Aspectos Polêmicos da Duplicata Virtual

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Joclio Carvalho Dias de Oliveira Revista Jus Navigandi (www.jus.uol.com.br), em 01/12/2010

INTRODUO O Cdigo Civil de 2002 ao entrar em vigor trouxe grandes transformaes no ordenamento jurdico do pas. O novo diploma teve como propsito unificar o direito civil brasileiro, abrangendo alm da matria de natureza civil propriamente dita, matria de direito comercial. O novo Cdigo Civil agasalhou a Teoria Geral dos Ttulos de Crdito, admitindo, inclusive, a liberdade de criao e circulao de ttulos atpicos ou inominados surgidos pelas prticas comerciais, bem como cambiais desmaterializadas por caracteres criados em computador, dando, desta forma, previso legal Duplicata Virtual. A prtica bancria h muito tempo flexibilizou a exigncia da crtula nos descontos de duplicatas, trazendo nestas negociaes algumas implicaes para o direito cambial, pondo em declnio os princpios da cartularidade e da literalidade. A doutrina nacional tem travado acaloradas discusses acerca da Duplicata Virtual, embasando-se os que negam a sua viabilidade jurdica no fato de que a inexistncia do documento que materialize a dvida fere os princpios da cartularidade e da literalidade, conseqentemente, alegando que obstculos de ordem jurdica surgem na emisso, endosso, protesto, aval e executividade da cambial. Por outro lado, parte da jurisprudncia e da doutrina entende que a Duplicata Virtual, representada pelo boleto bancrio, reveste-se de plena juridicidade, sob o fundamento de que o aceite por presuno, o protesto por indicaes e a execuo da duplicata no assinada, institutos firmados no direito cambial brasileiro, permitem a desmaterializao do ttulo. A substituio paulatina do papel pelo meio eletrnico ou virtual nas relaes comerciais uma realidade incontestvel, cabendo aos operadores do direito explorar institutos novos que ainda no foram objetos de amplo estudo sob a tica cientfica. A presente monografia tem como tema, portanto, a duplicata virtual e o seu objetivo especfico perquirir a viabilidade jurdica da emisso, aceite, endosso, protesto e executividade do aludido ttulo de crdito em razo da fragilizao dos princpios da cartularidade e da literalidade. O objetivo principal deste trabalho , pois, analisar os aspectos polmicos da duplicata emitida a partir dos caracteres criados em computador ou meio tcnico equivalente, nos termos permitidos pelo pargrafo 3, do art. 889, do Cdigo Civil de 2002

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A metodologia adotada foi a pesquisa terica, atravs da anlise da legislao infra-constitucional, da doutrina e da jurisprudncia acerca do tema. O trabalho foi dividido em quatro sees distintas. Na primeira, apresentam-se noes gerais do direito cambial, um breve histrico do desenvolvimento dos ttulos de crdito, os conceitos dos seus princpios cambiais e a enumerao dos principais ttulos existentes no Brasil. Na segunda seo, parte-se para o estudo da duplicata com um breve histrico da sua criao pelo direito brasileiro; analisa-se o regime legal vigente, a duplicata de prestao de servios, a sua caracterstica de ttulo causal e os ttulos similares no direito estrangeiro. Na terceira seo, procura-se descrever o fenmeno da desmaterializao dos ttulos de crdito em decorrncia das novas prticas comerciais surgidas com desenvolvimento da informtica. Em seguida, examina-se a flexibilizao dos princpios da cartularidade e da literalidade nos ttulos eletronicamente emitidos; discute-se a necessidade da certificao da assinatura digital pelo mtodo da criptografia assimtica ser legalmente regulamentada para os documentos privados e transcreve-se o delineamento do procedimento para a confeco de uma duplicata virtual, dentro da perspectiva dos projetos de lei em tramitao e que dispem sobre o comrcio eletrnico. Na quarta e ltima seo, enfoca-se o surgimento da duplicata virtual na prtica bancria nacional, seu conceito jurdico e suas caractersticas. Analisa-se a viabilidade do aceite, do endosso, do protesto por indicaes e da executividade do ttulo desmaterializado e, ainda, os entendimentos doutrinrios e jurisprudenciais sobre o tema. Nas consideraes finais, apresentam-se os pontos mais relevantes identificados no curso da investigao e respostas so oferecidas aos questionamentos que motivaram o trabalho. Destarte, o trabalho que ora se apresenta no tem a pretenso de esgotar o assunto, mas de dar uma modesta contribuio para o estudo do Direito Eletrnico-Comercial, novo ramo da Cincia Jurdica surgido no contexto da Revoluo da Informao. 1 NOES GERAIS DO DIREITO CAMBIAL 1.1 Histrico dos ttulos de crdito O crdito, expresso oriunda do termo latino credere, no significa to somente um acreditar, um ato de confiana do credor para com o devedor, mas, sobretudo a obrigao deste de restituir o valor que lhe foi entregue, na forma e no prazo pactuado. Ao ter a potencialidade de facilitar as trocas, de promover a circulao de bens, de incrementar a produo, enfim, de desenvolver economicamente a sociedade, o crdito uma instituio que acompanha a humanidade desde tempos remotos, constando a sua presena no Cdigo de Hamurabi na regulamentao do arrendamento do campo para cultivo, cujo pagamento era efetivado periodicamente com o produto da colheita, ressaltando na transao o fator confiana entre os contratantes.

