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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 ASPECTOS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO GÊNERO DISCURSIVO RESPOSTA INTERPRETATIVO-ARGUMENTATIVA NA FORMAÇÃO DOCENTE INICIAL Diogo de Oliveira GALHARDI (PLE-UEM) Renilson José MENEGASSI (UEM) Introdução Este trabalho, apresentando a temática sobre a construção do gênero discursivo Resposta Interpretativo-argumentativa por professores de Língua Portuguesa em processo de formação docente inicial, tem o intuito de compreender como este gênero do campo discursivo acadêmico pode ser elaborado a partir da produção de outros gêneros do mesmo campo, como as Respostas Interpretativas e os Resumos, considerando-se o diálogo entre professor-mediador, textos trabalhados e os educadores em formação durante o processo de escrita. Situado no campo de estudos da Linguística Aplicada e substanciado pela Análise Dialógica do Discurso - ADD, adota-se, neste trabalho, a concepção dialógica de linguagem pressuposta por Bakhtin e seu Círculo, além dos pesquisadores brasileiros que desenvolvem pesquisas sob esta perspectiva. Desse modo, considera-se a linguagem como instrumento de interação entre indivíduos, enfatizando-se a abordagem sócio-histórica dessa interação. Em relação ao processo de ensino instaurado nas práticas de escrita a serem apresentadas posteriormente, pressupõem-se os princípios teóricos de Vygotsky, principalmente, no concernente à mediação. Esta pesquisa trata-se de um recorte de um estudo maior, que está em desenvolvimento, sobre os processos de revisão e reescrita de textos produzidos por professores de Língua Portuguesa em formação, acadêmicos do terceiro ano do curso de Letras da Universidade Estadual de Maringá. Aqui, é apresentada e discutida uma amostra representativa desse corpus maior, que compreende 293 textos de diversos gêneros do campo acadêmico. O recorte selecionado é representado pelos textos produzidos por um dos 25 sujeitos participantes da pesquisa. O presente artigo se justifica à medida que contribui para a importante discussão sobre o trabalho com os gêneros acadêmicos no processo de formação docente inicial, apresentando uma possibilidade de prática a ser desenvolvida com os sujeitos. Além disso, é ressaltada a necessidade

ASPECTOS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO GÊNERO … · compreendendo os gêneros discursivos Resposta Interpretativa, Resumo e Resposta Interpretativo- argumentativa, produzidos por

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IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação

Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013

ISSN: 1981-8211

ASPECTOS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO GÊNERO DISCURSIVO RESPOSTA

INTERPRETATIVO-ARGUMENTATIVA NA FORMAÇÃO DOCENTE INICIAL

Diogo de Oliveira GALHARDI (PLE-UEM)

Renilson José MENEGASSI (UEM)

Introdução

Este trabalho, apresentando a temática sobre a construção do gênero discursivo Resposta

Interpretativo-argumentativa por professores de Língua Portuguesa em processo de formação

docente inicial, tem o intuito de compreender como este gênero do campo discursivo acadêmico

pode ser elaborado a partir da produção de outros gêneros do mesmo campo, como as Respostas

Interpretativas e os Resumos, considerando-se o diálogo entre professor-mediador, textos

trabalhados e os educadores em formação durante o processo de escrita.

Situado no campo de estudos da Linguística Aplicada e substanciado pela Análise Dialógica

do Discurso - ADD, adota-se, neste trabalho, a concepção dialógica de linguagem pressuposta por

Bakhtin e seu Círculo, além dos pesquisadores brasileiros que desenvolvem pesquisas sob esta

perspectiva. Desse modo, considera-se a linguagem como instrumento de interação entre indivíduos,

enfatizando-se a abordagem sócio-histórica dessa interação. Em relação ao processo de ensino

instaurado nas práticas de escrita a serem apresentadas posteriormente, pressupõem-se os princípios

teóricos de Vygotsky, principalmente, no concernente à mediação.

