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0 CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO ASPECTOS JURÍDICOS DAS PESQUISAS COM CÉLULAS- -TRONCO EMBRIONÁRIAS E A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADI 3510) Adriana Blau Maioli Lajeado, junho de 2009

ASPECTOS JURÍDICOS DAS PESQUISAS COM CÉLULAS- … · Por fim, no terceiro capítulo é abordada a Bioética resultante do progresso ... Na lição dos mesmos autores, na Idade Média

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

CURSO DE DIREITO

ASPECTOS JURÍDICOS DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-

-TRONCO EMBRIONÁRIAS E A DECISÃO DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL (ADI 3510)

Adriana Blau Maioli

Lajeado, junho de 2009

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

CURSO DE DIREITO

ASPECTOS JURÍDICOS DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-

-TRONCO EMBRIONÁRIAS E A DECISÃO DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL (ADI 3510)

Adriana Blau Maioli

Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II – Monografia, como exigência parcial na obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Sérgio da Fonseca Diefenbach

Lajeado, junho de 2009.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Roney e Marli, pelo exemplo de vida, de amor e

dedicação incondicional, sobretudo pela educação transmitida, através da qual

formei o meu caráter. Aos meus irmãos, Bruno e Marília, pela descontração. Ao

Rodrigo pela paciência, companheirismo e cumplicidade.

Aos demais familiares que estão sempre presentes na minha vida, quero

que saibam que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho e

principalmente para a formação da pessoa que hoje sou.

Da mesma forma, agradeço aos meus amigos e colegas pelo

companheirismo.

Cabe, ainda, o agradecimento ao Dr. João Gilberto Marroni Vitola, pela

oportunidade de trabalho no Gabinete da 1ª e 2ª Varas Cíveis do Foro da Comarca

de Lajeado.

Agradeço aos sábios conselhos e orientações profissionais e espirituais da

professora Beatris Francisca Chemin, e ao meu orientador Sérgio da Fonseca

Diefenbach pelo auxílio nas idéias desenvolvidas.

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É melhor tentar e falhar, que preocupar-se a

ver a vida passar. É melhor tentar, ainda que

em vão, que sentir-se fazendo nada até o

final. Eu prefiro na chuva caminhar, que em

dias tristes em casa me esconder. Prefiro ser

feliz, embora louco, que em conformidade

viver.

Martin Luther King

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RESUMO

O presente trabalho monográfico analisa a pesquisa com células-tronco embrionárias, a partir do art. 5º da Lei de Biossegurança, como forma de concretização dos direitos fundamentais constitucionais, a partir da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510, interposta pelo, então, Procurador Gral da República, Cláudio Fonteles. O estudo aborda a origem e evolução do Estado, passando pelo conceito de Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático de Direito. Passa-se à análise dos direitos fundamentais, sua evolução no Brasil e no mundo, ao seu conceito histórico e classificação. Breve exposição sobre a crise constitucional. A seguir, define-se o direito à vida, passando pelos direitos dos embriões e do nascituro, assim como o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. A expressão da atividade científica, a ciência e a tecnologia e o direito à saúde. Na seqüência, a Bioética e seus princípios. Finalmente a análise do art. 5º da Lei de Biossegurança, que permite a realização de pesquisas científicas com células-tronco embrionárias, e a decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal que decidiram por maioria pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta contra dito artigo. Conclui que não é negado o fato de necessidade de proteção dos embriões, mas que o art. 5º da Lei de Biossegurança não é inconstitucional, frente as limitações e pressupostos exigidos.

PALAVRAS-CHAVE: Estado. Direitos fundamentais constitucionais. Direito à vida. Pesquisas científicas. Células-tronco embrionárias. Decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 3510)

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LISTA DE ABREVIATURAS

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

CF – Constituição Federal

CC – Código Civil

STF – Supremo Tribunal Federal

OMS – Organização Mundial da Saúde

ONU – Organização das Nações Unidas

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................08

2 O ESTADO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS..................................................11 2.1 Estado: origem e evolução.............................................................................11 2.2 O Estado de Direito.........................................................................................12 2.2.1 O Estado Liberal de Direito.........................................................................13 2.2.2 O Estado Social de Direito..........................................................................13 2.2.3 O Estado Democrático................................................................................14 2.3 A Constituição como norma maior...............................................................15 2.4 Os direitos fundamentais e a sua evolução.................................................16 2.4.1 A evolução dos direitos fundamentais no mundo....................................16 2.4.2 A evolução dos direitos fundamentais no Brasil......................................20 2.5 A definição dos direitos fundamentais.........................................................23 2.5.1 Os direitos fundamentais de primeira dimensão......................................25 2.5.2 Os direitos fundamentais de segunda dimensão.....................................26 2.5.3 Os direitos fundamentais de terceira dimensão.......................................26 2.5.4 Os direitos fundamentais de quarta e quinta dimensões........................28 2.6 Crise do Estado – a crise constitucional e a questão dos direitos humanos................................................................................................................30

3 DIREITO À VIDA, SAÚDE E PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA................................................................................................................31 3.1 Direito à vida....................................................................................................31 3.2 Direito do embrião e do nascituro.................................................................37 3.3 O Princípio da dignidade da pessoa humana...............................................39 3.4 A dignidade da pessoa humana e a genética...............................................42 3.5 A expressão da atividade científica e pesquisas.........................................44 3.5.1 A ciência e Tecnologia.................................................................................45 3.6 A saúde.............................................................................................................46

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4 ARTIGO 5º DA LEI DE BIOSSEGURANÇA: PESQUISA COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS.....................................................................................48

4.1 Bioética.............................................................................................................48 4.2 Princípios Bioéticos........................................................................................52 4.2.1 Princípio da autonomia................................................................................52 4.2.2 Princípio da beneficência............................................................................53 4.2.3 Princípio da justiça......................................................................................53 4.3 Pesquisas com células-tronco embrionárias...............................................53

4.3.1 Células-tronco...............................................................................................57

4.3.2 Fertilização in vitro.......................................................................................59

4.4 Decisão do Supremo Tribunal Federal com relação a ADIN – 3.510-0........62

4.4.1 Voto do Ministro Carlos Ayres Britto (relator)............................................67 4.4.2 Voto da Ministra Ellen Gracie.......................................................................69

4.4.3 Voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito......................................70

4.4.4 Voto da Ministra Cármen Lúcia....................................................................72

4.4.5 Voto do Ministro Ricardo Lewandowski.....................................................73

4.4.6 Voto do Ministro Eros Grau..........................................................................75

4.4.7 Voto do Ministro Joaquim Barbosa.............................................................77

4.4.8 Voto do Ministro Cezar Peluso....................................................................77

4.4.9 Voto do Ministro Marco Aurélio...................................................................78

4.4.10 Voto do Ministro Celso de Mello................................................................80

4.4.11 Voto do Ministro Gilmar Mendes...............................................................81 5 CONCLUSÃO.....................................................................................................83

REFERÊNCIAS........................................................................................................86 ANEXO.....................................................................................................................92

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1 INTRODUÇÃO

A evolução da medicina e das pesquisas científicas sempre despertou

polêmica e, recentemente, ganhou vulto com a Ação Direta de

Inconstitucionalidade interposta por Claudio Fonteles no Supremo Tribunal Federal,

para impedir o uso de células tronco embrionárias em pesquisas, em razão do

direito à vida e princípio da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, o

presente trabalho fará uma análise dessa questão diante da perspectiva dos

direitos fundamentais, tomando por referência a Constituição Federal de 1988

(CF/88), que é a norma máxima do ordenamento jurídico brasileiro e que, assim

orienta a leitura di direito infraconstitucional.

Sendo o direito à vida um direito essencial do qual decorre todos os demais

direitos fundamentais e, considerando, ainda, o princípio da dignidade da pessoa

humana como fundamento do Estado democrático de Direito, cumpre analisar a

possibilidade de pesquisas envolvendo células-tronco embrionárias a partir da

autorização do art. 5º da lei de Biossegurança.

Assim, a confecção do presente trabalho se inicia com um exame sobre a

origem e evolução do Estado, conceituando o Estado Social, Estado Liberal e

Estado Democrático de Direito. Seguindo o estudo dos direitos fundamentais, seu

histórico no Brasil e no mundo, bem como sua classificação de primeira até a

quinta dimensão.

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Na seqüência, examina-se o direito à vida, passando pelo direito do embrião

e do nascituro, englobando o direito à saúde e o princípio da dignidade da pessoa

humana. Em prosseguimento, a previsão constitucional para as pesquisas

científicas e tecnológicas, como dever e incentivo do Estado.

A importância dessa abordagem está no comparativo entre o que prevê as

normas que regulam o direito à vida e a saúde, assim como o dever do Estado em

incentivar as pesquisas científicas para o desenvolvimento do país.

Por fim, no terceiro capítulo é abordada a Bioética resultante do progresso

da biotecnologia com a ética, enfatizando os princípios próprios deste ramo do

saber, princípio da autonomia, beneficência e justiça. Passa-se, então, a análise do

art. 5º da Lei de Biossegurança, os requisitos autorizadores das pesquisas com

células-tronco embrionárias, especificando o que são células-tronco embrionárias e

fertilização in vitro, e por fim, a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a

ADIN3510, com o voto de cada ministro.

Ao final, o que se pretende é indicar que da forma como foi redigido o art. 5º

da Lei de Biossegurança, com seus requisitos e delimitações, não há que se falar

em inconstitucionalidade e desrespeito ao direito à vida e ao princípio da dignidade

da pessoa humana.

Destarte, acredita-se que o presente trabalho poderá ajudar numa

compreensão da necessidade das pesquisas científicas para o desenvolvimento e

progresso da sociedade, sem esquecer o direito como base e necessidade de

proteção contra eventuais abusos.

Considerando, portanto, a atual discussão acerca do tema, em síntese, esta

monografia persegue três objetivos: 1˚) descrever o conceito e evolução do Estado

e dos direitos fundamentais; 2˚) relacionar o direito à vida, saúde, princípio da

dignidade da pessoa humana e incentivo às pesquisas científicas e, ao final, 3˚)

analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal que permitiu as pesquisas com

células-tronco embrionárias, afastando a hipótese de desrespeito ao direito à vida.

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A pesquisa em tela é teórica e foi realizada através do método dedutivo. Os

procedimentos técnicos utilizados foram o estudo de bibliografia, legislação e

jurisprudência, assim como foi utilizado artigos publicados na web.

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2 O ESTADO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 Estado: origem e evolução

O Estado é a mais complexa das organizações criadas pelo homem. Celso

Ribeiro Bastos (2002), explica que o Estado é sinal de um alto estágio de

civilização, neste sentido ele aparece num momento histórico bem preciso,

identificado no século XVI. Isso não significa que não havia Estado antes desta

época, na Antiguidade Clássica, com as cidades gregas e o império Romano já se

identificavam sinais precursores da realidade de Estado. Entretanto os autores

preferem localizar o aparecimento do Estado com o início dos tempos modernos,

quando se visualiza nas entidades políticas as características próprias do Estado.

Independentemente de várias teorias que tentam explicar a origem, parece

inquestionável que o surgimento do Estado corresponde a um fenômeno histórico

de dominação. Para Streck e Bolzan (2006) cada momento histórico e o

correspondente modo de produção engendram um determinado tipo de Estado,

que não tem uma continuidade evolutiva, que o levaria a um aperfeiçoamento, pois

são as condições econômicas e sociais que fazem emergir a forma de dominação

apta a atender o interesse das classes. O Estado seria um mal necessário.

Na lição dos mesmos autores, na Idade Média abolia-se a idéia de Estado

soberano com influência marcante da Igreja Católica. Ao final da Idade Média,

surge o Estado Moderno de Hobbes – Absolutismo -, onde o poder político se

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concentra na figura do rei, que ditava as regras. No século XVI nasce uma nova

classe social, a burguesia, que detém o poder econômico e que em razão disso

não podia se submeter aos desejos do rei, pois precisava de segurança. Com isso

vieram as revoluções e a época de transição compreendida entre os séculos XIX e

XXI. Surge a distinção entre o público e o privado.

O escritor Bastos (2002), leciona que os doutrinadores alemães adotam o

estudo do Estado pelo aspecto jurídico, desprezando por completo o aspecto

sociológico, sendo esta corrente preconizada por um dos maiores jus-filósofos

austríacos, Hans Kelsen, autor da obra Teoria Pura do Direito, que apregoa que o

estudioso do Direito só vai considerar interessante e relevante o exame sob o

ponto de vista exclusivamente do sistema normativo, o Direito tem que ser puro,

observando somente as repercussões normativas, e não sociológicas.

Como o Estado é uma criação - ele muda de acordo com a vontade da

sociedade - com o surgimento de novas classes e idéias, o Estado tem de se

adaptar e para isso mudar. Em um contexto de conflitos sociais, guerras e evolução

histórica e cultural da humanidade, é inevitável a criação de normas para proteger

e atender as necessidades da população. A positivação dos direitos objetiva a

cobrança de sua aplicabilidade e a limitação do poder do Estado.

2.2 O Estado de Direito

O Estado de Direito nasce como uma construção própria da segunda

metade do século XIX, sendo o Estado e Direito complementares e

interdependentes, com o objetivo das regras jurídicas de limitar e enquadrar o

poder do Estado. O Estado do Direito se preocupa com o conteúdo da lei, se ela

não for cumprida deixa de ser lei. Diferente do Estado Legal (característica do

Absolutismo) que se preocupa somente com a criação da lei, não com o seu

conteúdo ou aplicabilidade (Streck e Bolzan, 2006).

O doutrinador João Ribeiro Junior (2001), ensina que não há Estado sem

Direito, na medida em que toda estrutura política soberana tem um corpo de

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normas, nem que mínimo, para sua atuação e relacionamento com as pessoas que

estão sob seu poder. Prossegue dizendo que o Estado de Direito como aquele

cujas normas, legitimamente promulgadas em prol do bem comum, submetem

governantes e governados.

2.2.1 O Estado Liberal de Direito

A classe burguesa necessita do Estado para proteger os seus bens e seus

negócios, mas quer impor limites ao Estado para não haver interferência nos

negócios econômicos.

Com relação à limitação do Estado:

A nota central deste Estado Liberal de Direito apresenta-se como uma limitação jurídico-legal negativa, ou seja, como garantia dos indivíduos-cidadãos frente à eventual atuação do Estado, impeditiva ou constrangedora de sua atuação cotidiana. Ou seja: a este cabia o estabelecimento de instrumentos jurídicos que assegurassem o livre desenvolvimento das pretensões individuais, ao lado das restrições impostas à sua atuação positiva (STRECK e BOLZAN, 2006, p. 96).

Neste sentido o Estado liberal é entendido como estado mínimo.

2.2.2 O Estado Social de Direito

As ações do ente público, no Estado Social de direito, são pautadas pelo

bem-estar e o desenvolvimento social. Para Streck e Bolzan (2006) não somente

inclui direitos para limitar o Estado, mas também direitos a prestação do Estado, ou

seja, a realização de uma atividade passiva, mas também ativa do Estado. A lei

passa a ser não só um instrumento de limitação do Estado, como também um

instrumento de ação concreta do Estado.

Para Silva (2006), o individualismo e o neutralismo do Estado liberal

provocaram inúmeras injustiças, e os movimentos sociais protagonizados no século

passado e, deste especialmente, introduziram a consciência da necessidade de

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justiça social, criando uma situação de bem estar geral que garanta o

desenvolvimento da pessoa humana.

2.2.3 O Estado Democrático de Direito

Quando o Estado apresenta-se como democrático, tem como objetivo a

igualdade, não bastando a limitação ou a atuação estatal, revela-se como agente

transformador.

Os autores Streck e Bolzan (2006), salientam:

O Estado Democrático de Direito, tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública no processo de construção e reconstrução de um projeto de sociedade, apropriando-se do caráter incerto da democracia para veicular uma perspectiva de futuro voltada à produção de uma nova sociedade, onde a questão da democracia contém e implica, necessariamente, a solução do problema das condições materiais de existência (p. 97/98).

Os autores apresentam, ainda, os princípios do Estado democrático como

sendo: - Constitucionalidade (vinculação do Estado a uma Constituição como

instrumento básico de garantia jurídica); - Organização democrática da Sociedade;

- Sistema de direitos fundamentais e individuais e coletivos; - Justiça Social; -

Igualdade; - Divisão de poderes e funções; - Legalidade (para exclusão do arbítrio

e prepotência); - Segurança e Certeza Jurídica. Ditos princípios tem o intuito de

trazer à atividade estatal um conteúdo utópico de transformação da realidade, com

a participação de todos (ou da maioria).

Nos ensinamentos de Silva (2006), o Estado Democrático de Direito não

significa apenas a união do Estado Democrático e Estado de Direito, mas cria um

conceito novo, a teor do seguinte ensinamento:

A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF/88), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único), participativa, porque envolve a participação crescente do

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povo no processo decisório e na formação dos atos de governo, pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não dependem apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especificamente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício (SILVA, 2006, p. 119/120).

Prossegue o autor, disciplinado que os princípios norteadores do Estado

Democrático de Direito são: princípio da constitucionalidade; princípio democrático;

sistema de direitos fundamentais; princípio da justiça social; princípio da igualdade;

princípio da divisão dos poderes e independência do juiz; princípio da legalidade e

princípio da segurança jurídica.

Esta foi a forma de Estado prevista pela nossa Constituição Federal,

promulgada no ano de 1988, que institui em seu art. 1º: A República Federativa do

Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal,

constitui-se em Estado Democrático de Direito[...].

2.3 Constituição como norma maior

Dias (2008) ensina que a Constituição é a norma suprema, que determina o

sistema de produção do direito, mas que não é um sistema estático e irremovível

de normas, pelo contrário, as constituições são uma manifestação de direito que

representa um sistema dinâmico, em constante movimento, em razão de regular a

vida social, política e econômica do Estado.

Assim, a Constituição, como norma fundamental, regula toda a estrutura do

Estado, ou seja, da sociedade:

A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a

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constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado

1 (SILVA, 2006, p. 37/38).

Entretanto o próprio autor refere que esta noção expressa uma idéia parcial

de seu conceito, em razão de estar desvinculada com a realidade social e

prossegue ensinando:

A constituição é algo que tem, com forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sócias (econômicas, políticas, religiosas etc); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo. Não pode ser compreendida e interpretada, se não se tiver em mente essa estrutura, considerada como conexão de sentido, como é tudo aquilo que integra um conjunto de valores (SILVA, 2006, p. 39).

