26-0845-7

Depoacutesito Legal Legal Deposit38411714

Tiacutetulo Title Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em DemoacutestenesEthics and forensic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenes

Autor AuthorPriscilla Gontijo Leite

Editores PublishersImprensa da Universidade de CoimbraCoimbra University Presswwwucptimprensa_ucContacto Contact imprensaucptVendas online Online Saleshttplivrariadaimprensaucpt

Annablume Editora Comunicaccedilatildeo

wwwannablumecombrContato Contact annablumecombr

Coordenaccedilatildeo Editorial Editorial CoordinationImprensa da Universidade de Coimbra

copy Novembro 2014

Trabalho publicado ao abrigo da Licenccedila This work is licensed underCreative Commons CC-BY (httpcreativecommonsorglicensesby30ptlegalcode)

POCI2010

Annablume Editora Satildeo PauloImprensa da Universidade de CoimbraClassica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis httpclassicadigitaliaucptCentro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos da Universidade de Coimbra

Seacuterie Humanitas SupplementumEstudos Monograacuteficos

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Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em DemoacutestenesEthics and forensic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenes

Autor AuthorPriscilla Gontijo Leite

Filiaccedilatildeo AffiliationUniversidade de Coimbra

ResumoO intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares O estudo foi di-vidido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

Palavras-chaveDemoacutestenes retoacuterica hybris asebeia

Abstract The aim of this study is to analyze the use of the terms asebeia and hybris in the forensic discourses contained at the corpus Demosthenicum Both of these concepts play an important role in the discourse to describe negatively the character of the opponent and to assign a greater guilt to the offense committed The efficiency of these terms in attracting the sympathy of the judges in the discourses is proven by their recurrence about various situations such as homicide assault misuse of citizenship political rivalries and family quarrels This study was divided into three parts The first is devoted to a discussion of the methodological issues the second deals with the notions of asebeia and hybris in the Archaic and Classical period and finally the third is about the use of such notions in the world of the speakers mostly in Demosthenes The third part is divided into seven chapters each of them is dedicated to a specific use of such notions Demosthenes has chosen carefully the use of the notions of asebeia and hybris to compose the negative ethos of the opponent He has done that by enriching the prosecution with factors that are not necessarily connected to the main legal action but are reprehensible in the eyes of citizens Thus both of these notions are widely used in cases where the tradition of the city is in danger

KeywordsDemosthenes rhetoric hybris asebeia

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Autora

Doutora em Mundo Antigo pela Universidade de Coimbra com a tese Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes sendo apro-vada com Distinccedilatildeo e Louvor por unanimidade Mestre em Histoacuteria pela Universidade Federal de Minas Gerais com a dissertaccedilatildeo Contra Miacutedias a utilizaccedilatildeo da impiedade por Demoacutestenes Possui graduaccedilatildeo em Histoacuteria com habilitaccedilatildeo em licenciatura pela Universidade Federal de Minas Gerais Participou de projetos para a divulgaccedilatildeo da cultura helecircnica tais como ldquoPrometeu Libertordquo e ldquoTrupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigordquo Tutora do curso de Especializaccedilatildeo em Estudos Claacutessicos promovido pela Universidade de Brasiacutelia Possui artigos publicados em diversas revistas cientiacuteficas brasileiras e participou de congressos no Brasil e no exterior Os principais interesses de pesquisa satildeo religiosidade grega retoacuterica em Demoacutestenes sistema judiciaacuterio e concepccedilatildeo de cidadania em Atenas

Author

PhD in Ancient World Universidade de Coimbra with the thesis ldquoEthics and foren-sic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenesrdquo that being passed with Distinction and Honors unanimously Master in History at the Universidade Federal de Minas Gerais with the dissertation Against Midias the use of impiety by Demosthenes Graduated in History at the Universidade Federal de Minas Gerais Participated in projects for the promotion of Hellenic culture such as Prometeu Liberto and Trupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigo Tutor of the specialization in classical studies promoted by the Universidade de Brasiacutelia Has published articles in several Brazilian journals and participated in conferences in Brazil and abroad The main research interests are Greek religion rhetoric in Demosthenes judiciary system and the conception of citizenship in Athens

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Sumaacuterio

Nota preacutevia 11

Introduccedilatildeo 13

Parte I - Questotildees Metodoloacutegicas

Capiacutetulo 1 - Hybris e asebeia intercacircmbios e revelaccedilotildees 2311 O estudo das palavras a histoacuteria das palavras 23

111 A importacircncia da palavra no contexto ateniense 25122 Histoacuteria das palavras e a compreensatildeo de uma realidade 29

12 Direito e Sociedade 3313 A religiatildeo grega antiga 3814 Opccedilotildees de traduccedilatildeo 44

141 As Fontes 48

Parte II - A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense um breve percurso do ultraje e da impiedade

Capiacutetulo 2 - Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias 5321 Adikeia hybris e asebeia no mundo arcaico 56

211 Hybris em Soacutelon ultraje e sua relaccedilatildeo com a injusticcedila 59212 Os atos dos homens inferiores em Teoacutegnis

impiedade e ultraje como males da cidade 71213 A poesia arcaica e os conflitos da cidade a justiccedila como superaccedilatildeo da hybris 83

22 Impiedade e ultraje no mundo traacutegico 84211 A hybris nas trageacutedias 87212 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva 88

23 Hybris e asebeia como indicativos da transposiccedilatildeo da moira 104

Parte III - hybris e asebeia no mundo dos oradores

Capiacutetulo 3 - O homiciacutedio em Atenas 10931 Miasma e purificaccedilatildeo 11632 A vinganccedila privada e a puniccedilatildeo puacuteblica

o processo de institucionalizaccedilatildeo da justiccedila na poacutelis ateniense 12133 Os tribunais de assassinato na Atenas Claacutessica 130

331 Areoacutepago 133332 Palaacutedion 136333 Delfiacutenion 136334 Pritaneu 139335 Freato 142

34 Homiciacutedio e impiedade 142

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35 Os testemunhos dos escravos 14536 A intencionalidade do assassinato 14837 Assassinatos purificaccedilatildeo vinganccedila e a institucionalizaccedilatildeo da justiccedila 149

Capiacutetulo 4 - Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte 15141 Aspectos religiosos nas Tetralogias 15742 Injusticcedila e aspectos religiosos nos outros discursos de Antifonte 17243 Antifonte e as percepccedilotildees da imbricaccedilatildeo entre retoacuterica religiatildeo e direito 180

Capiacutetulo 5 - Assassinatos uso da impiedade e do ultraje no ataque aos adversaacuterios 18351 Contra Androacutecion e Contra Timoacutecrates 18852 Contra Aristoacutecrates 19953 Assassinatos e o desvio do caraacuteter 205

Capiacutetulo 6 - Hybris e violecircncia anaacutelise do Contra Coacutenon 20961 A violecircncia exacerbada e o caraacuteter ultrajante 20962 O galo e o riso a violecircncia simboacutelica 212

621 A figura do galo na mentalidade grega 212622 Coacutenon e a imitaccedilatildeo do galo 225623 O riso da audiecircncia 225

63 A violecircncia como uma das facetas da hybris 228

Capiacutetulo 7 - O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes o caso de Miacutedias e Neera 231

Capiacutetulo 8 - Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios 25981 A expansatildeo macedocircnica e as posiccedilotildees poliacuteticas de Demoacutestenes e Eacutesquines 26682 Contra Timarco o ultraje ao corpo e o mau exerciacutecio da cidadania 26883 A embaixada e as acusaccedilotildees de desserviccedilo agrave poacutelis 28584 O caso da Coroa e a disputa pelo reconhecimento do melhor cidadatildeo 29885 Inimizade hybris e asebeia 309

Capiacutetulo 9 - Disputas familiares a preservaccedilatildeo do oikos e a manutenccedilatildeo da ordem da poacutelis 31191 A religiatildeo familiar e o dever de culto aos mortos 31892 A representaccedilatildeo das disputas familiares e do dever dos filhos no teatro 32593 O conflito familiar na vida juriacutedica 33494 Iseu e as disputas sucessoacuterias os problemas da adoccedilatildeo e o dever de cuidar dos mortos 33795 Demoacutestenes e as contendas familiares 345

951 Contra Aacutefobo 349952 Contra Onetor 353

96 Demoacutestenes logoacutegrafo 357961 Contra Beoto 357962 Contra Macaacutertato 361

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97 Apolodoro 36398 Demoacutestenes e as contendas familiares 370

Consideraccedilotildees Finais - Ultraje e ofensa ao sagrado na caracterizaccedilatildeo negativa dos adversaacuterios em Demoacutestenes 373

Bibliografia 379

Leacutexico 401

index locorvm 407

index nominvm 413

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Nota preacutevia

O presente trabalho eacute o resultado do esforccedilo investigativo durante o doutoramento em Estudos Claacutessicos na Universidade de Coimbra no periacuteodo de 2009 a 2013 Nessa trajetoacuteria recebi o apoio de inuacutemeras pessoas que auxiliaram das mais diversas maneiras A todas elas expresso minha graditatildeo e que minhas atitudes demonstrem mais que minhas palavras o quanto satildeo importates no caminho que sigo

Agradeccedilo agrave Universidade de Coimbra pelo suporte ao longo desses anos e principalmente ao Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos que possibi-litou o acesso a uma riquiacutessima bibliografia Natildeo me resta duacutevida de que sem esse apoio o trabalho natildeo teria a mesma qualidade A passagem por Coimbra foi essencial para o meu crescimento intelectual e pessoal e por isso sou grata a todos

Agradeccedilo especialmente ao Doutor Delfim Ferreira Leatildeo por ter acei-tado me orientar pelas leituras atentas do texto pelo diaacutelogo constante pela atenccedilatildeo pela paciecircncia e pela sagacidade em lidar com a questatildeo da distacircncia pois a maior parte da tese eu escrevi em outro continente

Meu muito obrigada a todos os membros da banca pela leitura atenta e bons conselhos Ao Doutor Francisco de Satildeo Joseacute de Oliveira agradeccedilo a forma criteriosa como conduziu os trabalhos Ao Doutor Filipe Hernaacutendez Muntildeoz pela disponibilidade de viajar para estar presente na banca pelas indicaccedilotildees de leituras e a avaliaccedilatildeo cuidadosa do texto Agrave Doutora Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado por fazer avanccedilar minha reflexatildeo com seus comentaacuterios pertinentes Agrave Doutora Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas e ao Doutor Frederico Bio Lourenccedilo pela leitura e avaliaccedilatildeo do trabalho e pela oportunidade de diaacutelogo

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 4: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

Priscilla Gontijo LeiteUniversidade de Coimbra

Eacutetica e retoacuterica forenseasebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

ANNABLUME

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Conceccedilatildeo Graacutefica GraphicsRodolfo Lopes Carlos Costa Nelson Ferreira

Infografia InfographicsNelson Ferreira

Impressatildeo e Acabamento Printed bySimotildees amp Linhares Lda Av Fernando Namora nordm 83 Loja 4 3000 Coimbra

ISSN2182-8814

ISBN978-989-26-0844-0

ISBN Digital978-989-26-0845-7

DOIhttpdxdoiorg1014195978-989-26-0845-7

Depoacutesito Legal Legal Deposit38411714

Tiacutetulo Title Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em DemoacutestenesEthics and forensic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenes

Autor AuthorPriscilla Gontijo Leite

Editores PublishersImprensa da Universidade de CoimbraCoimbra University Presswwwucptimprensa_ucContacto Contact imprensaucptVendas online Online Saleshttplivrariadaimprensaucpt

Annablume Editora Comunicaccedilatildeo

wwwannablumecombrContato Contact annablumecombr

Coordenaccedilatildeo Editorial Editorial CoordinationImprensa da Universidade de Coimbra

copy Novembro 2014

Trabalho publicado ao abrigo da Licenccedila This work is licensed underCreative Commons CC-BY (httpcreativecommonsorglicensesby30ptlegalcode)

POCI2010

Annablume Editora Satildeo PauloImprensa da Universidade de CoimbraClassica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis httpclassicadigitaliaucptCentro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos da Universidade de Coimbra

Seacuterie Humanitas SupplementumEstudos Monograacuteficos

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Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em DemoacutestenesEthics and forensic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenes

Autor AuthorPriscilla Gontijo Leite

Filiaccedilatildeo AffiliationUniversidade de Coimbra

ResumoO intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares O estudo foi di-vidido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

Palavras-chaveDemoacutestenes retoacuterica hybris asebeia

Abstract The aim of this study is to analyze the use of the terms asebeia and hybris in the forensic discourses contained at the corpus Demosthenicum Both of these concepts play an important role in the discourse to describe negatively the character of the opponent and to assign a greater guilt to the offense committed The efficiency of these terms in attracting the sympathy of the judges in the discourses is proven by their recurrence about various situations such as homicide assault misuse of citizenship political rivalries and family quarrels This study was divided into three parts The first is devoted to a discussion of the methodological issues the second deals with the notions of asebeia and hybris in the Archaic and Classical period and finally the third is about the use of such notions in the world of the speakers mostly in Demosthenes The third part is divided into seven chapters each of them is dedicated to a specific use of such notions Demosthenes has chosen carefully the use of the notions of asebeia and hybris to compose the negative ethos of the opponent He has done that by enriching the prosecution with factors that are not necessarily connected to the main legal action but are reprehensible in the eyes of citizens Thus both of these notions are widely used in cases where the tradition of the city is in danger

KeywordsDemosthenes rhetoric hybris asebeia

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Autora

Doutora em Mundo Antigo pela Universidade de Coimbra com a tese Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes sendo apro-vada com Distinccedilatildeo e Louvor por unanimidade Mestre em Histoacuteria pela Universidade Federal de Minas Gerais com a dissertaccedilatildeo Contra Miacutedias a utilizaccedilatildeo da impiedade por Demoacutestenes Possui graduaccedilatildeo em Histoacuteria com habilitaccedilatildeo em licenciatura pela Universidade Federal de Minas Gerais Participou de projetos para a divulgaccedilatildeo da cultura helecircnica tais como ldquoPrometeu Libertordquo e ldquoTrupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigordquo Tutora do curso de Especializaccedilatildeo em Estudos Claacutessicos promovido pela Universidade de Brasiacutelia Possui artigos publicados em diversas revistas cientiacuteficas brasileiras e participou de congressos no Brasil e no exterior Os principais interesses de pesquisa satildeo religiosidade grega retoacuterica em Demoacutestenes sistema judiciaacuterio e concepccedilatildeo de cidadania em Atenas

Author

PhD in Ancient World Universidade de Coimbra with the thesis ldquoEthics and foren-sic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenesrdquo that being passed with Distinction and Honors unanimously Master in History at the Universidade Federal de Minas Gerais with the dissertation Against Midias the use of impiety by Demosthenes Graduated in History at the Universidade Federal de Minas Gerais Participated in projects for the promotion of Hellenic culture such as Prometeu Liberto and Trupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigo Tutor of the specialization in classical studies promoted by the Universidade de Brasiacutelia Has published articles in several Brazilian journals and participated in conferences in Brazil and abroad The main research interests are Greek religion rhetoric in Demosthenes judiciary system and the conception of citizenship in Athens

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Sumaacuterio

Nota preacutevia 11

Introduccedilatildeo 13

Parte I - Questotildees Metodoloacutegicas

Capiacutetulo 1 - Hybris e asebeia intercacircmbios e revelaccedilotildees 2311 O estudo das palavras a histoacuteria das palavras 23

111 A importacircncia da palavra no contexto ateniense 25122 Histoacuteria das palavras e a compreensatildeo de uma realidade 29

12 Direito e Sociedade 3313 A religiatildeo grega antiga 3814 Opccedilotildees de traduccedilatildeo 44

141 As Fontes 48

Parte II - A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense um breve percurso do ultraje e da impiedade

Capiacutetulo 2 - Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias 5321 Adikeia hybris e asebeia no mundo arcaico 56

211 Hybris em Soacutelon ultraje e sua relaccedilatildeo com a injusticcedila 59212 Os atos dos homens inferiores em Teoacutegnis

impiedade e ultraje como males da cidade 71213 A poesia arcaica e os conflitos da cidade a justiccedila como superaccedilatildeo da hybris 83

22 Impiedade e ultraje no mundo traacutegico 84211 A hybris nas trageacutedias 87212 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva 88

23 Hybris e asebeia como indicativos da transposiccedilatildeo da moira 104

Parte III - hybris e asebeia no mundo dos oradores

Capiacutetulo 3 - O homiciacutedio em Atenas 10931 Miasma e purificaccedilatildeo 11632 A vinganccedila privada e a puniccedilatildeo puacuteblica

o processo de institucionalizaccedilatildeo da justiccedila na poacutelis ateniense 12133 Os tribunais de assassinato na Atenas Claacutessica 130

331 Areoacutepago 133332 Palaacutedion 136333 Delfiacutenion 136334 Pritaneu 139335 Freato 142

34 Homiciacutedio e impiedade 142

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35 Os testemunhos dos escravos 14536 A intencionalidade do assassinato 14837 Assassinatos purificaccedilatildeo vinganccedila e a institucionalizaccedilatildeo da justiccedila 149

Capiacutetulo 4 - Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte 15141 Aspectos religiosos nas Tetralogias 15742 Injusticcedila e aspectos religiosos nos outros discursos de Antifonte 17243 Antifonte e as percepccedilotildees da imbricaccedilatildeo entre retoacuterica religiatildeo e direito 180

Capiacutetulo 5 - Assassinatos uso da impiedade e do ultraje no ataque aos adversaacuterios 18351 Contra Androacutecion e Contra Timoacutecrates 18852 Contra Aristoacutecrates 19953 Assassinatos e o desvio do caraacuteter 205

Capiacutetulo 6 - Hybris e violecircncia anaacutelise do Contra Coacutenon 20961 A violecircncia exacerbada e o caraacuteter ultrajante 20962 O galo e o riso a violecircncia simboacutelica 212

621 A figura do galo na mentalidade grega 212622 Coacutenon e a imitaccedilatildeo do galo 225623 O riso da audiecircncia 225

63 A violecircncia como uma das facetas da hybris 228

Capiacutetulo 7 - O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes o caso de Miacutedias e Neera 231

Capiacutetulo 8 - Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios 25981 A expansatildeo macedocircnica e as posiccedilotildees poliacuteticas de Demoacutestenes e Eacutesquines 26682 Contra Timarco o ultraje ao corpo e o mau exerciacutecio da cidadania 26883 A embaixada e as acusaccedilotildees de desserviccedilo agrave poacutelis 28584 O caso da Coroa e a disputa pelo reconhecimento do melhor cidadatildeo 29885 Inimizade hybris e asebeia 309

Capiacutetulo 9 - Disputas familiares a preservaccedilatildeo do oikos e a manutenccedilatildeo da ordem da poacutelis 31191 A religiatildeo familiar e o dever de culto aos mortos 31892 A representaccedilatildeo das disputas familiares e do dever dos filhos no teatro 32593 O conflito familiar na vida juriacutedica 33494 Iseu e as disputas sucessoacuterias os problemas da adoccedilatildeo e o dever de cuidar dos mortos 33795 Demoacutestenes e as contendas familiares 345

951 Contra Aacutefobo 349952 Contra Onetor 353

96 Demoacutestenes logoacutegrafo 357961 Contra Beoto 357962 Contra Macaacutertato 361

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97 Apolodoro 36398 Demoacutestenes e as contendas familiares 370

Consideraccedilotildees Finais - Ultraje e ofensa ao sagrado na caracterizaccedilatildeo negativa dos adversaacuterios em Demoacutestenes 373

Bibliografia 379

Leacutexico 401

index locorvm 407

index nominvm 413

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Nota preacutevia

O presente trabalho eacute o resultado do esforccedilo investigativo durante o doutoramento em Estudos Claacutessicos na Universidade de Coimbra no periacuteodo de 2009 a 2013 Nessa trajetoacuteria recebi o apoio de inuacutemeras pessoas que auxiliaram das mais diversas maneiras A todas elas expresso minha graditatildeo e que minhas atitudes demonstrem mais que minhas palavras o quanto satildeo importates no caminho que sigo

Agradeccedilo agrave Universidade de Coimbra pelo suporte ao longo desses anos e principalmente ao Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos que possibi-litou o acesso a uma riquiacutessima bibliografia Natildeo me resta duacutevida de que sem esse apoio o trabalho natildeo teria a mesma qualidade A passagem por Coimbra foi essencial para o meu crescimento intelectual e pessoal e por isso sou grata a todos

Agradeccedilo especialmente ao Doutor Delfim Ferreira Leatildeo por ter acei-tado me orientar pelas leituras atentas do texto pelo diaacutelogo constante pela atenccedilatildeo pela paciecircncia e pela sagacidade em lidar com a questatildeo da distacircncia pois a maior parte da tese eu escrevi em outro continente

Meu muito obrigada a todos os membros da banca pela leitura atenta e bons conselhos Ao Doutor Francisco de Satildeo Joseacute de Oliveira agradeccedilo a forma criteriosa como conduziu os trabalhos Ao Doutor Filipe Hernaacutendez Muntildeoz pela disponibilidade de viajar para estar presente na banca pelas indicaccedilotildees de leituras e a avaliaccedilatildeo cuidadosa do texto Agrave Doutora Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado por fazer avanccedilar minha reflexatildeo com seus comentaacuterios pertinentes Agrave Doutora Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas e ao Doutor Frederico Bio Lourenccedilo pela leitura e avaliaccedilatildeo do trabalho e pela oportunidade de diaacutelogo

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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(Paacutegina deixada propositadamente em branco)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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261

Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 5: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

Conceccedilatildeo Graacutefica GraphicsRodolfo Lopes Carlos Costa Nelson Ferreira

Infografia InfographicsNelson Ferreira

Impressatildeo e Acabamento Printed bySimotildees amp Linhares Lda Av Fernando Namora nordm 83 Loja 4 3000 Coimbra

ISSN2182-8814

ISBN978-989-26-0844-0

ISBN Digital978-989-26-0845-7

DOIhttpdxdoiorg1014195978-989-26-0845-7

Depoacutesito Legal Legal Deposit38411714

Tiacutetulo Title Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em DemoacutestenesEthics and forensic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenes

Autor AuthorPriscilla Gontijo Leite

Editores PublishersImprensa da Universidade de CoimbraCoimbra University Presswwwucptimprensa_ucContacto Contact imprensaucptVendas online Online Saleshttplivrariadaimprensaucpt