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Elcir Castelo Branco [01] relata que no reino da Babilnia tambm o crdito marcou presena no seu ordenamento, gizado pelos elementos confiana e prazo: [...]se um awilum tomou emprestado prata a um mercador e deu como garantia ao mercador um campo preparado para o gro ou ssamo e disse-lhe: cultiva o campo; gro e ssamo, que for produzido, recolhe e leva consigo; se um agricultor produziu no campo gro ou ssamo, no tempo da colheita, o proprietrio do campo tomar o gro ou ssamo que for produzido no campo e dar ao mercador gro correspondente quantidade de prata que ele tomou emprestada, com seus juros, e alm disso dar ao mercador os gastos do cultivo. O surgir do crdito, como elemento inovador e facilitador das transaes, foi acompanhado por entraves de ordem jurdica circulao dos direitos creditrios, principalmente, sob o apogeu do Direito de Roma, quando a liquidao da obrigao somente poderia ser efetivada pelo prprio devedor, inclusive, sem comprometimento do seu patrimnio, porque o contrato consistia em um vnculo meramente pessoal, pelo qual a parte credora tinha um direito sobre a prpria pessoa do devedor, fazendo com que a mudana da pessoa do devedor resultasse na extino daquela obrigao. Com a evoluo da sociedade, a proteo ao crdito tornou-se imprescindvel para dar mobilizao, certeza e segurana aos negcios jurdicos, ganhando os direitos do credor contra o devedor uma forma materializada em documentos denominados ttulos de crdito. Incerta a origem dos ttulos de crdito, tendo alguns doutrinadores registrado o aparecimento na China, um mil anos antes de Cristo, de ttulo de crdito chamado Frei K`iuan, ao qual atribuem ser o mais distante ancestral da recente letra de cmbio. [02] Modernos pesquisadores, entretanto, entendem que somente a partir da Idade Mdia a presena dos ttulos de crdito tornou-se inequvoca, surgindo com nfase pela ascenso da classe burguesa que introduziu nas prticas mercantis inovadoras formas de produo e circulao de bens. Ao entender, tambm, que as cambiais surgiram nas prticas de comrcio do perodo medieval, como forma de minorar os efeitos das dificuldades circulatrios do crdito, Fran Martins [03] afirma que: Surgiram os ttulos de crdito, com algumas das caractersticas que hoje possuem, na Idade Mdia, e esse fato foi mais o fruto de necessidades momentneas de carter mercantil do que um procedimento visando especialmente soluo de um problema jurdico. Foi, realmente, naquela poca que comearam a aparecer, de maneira mais freqente e mais completa, documentos que representavam direitos de crdito, a princpio direitos que poderiam ser utilizados apenas pelos que figuravam nos documentos como seus titulares (credores) e que posteriormente passaram a ser transferidos por esses titulares a outras pessoas que, de posse dos documentos, podiam exercer, como proprietrios, os direitos mencionados nos papis. Os ttulos de crdito, por desempenharem notvel funo econmica, so reputados como uma das mais geniais criaes jurdicas, tendo Tullio Ascarelli [04] assim concludo sobre a sua

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imprescindibilidade para o desenvolvimento da sociedade moderna: A vida econmica moderna seria incompreensvel sem a densa rede de ttulos de crdito; s invenes tcnicas teriam faltado meios jurdicos para a sua adequada realizao social; as relaes comerciais tomariam necessariamente outro aspecto. Graas aos ttulos de crdito, pde o mundo moderno mobilizar as prprias riquezas; graas a eles o direito consegue vencer o tempo e espao, transportando, com maior facilidade, representados nestes ttulos, bem distantes e materializando, no presente, as possveis riquezas futuras. No direito brasileiro, o Cdigo Comercial de 1850 regulamentou os ttulos cambiais at 1908, quando foi sancionado o Decreto n 2.044, diploma legal que permanece em vigor com as adaptaes introduzidas pela Lei Uniforme instituda pela Conveno de Genebra, tratado internacional que foi recepcionado na legislao brasileira pelo Decreto n 57.663, de 24 de janeiro de 1966. 1.2.Conceito de Ttulo de Crdito Desde o aparecimento da Letra de Cmbio na Idade Mdia, a doutrina e a jurisprudncia sempre apresentaram inmeras definies para os ttulos de crdito. O jurista alemo Brunner [05] havia definido os ttulos de crdito como "o documento de um direito privado que no se pode exercitar, se no se dispe do ttulo". Cesare Vivante [06], no acatando integralmente a definio estabelecida por Brunner, por entender ausente elemento preponderante na disciplina jurdica da cambial, ou seja, a natureza literal e autnoma do direito nela consignada, construiu a sua prpria definio como "um documento necessrio para o exerccio do direito literal e autnomo que nele mencionado." Diante das suas inquestionveis qualidades, a definio elaborada por Vivante tem sido recepcionada pela maioria dos tratadistas do Direito Cambial, inclusive, tendo inspirado os juristas elaboradores do nosso Cdigo Civil em vigor. A nova legislao civil, pretendendo unificar o direito privado brasileiro, dispe sobre cambiais, no seu art. 887, definindo-as com pequenos acrscimos ao conceito de Vivante: "Titulo de crdito, documento necessrio ao exerccio do direito literal e autnomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei." 1.3 Princpios de Direito Cambirio Os ttulos de crdito trazem intrinsecamente certos princpios que so preponderantes para que desempenhem a precpua funo de facilitar a circulao dos direitos neles incorporados e promovam, paralelamente, segurana ao crdito dos participantes da relao cambial. Retira-se da definio de Vivante trs princpios bsicos e fundamentais aos ttulos de crdito, que integram a sua prpria natureza e os caracterizam em distino aos demais documentos representativos de valores. So eles: a cartularidade, a literalidade e a autonomia. Vivante, [07] sintetizando a essncia dos ttulos de crdito, assim discorre:

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Diz-se que o direito mencionado no ttulo literal, porquanto ele existe segundo o teor do documento. Diz-se que o direito autnomo, porque a posse de boa-f enseja um direito prprio, que no pode ser limitado ou destrudo pelas relaes existentes entre os precedentes possuidores e o devedor. Diz-se que o ttulo o documento necessrio para exercitar o direito, porque enquanto o ttulo existe, o credor deve exibi-lo para exercitar todos os direitos, seja principal, seja acessrio, que ele porta consigo e no pode fazer qualquer mudana na posse do ttulo sem anot-la sobre o mesmo. Este o conceito jurdico, preciso e limitado, que deve substituir-se frase vulgar pela qual se consigna que o direito est incorporado no ttulo. 1.3.1 Princpio da Cartularidade O princpio da cartularidade consiste no fato de que o ttulo de crdito existe obrigatoriamente na forma materializada em papel escrito, ou seja, numa crtula, no sendo admissvel qualquer outra forma, tornando-se impossvel, por exemplo, a existncia de uma relao cambiria por contrato verbal. Fran Martins [08] ressalta a importncia do princpio da cartularidade no direito cambial, afirmando que: [...], para se ter um ttulo de crdito, indispensvel que exista um documento, isto , um escrito em algo material, palpvel, corpreo. No ser , desse modo, ttulo de crdito uma declarao oral, ainda mesmo que essa declarao esteja, por exemplo, gravada em fita magntica, ou em disco, e possa ser reproduzida a qualquer instante. Para ser ttulo de crdito necessrio que a declarao conste de um documento escrito: poder esse documento ser um papel, um pergaminho, um tecido, mas de qualquer modo deve ser uma coisa corprea, material, em que se possa ver (e no apenas ouvir, como no caso do disco) inscrita a manifestao da vontade do declarante. Pelo princpio da cartularidade, o adquirente do ttulo tem o direito de exigir a prestao, desde que apresente o documento representativo do seu crdito, pois, sem a sua exibio no pode o credor exercitar qualquer direito fundamentado na cambial. Fbio Ulhoa cita como exemplo deste princpio a exigncia de exibio do original do ttulo de crdito na instruo da petio inicial de execuo. [09] No direito brasileiro, a rigidez do princpio da cartularidade mitigada em relao s duplicatas, pois, h situaes em que a legislao viabiliza o exerccio do direito pelo credor, mesmo desprovido da posse do documento. Estas ocorrncias esto previstas na Lei n 5.474/68, conhecida como Lei das Duplicatas, ao admitir o protesto por indicaes, mediante o qual o credor da duplicata retida pelo devedor pode promover o protesto apresentando em cartrio to somente dados que a caracterizem (art. 13, 1, in fine); tambm, ao possibilitar a execuo judicial da cambial no restituda pelo devedor, desde que protestada por indicaes e acompanhada do comprovante da entrega e recebimento da mercadoria (art. 15, II). A relativizao do princpio da cartularidade em face da viabilidade jurdica da duplicata poder

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ser emitida a partir dos caracteres criados em computador (3, do art. 889, do Cdigo Civil) ser objeto de anlise na seo n 4 do presente trabalho. 1.3.2 Princpio da Literalidade Uma das mais importantes caracterstica do ttulo de crdito a sua literalidade, que significa somente ter qualquer valor cambirio as declaraes escritas na crtula. Este princpio foi considerado comum a todos os ttulos de crdito pela doutrina e funciona como verdadeiro balizamento do exerccio dos direitos resultantes do ttulo. O princpio da literalidade tem como expresso valer no ttulo o que no seu texto contm, no podendo ser exigido pelo portador o que nele no est escrito, pois, somente produzem efeitos jurdico-cambiais os atos lanados no prprio ttulo de crdito. O princpio da literalidade de suma importcia para assegurar a facilidade e a certeza da circulao, e tem como conseqncia que o devedor no obrigado a mais nem o credor pode ter outros direitos seno aqueles declarados no ttulo. Rubens Requio lana, de maneira categrica, a sua opinio acerca do princpio da literalidade afirmando: [10] O ttulo de crdito literal porque sua existncia se regula pelo teor de seu contedo. O ttulo de crdito se enuncia em um escrito e somente o que est nele inserido se leva em considerao; uma obrigao que dela no conste, embora sendo expressa em documento separado, nele no se integra. O princpio da literalidade, da mesma forma que acontece com o princpio da cartularidade, sofre flexibilizao pela Lei de Duplicatas que admite a quitao exarada pelo legtimo possuidor do ttulo em documento apartado, com referncia expressa duplicata (art. 9, 1). Outrossim, considera a aludida lei prova de pagamento, total ou parcial, a liquidao de cheque no qual conste, no verso, que o seu valor destina-se amortizao ou liquidao da duplicata nele identificada (art. 9, 2). 1.3.3 Princpio da autonomia Extrai-se da definio de Vivante, alm dos princpios da cartularidade e da literalidade, um terceiro e ltimo princpio elementar a todos os ttulos de crdito, que o da autonomia. O princpio da autonomia tem como fundamento o fato das declaraes cambiais vincularem o devedor no perante seu credor imediato, mas a toda uma comunidade, conferindo o ttulo a cada possuidor legtimo um direito prprio e autnomo que no se sujeita exceo que acaso possa ser oposta ao possuidor precedente, como prescreve o art. 17 da Lei Uniforme de Genebra: As pessoas acionadas em virtude de uma letra no podem opor ao portador as excees fundadas sobre as relaes pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do