Neste sentido, a Constituição representa o ponto mais alto do ordenamento

jurídico que envolve a todos nós. Com a implementação de diversas constituições

pelo mundo, ocorreu uma profunda revolução na parte de organização política,

jurídica, social e econômica. Num primeiro momento as constituições eram

editadas para serem eternas, com o tempo constatou-se que a imutabilidade era

impossível de ser sustentada diante da evolução social (Bastos, 2002).

2.4 A evolução dos direitos fundamentais

2.4.1 A evolução dos direitos fundamentais no mundo

Os direitos humanos ou fundamentais são, inegavelmente, uma conquista da

sociedade moderna. Hoje são previstos na maioria dos Estados, mas decorreram

de um processo lento e gradual, que ainda não cessou, tendo em vista o caráter

histórico destes direitos, sendo seu nascimento gradual, nem todos de uma vez e

nem de uma vez por todas, conforme ensinamento de Bobbio (2004).

1 Para fins de referência, a doutrina distingue três elementos constitutivos do Estado: território, povo

e poder (governo). Para Streck e Morais (2006), o território é o elemento material e físico que define as fronteiras e limita a atuação de cada soberania. O povo é entendido como elemento subjetivo, sendo um conjunto de pessoas que mantém relação de identidade com o Estado. E, por fim, o poder é o elemento simbólico, reconhecido como supremo e encontrado nas constituições de cada Estado.

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Para Minhoto (2007), pode-se apontar o Código de Hamurabi como um

ponto de partida para a sistematização dos direitos, entretanto, as normas nele

contidas não possuíam a sutileza necessária para prever e tutelar o que

entendemos por direitos fundamentais. Pelo contrário, era um código que previa o

direito de vingança, com a devolução do mal ao ofensor por parte do ofendido.

De acordo com o autor mencionado, o primeiro documento oficial, criado na

Idade Média, que continha elementos embrionários das garantias individuais e

direitos fundamentais, foi a Magna Carta Inglesa de 1215, promulgada sob o

império do rei da Inglaterra John, ou João Sem-Terra como era conhecido. Dita

carta serviu como referência para alguns direitos e liberdades clássicas, como o

habeas corpus e a garantia de propriedade, em que pese ter servido apenas para

garantir alguns privilégios feudais.

Sarlet (2001), por sua vez, antecipa a existência destes direitos,

argumentando que houve uma fase pré-histórica dos direitos fundamentais, através

das idéias religiosas e filosóficas, que influenciaram o pensamento jusnaturalista,

que pregava que o homem, pelo simples fato de existir, era titular de alguns direitos

naturais e inalienáveis.

Silva (2006) cita que na Inglaterra houve a elaboração de cartas e estatutos

assecuratórios dos direitos fundamentais, como a Magna Carta, de 1215; a Petition

of Rights, de 1628, o Habeas Corpus Amendment Act, de 1679 e o Bill of Rights, de

1688. O autor ressalta, porém, que não são declarações de direito no sentido

moderno, mas aspirações da época em que foram redigidas.

A primeira declaração de direitos fundamentais, em sentido moderno, foi a

Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, que era uma das treze colônias

inglesas na América. Datada de 1776, a Declaração de Virgínia, consubstanciava

as bases dos direitos do homem, pregando a igualdade, a liberdade e a

independência dos homens livres; que o poder está investido no povo; que o

governo deve ser instituído para a proteção e segurança do povo; a separação do

poder executivo e legislativo do poder judiciário; liberdade de imprensa; entre

diversos outros. Inobstante a previsão destes direitos, Silva (2006) destaca que a

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Declaração se preocupou mais com a estrutura de um governo democrático e com

um sistema de limitação de poderes.

O mesmo autor ainda cita a Declaração Norte-Americana, de 1787, que

somente foi aprovada com a introdução da Carta de Direitos em 1791, que previa

direitos fundamentais como a liberdade de religião e culto; a inviolabilidade da

pessoa, da casa, papéis e objetos; garantia do direito de propriedade; dentre

outros.

Para Morais (2002) a consagração normativa dos direitos humanos

fundamentais coube à França em 1789, com a promulgação, pela Assembléia

Nacional, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Minhoto (2007) disciplina os direitos fundamentais tomaram a importância do

valor intrínseco de uma nação, com o rompimento do movimento popular que

desaguou na Revolução Francesa, gerando o lema mais conhecido do mundo

moderno: liberdade, igualdade e fraternidade.

O texto da Declaração de 1789, na análise de Silva (2006), é elegante,

sintético, preciso e escorreito, que em dezessete artigos, proclama os princípios da

liberdade, da igualdade, da propriedade e da legalidade.

O autor ensina que as declarações dos séculos XVIII e XIX voltaram-se

basicamente para a garantia formal das liberdades e de nada adiantava as

constituições e leis reconhecerem liberdades a todos, se a maioria não dispunha de

condições de exercê-las. O indivíduo era visto como uma abstração e, com isso,

surgia um cidadão desvinculado da realidade da vida. Devido a isso, os socialistas,

primeiro os utopistas (Louis Blanc, Saint-Simon), depois os cientistas (Marx,

Engels), submeteram essas concepções abstratas da liberdade, da igualdade e do

homem a severas críticas, pois permitiam a injustiça e a iniqüidade na repartição

das riquezas, prosperando a miséria da massa proletária em detrimento do

enriquecimento de poucos. Para o autor, o Manifesto Comunista constitui-se como

o documento político mais importante na crítica socialista ao regime liberal-

burguês, e a partir dele, as críticas tornaram-se mais coerentes e provocaram o

aparecimento de outros documentos.

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O constitucionalista ressalta que o que diferenciou a Declaração de 1789

das demais proclamadas na América do Norte, foi sua vocação universalizante. A

visão universal dos direitos do homem assinalou para uma de suas características

marcantes - o mundialismo. Assim as declarações que se seguiram, principalmente

as do século XX, procuraram consubstanciar duas tendências fundamentais: o

universalismo e o socialismo, com o reconhecimento e surgimento dos direitos

sociais.

Este sentido universal dos direitos fundamentais fez nascer as primeiras

manifestações, com propostas de direitos humanos a todos os países e a todos os

indivíduos, de todas as nacionalidades. A partir deste propósito, em 1945 criou-se a

ONU – Organização das Nações Unidas – com o objetivo de redigir uma

Declaração Universal dos Direitos do Homem (SILVA, 2006).

Komparato (2001) aduz que a Declaração dos Direitos Humanos foi redigida

sob o impacto das atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial, e que

embora aprovada com unanimidade, países como União Soviética, Ucrânia,

Polônia, Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul abstiveram-se de votar.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem contém trinta artigos,

precedidos de um preâmbulo, que define:

O ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da Sociedade, tendo esta Declaração constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensinamento e pela educação, a desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e assegurar-lhes, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o reconhecimento e a aplicação universais e efetivos [...] (SILVA, 2006, p. 163).

Silva (2006) orienta que os trinta artigos da Declaração reconhecem os

direitos fundamentais do homem, sendo que do art. 1º ao art. 21, encontra-se a

proclamação dos direitos e garantias individuais, impregnadas de conotações mais

modernas. Do art. 22 ao art. 28, os direitos sociais do homem. O art. 29, os

deveres do homem com a sociedade e, por fim, o art. 30 estabelece o princípio da

interpretação da Declaração sempre em benefício dos direitos e liberdades nela

proclamados. O autor lembra que a Declaração consagrou três objetivos

fundamentais: a certeza, a segurança e a eficácia dos direitos, sendo este último

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objetivo o maior problema, ainda mais por tratar-se de uma declaração universal

que não dispõe de aparato próprio que faça valer o cumprimento dos direitos

fundamentais.

Komparato (2001) destaca, ainda, como textos universais sobre os direitos

fundamentais, após a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): a

Convenção para Prevenção e a repressão do Crime de Genocídio (1948); a

Convenção de Genebra para proteção das vítimas de conflitos Bélicos (1949); a

Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (1972) e a

Convenção sobre a Biodiversidade Biológica (1992).

2.4.2 A evolução dos direitos fundamentais no Brasil

Silva (2006) leciona que a Constituição do Império do Brasil, de 1824, já

positivava os direitos do homem, consignando quase integralmente os direitos

individuais, contudo não continha um título específico para declaração de direitos.

Já a Constituição de 1891, escrita por Rui Barbosa, abria a Seção II, do Título IV,

com a Declaração de Direitos, assegurando a todos os brasileiros e estrangeiros

residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à

segurança e à propriedade, basicamente, entretanto, previa direitos e garantias

individuais, destacando-se, a criação do habeas corpus.

O mesmo autor refere que a partir da Constituição de 1934, foi inserido título

especial para a declaração dos direitos, não só prevendo os direitos e garantias

individuais, mas, também, os de nacionalidade e os políticos. Ainda, esta

constituição reconheceu os direitos econômicos e sociais do homem com a criação

do mandado de segurança, vedação de diferença de salário em razão de idade,

sexo e estado civil, com a regularização do trabalho de mulheres e menores, além

de estabelecer como obrigatório e gratuito o ensino primário.

Na seqüencia o constitucionalista reconhece que, em que pese as inovações

trazidas, a Constituição de 1934 durou apenas três anos, em razão do regime

ditatorial ter redigido a Carta de 1937 que desrespeitou os direitos do homem,

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especialmente no que se refere aos direitos políticos. Esta constituição não teve

aplicação regular, em razão de o Poder Executivo e o Poder Legislativo estarem

concentrados nas mãos do Presidente da República, Getúlio Vargas.

Moraes (2002) ensina que a Constituição de 1946, além de prever um

capítulo específico para os direitos e garantias individuais, estabeleceu diversos

direitos sociais relativos aos trabalhadores e empregados, prevendo, também, um

título especial para a proteção à família, educação e cultura. Dita constituição teve

aplicação prática até o ano de 1964, sendo derrubada em razão do golpe militar.

Como a Carta de 1937, a Constituição de 1967 concentrou os poderes na

União. Para Zimmermann (2002) revelou-se como um novo e devastador processo

centralizador, com o reforço excessivo dos poderes do Presidente da República,

que reduziu a liberdade individual e suspendeu direitos e garantias constitucionais.

Neste aspecto, Leal (1997) observa que o período compreendido entre 1964

e 1979 tornou-se a mais odiosa experiência de terror e violação dos direitos

humanos. Destaca que o novo regime começou a mudar as instituições do país

através de Atos Institucionais, sendo o pior deles o AI-5, que permitiu o fechamento

provisório do Congresso Nacional, autorizando o Presidente da República a intervir

nos estados e municípios, com a suspensão do habeas corpus.

Após este tumultuado e vergonhoso período, Zimmermann (2002) refere que

movimentos populares promoveram comícios em prol de eleições diretas para

Presidente da República. Apesar de frustrada a campanha que ficou conhecida

como “diretas já”, as forças democráticas lançaram como vitorioso Trancredo

Neves, em 1985, que faleceu logo depois e foi substituído pelo Vice-Presidente,

José Ribamar Sarney, que convocou a Assembléia Nacional Constituinte. Dito

período foi saudado como a Nova República que seria constitucional, social e

democrática.

Silva (2006) destaca que a Nova República foi uma fase de transição, para

que fossem feitas, com prudência e moderação, as mudanças necessárias para

substituição das malogradas instituições por uma Constituição que situasse o Brasil

no seu tempo.

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Conforme Zimmermann (2002), a Constituição de 1998 aprimorou o sistema

democrático, com a democracia semi-direta do plebicito, o referendo e a iniciativa

popular. Ainda, apresentou avanços no reconhecimento dos direitos e garantias

individuais e coletivos, podendo ser ressaltado a importância do habeas data,

mandado de injunção, mandado de segurança coletivo, da ação civil pública e da

ampliação dos agentes propositores de ação direta de inconstitucionalidade. Toda

esta gama de conquistas sociais fez Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia

Nacional Constituinte, denominar a nova carta de Constituição Cidadã.

Com relação aos direitos fundamentais, Sarlet (2001) refere o destaque que

assume a situação topográfica destes direitos, que constituem parâmetros

hermenêuticos e valores superiores de toda a ordem constitucional e jurídica.

A Constituição de 1988 abre com um título sobre os princípios fundamentais,

e logo introduz o Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, nele incluindo

os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos (Cap. I), os Direitos Sociais (Cap. II),

os Direitos da Nacionalidade (Cap. III), os Direitos Políticos (Cap. IV) e os Partidos

Políticos (Cap. V). Após o Título III prevê a Organização do Estado, seguido pelos

Títulos IV, V, VI e VII, com a previsão sobre a Organização dos Poderes, a Defesa

do Estado, as Instituições Democráticas e a Tributação e o Orçamento e a Ordem

Econômica e Financeira. Por fim, um Título especial para a ordem social.

A relevância dos direitos fundamentais, com o destaque para os princípios

da cidadania e dignidade da pessoa humana, vem evidenciada através da

determinação do art. 60, parágrafo 4º, IV, que disciplina a forma de emenda da

Constituição, vedando qualquer deliberação sobre proposta de emenda tendente a

abolir os direitos e garantias individuais, previstos no Título II.

A natureza de cláusula pétrea para os direitos e garantias individuais expõe

a preocupação do nosso legislador em proteger os direitos fundamentais do

homem, destacando-se o direito à vida e os princípios da cidadania e dignidade da

pessoa humana, conteúdos do próximo capítulo deste trabalho.

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2.5 A definição dos direitos fundamentais

O século XX foi marcado pela arbitrariedade dos governos totalitários, as

guerras mundiais e os conflitos sociais, o que ensejou a necessidade de criação de

normas que protegessem a sociedade, delimitando-se o poder do Estado, com a

possibilidade de cobrança da aplicabilidade do direito pelo ente estatal.

Primeiramente cumpre esclarecer que há diversas terminologias para os

„direitos fundamentais‟. Silva (2006) exemplifica que não há consenso na doutrina

e, inclusive, grande ambigüidade, sendo comum encontrarmos, também nas leis,

termos diversos como: “direitos naturais”, “direitos humanos”, “direitos do homem”,

“direitos individuais”, “direitos públicos subjetivos”, “liberdades fundamentais”,

“liberdades públicas” e “direitos fundamentais do homem”.

Explica o mesmo autor que “direitos fundamentais do homem” mostra-se a

melhor expressão e designa situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no

direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana.

Apenas para fins de ilustração, uma vez que não é o tema específico do

presente estudo, para defender a terminologia utilizada o autor afirma que a

expressão „direitos naturais‟ entende-se como direitos inatos, que cabem a ele só

pelo fato de ser homem, mas são direitos positivos que encontram seu fundamento

nas relações sociais e materiais em cada momento histórico. Por sua vez „direitos

humanos‟ é a expressão utilizada em documentos internacionais e contra ela,

assim como contra a terminologia „direitos do homem‟, objeta-se que só o ser

humano pode ser titular de direitos, o que implica o afastamento do direito especial

de proteção dos animais.

Prossegue afirmando que „direitos individuais‟ entendidos como direitos do

indivíduo isolado é a expressão mais desprezada pela doutrina. Da mesma forma

as expressões „liberdades fundamentais‟ e „liberdades públicas‟ são conceitos

limitados e insuficientes, enquanto que a nomenclatura direitos públicos subjetivos

vem presa a um conceito do Estado-liberal.

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Por opção, no presente trabalho, adota-se a expressão „direitos

fundamentais‟ que é assim conceituada:

Em que pese sejam ambos os termos („direitos humanos‟ e „direitos fundamentais‟) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente de distinção é de que o termo „direitos fundamentais‟ se aplica aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão „direitos humanos‟ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam caráter supranacional (internacional) (SARLET, 2001, p. 33).

A análise dos direitos fundamentais ao longo dos séculos evidencia a

transformação do Direito. A idéia de Morais (1996) é de que os direitos

fundamentais possuem um caráter fundamentalmente circunstancial, o que não

significa que são efêmeros, passageiros. Em razão disso, é inadequada a tentativa

de absolutizar os mesmos. O caráter de historicidade pode ser sentido pela

transformação dos direitos fundamentais desde a sua formação, no século XVIII.

Em razão das transformações da sociedade, que geram a formação de

novos direitos fundamentais, antes eram identificadas três dimensões, hoje se fala

em quarta e quinta dimensão de direitos.

Apenas como referência, no presente estudo será adotada a expressão

dimensões de direitos fundamentais, denominação desenvolvida por Sarlet (2001),

que prefere o termo “dimensões” de direitos fundamentais, reconhecendo um

caráter progressivo de novos direitos, através de um processo cumulativo, de

complementaridade, enquanto que o uso da expressão “gerações” de direitos

compreenderia alternância.

Conceituado o que são direitos fundamentais, passa-se a analise do papel

do Estado frente às dimensões de direitos.

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2.5.1 Os direitos fundamentais de primeira dimensão

O doutrinador Bonavides (2001) explica que os direitos da primeira

dimensão são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento

normativo constitucional, direitos civis e políticos. Refere que se hoje esses são

direitos que parecem pacificados, na verdade foram positivações que se moveram

em cada País constitucional num processo dinâmico e ascendente, com evolução

de mero reconhecimento formal para concretizações parciais e progressivas, até

ganhar a máxima amplitude de efetivação democrática de poder.

Refere, ainda, o autor que os direitos de primeira dimensão ou direitos de

liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como

faculdade ou atributo das pessoas e ostentam uma característica de subjetividade

que é o direito de resistência ou de oposição perante o Estado.

Para Porto (2006) a classificação dos direitos em dimensões se inspira no

ideário da Revolução Francesa, cercado nos três grandes lemas: liberdade,

igualdade e fraternidade. Ressalta que a primeira dimensão de direitos

fundamentais tem lugar na garantia que o Estado deve dar às liberdades

individuais.

Muitos destes direitos de primeira dimensão parecem, hodiernamente, constituir verdadeiros truísmos – liberdade de ir, vir e permanecer, sufrágio universal, liberdade de expressão etc. – entretanto, a história destas liberdades revela um caminho iniciado nos modestos reconhecimentos formais, entrecortados de recuos a cada nova ditadura, claudicando em direção a concretizações que progridem na mesma medida em que evolui a práxis democrática. Ou seja, direitos de primeira dimensão – constituindo-se, essencialmente, em liberdades públicas – somente se concretizam em democracias, sendo totalmente eclipsados em sistemas totalitários ou mesmo ditatoriais (PORTO, 2006, p. 54/55).

Theodoro (2003) argumenta que são direitos de cunho negativo, de

abstenção dos poderes públicos, com notória inspiração jusnaturalista, como o

direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade. Neste aspecto, Porto

(2006) registra que são direitos relacionados ao indivíduo e sua esfera de

liberdades, relacionando-se ao direito de propriedade e privacidade, impondo

respeito à esfera individual.