Esta pesquisa trata-se de um recorte de um estudo maior, que está em desenvolvimento,

sobre os processos de revisão e reescrita de textos produzidos por professores de Língua Portuguesa

em formação, acadêmicos do terceiro ano do curso de Letras da Universidade Estadual de Maringá.

Aqui, é apresentada e discutida uma amostra representativa desse corpus maior, que compreende

293 textos de diversos gêneros do campo acadêmico. O recorte selecionado é representado pelos

textos produzidos por um dos 25 sujeitos participantes da pesquisa.

O presente artigo se justifica à medida que contribui para a importante discussão sobre o

trabalho com os gêneros acadêmicos no processo de formação docente inicial, apresentando uma

possibilidade de prática a ser desenvolvida com os sujeitos. Além disso, é ressaltada a necessidade

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de se trabalhar a revisão e a reescrita textual, para que os professores em formação tomem

consciência da importância desses processos para o desenvolvimento de sua própria escrita, além de

a reconhecerem como um trabalho, que exige dedicação e esforços repetidos de leitura e de

reformulação. Essas suposições se sustentam na ideia de que é preciso conhecer para ensinar, ou

seja, os educadores em formação precisam constituir a sua escrita e aprender metodologias para se

trabalhar com esse processo no futuro, como professores de Língua Portuguesa. Nesse enredo,

Menegassi afirma que “parte-se do princípio de que somente ensina a escrever quem tem a escrita e

o seu ensino constituído como prática social” (2011, p. 389). Dessa forma, trabalhos como este se

justificam por discutirem questões relativas aos gêneros discursivos, na relação com as práticas

sociais que os envolvem, podendo servir de subsídio para a formação de professores competentes

para o trabalho com esses gêneros básicos em todos os estágios educacionais.

Após esta seção, discute-se a respeito dos gêneros discursivos do campo acadêmico. Em

seguida, são apresentados os procedimentos metodológicos que perpassaram a coleta e a análise dos

textos. Na seção seguinte, apresenta-se a análise dos textos de um dos sujeitos da pesquisa, a fim de

mostrar como se desenvolveu o gênero produzido.

1. Construção dos gêneros discursivos acadêmicos

Na concepção dialógica da linguagem, os interlocutores interagem por meio dela, trocando

experiências e se constituindo historicamente. Nessa perspectiva, a língua não é mais vista como um

produto findado em si, mas sim, como “fenômeno social da interação verbal, realizada através da

enunciação ou das enunciações” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2012, p. 127), evidenciando, assim,

o caráter “puramente histórico” da língua (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2012, p. 112).

Nesse sentido, sendo as enunciações fenômenos sociais que se ligam a uma cadeia de

enunciações pertencentes a um mesmo campo ideológico, pode-se afirmar que a interação verbal,

seja falada ou escrita, é instaurada por meio de enunciados formulados e determinados socialmente,

incluindo características idiossincráticas devido à intencionalidade do dono do dizer. Isto é,

inicialmente, as enunciações são sociais, este meio é o que determina o que poderia ser produzido. A

partir do interlocutor com que se interage, da relação estabelecida entre as partes, ou seja, do

contexto que circunda a enunciação é que se estabelece o diálogo, considerado em seu sentido mais

amplo, já que, muitas vezes, os interlocutores não são reais, há referências apenas às imagens

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construídas no processo dialógico. Ademais, estabelece-se a volição dos indivíduos que proferem

enunciados, trazendo à tona sua vontade de dizer, a finalidade de seu discurso, a intencionalidade

inerente à comunicação, eventos que individualizam os enunciados, tornando-os únicos e irreptíveis,

como determina o Círculo de Bakhtin, mesmo que sejam processos indiciados nos aspectos sociais

pressupostos na interação e consubstanciados ideologicamente pelo campo discursivo aos quais

pertencem.

A interação se estabelece por meio dos gêneros discursivos (Cf. Bakhtin, 2011). Dentro de

diversos campos comunicativos existentes em uma sociedade, vários enunciados individuais são

proferidos pelos indivíduos, todavia, esses campos de utilização da língua elaboram “seus tipos

relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN,

2011, p. 262). A natureza desses gêneros é heterogênea por excelência, já que há, na interação,

processos dialógicos – os enunciados sempre se relacionam a outros enunciados - e polifônicos, já

que as vozes dos discursos ecoam e as palavras trazem, sempre, significados prévios, conteúdo

ideológico de diversos campos em que uma palavra (o discurso, nos termos bakhtinianos) pode se

ressignificar.