Annablume Editora Comunicaccedilatildeo

wwwannablumecombrContato Contact annablumecombr

Coordenaccedilatildeo Editorial Editorial CoordinationImprensa da Universidade de Coimbra

copy Novembro 2014

Trabalho publicado ao abrigo da Licenccedila This work is licensed underCreative Commons CC-BY (httpcreativecommonsorglicensesby30ptlegalcode)

POCI2010

Annablume Editora Satildeo PauloImprensa da Universidade de CoimbraClassica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis httpclassicadigitaliaucptCentro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos da Universidade de Coimbra

Seacuterie Humanitas SupplementumEstudos Monograacuteficos

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Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em DemoacutestenesEthics and forensic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenes

Autor AuthorPriscilla Gontijo Leite

Filiaccedilatildeo AffiliationUniversidade de Coimbra

ResumoO intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares O estudo foi di-vidido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

Palavras-chaveDemoacutestenes retoacuterica hybris asebeia

Abstract The aim of this study is to analyze the use of the terms asebeia and hybris in the forensic discourses contained at the corpus Demosthenicum Both of these concepts play an important role in the discourse to describe negatively the character of the opponent and to assign a greater guilt to the offense committed The efficiency of these terms in attracting the sympathy of the judges in the discourses is proven by their recurrence about various situations such as homicide assault misuse of citizenship political rivalries and family quarrels This study was divided into three parts The first is devoted to a discussion of the methodological issues the second deals with the notions of asebeia and hybris in the Archaic and Classical period and finally the third is about the use of such notions in the world of the speakers mostly in Demosthenes The third part is divided into seven chapters each of them is dedicated to a specific use of such notions Demosthenes has chosen carefully the use of the notions of asebeia and hybris to compose the negative ethos of the opponent He has done that by enriching the prosecution with factors that are not necessarily connected to the main legal action but are reprehensible in the eyes of citizens Thus both of these notions are widely used in cases where the tradition of the city is in danger

KeywordsDemosthenes rhetoric hybris asebeia

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Autora

Doutora em Mundo Antigo pela Universidade de Coimbra com a tese Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes sendo apro-vada com Distinccedilatildeo e Louvor por unanimidade Mestre em Histoacuteria pela Universidade Federal de Minas Gerais com a dissertaccedilatildeo Contra Miacutedias a utilizaccedilatildeo da impiedade por Demoacutestenes Possui graduaccedilatildeo em Histoacuteria com habilitaccedilatildeo em licenciatura pela Universidade Federal de Minas Gerais Participou de projetos para a divulgaccedilatildeo da cultura helecircnica tais como ldquoPrometeu Libertordquo e ldquoTrupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigordquo Tutora do curso de Especializaccedilatildeo em Estudos Claacutessicos promovido pela Universidade de Brasiacutelia Possui artigos publicados em diversas revistas cientiacuteficas brasileiras e participou de congressos no Brasil e no exterior Os principais interesses de pesquisa satildeo religiosidade grega retoacuterica em Demoacutestenes sistema judiciaacuterio e concepccedilatildeo de cidadania em Atenas

Author

PhD in Ancient World Universidade de Coimbra with the thesis ldquoEthics and foren-sic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenesrdquo that being passed with Distinction and Honors unanimously Master in History at the Universidade Federal de Minas Gerais with the dissertation Against Midias the use of impiety by Demosthenes Graduated in History at the Universidade Federal de Minas Gerais Participated in projects for the promotion of Hellenic culture such as Prometeu Liberto and Trupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigo Tutor of the specialization in classical studies promoted by the Universidade de Brasiacutelia Has published articles in several Brazilian journals and participated in conferences in Brazil and abroad The main research interests are Greek religion rhetoric in Demosthenes judiciary system and the conception of citizenship in Athens

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Sumaacuterio

Nota preacutevia 11

Introduccedilatildeo 13

Parte I - Questotildees Metodoloacutegicas

Capiacutetulo 1 - Hybris e asebeia intercacircmbios e revelaccedilotildees 2311 O estudo das palavras a histoacuteria das palavras 23

111 A importacircncia da palavra no contexto ateniense 25122 Histoacuteria das palavras e a compreensatildeo de uma realidade 29

12 Direito e Sociedade 3313 A religiatildeo grega antiga 3814 Opccedilotildees de traduccedilatildeo 44

141 As Fontes 48

Parte II - A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense um breve percurso do ultraje e da impiedade

Capiacutetulo 2 - Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias 5321 Adikeia hybris e asebeia no mundo arcaico 56

211 Hybris em Soacutelon ultraje e sua relaccedilatildeo com a injusticcedila 59212 Os atos dos homens inferiores em Teoacutegnis

impiedade e ultraje como males da cidade 71213 A poesia arcaica e os conflitos da cidade a justiccedila como superaccedilatildeo da hybris 83

22 Impiedade e ultraje no mundo traacutegico 84211 A hybris nas trageacutedias 87212 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva 88

23 Hybris e asebeia como indicativos da transposiccedilatildeo da moira 104

Parte III - hybris e asebeia no mundo dos oradores

Capiacutetulo 3 - O homiciacutedio em Atenas 10931 Miasma e purificaccedilatildeo 11632 A vinganccedila privada e a puniccedilatildeo puacuteblica

o processo de institucionalizaccedilatildeo da justiccedila na poacutelis ateniense 12133 Os tribunais de assassinato na Atenas Claacutessica 130

331 Areoacutepago 133332 Palaacutedion 136333 Delfiacutenion 136334 Pritaneu 139335 Freato 142

34 Homiciacutedio e impiedade 142

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35 Os testemunhos dos escravos 14536 A intencionalidade do assassinato 14837 Assassinatos purificaccedilatildeo vinganccedila e a institucionalizaccedilatildeo da justiccedila 149

Capiacutetulo 4 - Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte 15141 Aspectos religiosos nas Tetralogias 15742 Injusticcedila e aspectos religiosos nos outros discursos de Antifonte 17243 Antifonte e as percepccedilotildees da imbricaccedilatildeo entre retoacuterica religiatildeo e direito 180

Capiacutetulo 5 - Assassinatos uso da impiedade e do ultraje no ataque aos adversaacuterios 18351 Contra Androacutecion e Contra Timoacutecrates 18852 Contra Aristoacutecrates 19953 Assassinatos e o desvio do caraacuteter 205

Capiacutetulo 6 - Hybris e violecircncia anaacutelise do Contra Coacutenon 20961 A violecircncia exacerbada e o caraacuteter ultrajante 20962 O galo e o riso a violecircncia simboacutelica 212

621 A figura do galo na mentalidade grega 212622 Coacutenon e a imitaccedilatildeo do galo 225623 O riso da audiecircncia 225

63 A violecircncia como uma das facetas da hybris 228

Capiacutetulo 7 - O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes o caso de Miacutedias e Neera 231

Capiacutetulo 8 - Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios 25981 A expansatildeo macedocircnica e as posiccedilotildees poliacuteticas de Demoacutestenes e Eacutesquines 26682 Contra Timarco o ultraje ao corpo e o mau exerciacutecio da cidadania 26883 A embaixada e as acusaccedilotildees de desserviccedilo agrave poacutelis 28584 O caso da Coroa e a disputa pelo reconhecimento do melhor cidadatildeo 29885 Inimizade hybris e asebeia 309

Capiacutetulo 9 - Disputas familiares a preservaccedilatildeo do oikos e a manutenccedilatildeo da ordem da poacutelis 31191 A religiatildeo familiar e o dever de culto aos mortos 31892 A representaccedilatildeo das disputas familiares e do dever dos filhos no teatro 32593 O conflito familiar na vida juriacutedica 33494 Iseu e as disputas sucessoacuterias os problemas da adoccedilatildeo e o dever de cuidar dos mortos 33795 Demoacutestenes e as contendas familiares 345

951 Contra Aacutefobo 349952 Contra Onetor 353

96 Demoacutestenes logoacutegrafo 357961 Contra Beoto 357962 Contra Macaacutertato 361

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9

97 Apolodoro 36398 Demoacutestenes e as contendas familiares 370

Consideraccedilotildees Finais - Ultraje e ofensa ao sagrado na caracterizaccedilatildeo negativa dos adversaacuterios em Demoacutestenes 373

Bibliografia 379

Leacutexico 401

index locorvm 407

index nominvm 413

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Nota preacutevia

O presente trabalho eacute o resultado do esforccedilo investigativo durante o doutoramento em Estudos Claacutessicos na Universidade de Coimbra no periacuteodo de 2009 a 2013 Nessa trajetoacuteria recebi o apoio de inuacutemeras pessoas que auxiliaram das mais diversas maneiras A todas elas expresso minha graditatildeo e que minhas atitudes demonstrem mais que minhas palavras o quanto satildeo importates no caminho que sigo

Agradeccedilo agrave Universidade de Coimbra pelo suporte ao longo desses anos e principalmente ao Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos que possibi-litou o acesso a uma riquiacutessima bibliografia Natildeo me resta duacutevida de que sem esse apoio o trabalho natildeo teria a mesma qualidade A passagem por Coimbra foi essencial para o meu crescimento intelectual e pessoal e por isso sou grata a todos

Agradeccedilo especialmente ao Doutor Delfim Ferreira Leatildeo por ter acei-tado me orientar pelas leituras atentas do texto pelo diaacutelogo constante pela atenccedilatildeo pela paciecircncia e pela sagacidade em lidar com a questatildeo da distacircncia pois a maior parte da tese eu escrevi em outro continente

Meu muito obrigada a todos os membros da banca pela leitura atenta e bons conselhos Ao Doutor Francisco de Satildeo Joseacute de Oliveira agradeccedilo a forma criteriosa como conduziu os trabalhos Ao Doutor Filipe Hernaacutendez Muntildeoz pela disponibilidade de viajar para estar presente na banca pelas indicaccedilotildees de leituras e a avaliaccedilatildeo cuidadosa do texto Agrave Doutora Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado por fazer avanccedilar minha reflexatildeo com seus comentaacuterios pertinentes Agrave Doutora Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas e ao Doutor Frederico Bio Lourenccedilo pela leitura e avaliaccedilatildeo do trabalho e pela oportunidade de diaacutelogo

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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262

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 6: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em DemoacutestenesEthics and forensic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenes

Autor AuthorPriscilla Gontijo Leite

Filiaccedilatildeo AffiliationUniversidade de Coimbra

ResumoO intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares O estudo foi di-vidido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

Palavras-chaveDemoacutestenes retoacuterica hybris asebeia

Abstract The aim of this study is to analyze the use of the terms asebeia and hybris in the forensic discourses contained at the corpus Demosthenicum Both of these concepts play an important role in the discourse to describe negatively the character of the opponent and to assign a greater guilt to the offense committed The efficiency of these terms in attracting the sympathy of the judges in the discourses is proven by their recurrence about various situations such as homicide assault misuse of citizenship political rivalries and family quarrels This study was divided into three parts The first is devoted to a discussion of the methodological issues the second deals with the notions of asebeia and hybris in the Archaic and Classical period and finally the third is about the use of such notions in the world of the speakers mostly in Demosthenes The third part is divided into seven chapters each of them is dedicated to a specific use of such notions Demosthenes has chosen carefully the use of the notions of asebeia and hybris to compose the negative ethos of the opponent He has done that by enriching the prosecution with factors that are not necessarily connected to the main legal action but are reprehensible in the eyes of citizens Thus both of these notions are widely used in cases where the tradition of the city is in danger

KeywordsDemosthenes rhetoric hybris asebeia

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Autora

Doutora em Mundo Antigo pela Universidade de Coimbra com a tese Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes sendo apro-vada com Distinccedilatildeo e Louvor por unanimidade Mestre em Histoacuteria pela Universidade Federal de Minas Gerais com a dissertaccedilatildeo Contra Miacutedias a utilizaccedilatildeo da impiedade por Demoacutestenes Possui graduaccedilatildeo em Histoacuteria com habilitaccedilatildeo em licenciatura pela Universidade Federal de Minas Gerais Participou de projetos para a divulgaccedilatildeo da cultura helecircnica tais como ldquoPrometeu Libertordquo e ldquoTrupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigordquo Tutora do curso de Especializaccedilatildeo em Estudos Claacutessicos promovido pela Universidade de Brasiacutelia Possui artigos publicados em diversas revistas cientiacuteficas brasileiras e participou de congressos no Brasil e no exterior Os principais interesses de pesquisa satildeo religiosidade grega retoacuterica em Demoacutestenes sistema judiciaacuterio e concepccedilatildeo de cidadania em Atenas

Author

PhD in Ancient World Universidade de Coimbra with the thesis ldquoEthics and foren-sic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenesrdquo that being passed with Distinction and Honors unanimously Master in History at the Universidade Federal de Minas Gerais with the dissertation Against Midias the use of impiety by Demosthenes Graduated in History at the Universidade Federal de Minas Gerais Participated in projects for the promotion of Hellenic culture such as Prometeu Liberto and Trupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigo Tutor of the specialization in classical studies promoted by the Universidade de Brasiacutelia Has published articles in several Brazilian journals and participated in conferences in Brazil and abroad The main research interests are Greek religion rhetoric in Demosthenes judiciary system and the conception of citizenship in Athens

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Sumaacuterio

Nota preacutevia 11

Introduccedilatildeo 13

Parte I - Questotildees Metodoloacutegicas

Capiacutetulo 1 - Hybris e asebeia intercacircmbios e revelaccedilotildees 2311 O estudo das palavras a histoacuteria das palavras 23

111 A importacircncia da palavra no contexto ateniense 25122 Histoacuteria das palavras e a compreensatildeo de uma realidade 29

12 Direito e Sociedade 3313 A religiatildeo grega antiga 3814 Opccedilotildees de traduccedilatildeo 44

141 As Fontes 48

Parte II - A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense um breve percurso do ultraje e da impiedade

Capiacutetulo 2 - Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias 5321 Adikeia hybris e asebeia no mundo arcaico 56

211 Hybris em Soacutelon ultraje e sua relaccedilatildeo com a injusticcedila 59212 Os atos dos homens inferiores em Teoacutegnis

impiedade e ultraje como males da cidade 71213 A poesia arcaica e os conflitos da cidade a justiccedila como superaccedilatildeo da hybris 83

22 Impiedade e ultraje no mundo traacutegico 84211 A hybris nas trageacutedias 87212 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva 88

23 Hybris e asebeia como indicativos da transposiccedilatildeo da moira 104

Parte III - hybris e asebeia no mundo dos oradores

Capiacutetulo 3 - O homiciacutedio em Atenas 10931 Miasma e purificaccedilatildeo 11632 A vinganccedila privada e a puniccedilatildeo puacuteblica

o processo de institucionalizaccedilatildeo da justiccedila na poacutelis ateniense 12133 Os tribunais de assassinato na Atenas Claacutessica 130

331 Areoacutepago 133332 Palaacutedion 136333 Delfiacutenion 136334 Pritaneu 139335 Freato 142

34 Homiciacutedio e impiedade 142

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35 Os testemunhos dos escravos 14536 A intencionalidade do assassinato 14837 Assassinatos purificaccedilatildeo vinganccedila e a institucionalizaccedilatildeo da justiccedila 149

Capiacutetulo 4 - Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte 15141 Aspectos religiosos nas Tetralogias 15742 Injusticcedila e aspectos religiosos nos outros discursos de Antifonte 17243 Antifonte e as percepccedilotildees da imbricaccedilatildeo entre retoacuterica religiatildeo e direito 180

Capiacutetulo 5 - Assassinatos uso da impiedade e do ultraje no ataque aos adversaacuterios 18351 Contra Androacutecion e Contra Timoacutecrates 18852 Contra Aristoacutecrates 19953 Assassinatos e o desvio do caraacuteter 205

Capiacutetulo 6 - Hybris e violecircncia anaacutelise do Contra Coacutenon 20961 A violecircncia exacerbada e o caraacuteter ultrajante 20962 O galo e o riso a violecircncia simboacutelica 212

621 A figura do galo na mentalidade grega 212622 Coacutenon e a imitaccedilatildeo do galo 225623 O riso da audiecircncia 225

63 A violecircncia como uma das facetas da hybris 228

Capiacutetulo 7 - O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes o caso de Miacutedias e Neera 231

Capiacutetulo 8 - Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios 25981 A expansatildeo macedocircnica e as posiccedilotildees poliacuteticas de Demoacutestenes e Eacutesquines 26682 Contra Timarco o ultraje ao corpo e o mau exerciacutecio da cidadania 26883 A embaixada e as acusaccedilotildees de desserviccedilo agrave poacutelis 28584 O caso da Coroa e a disputa pelo reconhecimento do melhor cidadatildeo 29885 Inimizade hybris e asebeia 309

Capiacutetulo 9 - Disputas familiares a preservaccedilatildeo do oikos e a manutenccedilatildeo da ordem da poacutelis 31191 A religiatildeo familiar e o dever de culto aos mortos 31892 A representaccedilatildeo das disputas familiares e do dever dos filhos no teatro 32593 O conflito familiar na vida juriacutedica 33494 Iseu e as disputas sucessoacuterias os problemas da adoccedilatildeo e o dever de cuidar dos mortos 33795 Demoacutestenes e as contendas familiares 345

951 Contra Aacutefobo 349952 Contra Onetor 353

96 Demoacutestenes logoacutegrafo 357961 Contra Beoto 357962 Contra Macaacutertato 361

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9

97 Apolodoro 36398 Demoacutestenes e as contendas familiares 370

Consideraccedilotildees Finais - Ultraje e ofensa ao sagrado na caracterizaccedilatildeo negativa dos adversaacuterios em Demoacutestenes 373

Bibliografia 379

Leacutexico 401

index locorvm 407

index nominvm 413

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13 (Paacutegina deixada propositadamente em branco)
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11

Nota preacutevia

O presente trabalho eacute o resultado do esforccedilo investigativo durante o doutoramento em Estudos Claacutessicos na Universidade de Coimbra no periacuteodo de 2009 a 2013 Nessa trajetoacuteria recebi o apoio de inuacutemeras pessoas que auxiliaram das mais diversas maneiras A todas elas expresso minha graditatildeo e que minhas atitudes demonstrem mais que minhas palavras o quanto satildeo importates no caminho que sigo

Agradeccedilo agrave Universidade de Coimbra pelo suporte ao longo desses anos e principalmente ao Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos que possibi-litou o acesso a uma riquiacutessima bibliografia Natildeo me resta duacutevida de que sem esse apoio o trabalho natildeo teria a mesma qualidade A passagem por Coimbra foi essencial para o meu crescimento intelectual e pessoal e por isso sou grata a todos

Agradeccedilo especialmente ao Doutor Delfim Ferreira Leatildeo por ter acei-tado me orientar pelas leituras atentas do texto pelo diaacutelogo constante pela atenccedilatildeo pela paciecircncia e pela sagacidade em lidar com a questatildeo da distacircncia pois a maior parte da tese eu escrevi em outro continente

Meu muito obrigada a todos os membros da banca pela leitura atenta e bons conselhos Ao Doutor Francisco de Satildeo Joseacute de Oliveira agradeccedilo a forma criteriosa como conduziu os trabalhos Ao Doutor Filipe Hernaacutendez Muntildeoz pela disponibilidade de viajar para estar presente na banca pelas indicaccedilotildees de leituras e a avaliaccedilatildeo cuidadosa do texto Agrave Doutora Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado por fazer avanccedilar minha reflexatildeo com seus comentaacuterios pertinentes Agrave Doutora Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas e ao Doutor Frederico Bio Lourenccedilo pela leitura e avaliaccedilatildeo do trabalho e pela oportunidade de diaacutelogo

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85

Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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86

Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 7: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

Autora

Doutora em Mundo Antigo pela Universidade de Coimbra com a tese Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes sendo apro-vada com Distinccedilatildeo e Louvor por unanimidade Mestre em Histoacuteria pela Universidade Federal de Minas Gerais com a dissertaccedilatildeo Contra Miacutedias a utilizaccedilatildeo da impiedade por Demoacutestenes Possui graduaccedilatildeo em Histoacuteria com habilitaccedilatildeo em licenciatura pela Universidade Federal de Minas Gerais Participou de projetos para a divulgaccedilatildeo da cultura helecircnica tais como ldquoPrometeu Libertordquo e ldquoTrupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigordquo Tutora do curso de Especializaccedilatildeo em Estudos Claacutessicos promovido pela Universidade de Brasiacutelia Possui artigos publicados em diversas revistas cientiacuteficas brasileiras e participou de congressos no Brasil e no exterior Os principais interesses de pesquisa satildeo religiosidade grega retoacuterica em Demoacutestenes sistema judiciaacuterio e concepccedilatildeo de cidadania em Atenas

Author

PhD in Ancient World Universidade de Coimbra with the thesis ldquoEthics and foren-sic rhetoric asebeia and hybris in the characterizing of the opponents in Demosthenesrdquo that being passed with Distinction and Honors unanimously Master in History at the Universidade Federal de Minas Gerais with the dissertation Against Midias the use of impiety by Demosthenes Graduated in History at the Universidade Federal de Minas Gerais Participated in projects for the promotion of Hellenic culture such as Prometeu Liberto and Trupersa trupe de traduccedilatildeo em teatro antigo Tutor of the specialization in classical studies promoted by the Universidade de Brasiacutelia Has published articles in several Brazilian journals and participated in conferences in Brazil and abroad The main research interests are Greek religion rhetoric in Demosthenes judiciary system and the conception of citizenship in Athens

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Sumaacuterio

Nota preacutevia 11

Introduccedilatildeo 13

Parte I - Questotildees Metodoloacutegicas

Capiacutetulo 1 - Hybris e asebeia intercacircmbios e revelaccedilotildees 2311 O estudo das palavras a histoacuteria das palavras 23

111 A importacircncia da palavra no contexto ateniense 25122 Histoacuteria das palavras e a compreensatildeo de uma realidade 29

12 Direito e Sociedade 3313 A religiatildeo grega antiga 3814 Opccedilotildees de traduccedilatildeo 44

141 As Fontes 48

Parte II - A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense um breve percurso do ultraje e da impiedade

Capiacutetulo 2 - Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias 5321 Adikeia hybris e asebeia no mundo arcaico 56

211 Hybris em Soacutelon ultraje e sua relaccedilatildeo com a injusticcedila 59212 Os atos dos homens inferiores em Teoacutegnis

impiedade e ultraje como males da cidade 71213 A poesia arcaica e os conflitos da cidade a justiccedila como superaccedilatildeo da hybris 83

22 Impiedade e ultraje no mundo traacutegico 84211 A hybris nas trageacutedias 87212 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva 88