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2.5.2 Os direitos fundamentais de segunda dimensão

Estes são direitos sociais, culturais e econômicos, bem como direitos

coletivos ou de coletividade. Conforme Bonavides (2001), esses direitos foram

inicialmente objeto de uma formulação especulativa em esferas filosóficas e

políticas de caráter ideológico, passando por um ciclo de eficácia duvidosa, uma

vez que são direitos que exigem prestações do Estado.

Theodoro (2003) diz que são direitos decorrentes da necessidade de

prestação positiva do Estado em relação ao cidadão, elencando-se o direito à

saúde, educação, trabalho, assistência social etc.

Para Porto (2006) a Revolução Industrial do Século XIX trouxe o fim da

hegemonia burguesa, com o surgimento de uma tensão social entre a burguesia e

o proletariado, estes descontentes com as péssimas condições de trabalho e a

inexistência de direitos trabalhistas. Este quadro introduziu ao meio político a

questão social, com o surgimento do Estado de Bem-estar ou Welfare State.

O autor crê que a consagração da liberdade e da igualdade não satisfizeram

mais a população que reivindicou imposições de obrigações positivas do Estado. A

partir daí nascem os direitos de segunda dimensão que são direitos sociais,

culturais, econômicos, trabalhistas, previdenciários, assim como direitos ao ensino

público gratuito e a saúde pública.

2.5.3 Os direitos fundamentais de terceira dimensão

Os direitos fundamentais de terceira geração, para Theodoro (2003) são

aqueles direitos de solidariedade e fraternidade, que de desvinculam da figura do

homem-indivíduo para destinar-se à proteção dos grupos humanos, atendendo a

uma proteção de titularidade difusa ou coletiva.

Da mesma maneira, Bonavides (2001) destaca que em razão do altíssimo

teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a

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cristalizar-se enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção

dos interesses de um indivíduo

Consoante o escritor Porto (2006), os direitos de terceira dimensão são

direitos difusos que visam à melhoria da qualidade de vida do humano,

exemplificando como sendo o direito à um meio ambiente equilibrado e saudável, o

direito à informação idônea, o direito à proteção do patrimônio genético, histórico,

científico e cultural da humanidade, asseverando ainda:

Constituem aspirações, por exemplo, decorrentes da evolução tecnológicas e suas conseqüências em face do planeta e da humanidade. Não excluem as gerações de direitos humanos anteriores, mas são fruto de um momento histórico em que sua identificação e o seu reconhecimento impuseram-se como condição de manutenção da dignidade da pessoa humana coletivamente considerada, máxime considerando os riscos que a evolução econômica e tecnológica vem suscitado (PORTO, 2006, p. 60).

Assim, a terceira dimensão de direitos não exclui a segunda dimensão, que,

por sua vez, não exclui a primeira dimensão. Uma dimensão, portanto,

complementa a outra e são frutos da história e da evolução humana, conforme

leciona:

Os direitos da primeira, da segunda e da terceira geração abriram caminho ao advento de uma nova concepção de universalidade dos direitos fundamentais, totalmente distinta do sentido abstrato e metafísico de que se impregnou a Declaração dos Direitos do Homem de 1789, uma declaração de compromisso ideológico definido, mas que nem por isso deixou de lograr expansão ilimitada, servindo de ponto de partida valioso para a inserção dos direitos de liberdade (BONAVIDES, 2001, p. 526).

Prossegue o mesmo autor, ensinando que a nova universalidade busca

subjetivar, de forma concreta e positiva, os direitos da tríplice dimensão, tendo em

vista que o indivíduo, antes de ser homem deste ou daquele País, é pertinente ao

gênero humano, objeto daquela universalidade.

Neste contexto, Morais (1996) registra que os direitos de terceira dimensão

são aqueles que seus limites subjetivos ultrapassam a figura do indivíduo, ou de

um grupo, tendo como destinatário o gênero humano, com um aprofundamento

genérico. Aduz ainda o autor, que são direitos caracterizados a partir da percepção

dos problemas ligados ao desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, ao

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patrimônio comum da humanidade, além de englobarem o desenvolvimento

(sustentado) de pretensões ao trabalho, saúde e alimentação adequada e paz.

2.5.4 Os direitos fundamentais de quarta e quinta dimensões

Estas são dimensões de direitos não reconhecidas por todos os

doutrinadores. Entretanto, a descoberta e formulação de novos direitos acabam por

gerar novas regiões da liberdade que devem ser exploradas. É o que entende

Bobbio:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, nem todos de uma vez e nem de uma vez por todas (BOBBIO, 2004, p. 5).

Ao reconhecer a existência desta quarta geração de direitos, Bobbio (2004)

refere que o problema grave do nosso tempo, com relação aos direitos do homem,

não é fundamentá-los, mas sim protegê-los, e disciplina:

[...]mas já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo, Quais são os limites desta possível (e cada vez mais certa no futuro) manipulação? Mais uma prova, se isso ainda fosse necessário, de que os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens[...] Essas exigências nascem somente quando nascem determinados carecimentos. Novos carecimentos nascem em função da mudança das condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los (BOBBIO, 2004, p. 6).

Também coaduna com a idéia da existência de direitos da quarta geração

Bonavides (2001), que explica que a globalização política na esfera da

normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, exemplificando como

o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo.

O autor admite que para a realização destes direitos de quarta dimensão é

necessário uma sociedade aberta para o futuro. Defende, ainda, que é a partir dos

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direitos de quarta dimensão que se objetivam os direitos de segunda e terceira

dimensões e absorvem a subjetividade dos direitos individuais da primeira

dimensão.

Para Sarlet (2001) há a possibilidade de constituir uma nova fase no

reconhecimento dos direitos fundamentais, diante das posições contra a

manipulação genética e outros temas.

As grandes transformações do mundo atual, diante da economia, da política,

da ciência e da história, têm gerado os ditos novos direitos, que, por sua vez,

apresentam inúmeras dificuldades para a ciência jurídica. Oliveira Junior (2000),

aponta para o fato de que há um distanciamento entre a ciência apreendida e a

experiência vivida, dentre elas o direito tem de enfrentar o dilema do conhecimento

versus interesses, onde ao mesmo tempo que tem que incentivar o

desenvolvimento, precisa preservar o meio ambiente, por exemplo.

O constitucionalista identifica como direitos de quarta dimensão “os direitos

de manipulação genética, relacionados à biotecnologia e bioengenharia, e que

tratam de questões sobre a vida e a morte, sobre cópias de seres humanos, e que

requerem uma discussão ética prévia” (OLIVEIRA JUNIOR, 2000, p. 100).

Os direitos de quinta dimensão, por sua vez, são aqueles direitos da

realidade virtual, que nascem com o desenvolvimento da cibernética, o que implica

no rompimento das fronteiras tradicionais.

Sobre a realização dos direitos fundamentais, destaca Morais (1996),

sobretudo os de segunda, terceira e quarta geração, são necessárias condições

objetivas, estruturais, freqüentemente ligadas às condições econômicas dos

Estados.

Por fim, Oliveira Júnior (2000) entende que o direito só existe nas relações

humanas, devendo ser pensado como um instrumento que harmoniza a

convivência dos homens, sendo necessária a revolução da mentalidade para que a

ciência jurídica possa dar conta dos novos direitos, através de uma visão

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interdisciplinar, com a passagem da norma jurídica para as relações humanas e

sociais.

2.6 Crise do Estado – a crise constitucional e a questão dos direitos humanos

Com a globalização dos direitos fundamentais, surge um comprometimento

maior do Estado, conforme lecionam os doutrinadores:

Os Direitos Humanos são universais e, cada vez mais se projetam no sentido de seu alargamento objetivo e subjetivo, mantendo seu caráter de temporalidade. São históricos, não definitivos, exigindo a todo instante não apenas o reconhecimento de situações novas, como também a moldagem de novos instrumentos de resguardo e efetivação[...] e ao mesmo tempo precisamos dar conta de situações novas cada vez mais complexas, impondo-se ao jurista uma formação qualificada que lhe permita enfrentar competentemente os conflitos surgidos neste meio (BOLZAN e STRECK, 2006, p. 147).

Esta crise do Estado, frente às modificações e inovações da sociedade,

desdobra-se na necessidade de uma ação dinâmica e interdisciplinar, não só do

Estado, como também do Direito. É o caso do tema do presente estudo. Ao se criar

a possibilidade da reprodução humana através da fertilização in vitro, se resolveu o

problema de muitos casais inférteis, entretanto criou-se o problema dos embriões

excedentes.

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3 Direito à vida e Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Após breve explanação acerca da evolução do Estado e conceito sobre os

direitos fundamentais e suas dimensões, importante fazer uma análise daquele que

pode ser considerado o principal direito, sem o qual nenhum outro tem aplicação: a

vida.

Antes de proceder na análise das pesquisas com células-tronco

embrionárias, importa definir este direito, assim como o princípio da dignidade da

pessoa humana, o direito à saúde e a importância das pesquisas científicas.

3.1 Direito à vida

No capítulo anterior houve a explanação sobre a evolução dos direitos

fundamentais. De tais direitos decorre o principal deles, sem o qual nenhum outro

tem aplicação - o direito à vida - passando por um dos principais princípios

inerentes na Constituição Federal de 1988, o princípio da Dignidade da Pessoa

Humana.

A Magna Carta de 1988, em seu art. 5º garante:

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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Da mesma forma que a norma maior, as leis infraconstitucionais, como o

Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) prevê o direito à vida e sua

proteção às crianças e adolescentes, assim como proteção à gestante através do

atendimento pré e perinatal:

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal.

O Código Civil brasileiro disciplina que a personalidade civil começa do

nascimento com vida, mas a lei protege os direitos do nascituro, desde a

concepção.

Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida;

mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

O ordenamento jurídico constitucional brasileiro protege o direito à vida

como direito fundamental, cabendo a legislação infraconstitucional regulamentar

essa proteção, sempre com respeito à própria Constituição.

A Constituição Federal proclama o direito à vida, sendo de responsabilidade

do Estado assegurá-la em dupla acepção: o direito de continuar vivo e o direito a

uma vida digna quanto à subsistência, conforme Moraes (2005). Para o autor, ao

jurista cabe tão somente o enquadramento legal da mais preciosa garantia

individual, o início da vida é definido no campo biológico que disciplina que a vida

viável começa com a nidação2, com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide,

resultando um ovo ou zigoto3.

2 Nidação – quando se inicia a gravidez

3 Zigoto – conforme dicionário Aurélio é a célula resultante da fertilização de um óvulo (1) por um

espermatozóide; célula-ovo, ovo.

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A necessidade de reconhecimento de proteção do direito à vida pelo Estado,

também é ressaltada por Zimmermann (2002), que aduz que no Brasil, é defeso

retirar a vida do ser humano, inclusive o Estado, sendo proibida a pena de morte,

salvo em caso de guerra declarada (art. 5º, XLVII, a, CF/88).

Da mesma forma que Moraes, Silva (2006) acha que a definição do que se

chama vida é um risco em razão de ingressar no campo da metafísica. Entretanto

explica que vida, conforme texto constitucional, não é considerada apenas no

sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, mas na acepção

biográfica.

Silva assim conceitua este direito:

Vida, no texto constitucional (artigo 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade[...] A vida humana, que é o objeto do direito assegurado no art. 5º, caput, integra-se de elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais) (SILVA, 2005, p. 197).

Para o mesmo autor a vida constitui a fonte primária de todos os outros bens

jurídicos, sendo que de nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos

fundamentais, como a igualdade, a liberdade, a intimidade, se não erguesse a vida

humana dentro dos direitos fundamentais. Explica, ainda, que dentro do conceito

de vida envolve-se o direito à dignidade da pessoa humana, direito à privacidade,

direito à integridade físico-corporal e moral e direito à existência.

O direito à existência consiste no simples direito de estar vivo, de não ter

interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável. Em razão

do direito à existência que o Código Penal pune qualquer forma de interrupção

violenta da vida como, também, permite a legítima defesa contra qualquer

agressão à vida e legitima retirar a vida de outrem em caso de necessidade da

salvação própria.

O direito à integridade física baseia-se que a agressão ao corpo humano

acarreta a agressão a própria vida, razão por que as lesões corporais são punidas

pela legislação penal. Sobre a doação de órgãos, ressalta o autor que a alienação,

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onerosa ou gratuita, após a morte é possível, tendo em vista que não ocorre ofensa

à vida, já que esta inexistirá. Contudo, a comercialização de órgãos em vida é

vedada pela Constituição Federal, em seu art. 199, §4º, da Constituição Federal,

que assim disciplina:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

Prossegue o Constitucionalista afirmando que a Lei nº 9.434/97 e o Decreto

nº 2.268/97 instituíram o Sistema Nacional de Transplantes, que admite apenas a

disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano em vida, caso não

representem comprometimento das aptidões vitais e saúde mental do doador, e

post mortem. Na lei não estão compreendidos a doação de sangue, esperma e

óvulo. Sobre a doação, o autor destaca:

É que a vida, além de ser um direito fundamental do indivíduo, é também um interesse que, não só ao Estado, mas à própria humanidade, em função de sua conservação, cabe preservar. Do mesmo modo que a ninguém é legitimo alienar outros direitos fundamentais, como a liberdade, por exemplo, também não se lhe admite alienar a própria vida, em nenhuma de suas dimensões (SILVA, 2006, p. 200).

Com relação à integridade moral, Silva (2006) ensina que a moral individual

sintetiza a honra da pessoa, o bom nome, a boa fama, a reputação que integram a

vida humana. Sem tais atributos a pessoa seria reduzida a uma condição animal de

pequena significação.

Da mesma forma que tutelou a vida, a Magna Carta disciplinou sobre a

proteção ao material genético do ser humano:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

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V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

A proteção à vida compreende também a proteção ao patrimônio genético

de cada indivíduo e de toda a humanidade. Lima (2008) observa que a

humanidade, incorporada nas gerações presentes e futuras, é sujeito de direitos,

com relação ao seu patrimônio genético, e assim, titular do direito ao respeito a sua

integridade genética.

Neste quadro, Lima (2008) anota que a proteção constitucional abrange todo

o ciclo da vida, inicia-se com a fecundação, marco inicial do desenvolvimento

humano, e continua com a implantação, o período embrionário, o período fetal, o

nascimento, a infância, a puberdade, a vida adulta e a velhice, até a morte.

A autora destaca, ainda, que ao tutelar a vida, o ordenamento jurídico impõe

ao Estado o dever de proteção ampla que compreende o direito de ter assegurado

o normal desenvolvimento intra-uterino, de vir à luz com vida, de estar vivo e não

ser privado de viver, bem como de ter uma existência digna, que compreende o

respeito e garantia dos direitos fundamentais.

Diniz (2009) ensina que o direito à vida é essencial ao ser humano e

condiciona os demais direitos da personalidade. Sendo objeto de direito

personalíssimo, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos. A

vida humana é amparada juridicamente desde o momento da fecundação natural

ou artificial do óvulo com o espermatozóide. O direito à vida integra-se à pessoa

até o seu óbito, abrangendo o direito de nascer, o de continuar vivo e o de

subsistência.

Prossegue a autora afirmando que o direito à vida está garantido através de

norma constitucional em cláusula pétrea, que é intangível, ou seja, possuí uma

forma paralisante total de toda a legislação que explícita ou implicitamente, vier a

contrariá-la. Por sua vez, a eficácia da norma constitucional é positiva e negativa.

Positiva, por ter incidência imediata e não emendável. Negativa, por vedar qualquer

lei que lhe seja contrastante.

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Deve haver a consciência pelo respeito pela vida humana, prega a

constitucionalista, sendo dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a

inviolabilidade do direito à vida. Defende a mesma que jamais se poderia legitimar

qualquer conduta que vulnerasse ou colocasse em risco a vida humana, como o

aborto, a pena de morte, a tortura e experimentos científicos ou terapias que

rebaixem a dignidade humana.

Para Diniz “estamos no limiar de um grande desafio do século XXI, qual

seja, manter o respeito à dignidade humana (art. 1º, III, da CF), para tentar superar

a perplexidade dessa temática, baseamo-nos nos princípios e normas

constitucionais” (2009, p. 24).

A legislação penal, por sua vez, tipifica os crimes contra a vida e

concomitantemente permite a incidência das cláusulas excludentes de ilicitude, o

que implica em reconhecer a restrição dos direitos fundamentais quando em

situação real de conflito. É o que explica Lima:

O direito à vida como todos os outros direitos, pode ser restringido quando em situação da colisão com outros direitos também fundamentais. O bem jurídico vida nem sempre prevalece quando em conflito com outros bens também constitucionalmente protegidos. São situações específicas e excepcionais; no entanto acolhidas. A própria Convenção Americana de Direitos Humanos aponta para as hipóteses de exceção, ao preceituar que o direito à vida deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Se a vida deve ser preservada, desde a concepção, significa que esta é a regra, no entanto, há exceções (LIMA, 2008, p. 39).

Na seqüencia a autora reconhece que o conceito de vida humana e o

momento em que esta se inicia são temas que pertencem às ciências médicas e

biológicas, cabendo a ciência jurídica, tão-somente, dar-lhe o enquadramento legal,

que significa estabelecer quando se inicia e quando termina a proteção jurídica do

bem da vida e com qual abrangência.

Lima (2008) destaca que o ordenamento jurídico brasileiro tutela a vida

desde o momento da concepção, em decorrência do Estado ter incorporado ao

sistema constitucional a Convenção Americana de Direitos Humanos. Entretanto,

apesar da proteção à vida a partir da concepção, podem existir situações,

legitimadas pelo sistema constitucional, nas quais prevaleçam outros direitos

fundamentais, em detrimento do direito à vida.

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Destarte, a mesma autora chama a atenção para o fato de que as atuais

técnicas humanas de reprodução assistida, como a fertilização in vitro, trazem uma

nova realidade que demanda atuação específica do Direito quanto à proteção da

vida humana, neste aspecto, defende uma tutela civil e penal específica com

relação ao embrião pré-implantatório enquanto in vitro ou congelado.

Como exemplo a doutrinadora cita a Lei 11.105/2005, tema deste estudo, e

que permite para fins de pesquisa a utilização de células-tronco embrionárias,

obtidas de embriões humanos produzidos através da fertilização in vitro, desde que

congelados há pelo menos três anos ou inviáveis. Com relação aos parâmetros de

proteção destaca:

Os parâmetros escolhidos pelo Direito para tutelar à vida humana na fecundação natural não são os mesmos para a fecundação in vitro, antes da implantação no útero da mulher. São situações consideradas distintas pelo legislador, devido às suas peculiaridades. No entanto, o legislador precisa definir expressamente o status jurídico do embrião pré-implantatório. A falta de regulamentação desse status jurídico vem gerando importante polêmica doutrinária quanto à constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei 11.105/05. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou pela constitucionalidade do art. 5° da referida lei (LIMA, 2008, p. 45).