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devedor. O aludido princpio representa uma garantia ao terceiro de boa-f, resguardando-o de eventuais defesas opostas pelo devedor com base na relao causal, que estranha do adquirente do ttulo, facilitando a sua circulabilidade, ao dar maior segurana ao mesmo adquirente. O princpio da autonomia se desdobra em dois subprincpios: da abstrao e da inoponibilidade das excees pessoais aos terceiros de boa-f. Ao ser posto em circulao, o ttulo liberta-se da sua causa (abstrao) que, inclusive, no pode ser invocada pelo devedor ao terceiro de boa-f (inoponibilidade das excees). A jurisprudncia confirma que "os postulados bsicos do direito cambirio, os da autonomia e da abstrao do ttulo cambial ou cambiariforme, pelos quais as defesas de ordem pessoal, relacionadas com o negcio subjacente, somente podem ser opostas entre as partes imediatas, que tal negcio participaram". (REsp. 2.814-MT). 1.4 Classificaes dos ttulos de crdito A grande maioria da doutrina classifica os ttulos de crdito sob o aspecto do contedo, da sua natureza e da circulao. Carvalho de Mendona, [11] inspirado em classificao proposta por Vivante, isto , com base no contedo da declarao cartular, apartou os ttulos de crdito em dois grupos: ttulos de crdito prprios que so aqueles que do ao seu titular o direito a uma prestao de coisa fungvel em mercadoria ou em dinheiro (letra de cmbio, etc.); e os ttulos de crdito imprprios, que ao contrrio, servem para adquirir direitos reais sobre coisas determinadas (cdula pignoratcia), para atribuir a qualidade de scio (aes de sociedade annima) e conferir direitos a servios (bilhete de passagem). Com referncia natureza, os ttulos de crdito so classificados em: abstratos os que conferem direitos independentemente da causa que lhes deu origem; e causais os que decorrem de uma causa especificada no texto cartular. A propsito da natureza dos ttulos de crdito, Rubens Requio [12] fez a seguinte distino: Os ttulos abstratos so os mais perfeitos como ttulos de crdito, pois deles no se indaga a origem. Vale o crdito que na crtula foi escrito. Ttulos causais so aqueles que esto vinculados, como um cordo umbilical, sua origem. Como tais, so imperfeitos ou imprprios. So considerados ttulos de crdito pois so suscetveis de circulao por endosso, e levam neles corporificada obrigao. A duplicata, os conhecimentos de transporte, as aes, so deles exemplos. Entre os ttulos causais ou imprprios podemos distinguir os que constituem comprovante de legitimao do credor, e so geralmente declarados intransferveis bilhetes, passagens,

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cadernetas de Caixa Econmica, vales e tquetes e outros que so ttulos de legitimao, que so direitos transferveis, tais como vales postais, cautelas de penhor ao portador. Enquanto nos comprovantes de legitimao o possuidor se legitima como contraente originrio, nos ttulos de legitimao quem for possuidor legitima-se como cessionrio eventual. O ttulo nesse caso probatrio e prova o contrato. O primeiro opera em favor do devedor; o segundo, ttul de legitimao, opera em favor de ambos, devedor e credor(Ascarelli). Quanto circulao, funo principal dos ttulos de crdito, estes podem ser classificados em: a)ao portador, quando transferveis manualmente, no constando em seu texto o nome do beneficirio, tornando-se, conseqentemente, titular quem estiver com a posse da cambial. Por questes tributrias e objetivando dificultar o chamado crime de "lavagem de dinheiro", vrios ttulos de crdito tm a sua emisso e circulao ao portador vedada por lei, como por exemplo: letra de cmbio, nota promissria, debntures e o cheque com valor superior a R$ 100,00; b) ordem, quando emitidos em favor de pessoa determinada podem ser transferveis mediante endosso para terceiros; c) nominativos, quando emitidos em favor de determinadas pessoas fica a titularidade em registro do emitente, devendo eventual transferncia ser tomada por termo e averbada no mesmo registro; d) no ordem, quando inserida clusula que impede a transferncia do ttulo por endosso, ficando a circulao to somente possvel atravs de cesso, instituto atpico do direito cambirio. 1.5.Ttulos de crdito existentes no Brasil No Brasil, afora os ttulos de crdito atpicos ou inominados que se subordinam s disposies do Cdigo Civil, por fora do seu art. 903, existem os ttulos tpicos ou nominados que so disciplinados por leis especiais, figurando os abaixo relacionados entre os mais importantes do direito cambial brasileiro: Letra de Cmbio e Nota Promissria Decreto 2.044, de 31.12.1908, alterado pelo Decreto 57.663, de 24.01.1966 Lei Uniforme de Genebra; Cheque Decreto 57.595, de 07.01.1966 Lei Uniforme de Genebra e Lei n. 7.357, de 02.09.1985; Duplicata Mercantil e de Prestao de Servios Lei n. 5.474, de 18.07.1968; Conhecimento de Depsito e Warrant Decreto n. 1.102, de 21.11.1903; Ttulos de Crdito Rural Decreto-Lei n. 167, de 14.02.1967; Ttulos de Crdito Comercial Lei n. 6.840, de 03.11.1980; Ttulos de Crdito Exportao Lei n. 6.313, de 16.12.1975; Certificado de Depsito Bancrio Lei n. 4.728, de 14.07.1965; Aes, Debntures, Partes Beneficirias e Bnus de Subscrio Lei n. 6.404, de