23 Hybris e asebeia como indicativos da transposiccedilatildeo da moira 104

Parte III - hybris e asebeia no mundo dos oradores

Capiacutetulo 3 - O homiciacutedio em Atenas 10931 Miasma e purificaccedilatildeo 11632 A vinganccedila privada e a puniccedilatildeo puacuteblica

o processo de institucionalizaccedilatildeo da justiccedila na poacutelis ateniense 12133 Os tribunais de assassinato na Atenas Claacutessica 130

331 Areoacutepago 133332 Palaacutedion 136333 Delfiacutenion 136334 Pritaneu 139335 Freato 142

34 Homiciacutedio e impiedade 142

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35 Os testemunhos dos escravos 14536 A intencionalidade do assassinato 14837 Assassinatos purificaccedilatildeo vinganccedila e a institucionalizaccedilatildeo da justiccedila 149

Capiacutetulo 4 - Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte 15141 Aspectos religiosos nas Tetralogias 15742 Injusticcedila e aspectos religiosos nos outros discursos de Antifonte 17243 Antifonte e as percepccedilotildees da imbricaccedilatildeo entre retoacuterica religiatildeo e direito 180

Capiacutetulo 5 - Assassinatos uso da impiedade e do ultraje no ataque aos adversaacuterios 18351 Contra Androacutecion e Contra Timoacutecrates 18852 Contra Aristoacutecrates 19953 Assassinatos e o desvio do caraacuteter 205

Capiacutetulo 6 - Hybris e violecircncia anaacutelise do Contra Coacutenon 20961 A violecircncia exacerbada e o caraacuteter ultrajante 20962 O galo e o riso a violecircncia simboacutelica 212

621 A figura do galo na mentalidade grega 212622 Coacutenon e a imitaccedilatildeo do galo 225623 O riso da audiecircncia 225

63 A violecircncia como uma das facetas da hybris 228

Capiacutetulo 7 - O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes o caso de Miacutedias e Neera 231

Capiacutetulo 8 - Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios 25981 A expansatildeo macedocircnica e as posiccedilotildees poliacuteticas de Demoacutestenes e Eacutesquines 26682 Contra Timarco o ultraje ao corpo e o mau exerciacutecio da cidadania 26883 A embaixada e as acusaccedilotildees de desserviccedilo agrave poacutelis 28584 O caso da Coroa e a disputa pelo reconhecimento do melhor cidadatildeo 29885 Inimizade hybris e asebeia 309

Capiacutetulo 9 - Disputas familiares a preservaccedilatildeo do oikos e a manutenccedilatildeo da ordem da poacutelis 31191 A religiatildeo familiar e o dever de culto aos mortos 31892 A representaccedilatildeo das disputas familiares e do dever dos filhos no teatro 32593 O conflito familiar na vida juriacutedica 33494 Iseu e as disputas sucessoacuterias os problemas da adoccedilatildeo e o dever de cuidar dos mortos 33795 Demoacutestenes e as contendas familiares 345

951 Contra Aacutefobo 349952 Contra Onetor 353

96 Demoacutestenes logoacutegrafo 357961 Contra Beoto 357962 Contra Macaacutertato 361

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9

97 Apolodoro 36398 Demoacutestenes e as contendas familiares 370

Consideraccedilotildees Finais - Ultraje e ofensa ao sagrado na caracterizaccedilatildeo negativa dos adversaacuterios em Demoacutestenes 373

Bibliografia 379

Leacutexico 401

index locorvm 407

index nominvm 413

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13 (Paacutegina deixada propositadamente em branco)
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Nota preacutevia

O presente trabalho eacute o resultado do esforccedilo investigativo durante o doutoramento em Estudos Claacutessicos na Universidade de Coimbra no periacuteodo de 2009 a 2013 Nessa trajetoacuteria recebi o apoio de inuacutemeras pessoas que auxiliaram das mais diversas maneiras A todas elas expresso minha graditatildeo e que minhas atitudes demonstrem mais que minhas palavras o quanto satildeo importates no caminho que sigo

Agradeccedilo agrave Universidade de Coimbra pelo suporte ao longo desses anos e principalmente ao Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos que possibi-litou o acesso a uma riquiacutessima bibliografia Natildeo me resta duacutevida de que sem esse apoio o trabalho natildeo teria a mesma qualidade A passagem por Coimbra foi essencial para o meu crescimento intelectual e pessoal e por isso sou grata a todos

Agradeccedilo especialmente ao Doutor Delfim Ferreira Leatildeo por ter acei-tado me orientar pelas leituras atentas do texto pelo diaacutelogo constante pela atenccedilatildeo pela paciecircncia e pela sagacidade em lidar com a questatildeo da distacircncia pois a maior parte da tese eu escrevi em outro continente

Meu muito obrigada a todos os membros da banca pela leitura atenta e bons conselhos Ao Doutor Francisco de Satildeo Joseacute de Oliveira agradeccedilo a forma criteriosa como conduziu os trabalhos Ao Doutor Filipe Hernaacutendez Muntildeoz pela disponibilidade de viajar para estar presente na banca pelas indicaccedilotildees de leituras e a avaliaccedilatildeo cuidadosa do texto Agrave Doutora Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado por fazer avanccedilar minha reflexatildeo com seus comentaacuterios pertinentes Agrave Doutora Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas e ao Doutor Frederico Bio Lourenccedilo pela leitura e avaliaccedilatildeo do trabalho e pela oportunidade de diaacutelogo

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 8: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

Sumaacuterio

Nota preacutevia 11

Introduccedilatildeo 13

Parte I - Questotildees Metodoloacutegicas

Capiacutetulo 1 - Hybris e asebeia intercacircmbios e revelaccedilotildees 2311 O estudo das palavras a histoacuteria das palavras 23

111 A importacircncia da palavra no contexto ateniense 25122 Histoacuteria das palavras e a compreensatildeo de uma realidade 29

12 Direito e Sociedade 3313 A religiatildeo grega antiga 3814 Opccedilotildees de traduccedilatildeo 44

141 As Fontes 48

Parte II - A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense um breve percurso do ultraje e da impiedade

Capiacutetulo 2 - Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias 5321 Adikeia hybris e asebeia no mundo arcaico 56

211 Hybris em Soacutelon ultraje e sua relaccedilatildeo com a injusticcedila 59212 Os atos dos homens inferiores em Teoacutegnis

impiedade e ultraje como males da cidade 71213 A poesia arcaica e os conflitos da cidade a justiccedila como superaccedilatildeo da hybris 83

22 Impiedade e ultraje no mundo traacutegico 84211 A hybris nas trageacutedias 87212 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva 88

23 Hybris e asebeia como indicativos da transposiccedilatildeo da moira 104

Parte III - hybris e asebeia no mundo dos oradores

Capiacutetulo 3 - O homiciacutedio em Atenas 10931 Miasma e purificaccedilatildeo 11632 A vinganccedila privada e a puniccedilatildeo puacuteblica

o processo de institucionalizaccedilatildeo da justiccedila na poacutelis ateniense 12133 Os tribunais de assassinato na Atenas Claacutessica 130

331 Areoacutepago 133332 Palaacutedion 136333 Delfiacutenion 136334 Pritaneu 139335 Freato 142

34 Homiciacutedio e impiedade 142

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35 Os testemunhos dos escravos 14536 A intencionalidade do assassinato 14837 Assassinatos purificaccedilatildeo vinganccedila e a institucionalizaccedilatildeo da justiccedila 149

Capiacutetulo 4 - Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte 15141 Aspectos religiosos nas Tetralogias 15742 Injusticcedila e aspectos religiosos nos outros discursos de Antifonte 17243 Antifonte e as percepccedilotildees da imbricaccedilatildeo entre retoacuterica religiatildeo e direito 180

Capiacutetulo 5 - Assassinatos uso da impiedade e do ultraje no ataque aos adversaacuterios 18351 Contra Androacutecion e Contra Timoacutecrates 18852 Contra Aristoacutecrates 19953 Assassinatos e o desvio do caraacuteter 205

Capiacutetulo 6 - Hybris e violecircncia anaacutelise do Contra Coacutenon 20961 A violecircncia exacerbada e o caraacuteter ultrajante 20962 O galo e o riso a violecircncia simboacutelica 212

621 A figura do galo na mentalidade grega 212622 Coacutenon e a imitaccedilatildeo do galo 225623 O riso da audiecircncia 225

63 A violecircncia como uma das facetas da hybris 228

Capiacutetulo 7 - O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes o caso de Miacutedias e Neera 231

Capiacutetulo 8 - Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios 25981 A expansatildeo macedocircnica e as posiccedilotildees poliacuteticas de Demoacutestenes e Eacutesquines 26682 Contra Timarco o ultraje ao corpo e o mau exerciacutecio da cidadania 26883 A embaixada e as acusaccedilotildees de desserviccedilo agrave poacutelis 28584 O caso da Coroa e a disputa pelo reconhecimento do melhor cidadatildeo 29885 Inimizade hybris e asebeia 309

Capiacutetulo 9 - Disputas familiares a preservaccedilatildeo do oikos e a manutenccedilatildeo da ordem da poacutelis 31191 A religiatildeo familiar e o dever de culto aos mortos 31892 A representaccedilatildeo das disputas familiares e do dever dos filhos no teatro 32593 O conflito familiar na vida juriacutedica 33494 Iseu e as disputas sucessoacuterias os problemas da adoccedilatildeo e o dever de cuidar dos mortos 33795 Demoacutestenes e as contendas familiares 345

951 Contra Aacutefobo 349952 Contra Onetor 353

96 Demoacutestenes logoacutegrafo 357961 Contra Beoto 357962 Contra Macaacutertato 361

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97 Apolodoro 36398 Demoacutestenes e as contendas familiares 370

Consideraccedilotildees Finais - Ultraje e ofensa ao sagrado na caracterizaccedilatildeo negativa dos adversaacuterios em Demoacutestenes 373

Bibliografia 379

Leacutexico 401

index locorvm 407

index nominvm 413

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Nota preacutevia

O presente trabalho eacute o resultado do esforccedilo investigativo durante o doutoramento em Estudos Claacutessicos na Universidade de Coimbra no periacuteodo de 2009 a 2013 Nessa trajetoacuteria recebi o apoio de inuacutemeras pessoas que auxiliaram das mais diversas maneiras A todas elas expresso minha graditatildeo e que minhas atitudes demonstrem mais que minhas palavras o quanto satildeo importates no caminho que sigo

Agradeccedilo agrave Universidade de Coimbra pelo suporte ao longo desses anos e principalmente ao Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos que possibi-litou o acesso a uma riquiacutessima bibliografia Natildeo me resta duacutevida de que sem esse apoio o trabalho natildeo teria a mesma qualidade A passagem por Coimbra foi essencial para o meu crescimento intelectual e pessoal e por isso sou grata a todos

Agradeccedilo especialmente ao Doutor Delfim Ferreira Leatildeo por ter acei-tado me orientar pelas leituras atentas do texto pelo diaacutelogo constante pela atenccedilatildeo pela paciecircncia e pela sagacidade em lidar com a questatildeo da distacircncia pois a maior parte da tese eu escrevi em outro continente

Meu muito obrigada a todos os membros da banca pela leitura atenta e bons conselhos Ao Doutor Francisco de Satildeo Joseacute de Oliveira agradeccedilo a forma criteriosa como conduziu os trabalhos Ao Doutor Filipe Hernaacutendez Muntildeoz pela disponibilidade de viajar para estar presente na banca pelas indicaccedilotildees de leituras e a avaliaccedilatildeo cuidadosa do texto Agrave Doutora Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado por fazer avanccedilar minha reflexatildeo com seus comentaacuterios pertinentes Agrave Doutora Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas e ao Doutor Frederico Bio Lourenccedilo pela leitura e avaliaccedilatildeo do trabalho e pela oportunidade de diaacutelogo

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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(Paacutegina deixada propositadamente em branco)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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261

Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 9: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

35 Os testemunhos dos escravos 14536 A intencionalidade do assassinato 14837 Assassinatos purificaccedilatildeo vinganccedila e a institucionalizaccedilatildeo da justiccedila 149

Capiacutetulo 4 - Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte 15141 Aspectos religiosos nas Tetralogias 15742 Injusticcedila e aspectos religiosos nos outros discursos de Antifonte 17243 Antifonte e as percepccedilotildees da imbricaccedilatildeo entre retoacuterica religiatildeo e direito 180

Capiacutetulo 5 - Assassinatos uso da impiedade e do ultraje no ataque aos adversaacuterios 18351 Contra Androacutecion e Contra Timoacutecrates 18852 Contra Aristoacutecrates 19953 Assassinatos e o desvio do caraacuteter 205

Capiacutetulo 6 - Hybris e violecircncia anaacutelise do Contra Coacutenon 20961 A violecircncia exacerbada e o caraacuteter ultrajante 20962 O galo e o riso a violecircncia simboacutelica 212

621 A figura do galo na mentalidade grega 212622 Coacutenon e a imitaccedilatildeo do galo 225623 O riso da audiecircncia 225

63 A violecircncia como uma das facetas da hybris 228

Capiacutetulo 7 - O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes o caso de Miacutedias e Neera 231

Capiacutetulo 8 - Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios 25981 A expansatildeo macedocircnica e as posiccedilotildees poliacuteticas de Demoacutestenes e Eacutesquines 26682 Contra Timarco o ultraje ao corpo e o mau exerciacutecio da cidadania 26883 A embaixada e as acusaccedilotildees de desserviccedilo agrave poacutelis 28584 O caso da Coroa e a disputa pelo reconhecimento do melhor cidadatildeo 29885 Inimizade hybris e asebeia 309

Capiacutetulo 9 - Disputas familiares a preservaccedilatildeo do oikos e a manutenccedilatildeo da ordem da poacutelis 31191 A religiatildeo familiar e o dever de culto aos mortos 31892 A representaccedilatildeo das disputas familiares e do dever dos filhos no teatro 32593 O conflito familiar na vida juriacutedica 33494 Iseu e as disputas sucessoacuterias os problemas da adoccedilatildeo e o dever de cuidar dos mortos 33795 Demoacutestenes e as contendas familiares 345

951 Contra Aacutefobo 349952 Contra Onetor 353

96 Demoacutestenes logoacutegrafo 357961 Contra Beoto 357962 Contra Macaacutertato 361

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9

97 Apolodoro 36398 Demoacutestenes e as contendas familiares 370

Consideraccedilotildees Finais - Ultraje e ofensa ao sagrado na caracterizaccedilatildeo negativa dos adversaacuterios em Demoacutestenes 373

Bibliografia 379

Leacutexico 401

index locorvm 407

index nominvm 413

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13 (Paacutegina deixada propositadamente em branco)
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11

Nota preacutevia

O presente trabalho eacute o resultado do esforccedilo investigativo durante o doutoramento em Estudos Claacutessicos na Universidade de Coimbra no periacuteodo de 2009 a 2013 Nessa trajetoacuteria recebi o apoio de inuacutemeras pessoas que auxiliaram das mais diversas maneiras A todas elas expresso minha graditatildeo e que minhas atitudes demonstrem mais que minhas palavras o quanto satildeo importates no caminho que sigo

Agradeccedilo agrave Universidade de Coimbra pelo suporte ao longo desses anos e principalmente ao Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos que possibi-litou o acesso a uma riquiacutessima bibliografia Natildeo me resta duacutevida de que sem esse apoio o trabalho natildeo teria a mesma qualidade A passagem por Coimbra foi essencial para o meu crescimento intelectual e pessoal e por isso sou grata a todos

Agradeccedilo especialmente ao Doutor Delfim Ferreira Leatildeo por ter acei-tado me orientar pelas leituras atentas do texto pelo diaacutelogo constante pela atenccedilatildeo pela paciecircncia e pela sagacidade em lidar com a questatildeo da distacircncia pois a maior parte da tese eu escrevi em outro continente

Meu muito obrigada a todos os membros da banca pela leitura atenta e bons conselhos Ao Doutor Francisco de Satildeo Joseacute de Oliveira agradeccedilo a forma criteriosa como conduziu os trabalhos Ao Doutor Filipe Hernaacutendez Muntildeoz pela disponibilidade de viajar para estar presente na banca pelas indicaccedilotildees de leituras e a avaliaccedilatildeo cuidadosa do texto Agrave Doutora Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado por fazer avanccedilar minha reflexatildeo com seus comentaacuterios pertinentes Agrave Doutora Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas e ao Doutor Frederico Bio Lourenccedilo pela leitura e avaliaccedilatildeo do trabalho e pela oportunidade de diaacutelogo

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 10: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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97 Apolodoro 36398 Demoacutestenes e as contendas familiares 370

Consideraccedilotildees Finais - Ultraje e ofensa ao sagrado na caracterizaccedilatildeo negativa dos adversaacuterios em Demoacutestenes 373

Bibliografia 379

Leacutexico 401

index locorvm 407

index nominvm 413

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Nota preacutevia

O presente trabalho eacute o resultado do esforccedilo investigativo durante o doutoramento em Estudos Claacutessicos na Universidade de Coimbra no periacuteodo de 2009 a 2013 Nessa trajetoacuteria recebi o apoio de inuacutemeras pessoas que auxiliaram das mais diversas maneiras A todas elas expresso minha graditatildeo e que minhas atitudes demonstrem mais que minhas palavras o quanto satildeo importates no caminho que sigo

Agradeccedilo agrave Universidade de Coimbra pelo suporte ao longo desses anos e principalmente ao Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos que possibi-litou o acesso a uma riquiacutessima bibliografia Natildeo me resta duacutevida de que sem esse apoio o trabalho natildeo teria a mesma qualidade A passagem por Coimbra foi essencial para o meu crescimento intelectual e pessoal e por isso sou grata a todos

Agradeccedilo especialmente ao Doutor Delfim Ferreira Leatildeo por ter acei-tado me orientar pelas leituras atentas do texto pelo diaacutelogo constante pela atenccedilatildeo pela paciecircncia e pela sagacidade em lidar com a questatildeo da distacircncia pois a maior parte da tese eu escrevi em outro continente

Meu muito obrigada a todos os membros da banca pela leitura atenta e bons conselhos Ao Doutor Francisco de Satildeo Joseacute de Oliveira agradeccedilo a forma criteriosa como conduziu os trabalhos Ao Doutor Filipe Hernaacutendez Muntildeoz pela disponibilidade de viajar para estar presente na banca pelas indicaccedilotildees de leituras e a avaliaccedilatildeo cuidadosa do texto Agrave Doutora Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado por fazer avanccedilar minha reflexatildeo com seus comentaacuterios pertinentes Agrave Doutora Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas e ao Doutor Frederico Bio Lourenccedilo pela leitura e avaliaccedilatildeo do trabalho e pela oportunidade de diaacutelogo

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 11: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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13 (Paacutegina deixada propositadamente em branco)
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Nota preacutevia

O presente trabalho eacute o resultado do esforccedilo investigativo durante o doutoramento em Estudos Claacutessicos na Universidade de Coimbra no periacuteodo de 2009 a 2013 Nessa trajetoacuteria recebi o apoio de inuacutemeras pessoas que auxiliaram das mais diversas maneiras A todas elas expresso minha graditatildeo e que minhas atitudes demonstrem mais que minhas palavras o quanto satildeo importates no caminho que sigo

Agradeccedilo agrave Universidade de Coimbra pelo suporte ao longo desses anos e principalmente ao Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos que possibi-litou o acesso a uma riquiacutessima bibliografia Natildeo me resta duacutevida de que sem esse apoio o trabalho natildeo teria a mesma qualidade A passagem por Coimbra foi essencial para o meu crescimento intelectual e pessoal e por isso sou grata a todos

Agradeccedilo especialmente ao Doutor Delfim Ferreira Leatildeo por ter acei-tado me orientar pelas leituras atentas do texto pelo diaacutelogo constante pela atenccedilatildeo pela paciecircncia e pela sagacidade em lidar com a questatildeo da distacircncia pois a maior parte da tese eu escrevi em outro continente

Meu muito obrigada a todos os membros da banca pela leitura atenta e bons conselhos Ao Doutor Francisco de Satildeo Joseacute de Oliveira agradeccedilo a forma criteriosa como conduziu os trabalhos Ao Doutor Filipe Hernaacutendez Muntildeoz pela disponibilidade de viajar para estar presente na banca pelas indicaccedilotildees de leituras e a avaliaccedilatildeo cuidadosa do texto Agrave Doutora Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado por fazer avanccedilar minha reflexatildeo com seus comentaacuterios pertinentes Agrave Doutora Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas e ao Doutor Frederico Bio Lourenccedilo pela leitura e avaliaccedilatildeo do trabalho e pela oportunidade de diaacutelogo

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 12: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Nota preacutevia

O presente trabalho eacute o resultado do esforccedilo investigativo durante o doutoramento em Estudos Claacutessicos na Universidade de Coimbra no periacuteodo de 2009 a 2013 Nessa trajetoacuteria recebi o apoio de inuacutemeras pessoas que auxiliaram das mais diversas maneiras A todas elas expresso minha graditatildeo e que minhas atitudes demonstrem mais que minhas palavras o quanto satildeo importates no caminho que sigo

Agradeccedilo agrave Universidade de Coimbra pelo suporte ao longo desses anos e principalmente ao Centro de Estudos Claacutessicos e Humaniacutesticos que possibi-litou o acesso a uma riquiacutessima bibliografia Natildeo me resta duacutevida de que sem esse apoio o trabalho natildeo teria a mesma qualidade A passagem por Coimbra foi essencial para o meu crescimento intelectual e pessoal e por isso sou grata a todos

Agradeccedilo especialmente ao Doutor Delfim Ferreira Leatildeo por ter acei-tado me orientar pelas leituras atentas do texto pelo diaacutelogo constante pela atenccedilatildeo pela paciecircncia e pela sagacidade em lidar com a questatildeo da distacircncia pois a maior parte da tese eu escrevi em outro continente

Meu muito obrigada a todos os membros da banca pela leitura atenta e bons conselhos Ao Doutor Francisco de Satildeo Joseacute de Oliveira agradeccedilo a forma criteriosa como conduziu os trabalhos Ao Doutor Filipe Hernaacutendez Muntildeoz pela disponibilidade de viajar para estar presente na banca pelas indicaccedilotildees de leituras e a avaliaccedilatildeo cuidadosa do texto Agrave Doutora Ana Luacutecia Carmo Almeida do Amaral Curado por fazer avanccedilar minha reflexatildeo com seus comentaacuterios pertinentes Agrave Doutora Marta Isabel de Oliveira Vaacuterzeas e ao Doutor Frederico Bio Lourenccedilo pela leitura e avaliaccedilatildeo do trabalho e pela oportunidade de diaacutelogo

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CECH
Typewritten Text

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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(Paacutegina deixada propositadamente em branco)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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261

Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 13: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

no contexto de comemoraccedilatildeo religiosa preparada pela cidade para honrar de forma coletiva seus deuses Eacute nesse contexto de surgimento e consolidaccedilatildeo de uma nova ordem poliacutetica que no caso ateniense iraacute coincidir com o desen-volvimento e a consolidaccedilatildeo da democracia que se enquadram as trageacutedias

As representaccedilotildees das trageacutedias em Atenas fazem parte do culto destinado a Dioniso que foi ao poucos sendo incorporado pela cidade No iniacutecio o dio-nisismo era um culto mais associado agraves camadas populares e por isso estava fora dos quadros aristocraacuteticos instituiacutedos Com as transformaccedilotildees poliacuteticas da segunda metade do seacuteculo VI os tiranos em busca do apoio poliacutetico favorece-ram o culto ao deus instituindo santuaacuterios e outros lugares especiacuteficos onde Dioniso se manifestaria na cidade175 No periacuteodo claacutessico a cidade dedicaraacute quatro grandes festas ao deus as Dioniacutesias Rurais as Leneas as Antesteacuterias e as Grandes Dioniacutesias em que eram feitos concursos de ditirambo trageacutedias e comeacutedias Durante o periacuteodo claacutessico as Grandes Dioniacutesias eram a festa mais importante dedicada a Dioniso e uma das mais relevantes para a cidade sendo tatildeo prestigiada quanto as Festas Panatenaicas Para assistir agraves trageacutedias e comeacutedias vinham pessoas dos cantos mais remotos da Aacutetica e visitantes de toda a Heacutelade176

Em termos de assunto abordado nos dramas as trageacutedias recorrem preferencialmente aos mitos heroicos para narrar os desafios e problemas vi-venciados pela democracia bem como o drama mais iacutentimo dos cidadatildeos Os mitos que satildeo de conhecimentos de todos fornecem os elementos necessaacuterios para promover um distanciamento da realidade e ao mesmo tempo provocar a verossimilhanccedila na audiecircncia o que eacute essencial para o processo de catarse Com esse duplo movimento de afastamento e aproximaccedilatildeo da realidade as accedilotildees dos heroacuteis podem ser consideradas modelos de conduta a serem se-guidos ou evitados uma vez que a plateia durante a execuccedilatildeo da peccedila tem a possibilidade de refletir sobre o ato da personagem e principalmente acerca de suas consequecircncias Com isso percebe-se o caraacuteter pedagoacutegico das trageacutedias ao demonstrarem as accedilotildees que seriam louvaacuteveis e condenaacuteveis no contexto democraacutetico e tambeacutem ao reforccedilarem as puniccedilotildees recebidas por aqueles que agiram de forma equivocada

A moira nas trageacutedias natildeo significa uma fatalidade inevitaacutevel177 Ela mostra aos homens a consciecircncia da sua mortalidade e as limitaccedilotildees do seu

175 Para Burkert (1993 490) um dos fatores que demonstram o poder crescente da poacutelis eacute o controle que ela exerce no monopoacutelio dos cultos Dabdab Trabulsi (2004 84-97) analisa o processo de integraccedilatildeo do dionisismo no seacuteculo VI demonstrando a sua utilizaccedilatildeo por parte dos tiranos e explicitando o culto a Dioniso como um dos mecanismos para o processo de alargamento social realizado pela poacutelis ateniense

176 Pereira 1988 337-349177 Vernant amp Vidal Naquet 1990 13-14 Jaeger 2003 302

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 14: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

86

Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

conhecimento O traacutegico se daacute pela possibilidade de escolha pois a persona-gem eacute colocada diante de uma gama de opccedilotildees e ela precisa selecionar Por causa de seus conhecimentos limitados a personagem natildeo eacute capaz de saber se sua escolha lhe conduziraacute para um caminho bom ou ruim Nas trageacutedias apesar da interferecircncia constante dos deuses o homem aparece como o senhor das suas escolhas e por isso deve se responsabilizar por suas accedilotildees178 As re-laccedilotildees das personagens com seus destinos variam de peccedila para peccedila e entre os autores algumas personagens poreacutem apresentando-se com maior liberdade de escolha como Fedra em Euriacutepides que opta pela proacutepria morte

Assim nas trageacutedias tem-se a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo e eacute a cidade que se coloca em cena diante do conjunto de seus cidadatildeos mostrando os seus dilemas e ao mesmo tempo fornecendo paracircmetros para a conduta dos mesmos seja da sua relaccedilatildeo com outros homens ou da relaccedilatildeo entre homens e deuses Eacute a partir dessa perspectiva que se compreende noccedilotildees tatildeo recorrentes nas trageacutedias como a justiccedila o ultraje a piedade e os seus respectivos contraacute-rios

A hybris eacute sempre condenada pelos coros ao depararem com o inevitaacutevel erro das personagens principalmente por este representar um risco agrave ordem estabelecida na cidade como ilustra Soacutefocles em Eacutedipo Rei nos versos 873 a 880

A desmedida (Ὕβρις) engendra o tirano (τύραννον) Quando a desmedida (ὕβρις) se fartou insanamente sem se preocupar com o momento e a conveni-ecircncia e quando ela subiu ao mais alto agrave cumeeira eis que se precipita de suacutebito ao abismo fatal aos seus peacutes quebrados recusam-se entatildeo a servi-la Ora eacute a luta gloriosa pela salvaccedilatildeo da cidade que ao contraacuterio peccedilo a Deus que jamais interromper-se (λῦσαι) Deus eacute minha salvaguarda e sempre o seraacute179

Nesse trecho a hybris eacute considerada a responsaacutevel pelo surgimento do tirano e Eacutedipo por estar imbuiacutedo desse sentimento estaacute conduzindo a cidade para a tirania um estado em que natildeo se respeita o que eacute adequado a cada um Para evitar o estado tiracircnico o coro pede a intervenccedilatildeo divina responsaacutevel pela proteccedilatildeo da cidade Esse processo se daacute por meio da remoccedilatildeo do sujeito hybristes remoccedilatildeo inevitaacutevel segundo o alerta do coro

Aleacutem de falar as consequecircncias da hybris os coros tambeacutem discorrem acerca de suas causas Entre elas estaacute o excesso de riqueza e de prosperidade que da mesma forma que nos poetas traacutegicos pode conduzir a pessoa a uma busca incessante pela ampliaccedilatildeo daquilo que possui Esse eacute o caso de Xerxes retratado em Persas que sendo embora possuidor de uma imensa fortuna e

178 Lesky (1995) Vernant amp Vidal Naquet (1990) Jaeger (2003) Torrano (2009)179 Traduccedilatildeo de Neves (2007)

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 15: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

de um grandioso exeacutercito se lanccedila agrave conquista do mundo grego acreditando que nunca seria derrotado Outro fator que pode desencadear a hybris satildeo os sucessos momentacircneos jaacute que estando a viver um periacuteodo favoraacutevel o homem pode se esquecer de sua condiccedilatildeo de mortal que eacute caracterizada por momentos de benesses e outros ruins (como bem exemplifica o mito das duas jarras de Zeus) e com isso esquecer-se de prestar as reverecircncias devidas aos deuses

Alguns exemplos de trageacutedias demonstram que os praticantes da hybris recebem a devida puniccedilatildeo que lhes eacute enviada pelos deuses Nesse estado os homens satildeo mais suscetiacuteveis a se envolverem nas armadilhas da ate180 uma cegueira que impede de refletir sobre suas accedilotildees Assim o homem que acredita estar agindo na defesa de seus proacuteprios interesses na verdade estaacute percorrendo o proacuteprio caminho para a ruiacutena

A ruiacutena natildeo se restringe agrave pessoa que cometeu a hybris mas pode abranger toda a coletividade apresentando um grave risco para a cidade como evidencia o pedido de salvaccedilatildeo do coro diante da hybris de Eacutedipo A hybris representa igualmente um grave risco para a democracia agrave medida que rompe com um de seus princiacutepios fundadores a igualdade

221 A hybris nas trageacutediasA presenccedila da hybris nas trageacutedias e sua reprovaccedilatildeo teratildeo um papel fun-

damental para a sua constituiccedilatildeo como uma noccedilatildeo religiosa e moral pois no teatro percebemos a continuaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre a hybris e a esfera religiosa que se inicia no periacuteodo arcaico e se estende por todo o claacutessico181 Por ser o conceito de hybris fluido e de difiacutecil precisatildeo jaacute que se relaciona com os estado psiacutequicos dos envolvidos as trageacutedias satildeo importantes para nos auxi-liarem na definiccedilatildeo de quais accedilotildees podem ser classificadas como hybris jaacute que tais trageacutedias possuem diversos exemplos Dentre os vaacuterios casos podem-se citar o ultraje aos mortos (feito nos campos de batalha de Troia e no decreto de Creonte) as ofensas aos pais (representadas pelo desrespeito de Eteacuteocles e Polinices a Eacutedipo durante o baquete e a negaccedilatildeo dos filhos em ajudar o pai no exiacutelio) a violaccedilatildeo dos direitos de hospitalidade (o rapto de Helena) o adulteacuterio (relaccedilotildees amorosas de Clitemnestra e Egisto) o incesto e o suiciacutedio (Eacutedipo e Jocasta)182 A demonstraccedilatildeo desses atos vis serve para solidificar na mentalidade ateniense a ideia de quais os tipos de accedilotildees que corresponderiam a

180 Jaeger 2003 302 Torrano 2009 42181 Gernet 2001 41 Na perspectiva do helenista as trageacutedias satildeo excelentes fontes para a

compreensatildeo do estabelecimento da hybris como uma forccedila moral e religiosa e de sua utilizaccedilatildeo no campo judiciaacuterio

182 Gernet 2001 43

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 16: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

hybris Se observarmos atentamente algumas das accedilotildees que satildeo caracterizadas como ultrajantes tambeacutem pertencem ao domiacutenio da asebeia Violar a memoacuteria dos mortos ofender os pais e natildeo respeitar as leis de hospitalidades satildeo accedilotildees iacutempias Esses exemplos jaacute demonstram a estreita relaccedilatildeo entre hybris e asebeia

Nas trageacutedias a hybris apresenta uma noccedilatildeo de atentado religioso jaacute que o homem ultrapassou sua moira (os limites) estabelecida pelos deuses e por isso deve ser duramente reprimido pela cidade Assim como a noccedilatildeo de justiccedila a hybris relaciona-se com a ideia de ordem no kosmos mas sob um aspecto negativo jaacute que representa a quebra do equiliacutebrio de uma ordem preacute-existente (kosmos) estabelecido pelo destino (moira) e que natildeo pode ser desfeito impu-nemente183

Dessa maneira o termo hybris traz em si uma concepccedilatildeo de homem e de seu lugar no kosmos sendo o ser humano uma forccedila fraacutegil e impotente frente agrave forccedila proveniente dos deuses A hybris provoca inquietaccedilatildeo na poacutelis por apresentar uma noccedilatildeo de indisciplina com relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo estabelecida pela coletividade Essa indisciplina eacute provocada por um sentimento de orgulho que faz a pessoa ultrapassar seu domiacutenio circunscrito Assim a reprovaccedilatildeo da hybris pela poacutelis eacute a rejeiccedilatildeo das accedilotildees que podem trazer a ruiacutena agrave cidade

222 Hybris ofensa aos deuses e a perdiccedilatildeo dos homens os perigos agrave vida coletiva

Como na poesia arcaica a hybris continua sendo um fator que provoca a destruiccedilatildeo das cidades e de maneira semelhante a justiccedila eacute elencada pelos tragedioacutegrafos como um dos elementos para a manutenccedilatildeo da ordem Em todo caso dado que o universo traacutegico natildeo eacute diretamente o objeto da pesquisa iraacute se recorrer somente a trecircs trageacutedias de Eacutesquilo como exemplificaccedilatildeo dos argumentos necessaacuterios para corroborar a tese da construccedilatildeo da hybris e da im-piedade na mentalidade ateniense como fatores perturbadores agrave vida coletiva Dentre essas trecircs trageacutedias seraacute feita uma anaacutelise mais aprofundada somente de uma os Persas

A justiccedila torna-se um dos temas centrais debatidos por Eacutesquilo184 Em suas trageacutedias a justiccedila eacute apresentada como a responsaacutevel pela conciliaccedilatildeo de extrema importacircncia para a ordem democraacutetica Para o poeta a aplicaccedilatildeo da dike sugere a interferecircncia185 da esfera divina que promove a puniccedilatildeo das personagens como por exemplo Agamecircmnon e Xerxes A justiccedila tambeacutem

183 Gernet 2001 214184 Pereira 1988 393-398 Zaidman 2001 116185 Jaeger 2003 302

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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262

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 17: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

pode conduzi-las ao impasse traacutegico como no caso de Orestes que recebeu a absolviccedilatildeo do matriciacutedio por meio da ajuda divina Assim a aplicaccedilatildeo da jus-ticcedila representa o restabelecimento da ordem que foi perturbada por uma accedilatildeo negativa A diferenciaccedilatildeo das justiccedilas divina e humana eacute decorrente da proacutepria posiccedilatildeo de ambos no kosmos Por serem os deuses seres perfeitos a justiccedila por eles realizada tambeacutem eacute perfeita sendo expectaacutevel que seja concebida total-mente por meio da razatildeo e sem cometer qualquer arbitrariedade Jaacute a justiccedila realizada pelos homens conteacutem o traccedilo da proacutepria imperfeiccedilatildeo humana e por isso pode ser parcial movida por sentimentos e ateacute pela hybris A trageacutedia Antiacutegona de Soacutefocles eacute um exemplo dos limites de atuaccedilatildeo da justiccedila realizada pelos homens O decreto de Creonte natildeo respeita os ditames divinos do dever dos familiares de prestar as homenagens fuacutenebres aos mortos Sua insistecircncia na manutenccedilatildeo dessa lei o conduziraacute agrave terriacutevel infelicidade de perder o proacuteprio filho

Outro aspecto do teatro esquiliano eacute a relaccedilatildeo entre justiccedila e piedade pois para ele um dos aspectos essenciais da justiccedila era o cumprimento do dever para com os deuses e qualquer alteraccedilatildeo que seria uma impiedade era con-siderada uma injusticcedila186 Isso se comprova pela disposiccedilatildeo dos termos dike e sebas com os seus respectivos derivados e opostos em momentos cruciais para a sobrevivecircncia da poacutelis quando corre o risco de arruinar-se187 Essa estreita relaccedilatildeo tambeacutem se explica pelo papel fundamental que a religiosidade tem para a nova ordem que se estaacute afirmando a democracia pois eacute por meio de sentimento religioso que o homem vai conseguir se inserir adequadamente nela Da religiatildeo proveacutem o aparato simboacutelico com o qual as instituiccedilotildees da poacutelis se legitimavam como exemplificam os juramentos ritos e sacrifiacutecios que se seguiam agrave ocupaccedilatildeo de um cargo

Num estado ideal de democracia a justiccedila seria responsaacutevel por promover o equiliacutebrio e a concoacuterdia A justiccedila constitui a melhor maneira de fixar as relaccedilotildees entre os membros da cidade as quais seriam pautadas pela igual-dade Essa igualdade permite aos homens natildeo ficarem sujeitos agrave vontade de um indiviacuteduo ou de um grupo como ocorre respectivamente na tirania e na oligarquia

Na democracia justiccedila e equiliacutebrio satildeo noccedilotildees importantes e relaciona-das entre si jaacute que a justiccedila ocorre quando cada uma das partes ocupa seu devido lugar sejam imortais ou ldquocomedores de patildeordquo A divisatildeo de forccedilas eacute realizada por Zeus que no pensamento de Eacutesquilo eacute a figura divina de maior destaque pois ele eacute o guardiatildeo da justiccedila e o protetor da ordem

186 Adrados 1975 141187 Zaidman 2001 113-114

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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262

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 18: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

fazendo o necessaacuterio para sua manutenccedilatildeo188 Eacute por meio dessa divisatildeo de forccedilas onde cada um recebe sua moira que o equiliacutebrio se estabelece no kosmos Cada vez que a respectiva condiccedilatildeo eacute ultrapassada todo o equiliacutebrio fica comprometido e por isso a necessidade de restabelececirc-lo rapidamente por meio da eliminaccedilatildeo fiacutesica daquilo que provocou o distuacuterbio pela morte pelo exiacutelio ou por outra puniccedilatildeo Na Oresteia tem-se exemplos dos dois primeiros casos Agamecircmnon eacute assassinado por sua esposa Clitemnestra sob a justificativa de que ele deveria ser punido por sacrificar sua filha Ifigecircnia em troca dos bons ventos para sua expediccedilatildeo conseguir partir para Troia e Orestes segue para o exiacutelio em busca de purificaccedilatildeo apoacutes cometer o matriciacute-dio Jaacute Persas exemplifica o uacuteltimo caso em que Xerxes recebe como puniccedilatildeo de sua hybris a ruiacutena de seu Impeacuterio

Na ideia de justiccedila esquiliana a dike eacute a base para criaccedilatildeo de uma nova ordem humana na qual se busca a superaccedilatildeo dos impasses Para isso satildeo necessaacuterias a feacute e a confianccedila de que os dilemas seratildeo resolvidos sem acarretar prejuiacutezos para uma das partes e de maneira a afetar menos a cidade Dessa forma a justiccedila demonstra a relaccedilatildeo dos homens com os deuses pois a dike eacute dependente da accedilatildeo do homem jaacute que se refere a essa accedilatildeo Ao mesmo tempo ela tambeacutem eacute a expressatildeo da vontade divina uma vez que o homem recebe o castigo ou a absolviccedilatildeo de acordo com o arbiacutetrio dos deuses189

Outro tema importante na obra de Eacutesquilo como na cultura grega em geral eacute a hybris que representa qualquer excesso humano que prejudique a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo Ela representa a accedilatildeo humana desmedida frente agrave organizaccedilatildeo estipulada pelos deuses rompendo uma ordem que natildeo pode ser desfeita Quando o homem comete um ato de hybris cabe agrave esfera divina trazecirc-lo novamente agrave justa medida estabelecendo dessa forma a boa ordem

Quando o heroacutei traacutegico de Eacutesquilo comete uma hybris uma violaccedilatildeo de sua moira ele eacute movido pela soberba e pelo orgulho que produz uma cegueira (ate) na personagem que a conduz ao erro Nas trageacutedias a cegueira que leva agrave destruiccedilatildeo eacute o destino enviado pelos deuses se manifestando no homem como uma obsessatildeo que priva o seus sentidos e o conduz ao destino traacutegico190 No caso de Eacutesquilo ela eacute enviada por Zeus deus da justiccedila e da boa ordem e a ate eacute um elemento constitutivo da justiccedila divina e da piedade sendo utilizada para descrever as relaccedilotildees entre homens e deuses191 A noccedilatildeo de ate descreve no aspecto da determinaccedilatildeo divina o que hybris descreve no aspecto da iniciativa

188 Lesky 1995 277 Herreras 2008 60189 Adrados 1975 147190 Lesky 1995 276191 Dodds 2002 9 Torrano 2009 37

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 19: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

humana o homem mortal seduzido pela opulecircncia do poder se deixa levar para aleacutem dos limites permitidos pela prudecircncia192

Nas trageacutedias as personagens natildeo satildeo completamente boas nem maacutes e a vitoacuteria nunca eacute plena jaacute que o excesso pode levar agrave ruiacutena As trageacutedias Persas Agamecircmnon e Sete contra Tebas apresentam o governante da cidade cometendo um ato de hybris e ofensa aos deuses em algum momento Todos receberam uma puniccedilatildeo que seraacute apresentada como justa por obedecer aos desiacutegnios dos deuses e ser uma retribuiccedilatildeo na medida do proacuteprio delito Xerxes perde para o exeacutercito grego Agamecircmnon eacute assassinado agrave traiccedilatildeo e Eteacuteocles falece juntamente com seu irmatildeo durante a batalha travada pelos dois para disputar o trono de Tebas Essas trecircs personagens que satildeo os governantes estatildeo envolvi-das num conflito beacutelico que pode ameaccedilar a seguranccedila da cidade No caso de Agamecircmnon a guerra jaacute havia terminado mas na cidade havia o temor de que as atrocidades praticadas no campo de batalha pudessem prejudicaacute-la como demonstra a preocupaccedilatildeo de Clitemnestra ao receber notiacutecias do retorno do marido

E que natildeo se abata entretanto sobre eles desejo de destruir o que devem respei-tar vencidos pela acircnsia do lucro porque ainda precisam regressar satildeos e salvos a casa de fazer dando a volta a segunda metade da corrida[]Isto eacute o que uma mulher tem para dizer Os meus votos satildeo que o bem triunfe e que possamos ver sem incertezas Gozar o presente eacute o mais que neste mo-mento eu posso desejar193

As cidades de Xerxes e Agamecircmnon sofrem a anguacutestia da ausecircncia de no-tiacutecias do governante que foi guerrear em terras longiacutenquas194 Outro ponto em comum entre os dois eacute que suas expediccedilotildees foram marcadas pelo excesso pela grandiosidade do exeacutercito envolvendo uma grande quantidade de homens o desejo imenso de conquistar e a aniquilaccedilatildeo total da terra invadida

Jaacute Tebas enfrenta o perigo da ameaccedila da invasatildeo As mulheres repre-sentadas pelo coro preocupadas com seus destinos evocam as mazelas que a cidade sofre com a derrota

Prantos me arrancam jovens em florrota a lei violadas feridasno caminho de odiosas moradasQue dizer Proclamo a morte

192 Torrano 2009 42193 Eacutesquilo Agamecircmnon 341-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)194 Silva 2005 84

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 20: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

preferiacutevel agrave vida delasQuantos infortuacutenios padecea cidade devastadaRaptos matanccedilaincecircndios lenccediloacuteis de fumo envolvem a cidadeLoucas tempestades de Ares domador de povosemporcalham (μιαίνων) a piedade (εὐσέβειαν)195

Esse perigo torna-se mais difiacutecil de suportar por ter sido causado por um cidadatildeo de Tebas Polinices Ele busca conquistar o trono que tambeacutem eacute seu por direito Tebas vive uma guerra civil porque Eteacuteocles desrespeitou o acordo de alternacircncia do poder que demarcava um periacuteodo determinado para cada irmatildeo governar A ousadia dele em romper com o irmatildeo e o desejo de ter o poder somente para si conduz a cidade para um estado de guerra