Enfim, como bem ressaltado pela doutrinadora Lima, em que pese a decisão

do Supremo Tribunal Federal que considerou constitucional o art. 5° da Lei de

Biossegurança, que permite a utilização de embriões humanos para fins de

pesquisa e terapia, ainda é tema controvertido na doutrina, mesmo porque não há

um consenso sobre quando se inicia a vida.

3.2 Direitos do embrião e do nascituro

O direito à vida previsto como direito fundamental e protegido por cláusula

pétrea na Constituição Federal é inquestionável e unânime entre os doutrinadores.

Entretanto o que gera certa discussão é o direito do embrião e do nascituro. Neste

passo o Código Civil brasileiro, prevê que o nascituro tem expectativas de direito e

direito à imagem, nome e sepultamento digno.

Com relação a diferença entre nascituro e embrião:

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Nascituro é a pessoa já concebida no ventre materno e que ainda não veio à luz. Quando a fecundação é natural, a partir dela há um ser humano dotado de personalidade jurídica. Por isso trata-se de pessoa. Quando a fecundação é in vitro, há necessidade de implantar-se o embrião no útero da mulher para que ele tenha chances de se desenvolver. Não há dúvidas de que se trata também de um ser humano. No entanto, falta definição legal quanto ao status jurídico do embrião ainda não implantado no útero materno. Embora a vida comece com a fecundação (natural ou in vitro), no estágio atual da ciência, é com a implantação do concepto no útero materno que a vida torna-se viável (LIMA, 2008, p. 48).

Lluziá apud Moraes (2005) adverte que o embrião ou feto representa um ser

individualizado, com uma carga genética própria, não se confundindo nem com o

pai, nem com a mãe, não sendo correto afirmar que a vida do embrião está

englobada pela vida da mãe. Neste passo, a Constituição Federal, protege a vida

de forma geral, inclusive a uterina.

Tal idéia é compartilhada por Diniz (2009), que apresenta o embrião, ou

nascituro, como detentor de direitos, normativamente resguardados desde a

concepção porque a partir dela passa a ter existência e vida orgânica e biológica

própria, independente da de sua mãe. A autora vai mais adiante e afirma que a

vida intra-uterina ou in vitro tem personalidade jurídica formal, relativo aos direitos

de personalidade, enquanto que a personalidade jurídica material, com os direitos

patrimoniais e obrigacionais, é adquirida apenas com o nascimento com vida.

A constitucionalista adverte que práticas como a gravidez com a finalidade

de aborto para retirada da medula espinhal ou células do feto, constituem-se como

condutas ilícitas, em razão de estarem transformando o feto em objeto, tornando-o

meio para alcançar um fim, ferindo sua dignidade como pessoa humana. A vida

intra-uterina, até mesmo em caso de fertilização assistida in vitro, deverá sofrer o

mais absoluto respeito pela vida e integridade física e mental.

Chinelato (1992) observa que não somente o ser humano já nascido é titular

dos direitos da personalidade (direito à identidade e integridade genética), mas

também o nascituro e o embrião humano, uma vez que estes adquirem a

personalidade jurídica desde a concepção, independentemente do seu nascimento

com vida.

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Todavia cabe frisar que o crime de aborto previsto no Código Penal

brasileiro, condiciona a existência de gravidez, sendo a interrupção do processo

gestacional resultando na morte do feto.

3.3 O Princípio da dignidade da pessoa humana

As regras do nosso sistema jurídico devem sempre ser interpretadas tendo

como base os princípios. Silva (2005, p. 91/92) destaca que princípios são regras

norteadoras que devem ser observados quando da aplicação e interpretação de

qualquer norma, seja constitucional ou infra-constitucional. “Os princípios são

ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são núcleos de

condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais”.

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de

Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Tal preceito está

previsto no art. 1º, III, conjuntamente com o art. 5º, § 2º, da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988.

O destaque para o princípio da dignidade da pessoa humana fica

evidenciado, devendo ele ser o norte de tantas outras regras previstas, não só na

Constituição Federal, mas também nas leis infraconstitucionais:

A dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo o estado jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAES, 2005, p. 16).

Assim a dignidade da pessoa humana é princípio norteador fundamental da

Constituição Federal e, segundo Sarlet (2001), constitui o valor unificador de todos

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os direitos fundamentais. O autor menciona que o princípio da dignidade da pessoa

humana revela-se como um autêntico direito fundamental, em que pese sua

importante função, seja como elemento referencial para aplicação e interpretação

dos direitos fundamentais, seja na condição de fundamento para a dedução de

direitos fundamentais decorrentes.

O autor chama a atenção para o fato de que a positivação do princípio da

dignidade da pessoa humana é recente, visto que somente a partir da Segunda

Guerra mundial passou a ser reconhecido expressamente nas constituições, de

modo especial, após ter sido consagrado pela Declaração Universal da ONU, em

1948.

O constitucionalista destaca o respeito ao reconhecimento expresso do

princípio da dignidade da pessoa humana como um fundamento do Estado

democrático de direito, no sentido de finalidade e justificação do exercício do poder

estatal, reconhecendo que é o Estado que existe em função da pessoa humana e

não o contrário.

O autor referido afirma, também, que uma definição clara do que seja

efetivamente a dignidade não parece possível, uma vez que se cuida de conceito

de contornos vagos e imprecisos. Inobstante este fato, o autor menciona que a

dignidade é algo real, uma qualidade intrínseca do ser humano, sendo irrenunciável

e inalienável. “É algo que se que reconhece, respeita e protege, mas não que

possa ser criado ou lhe possa ser retirado” (SARLET, 2001, p. 106).

Nunes (2002) aponta para o fato de que a mudança de conteúdo de

dignidade não pode transformar ele num conceito relativo, variável de acordo com

o momento histórico, tornando necessário identificar a dignidade da pessoa

humana como uma conquista, fruto da reação de atrocidades ocorridas na história.

Por esta razão, assinala o autor, a dignidade nasce com o indivíduo, é inerente a

sua essência.

Particularmente a este trabalho, vários aspectos constitucionais se

relacionam à pesquisa com seres humanos e utilização de técnicas de estudos

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com o ser humano, mas talvez nenhum princípio seja tão relevante neste caso

quanto o princípio da dignidade da pessoa humana.

Silva (2006) ressalta que a dignidade da pessoa humana é um valor

supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem,

inclusive o direito à vida.

O respeito à dignidade da pessoa humana constitui-se um dos pilares de

sustentação da legitimidade de atuação do Estado, proibindo toda e qualquer idéia

que procure lesar ou de alguma forma restringir a dignidade de uma pessoa:

O constituinte de 1988, além de ter tomado a decisão fundamental do respeito do sentido, da finalidade e da justificativa do poder Estatal e do próprio Estado, reconheceu de forma categórica que é este que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui uma finalidade precípua, e não um meio de atividade Estatal. (SARLET, 2004, p. 65).

Desta forma, toda e qualquer atividade do Estado, bem como toda lei

imposta por este deve respeitar e ter como finalidade a pessoa humana. Conforme

Leivas (2002), a dignidade, a liberdade e a igualdade são os direitos fundamentais

que, ao lado dos conceitos de fins do Estado e os conceitos estruturais da

democracia, do Estado de Direito e do Estado social, abarcaram a fórmula central

do direito moderno.

Conforme Piovesan (2004), o valor da dignidade da pessoa humana torna-

se o centro de todo o sistema jurídico, servindo de valoração para orientar a

interpretação do sistema constitucional. Nesse diapasão, afirma Miranda:

Quanto fica demonstrado que a Constituição, a despeito de seu caráter

compromissório, confere uma unidade de sentido, de valor e de

concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E ela repousa

na dignidade da pessoa humana, proclamada no art. 1º, ou seja, na

concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do

Estado. Pelo menos, de modo direto e evidente, os direitos, liberdades e

garantias pessoais e os direitos econômicos sociais e culturais têm a sua

fonte ética na dignidade da pessoa, de todas as pessoas (MIRANDA,

2000, p. 180-181).

Entretanto, necessário faz-se a conceituação do significado de dignidade

da pessoa humana. Conforme Kant (1980), a dignidade da pessoa humana está

associada ao juízo de que a mesma decorre da autodeterminação ética da pessoa,

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sustentando, ainda, que essa autonomia da vontade é a faculdade de determinar a

si mesmo e de agir em conformidade com certas leis. Ressalta ainda que o ser

humano não pode ser considerado como um simples instrumento, mas como um

objeto de respeito.

No mesmo sentido vale transcrever o entendimento de Moraes (2002), que

sustenta que a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se

manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria

vida, trazendo a concepção ao respeito pelas pessoas constituintes de uma

sociedade. Na lição de Perez Luño apud Sarlet (2001, p. 112), “a dignidade da

pessoa humana constitui não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será

objeto de ofensas ou humilhações, mas implica também, num sentido positivo, o

pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo”.

Cumpre referir a existência de uma relação indissociável entre a dignidade

da pessoa humana e os direitos fundamentais, visto que se encontram conteúdos

da dignidade da pessoa humana em cada direito fundamental, devendo ser

interpretado tal princípio como vértice dos demais direitos, já que engloba outros

princípios fundamentais do homem, como o direito à vida, necessário à

concretização dos direitos sociais, da existência digna, da justiça social, da

educação e da cidadania.

3.4 A dignidade da pessoa humana e a genética

Nas últimas décadas, a sociedade vem se deparando, e sendo informada,

através dos meios de comunicação, acerca dos importantes avanços científicos e

tecnológicos ocorridos. Esses avanços proporcionam uma revolução na

humanidade, acarretando significativas mudanças na vida das pessoas. Inobstante,

ditas modificações deparam-se com questões sociais e éticas, muitas vezes sem

solução aparente.

A engenharia genética e suas descobertas fizeram nascer uma nova

disciplina: a Bioética, que será tratada no próximo capítulo.

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A Unesco adotou a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e

Direitos Humanos, que em seu art. 1º, enuncia: o genoma humano tem por base a

unidade fundamental de todos os membros da família humana, assim como o

reconhecimento de sua inerente dignidade e diversidade. Em um sentido simbólico

ele é a herança da humanidade.

Afirma Leivas (2002) que a dignidade da pessoa humana tradicionalmente

tem sido compreendida como relacionada a um indivíduo em particular, mas com a

engenharia genética surge um problema, o reconhecimento de uma dignidade de

toda a humanidade, como requer o art. 1º da Declaração Universal sobre o

Genoma Humano e Direitos Humanos. Para o autor, as novas questões trazidas

pela engenharia genética exigem um novo delineamento do princípio da dignidade

da pessoa humana, a partir da análise de algumas das técnicas já desenvolvidas

pela ciência.

As diversas possibilidades de o homem interferir e manipular tanto a

natureza quanto a própria vida humana faz emergir questionamentos e novos

problemas, dentre eles, o início e o final da vida. Gorczevski (2007), ao tratar da

engenharia genética, destaca que a ciência pode ser utilizada para o bem ou para

o mal, ao mesmo tempo em que está a serviço da vida propiciando melhorias na

qualidade e saúde, contraditoriamente acaba por ameaçá-la. Neste passo, explica

que a dignidade da pessoa humana deve ser vista como algo que pertence

igualmente a todos os seres humanos, devendo ser lembrado, sempre, que sem

vida não há pessoa, e sem pessoa não há que se falar em dignidade.

De acordo com o autor mencionado, o princípio constitucional da dignidade

da pessoa humana parece ser o princípio capaz de alcançar todos os setores do

ordenamento jurídico, inclusive os problemas bioéticos. Tal princípio, com a devida

interpretação, é capaz de manter a unidade constitucional, e ressaltam:

É incontestável que não se pode negar o direito à pesquisa científica e ao desenvolvimento de procedimentos que auxiliem na resolução dos problemas de saúde do homem e melhoramento na sua qualidade de vida, entretanto deve ser realizada de maneira sábia e prudente[...] O princípio da dignidade da pessoa humana nos exigem um comprometimento de absoluto e irrestrito respeito à identidade e integridade de todo o ser

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humano. O homem é sujeito de direitos, não podendo ser jamais objeto de direito e, muito menos, objeto mais ou menos livremente manipulável (GORCZEVSKI, 2007, p. 172).

Neste diapasão, Sarlet (2001) lembrando as lições de Koepfer ensina:

Ainda que se possa reconhecer a possibilidade de alguma relativização da dignidade pessoal e, nesta linha, até mesmo de eventuais restrições, não há como transigir no que diz com a preservação de um elemento nuclear intangível da dignidade, que justamente [...] consiste na vedação de qualquer conduta que importe em coisificação e instrumentalização do ser humano (que é o fim e não o meio) (SARLET, 2001, p. 58)

Neste aspecto, Diniz (2009) observa que os bioeticistas devem ter como

paradigma o respeito à dignidade da pessoa humana, que é o fundamento e fim da

sociedade e do Estado, sendo o valor que prevalecerá sobre qualquer tipo de

avanço científico e tecnológico. Sobre os limites da ciência registra:

Daí ocupar-se a bioética de questões éticas atinentes ao começo e fim da vida humana, às novas técnicas de reprodução assistida, à seleção de sexo, à engenharia genética, à maternidade substitutiva etc., considerando que a dignidade da pessoa humana como um valor ético, ao qual a prática biomédica está condicionada e obrigada a respeitar. Para a bioética e o biodireito a vida humana não pode ser uma questão de mera sobrevivência física, mas sim de “vida com dignidade” (DINIZ, 2009, p. 17).

Conforme próximo item, a pesquisa científica não só é autorizada, como

também é dever do Estado promovê-la, entretanto ela deve pautar-se pelos

princípios e normas constitucionais, dentre elas as mais importantes, já abordadas,

o direito à vida e a dignidade da pessoa humana.

3.5 A expressão da atividade científica e pesquisas

Prevê o art. 5º, IX da Constituição Federal, a liberdade de expressão da

atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. Assinala Silva (2006)

que as manifestações intelectuais, artísticas e científicas são formas de difusão e

manifestação do pensamento. A todos é permitido produzir e divulgar obras

intelectuais, científicas ou filosóficas, sem censura e sem licença de quem quer que

seja.

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Diniz (2009, p. 07) registra que a Constituição Federal de 1988, proclama a

liberdade da atividade científica como um dos direitos fundamentais, o que não

significa que ela seja absoluta e não contenha limitações, pois há outros valores e

bens jurídicos reconhecidos constitucionalmente, como a vida, a integridade física

e psíquica e a liberdade, que poderiam ser gravemente afetados pelo mau uso da

liberdade científica. Destaca a autora que “havendo conflito entre a livre expressão

da atividade científica e outro direito fundamental da pessoa humana, a solução ou

ponto de equilíbrio deverá ser o respeito à dignidade humana”.

3.5.1 Ciência e Tecnologia

Constitucionalmente, ao Estado compete promover e incentivar o

desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica, conforme

redação do art. 218.

Para Zimmermann (2002) o mundo está atravessando um forte momento de

integração econômica e política, sendo de fundamental importância o incentivo à

ciência e a tecnologia para o desenvolvimento nacional.

Conforme ensinamento de Morais (2005), a pesquisa científica básica

receberá tratamento prioritário do Estado, em razão do bem público e o progresso

das ciências. Enquanto que a pesquisa tecnológica deverá ser voltada para a

solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo

nacional e regional.

Refere o mesmo autor que, em que pese a proibição da vinculação da

receita orçamentária, há uma exceção, qual seja, a faculdade dos Estados e do

Distrito Federal de vincular parcela de sua receita orçamentária à entidades

públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.

Sobre a ciência e tecnologia, vale o destaque:

É incumbência do Estado promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica. A Constituição distingue a pesquisa em pesquisa científica básica, que receberá tratamento

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prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, e a pesquisa tecnológica, que deverá voltar-se preponderantemente para a soluação dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional, para tanto o Estado apoiará e estimulará a formação de recursos humanos nessas áreas do saber (SILVA, 2006, p. 845).

Que a pesquisa científica e tecnológica estão previstas constitucionalmente

e que é dever do Estado o seu incentivo, é pacífico. Resta saber, entretanto, quais

os limites destas pesquisas e a possibilidade de utilização do ser humano e dos

embriões humanos em pesquisas, o que será tema do terceiro capítulo deste

trabalho.

3.6 A saúde

A saúde é um direito social constitucionalmente previsto, conforme redação

do art. 196, CF:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Silva (2006, p. 286) explica que o direito à saúde, na Constituição Federal,

está previsto dentre os direitos sociais que “como dimensão dos direitos

fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado que

possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos”.

O autor chama a atenção para o fato de que a saúde, que é um bem

extraordinariamente relevante à vida humana, somente na CF/88 foi elevado a

condição de direito fundamental do homem. Antes não era um tema estranho, mas

a defesa e proteção a saúde tinha o sentido de organização administrativa de

combate às epidemias.

Aduz, ainda, o constitucionalista que o direito a saúde comporta duas

vertentes: uma, de natureza negativa, que consiste no direito de exigir de terceiros

ou do Estado, que se abstenha de qualquer ação ou omissão que prejudique a

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saúde; a outra, de natureza positiva, consiste no direito as medidas e prestações

do Estado visando a prevenção e o tratamento das doenças. O autor destaca:

E há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais (SILVA, 2006, p. 308).

Com relação as vertentes da saúde, Jonathan Montgomery apud Diniz

(2009, p. 155), ensina que o conteúdo normativo do direito à saúde apresenta três

níveis: “o direito subjetivo, o direito programático destinado a orientar a política

estatal para a melhoria do setor da saúde e o direito da obrigação jurídica dirigido a

assegurar condições que possibilitem ao cidadão procurar obter um nível máximo

de saúde”. A autora destaca que através destes três níveis, a medicina tornou-se

uma instituição de interesse coletivo.

Com relação ao disposto no art. 198, da CF - as ações e serviços públicos

de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um

sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes - destaca

Zimmermann (2002) que este sistema único de saúde, com ações e serviços

públicos integrantes de uma rede regionalizada e hierarquizada é financiado com

recursos do orçamento da seguridade social dos entes federativos.

Acrescenta Morais (2005) que o sistema único de saúde é organizado de

acordo com diretrizes e preceitos, podendo ser destacado, o atendimento integral,

com prioridade para as atividades preventivas; liberdade na assistência à saúde

para a iniciativa privada, possibilitando a participação complementar, com o

contrato de convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins

lucrativos; vedação à destinação de recursos públicos para as instituições privadas

com fins lucrativos e vedação a participação, ainda que indireta, de empresas ou

capitais estrangeiros na assistência à saúde no país, salvo nos casos expressos

em lei.