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15.12.1976; Cdula de Produto Rural Lei n. 8.929, de 22.08.1994. 2 A DUPLICATA 2.1 Histrico e Legislao A duplicata um ttulo de crdito que tem origem no direito brasileiro, com peculiaridades singulares, vinculado a um contrato de compra e venda de mercadorias ou a um de prestao de servios, tendo como matriz o art. 219 do Cdigo Comercial, que dispe: Nas vendas em grosso ou por atacado, entre comerciantes, o vendedor obrigado a apresentar ao comprador por duplicata no ato da entrega das mercadorias, a fatura ou conta de gneros vendidos as quais por ambos sero assinadas, uma para ficar na mo do vendedor e outra na do comprador. No se declarando na fatura o prazo de pagamento, presume-se que a compra foi vista. As faturas sobreditas, no sendo reclamadas pelo vendedor ou comprador, dentro de 10 dias subseqentes entrega e recebimento, presumem-se contas lquidas. Fbio Ulhoa [13] define a duplicata como "um ttulo causal no sentido de que a sua emisso somente pode ocorrer na hiptese autorizada pela lei: a documentao do crdito nascido na compra e venda mercantil." Amador Paes de Almeida [14] leciona que: "As duplicatas, num enunciado simples, pode ser conceituada como um ttulo de crdito que emerge de uma compra e venda mercantil ou da prestao de servios, na forma do que dispe os arts. 2 e 20 da Lei n 5.474/68 ". Denominado por Tullio Ascarelli [15] de "ttulo prncipe do direito brasileiro", a Duplicata tem origem no Decreto n 16.041, de 22 de maio de 1923, quando o legislador aparelhou o comrcio de um ttulo de crdito dotado de liquidez, fcil circulao e conversibilidade em pecnia. Durante muito tempo, predominou o carter eminentemente fiscal da Duplicata, pois, pela Lei n 187, de 15 de janeiro de 1936, foi instituda a obrigatoriedade de emisso da fatura, com discriminao das mercadorias, nas vendas mercantis e respectiva duplicata, a qual deveria ser devolvida assinada pelo comprador, que permanecia de posse da fatura. Atualmente, a Duplicata est disciplinada pela Lei n 5.474, de 18 de julho de 1968, com as alteraes introduzidas pelo Decreto-Lei n 436, de 27 de janeiro de 1969. Dispe o art. 1 da referida Lei: Em todo contrato de compra e venda mercantil entre partes domiciliadas no territrio brasileiro, com prazo no inferior a 30 dias, contados da data da entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor extrair a respectiva fatura para apresentao ao comprador. 2.2.Requisitos Essenciais

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A emisso ou extrao da duplicata, nos termos da Lei n 5.474/68, uma faculdade do vendedor. A duplicata ttulo causal por est sempre vinculado existncia de uma compra e venda de mercadoria ou a uma prestao de servio, sendo obrigatria a sua escriturao em Livro de Registro por ordem cronolgica de emisso, contendo nmero de ordem, data e valor da fatura, nome e domiclio do sacado, anotaes de reformas, prorrogaes e circunstancias outras; provocando a ausncia conseqncias cveis e criminais, inclusive de ordem falimentar. Trata-se de um ttulo de crdito que tem como caractersticas formalidade, causalidade, liquidez, certeza e transmissibilidade, impem-se, nos termos do art. 2, 1, da Lei n 5.474/68, os seguintes requisitos para que o documento emitido produza efeitos de duplicata: a)A denominao duplicata; b)A data de sua emisso; c)O nmero de ordem; d)O nmero da fatura; e)A data certa do vencimento ou a declarao de ser a duplicata vista; f)Nome e domiclio do vendedor e do comprador; g)A importncia a pagar em algarismo e por extenso; h)A praa de pagamento; i)A clusula ordem; j)A declarao do reconhecimento de sua exatido e da obrigao de pag-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite cambial; k)Assinatura do emitente. A duplicata deve ser confeccionada em impresso prprio do emitente, dentro do padro previsto na Resoluo 102/69, do Conselho Monetrio Nacional. 2.3.Do aceite A duplicata, sendo um ttulo causal, pois documenta uma obrigao originria de um contrato, cumpre ao devedor (sacado) assumir o nus de pagar os valores constantes na crtula mediante a aposio do aceite que somente admissvel a sua recusa na ocorrncia de avaria, no recebimento de mercadorias, vcios de qualidade ou quantidade, divergncia no preo ou nos prazos. O aceite pode ocorrer das seguintes formas: a)aceite expresso ou ordinrio, resultante de assinatura lanada no ttulo pelo comprador; b)aceite por comunicao, resultante de reteno da duplicata pelo sacado, autorizado por instituio financeira cobradora, e de comunicao escrita do aceitante(LD, art. 7, 1); c)aceite tcito ou presumido, resultante da prova de recebimento das mercadorias, da falta de recusa justificada do aceite, no prazo de 10 dias, e do protesto do ttulo(LD, art. 15, II). A duplicata atinge o seu mais alto grau de certeza atravs do aceite, quando a obrigao se desvincula da sua origem contratual para assumir a feio cambial representada pelo direito contido no ttulo, imprimindo-lhe eficcia executiva contra o comprador, tornando-se o ttulo dotado de liquidez, certeza e exigibilidade.