Em Agamecircmnon e Persas a figura do coro de anciatildeos e as rainhas repre-sentam o corpo de cidadatildeos excluiacutedos do combate196 Em Sete contra Tebas isso eacute representado pelas mulheres suplicantes Por natildeo vivenciarem a experiecircncia do campo de batalha e sim outra a anguacutestia da espera por notiacutecias da dor da perda dos entes queridos e o medo da cidade sitiada tornam a perspectiva dessas personagens diferente com relaccedilatildeo agrave guerra197 Esse distanciamento per-mite realizar uma criacutetica mais ferrenha das atrocidades decorrentes do estado beacutelico Nas trageacutedias os coros tendem a expressar antes de mais o sentimento coletivo da cidade Eles estatildeo em contraste com a ousadia do governante e clamam por prudecircncia nas accedilotildees realizadas pelos soberanos

Outro aspecto em comum nas peccedilas eacute a piedade como um traccedilo glo-balmente caracterizador das mulheres Elas satildeo responsaacuteveis pelo contato da cidade com a esfera sagrada e satildeo elas que oferecem o modelo de como o ci-dadatildeo deve se comportar com relaccedilatildeo aos deuses Nas trageacutedias de Eacutesquilo os sacrifiacutecios puacuteblicos em tempos de guerra satildeo realizados por mulheres Atossa realiza um sacrifiacutecio diante da derrota e suplica para que o seu filho retorne em seguranccedila Clitemnestra faz um diante da vitoacuteria de Agamecircmnon e de seu regresso triunfal198

O sacrifiacutecio eacute uma das formas de comunicaccedilatildeo dos homens com os deuses pois eacute a maneira como eles mostravam sua deferecircncia aos imortais O ato do

195 Eacutesquilo Sete contra Tebas 333-343 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007) 196 Silva 2005 23197 O horror das mulheres frente agrave desolaccedilatildeo da guerra tambeacutem eacute explorado por Licurgo

para demonstrar os prejuiacutezos que a traiccedilatildeo de Leoacutecrates causou agrave cidade ldquoera possiacutevel ver agraves portas de Atenas mulheres livres aterrorizadas em pacircnico perguntando se ainda viviam umas o marido outras o pai outras os irmatildeos dando-se espetaacuteculo indecoroso para elas e para a cidaderdquo Licurgo Contra Leoacutecrates 40 Traduccedilatildeo de Segurado e Campos (2010)

198 Silva 2005 18

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Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 21: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

93

Capiacutetulo 2 ndash Hybris e asebeia na poesia arcaica e nas trageacutedias

sacrifiacutecio relembra aos homens sua mortalidade marcada pela necessidade do comer em oposiccedilatildeo agrave imortalidade de deuses que se alimentam da fumaccedila O sacrifiacutecio eacute tambeacutem a garantia da manutenccedilatildeo da boa ordem jaacute que traz a pro-teccedilatildeo e atrai as benesses do deus prestigiado Constitui um ato de deferecircncia e de subserviecircncia dos homens aos deuses reconhecendo a sua superioridade O desrespeito ao sacrifiacutecio era identificado com uma atitude negativa perante os deuses passiacutevel de puniccedilatildeo coletiva

Dessa forma podem-se entender os sacrifiacutecios realizados por Atossa e Clitemnestra como tentativas de atenuar os possiacuteveis castigos divinos oriundos das maacutes atitudes dos governantes como evidencia a preocupaccedilatildeo de Clitem-nestra ao receber notiacutecias do retorno de seu esposo ldquoSe o exeacutercito partir sem ter cometido falta (ἀναμπλάκητος) contra os deuses (θεοῖ) talvez fique sem consequecircncias os sofrimentos causados aos mortos a menos que sobrevenha algum mal inesperadordquo199 No caso especiacutefico de Clitemnestra pode-se per-ceber essas palavras como uma manifestaccedilatildeo de ironia traacutegica e mesmo da ambiguidade do seu caraacuteter jaacute que sua intenccedilatildeo era assassinar Agamecircmnon e queria que o rei natildeo desconfiasse do seu plano Percebe-se que fazer o sa-crifiacutecio era a atitude que o marido e a populaccedilatildeo esperavam dela marcando a sua importacircncia mesmo que natildeo tenha sido com intenccedilotildees verdadeiras de aguardar o bom regresso do esposo

Outras formas de comunicaccedilatildeo entre os homens e os deuses que demons-tram a presenccedila divina satildeo os sonhos a possessatildeo divina a interpretaccedilatildeo dos sinais dos pressaacutegios O primeiro tem um caraacuteter mais iacutentimo pois se revela na privacidade no momento em que a pessoa estaacute no leito jaacute os pressaacutegios tecircm uma dimensatildeo mais puacuteblica pois se manifestam no ritual200

Nas peccedilas esses trecircs elementos servem para aumentar o medo humano com relaccedilatildeo ao futuro e questionar a validade e a necessidade do confronto mi-litar Em Persas o divino entra em contato com os homens atraveacutes de Atossa por meio dos seus sonhos e do pressaacutegio Aleacutem disso tambeacutem haacute o fantasma de Dario que reprime o filho e ao lamentar tambeacutem fornece a explicaccedilatildeo para a derrota do Impeacuterio persa Em Agamecircmnon os pressaacutegios e as profecias de Cassandra alimentam temores sobre o genociacutedio praticado em Troia

O tema da piedade das mulheres eacute mais explorado em Sete contra Tebas que apresenta o conflito entre duas percepccedilotildees a feminina e a masculina dos deveres com relaccedilatildeo ao culto aos deuses O rei natildeo compreende as reaccedilotildees do coro de mulheres que suplica piedosamente para que os deuses natildeo as deixem cair nos horrores da guerra tais como a escravidatildeo e a perda dos entes queridos

199 Eacutesquilo Agamecircmnon 345-350 Traduccedilatildeo de Pulqueacuterio (2007)200 Silva 2005 20-21

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 22: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Parte II A constituiccedilatildeo da hybris e da asebeia na mentalidade ateniense

Oacute Zeus oacute terra oacute deuses (θεοί) paacutetriosruiacutena e a poderosa Eriacutenia (Ἐρινὺς) de meu painatildeo permitais que minha cidade seja submersapor ondas de hostes cidade em que nas ruase nos lares ressoa a sonora liacutengua gregaEsta terra livre esta cidade de Cadmonatildeo a submetais ao jugo da escravidatildeoRobustecei nossos braccedilos Nossa causa eacute a vossaUma cidade proacutespera honra seus deuses (δαίμονας)201

Eteacuteocles reage de forma racional repreendendo e afirmando que essa atitude eacute nefasta para a cidade

Eu vos pergunto raccedila insuportaacutevelfavorece esta cidade eacute para nosso beminfunde coragem em nosso exeacutercito assediado rastejar ante estaacutetuas suplicar proteccedilatildeo divina (πολισσούχων θεῶν)gritar berrar Eacute uma afronta a homens sensatos (σωφρόνων μισήματα)nem na anguacutestia nem na grata prosperidadequero viver com esse bando feminil202

Cada um dos dois grupos reage de forma diversa frente ao invasor e busca o que lhe parece mais conveniente para salvar a cidade As mulheres apelam aos deuses jaacute que estatildeo excluiacutedas do campo de batalha e natildeo recebem nenhuma gloacuteria pela vitoacuteria mas sobre elas pode recair a dor de todas as consequecircncias da derrota Jaacute os homens ativos no campo de batalha tentam desenvolver a estrateacutegia mais racional e apropriada podendo colher os louros da vitoacuteria203

Esse conflito de gecircnero eacute ainda mais destacado no final da trageacutedia204 quando apoacutes a morte de seus dois irmatildeos e o decreto que proiacutebe o sepultamento de Polinices Antiacutegona205 se manteacutem fiel agrave piedade tradicional e decide cuidar

201 Eacutesquilo Sete contra Tebas 69-77 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)202 Eacutesquilo Sete contra Tebas 181-187 Traduccedilatildeo de Schuumller (2007)203 Em Agamecircmnon temos o retrato da cidade em festa para receber o governante vitorioso

da guerra Jaacute Sete Contra Tebas no iniacutecio apresenta uma reflexatildeo sobre o governante e a vitoacuteria no campo de batalha que seraacute demonstrada mais adiante no texto

204 Lesky (1995) demonstra o extenso debate acerca da autenticidade do final da trageacutedia acreditando natildeo ser possiacutevel defendecirc-la Para um grande nuacutemero de autores parece difiacutecil Eacutesquilo concluir sua trilogia com a iniciaccedilatildeo de um novo conflito Por ter sido comum a praacutetica de reposiccedilotildees das obras de Eacutesquilo pode-se supor que esse final foi elaborado a partir do sucesso da Antiacutegona de Soacutefocles Para natildeo prolongar o debate iraacute se considerar para a anaacutelise todo o texto pertencente agrave trageacutedia pois mesmo sendo uma interpolaccedilatildeo esse trecho demonstra a variaccedilatildeo entre os gecircneros na praacutetica da piedade que eacute demonstrada ao logo de toda a trageacutedia

205 O conflito de Antiacutegona e a oposiccedilatildeo entre a piedade tradicional e uma piedade ciacutevica satildeo

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 23: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

cuidou dos ferimentos do velho apoacutes a briga O jovem afirma que a morte foi provocada pelo tratamento inadequado que recebeu do meacutedico natildeo sendo portanto consequecircncia dos golpes Tal ponto eacute facilmente rebatido na reacuteplica da acusaccedilatildeo que ressalta que a lei ateniense determina que o meacutedico natildeo seja condenado pela morte do seu paciente e complementa que se a viacutetima natildeo tivesse sofrido tantos danos graves natildeo teria nenhuma necessidade de ir ao meacutedico (Antifonte Tetralogia III 3 5)475

Para contestar o argumento da impiedade apresentado pela acusaccedilatildeo a defesa reforccedila a impiedade existente na condenaccedilatildeo de um inocente ldquoPois acusando de assassinato a mim que estou puro de culpa privando-me da vida que deus me proporcionou cometem uma impiedade em relaccedilatildeo ao deus (περὶ τὸν θεὸν ἀσεβοῦσιν)rdquo476

Os argumentos de inocecircncia estatildeo baseados em trecircs pontos principais O primeiro ponto eacute que o jovem natildeo iniciou os golpes entatildeo sua reaccedilatildeo foi em legiacutetima defesa estando assim em comum acordo com a lei ateniense (Anti-fonte Tetralogia III 2 2 4 3 8) Outras fontes em Demoacutestenes como seratildeo apresentadas nos toacutepicos discutidos mais adiante demonstram que esse tipo de argumentaccedilatildeo despertava uma resposta positiva nos juiacutezes que poderiam considerar legiacutetima a morte em consequecircncia de uma briga quando o proacuteprio morto era o responsaacutevel por iniciaacute-la477

O segundo ponto da defesa diz respeito agrave hybris Para a defesa natildeo eacute possiacutevel generalizar o comportamento do jovem como portador de uma hy‑bris jaacute que haacute muitos jovens que tecircm os espiacuteritos temperados e velhos que se entregam aos excessos como o morto que estava embriagado e iniciou a briga (Antifonte Tetralogia III 4 2) No discurso a defesa caracteriza o morto como um ldquodesmedido e embriagadordquo (ὑβρίζων καὶ παροινῶν Antifonte Tetralogia III 4 6) O terceiro ponto eacute que a morte foi provocada pelo meacutedico que natildeo soube ministrar o tratamento correto (Antifonte Tetralogia III 2 3)

Depois de apresentar todos esses pontos de defesa o orador prossegue na sua argumentaccedilatildeo a respeito da impiedade afirmando novamente que a maior impiedade seria condenar um inocente e para se livrar dessa culpa os juiacutezes deveriam inocentar o jovem para que eles e a cidade continuassem puros ldquoSabendo dessas coisas e deixando cair sobre eles essa impiedade (ἀσέβημα) tornai-vos puros de culpa e absolvei-me pia e justamente (ὁσίως καὶ δικαίως) pois desse modo todos os cidadatildeos estaremos totalmente purosrdquo478

Na parte final no discurso de reacuteplica da defesa novamente eacute retomado

475 Cf 33476 Antifonte Tetralogia III 2 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)477 Cf 6 e 7 Demoacutestenes (Contra Miacutedias 72-75) narra que Beoto iniciou uma briga com

Eveacuteon e foi morto pelo uacuteltimo478 Antifonte Tetralogia III 2 9 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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171

Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 24: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

o perigo da contaminaccedilatildeo na condenaccedilatildeo de um inocente Ele reforccedila que o dever da vinganccedila cabe agrave famiacutelia do morto e que se ele for condenado a famiacutelia iraacute cessar sua perseguiccedilatildeo contra o verdadeiro assassino deixando assim a cidade contaminada pelo miasma

Se o matardes o espiacuterito do morto natildeo se voltaraacute menos contra os culpados e jaacute que outro tambeacutem teraacute perecido impiamente (ἀνοσίως) tereis duplicado a mancha dos criminosos que cabe aos que mataram [] Temendo essas coisas considerai como vosso dever absolver da culpa aquele que eacute puro e entregando ao tempo a tarefa de revelar aquele que de fato estaacute manchado (μιαρὸν) de sangue deixai aos parentes e amigos da viacutetima a tarefa de vingaacute-la Pois assim fareis as coisas mais justas e mais santas (δικαιότατα καὶ ὁσιώτατα)479

Em todas as Tetralogias o autor demonstra sua grande habilidade de produzir o confronto de raciociacutenios sobre um mesmo tema ou seja de fazer antilogias A utilizaccedilatildeo de elementos pertencentes agrave tradiccedilatildeo religiosa e cultu-ral eacute fundamental no processo de fabricaccedilatildeo de antilogias jaacute que eacute a partir dela que satildeo fornecidos os argumentos contraacuterios ou favoraacuteveis agrave causa

Na Tetralogia I o embate gira em torno do domiacutenio da verossimilhanccedila e os aspectos religiosos ganham destaque jaacute que eram argumentos aceitos pelos juiacutezes e que natildeo poderiam ser facilmente alterados fornecendo assim uma base consistente para o proacuteprio desenvolvimento Nesse conjunto de discursos o aspecto religioso mais trabalhado eacute a doutrina do miasma com relaccedilatildeo ao veredito dos juiacutezes pois somente com a condenaccedilatildeo do verdadeiro culpado a cidade estaria livre da maacutecula Para os acusadores o verdadeiro culpado e o agente poluidor eacute aquele que estaacute sendo conduzido ao tribunal Jaacute para a defesa a sua condenaccedilatildeo levaraacute agrave morte de um inocente deixando o verdadeiro culpado livre o que por si soacute provocaria um duplo ato de im-piedade

Nas Tetralogia II e Tetralogia III aleacutem das questotildees religiosas o autor tambeacutem soube utilizar com destreza as noccedilotildees populares a respeito das razotildees que tornam um homiciacutedio justificaacutevel aos olhos dos cidadatildeos Nesses discur-sos o argumento religioso serve para auxiliar a construccedilatildeo da intencionalidade ou natildeo do assassino e da parcela de culpa do morto para o terriacutevel desfecho Assim a antilogia gira em torno da criaccedilatildeo de culpa para a viacutetima e por outro lado do esforccedilo para isentaacute-la completamente da culpa atribuindo-a somente ao assassino480

Para Carawan o tratamento das questotildees religiosas nas Tetralogias principalmente no que se refere agrave ameaccedila de contaminaccedilatildeo e a vinganccedilas

479 Antifonte Tetralogia III 4 10-11 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)480 Carawan 1993 263

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 25: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

dos mortos pode ser entendido como uma inversatildeo do argumento judicial tradicional jaacute que nos outros discursos que possuiacutemos a ameaccedila da maacutecula por causa do sangue eacute apenas um risco para os parentes do morto481 Antifonte utiliza esses pontos para reforccedilar os argumentos da acusaccedilatildeo e a mateacuteria reli-giosa eacute apresentada como uma responsabilidade direta dos juiacutezes sendo uma ameaccedila a eles e agrave comunidade

A anaacutelise da utilizaccedilatildeo dos argumentos religiosos por parte do autor das Tetralogias deve ser feita dentro do contexto do exerciacutecio das antilogias A partir dessa percepccedilatildeo tornam-se compreensiacuteveis as diferenccedilas das doutrinas do miasma e da vinganccedila aos mortos nas Tetralogias por comparaccedilatildeo com os outros discursos forenses que possuiacutemos Esses elementos natildeo devem ser en-tendidos como inversotildees do argumento judicial tradicional mas como parte da estrateacutegia persuasiva do orador e aleacutem disso eacute necessaacuterio perceber o objetivo pedagoacutegico dos discursos que consiste em trabalhar o mesmo ponto de forma favoraacutevel tanto para a acusaccedilatildeo quanto para a defesa

Em todas as Tetralogias tanto a defesa quanto a acusaccedilatildeo reforccedilam para os juiacutezes o dever de cumprirem sua sentenccedila obedecendo ao rigor das leis e dos princiacutepios religiosos elemento que eacute lugar comum em muitos discursos forenses que possuiacutemos O que diferencia o autor das Tetralogias dos outros oradores eacute a grande ecircnfase na propagaccedilatildeo do miasma A doutrina do miasma assume um papel importante no desenvolvimento dos argumentos tanto na credibilidade dos fatos narrados como dos danos provocados pelo assassinato seja pela defesa seja pela acusaccedilatildeo482 A advertecircncia feita aos juiacutezes para se-guirem as prescriccedilotildees juriacutedicas eacute a melhor maneira de combater o infortuacutenio que poderia advir sobre a cidade e tambeacutem de eliminar a maacutecula e punir uma impiedade483 O apelo aos juiacutezes concerne em obedecerem agrave obrigaccedilatildeo moral e religiosa se tornando os vingadores das viacutetimas de homiciacutedio E caso fossem desrespeitosos no cumprimento da puniccedilatildeo do assassino poderiam sofrer per-seguiccedilotildees do fantasma do morto484 o que como se sabe pela tradiccedilatildeo religiosa era restrito apenas agrave famiacutelia Esse elemento ganha sentido se percebido no contexto do exerciacutecio das antilogias

A perturbaccedilatildeo causada pelo fato de um morto natildeo ter sido vingado sobre a famiacutelia e principalmente sobre o assassino eacute um componente forte da tradiccedilatildeo religiosa grega como atestam as proacuteprias Tetralogias mas tambeacutem relatos pos-teriores como Platatildeo em As Leis Mesmo o filoacutesofo apresentando influecircncias de religiotildees sectaacuterias como a pitaacutegorica e a oacuterfica485 em determinados pontos

481 Carawan 1993 266482 Carawan 1993 250483 Silva 2005b 158484 Cf Sealey (2006) Antifonte Tetralogia I 1 11 Antifonte Tetralogia III 1 4-5485 Pereira 1988 299-302 Cornelli 2011 109-158

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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262

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 26: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

caracteriza a religiatildeo tradicional da poacutelis Ao descrever as leis que deveriam reger o Estado ideal nas situaccedilotildees em que se estariam julgando assassinatos o filoacutesofo apresenta um forte componente religioso a obrigaccedilatildeo da purificaccedilatildeo Todo assassino deve realizar a purificaccedilatildeo estipulada pela cidade e ainda para evitar a fuacuteria do morto deve evitar frequentar os mesmos lugares onde antes a viacutetima convivia A justificativa para essa atitude que eacute muito mais radical que a legislaccedilatildeo ateniense se encontra em uma antiga faacutebula que narra

que o homem assassinado violentamente que tenha vivido uma vida livre e orgulhosa se irrita com seu matador quando recentemente morto e ademais cheio de medo e horror em funccedilatildeo de seu proacuteprio fim brutal ao ver seu as-sassino viver segundo os mesmos costumes em que ele vivia [e frequentar os mesmos lugares] eacute assaltado pelo maior horror e nesse estado de intranqui-lidade identificando-se com seu assassino ele lhe transmite com todas suas forccedilas sua proacutepria intranquilidade afetando tanto a alma quanto as accedilotildees do assassino486

O relato de Platatildeo comprova a perpetuaccedilatildeo do argumento religioso do medo da maacutecula atraveacutes do tempo e que mesmo tendo caiacutedo em desuso na praacutetica forense do seacuteculo IV era um argumento considerado pelos juiacutezes O fervor religioso para a perseguiccedilatildeo do morto foi diminuindo assumindo traccedilos predominantemente seculares como a busca da realizaccedilatildeo da justiccedila pela sen-tenccedila dos tribunais Outro indiacutecio eacute a proacutepria transformaccedilatildeo que os tribunais de homiciacutedio sofreram como o desuso do Freato e do Pritaneu

42 injuSticcedila e aSpectoS religioSoS noS outroS diScurSoS de antifonte

Os outros trecircs discursos Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por enve‑nenamento Acerca do assassinato de Herodes Acerca do coreuta que pertencem ao corpus de Antifonte tambeacutem tratam do assassinato mas ao contraacuterio das Te‑tralogias apresentam diversos testemunhos como prova para seus argumentos

Nesses discursos diferentemente das Tetralogias eacute possiacutevel perceber o uso da piedade filial por parte de Antifonte como um forte elemento de justificati-va favoraacutevel agrave causa do acusador para os juiacutezes em especial na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento Como jaacute foi demonstrado no toacutepico anterior esse discurso trata de uma accedilatildeo conduzida ao Areoacutepago por um filho em busca da condenaccedilatildeo do assassino de seu pai ndash a proacutepria madrasta487 No

486 Platatildeo As Leis Livro IX 865 d-e Traduccedilatildeo de Bini (1999)487 Curado (2005) utiliza o envolvimento no homiciacutedio da madrasta e da concubina jaacute

condenada para entender a relaccedilatildeo de fragilidade das mulheres dentro do oikos e o medo de ficarem desamparadas pelos homens Assim o principal sentimento que motiva o crime eacute o

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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262

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 27: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

tribunal488 a madrasta eacute defendida por seu filho legiacutetimo o meio-irmatildeo do acusador O acusador justifica a atitude de seu meio-irmatildeo mesmo diante do conhecimento dos fatos de que sua matildee eacute uma assassina a partir da piedade filial Natildeo desamparar os familiares e respeitar os pais eacute uma das obrigaccedilotildees que a palavra eusebeia envolve489 Jaacute para o acusador a demonstraccedilatildeo do respei-to agrave famiacutelia em especial ao pai seria vingar sua morte pelo contraacuterio deixar a madrasta impune seria um sinal de impiedade Percebe-se que no texto para deixar bem marcados os deveres que envolvem a noccedilatildeo de eusebeia Antifonte opta pelo termo anosios ao afirmar que eacute uma impiedade natildeo realizar a vin-ganccedila Com essa operaccedilatildeo o orador remete a vinganccedila privada ao campo dos valores religiosos constituindo um dever dos homens bem como reforccedila que a impunidade representa a quebra de todos esses valores