Antes da edição da Constituição Federal de 1988, a Constituição da

Organização Mundial da Saúde (OMS), de 22 de julho de 1946, no 3º parágrafo

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preambular destacava que “o gozo do melhor estado de saúde possível de atingir é

um dos direitos fundamentais de cada ser humano”. Sendo que no 2º parágrafo

preambular refere que saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e

social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade.

Diniz (2009) orienta que hoje há enormes falhas no sistema de saúde do

país, destacando defeitos de ordem material, como as péssimas instalações

hospitalares e a falta de remédios e equipamentos. Mas também há problemas de

ordem moral, como a falta de humanização da assistência à saúde e a obrigação

médica de enfrentar situações que conflitam com sua formação, por serem de difícil

solução, destacando-se a eutanásia, aborto, fecundação artificial, clonagem, uso

de órgãos e tecidos transplantados, esterilização humana e experiência científica

em seres humanos.

Desta forma, o direito à vida é constitucionalmente previsto e protegido em

sua integralidade como cláusula pétrea, da mesma forma que o princípio da

dignidade da pessoa humana é o norte para aplicação e criação de novas regras,

entretanto o que se observa é que o Direito caminha a passos lentos se comparado

com as inovações científicas.

Esse abismo entre o Direito e a ciência pode ser verificado com as

inovações das técnicas de reprodução humana assistida, como a fertilização in

vitro que criou o embrião humano fora do organismo da mulher, gerando um

problema com relação ao início da vida e sua proteção e o desejo dos cientistas de

utilizarem os embriões excedentes em pesquisas científicas. Esta foi a

problemática enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da

Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta contra a redação do art. 5˚ da Lei

de Biossegurança, que será o tema de estudo do capítulo seguinte.

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4 Art. 5º da Lei de Biossegurança: pesquisas com células-tronco

em embriões humanos

A pesquisa com células-tronco em embriões humanos pertence a medicina e

a ciência, entretanto também interessa ao Direito, em virtude dos reflexos que

estas pesquisas provocam no meio jurídico.

Assim, após breve exposição sobre a evolução dos direitos fundamentais e

seu caráter mutável, bem como o direito à vida e o princípio da dignidade da

pessoa humana, cumpre prosseguir com o estudo acerca da possibilidade de

pesquisas com células-tronco envolvendo embriões humanos, cumprindo com o

objetivo do art. 5º da Lei de Biossegurança.

4.1 Bioética

Antes do estudo sobre as pesquisas com células-tronco em embriões

humanos, faz-se necessário uma análise acerca deste novo ramo que se

desenvolve, a Bioética.

O progresso científico, as inovações da engenharia genética e as altas

tecnologias desenvolvidas e aplicadas diretamente à saúde, causam certa

perplexidade e impacto na sociedade. Disto resulta a necessidade de um ramo, até

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então inexistente, para estudar e analisar as inovações provocadas pela ciência e

que devem ser acompanhadas pela sociedade e, conseqüentemente pelo Direito.

O cruzamento entre a ética e as ciências da vida com o progresso da

biotecnologia provocou uma radical mudança nas formas tradicionais de agir dos

profissionais da saúde, dando outra imagem à ética médica e originou um novo

ramo do saber, qual seja, a bioética (DINIZ, 2009).

A mesma autora refere que a bioética, enquanto novo semblante da ética

médico-científica, se desenvolveu a partir dos grandes e avassaladores avanços da

biologia molecular e da biotecnologia aplicada à medicina; da denúncia de abusos

cometidos contra o ser humano pelas experiências biomédicas; do perigo das

aplicações incorretas da biomedicina e da engenharia genética; do pluralismo

moral que reina na sociedade e da maior aproximação dos filósofos e teólogos com

os problemas relacionados a qualidade da vida humana, assim como com seu

início e fim.

Seguindo neste aspecto, Junges (2002) explica que a origem da Bioética

estava relacionada a atuação médica, mas que a Bioética hoje é definida em seu

sentido global, como a ética das ciências da vida e da saúde, ultrapassando a

barreira da medicina e incluindo temas de saúde pública, problemas populacionais,

genética, saúde ambiental, práticas e tecnologias reprodutivas, dentre outras.

Nessa construção, Clotet (2003) ressalta que o termo Bioética é recente e foi

visto pela primeira vez em 1971 através do médico oncologista americano Van

Rensselaer Potter no seu livro: Bioethics: bridge to the future4, que referia a

Bioética como a ciência que garantiria a sobrevivência do planeta. O autor observa

que a Bioética é mais abrangente do que foi quando da sua criação, entendida

atualmente como a resposta ética aos novos casos e situações originadas da

ciência no âmbito da saúde. Vale o destaque do autor para a definição de bioética:

“pode-se definir a bioética como a expressão crítica do nosso interesse em usar

convenientemente os poderes da medicina para conseguir um atendimento eficaz

4 POTTER. Van Rensselaer. Bioethics: bridge to the future. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1971

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dos problemas referentes à vida, saúde e morte do ser humano” (Clotet, 2003, p.

22).

Para Urban (2003) conceituar Bioética tornou-se algo complexo em razão da

interdisciplinaridade deste ramo do saber, que possui ralação com a Ética Médica

convencional, com o Direito, com a Teologia Moral e com a Moral filosófica, além

de abrir um leque amplo de perspectivas com outras disciplinas.

Neste contexto, Diniz (2009) observa que a Bioética como sendo um

conjunto de reflexões filosóficas e morais sobre a vida em geral e sobre as práticas

médicas em particular, abarca pesquisas interdisciplinares envolvendo-se em áreas

como antropologia, filosofia, teologia, sociologia, genética, médica, biológica,

psicológica, ecológica, jurídica, política, e outras.

A mesma autora destaca:

A bioética seria uma resposta da ética às novas situações oriundas da ciência no âmbito da saúde, ocupando-se não só dos problemas éticos, provocados pelas tecnociências biomédicas e alusivos ao início e fim da vida humana, às pesquisas em seres humanos, às técnicas de engenharia genética[...]. Constituiria, portanto, uma vigorosa resposta aos riscos inerentes à prática tecnocientífica e biotecnociêntífica, como os riscos biológicos, associados à biologia molecular e à engenharia genética, às práticas laboratoriais de manipulação genética e aos organismos geneticamente modificados (DINIZ, 2009, p. 11).

Em prosseguimento a doutrinadora refere que a bioética precisa de um

paradigma de referência antropológico-moral que é o valor supremo da pessoa

humana, de sua vida, dignidade e liberdade ou autonomia, em busca de uma

qualidade de vida digna.

Marques (2005) observa que atualmente, em todos os países, a ética da

pesquisa biomédica é inspirada em um conjunto de textos internacionais, obtendo-

se, deste modo, regras mais ou menos comparáveis. Ressalta que o grande

desafio na atualidade é incorporar a bioética no processo de formulação de

políticas de governo e no planejamento estratégico, inserindo-a em avaliações

tecnológicas de longo prazo, visando determinar influências e impactos das

inovações tecnológicas na prática médica.

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4.2 Princípios Bioéticos

Como todo o ramo do saber, a Bioética precisa pautar-se por princípios. Os

princípios da Bioética, conforme explica Diniz (2009), estão consignados na

Comissão Nacional para Proteção dos Seres Humanos em Pesquisa Biomédica e

Comportamental5, dito estudo foi constituído pelo governo norte-americano para

identificação dos princípios éticos básicos que deveriam nortear a experimentação

de seres humanos nas ciências do comportamento e na biomedicina.

Neste quadro, os princípios da Bioética são três: princípio da beneficência,

princípio da justiça e princípio da autonomia.

Todos estes princípios, assim como os princípios constitucionais já

estudados no capítulo anterior, devem ser os norteadores quando da realização de

pesquisas científicas envolvendo células-tronco embrionárias.

4.2.1 Princípio da autonomia

O princípio da autonomia da vontade decorre da própria Lei de

Biossegurança, quando em seu art. 5º exige o consentimento dos genitores para a

utilização dos embriões congelados.

Quando a Lei nº 11.105/2005 refere que deve haver o consentimento dos

pais – donos dos embriões congelados, preconiza o respeito à autonomia de

vontade das partes, a livre escolha do sujeito.

Neste quadro, observa Diniz que este princípio exige que o profissional da

saúde respeite a vontade do paciente, levando em consideração seus valores

morais e crenças religiosas, “reconhece o domínio do paciente sobre a própria vida

(corpo e mente) e o respeito à sua intimidade, considera o paciente capaz de

autogovernar-se” (2009, p. 14).

5 Belmont Report, publicado em 1978, pela National Commission for the Protection of Human Subjects of

Biomedical and Behavioral Research.

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Com relação ao tema proposto no presente estudo, esta autonomia é

reservada aos pais doadores do sêmen e do óvulo que geraram o embrião que

está congelado.

4.2.2 Princípio da beneficência

O princípio da beneficência, também conhecido como princípio da não-

maleficência, é aquele que determina que o profissional, médico ou geneticista, se

comprometa em avaliar os riscos e os benefícios, perseguindo o máximo de

benefícios e reduzindo ao mínimo os danos e riscos possíveis (Diniz e Guilhem,

2005).

Neste sentido, Junges (2002) explica que o princípio da beneficência não

inclui apenas a atitude de impedir e remover danos e prover benefícios, mas

equilibrar possíveis danos de uma ação, sendo dito princípio composto por dois

subprincípios: prover benefícios e ponderar benefícios e danos.

4.2.3 Princípio da justiça

Este é um princípio que tem como base norma constitucional que determina

o tratamento igualitário, onde os iguais deverão ser tratados igualmente.

Para Urban (2003), o princípio da justiça requer o livre desenvolvimento das

gerações humanas, sendo que na área da Bioética é o dever de oferecer justiça a

todos, em todos os momentos da vida, independente de quaisquer discriminações

ou privilégios.

4.3 Pesquisas com células-tronco embrionárias

O dia 24 de março pode ficar nos anais da Câmara dos Deputados, como

um dos dias mais agitados do Congresso:

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Naquele dia não estava ocorrendo nenhuma CPI destinada a investigar casos de corrupção, nenhuma lei que mexesse nos bolsos da população ou que afetassem a economia nacional. Mesmo assim, desde as primeiras horas da manhã era grande a movimentação no Salão Verde da Câmara, no qual pesquisadores, religiosos e – principalmente – deficientes físicos e portadores de doenças degenerativas em cadeiras de rodas conversavam com deputados. Era a última tentativa de movimentos pró e contra as pesquisas com células-tronco pressionarem a Câmara antes da votação da Lei de Biossegurança, que atualmente regulamenta as pesquisas com embriões humanos[...] A votação foi disputada. Finalmente, depois de marchas e contramarchas, à noite, a Câmara dos Deputados aprovou a nova lei por 352 votos favoráveis, 60 contrários e uma abstenção. A partir daquele momento[...] com a Lei de Biossegurança passou a ser permitido o uso em pesquisa de embriões obtidos por fertilização in vitro congelados há mais de três anos, desde que os pais autorizassem (FRANÇA, 2006).

O relato do autor e jornalista França (2006), demonstra a grandeza e a

significativa importância da Lei de Biossegurança, sem esquecer da tumultuada

controvérsia gerada pela mesma, principalmente com relação ao art. 5º, que

autoriza a pesquisa com células-tronco embrionárias.

Após a votação no Congresso, o Presidente da República, Luiz Inácio Lula

da Silva, sancionou a Lei 11.105. Esta lei regulamentou os incisos II, IV e V do § 1º

do art. 225 da Constituição Federal, estabeleceu normas de segurança e

mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos

geneticamente modificados (OGM) e seus derivados, criou o Conselho Nacional de

Biossegurança (CNBS), reestruturou a Comissão Técnica Nacional de

Biossegurança (CTNBio), dispôs sobre a Política Nacional de Biossegurança

(PNB), revogou a Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória nº

2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10 e 16 da Lei no

10.814, de 15 de dezembro de 2003, além de dispor sobre outras providências.

A regulamentação necessária para a Lei de Biossegurança culminou no

Decreto n° 5.591, publicado no Diário Oficial da União em 23 de novembro de

2005, que criou.

Tanto a Lei de Biossegurança quanto o Decreto n° 5.591, ambos do ano de

2005, receberam severas críticas de especialistas. Para Cardoso (2006) a Lei de

Biossegurança deu superpoderes à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de

Biossegurança) que teria os poderes para decidir pela liberação do cultivo e da

comercialização de transgênicos sem estudo de impacto ambiental e segurança

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alimentar. Refere, ainda, que a lei foi aprovada sob o protesto das ONGs

ambientalistas e dos próprios Ministérios do Meio Ambiente e da Saúde.

Da mesma forma, Junior (2007) argumenta que se não havia motivos para

comemoração com a edição da Lei de Biossegurança, da mesma forma o decreto

nº 5.591 que nada elucidou ou minudenciou, não cumprindo com sua função de dar

pautas para a correta aplicação da norma. E explica:

Em primeiro lugar está a ausência de método, pois escolhida a miscelânea de temas e não a ordenada sistematização de matérias segundo uma arrumação técnica, critérios científicos e valores juridicamente tutelados. Conquanto, destina, em tese, a regulamentar o art. 225, §1º, incs. II, IV e V da Constituição Federal, a Lei 11.105/2005, agrupa, qual colcha de retalhos jurídica, quatro relevantes matérias diversas: (I) a pesquisa e a fiscalização dos organismos geneticamente modificados (OGM); (II) a utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia; (III) o papel, as estruturas, a competência e o poder da CTNBio; e por fim, (IV) a formação do Conselho Nacional de Biossegurança -CNBS, e sua organização através de normas ora dispersas pelo texto integral da lei, ora concentradas no capítulo II (JUNIOR, 2007, p. 234).

No meio jurídico o inconformismo com a edição da Lei de Biossegurança

não foi diferente, mais especificamente com relação a redação do art. 5º, que

autoriza, para fins de pesquisa científica, a utilização de células-tronco

embrionárias. Descontente, no ano de 2005, mesmo da edição da lei, o ex- -

Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles, ingressou com Ação Direta de

Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, que emitiu sua decisão

em 2008.

A maior polêmica gerada com a Lei de Biossegurança diz respeito ao

conteúdo do art. 5º, que assim disciplina:

Art. 5° - É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1º - Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2º - Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

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§ 3º - É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Assim, com a aprovação da Lei de Biossegurança, no Brasil fica permitido o

uso, para pesquisa e terapia, de células-tronco obtidas de embriões humanos de

até cinco dias que sejam sobras do processo de fertilização in vitro, desde que

inviáveis para implantação e congelados há pelo menos três anos.

A lei por sua vez proíbe a realização de Engenharia Genética em óvulo,

espermatozóides e embriões humanos, sendo a engenharia genética entendida

como atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN

recombinante. Pela norma é defeso, também, o uso de técnicas e clonagem para

produção de embriões humanos, seja para a obtenção de células-tronco,

conhecida como clonagem terapêutica, seja para produção de novo ser humano,

clonagem reprodutiva.

Por embrião inviável entende-se, conforme normas específicas do Ministério

da Saúde (Decreto n. 5591/2005, art. 3, XIII), como aquele que teve seu

desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período

superior a vinte e quatro horas, a partir da fertilização in vitro, ou alterações

morfológicas que comprometam o seu pleno desenvolvimento.

A edição da Lei de Biossegurança recebeu severas críticas de alguns

segmentos deste país, como a Igreja Católica, mas também recebeu aplausos de

cientistas.

Neste sentido, o padre Coelho (2007) ensina que para a Igreja a utilização

de embriões humanos para pesquisas científicas e que promove a destruição

destes embriões apresenta os mesmos problemas éticos do aborto. Prossegue o

padre referindo que a lei fere a vida e que a Igreja tem a compreensão da

dignidade da vida humana em todos os estágios de seu desenvolvimento, desde os

momentos iniciais no ventre materno até os momentos finais da vida terrena.

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Diferentemente da condenação da Igreja Católica, forte expressão de

pressão da nossa sociedade, em que pese o Estado laico vigente, a comunidade

científica vibrou com a promulgação da lei.

Uma das grandes defensoras das pesquisas envolvendo células-tronco

embrionárias foi Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma

Humano da Universidade de São Paulo (USP), que em matéria publicada em

5/11/2007, no jornal O Estado de São Paulo, dá a seguinte declaração:

Há uma diferença muito grande entre uma célula viva e um ser humano. Cada célula do corpo está viva. Um coração a ser transplantado está vivo, mas isso não quer dizer que seja um ser humano. A possibilidade de um embrião gerar células não quer dizer que vá gerar um ser humano (Zatz, 2007).

Para fins de estudo deste trabalho, alguns desmembramentos do art. 5º são

necessários.

4.3.1 Células-tronco

Em razão dos objetivos deste estudo será apresentado conceitos

simplificados do que são células-tronco e células-tronco embrionárias.

A geneticista Pereira (2008) ensina que as células-tronco são aquelas que

podem ser definidas como células com: (i) grande capacidade de proliferação e

auto-renovação; (ii) capacidade de responder a estímulos externos e dar origem a

diferentes linhagens celulares mais especializadas. Assim, teoricamente, estas

células poderiam ser multiplicadas no laboratório e induzidas a formar tipos

celulares específicos.

A pesquisadora e geneticista Zatz (2007, texto digitalizado) apresenta uma

explicação detalhada do que são células-tronco embrionárias:

Voltemos agora à nossa primeira célula, resultante da fecundação do óvulo pelo espermatozóide. Ela logo começa a se dividir: em duas; essas duas em quatro; as quatro em oito e assim por diante. Pelo menos até a fase de oito células, cada uma delas é capaz de se desenvolver em um ser humano completo. São chamadas, por isso, de totipotentes. Passadas 72 horas desde a fecundação, o embrião – agora já com cerca de 100 células, é chamado de blastocisto. Nessa fase as células do embrião se

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diferenciam em dois grupos: um grupo de células externas, que originam as estruturas extraembrionárias associadas com a implantação do embrião e com a formação da placenta, e uma massa de células interna, que vai formar o embrião propriamente dito. É nessa fase que ocorre a implantação do embrião na cavidade uterina. As células internas do blastocisto vão originar as centenas de tecidos diferentes que compõem o corpo humano. São chamadas de células-tronco embrionárias pluripotentes. A partir de um determinado momento, essas células somáticas, que ainda são todas iguais, começam a se diferenciar nos vários tecidos: sangue, fígado, músculos, cérebro, ossos etc... Os genes que controlam esta diferenciação e o processo pelo qual isto ocorre são um mistério. O que sabemos é que, uma vez diferenciadas, as células somáticas perdem a capacidade de originar qualquer tecido. As células descendentes de uma célula diferenciada vão manter as mesmas características daquela que as originou, isto é, células de fígado vão originar células de fígado, células musculares vão originar células musculares. Apesar de o DNA ser igual em todas as células do nosso corpo, os genes contidos nele se expressam de maneiras diferentes a depender do tecido ao qual a célula pertence. Quer dizer: o DNA e os genes são idênticos, mas a expressão gênica é específica para cada tecido. Com exceção dos genes responsáveis pela manutenção do metabolismo celular (“housekeeping genes”) que se mantém ativos em todas as células do organismo, só funcionam nas células de cada tecido ou órgão aqueles genes importantes para a manutenção daquele tecido ou do órgão. Os outros se mantêm “silenciados” ou inativos (ZATZ, 2007, texto digitalizado).