Os gêneros do discurso característicos de cada campo da atividade humana podem ser

reconhecidos a partir de três elementos que os formam: “o conteúdo temático, o estilo, a construção

composicional” (BAKHTIN, 2011, p. 262). Ou seja, cada campo comunicacional estabelece seus

temas mais característicos, delegando as organizações possíveis para as estruturas dos enunciados

orais e escritos, além de possibilitar que o estilo de cada gênero se associe ao estilo individual, isto

é, a seleção idiossincrática de recursos linguísticos, de cada indivíduo participante deste ou daquele

campo de atividade.

Um dos aspectos primordiais para o estabelecimento da interação, por meio dos gêneros

discursivos, é a “responsividade”, já que todo discurso exige uma atitude responsiva, que pode ser,

até mesmo, representada pelo silêncio. Bakhtin afirma que

o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou

discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo,

etc.; essa posição responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o processo de

audição e compreensão desde o seu início, às vezes literalmente a partir da primeira palavra do falante. (BAKHTIN, 2011, p.271)

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Ao se pensar a escrita acadêmica, realizada em diversos gêneros desse campo, como

resumos, resenhas, respostas, relatórios etc., pode-se afirmar que as atitudes responsivas dos

acadêmicos sejam determinadas: a) pelos interlocutores; b) pela posição social assumida por eles; c)

pelas finalidades e intencionalidades dos próprios discursos e de seus produtores, respectivamente.

Na academia, os professores de língua materna em formação inicial produzem textos desses

gêneros todo o tempo, no entanto, nem sempre tomam consciência sobre o processo de sua

construção, no que se refere à composição, ao estilo e, principalmente, ao desenvolvimento do

discurso empregado, ou seja, das temáticas abordadas. As atitudes responsivas são, em grande parte

das vezes, imediatas, sem que haja tempo para a reflexão sobre o processo de elaboração do gênero.

Por isso, acredita-se que os educadores em formação precisam de um trabalho mais árduo e,

consequentemente, profícuo, para que suas atitudes responsivas sejam gradativamente mais

conscientes e que o conhecimento se constitua.

A fim de se criar as condutas necessárias para a constituição do conhecimento em relação à

construção dos gêneros acadêmicos na formação inicial, considera-se irrefutável a necessidade de

mediação, a ser instaurada durante a interação estabelecida no processo de ensino e aprendizagem de

um gênero discursivo. Para tanto, recorrem-se aos pressupostos de Vygotsky e à concepção de

ensino sócio-histórica-cultural que se expande às praticas docentes. Nesse sentido, cabe a

explicitação de um dos conceitos mais divulgados do referido autor, o de “Zona de

Desenvolvimento Proximal - ZDP”. Vygostky (1988), ao discutir sobre as “Funções Psicológicas

Superiores”, como a apropriação e a utilização da linguagem verbal, disserta sobre os momentos de

aprendizagem e de desenvolvimento dos objetos de conhecimento adquiridos por crianças, antes e

depois de ingressarem na escola, conceituando a ZDP como

“a distância entre o nível real de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver independentemente um problema, e o nível de desenvolvimento potencial,

determinado através da resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou

em colaboração com outro companheiro mais capaz” (VYGOTSKY, 1988, p. 133)

Em outras palavras, afirma-se que alguns conhecimentos só são adquiridos com o auxílio de

um “par superior”, isto é, alguém que já possui os conhecimentos em processo de aprendizagem e de

desenvolvimento, que seja capaz de orientar o aprendiz para que os alcance. Essa mediação entre o

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que deve ser aprendido e o aprendiz ocorre, muitas vezes, a partir da criação de automatismos, que

levem ao estabelecimento de condutas até a constituição do conhecimento propriamente dito, a

partir de práticas sociais efetivas.