Quanto a mim fico espantado que meu irmatildeo tenha tal compreensatildeo dos fatos a ponto de colocar-se como meu adversaacuterio provavelmente por considerar que a piedade (εὐσέβειαν) consista em natildeo abandonar a matildee Eu acho muito mais iacutempio (ἀνοσιώτερον) deixar o morto sem vinganccedila sobretudo por ter morrido involuntariamente viacutetima de premeditaccedilatildeo enquanto ela matou de modo vo-luntaacuterio e premeditado490

Adiante Antifonte prossegue com a utilizaccedilatildeo de anosios para qualificar a

accedilatildeo da madrasta O orador afirma que ela natildeo merece qualquer tipo de sen-timento de solidariedade por parte dos juiacutezes cenaacuterio que eacute marcado pelo uso do termo eleos pois natildeo apresentou qualquer empatia em relaccedilatildeo ao marido o matando de forma vergonhosa jaacute que natildeo permitira qualquer possibilidade de ele se defender

E aquela que entregou o veneno e sugeriu que nosso pai bebesse e que com isso o matou como haveria de merecer piedade (ἐλεεῖν) e respeito de vossa parte ou de quem quer que seja ela que natildeo se dignou a ter piedade (ἐλεῆσαι) de seu proacuteprio marido e que o arruinou iacutempia (ἀνοσίως) e vergonhosamente 491

Nesse discurso natildeo eacute apresentada como efetiva a doutrina do miasma e a

necessidade de vinganccedila do morto eacute apresentada claramente como um dever que

medo do abandono e do rebaixamento social advindo disso488 Assim como a accedilatildeo da Tetralogia I esse processo tambeacutem foi conduzido ao Areoacutepago por

tratar de uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio intencional Cf 331 e Carawan 1993 244489 Cf 92490 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 5 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)491 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 26 Traduccedilatildeo de

Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 28: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

cabe agrave famiacutelia O orador nesse caso natildeo transfere a obrigaccedilatildeo de vingar os mortos para os juiacutezes mas sim os convida para que tambeacutem se transformem nos vingado-res do morto atraveacutes da condenaccedilatildeo de sua madrasta ldquoEu vos rogo que vos torneis vingadores dos mortos viacutetimas de injusticcedilas (ἠδικημένῳ) por tempo eternordquo492

Os outros dois discursos que possuiacutemos de Antifonte tratam da defesa de uma acusaccedilatildeo de assassinato Acerca do assassinato de Herodes eacute o maior discurso de Antifonte que nos restou e foi pronunciado antes da Revolta dos Mitileneus493 Helos de Mitilene foi de Atenas para Enos juntamente com Herodes Na ilha de Lesbos iriam efetuar uma troca de barcos mas depois de sair Herodes natildeo retornou mais Os parentes de Herodes acusaram Helos de tecirc-lo assassinado e depois jogado seu corpo no mar para ocultar o crime

O iniacutecio da sua defesa parte do lugar comum sobre a inexperiecircncia com os assuntos juriacutedicos e a falta de habilidade nos discursos O intuito de Antifonte eacute atrair a benevolecircncia dos juiacutezes para a causa de Helos apresentando-a como a verdadeira bem como ressaltando sua incapacidade de manipular o veredito dos juiacutezes Ele tambeacutem aproveita esse momento para se mostrar como favoraacute-vel e conhecedor da legislaccedilatildeo ciacutevica formando mais um componente positivo na construccedilatildeo do seu caraacuteter pois defende que os culpados devem receber as penas devidas o que natildeo corresponde a sua situaccedilatildeo

O que vos peccedilo eacute o seguinte se cometo algum erro com a liacutengua que me desculpeis que considereis o erro como devido mais agrave inexperiecircncia que agrave injusticcedila e se digo algo correto que tal dizer se deve mais agrave verdade que agrave habilidade Pois natildeo eacute justo nem que o que errou de fato seja salvo pelas palavras nem o que agiu retamente pereccedila por causa delas Pois a palavra eacute erro da liacutengua a accedilatildeo do pensamento494

Prosseguindo na construccedilatildeo do ethos positivo de Helos ele faz diversos elogios agraves leis que tratam do homiciacutedio (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 11 14 15) que comprovariam a sabedoria da cidade em relaccedilatildeo a esse crime Por outro lado demonstra o homiciacutedio como um ato hediondo feito por malfeitores e que ele natildeo seria capaz de realizar Esse discurso nos fornece um relato dos crimes considerados mais repulsivos pelos atenienses ldquoEles dizem que matar eacute um grande ato de malfeitor com o que concordo talvez o maior bem como o sacrileacutegio e a traiccedilatildeo da cidade apenas que haacute leis que dispotildeem separadamente acerca de cada um desses delitosrdquo495 Na lista apoacutes o homiciacutedio que eacute um tipo de crime que promove a modificaccedilatildeo do oikos

492 Antifonte Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento 21 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

493 Gagarin amp MacDowell 1998 48494 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)495 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 10 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 29: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

e por consequecircncia da poacutelis estatildeo os sacrileacutegios que promovem o distuacuterbio da relaccedilatildeo entre os homens e os deuses e por fim a traiccedilatildeo da cidade Os trecircs crimes listados cada um a sua maneira comprometem a integridade social da cidade desmantelando os laccedilos entre os seus membros e destruindo os valores que foram eleitos como mais caros a famiacutelia os deuses e a atuaccedilatildeo poliacutetica na cidade496

Aleacutem da construccedilatildeo do caraacuteter positivo a inocecircncia de Helos eacute compro-vada atraveacutes do jogo de verossimilhanccedila como na Tetralogia I Os argumentos apresentados pela acusaccedilatildeo como indiacutecio do crime satildeo refutados por exemplo a poccedila de sangue na praia onde ficaria o local do crime e que depois se mos-trou ser o sangue de animais sacrificados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 29) o testemunho do escravo utilizado pela acusaccedilatildeo natildeo deve ser considerado pois ele mudou sua versatildeo para incriminaacute-lo Para essa operaccedilatildeo Antifonte apresenta uma digressatildeo sobre a obtenccedilatildeo de testemunhos atraveacutes da tortura considerando a possibilidade de o escravo mentir para escapar dos tormentos fiacutesicos (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 31-55)497 Com-plementando sua defesa tambeacutem afirma que natildeo tinha qualquer animosidade com a viacutetima e que ningueacutem seria capaz de cometer um homiciacutedio de forma gratuita (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 57) E antes de iniciar o uso de argumentos religiosos o orador afirma que somente pode narrar o que sabe e por isso natildeo pode dar qualquer pista sobre o paradeiro de Herodes nem de sua suposta morte Assim seus esclarecimentos feitos atraveacutes do discurso natildeo seriam de muita valia para a resoluccedilatildeo do caso como esperava a famiacutelia jaacute que os interrogatoacuterios deveriam estar concentrados sobre os verdadeiros culpados (Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 64-72)

Proacuteximo ao final do discurso Helos utiliza argumentos religiosos para comprovar seu natildeo envolvimento com a suposta morte de Herodes jaacute que ele tambeacutem apresenta a hipoacutetese de que ele natildeo estaria morto mas sim desapare-cido O fato de ter feito sua viagem com seguranccedila eacute um forte indiacutecio de que nem ele nem nenhum membro da sua tribulaccedilatildeo possuem uma maacutecula pois se a tivessem iriam sofrer o castigo dos deuses e naufragariam na sua jornada Era esperado que o naufraacutegio fosse uma puniccedilatildeo dos deuses como evidencia tambeacutem o relato de Andoacutecides (Sobre os Misteacuterios 137) O orador utiliza o

496 Helos afirma que caso fosse condenado injustamente pelo homiciacutedio ele estaria privado dos maiores bens para os homens acesso agrave cidade e aos ritos religiosos ldquo[Mas se nesse caso ele fosse descoberto me privaria da paacutetria privaria a si mesmo das coisas sagradas e santas (ἱερῶν καὶ ὁσίων) e das outras que satildeo os maiores bens para os homens]rdquo Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 62 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a) Antifonte em outro registro tambeacutem exemplifica a importacircncia da religiosidade para o ateniense ldquo[] conforme a lei ficar privado dos sacrifiacutecios e jogos sagrados da cidade que satildeo os maiores e os mais antigos bens dos homensrdquo Antifonte Acerca do Coreuta 4 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

497 Cf 35

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 30: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

176

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

mesmo tipo de argumentaccedilatildeo para provar a sua inocecircncia De acordo com ele se fosse culpado pela profanaccedilatildeo dos misteacuterios de Elecircusis teria sido castigado pelos deuses enquanto viajavam para Atenas durante o inverno periacuteodo em que o mar se mostra mais perigoso

Assim o sucesso da viagem de Helos por si soacute jaacute consistiria na marca de sua postura correta com relaccedilatildeo aos deuses demonstrada pelo termo hosios

Eacute preciso poreacutem que voteis considerando os sinais dos deuses como indiacutecios natildeo menos importantes Pois confiando neles haveis de conduzir as questotildees comuns da cidade com mais seguranccedila tanto nas situaccedilotildees de perigo quanto nas fora de perigo Tambeacutem nas causas particulares tais sinais devem ser con-siderados como o que haacute de maior e mais confiaacutevel Creio que voacutes sabeis que muitos homens que tecircm as matildeos sujas ou alguma outra mancha (μίασμα) na alma arruiacutenam consigo tambeacutem os que viajam no mesmo barco mesmo os que se dispotildeem de modo piedoso em face aos deuses (ὁσίως διακειμένους τὰ πρὸς τοὺς θεούς)498

Adiante o orador utiliza a asebeia como uma referecircncia ao assassinato e agrave maacutecula produzida por ele reafirmando que natildeo praticou esse crime e que sua consciecircncia estava tranquila jaacute que natildeo teria cometido qualquer impiedade A impiedade eacute apresentada como um aspecto que corrompe a alma dessa forma o verdadeiro culpado natildeo conseguiria ocultar esse fardo tatildeo facilmente aos olhos dos seus concidadatildeos

Aqui estou porque confio na justiccedila Bem mais valioso que ela natildeo haacute nada para um homem que se defende consciente de que natildeo cometeu nenhum ato impuro (ἀνόσιον) de que natildeo foi absolutamente iacutempio com relaccedilatildeo aos deuses (εἰς τοὺς θεοὺς ἠσεβηκότι) [] Mas para o culpado a consciecircncia pesada eacute o primeiro inimigo Pois ainda que o corpo esteja forte a alma abandona a luta antecipada-mente sentindo chegar o castigo por suas impiedades (ἀσεβημάτων)499

Jaacute no uacuteltimo paraacutegrafo do discurso haacute a uacutenica referecircncia a eusebeia que serve para reforccedilar os apelos a sua inocecircncia ndash Helos natildeo estaacute comprometendo qualquer princiacutepio religioso ou ciacutevico dos juiacutezes jaacute que estaacute narrando a verdade ldquoAo vos suplicar tais coisas nem vossa piedade (εὐσεβὲς) negligencio nem de meu direito me privo Em vosso juramento estaacute a minha salvaccedilatildeo Por qualquer motivo que queriacuteeis obedecer absolvei-merdquo500

Acerca do coreuta retrata o cumprimento da liturgia da coregia para o fes-tival das Targeacutelias O caso aborda a morte de um jovem coreuta na casa do

498 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 81-82 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)499 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 93 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)500 Antifonte Acerca do assassinato de Herodes 96 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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178

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 31: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

177

Capiacutetulo 4 ndash Impurezas e assassinatos o desequiliacutebrio da ordem sagrada e profana em Antifonte

corego enquanto estava treinando O pai do jovem alega que a morte sobreveio na sequecircncia de uma bebida oferecida pelo corego com o intuito de melhorar a voz

Assim como em Acerca do assassinato de Herodes o discurso se inicia com o lugar comum da valorizaccedilatildeo das leis da cidade com destaque para as leis de homiciacutedio (Antifonte Acerca do coreuta 1-2) Depois comeccedila a exposiccedilatildeo dos argumentos relativos agrave piedade e agrave impiedade conceitos que constituem o objeto central de debates do paraacutegrafo 3 ateacute o 7 Nessa parte haacute uma grande ecircnfase para que o voto dos juiacutezes seja de acordo com a piedade seguindo assim os ditames divinos e da justiccedila Ao contraacuterio das Tetralogias natildeo eacute realizado um grande enfoque nos perigos da contaminaccedilatildeo concentrando-se o argu-mento no poder decisoacuterio do voto dos juiacutezes

A decisatildeo acerca dos acontecimentos envolvendo o assassinato deve obe-decer aos preceitos da eusebeia ao contraacuterio do apresentado no discurso Acerca do assassinato de Herodes em que o assassinato estava relacionado com hosios A opccedilatildeo pela eusebeia pode ser explicada pela proximidade da referecircncia aos deuses dando-se assim uma ecircnfase maior aos preceitos divinos que devem ser considerados em primeiro lugar antes dos preceitos ciacutevicos ldquoMas acho que tambeacutem voacutes os juiacutezes tendes grande interesse em decidir corretamente sobre causas de assassinato por consideraccedilatildeo sobretudo aos deuses e agrave piedade (εὐσεβοῦς) em seguida a voacutes proacutepriosrdquo501

Da mesma forma que no Acerca do assassinato de Herodes a construccedilatildeo positiva do ethos do orador se daacute atraveacutes da afirmaccedilatildeo de que um bom cidadatildeo respeitaria aquilo que foi julgado principalmente no que se refere agraves interdiccedilotildees religiosas no caso de homiciacutedio mesmo sendo inocente Com isso evitaria todas as formas de contaminaccedilatildeo da cidade Sua expectativa era agir da forma mais correta ateacute que a verdade fosse revelada A impiedade eacute apresentada como um dos piores crimes jaacute que natildeo haveria qualquer forma de redenccedilatildeo para o homem condenado pelos proacuteprios deuses

Aquele que eacute iacutempio (ἀσεβῶν) e transgride as disposiccedilotildees relativas aos deuses priva a si proacuteprio da esperanccedila ela mesma que eacute o maior bem para os homens E ningueacutem ousaria transgredir uma sentenccedila julgada mesmo que acreditasse natildeo ter responsabilidade pelo crime502

No paraacutegrafo seguinte o orador prossegue com o argumento da impieda-de e o relaciona com o veredito dos juiacutezes Ele relembra aos juiacutezes os aspectos religiosos relacionados com o julgamento os sacrifiacutecios e os juramentos e

501 Antifonte Acerca do Coreuta 3 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)502 Antifonte Acerca do Coreuta 5 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 32: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

178

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

exorta os tribunais de homiciacutedio jaacute que para essa causa os atenienses dedicam uma atenccedilatildeo especial e por isso o voto dos juiacutezes deve seguir com o mesmo cuidado avaliando todos os riscos envolvidos que tambeacutem incluem a religio-sidade Dentre esses riscos estava a condenaccedilatildeo indevida de um inocente que eacute vista como uma impiedade seguindo-se o mesmo raciociacutenio desenvolvido pela defesa nas Tetralogias (Antifonte Tetralogia I 2 11 Tetralogia III 2 7)

Por causa dessas coisas estabeleceram-se as leis os juramentos sobre as viacutesceras da viacutetima e as declaraccedilotildees de ambas as partes e todos os outros procedimentos estabelecidos para os casos de assassinato muito diferente de outros processos jaacute que as proacuteprias coisas que estatildeo em jogo e os perigos aiacute implicados devem ser acima de tudo corretamente avaliados Pois uma sentenccedila correta eacute uma vinganccedila em favor do que sofreu injusticcedila (ἀδικηθέντος) mas condenar como assassino um inocente eacute um erro e uma impiedade em relaccedilatildeo aos deuses e agraves leis (ἁμαρτία καὶ ἀσέβεια εἴς τε τοὺς θεοὺς καὶ τοὺς νόμους)503

O orador rebate o argumento da piedade que possivelmente a acusaccedilatildeo

desenvolveu uma vez que natildeo temos registro do outro discurso nem do des-fecho desse caso O orador afirma que as acusaccedilotildees natildeo seguem os princiacutepios da piedade e da justiccedila pois satildeo baseadas em mentiras como ele se propotildee demonstrar ao longo do discurso A opccedilatildeo pelo termo eusebeia tinha uma forte tendecircncia de reafirmar os deveres da famiacutelia do morto em perseguir o assas-sino elemento que como se vecirc nas Tetralogias e na Acusaccedilatildeo contra a madrasta de assassinato por envenenamento eacute um lugar comum nos discursos de acusaccedilatildeo

De minha parte oacute bravos juiacutezes natildeo tenho o mesmo pensamento acerca da defesa que os acusadores tecircm acerca da acusaccedilatildeo Pois eles dizem que agem com vistas agrave piedade (εὐσεβείας) e ao justo (δικαίου) mas toda a acusaccedilatildeo se faz por caluacutenia e engano o que haacute de mais injusto (ἀδικώτατόν) entre os homens504

Mais adiante no discurso impiedade serve para caracterizar negativamen-te os acusadores reforccedilando o argumento jaacute desenvolvido no paraacutegrafo 7 de que as acusaccedilotildees foram baseadas em mentiras Essa accedilatildeo natildeo condiz com a postura correta esperada de um cidadatildeo por isso deveria natildeo apenas ser re-chaccedilada pelo grupo de cidadatildeos ali reunidos mas por toda a cidade Assim ele se coloca como uma viacutetima de uma perseguiccedilatildeo baseada em caluacutenias feitas por pessoas que natildeo utilizam da forma adequada o processo judiciaacuterio elemento que tambeacutem eacute desenvolvido na Tetralogia I

503 Antifonte Acerca do Coreuta 6 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)504 Antifonte Acerca do Coreuta 7 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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254

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 33: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Mas se a lei for ultrajada por voacutes por ter sido ela absolvida e se tiver tornado nula a partir de agora a atividade das prostitutas estender-se-aacute completamente ateacute as filhas dos cidadatildeos todas aquelas que por falta de recursos natildeo puderem ser dadas em casamento por outro lado a dignidade das mulheres livres esten-der-se-aacute ateacute agraves heteras caso obtenham o privileacutegio de ter filhos como quiserem e de participar tanto dos ritos de iniciaccedilatildeo696

No Contra Miacutedias o orador se coloca como o defensor daqueles que receberam diversas ofensas de Miacutedias e que natildeo conseguiram a reparaccedilatildeo nos tribunais seja porque ficaram com medo de processaacute-los ou pelos subornos feitos por ele Nesse sentido a riqueza que possibilita a Miacutedias continuar com seus ultrajes desempenha o papel de demonstrar que o adversaacuterio cometeu ofensas aos cidadatildeos fato que pode ser comprovado pelo grande nuacutemero de recorrecircncias da palavra hybris ao longo do discurso697

Nos dois discursos tambeacutem se apresenta a tentativa de seus adversaacuterios imputarem injustamente uma acusaccedilatildeo de homiciacutedio acrescentando-se a lista de delitos cometidos por eles No Contra Miacutedias Demoacutestenes eacute acusado por seu adversaacuterio do assassinato de Nicodemo698 Antes de iniciar a narrativa dos fatos o orador diz que Miacutedias cometeu uma impiedade ao tentar acusar um homem inocente de um assassinato ldquoMas as coisas que Miacutedias fez eu considero oacute atenienses terriacuteveis um desrespeito agraves coisas comuns um ato de impiedade (ἀσέβημα) e natildeo somente uma injusticcedila (ἀδίκημα) como falareirdquo699

Nossas informaccedilotildees satildeo escassas a respeito do assassinato de Nicodemo Eacutesquines descreve sua morte como violenta seus olhos e liacutengua foram arran-cados (Contra Timarco 172) O homiciacutedio foi atribuiacutedo a um jovem de nome Aristarco e deve ter ocorrido pouco antes de o discurso ser elaborado o que pode explicar a ausecircncia de detalhes a respeito do caso jaacute que Demoacutestenes su-pocircs que grande parte do puacuteblico deveria ter conhecimentos acerca do evento O assassinato teve uma grande repercussatildeo no cenaacuterio puacuteblico ateniense sen-do ateacute mesmo tema de debates na assembleia jaacute que teve motivaccedilotildees poliacuteticas circunstacircncia que provocou grande comoccedilatildeo e repuacutedio da populaccedilatildeo De uma forma geral os assassinatos eram tratados nos tribunais especiacuteficos para cada caso e natildeo eram pauta de discussatildeo na assembleia

Para tentar acusar Demoacutestenes Miacutedias comete outra ofensa tenta subor-nar os parentes de Nicodemo para que indicassem o orador como o responsaacute-vel pelo crime ao inveacutes do verdadeiro culpado Aristarco Para comprovar sua

696 Demoacutestenes Contra Neera 113 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)697 Cf 61698 Cf 82699 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 ἀλλrsquo ὃ καὶ δεινόν ὦ ἄνδρες Ἀθηναῖοι καὶ σχέτλιον

καὶ κοινὸν ἔμοιγrsquo ἀσέβημα οὐκ ἀδίκημα μόνον τούτῳ πεπρᾶχθαι δοκεῖ τοῦτrsquo ἐρῶ

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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(Paacutegina deixada propositadamente em branco)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 34: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

posiccedilatildeo Demoacutestenes apresenta os testemunhos dos parentes do morto e em seguida apresenta a lei que especifica como crime a tentativa de corromper os cidadatildeos (107-113) Apoacutes concluir a narrativa mais uma vez Demoacutestenes ca-racteriza os atos de seu adversaacuterio como iacutempios ldquoEsse homem com certeza eacute iacutempio e impuro (ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς) e capaz de falar e fazer qualquer coisardquo700

A impiedade do ato de Miacutedias natildeo se restringe agrave tentativa de condenar um inocente mas estende-se tambeacutem agrave alianccedila a um suposto assassino jaacute que permaneceu sob o mesmo teto que Aristarco mesmo depois de tecirc-lo denun-ciado como assassino A restriccedilatildeo de permanecer proacuteximo de um homicida eacute especialmente aplicada aos parentes do morto que tecircm o dever de levar o assassino agrave justiccedila Demoacutestenes utiliza-se disso para classificar Miacutedias como iacutempio embora Miacutedias natildeo tenha nenhum grau de parentesco com Nicodemo e natildeo possua nenhum dever de processar o responsaacutevel por sua morte701 O orador adapta essa noccedilatildeo compartilhada pelos habitantes da poacutelis para carac-terizar seu inimigo como iacutempio por tentar exilaacute-lo por intermeacutedio de uma falsa acusaccedilatildeo de homiciacutedio