A cientista ressalta que há diferença entre células-tronco de um adulto e

células-tronco embrionárias, em razão de que somente as células-tronco

embrionárias são capazes de produzir todos os 216 tecidos do corpo humano,

enquanto que as células-tronco encontradas em um adulto ou criança, além de ser

em pequena quantidade, não se sabe ainda, em que tecidos essas células-tronco

são capazes de se diferenciar.

Com relação as células-tronco retiradas do cordão umbilical, também é fonte

de pesquisa, mas depara-se com o problema da compatibilidade entre as células-

tronco do cordão doador e do receptor, gerando a necessidade de criação de

bancos de cordão públicos, à semelhança dos bancos de sangue.

A pesquisadora refere que pesquisas recentes mostraram que células-tronco

retiradas da medula óssea de indivíduos com problemas cardíacos foram capazes

de ajudar a reconstituir o músculo do seu coração. Essa técnica que é chamada de

auto-transplante não serve para portadores de doenças genéticas, que são

beneficiados com as células-tronco embrionárias.

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A cientista Pereira (2008) explica que ao longo dos anos, em razão do

processo natural de envelhecimento ou de alguma doença, os diversos órgãos e

tecidos do corpo humano perdem progressivamente a capacidade de

funcionamento e a sua reposição é feita através da doação de órgãos. Entretanto,

há uma grande demanda e os programas de transplantes de órgãos atendem a

uma fração muito pequena de pacientes, além de terem um alto custo. Dentro

deste contexto que envolve os transplantes, as células-tronco apresentam-se como

uma fonte potencialmente ilimitada de tecidos para transplante. Com relação ao art.

5º da Lei de Biossegurança a cientista desabafa:

Apesar da proibição ampla da clonagem humana tornar ilegal a clonagem terapêutica, a aprovação do uso de embriões congelados para pesquisa permite o desenvolvimento de novas linhagens de células-tronco embrionárias humanas no Brasil, o que será fundamental para a consolidação dessa área de pesquisa no país. Em conclusão, o uso terapêutico das células-tronco embrionárias ainda está longe de se tornar uma realidade, tanto no Brasil quanto no mundo todo. Porém, para que exista alguma chance disso um dia acontecer, precisamos pesquisar – e foi este direito que adquirimos no Brasil, permitindo que tenhamos autonomia no desenvolvimento de terapias com estas células (PEREIRA, 2008).

Em prosseguimento, Kipper, Marques e Feijó (2006) argumentam que a

pesquisa e a tecnologia na área da saúde buscam, desde a sua origem, alívio para

o sofrimento humano causado pelas doenças, sendo que no último século grandes

avanços foram obtidos, sendo um deles a possibilidade de produção de órgãos

humanos para uso terapêutico a partir de células-tronco. Estas células são

indiferenciadas, capazes de se diferenciar em tipos celulares especializados que

poderiam ser utilizados para repopular um órgão danificado, restaurando a sua

função, ou ainda para gerar órgãos artificiais. Os autores afirmam que as células-

tronco embrionárias obtidas através da fertilização in vitro, podem ser induzidas em

laboratório a se diferenciar em tecidos específicos.

4.3.2 Fertilização in vitro

A medicina evoluiu ao longo dos anos e com isso também os tratamentos

oferecidos. No ano de 1978, nasceu, em Londres, Louise Brown, o primeiro bebê

de proveta. No Brasil, a primeira criança assim gerada foi Anna Paula Caldera, que

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nasceu no ano de 1984. O bebê de proveta é concebido através da fertilização in

vitro, que é a união do espermatozóide do homem com o óvulo da mulher em

laboratório, formando o embrião. (Bebê de proveta, 2003, texto digitalizado).

A pioneira fertilização in vitro de Louise Brown contribuiu não só para a

conquista da fertilidade como também para o avanço na pesquisa do embrião.

Entretanto esta evolução da medicina traz em contra-partida discussões éticas que

até então não existiam e fizeram parte de uma decisão histórica do STF.

O nascimento de Louise Brown em 1978, a primeira criança concebida após

fertilização in vitro e transferência de embrião, marcou o início de uma era de

extraordinário progresso no entendimento e tratamento dos problemas

relacionados à fertilidade humana.

A fertilização in vitro, muitas vezes denominada "Bebê de Proveta", deve-se

ao fato da fecundação do óvulo pelo espermatozóide ocorrer fora do corpo, em

laboratório, ou seja, in vitro. Os embriões resultantes da fertilização in vitro são

transferidos para o útero aproximadamente 72 horas após a captação de óvulos

(Fertilização in vitro, 2006, texto digitalizado).

Oliveira (2005) apud Barboza ensina que o embrião compreende o processo

que se desenrola da formação do zigoto até a nidação, sendo a manipulação do

embrião o pressuposto para realização da fertilização in vitro, que é a técnica que

reúne em uma proveta os gametas feminino e masculino, em meio artificial

adequado, propiciando a fecundação e formação do ovo, que iniciada a reprodução

celular será implantado no útero de uma mulher.

A autora segue explicando que na fertilização in vitro é necessário a

produção de vários embriões, pois a probabilidade de gravidez aumenta na

proporção do número de embriões transferidos para o útero materno. Assim, e

diante também do alto custo do procedimento da fertilização in vitro, adota-se o

procedimento de fertilização simultânea de vários óvulos, e conseqüentemente são

obtidos vários embriões. Defende:

A prática da fertilização in vitro gera um problema ético-jurídico em torno dos embriões “excedentes”[...]. O problema do destino dos embriões

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congelados, decorrentes da fertilização in vitro, merecia ser enfrentado diretamente pelo Poder Público brasileiro. Desse modo, observando que há um grande número de embriões congelados, em clínicas de reprodução humana assistida, é imperioso que lhes seja conferida uma destinação legalmente determinada[...] Portanto o art. 5º da Lei de Biossegurança, ao prever a utilização de embriões enviáveis[...] para fins de pesquisa e terapia, soluciona o grave problema dos embriões “excedentes”, conferindo destino cuja beneficência é indiscutível, ou seja, serão utilizados em pesquisas, que, em futuro próximo,melhorarão a qualidade de inúmeras vidas ou até mesmo a salvarão (OLIVEIRA, 2005, p. 27).

Deste modo, como destacou Oliveira, a existência de embriões excedentes,

ou seja, aqueles embriões produzidos, mas não implantados no útero de uma

mulher, era e é uma realidade que foi enfrentada pelo art. 5º da lei de

Biossegurança.

No Brasil, as manipulações genéticas foram regradas na Lei de

Biossegurança, Lei n° 11.105/2005, que reúne em um único instrumento legal,

alimentos transgênicos e pesquisa com célula tronco-embrionária. Importante

ressaltar, que a Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta diz respeito apenas

a alguns artigos da Lei de Biossegurança, mais precisamente o art. 5º da Lei, que

disciplina as pesquisas com células-tronco embrionárias.

Assim, o ser humano revela perplexidade com suas próprias conquistas

científicas, o que implica uma geração preocupada com a utilização dos

mecanismos científicos mais modernos como a utilização de células-tronco

embrionárias para fins de pesquisa.

Os que defendem a utilização da células-tronco embrionárias para uso

terapêutico alegam que uma legislação muito restritiva ergueria barreiras ao

avanço científico do País, e obrigaria pessoas com maiores recursos a procurarem

outros países para solucionar suas malesas. Para Marques (2005) é necessário a

construção de uma autoridade nacional em Reprodução Humana e Embriologia:

Esse caloroso processo tornou clara a eficácia e astúcia argumentativa baseada em apelos emotivos e políticos e não em evidências científicas, privilegiadora de possíveis benefícios, em detrimento de riscos reconhecidos de potencial cancerígeno e teratogênico de células embrionárias. Imiscuíram-se o direito laico de defesa da vida e o radicalismo confessional nesse embate público entre religião e ciência. Considero que esses embates estão dando relevo à necessidade de se iniciar um amplo debate no País para constituir uma autoridade nacional em Reprodução Humana Embrionária. (MARQUES, 2005, p. 224/225).

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Observa-se, portanto, que há na sociedade um certo receio com as

pesquisas realizadas, doutrinadores como Marília Marques defendem a criação de

um órgão para supervisionar tais pesquisas. Esta também foi a opinião de alguns

ministros do STF quando do julgamento da ADI 3510.

4.4 Decisão do Supremo Tribunal Federal com relação a ADI – 3.510-0

Como todo novo direito, o art. 5º da Lei de Biossegurança, que permitiu,

para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco obtidas de embriões

humanos, produzidos através de fertilização in vitro, desde que fossem embriões

inviáveis ou congelados há pelo menos três anos e com o consentimento dos

genitores, causou polêmica e foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade

interposta perante o STF.

Primeiramente, cumpre referir o que é a Ação Direta de

Inconstitucionalidade:

Compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originalmente, ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. O autor da ação pede ao STF que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual em tese (não existe caso concreto a ser solucionado). Visa-se, pois, obter a invalidação da lei, a fim de garantir-se a segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais (MORAES, 2005, p. 721).

Valendo-se deste direito e diante da posição ocupada na época da

interposição da ação, Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles

descontente com a redação do art. 5º da Lei n° 11.105/2005, ingressou com Ação

Direta de Inconstitucionalidade.

Cláudio Fonteles postulou a declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º

e § § da Lei 11.105/2005, argumentando que este artigo e seus incisos: “por certo

inobserva a inviolabilidade do direito à vida, porque o embrião humano é vida

humana, e faz ruir fundamento maior do Estado democrático de direito, que radica

na preservação da dignidade da pessoa humana” (Fonteles, 2005, p. 11, petição

inicial da ADI 3510).

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O autor da ação, na petição inicial, argumenta que o art. 5º, da Lei de

Biossegurança fere textos constitucionais, referindo a disposição do art. 1º, III e art.

5º, da Constituição Federal, que prevêem, respectivamente, o fundamento da

dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade do direito à vida.

A fundamentação da petição inicial da ADI 3510 reside na afirmação de que

a vida humana acontece na, e a partir da, fecundação. Portanto, o embrião

humano, mesmo que congelado, seria uma vida em potencial e não poderia ser

utilizado para fins de pesquisa.

Como forma de argumentação e para persuadir os ministros do STF, o autor

da ação direta de inconstitucionalidade, Claudio Fonteles, em sua petição inicial

embasou a tese defendida em citações de diversos médicos, professores e

cientistas que defendem que a fecundação marca o desenvolvimento da vida

humana, portanto um individuo biologicamente único.

Fonteles também indicou que as pesquisas com células-tronco adultas são

mais promissoras para as pesquisas científicas do que com células-tronco

embrionárias, citando trabalhos e estudos de professores. Ressaltou que em

países como a Alemanha há proteção específica para os embriões. E destacou,

ainda, que há necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana.

Assim, em resumo, os argumentos tecidos pelo então Procurador Geral da

República para ingresso da ação direta de inconstitucionalidade foram: 1) que a

vida humana acontece na, e a partir da, fecundação; 2) a partir da fecundação

porque a vida humana é contínuo desenvolver-se; 3) contínuo desenvolver-se

porque o zigoto, constituído por uma única célula, imediatamente produz proteínas

e enzimas humanas e é capacitado, ele próprio ser humano embrionário único e

irrepetível; 4) a pesquisa com células-tronco adultas é objetiva e certamente mais

promissora do que a pesquisa com células-tronco embrionárias, não havendo

registros de resultado com relação a estas.

A matéria discuta na ação era de tal relevância, importância e envolvia tanta

controvérsia e complicações que o Supremo Tribunal Federal, realizou a primeira

audiência pública da sua história. A audiência realizada no dia 20 de abril de 2007,

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foi determinada pelo ministro Carlos Ayres Britto, relator da Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) 3510.

O desembargador Carlos Ayres Britto decidiu pela realização da audiência

argumentando que:

A audiência pública, além de subsidiar os ministros deste STF, também possibilitará uma maior participação da sociedade civil no enfrentamento da controvérsia constitucional, o que certamente legitimará ainda mais a decisão a ser tomada pelo Plenário da Corte” (BRITTO, 2007, texto digitalizado).

Da mesma forma que o relator, a Ministra Ellen Gracie, na época do

julgamento Presidente do Supremo, ressaltou que o ato de julgar é um ato de

humildade e por isso o STF decidiu ouvir os especialistas: “o STF se abre para a

comunidade científica para se preparar para o julgamento” (Gracie, 2007, texto

digitalizado, notícias STF).

Para a realização da primeira audiência pública designada pelo STF, foram

convidados 17 especialistas, além daqueles arrolados pelo autor da ação, Cláudio

Fonteles, para esclarecimentos de aspectos sobre a matéria questionada na ação.

Entre os especialistas convidados estavam a geneticista Mayana Zatz, professora

da Universidade de São Paulo (USP), presidente da Associação Brasileira de

Distrofia Muscular, atuante no aconselhamento genético e estudante das células-

tronco; o médico Dráuzio Varella; a antropóloga Débora Diniz, diretora do Instituto

de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e professora da Universidade de

Brasília (UnB); além de outros médicos, farmacêuticos, pesquisadores,

antropólogos, biofísicos, advogados da área de direitos humanos, biólogos e

neurocientistas (lista no anexo).

Diversos foram os posicionamentos discutidos na audiência pública

realizada em 20 de abril de 2007 no plenário do STF, os especialistas arrolados

pelo autor da ação Cláudio Fonteles, ressaltaram que a vida inicia com a

fecundação; outros especialistas destacaram a importância das pesquisas com

embriões. A antropóloga Débora Diniz, da Universidade de Brasília, alertou que a

ADI 3510 parte de uma falsa premissa, de que a fecundação é o início da vida, e

considera que a resposta mais razoável para a pergunta quando tem início a vida‟,

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acena para uma “evidência de regressão infinita sobre a origem da vida” e que para

se dar uma resposta cientifica, seria necessária “uma demarcação entre ciência e

pseudociência” (Diniz, 2007, texto digitalizado).

Vale o destaque da informação prestada pela cientista Mayana Zatz na

audiência pública:

Pesquisar células-tronco embrionárias obtidas de embriões congelados não é aborto. É muito importante que isso fique bem claro. No aborto, temos uma vida no útero que só será interrompida por intervenção humana, enquanto que, no embrião congelado, não há vida se não houver intervenção humana. É preciso haver intervenção humana para a formação do embrião, porque aquele casal não conseguiu ter um embrião por fertilização natural e também para inserir no útero. E esses embriões nunca serão inseridos no útero. É muito importante que se entenda a diferença (ZATZ, 2007, texto digitalizado).

Com posição contrária, a professora Lenise Aparecida Martins Garcia, do

Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília, na audiência pública

defendeu:

Nosso grupo traz o embasamento científico para afirmarmos que a vida humana começa na fecundação, tal como está colocado na solicitação da Procuradoria. [...] Já estão definidas, aí, as características genéticas desse indivíduo; já está definido se é homem ou mulher nesse primeiro momento [...] Tudo já está definido neste primeiro momento da fecundação. Já estão definidas eventuais doenças genéticas [...]. Também já estarão aí as tendências herdadas: o dom para a música, pintura, poesia. Tudo já está ali na primeira célula formada. O zigoto de Mozart já tinha dom para a música e Drummond, para a poesia. Tudo já está lá. É um ser humano irrepetível (GARCIA, 2007, texto digitalizado).

A matéria era e ainda é controvertida dentro do próprio meio científico, isso

implica em reconhecer a dificuldade enfrentada pelos Ministros do Supremo

quando do julgamento da ADI.

Apenas como informação, o Presidente da República defende a

constitucionalidade do texto do art. 5, da lei de biossegurança, acatando a peça de

autoria do Advogado Geral da União, Álvaro Augusto Ribeiro Costa que concluiu:

“com fulcro no direito à saúde e no direito de livre expressão da atividade científica,

a permissão para utilização de material embrionário, em vias de descarte, para fins

de pesquisa e terapia, consubstancia-se em valores amparados

constitucionalmente” (COSTA, 2006, fl. 03, voto do Ministro Carlos Britto).

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Como no relato da jornalista França (2006) na abertura desde capítulo, o dia

05 de março de 2008 e os dias 28 e 29 de maio, da mesma forma que o Congresso

quando da votação da Lei de Biossegurança, o plenário do STF foi tomado por

pesquisadores, religiosos e, principalmente, deficientes físicos e portadores de

doenças degenerativas em cadeiras de rodas ansiosos pela decisão sobre a

(in)constitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança.

No dia 05 de março de 2008 iniciou no plenário do STF o julgamento da ADI

3510. Neste dia, o relator da ação, Ministro Ayres Britto pronunciou o seu voto pela

improcedência da ADI, com posterior suspensão da votação, diante do pedido de

vista dos autos do Ministro Menezes Direito, sendo retomada a discussão nos dias

28 e 29 de maio de 2008, com decisão final do Supremo pela improcedência da

Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Esta recente decisão do Supremo Tribunal Federal é apenas a primeira de

tantas outras decisões polêmicas que o nosso órgão máximo terá de enfrentar.

Tanto é verdade, que após a realização da primeira audiência pública envolvendo a

decisão das pesquisas com células-tronco embrionárias, realizada no ano de 2007,

o STF realizou outras duas audiências públicas: uma neste ano, 2009, sobre a

Saúde Pública e o Sistema Único de Saúde – SUS; e outra, realizada no ano de

2008, para discutir a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos.

A polêmica envolvendo a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, deve

ser julgada nos próximos meses e será um debate tão profundo quanto o

julgamento discutido no presente trabalho, com matéria bastante semelhante. O

que se pode observar com os votos no julgamento da ADI 3510, é que nenhum

ministro quis definir de forma clara quando inicia a vida, até porque isso envolveria

questões filosóficas e não só jurídicas e poderia influenciar e até atrapalhar futuros

julgamentos, como no caso da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos.