Analogamente, pensando na formação docente inicial, considera-se que os acadêmicos já

possuem, internalizados, conhecimentos discursivos e de escrita, ou seja, já aprenderam a escrever e

utilizam diversos gêneros com sucesso, constituindo, assim, o nível real de desenvolvimento;

contudo, para melhorar a sua condição como escreventes, precisam da mediação de alguém com

mais conhecimentos sobre os gêneros a serem aprendidos e as maneiras disponíveis para o

desenvolvimento da escrita, que possa mostrar os caminhos para essa evolução. Desse modo, a

mediação, que pode ser feita, por exemplo, por meio de apontamentos escritos, durante o processo

de revisão, nos textos produzidos pelos acadêmicos, torna-se orientação, esta que leva ao

desenvolvimento da escrita desse público.

2. Procedimentos metodológicos

O corpus desta pesquisa é constituído por 293 textos, considerando-se escritas e reescritas,

compreendendo os gêneros discursivos Resposta Interpretativa, Resumo e Resposta Interpretativo-

argumentativa, produzidos por 25 sujeitos, acadêmicos do terceiro ano do curso de Licenciatura em

Letras–Português da Universidade Estadual de Maringá, no primeiro semestre de 2013, durante as

aulas da disciplina Linguística Aplicada e o Ensino de Língua Materna. Aqui, é apresentada e

analisada uma amostra, composta pelos textos produzidos por um dos sujeitos da pesquisa, com o

intuito de mostrar como ocorreu o desenvolvimento do gênero discursivo Resposta Interpretativo-

argumentativa a partir da construção prévia de outros gêneros do campo acadêmico.

No total, foram aplicadas, pelo professor da turma, cinco propostas de produção textual,

todas abordando a temática sobre a Linguística Aplicada (LA), seus conceitos, definições,

características e aplicações. Antes do início do processo de escrita e reescrita dos textos, foram lidos

e trabalhados, em sala de aula, três textos sobre esse tema: “A Linguística Aplicada e a Linguística”

(BASTOS E MATTOS, 1993), “Linguística aplicada, aplicação de Linguística e ensino de línguas”

(ALMEIDA- FILHO, 2005) e “Maneiras de compreender a Linguística aplicada” (ALMEIDA –

FILHO, 2005), como textos introdutórios à disciplina. Esses textos foram amplamente discutidos

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com o auxílio do professor para, em seguida, iniciar-se as produções textuais, que atenderam às

seguintes propostas:

Quadro 1 – Propostas de produção textual aplicadas aos sujeitos da pesquisa.

Como o objetivo proposto para este trabalho é o de analisar a construção do gênero Resposta

Interpretativo-argumentativa a partir da elaboração dos outros gêneros acadêmicos produzidos

previamente pelos acadêmicos, são apresentadas as orientações específicas para a produção desse

gênero discursivo, que constituiu resposta à questão “Do que trata a LA?”.

Foi requisitado aos acadêmicos que escrevessem a Resposta Interpretativo-argumentativa,

assim como as outras respostas elaboradas anteriormente, com base nos dois textos estudados em

sala de aula, além disso, utilizariam, como exemplificação, o trabalho em LA lido e resumido. Desse

modo, na composição do texto, apresentariam o tema, uma definição de LA, uma explicação,

contendo as características da LA e seus critérios de cientificidade e uma exemplificação, que seria

o trabalho estudado e resumido. Essas informações já estavam presentes nos textos produzidos

previamente, o que facilitaria o processo de escrita do texto final.

Os textos foram produzidos individualmente e reescritos duas vezes, a partir dos

apontamentos escritos feitos pelo mediador durante o processo de revisão textual. Acredita-se que

esse processo seja essencial para que os acadêmicos desenvolvam sua escrita e se apropriem do

gênero ensinado. Muitas vezes, os próprios escreventes realizam a revisão, relendo seus textos a fim

de buscar formas de melhorá-lo, entretanto, segundo Ruiz, “os comentários e críticas dos outros

podem ser muito mais eficazes que os próprios” (2001, p. 81). A autora acredita, ainda, que os

alunos geralmente fazem uma “releitura rápida e pouco crítica, em vez de fazerem uma revisão

como se deve [...]” (Id. Ibid.). Assim, considera-se que o mediador, par mais capaz, no sentido

vigotskiano, tenha papel fundamental no processo de revisão, incluindo constantemente a correção.