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O aceite o ato pelo qual o sacado assume o compromisso de pagar, no vencimento, o ttulo emitido pelo sacador. A apresentao a submisso do ttulo ao sacado, para que este o aceite, apondo a sua assinatura, tornando-se, assim, vinculado obrigao cambial. O vendedor dispe de 30 dias contados da emisso para promover a remessa da duplicata diretamente ao comprador ou no prazo de 10 dias, quando a remessa for atribuda a representantes, instituies financeiras, procuradores ou correspondentes que se incumbem de promover a apresentao do ttulo na praa ou lugar indicado, cabendo-lhes devolver a crtula aps o aceite ou promover a reteno aguardando o momento do resgate, sempre seguindo as instrues recebidas. 2.4.Do endosso A duplicata, como ttulo ordem, transfervel por meio de endosso que representa um modo especfico de circulao que tornar o endossatrio titular dos direitos contidos da crtula, passando, por conseqncia, o endossante a ser um co-devedor, responsabilizando-se pelo aceite e pelo pagamento do ttulo, salvo clusula cambial expressa em contrrio (alnea 1, do art. 15 da Lei Uniforme de Genebra). Segundo ensinamento doutrinrio de Luiz Emygdio F. da Rosa Jnior: [16] Podemos conceituar o endosso como sendo o ato cambirio abstrato e formal correspondente a uma declarao unilateral de vontade, eventual, sucessiva, lanada no ttulo de crdito ainda que do mesmo no conste a clusula "a ordem", pela qual o seu subscritor, denominado endossante, transfere a outra pessoa, designada endossatrio, que pode ou no ser identificado pelo endossante, os direitos emergentes do ttulo, sendo, em regra, o endossante responsvel no s pelo aceite como tambm pelo seu pagamento. Para a efetivao do endosso, necessria se faz, to somente, a aposio da assinatura do endossante no verso do ttulo. O endossatrio, com o ato translativo sucede ao endossante, exclusivamente, no direito de receber o valor constante no ttulo, sendo-lhe estranho a causa que deu origem ao crdito. A doutrina classifica o endosso em prprio, quando transfere os direitos contidos no ttulo, vinculando o endossante obrigao de pagar; e imprprio, quando no transfere a propriedade do ttulos. O endosso prprio denominado em branco, quando o endossante no designa a pessoa a quem transferido o ttulo; e em preto, quando o beneficirio da transferncia tem seu nome indicado pelo endossante. O endosso imprprio, por seu turno, designado endosso-mandato, quando o endossante transmite ao endossatrio apenas a posse do ttulo, a fim de que em seu nome seja promovida a cobrana; e de endosso-cauo quando o ttulo transferido apenas como garantia de uma obrigao assumida pelo endossante.

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2.5.Do aval O direito de receber o crdito, representado por uma Duplicata, pode ser garantido por meio de aval, que deve ser lanado no prprio ttulo garantido, vinculando um terceiro relao cambial. O aval a garantia autnoma, dada por um terceiro que no participou da relao causal da duplicata, de que a dvida ser paga nas condies constantes do ttulo. Aquele que d o aval se denomina avalista, e aquele em favor de quem assumida a obrigao se chama avalizado. O avalista obrigado solidrio, em favor de quem dado o aval. Ao lanar a assinatura no ttulo, o avalista responsabiliza-se pela sua liquidao, sendo-lhe vedado argir contra o emitente da duplicata as defesas pessoais somente cabveis ao aceitante, dado que a sua obrigao autnoma. A prestao de aval exige, nos termos do art. 1.647, III, do Cdigo Civil, autorizao do outro cnjuge, quando o avalista for casado em regime diverso da separao absoluta de bens. 2.6 Do protesto A duplicata sujeita a protesto por falta de aceite, de devoluo ou de pagamento, tendo o ato como objetivo forar a liquidao do ttulo pelo devedor ou preservar o direito de regresso contra os endossantes e seus avalistas. Nos termos do art. 202, III, do novo Cdigo Civil, serve tambm o protesto como causa de interrupo da prescrio. O protesto pode ser efetuado no prazo de 30 dias a contar do vencimento. A falta de protesto acarreta a perda do regresso cambial, isto , decai o portador do direito de cobrar a duplicata dos endossantes e dos seus avalistas. O protesto no necessrio para sacado e seus avalistas. O protesto pode ser efetivado sem a presena da crtula, inclusive, permite o art. 8, pargrafo nico, da Lei 9.492/97, que as indicaes a protesto sejam fornecidas por meio magntico ou de gravao eletrnica de dados, sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos tabelionatos sua mera instrumentalizao, abrindo, assim, o caminho para a introduo em nosso direito da duplicata virtual. 2.7 Da prescrio A prescrio da ao executiva de cobrana de duplicata ocorre no prazo de 3(trs) anos contra o sacado e seus avalistas, contados da data do vencimento do ttulo; em um ano contra o endossante e seus avalistas, contado da data do protesto; e tambm em um ano a ao de qualquer dos coobrigados contra os demais, contado da data em que haja efetuado o pagamento do ttulo.