Para sublinhar a falsidade da acusaccedilatildeo o orador afirma que nem o proacuteprio Miacutedias acreditava nela pois ele natildeo impediu Demoacutestenes de participar dos ritos puacuteblicos (115)702 O mesmo argumento foi utilizado por Antifonte no Acerca do Coreuta (45-6) para provar sua inocecircncia no assassinato jaacute que seus acusadores deixaram que ele seguisse com suas atividades de cidadatildeo mesmo sabendo que ele era um criminoso e poderia manchar a cidade

Que me viram proceder aos ritos sagrados em prol da democracia votar e me posicionar claramente sobre os maiores e mais valiosos assuntos para cidade eles que estavam laacute presentes e a quem era permitido me processar e me ex-cluir de todas essas atividades natildeo julgaram que deveriam fazecirc-lo703

Esse aspecto se relaciona com a crenccedila de que o assassinato eacute um crime que pode contaminar toda a cidade pois a maacutecula se espalha se o homicida natildeo for punido e entrar em contato com as instituiccedilotildees estipuladas pela sociedade tanto no acircmbito humano quanto no divino como por exemplo acontece com as festas704 Dessa forma nenhum cidadatildeo ciente da culpa de um homicida o

700 Demoacutestenes Contra Miacutedias 104 Οὕτω τοίνυν οὗτός ἐστrsquo ἀσεβὴς καὶ μιαρὸς καὶ πᾶν ἂν ὑποστὰς εἰπεῖν καὶ πρᾶξαι

701 Cf 51702 Demoacutestenes foi membro da boule em 346 e participou de seus ritos de abertura Miacutedias o

atacou durante a dokimasia exame pelo qual passava todo magistrado antes de assumir o cargo Natildeo se sabe qual foi a acusaccedilatildeo feita por Miacutedias mas pode-se supor que ela estaacute relacionada com a acusaccedilatildeo formulada por ele do envolvimento de Demoacutestenes no assassinato de Nicodemo

703 Traduccedilatildeo de Ribeiro (2008a)704 Cf 31

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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(Paacutegina deixada propositadamente em branco)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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262

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 35: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

acolheria na celebraccedilatildeo de rituais religiosos Por isso Demoacutestenes caracteriza a accedilatildeo de Miacutedias como sendo absolutamente iacutempia (ἀσεβές 120) pois primeiro ele violou os juramentos ao jurar que Demoacutestenes era o assassino e depois por ter partilhado o mesmo espaccedilo com o verdadeiro assassino

No final do relato mais uma vez Demoacutestenes classifica os atos praticados por Miacutedias como iacutempios ldquoE estas suas accedilotildees satildeo de todos os tipos muitos ul-trajes (ὕβρεις) maacutes accedilotildees contra seus familiares e impiedades contra os deuses (τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα) e natildeo encontrareis nenhum lugar onde ele natildeo tenha praticado muitos atos merecedores da morterdquo705 Depois parte para a descriccedilatildeo dos outros crimes cometidos Assim esse trecho do discurso inicia e termina caracterizando Miacutedias como iacutempio e reforccedila essas caracteriacutesticas para os juiacutezes

Jaacute no Contra Neera o argumento de impiedade natildeo eacute explorado na acu-saccedilatildeo de homiciacutedio A suposta acusaccedilatildeo eacute utilizada para caracterizar negativa-mente o adversaacuterio sendo Esteacutefano considerado como mentiroso e perverso Esteacutefano acusa Apolodoro de tentar matar uma mulher enquanto estava em Afidna em busca de um escravo fugitivo Para isso Esteacutefano tenta subornar alguns escravos mas rapidamente tem-se a comprovaccedilatildeo de que foi mais um dos golpes dele para afastar Apolodoro da cidade

Com efeito Esteacutefano natildeo soacute procurou destruir-nos desse modo mas ainda quis banir Apolodoro da paacutetria De fato Esteacutefano tendo intentado contra ele uma falsa acusaccedilatildeo de que espancara uma mulher ndash quando certa vez Apolodoro foi a Afidna para buscar um seu escravo fugitivo ndash e de que a criatura morrera do golpe depois de ter subornado escravos e ter tratado de demonstrar que eles eram habitantes de Cirene pronunciou contra ele a interdiccedilatildeo por homiciacutedio diante do Palaacutedio706

Dessa forma logo no iniacutecio do discurso Esteacutefano eacute apresentado como

uma pessoa sem escruacutepulos capaz de vaacuterias artimanhas para conseguir seus objetivos e capaz principalmente de desrespeitar as leis estabelecidas para a boa convivecircncia dos cidadatildeos na poacutelis

Por fim o uacuteltimo elemento que os dois discursos possuem em comum eacute a valorizaccedilatildeo da impiedade no seu teacutermino No final a impiedade juntamente com as temaacuteticas do ultraje e do desrespeito (agraves leis e agraves mulheres respectivamente no Contra Miacutedias e no Contra Neera) eacute utilizada para reafirmar a necessidade da puniccedilatildeo dos adversaacuterios que eacute vista como justa jaacute que estaacute de acordo com os preceitos humanos e divinos estipulados pelo conjunto de cidadatildeos

705 Demoacutestenes Contra Miacutedias 130 ἔστι δὲ ταῦτα παντοδαπά καὶ ὕβρεις πολλαὶ καὶ περὶ τοὺς οἰκείους κακουργήματα καὶ περὶ τοὺς θεοὺς ἀσεβήματα καὶ τόπος οὐδείς ἐστιν ἐν ᾧ τοῦτον οὐ θανάτου πεποιηκότrsquo ἄξια πόλλrsquo εὑρήσετε

706 Demoacutestenes Contra Neera 9 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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262

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 36: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

No Contra Miacutedias no paraacutegrafo 199 a impiedade aparece na foacutermula ldquoimpiedade agrave festardquo (ἀσεβεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) que ocorre novamente no uacutelti-mo paraacutegrafo 227 (περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν) ldquoPor tudo isso que foi dito e principalmente pela graccedila do deus ele eacute culpado de impiedade para com a festa Devem puni-lo com o voto que seja conforme agraves normas dos homens e do sentimento religioso (ὁσίαν καὶ δικαίαν)rdquo707 Essa expressatildeo substitui a acusaccedilatildeo presente no iniacutecio paraacutegrafo 1 da ldquoofensa agrave festardquo (ἀδικεῖν περὶ τὴν ἑορτήν) sendo um forte indiacutecio da tentativa de Demoacutestenes de tentar culpar Miacutedias por impiedade708

A associaccedilatildeo entre os termos adikein e asebein eacute possiacutevel pois satildeo duas accedilotildees que estatildeo relacionadas com a ideia de prejuiacutezo agrave cidade709 De certa maneira todos os delitos (adikein) correspondem a um atentado agrave ordem do sagrado jaacute que levam agrave desordem do mundo Mas a relaccedilatildeo entre esses dois termos eacute mais evidente quando se trata de um delito religioso Com essa associaccedilatildeo Demoacutestenes sugere que o verdadeiro delito de Miacutedias foi contra a ordem sagrada e por isso deve ser punido Como o delito provoca desequi-liacutebrio na esfera religiosa o orador oferece mais um elemento que caracteriza como puacuteblica a ofensa que sofreu

No Contra Neera no uacuteltimo paraacutegrafo tem-se a reafirmaccedilatildeo dos motivos que levaram agrave conduccedilatildeo do processo com o destaque para o aspecto religioso em que eacute ressaltada a impiedade cometida pelo casal Haacute tambeacutem repeticcedilatildeo da necessidade de puniccedilatildeo dos adversaacuterios estando isso de acordo primeiramen-te com os deuses e depois com os outros cidadatildeos

Portanto juiacutezes para vingar a mim mesmo e aos deuses em relaccedilatildeo aos quais eles cometeram sacrileacutegio (ἠσεβήκασιν) eu entrei em litiacutegio contra estes aqui presentes e trouxe-os perante o vosso julgamento Aleacutem disso eacute preciso que voacutes ao julgardes natildeo vos esqueccedilais dos deuses (τοὺς θεούς) que eles ultrajaram e do voto que cada um de voacutes declarar eacute preciso votar conforme as prescriccedilotildees legais e vingar antes de tudo os deuses (τοῖς θεοῖς) e em seguida voacutes mesmos E depois de terdes feito isso pareceraacute a todos que julgastes com retidatildeo e jus-ticcedila (δικαίως δικάσαι) essa accedilatildeo puacuteblica que eu intentei contra Neera porque sendo estrangeira casou com um cidadatildeo710

Dessa forma no uacuteltimo paraacutegrafo dos dois discursos aparece ressaltada a impiedade demonstrando-se uma intencionalidade dos oradores em valorizar

707 Demoacutestenes Contra Miacutedias 227 Πάντων οὖν εἵνεκα τῶν εἰρημένων καὶ μάλιστα τοῦ θεοῦ χάριν περὶ οὗ τὴν ἑορτὴν ἀσεβῶν οὗτος ἑάλωκεν τὴν ὁσίαν καὶ δικαίαν θέμενοι ψῆφον τιμωρήσασθε τοῦτον

708 MacDowell 2002 18709 Gernet amp Boulanger 1987 70710 Demoacutestenes Contra Neera 126 Traduccedilatildeo de Onelley (2011)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 37: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

257

Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

esse aspecto Eacute factiacutevel supor que durante uma longa exposiccedilatildeo oral como eram os discursos nos tribunais os elementos trazidos no final da exposiccedilatildeo seriam lembrados mais facilmente pela plateia nesse caso os juiacutezes Sendo assim na hora do voto as acusaccedilotildees presentes no uacuteltimo paraacutegrafo teriam mais chances de serem ponderadas do que as expostas logo no comeccedilo e por causa disso a maioria dos discursos termina reafirmando as acusaccedilotildees apresentadas nos primeiros paraacutegrafos Entretanto nos dois discursos analisados tem-se a reafirmaccedilatildeo do delito da impiedade Pode-se entender melhor essa escolha do orador ao considerarmos o uso da estrateacutegia do entrelaccedilamento de argumentos (ultraje impiedade e desrespeito) o que demonstra a utilizaccedilatildeo de uma teacutecni-ca complexa jaacute que todos os termos satildeo explorados e apresentados de forma interligada

Nos dois discursos os adversaacuterios satildeo apresentados como incapazes de respeitar tudo aquilo que eacute mais importante para a cidade Os oradores os apresentam como pessoas que satildeo odiadas pelos deuses impuras repulsivas iacutempias e ultrajantes Com a exposiccedilatildeo desse conjunto de caracteriacutesticas nega-tivas e das accedilotildees nefastas que Miacutedias e Esteacutefano fizeram o orador atinge seu objetivo de apresentaacute-los como sujeitos prejudiciais agrave poacutelis e que por isso devem receber a justa puniccedilatildeo dos cidadatildeos

Com as aproximaccedilotildees expostas ao longo do texto natildeo se intentou aqui defender se a autoria do Contra Neera pertence a Apolodoro ou a Demoacutestenes Mesmo assim elas servem para a reflexatildeo sobre a elaboraccedilatildeo do discurso indicando que quem o escreveu era um profundo conhecedor das teacutecnicas de Demoacutestenes Ambos os discursos tecircm como principal objetivo enfatizar a cul-pa dos adversaacuterios por meio da caracterizaccedilatildeo das suas accedilotildees e de seus aspectos eacuteticos Dessa forma os termos da acusaccedilatildeo mesmo natildeo sendo relacionados diretamente com a acusaccedilatildeo principal foram selecionados cuidadosamente de forma que as palavras empregadas possam determinar o delito mas principal-mente o caraacuteter dos envolvidos Demoacutestenes e Apolodoro apresentam o polo positivo sendo exemplos de bons cidadatildeos enquanto Miacutedias e Esteacutefano o satildeo de maus natildeo respeitando aquilo que eacute mais estimado pelos cidadatildeos da poacutelis suas leis e seus ritos

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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(Paacutegina deixada propositadamente em branco)

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Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 38: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

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(Paacutegina deixada propositadamente em branco)

259

Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 39: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

259

Capiacutetulo 7 ndash O desrespeito ao sagrado como elemento definidor do mau cidadatildeo em Demoacutestenes

Capiacutetulo 8 Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos

mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

A estruturaccedilatildeo das instituiccedilotildees democraacuteticas atenienses possibilitava a sua utilizaccedilatildeo nas desavenccedilas entre os inimigos A assembleia e o tribunal se tor-naram palco para que rixas pessoais e poliacuteticas alcanccedilassem toda a cidade por meio da desconstruccedilatildeo da imagem puacuteblica do adversaacuterio Apresentar diante do corpo dos cidadatildeos num processo decisoacuterio o retrato negativo do adversaacuterio como aquele que provoca diversos males agrave cidade era um meio eficaz de atingir os inimigos Primeiro com a obtenccedilatildeo da puniccedilatildeo o adversaacuterio poderia sofrer uma pena pecuniaacuteria ou entatildeo ser afastado do cenaacuterio poliacutetico punido com a atimia Segundo as palavras poderiam extrapolar os ambientes para o qual os discursos foram preparados alcanccedilado outros segmentos da sociedade que natildeo estavam presentes no processo decisoacuterio e prejudicando suas relaccedilotildees na cidade Como por exemplo transformando a pessoa em motivo de riso como o caso de Coacutenon que imitou um galo depois de agredir Ariacuteston711

A competividade da sociedade ateniense alimentava a rivalidade que era um fator de definiccedilatildeo da posiccedilatildeo que a pessoa ocupava na sociedade Seu com-portamento era conduzido pelo preceito difundido na literatura grega ldquoajudar os amigos e prejudicar os inimigosrdquo que determinava quais atitudes eram justas e injustas Tais princiacutepios que se formaram no periacuteodo arcaico continuaram como determinantes do comportamento mesmo depois no seacuteculo IV em que as relaccedilotildees poliacuteticas se tornaram mais complexas712 Dessa maneira ressaltar que o adversaacuterio negava ajuda aos amigos nos momentos de necessidade ou que os traiu era uma operaccedilatildeo utilizada no discurso para demonstrar o caraacuteter e o potencial em prejudicar a poacutelis do inimigo Se o adversaacuterio age assim com os amigos como seria com os cidadatildeos Era essa pergunta que os oradores colo-cavam diante de seus interlocutores depois do relato das accedilotildees na vida privada do adversaacuterio Tal questionamento tambeacutem seraacute muito usado por Demoacutestenes e Eacutesquines ao longo de suas muacuteltiplas acusaccedilotildees

A amizade na vida puacuteblica desempenhava um importante sustentaacuteculo pois garantia apoio na assembleia e nos tribunais como demonstra a relaccedilatildeo entre Apolodoro Ctesifonte e Demoacutestenes Tambeacutem a amizade influencia na resoluccedilatildeo de outros conflitos sem que seja necessaacuteria a intermediaccedilatildeo do

711 Cf 61712 Rhodes amp Mitchell 1996 11-13

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260

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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261

Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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262

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 40: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

260

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

tribunal utilizando meacutetodos coercitivos para convencer que a causa seja aban-donada Esse eacute o caso de Miacutedias que prejudicou vaacuterias pessoas mas nenhuma delas recorreu ao tribunal com receio das represaacutelias que sofreriam dele e de seus amigos (Demoacutestenes Contra Miacutedias 20) Outro exemplo eacute o de Timarco que juntamente com seu amante impediu que uma queixa contra os dois fosse conduzida ao tribunal

Nessa parte da investigaccedilatildeo o foco seraacute no estudo da rivalidade entre Demoacutestenes e Eacutesquines que estaacute bem documentada atraveacutes dos discursos e nos oferece um dos raros exemplos em que se tem dois pontos de vista em torno da discussatildeo pois possuiacutemos os discursos de acusaccedilatildeo e de defesa Seratildeo utilizados trecircs discursos de Eacutesquines Contra Timarco Sobre a embaixada infiel e Contra Ctesifonte apresentando-os nessa ordem obedecendo agrave cronologia das obras A data provaacutevel do Contra Timarco eacute de 346713 Sobre a embaixada infiel de 343714 e Contra Ctesifonte de 330 Duas obras de Demoacutestenes que dialogam diretamente com Eacutesquines tambeacutem seratildeo utilizadas Sobre a falsa embaixada de 343 e Sobre a Coroa de 330 uma defesa de seu amigo Ctesifonte e um elogio agraves suas atividades na cidade Outras obras de Demoacutestenes que tratam do mesmo periacuteodo histoacuterico como as Filiacutepicas e as Oliacutenticas natildeo integraratildeo o escopo da investigaccedilatildeo apesar de serem valiosas para a compreensatildeo do periacute-odo estudado Essa restriccedilatildeo serve para natildeo desvirtuar do interesse original da tese que se concentra no contexto juriacutedico e deve-se tambeacutem ao fato de uma anaacutelise interligando os demais discursos de Demoacutestenes e Eacutesquines com os processos desencadeados pela poliacutetica expansionista da Macedocircnia constituir jaacute por si soacute material para uma nova pesquisa

O recorte (concentrado nos cincos discursos acima listados) permite vi-sualizar a rivalidade exacerbada entre Demoacutestenes e Eacutesquines e a construccedilatildeo de suas argumentaccedilotildees a partir de uma intensa troca de insultos Eacute nesse con-texto que se tem algumas ocorrecircncias da hybris Jaacute as noccedilotildees religiosas nesses discursos satildeo apresentadas de dois modos Primeiro estatildeo relacionadas com os fatos poliacuteticos sobre os quais cada um tem uma opiniatildeo divergente e satildeo utilizadas para sublinhar o erro e o fracasso da posiccedilatildeo poliacutetica defendida pelo adversaacuterio E o segundo uso similar aos dos outros discursos jaacute analisados serve para demonstrar o desrespeito aos rituais e sacrifiacutecios e assim provar o descaso com a cidade

Os insultos permitem observar os aspectos considerados negativos por uma sociedade e identificar os padrotildees de comportamento considerados ina-dequados por um grupo O insulto eacute dito com o intuito de ofender algueacutem num processo de depreciaccedilatildeo de suas caracteriacutesticas ou de seus atos No campo

713 Samaranch 1969 1169 Curado 2008 464714 Carlier 2006 142 Eire 2007 287

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261

Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 41: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

261

Capiacutetulo 8 ndash Rivalidades no jogo poliacutetico e utilizaccedilatildeo dos mecanismos democraacuteticos para atingir os adversaacuterios

da rivalidade os insultos revelam um sentimento de competiccedilatildeo em que se tenta rebaixar o insultado e ao mesmo tempo se vangloriar Por vezes tambeacutem expressam um desejo de que algo de ruim aconteccedila com o adversaacuterio podendo evocar forccedilas sobrenaturais maleacuteficas lanccedilando uma maldiccedilatildeo sobre ele Ana-lisando esses pontos percebe-se facilmente como a hybris se caracteriza como um insulto sendo na democracia ateniense aquele que possui a mais severa puniccedilatildeo indicando o esforccedilo do grupo em controlaacute-la A partir da anaacutelise dos estudiosos sobre a hybris percebem-se essas duas caracteriacutesticas Segundo a perspectiva de Fisher a hybris provoca um rebaixamento do insultado e na visatildeo de Gernet tem elementos do pensamento religioso pois demarca que a ordem do mundo natildeo pode ser rompida impunemente Assim o homem eacute uma forccedila fraacutegil sob o domiacutenio de outras forccedilas religiosas que o punem toda vez que tenta romper seu domiacutenio715

No contexto grego as formas de insulto mais comuns satildeo aquelas que denigrem a imagem da masculinidade e da cidadania do homem diante de seus pares Para ofender o adversaacuterio eacute comum evocar a covardia o mau desempe-nho no campo militar e poliacutetico as negligecircncias domeacutesticas o desamparo dos parentes e o desleixo ao natildeo lhes conceder a vinganccedila devida como no caso do assassinato as praacuteticas sexuais consideradas perversas como a homossexuali-dade passiva716

Todas essas categorias foram utilizadas por Demoacutestenes e Eacutesquines para se insultarem Agora seraacute utilizada a contenda sobre a coroaccedilatildeo de Demoacuteste-nes para se exemplificar de forma breve o uso de diversos tipos de insultos ao longo dos discursos insultos injuacuterias e ofensas que auxiliam a construccedilatildeo da argumentaccedilatildeo dos oradores No Contra Ctesifonte717 depois de apresentar as razotildees para a ilegalidade da proposta de Ctesifonte Eacutesquines concentra a argumentaccedilatildeo numa seacuterie de ataques a seu inimigo poliacutetico e pessoal Demoacutes-tenes Para isso ele inicia com a exposiccedilatildeo de aspectos da vida particular de Demoacutestenes (50-53) evidenciando sua infidelidade aos parentes e amigos Tambeacutem narra o incidente entre Demoacutestenes e Miacutedias e a forma covarde como ele resolveu a contenda aceitando o suborno do seu adversaacuterio De-moacutestenes figurou entre os principais acusadores do general Cefisoacutedoto mesmo depois de ter mantido relaccedilotildees de amizade com ele compartilhando a mesa e os sacrifiacutecios Adiante (77) ataca a postura do adversaacuterio diante da famiacutelia afirmando que ele eacute negligente pois desrespeitou o luto da proacutepria filha jaacute que apenas sete dias apoacutes sua morte jaacute se exibia com a coroa pelas ruas da cidade Aleacutem disso Eacutesquines descreve o exagero de Demoacutestenes com seus gastos

715 Gernet 2001 396716 Cohen 1997 78717 Cohen 1997 79-80

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Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 42: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

262

Parte III Hybris e asebeia no mundo dos oradores

pessoais natildeo sabendo administrar seu lar sendo ele o uacutenico responsaacutevel pela dilapidaccedilatildeo do patrimocircnio (173) numa clara alusatildeo aos processos contra os tutores inocentando-os da perda da fortuna do pai O intuito da apresentaccedilatildeo desses fatos eacute demonstrar que se Demoacutestenes natildeo tem uma postura correta com aqueles que lhe satildeo mais caros e proacuteximos menos condiccedilotildees possuiria ainda para realizar uma poliacutetica puacuteblica voltada para os interesses de todos os cidadatildeos Assim sua poliacutetica era traiccediloeira da mesma maneira como ele era ardiloso com seus amigos e parentes

Outro ataque agrave esfera pessoal eacute o questionamento de sua sexualidade Ele se envolveu com o jovem Ariacuteston de formidaacutevel beleza convidando-o para morar com ele sem que houvesse uma explicaccedilatildeo apropriada para tal mudanccedila (162) Para isso ele utilizou argumentos muito proacuteximos aos apresentados no Contra Timarco Seus vizinhos se escandalizavam com o comportamento de Demoacutestenes (174) como os juiacutezes deveriam tambeacutem ficar escandalizados diante de tais relatos