1ª - Resposta Interpretativa à questão: Quais são as características da Linguística Aplicada?

2ª - Resposta Interpretativa à questão: O que é LA?

3ª - Resumo de um artigo lido, cuja abordagem relaciona-se à LA.

4ª - Resposta Interpretativa à questão: Quais são os critérios de cientificidade da LA?

5ª - Resposta Interpretativo-argumentativa à questão: Do que trata a LA?

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Nos textos analisados, compreendendo a Resposta Interpretativo-argumentativa, foi

preconizado o diálogo entre o mediador, os textos produzidos e seus produtores. Desta feita, mesmo

que as correções dos aspectos formais do texto em sua microestrutura, como erros gramaticais,

fossem feitas de forma direta, por meio de apontamentos resolutivos, indicativos e classificatórios

(Cf. SERAFINI, 2004), a reflexão sobre as implicações advindas dos apontamentos foi alvo do

mediador. Dessa forma, houve o intuito de levar os acadêmicos à reflexão sobre o que foi proposto

durante a revisão para que, durante as reescritas, pudessem acatar ou não o que foi requerido, ou, até

mesmo, que reformulações além das sugeridas pelo mediador pudessem surgir. Quanto à

macroestrutura dos textos e às questões discursivas relacionadas à temática, a forma de correção

mais utilizada pelo mediador durante a revisão, partindo de uma perspectiva dialógica, foi realizada

por meio de apontamentos interativos. Ruiz (2010) chama de correção textual-interativa quando é

realizada por meio de bilhetes, elaborados no final dos textos, em que se dialoga com os escreventes,

tendo a possibilidade de abordar questões maiores que levem os produtores dos textos à tomada de

consciência sobre o que pode ser melhorado em seus escritos.

As correções realizadas durante o processo de revisão consideraram, ancoradas nos

pressupostos bakhtinianos sobre os gêneros discursivos: a) a organização composicional dos textos,

ou seja, averiguou-se a construção dos enunciados, conferindo se os elementos propostos para a

elaboração do gênero pedido estavam presentes, como o tema e a exemplificação, por exemplo; b) o

estilo do gênero, isto é, a adequação à norma culta do idioma, padrão característico dos gêneros

acadêmicos e as devidas referências aos textos/autores referenciados nas produções textuais; c) o

desenvolvimento da temática proposta, atentando-se para a manutenção do tema em todos os textos

produzidos e à exauribilidade temática, dito de outro modo, o desenvolvimento adequado do

discurso, apresentando todas as informações importantes para se alcançar a um sentido pleno.

3. Análise da Resposta Interpretativo-argumentativa

De modo geral, todos os textos produzidos para a proposta “Do que trata a LA?”

apresentaram uma característica comum: foram elaborados a partir da recuperação dos outros textos

menores produzidos anteriormente, fato previsto e aceitável, já que as Respostas Interpretativas e o

Resumo produzidos serviram justamente para que os acadêmicos constituíssem o discurso

necessário para a construção da Resposta Interpretativo-argumentativa final.

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O texto a seguir, analisado em forma de excertos, para melhor visualização, é representativo

dessa construção. Logo no primeiro trecho do texto, já se pode observar como a construção prévia

de textos é aproveitada pelo acadêmico:

Trecho 1 – Parte inicial da Resposta Interpretativo-argumentativa.