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2.8.Da cobrana judicial A cobrana judicial da duplicata efetiva-se de acordo com o processo aplicvel aos ttulos extrajudiciais, regulamentados no Livro II, do Cdigo de Processo Civil, que trata do processo de execuo. A Duplicata no aceita, mas protestada e com a prova da remessa e entrega da mercadoria, recebeu amparo legal, tendo o legislador conferido ao ttulo, nestas condies, fora executiva. No estando a duplicata em condies de instrumentalizar ao de execuo, pode o credor viabilizar a cobrana da duplicata para satisfao do seu direito de crdito por meio de ao ordinria ou por ao monitria, espcie esta de ao de conhecimento de processamento abreviado, em que o devedor j convocado ao pronto pagamento, podendo oferecer resistncia e opor embargos, sem que seja efetivada qualquer constrio em seu patrimnio. 2.9. Duplicata de Prestao de Servios Os artigos 20 e 21, da Lei 5.474, regulamentam a duplicata de prestao de servio, ttulo que pode ser emitido por empresas de prestao de servios e sujeitos ao mesmo regime jurdico da duplicata mercantil. Os profissionais liberais, bem como as pessoas que prestam servios eventuais, podem emitir fatura ou conta, mas no duplicata. A fatura ou conta podero ser levadas a protesto por falta de pagamento, desde que tenham sido registradas no Cartrio de Ttulos e Documentos. O instrumento de protesto, acompanhado da fatura, da conta original ou da certido do Cartrio de Ttulos e Documentos, documento hbil para instruir processo de execuo por falta de pagamento. 2.10 Da triplicata Em caso de perda ou extravio da duplicata, admite o art. 23, da Lei 5.474/68, que o emitente extraia uma triplicata, nas condies e efeitos daquela. Trata-se de mera cpia ou segunda via da duplicata. Por sua vez, o art. 13 da reportada lei permite que a triplicata seja extrada nos casos de falta de aceite, de devoluo ou de pagamento, a fim de ser levada a protesto. 2.11 Dos ttulos similares duplicata no direito estrangeiro Em razo do grande sucesso da duplicata no Brasil, outros pases, procurando facilitar a circulao do crdito na industria e no comrcio em territrios de suas jurisdies, criaram ttulos de crdito com caractersticas bastante similares, tendo Fran Martins [17] assim anotado: Apesar de ser o nosso direito o que melhor regula o assunto, no o Brasil o nico pas a

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utilizar ttulos especiais pra a cobrana das importncias relativas s vendas a prazo. Em uns poucos outros, a prtica comercial levou criao de ttulos que tm alguma semelhana com a duplicata; e a influncia direta do direito brasileiro se fez sentir em determinadas legislaes, que transportaram princpios de nossas leis, instituindo ttulos semelhantes aos nossos. Em Frana, foi criado o bordereou que constitui um regime especial de cesso de crdito destinado a facilitar a classe empresarial na obteno de financiamentos junto s instituies financeiras. Nos Estados Unidos, introduzido pelos usos e costumes, o Trade Accptance um ttulo que emitido pelo vendedor e aceito pode ser levado a uma instituio financeira para desconto. Na Itlia, h o Stabilito di compravendita,que comprova a celebrao de um contrato de compra e venda mercantil e apesar de circular por endosso, no exprime uma promessa unilateral como nos ttulos de crdito. Representa um sistema de agilizao de cesso de crdito que, no territrio italiano, difundiu de forma extraordinria o factoring. No Uruguai, as "facturas de vendas de mercadorias ", subscritas pelo obrigado ou seu representante legal, tem carter de ttulo executivo por disposio contida no Cdigo de Processo. Em Portugal, foi criada o "extrato fatura", com emisso obrigatria por empressrios, estabelecidos no pas ou em ilhas adjacentes, quando uma venda mercantil a prazo no tenha o preo representado por letras de cmbio. Na Colmbia, o Cdigo Comercial, promulgado em 1971, criou a "fatura cambiria de compra e venda", que permite s empresas contar com um instrumento eficaz na cobrana dos seus crditos e, ao mesmo tempo, funciona como um facilitador na obteno de financiamento, considerando a possibilidade do aludido ttulo ser objeto de desconto junto s instituies financeiras. Finalmente, na Argentina a Lei 24.760, de 13. de maio de 1997, criou a "factura de crdito": um ttulo com inmeros avanos em relao sua similar brasileira, conforme concluiu Paulo Roberto Colombo Arnoldi: [18] [...], os avanos da nova legislao Argentina sobre factura de crdito so muito e expressivos em relao s legislaes anteriores, e diramos at, em relao sua similar brasileira (duplicata), que ficou defasada ante a sua atualidade, o que nos faz prever grande xito e sucesso na sua aplicao, como forma de alavancar e incrementar as atividades econmico-empresariais argentinas, principalmente no que se refere s PYMES. 3 A DESMATERIALIZAO DOS TTULOS DE CRDITO A desmaterializao dos ttulos de crdito um fenmeno decorrente das novas prticas comerciais advindas do desenvolvimento da informtica e da necessidade de reduzir ou acabar com o trnsito de papis.