Os insultos no discurso natildeo se restringem agrave esfera pessoal Os mais du-ros ataques satildeo agrave imagem de cidadatildeo de Demoacutestenes Ele eacute um covarde por abandonar as batalhas (175-6) e por apanhar publicamente de seu inimigo sem reagir e para finalizar a narrativa do fato Eacutesquines afirma que ele ainda carrega as marcas do golpe de Miacutedias (212) Nesse ponto o orador se refere ao soco de Miacutedias no teatro Ao inveacutes de buscar a vinganccedila pelo ultraje no tribunal Demoacutestenes aceita o dinheiro de Miacutedias para abandonar a causa O suborno eacute a marca da sua covardia e da sua corrupccedilatildeo pois ele natildeo teria coragem suficiente para enfrentar o seu inimigo e desistia facilmente das suas convicccedilotildees em troca do dinheiro Demoacutestenes tambeacutem eacute iacutempio por suas accedilotildees com relaccedilatildeo ao templo de Delfos e agrave proposta de uma alianccedila com Tebas (106-111) e revela-se um bajulador pelo seu comportamento quando prestava o serviccedilo de embaixador (71)

A resposta de Demoacutestenes aos insultos recebidos eacute apresentada no Sobre a Coroa O primeiro passo para desmantelar os insultos eacute advertir os juiacutezes sobre as verdadeiras motivaccedilotildees de Eacutesquines que seriam sua inimizade e natildeo um desejo de ajudar a poacutelis como ele se esforccedilou em alegar (1-9 124-126) Assim a inimizade vai ser utilizada para demonstrar a falsidade das alegaccedilotildees de Eacutesquines apresentando-o como um cidadatildeo vil que utiliza os mecanismos democraacuteticos para atacar seus adversaacuterios pessoais Na retaliaccedilatildeo aos insultos sofridos Demoacutestenes tambeacutem ofende o seu adversaacuterio O primeiro insulto se relacionava aos aspectos da sua vida particular a origem do seu nascimento (10-11) Ao questionar a origem do seu nascimento Demoacutestenes rebaixa-o como cidadatildeo e a partir daiacute comeccedilar a traccedilar um paralelo entre sua vida e a de seu inimigo Nessa operaccedilatildeo ele procura engrandecer as proacuteprias qualidades tais como a origem respeitaacutevel da sua famiacutelia a educaccedilatildeo de qualidade rece-bida na infacircncia o cumprimento dos seus deveres como cidadatildeo realizando

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413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 43: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

413

Index nominum

Index nominvm

adikein 234 256adikia 43 44 47 56adikos 60 66 74 79Afidna 255Afrodite 40-42 118 223Agamecircmnon 27 88 90-93 103 110

112 127 128 (n324) 134 329 330Agamecircmnon (Trag) 16 55 56 91-6

225agathoi 6773-77Agoraacutecrito 28Alceu 74 (n143)Alcibiacuteades 248-251Anaxaacutegoras 194Andoacutecides 59 (n96) 105 111 (n 264)

175 217 238Androacutecion 119 143 188-199 206 269

(n735)Anfiacutepolis 268 290 301Anfissa 268 302 305 306anosios 15 45 46 161 162 173 179

202 204 340 351 401antidosis 278 (n757) 307 347-8 356

401Antifonte 11 17 111 113 117-120

125 131 133 134 136 141 145- 147 149150 151-182

Antiacutegona 94-95 103 (n 247) 112 326

327 328 331 (n914)Antiacutegona (Trag) 31 (n23) 36 89 94

(n204) 112 115 291apogoge 193 214 315 401Apolo 127Apolodoro 18 19 184 (n517) 187

231 232 235 237 238 242 244-246 251 252 255 257 259 336 363-370 405

Aquiles 77 113 114 123 124Argos 329Aristarco 143 253 254 283Aristoacutecrates 188 119-205Aristoacutefanes 28 111 131 225 (n630)

316 325 332 334Aristogiacuteton 188 199- 205 294Ariacuteston 35 166 (n468) 187 209-210

212-218220 225 259 262 401Aristoacuteteles 26 27 36 43-45 47 62

(n106) 121 122 131 133 135 140 141 (n378) 157 228 263 311 414 318

Aacuterquias 250 251Arquiacuteloco 74 (n143)Aacutertemiacutes 41-42 301Ascleacutepio 224Asebeia 13-19 23 24 32 33 38-46 48

49 53-55 73 77 82 88 104 105 150 157 161 165 167 176 188

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414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

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415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 44: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

414

Index nominum

193 199 204 206 207 228 231 239 273 (n746) 293 296 297 309 340 356 373 374 375 376 377 401

Atenas 13 14 17 25 34 54 59 64 67 76 85 92 (n197) 110-112 123 (n308) 126 129 131 133 136 141 143 (n385) 145 151 174 176 189 190 195 196 199-204 211 220 221 231 242 245 247 (n684) 248 (n687) 249 252 265 267 268 277 280 282 288-293 296 297 300-302 305 (n824) 306 (n326) 307 309 310 321-323 324 (n891) 327 337 342 353 354 358 365 368 (n1102) 373 374 404

atimia 28 62 63 259 270 298 315 402 404

Atossa 92 93 99 100 102 103 330Atrometo 294Autoclides 278 (n756)Beoacutecia 293 296Beoto 357-361Berisades 199boule 190 191 196 197 254 (n702)

405Cadmeia 267Cadmo 94 117Caacutelias 265Caridemo 200 201 204Cedoacutenides 278 (n756)Cefisoacutedoto 261Cersobleptes 199 200 301Cleacuteon 242-243Cleoacutenimo 341Clitemnestra 87 90-92 127 128 134

225 Coacutelofon 75Colono 118 (n228) 327Contra Agorato (Lys) 141Contra Androacutecion (Dem) 18 49 105

111 (n264) 119 143 183 187-

199 206 269 (n735) 276Contra Aristoacutecrates (Dem) 18 49 59

81 131 133 136 137 139 140 142 149 183 188 199-205 206 401

Contra Beoto I (Dem) 49 357-361Contra Beoto II (Dem) 49 357-361Contra Ctesifonte (Esq) 19 49 236

260 261 298-310Contra Evergo e Mnesibulo (Dem) 143

183 184 187Contra Macaacutertato (Dem) 49 126 183

184 187 317 372 341 (n941) 357 361-363

Contra Miacutedas (Dem) 18 35 49 55 105 110 111 (n 260) 123 (n308) 143 147 169 (n477) 183 187 188 193 199 (n570) 210 (n592) 212 213 (n598) 217 219 220 (n617) 226 228 231 233-236 238-240 242 246-248 253 255-256 260 272 273 275 276 278 (n757) 281 310 347 348 356 376 401 404 405

Contra Neera (Dem) 18 55 105 134 (n347) 183 187 188 231 234 237-240 245 246 250 252 255-257 364 367 376 405

Contra Timarco (Esq) 19 35 49 194 (n555) 253 260 262 264 (n728) 266 268-285 299 314 (n850) 316 (n856) 370 404

Contra Timoacutecrates (Dem) 18 49 119 130 143 183 187-199

Corinto 112 242 326Creonte 31 (n23) 87 89 94-95

(n205) 103 112 115 295Cteacutesias 209-212 214 217 401Ctesifonte 259 260 261 265 298-310Dario 93 97-102 330Delfiacutenion 131 132 136-139 163 358Demeacuteter 224 250 340Demofonte 345 352Demoacutestenes 13 14 16 17-20 23 28

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Page 45: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

415

Index nominum

32 35 37 48 49 59 64 81 105 109 111 126 130 133 140 142 143 150 155 157 169 182-184 186-189 192-194 197 199 200 202 203 205 206 209-213 217 219 221 222 225-228 231-240 245-250 253-247 259-271 273-276 280-283 285-310 313 317 336-339 345-357 363 366 367 370 372 375-377 401 404 405

Diacutedimo 153dike aikeias 184 213 214 218 402dike blabes 359 402Dioceoacutegenes 343Diacuteocles 341 344Diodoro 190-192 195 197 198 130

143 188 189 Dioniso 85 223 232 233 239 241

243 244 245 247 251 300 323 324 325

dokimasia 254 (n702) 318 402 405Draacutecon 34 124-126 129 148 149

184 201 Eacutedipo 86 87 110 115 118 (n288)

127 (n319 n320) 325-328efebia 209 220 347 402Efialtes 129 135Egisto 87 225 329 330eisangelia 184 193 194 402-403eisphora 189 197 403ekphora 321Electra 112 (n266) 329-331 334 Elpenor 113 114enages 116 403ephetai 125 136epikleros 335 343 403epobelia 282 349 366 368 403Epoacutenimo 313Eratoacutestenes 137 138Eriacutenias 81 115 116 127 128 149

315 320 403Esopo 224 225 313

Esparta 250 265 (n732) 267 Eacutesquilo 14-16 48 49 55 57 80 88-

90 92 94 (n204) 96 99 103 104 112 126 128 129 149 156 225 329 401

Eacutesquines 19 27 (n13) 35 37 49 81 140 189 210 236 253 259 -310 337 366 370 404

Esteacutefano (demo de Acarnas) 366-370Esteacutefano (demo de Ereacuteadas) 18 187

232 233 241-243 251 252 244 255 257

Estrepsiacuteades 333-334Eteacuteocles 87 91 92 94 103 110 115

326ethos 18 19 26 29 112 174 177 205

206 228 231 297 375Eubeia 220 231 232 290 301 307

337Eubulo 200 231 232 295Euclides 317Eucteacutemon 189 190-192 195-198 Eufileto (Em defesa de Eufileto) 344Eufileto (Sobre o assassinato de

Eratoacutestenes) 137-139 Eumoacutelpidas 193 251eunomia 57 61 62 64 65 67-70 83

306 (n826) Euriacutepides 40 41 (n54) 86 112 128

(n324) 326 329-331 334Ecircuticles 200Ecircutifron 143 144 Eutino 186Eveacuteon 169 (n477) 186Fanoacutestrato 220Fedra 41 86 118Fidiacutepides 333-334File 343-344Filoacutecoro 324 (n891)Filoacutecrates 265 267 268 287-289 291

292Filocteacutemon 342

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416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

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417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

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418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Page 46: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

416

Index nominum

Filoacutenides 346Foacutecida 267 287 288 293Foacutermion 365-370 Freato 131 132 141 142 172 180

203Friacutenon 290Genesia 324Glaucetes 195 197graphe goneon kakoseos 314 334 404graphe paranomon 28 187 188 195

199 298 404Hades 196 319 320 321 133 114Haacutegnias 185 186 362 363Halos 287Harmoacutedio 294Hegesandro 278-279Heitor 110 115 (n274)Helena 87 358 (n980)Heacuteracles 127 (n319) 223Heraclito 57 74 (n143)Hermes 42 (n61) 105 224 249 250

319 324 403 Herodes 174 175Hesiacuteodo 39 54 56-59 79 (n159) 334 Heacutestia 319 358Hibleia 72hieros 38 (n44) 404Hipaacutereta 249Hiperides 403Hipoacutelito 40 41 42 159 (n450) 328Hipoacutelito (Trag) 40 55 118 328Hiponico 249Homero 27 30 31 40 (n53) 55

(n81) 110 116 (n281)horkos 80 146hosios 15 33 (n29) 38 (n44) 45 46

47 (n73) 80 143 145 165 176 177 182 202 404

hybris 13-19 23 24 30-33 35 37-39 40-45 47-49 56-59 61 65 66-73 75-77 79 83 84 86 87-91 96

102-105 109 110 115 147 150 157 158 (n446) 163 166 168 182 183 185 (n524) 187 188 192-194 199 204 206 207 209 211 212 217-222 224-226 228 229 231 235 239 240 252 253 260 261 265 266 270 272-276 278-280 281 283 284 285 288 289 290 292 294 296 304 306 307 308 309 310 326 336 343-345 350 351 355 356 360 362-365 367-370 372-377 404

Iseu 13 19 115 184 (n520) 185 (n522) 312 313 317 335 (n921) 336 337 344 349 350 (n948) 357 372 404 405

Isoacutecrates 337 338 353ithyphalloi 211Jasatildeo 112Jocasta 87 326kairos 157koros 65-68kosmos 39 40 47 58 70 74 78 82 84

88-90 99 102 104 227 374Laio 110 325 326Leoacutecrates 92 (n1957) 146 147 371Licurgo 43 80 92 (n197) 131 146

147 316 371Liacutesias 42 (n61) 111 137 141 337

349 361 377 405Macaacutertato 185 362-363Macedocircnia 200 260 265 267 269

289-292 303 310Mantias 357-360 372Mantiacuteteo 357-361Medeia 112Medeia (Trag) 112 115Meacutegara Niseia 72Meacutenecles 313 339 342 343miasma 34 95 (n208) 109 110 116

119 (n292) 130 145 149 150 152 155 158-161 165 167 168 170 171 173 179 180 284 371

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

417

Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

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Index nominum

405Miacutedias 18 35 143 189 210 212

(n595) 226-228 231-237 239-241 247-250 253-257 260-262 275 300 300-301 (n813) 310 347 348 356

Miacutesgolas 277-279moira 16 39 40 47 54 61 62 69 71

77-79 84 85 88 90 101 105 308Neera 18 232-235 238-239 241-245

247 251 252 256 405necircmesis 311Nicareta 242Niacutecocles 365Nicodemo 111 (n260) 186 233 253

254 283nomos 31 (n23) 151 181 405Orestes 43 (n32) 89 90 95 103 112

118 126-129 134 202 329-331 334

Orestes (Trag) 329Paflagoacutenio 28paideia 82Palaacutedion 131-133 136Palacircntidas 118Pandora 79 (n159)Pacircnfilo 358 360parapresbeia 285 286Paacutesicles 365 369Paacutesion 363-369Paacutetroclo 113 115 (n274)Peacutelops 326Perseacutefone 221 224 340Phonos 131 405physis 151 181Piacutendaro 77 (n155)Pireu 142 277 307Pirro 343Pitaacutegoras 224Pitaacutelaco 278 279 291Placircngon 358 359

Platatildeo 36 58 77 (n155) 120 132 133 (n342) 139 140 143-145 149 (n408) 150 153 168 171 172 311 323

Plateias 290Plutarco 27 37 59 235-337 348 366Poliarco 341Poseacuteidon 98 328probouleuma 190 405Prometeu 79 (n159)Protaacutegoras 158 194proxenos 188pseudo‑ Demoacutestenes 237pseudo‑Plutcarco 153Querondas 298Queroneia 268 298 301 303Quersoneso 200Quiacutelon 211Quiacuteron 341 344Rodes 267 298Salamina 292seisachtheia 63-64sicofantas 192-193 (n549) 235 (n649)

296 405Siacutesifo 112Soacutecrates 105 144 194 224 (n627)Soacutefocles 31 (n23) 36 86 89 94-95

(n204) 112 116 118 (n288) 326 (n897) 327 329

Soacutelon 14 16 33 48 49 53 54 56 57 59 60-71 73 74 76 83 84 102 125 126 (n315) 185 186 195 272 (n746) 355 371 404

Sosiacuteteo 185synegoros 37 (n41) 233 352 358 364

366 405Targeacutelias 176Tarso 153Tebas 91 92 103 110 115 117 127

(n320) 262 265-268 289 290 292 296 297 301 303 304 307 310 325-328

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

418

Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Page 48: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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Index nominum

Telecircmaco 113Temistocles 135 (n352)Teofrasto 120 140 150Teoacutegenes 233 243 244Teoacutegnis 14 16 33 48 49 53 54 56

57 69 73 74 75-80 82 83 84 102 129 373

Teomnesto 232 240 405Teriacutepides 345Termoacutepilas 289 296 302Tersites 28Teseu 41 48 245 328Tesmofoacuterias 138 340 341theorikon 364 232Timarco 260 266 268-285 291-293

304 307Timoacutecrates 188-199Timoacuteteo 366Tireacutesias 41 (n55)Tisandro 278 (n756)Traacutecia 199 268 301Trasiacuteloco 278 (n757) 347 348 351

356 401 Troia 28 87 90 93 110 (n255) 127

131Tuciacutedides 153 251 (n694) 348tyche 302 305 (n824)Xeacutenocles 343Xenofonte 153 265Xerxes 86 88 90 91 96-103 330

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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419

Volumes publicados na Colecccedilatildeo Humanitas Supplementum

1 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 1 ndash Liacutenguas e Literaturas Greacutecia e Roma (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

2 Francisco de Oliveira Claacuteudia Teixeira e Paula Barata Dias Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 2 ndash Liacutenguas e Literaturas Idade Meacutedia Renascimento Recepccedilatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

3 Francisco de Oliveira Jorge de Oliveira e Manuel Patriacutecio Espaccedilos e Paisagens Antiguidade Claacutessica e Heranccedilas Contemporacircneas Vol 3 ndash Histoacuteria Arqueologia e Arte (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2010)

4 Maria Helena da Rocha Pereira Joseacute Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords) Horaacutecio e a sua perenidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

5 Joseacute Luiacutes Lopes Brandatildeo Maacutescaras dos Ceacutesares Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

6 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim Leatildeo Manuel Troumlster and Paula Barata Dias (eds) Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2009)

7 Gabriele Cornelli (Org) Representaccedilotildees da Cidade Antiga Categorias histoacutericas e discursos filosoacuteficos (Coimbra Classica DigitaliaCECHGrupo Archai 2010)

8 Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simotildees Rodrigues (Coords) Sociedade poder e cultura no tempo de Oviacutedio (Coimbra Classica DigitaliaCECHCECCH 2010)

9 Franccediloise Frazier et Delfim F Leatildeo (eds) Tychegrave et pronoia La marche du monde selon Plutarque (Coimbra Classica DigitaliaCECH Eacutecole Doctorale 395 ArScAn-THEMAM 2010)

10 Juan Carlos Iglesias-Zoido El legado de Tuciacutedides en la cultura occidental (Coimbra Classica DigitaliaCECH ARENGA 2011)

11 Gabriele Cornelli O pitagorismo como categoria historiograacutefica (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

12 Frederico Lourenccedilo The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2011)

13 Joseacute Augusto Ramos Maria Cristina de Sousa Pimentel Maria do Ceacuteu Fialho Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Paulo de Tarso Grego e Romano Judeu e Cristatildeo (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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420

14 Carmen Soares amp Paula Barata Dias (coords) Contributos para a histoacuteria da alimentaccedilatildeo na antiguidade (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

15 Carlos A Martins de Jesus Claudio Castro Filho amp Joseacute Ribeiro Ferreira (coords) Hipoacutelito e Fedra ‑ nos caminhos de um mito (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

16 Joseacute Ribeiro Ferreira Delfim F Leatildeo amp Carlos A Martins de Jesus (eds) Nomos Kosmos amp Dike in Plutarch (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

17 Joseacute Augusto Ramos amp Nuno Simotildees Rodrigues (coords) Mnemosyne kai Sophia (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

18 Ana Maria Guedes Ferreira O homem de Estado ateniense em Plutarco o caso dos Alcmeoacutenidas (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

19 Aurora Loacutepez Andreacutes Pocintildea amp Maria de Faacutetima Silva De ayer a hoy influencias claacutesicas en la literatura (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

20 Cristina Pimentel Joseacute Luiacutes Brandatildeo amp Paolo Fedeli (coords) O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

21 Francisco de Oliveira Joseacute Luiacutes Brandatildeo Vasco Gil Mantas amp Rosa Sanz Serrano (coords) A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2012)

22 Luiacutesa de Nazareacute Ferreira Mobilidade poeacutetica na Greacutecia antiga uma leitura da obra de Simoacutenides (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

23 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp JoseacuteLuiacutes Brandatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol I ndash Dos saberes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia2013) 282 p

24 Faacutebio Cerqueira Ana Teresa Gonccedilalves Edalaura Medeiros amp Delfim Leatildeo Saberes e poderes no mundo antigo Vol II ndash Dos poderes (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 336 p

25 Joaquim J S Pinheiro Tempo e espaccedilo da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013) 458 p

26 Delfim Leatildeo Gabriele Cornelli amp Miriam C Peixoto (coords) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Dioacutegenes Laeacutercio (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra Classica Digitalia 2013)

27 Italo Pantani Margarida Miranda amp Henrique Manso (coords) Aires Barbosa na Cosmoacutepolis Renascentista (Coimbra Classica DigitaliaCECH 2013)

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421

28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Page 51: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

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28 Francisco de Oliveira Maria de Faacutetima Silva Tereza Virgiacutenia Ribeiro Barbosa (coords) Violecircncia e transgressatildeo uma trajetoacuteria da Humanidade (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

29 Priscilla Gontijo Leite Eacutetica e retoacuterica forense asebeia e hybris na caracterizaccedilatildeo dos adversaacuterios em Demoacutestenes (Coimbra e Satildeo Paulo IUC e Annablume 2014)

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Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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Page 52: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em ... · Ética e retórica forense: asebeia e hybris na caracterização dos adversários em Demóstenes Ethics and forensic

Resumo da obra

O intuito desta investigaccedilatildeo eacute analisar o uso dos termos asebeia e hybris nos discursos

forenses presentes no corpus Demosthenicum Ambos os conceitos desempenham um papel

importante nos discursos para descrever negativamente o caraacuteter do adversaacuterio e atribuir

uma culpa maior ao delito cometido A eficiecircncia dos termos em atrair a simpatia dos juiacutezes

eacute comprovada nos discursos por meio da recorrecircncia de diversas situaccedilotildees tais como

homiciacutedios agressotildees mau uso da cidadania rivalidades poliacuteticas e disputas familiares

O estudo foi dividido em trecircs partes A primeira eacute dedicada agrave discussatildeo das questotildees

metodoloacutegicas a segunda ao tratamento das noccedilotildees de asebeia e hybris no periacuteodo

arcaico e claacutessico por fim a terceira se refere ao uso dessas noccedilotildees no mundo dos oradores

principalmente em Demoacutestenes A terceira parte eacute dividida em sete capiacutetulos cada um

dedicado a um uso especiacutefico dessas noccedilotildees Demoacutestenes escolheu com cuidado quando

utilizar as noccedilotildees de asebeia e hybris para compor o ethos negativo do adversaacuterio atraveacutes

do enriquecimento da acusaccedilatildeo com fatores que natildeo estatildeo necessariamente ligados agrave accedilatildeo

principal mas que satildeo condenaacuteveis aos olhos dos cidadatildeos Assim as noccedilotildees de asebeia e

hybris satildeo amplamente utilizadas nos casos em que a tradiccedilatildeo da cidade estaacute em perigo

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