Já na primeira parte do texto, o acadêmico que o produziu deixa marcas sobre o gênero

discursivo que está construindo, com os elementos “Pergunta” e “Resposta”, fato que aconteceu

também nos textos anteriores, demonstrando que está instaurado um processo de criação de conduta,

ou seja, essa repetição de elementos, que denunciam o gênero elaborado, ocorre para que o

escrevente, com o tempo, constitua o conhecimento sobre as características desse gênero e passe a

utilizá-lo com naturalidade. Esse fato ocorre, também, nas outras produções desse sujeito,

corroborando, ainda mais, a afirmação. Essa relação dialógica estabelecida com os textos produzidos

anteriormente é ainda mais verídica quando se compara o início dessa produção a outra Resposta,

produzida anteriormente, à questão “O que é LA?”:

Trecho 2 – Resposta Interpretativa à questão “O que é LA?”.

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Como é possível perceber, além de se manterem as marcas utilizadas para a constituição do

conhecimento sobre o gênero que está aprendendo, “Pergunta” e “Resposta”, o texto é igual ao

início da Resposta à questão “Do que trata a LA?”, ou seja, o acadêmico copiou integralmente o

texto. Esse fato é totalmente aceitável, pois a resposta apresentada, “O que é La?”, traz o mesmo

tema da questão final “Do que trata a LA?”, além de conter uma definição de LA, constituindo a

orientação dada à construção da resposta final, isto é, deveriam aparecer o tema e uma definição de

LA no texto, o que realizou, com sucesso, o acadêmico ao copiar integralmente o texto produzido

previamente. Além disso, desde o início do trabalho com as produções textuais, já se planejava a

construção do texto final, dessa forma, é natural que os textos produzidos anteriormente fossem

aproveitados no texto final. A única mudança ocorrida na resposta final em relação à cópia realizada

se refere à alteração do verbo “estuda” para “trata”, o que demonstra que o acadêmico dialoga com

a questão apresentada e com o texto já produzido, isto é, mesmo copiando o trecho, tenta adequá-lo

à nova questão a partir do tema da pergunta, que era “Do que trata a LA?”.

No segundo trecho da Resposta Interpretativo-argumentativa, o professor em formação

apresenta a explicação requisitada para a composição desse gênero, que contém as características da

LA e os seus critérios de cientificidade, informações que também já tinham sido levantadas em

questões anteriores, “Quais são as características da LA?” e “Quais são os critérios de cientificidade

da LA?”, respectivamente.

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Trecho 3 – Trecho da Resposta Interpretativo-argumentativa à questão “Do que trata a LA?”, contendo os critérios de

cientificidade e as características da LA.

.

Neste trecho, assim como no anterior, há informações contidas em textos previamente

elaborados, o que torna evidente o diálogo estabelecido. Marcas linguísticas como “A LA possui

critérios de cientificidade” e “As características da LA são” denunciam a retomada dos textos

anteriores, além de manterem a temática abordada coerentemente. Essas marcas demonstram que o

produtor dos textos está constituindo o discurso sobre o tema trabalhado e, também, está aprendendo

sobre a composição do gênero Resposta Interpretativo-argumentativa, por isso, deixa pistas desse

processo que se constitui e que servem para orientá-lo. Percebe-se, ademais, a manutenção de

características estilísticas do gênero discursivo Resposta Interpretativa, por exemplo, com a

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utilização da referência aos autores do texto lido e utilizado como base para a construção das

Respostas, em “De acordo com Bastos e Mattos (1993)”.

Na parte final do texto analisado, encontra-se a exemplificação, o que caracteriza o gênero

como Resposta Interpretativo-argumentativa, já que as informações elencadas deixam de fazer

referência apenas aos textos teóricos que serviram de base para a produção, fato que caracteriza a

Resposta Interpretativa simples, produções fiéis aos textos basilares, trazendo, então, conteúdos

alheios aos textos teóricos para ampliar a discussão proposta e demonstrar a capacidade do produtor

do texto de relacionar os discursos que estão se constituindo no processo.

Trecho 4 – Parte final da Resposta Interpretativo-argumentativa à questão “Do que trata a LA?”.