A decisão foi tomada pelo colegiado, onze ministros votaram, sendo que seis

pela improcedência da ação, defendendo que o art. 5º da Lei de Biossegurança

não merece nenhum reparo. Cinco ministros, entretanto, permitiram as

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pesquisas com células-tronco embrionárias, mas impuseram restrições a

estas pesquisas além daquelas já previstas na lei.

A decisão do Supremo teve repercussão nacional, sendo vinculada em todos

os meios de notícias. Neste passo, inteligente foi o título da matéria vinculada na

Revista Veja (2008, ed. 2063) de autoria de Alcântra, publicada logo após a

decisão do STF: Nem ciência, nem religião. No julgamento sobre o uso de células-

tronco de embriões humanos nos laboratórios, o Supremo se ateve ao direito e fez

história. Sem dúvida era o que todos esperávamos do órgão máximo do nosso

país, visto que o mesmo está vinculado ao direito e com base neste deve decidir as

questões que lhe são impostas.

Com a decisão do STF o Brasil entra para o rol de países desenvolvidos que

permitem a utilização de embriões para fins de pesquisas, tais como EUA,

Alemanha, Espanha, França, China e Reino Unido. A Itália é um dos países que

proíbe qualquer experimento com embrião humano. Como se pode observar as

pesquisas são legais em boa parte do mundo, entretanto, assim como no Brasil,

cada país tem sua legislação específica e as condições variam de cultura para

cultura.

Portanto, a decisão do STF permitiu as pesquisas, mas não pôs fim à

discussão, tendo em vista que a Igreja Católica através da CNBB informou que

continuará a considerar gravemente imoral a ofensa aos direitos fundamentais da

pessoa humana, o que inclui os embriões. A cientista ZATZ, comemorou a decisão

do STF, entretanto, ressaltou que a constitucionalidade do art. 5º da Lei de

Biossegurança permitirá a realização de pesquisas e experimentos que visam a

cura e melhora de muitas doença, entretanto a ciência é uma incógnita, e os

resultados poderão demorar meses, anos ou nunca serem vistos.

4.4.1 Voto do Ministro Carlos Ayres Britto (relator)

O Relator da ADI 3510, ministro Carlos Ayres Britto votou pela total

improcedência da ação. Fundamentou seu voto em dispositivos da Constituição

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Federal que garantem o direito à vida, à saúde, ao planejamento familiar e à

pesquisa científica. Destacou, também, o espírito de sociedade fraternal

preconizado pela Constituição Federal, ao defender a utilização de células-tronco

embrionárias na pesquisa para curar doenças.

Defendeu que as pesquisas com células-tronco adultas não invalidam ou

impedem a utilização de células-tronco embrionárias, vindo a somar em prol do

mesmo objetivo que é o enfrentamento e a cura de patologias e traumatismos que

severamente limitam e degradam a vida de um expressivo contingente

populacional, contingente que somam cerca de cinco milhões de brasileiros.

O ministro qualificou a Lei de Biossegurança como um “perfeito” e “bem

concatenado bloco normativo”. Sustentou a tese de que, para existir vida humana,

é preciso que o embrião tenha sido implantado no útero humano, com a

participação ativa da futura mãe. No seu entender, o zigoto (embrião em estágio

inicial) é a primeira fase do embrião humano, a célula-ovo ou célula-mãe, mas

representa uma realidade distinta da pessoa natural, porque ainda não tem cérebro

formado.

Para o ministro tanto as normas infraconstitucionais, leia-se Código Civil,

quanto a Constituição Federal, contemplam e abrangem tão-somente pessoas

físicas ou naturais que sobrevivem ao parto feminino, resguardando um ganho de

personalidade perante o Direito quando há vida pós-parto. E destaca:

Com o que se tem a seguinte e ainda provisória definição jurídica: vida humana já revestida do atributo da personalidade civil é o fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte[...] É que a nossa Magna Carta não diz quando começa a vida humana. Não dispõe sobre nenhuma das formas de vida humana pré-natal. Quando fala da dignidade da pessoa humana é da pessoa humana naquele sentido ao mesmo tempo notorial, bibliográfico, moral e espiritual [... ]. E quando se reporta a “direitos da pessoa humana” e até direitos e garantias individuais como cláusula pétra, está falando de direitos do indivíduo-pessoa. Gente. Alguém, mas sempre um ser humano já nascido e que se faz destinatário dos direitos fundamentais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (BRITTO, 2008, texto digitalizado).

Na seqüência o Ministro observa que a Constituição faz expresso uso do

adjetivo “residentes” no país e não utilza a expressão em útero materno ou tubo de

ensaio ou “placa de Petri”.

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Britto em seu voto registrou que a Constituição Federal não trata sobre o

início da vida e que a questão não reside em determinar o início da vida humana,

mas em saber que aspectos ou momentos dessa vida estão validamente

protegidos pelo Direito infraconstitucional e em que medida. Neste passo, ressalta

a proteção ao feto, com destaque ao crime de aborto, mas não ao embrião humano

produzido através de fertilização in vitro, da forma como está estabelecida na Lei

de Biossegurança.

Com relação a necessidade de pleno aproveitamento, pelo casal, de todos

os embriões produzidos, é afastada diante do planejamento familiar e da

paternidade responsável.

Referiu, por fim, que a escolha feita pela Lei de Biossegurança não significou

um desprezo ou desapreço pelo embrião in vitro e muito menos um frio assassinato

e destacou:

Se à lei ordinária é permitido fazer coincidir a morte encefálica com a cessação da vida de uma dada pessoa humana, se já está assim positivamente regrado que a morte encefálica é o preciso ponto terminal da personalizada existência humana, a justificar a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo ainda fisicamente pulsante para fins de transplante, pesquisa e tratamento, se, enfim, o embrião humano a que se reporta o art. 5° da Lei de Biossegurança constitui-se num ente absolutamente incapaz de qualquer resquício de vida encefálica, então a afirmação de incompatibilidade deste último diploma legal com a Constituição é de ser plena e prontamente rechaçada. É afirmativa inteiramente órfã de suporte jurídico-positivo (BRITTO, 2008, texto digitalizado).

O ministro se reportou, também, a diversos artigos da Constituição que

tratam do direito à saúde (artigos 196 a 200) e à obrigatoriedade do Estado de

garanti-la, para defender a utilização de células-tronco embrionárias para o

tratamento de doenças.

4.4.2 Voto da Ministra Ellen Gracie

A ministra acompanhou integralmente o voto do relator, afirmando que não

há constatação de vício de inconstitucionalidade na Lei de Biossegurança. Refutou

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a necessidade da Suprema Corte de estabelecer conceitos como a definição

constitucional do momento inicial da vida humana.

Gracie destacou que a fertilização in vitro, como técnica de reprodução

humana assistida, tem ajudado milhares de casais com dificuldade ou completa

impossibilidade de conceber filhos, porém dito procedimento acaba gerando

embriões excedentes.

Para a ministra o art. 5° da Lei de Biossegurança veio para preencher uma

lacuna legislativa do país e, neste passo, impôs diversas restrições, não permitindo

a pesquisa com células-tronco embrionárias dentro de um universo de embriões

humanos. Destacou:

Assim, por verificar um significativo grau de razoabilidade e cautela no tratamento normativo dado à matéria aqui exaustivamente debatida, não vejo qualquer ofensa à dignidade humana na utilização de pré-embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos nas pesquisas com células-tronco, que não teriam outro destino que não o descarte (GRACIE, 2008, texto digitalizado).

Referiu que a improbabilidade da utilização dos pré-embriões na geração de

novos seres humanos afasta a alegação de violação ao direito à vida: “Nem se lhe

pode opor a garantia da dignidade da pessoa humana, nem a garantia da

inviolabilidade da vida, pois, segundo acredito, o pré-embrião não acolhido no seu

ninho natural de desenvolvimento, o útero, não se classifica como pessoa”.

A ministra, que na época do julgamento era a Presidente do STF, assinalou,

ainda, que a ordem jurídica nacional atribui a qualificação de pessoa ao nascido

com vida. “Por outro lado, o pré-embrião também não se enquadra na condição de

nascituro, pois a este, a própria denominação o esclarece bem, se pressupõe a

possibilidade, a probabilidade de vir a nascer, o que não acontece com esses

embriões inviáveis ou destinados ao descarte”.

4.4.3 Voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

O Ministro Menezes Direito entendeu que a melhor solução para o deslinde

da ação era a parcial procedência, com isso o Ministro afirmou que as pesquisas

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com as células-tronco podem ser mantidas, mas sem prejuízo para os embriões

humanos viáveis, ou seja, sem que sejam destruídos.

Direito disse que o julgamento da ação não se trata de uma solução

científica ou uma declaração de princípios de natureza religiosa, mas o a decisão

deve ser encarada sob o ângulo jurídico, o que não afasta a interdisciplinaridade do

assunto.

O ministro embasou seu voto em argumentos filosóficos e científicos. Referiu

que, até agora, embora aparentem perspectivas promissoras para a cura de

doenças, pela sua flexibilidade na reprodução celular, as pesquisas com células-

tronco embrionárias ainda não apresentam resultados concretos, enquanto as

pesquisas com células-tronco adultas já se mostraram capazes de atuar

positivamente na cura de algumas doenças.

Como base de seu voto, o Ministro Direito comparou o regramento da

matéria dos embriões humanos em outros países, e afirmou que nas demais

legislações há um controle amplo por parte das autoridades responsáveis.

Segundo Direito existe vida humana nas três fases: embrião, feto e pessoa

humana, e não é possível isolar as etapas, considerando uma mais importante que

a outra e acrescentou: “A vida humana é autônoma, independente de impulsos

externos. O embrião é, desde a fecundação, desde a união do núcleo do óvulo, um

indivíduo humano, que será criança, adulto e velho, um indivíduo” (DIREITO, 2008,

texto digitalizado).

Menezes Direito propôs, ainda, mais restrições ao uso das células

embrionárias, como maior rigor na fiscalização dos procedimentos de fertilização in

vitro, para os embriões congelados há três anos ou mais, no trato dos embriões

considerados "inviáveis", na autorização expressa dos genitores dos embriões e na

proibição de destruição dos embriões utilizados, exceto os inviáveis.

Para o ministro Menezes Direito a biologia deve estar subordinada a valores

éticos e “as células-tronco embrionárias são vida humana e qualquer destinação

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delas à finalidade diversa que a reprodução humana viola o direito à vida”

(DIREITO, 2008, texto digitalizado).

4.4.4 Voto da Ministra Cármen Lúcia

A ministra acompanhou integralmente o voto do relator. Ressaltou, da

mesma forma, que a decisão do Supremo serviria para afirmar os princípios

constitucionais e a sua aplicação no caso concreto, mas não afirmar,

necessariamente, e juridicamente o momento de início da vida para fins de garantia

de direitos ao embrião ou ao feto.

Em seu voto, destaca que tanto o princípio da dignidade da pessoa humana

quanto a inviolabilidade do direito à vida, deverão ser interpretados e aplicados de

forma ponderada em perfeita sincronia e dinâmica do sistema constitucional, não

fosse assim não poderia ser permitido o aborto nos casos de estupro e para

garantir a sobrevivência da gestante (art. 128, I e II do Código Penal).

Citando o art. 225, §1°, II, da Constituição Federal, a Ministra afirma a

importância das pesquisas e dos tratamentos de pautarem-se pelo princípio da

necessidade, segundo o qual deve haver comprovação de que o experimento

científico será necessário para o conhecimento, a saúde e a qualidade de vidas

humanas; da integridade do patrimônio genético, proibindo-se a manipulação com

o intuito de mudanças na composição do material genético; da avaliação prévia dos

potenciais e benefícios a serem alcançados; e o princípio do conhecimento

informado, como a manifestação livre e espontânea da vontade.

Com relação ao princípio da dignidade da pessoa humana, Lúcia destaca

que a Constituição da República brasileira deixa em aberto a questão do momento

em que se titularizam os direitos fundamentais, mas mesmo que não se reconheça

personalidade antes do nascimento, o certo é que a humanidade admite a

importância e os cuidados do embrião e do feto. E anota:

A utilização de células-tronco embrionárias para pesquisas e, após o seu resultado consolidado, o seu aproveitamento em tratamentos voltados à recuperação da saúde não agridem a dignidade humana,

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constitucionalmente assegurada. Antes, valoriza-a. Se a célula-tronco embrionária, nas condições previstas nas normas agora analisadas, não vierem a ser implantadas no útero de uma mulher, serão elas descartadas[...]. Estaríamos não apenas criando um lixo genético, como, o que é igualmente gravíssimo, estaríamos negando àqueles embriões a possibilidade de se lhes garantir, hoje, pela pesquisa, o aproveitamento para a dignidade da vida[...] Essa a natureza da pesquisa científica com células-tronco embrionárias, que não afronta, mas busca, diversamente, ampliar as possibilidades de dignificação de todas as vidas (LÙCIA, 2008, texto digitalizado).

Em seguida a Ministra observa que as células-tronco embrionárias não

aproveitadas no procedimento de implantação, poderão ter o destino da

indignidade, que é a sua remessa ao lixo, lixo de substância humana, já o seu

aproveitamento, guardado o respeito às condições afirmadas na legislação

enfocada, permite a dignificação da célula-tronco embrionária que será

transformada em matéria dada à vida.

Ela citou que estudos científicos indicam que as pesquisas com células-

tronco embrionárias, que podem gerar qualquer tecido humano, não podem ser

substituídas por outras linhas de pesquisas, como as realizadas com células-tronco

adultas e que o descarte dessas células não implantadas no útero somente gera

"lixo genético".

Afirmou, por fim, que se a pesquisa pode e quando chegará os resultados

almejados talvez dependa de um longo caminhar, mas não se há é deixar de lhe

garantir o andar, porque cada passo dado pode ser em direção à melhoria e à

dignificação da espécie humana. A ministra reconheceu que “a pesquisa com

células-tronco embrionárias não é a certeza de resultados terapêuticos

promissores, mas a não pesquisa é a certeza da ausência de resultados, pois sem

a tentativa não há a conquista no campo científico” (LUCIA, 2008, texto

digitalizado).

4.4.5 Voto do Ministro Ricardo Lewandowski

O ministro Ricardo Lewandowski, julgou a ação parcialmente procedente,

votando de forma favorável às pesquisas com as células-tronco, no entanto,

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restringiu a realização das pesquisas a diversas condicionantes, conferindo aos

dispositivos questionados na lei interpretação conforme a Constituição Federal.

Lewandowski informou que, no Brasil, a única norma que regula as técnicas

de reprodução assistida in vitro é a Resolução 1.358/92, do Conselho Federal de

Medicina (CFM), a qual busca compatibilizar o uso das técnicas com os princípios

da ética médica. Dita norma estabelece limites para a manipulação dos embriões,

como por exemplo, a fixação do prazo máximo de 14 dias para a extração das

células-tronco: “É que no início da terceira semana inicia-se o processo de

gastrulação, no qual se dá formação do sistema nervoso, do coração, da placenta,

do cordão umbilical e do celoma intra-embrionário, ou seja, as cavidades

corpóreas”, explicou Lewandowski.

O ministro afirmou que à luz da legislação comparada, em especial da

Resolução do Conselho Federal de Medicina sobre a reprodução assistida, que o

artigo 5º, caput da Lei de Biossegurança precisa ser harmonizado com a dignidade

da pessoa humana e com o direito a vida:

Enquanto tiverem potencial de vida ou, por outra, enquanto for possível implantá-los no útero da mãe de que provieram os oócitos fertilizados ou no ventre de mulheres inférteis para as quais possam ser doados, a destruição de embriões congelados, a meu sentir, afigura-se contrária aos valores fundantes da ordem constitucional[...]. Quem deu azo à produção de embriões excedentes, assepticamente denominados de „extranumerários‟, há de arcar com o ônus não só moral e jurídico, mas também econômico, quando for o caso, de preservá-los, até que se revelem inviáveis para a implantação in anima nobile (LEWANDOWSKI, 2008, texto digitalizado).

Defendeu a necessidade do consentimento livre e informado através da

informação precisa e leal aos doadores do material genético, inclusive a

possibilidade de sua doação à casais inférteis.

Assim, o ministro, Ricardo Lewandowski, entendeu pela parcial procedência

da ação, permitindo as pesquisas com células-tronco embrionárias, mediante as

seguintes condições:

1) Artigo 5º, caput – as pesquisas com células-tronco embrionárias somente poderão recair sobre embriões humanos inviáveis ou congelados logo após o início do processo de clivagem celular sobejantes de fertilizações in vitro realizadas com o fim único de produzir o número de

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zigotos estritamente necessário para a reprodução assistida de mulheres inférteis; 2) Inciso I, do artigo 5º - o conceito de inviável compreende apenas os embriões que tiverem o seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a 24h, contados da fertilização dos oócitos; 3) Inciso II, do artigo 5º - as pesquisas com embriões viáveis congelados a mais de três anos são admitidas desde que não sejam destruídos, nem tenham seu potencial de desenvolvimento comprometido; 4) Parágrafo 1º, do artigo 5º - a realização de pesquisas com células tronco embrionárias, exige o consentimento “livre e informado dos genitores, formalmente exteriorizado”; 5) Parágrafo 2º, do artigo 5º - os projetos de experimentação com embriões humanos, além de aprovados pelos comitês de éticas das instituições de pesquisa e serviços de saúde por eles responsáveis, devem ser submetidos a prévia autorização e permanente fiscalização dos órgãos públicos mencionados na Lei 11.105, de 24 de março de 2005.

4.4.6 Voto do Ministro Eros Grau

Na linha dos ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski, o ministro

Eros Grau votou pela constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança,

com três ressalvas. Primeiro, que se crie um comitê central no Ministério da Saúde

para controlar as pesquisas. Segundo, que sejam fertilizados apenas quatro óvulos

por ciclo e, finalmente, que a obtenção de células-tronco embrionárias seja

realizada a partir de óvulos fecundados inviáveis, ou sem danificar os viáveis.

Para o ministro o debate instalado ao redor do art. 5° da Lei de

Biossegurança, não opõe ciência e religião, mas religião e religião já que todas as

academias de ciência são favoráveis as pesquisas.

Com relação ao princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida,

o ministro destaca:

Bastam as razões que acabo de alinhar para encaminhar a conclusão de que a utilização de células-tronco obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento afronta o direito a vida e a dignidade da pessoa humana. Não tenho a menor duvida: a pesquisa em e com embriões humanos e conseqüente destruição afronta o direito a vida e a dignidade da pessoa humana. Temo, contudo, que essas razoes não conduzam a convicção de que os textos normativos objeto da presente ação direta sejam inconstitucionais (EROS, 2008, texto digitalizado).