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Verifica-se que o acadêmico continua deixando marcas sobre a constituição da organização

composicional do gênero, como em “Para exemplificar essas características”, interpretada como

um indício da preocupação do escrevente com o interlocutor de seu texto, os elementos destacados

não só orientam o próprio escrevente durante o processo de escrita, quanto servem de orientação ao

interlocutor do texto, para que perceba o cumprimento das orientações dadas e se oriente quanto à

organização proposta. Além disso, vê-se a referência feita à pesquisa utilizada como exemplificação,

característica do estilo dos gêneros acadêmicos de modo geral.

Ainda sobre o trecho, há outro fato relevante: no momento em que o acadêmico enuncia

“Essa temática e objetivo do artigo já denotam o caráter prático da pesquisa.”, verifica-se o

cumprimento a uma orientação dada durante o processo de produção dessa última proposta, em que

foi requisitado aos acadêmicos que buscassem relacionar as características teóricas apresentadas à

exemplificação sobre a temática, para constituir o gênero discursivo proposto, que tem como

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principal característica a articulação de textos para a elaboração de um novo texto, isto é, relacionar

informações de textos diferentes que possam coexistir, formando um novo gênero discursivo.

A partir das análises propostas, chega-se aos seguintes pontos, contendo as principais

considerações sobre o processo trabalhado:

A apropriação da temática proposta e as especificidades composicionais e estilísticas de cada

gênero vieram marcadas, coerentemente, em toda a trajetória de escrita do indivíduo. Fato

que é evidenciado por expressões como “A Linguística Aplicada é”, “A LA possui critérios

de cientificidade”, “As características da LA são” e “Para exemplificar”, marcas que

dialogam com os textos produzidos anteriormente à Resposta Interpretativo-argumentativa;

As expressões evidenciadas no item anterior, assim como as marcas “Pergunta” e

“Resposta” demonstram que o professor em formação está em processo de desenvolvimento

em relação ao gênero proposto. Assim, precisa se orientar e dar orientação ao seu

interlocutor sobre a organização que propôs ao seu texto;

Os trechos do texto em que aparecem a definição de LA, seus critérios de cientificidade e

suas características são basicamente cópias dos textos produzidos previamente, mantendo,

portanto, as características do gênero Resposta Interpretativa;

No trecho final do texto, em que aparece a exemplificação com uma pesquisa em LA, é que

se caracteriza o gênero discursivo Resposta Interpretativo-argumentativa, pois elementos

alheios aos textos teóricos usados como base para as produções são trazidos e relacionados

às características já apresentadas.

Considerações finais

O processo de escrita descrito e analisado é representativo dos processos realizados pelos 25

professores em formação inicial participantes da pesquisa. Verificou-se que as mesmas

características foram recorrentes, por exemplo, quanto ao fato de unirem os textos produzidos

anteriormente para a elaboração da Resposta Interpretativo-argumentativa final. Fator que garantiu a

manutenção da temática e dos aspectos estilísticos e composicionais dos gêneros discursivos

trabalhados.

Acredita-se que a positividade dos resultados deve-se, em grande parte, à mediação

instaurada na formação docente, por meio de apontamentos construtivos para a escrita e reescrita

dos textos. Neste artigo, não foram detalhados os aspectos referentes à revisão e à reescrita dos

textos, já que o objetivo foi o de mostrar como ocorreu a construção da Resposta Interpretativo-

argumentativa a partir da elaboração de outros gêneros do campo discursivo acadêmico. De todo

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modo, vale ressaltar que os acadêmicos atenderam, na maioria das vezes, às orientações dadas pelo

professor-mediador, o que levou à construção coerente dos textos.

Portanto, chega-se à conclusão de que o diálogo entre mediador e professor em formação se

constitui como um princípio do desenvolvimento da escrita nesse público específico, fazendo com

que se apropriem dos gêneros discursivos acadêmicos e, consequentemente, aprendam maneiras de

se trabalhar com a escrita desses gêneros, no futuro, como professores.

Referências

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Linguística aplicada: ensino de línguas e comunicação. Campinas: Pontes Editores e ArteLíngua,

2005, p. 11-21.

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e comunicação. Campinas: Pontes Editores e ArteLíngua, 2005, p. 23-33.

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Linguística Aplicada, Campinas - SP, v. 22, p. 7-23, 1993.

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2011.

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