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Inobstante a declaração de que a utilização de células-tronco fere o direito à

vida e a dignidade da pessoa humana, o Ministro acrescenta:

No contexto do artigo 5° da Lei n. 11.105/05, embrião e óvulo fecundado fora de um útero. A partir desses óvulos fecundados --- fertilizados --- in vitro e que são obtidas as células-tronco embrionárias referidas no preceito leal. Para logo se vê, destarte, que ai, no texto legal, embrião não

corresponde a um ser em processo de desenvolvimento vital, em um útero. Embrião e ai , no texto legal, óvulo fecundado congelado, isto e, paralisado a margem de qualquer movimento que possa caracterizar um processo. Lembre-se de que vida e movimento. Nesses óvulos fecundados não há ainda vida humana.

Assim, o Ministro conclui que não há vida humana no óvulo fecundado fora

de um útero, que o art. 5° da Lei 11.105/05 chama de embrião, destaca que houve

a fecundação, mas o processo de desenvolvimento vital não foi desencadeado:

“por isso não tem sentido cogitarmos, em relação a esses „embriões‟ do texto do

artigo 5° da Lei n. 11.105/05, nem de vida humana a ser protegida, nem de

dignidade atribuível a alguma pessoa humana” (GRAU, 2008, texto digitalizado).

Contudo o Ministro entende que deve haver algumas limitações a pesquisas.

Assim, declara a constitucionalidade do disposto no artigo 5° e parágrafos da Lei

n°. 11.105/05, estabelecendo, no entanto, em termos aditivos, os seguintes

requisitos, a serem atendidos na aplicação dos preceitos:

1) pesquisa e terapia mencionadas no caput do artigo 5° serão empreendidas unicamente se previamente autorizadas 13 por comitê de ética e pesquisa do Ministério da Saúde [não apenas das próprias instituições de pesquisa e serviços de saúde, como disposto no § 2o do artigo 5°; 2) a “fertilização in vitro” referida no caput do artigo 5º corresponde a terapia da infertilidade humana adotada exclusivamente para fim de reprodução humana, em qualquer caso proibida a seleção genética, admitindo-se a fertilização de um numero máximo de quatro óvulos por ciclo e a transferência, para o útero da paciente, de um numero máximo de quatro óvulos fecundados por ciclo; a redução e o descarte de óvulos fecundados são vedados; 3) a obtenção de células-tronco a partir de óvulos fecundados --- ou embriões humanos produzidos por fertilização, na dicção do artigo 5°, caput --- será admitida somente quando dela não decorrer a sua destruição, salvo quando se trate de óvulos fecundados inviáveis, assim considerados exclusivamente aqueles cujo desenvolvimento tenha cessado por ausência não induzida de divisão após período superior a vinte e quatro horas; nessa hipótese poderá ser praticado qualquer método de extração de células-tronco.

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4.4.7 Voto do Ministro Joaquim Barbosa

Ao acompanhar integralmente o voto do relator pela improcedência da ação,

o ministro Joaquim Barbosa ressaltou que a permissão para a pesquisa com

células embrionárias prevista na Lei de Biossegurança não recai em

inconstitucionalidade.

Em seu voto o Ministro exemplificou que, em países como Espanha, Bélgica

e Suíça, as pesquisas com embriões humanos são permitidas com restrições

semelhantes às já previstas na lei brasileira, como a obrigatoriedade de que os

estudos atendam ao bem comum, que os embriões utilizados sejam inviáveis à

vida e provenientes de processos de fertilização in vitro e que haja um

consentimento expresso dos genitores para o uso dos embriões nas pesquisas.

Para o ministro a proibição das pesquisas com células embrionárias, nos

termos da lei, “significa fechar os olhos para o desenvolvimento científico e os

benefícios que dele podem advir” (BARBOSA, 2008, texto digitalizado).

4.4.8 Voto do Ministro Cezar Peluso

O ministro Cezar Peluso proferiu voto favorável às pesquisas com células-

tronco embrionárias. Para ele, essas pesquisas não ofendem o direito à vida,

porque os embriões congelados não equivalem a pessoas. Ele chamou atenção

para a importância de que essas pesquisas sejam rigorosamente fiscalizadas e

ressaltou a necessidade de o Congresso Nacional aprovar instrumentos legais para

tanto.

Com relação a vida dos embriões, referiu:

Se, por pressuposição, vida é processo, tem-se de concluir sem erro que, no caso das células-tronco embrionárias congeladas, o ciclo subjetivo de mudanças iniciado no momento da concepção foi suspenso ou interrompido, antes de lhes sobrevir a condição objetiva de inserção no útero, sem a qual não adquirem a capacidade de desenvolvimento singular autônomo que tipifica a existência de vida em cada uma. Ninguém tem

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dúvida de que, sem esse fato objetivo, futuro e incerto, da introdução do embrião em útero de mulher, o processo não retorna o curso geneticamente programado, e não chega ao estado em que pode atualizar-se a potência vital naquele contida (PELUSO, 2008, texto digitalizado).

Para o ministro os embriões humanos ditos excedentários não são sujeitos

de direito à vida, nem guardam sequer expectativas desse direito, se não

implantados em útero materno. Já com relação ao princípio da dignidade da

pessoa humana, Peluso entende que os embriões humanos ostentam dignidade

constitucional, embora em grau diverso daquele conferido à vida das pessoas

humanas.

Por fim, o ministro votou pela improcedência da ação, declarando a

constitucionalidade do art. 5° da Lei de Biossegurança, ressaltando, contudo que:

1) deve haver a fiscalização e controle das atividades de pesquisa pelo Ministério

da Saúde e Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2) dever dos membros do

comitê de revisar os protocolos de pesquisa; e 3) dever dos membros do comitê de

acompanhar o desenvolvimento dos projetos.

4.4.9 Voto do Ministro Marco Aurélio

O Ministro Marco Aurélio, considerou que o artigo 5º da Lei de

Biossegurança, “está em harmonia com a Constituição Federal, notadamente com

os artigos 1º e 5º e com o princípio da razoabilidade”. O artigo 1º estabelece, em

seu inciso III, o direito fundamental da dignidade da pessoa humana e o artigo 5º,

caput, prevê a inviolabilidade do direito à vida. Ele também advertiu para o risco de

o STF assumir o papel de legislador, ao propor restrições a uma lei que, segundo

ele, foi aprovada com apoio de 96% dos senadores e 85% dos deputados federais,

o que sinaliza a sua “razoabilidade”.

O ministro observou que não há, quanto ao início da vida, baliza que não

seja simplesmente opinativa, historiando conceitos, sempre discordantes, desde a

Antiguidade até os dias de hoje.

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Com relação ao início da vida observa que é possível adotar vários

enfoques, dentre eles: a) o da concepção; b) o da ligação do feto à parede do

útero; c) o da formação das características individuais do feto; d) o da percepção

pela mãe dos primeiros movimentos; e) o da viabilidade em termos de persistência

da gravidez; f) o do nascimento.

Para Aurélio o início da vida não pressupõe só a fecundação, mas a

viabilidade da gravidez, da gestação humana, e conclui:

No caso concreto, não está envolvida a denominada viabilidade. Em primeiro lugar, o artigo 5º da Lei nº 11.105/2005 versa sobre o uso de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, não cogitando de aproveitamento daqueles fecundados naturalmente no útero. Em segundo lugar, a lei contendo inúmeras cláusulas acauteladoras e até mesmo proibitivas, como é o caso da referente à clonagem, condiciona a pesquisa a embriões não utilizáveis no procedimento de inseminação. É bem explícita ao considerar apenas os inviáveis e os congelados há três anos, ao prever o consentimento dos fornecedores dos óvulos e dos espermatozóides e ao proibir a comercialização, versando diversos tipos penais. A viabilidade, ou não, diz diretamente com a capacidade de desenvolver-se a ponto de surgir um ser humano (AURÉLIO, 2008, texto digitalizado).

O ministro observou que “dizer que a Constituição protege a vida uterina já é

discutível, quando se considera o aborto terapêutico ou o aborto de filho gerado

com violência”. E concluiu que “a possibilidade jurídica depende do nascimento

com vida”.

Destacou que pela passagem do tempo sob o estado de congelados, ou

pela decisão dos que forneceram o material, os embriões jamais virão a se

desenvolver, jamais se transformarão em feto, jamais desaguarão no nascimento.

Sobre o direito à vida e dignidade da pessoa humana, afirmou:

Contrapõe-se à visão avessa à utilização dos embriões in vitro dado da maior importância considerado até mesmo predicado que transparece em desuso – a solidariedade. É fundamento da República a dignidade da pessoa humana. Ora, o que previsto no artigo 5º da Lei nº 11.105/2005 objetiva, acima de tudo, avançar no campo científico visando a preservar esse fundamento, a devolver às pessoas acometidas de enfermidade ou às vítimas de acidentes uma vida útil razoavelmente satisfatória [...]

No enfoque biológico, o início da vida pressupõe não só a fecundação do óvulo pelo espermatozóide como também a viabilidade antes referida, e essa inexiste sem a presença do que se entende por gravidez, ou seja, gestação humana (AURÉLIO, 2008, texto digitalizado).

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Por fim, disse que jogar no lixo embriões descartados para a reprodução

humana seria um gesto de egoísmo e uma grande cegueira, quando eles podem

ser usados para curar doenças.

4.4.10 Voto do Ministro Celso de Mello

O ministro julgou pela improcedência da ação, declarando que: “em quase

quarenta anos de carreira na área jurídica, nunca participei de um processo que se

revestisse da magnitude que assume o presente julgamento” (MELLO, 2008, texto

digitalizado).

Mello lembrou que vivemos em um Estado laico e que o Direito não se

submete à religião:

No Estado laico, como o é o Estado brasileiro, haverá sempre uma clara e precisa demarcação de domínios próprios de atuação e de incidência do poder civil, ou secular, e do poder religioso, ou espiritual, de tal modo que a escolha ou não de uma fé religiosa seja questão de ordem estritamente privada, vedada no ponto qualquer interferência estatal (MELLO, 2008, texto digitalizado).

O ministro destacou que as pesquisas com células embrionárias obtidas de

embriões congelados não é aborto. Explicou que no aborto há vida no útero que só

será interrompida por intervenção humana, enquanto que no embrião congelado

não há vida se não houver intervenção humana.

Por fim, elogiou o voto do relator da ação:

O luminoso voto proferido pelo eminente ministro Carlos Britto permitirá a esses milhões de brasileiros, que hoje sofrem e que hoje se acham postos à margem da vida, o exercício concreto de um direito básico e inalienável que é o direito à busca da felicidade e também o direito de viver com dignidade, direito de que ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado (MELLO, 2008, texto digitalizado).

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4.4.11 Voto do Ministro Gilmar Mendes

Para o ministro, o artigo 5º da Lei de Biossegurança é constitucional, mas

ele defendeu que a Corte deixasse expresso em sua decisão a ressalva da

necessidade de controle das pesquisas por um Comitê Central de Ética e Pesquisa

vinculado ao Ministério da Saúde.

Gilmar Mendes também disse que o Decreto 5.591/2005, que regulamenta a

Lei de Biossegurança, não supre essa lacuna, ao não criar de forma expressa as

atribuições de um legítimo comitê central de ética para controlar as pesquisas com

células de embriões humanos.

Ao iniciar seu voto Mendes destacou a importância do julgamento com uma

decisão que demonstrou o compromisso com a defesa dos direitos fundamentais

no Estado Democrático de Direito e ressaltou que com a decisão o Supremo

demonstrou que pode ser uma Casa do povo, tal qual o parlamento, um lugar onde

os diversos anseios sociais e o pluralismo político, ético e religioso encontram

guarida:

Delimitar o âmbito de proteção do direito fundamental à vida e à dignidade humana e decidir questões relacionadas ao aborto, à eutanásia e à utilização de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia são, de fato, tarefas que transcendem os limites do jurídico e envolvem argumentos de moral, política e religião que vêm sendo debatidos há séculos sem que se chegue a um consenso mínimo sobre uma resposta supostamente correta para todos (MENDES, 2008, texto digitalizado).

Seguindo a conclusão dos demais ministros, afirmou que a questão

específica do julgamento era a constitucionalidade da utilização de células-tronco

embrionárias para fins de pesquisa científica, e que para o julgamento não era

necessário adentrar em temáticas relacionadas aos marcos inicial e final da vida

humana para fins de proteção jurídica. Destacou que sobre esta matéria não existe

consenso entre a ciência, a religião e a filosofia, e não existem respostas

moralmente corretas e universalmente aceitáveis, e concluiu:

Assim, a questão não está em saber quando, como e de que forma a vida humana tem início ou fim, mas como o Estado deve atuar na proteção desse organismo pré-natal diante das novas tecnologias, cujos resultados o próprio homem não pode prever (MENDES, 2008, texto digitalizado).

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Para o ministro as novas tecnologias ensejaram uma mudança radical e o

homem tornou-se objeto da própria técnica, cabendo ao Estado atuar segundo o

princípio da responsabilidade. Defendeu que não cabe ao Estado criar obstáculos

aos avanços da medicina e da biotecnologia, já que toda a sociedade sai perdendo

diante de tentativas de barrar o progresso científico e tecnológico. Entretanto, a

utopia do progresso científico deve contrapor o princípio da responsabilidade como

uma exigência ética para o agir humano.

Segundo os parâmetros de proporcionalidade, Mendes afirmou que a

redação do art. 5° da Lei de Biossegurança foi cuidadosa na regulamentação, ao

permitir a pesquisa somente com a utilização de embriões inviáveis ou congelados

há pelo menos três anos. Entretanto, registrou que a legislação brasileira, por tratar

de matéria tão relevante, foi deficiente e fez um comparativo com a legislação de

outros países bem mais completas e rigorosas, como a Alemanha, Austrália,

França, Espanha e México, quando se trata de pesquisas com embriões humanos.

Neste ponto, o ministro defendeu a constitucionalidade do art. 5° da Lei de

Biossegurança, mas ressaltou a necessidade de criação de um Comitê Central de

Ética. Afirmou que a declaração de inconstitucionalidade causaria um indesejado

vácuo normativo, mais danoso à ordem jurídica e social do que a manutenção de

sua vigência.

Por fim, o Ministro referiu que em futuro próximo o Tribunal voltará a se

deparar com o problema no julgamento da ADPF n° 54, de Relatoria do Ministro

Marco Aurélio, que discute a constitucionalidade da criminalização dos abortos de

fetos anencéfalos.

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5 CONCLUSÃO

Das considerações tecidas no presente trabalho, é possível observar que há

uma evolução natural da humanidade, que acarreta uma evolução do Estado e dos

direitos fundamentais, que não nascem todos de uma vez. Assim esta evolução

deve ser acompanhada e refreada em casos de abusos.

As pesquisas científicas e o progresso tecnológico devem ser

acompanhados e até incentivados pelo Estado, cabendo ao Direito e a Bioética o

estudo de eventuais abusos.

A fertilização in vitro e o primeiro bebê de proveta nasceu ainda na década

de 70, portanto, a existência de embriões humanos vem de longa data. Era

necessário, entretanto, uma legislação específica que protegesse e disciplinasse as

condutas que envolviam ditos embriões.

Perpetuada tal realidade, se mostrava necessário uma legislação específica

para os embriões excedentes, aqueles produzidos por meio da fertilização in vitro,

mas que não apresentam condições biológicas para implementação da técnica da

reprodução assistida. A realidade e os próprios cientistas admitiam o descarte dos

mesmos.

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Por tais razões e diante da pressão da comunidade científica é que em 2005

editou-se a Lei de Biossegurança, que dentre outras matérias, regulamentou as

pesquisas científicas com células-tronco embrionárias.

Neste passo, o art. 5º da lei 11.105/2005 foi bastante cauteloso e rigoroso,

impondo uma série de especificações, como a utilização somente de embriões

inviáveis ou congelados há três anos ou mais, impondo o consentimento dos

genitores e vedando a comercialização e a clonagem, assim como determinando a

criação de comitês de ética e pesquisa.

Contudo, em que pese já existir comitês de ética, como o Conep – Conselho

Nacional de Ética em pesquisa, vinculado ao Ministério da Saúde, não há

especificações claras e objetivas com relação ao modo como se dará esse

controle. Não se sabe, da mesma forma, se os laboratórios de pesquisas irão

trabalhar de forma transparente, mas a desconfiança não pode impedir a realização

das pesquisas e o progresso científico.

Diante do novo cenário e da inconformidade traduzida na ADIN 3510, o

Supremo Tribunal Federal proferiu decisão negando a inconstitucionalidade do art.

5º da Lei de Biossegurança, o que configura e inclui o Brasil dentre aqueles países

que podem desenvolver o progresso científico e utilizar células-tronco embrionárias

nas pesquisas científicas, traduzindo esperança para a medicina regenerativa.

Lembra-se, outrossim, que a CF/88, consagra o princípio da dignidade da

pessoa humana e a inviolabilidade da vida, ou seja, das pessoas nascidas. O

Código Civil, por sua vez, protege o feto e o nascituro, não havia qualquer

disposição sobre o embrião congelado e não implantado. Coube ao poder

legislativo, em 2005, através da Lei 11.105, tutelar o embrião pré-implantado e

criminalizar sua utilização para qualquer fim que não seja o previsto no art. 5º.

Diante do exposto, considerando a temática desenvolvida no presente

trabalho, conclui-se que não é possível negar a proteção aos embriões, todavia,

descabe impedir o progresso científico e a forma como foi prevista a realização de

pesquisas científicas envolvendo células-tronco embrionárias congeladas não fere

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o direito à vida ou a dignidade da pessoa humana. Em realidade, exprime o direito

à saúde e ao progresso científico, conferindo esperança à medicina regenerativa.

Ressalta-se, por fim, que a decisão do Supremo Tribunal Federal não pôs

fim as discussões e surgem novas dúvidas dentre elas: como coibir os abusos das

pesquisas científicas; qual a melhor e mais eficaz forma de fiscalização das

pesquisas científicas envolvendo embriões humanos; como se dará a proteção ao

embrião; os casais estão preparados para o descarte dos embriões; como ficarão

os direitos sucessórios dos embriões doados à casais inférteis.

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REFERÊNCIAS

AURÉLIO, Marco. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510. Requerente: Procurador Geral da República - Claudio Fonteles. Requerido: Congresso Nacional. Relator: Min. Carlos Britto. Brasília, DF, 2008. Ainda não publicado oficialmente. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI3510MA.pdf Acesso em: 06 de junho de 2008.

BARBOSA, Joaquim. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510. Requerente: Procurador Geral da República - Claudio Fonteles. Requerido: Congresso Nacional. Relator: Min. Carlos Britto. Brasília, DF, 2008. Ainda não publicado oficialmente. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=89917&caixaBusca=N Acesso em: 06 de junho de 2008.

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