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O novo Cdigo Civil, procurando legalizar um processo de confeco de ttulo de crdito que h muito vinha sendo utilizado nas prticas bancrias, autorizou a emisso de ttulos criados em computador ou meio tcnico equivalente, estabelecendo no pargrafo 3, do art. 889, que: O ttulo poder ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio tcnico equivalente e que constem da escriturao do emitente, observados os requisitos mnimos previstos neste artigo. Embora o novo regramento civil admita a emisso de ttulo desmaterializado, no d de forma ampla os contornos legais para validao da duplicata descartularizada, deixando um vazio legislativo a ser preenchido pela jurisprudncia ou pela edio de uma lei especfica, a exemplo do ocorrido em outros pases. As prticas do comrcio, possuindo uma natureza dinmica, sempre buscam novas formas,adaptando-se s necessidades emergentes, assimilando, incontinentemente, as inovaes surgidas. A informtica aparelhou o mundo empresarial de instrumentos facilitadores de expanso, aprimorando os meios de pagamento e de aquisio do crdito para incentivar o desenvolvimento do mercado de consumo em grande escala. A evoluo tecnolgica tem se processado numa rapidez espantosa, inclusive, j adentrando em alteraes biolgicas nos seres vivos com utilizao da clonagem e outras tcnicas. As mutaes, nas relaes sociais e em decorrncia do progresso cientfico, so fatos incontestes e o Direito, como cincia social que , interage com a sociedade sofrendo, tambm, os reflexos destas mudanas. A cada dia, teses de vanguarda jurdica surgem e antigas so rediscutidas para adaptao aos novos tempos. Deve ser ressaltado que, nas ltimas dcadas, os avanos tecnolgicos, na sua grande maioria, ocorreram por intermdio do computador, que alavancando o progresso, vem demarcando sua contribuio, direta ou indiretamente, em todas as reas cientficas. Compartilhando a evoluo tecnolgica advinda da informtica, a instalao de avanados equipamentos de telecomunicao fez surgir a Internet. Esta representa um sistema conector de redes de computao que possibilita o intercmbio de informaes entre usurios nos mais distantes pontos do planeta. Nos dias atuais, a rede mundial de informtica, composta pela Internet, tornou-se o veculo de comunicao mais utilizado, em razo de ser acessvel a qualquer pessoa possuidora de um computador e de uma linha telefnica. A humanidade, marchando, inexoravelmente, para elevado nvel do conhecimento cientfico, encontra-se vivendo a era da Revoluo da Informao, em estgio atual de progressivo crescimento da rede mundial de comunicao informatizada, com o que ganha o comrcio forte aliado ao seu desenvolvimento, sendo-lhe permitido realizar transaes mercantis de forma instantnea, em tempo real, encurtando a distncia entre os contratantes, no processo

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denominado "globalizao". A facilidade de acesso aos meios de comunicao informatizados transformou o cotidiano das pessoas. Elas deixaram,m significativamente, de utilizar documentos sob a forma fsica, passando a usar registros desmaterializados em telas virtuais. At mesmo o secular uso do papel-moeda, como meio de troca, paulatinamente, vem sendo substitudo nas relaes comerciais por cartes eletrnicos, instrumentalizadores de operaes de pagamentos e recebimentos sem qualquer contrapartida a no ser um crdito, que pode ser comprovado eletronicamente em um extrato bancrio. A informatizao dos registros de crdito mercantil uma realidade que deu origem ao fenmeno de desmaterializao dos ttulos de crdito, como evidencia Fbio Ulhoa: [19] No novidade para ningum, neste final de sculo que o meio magntico vem substituindo paulatinamente e decisivamente o meio papel, como suporte de informaes. O registro da concesso, cobrana e cumprimento do crdito comercial no fica, por evidente, margem desse processo. Que dizer, os empresrios, ao venderem seus produtos ou servios a prazo, cada vez mais no tm se valido do documento escrito para registro da operao. Procedem, na verdade, apropriao das informaes acerca do crdito concedido exclusivamente em meio magntico, e apenas por este meio as mesmas informaes so transmitidas ao banco para fins de desconto, cauo de emprstimos ou controle e cobrana do cumprimento da obrigao pelo devedor. Apenas uma pequena margem de empresrios ainda se vale do cheque ps-datado, da duplicata efetivamente emitida ou da nota promissria como meio de documentao da operao creditcia. O fenmeno da descartularizao dos ttulos de crdito trouxe grandes mudanas, fazendo com que conceitos, outrora verdadeiros dogmas do direito cambirio, fossem repensados com o objetivo de compatibilizar a utilizao de novas tecnologias aos seculares institutos previstos no ordenamento jurdico nacional. J estando arraigada nas prticas mercantis a substituio do papel como suporte de informaes, o princpio da cartularidade, visivelmente, se encontra fragilizado, como tambm o da literalidade, ante a ausncia da crtula, como bem ressaltou Fbio Ulhoa: [20] O registro da concesso e circulao do crdito em meio magntico tornou obsoletos os preceitos do direito cambirio intrinsecamente ligados condio de documentos dos ttulos de crdito. Cartularidade, literalidade, distino entre atos "em branco" e "em preto" representam aspectos da disciplina cambial desprovidos de sentido, no ambiente informatizado. O princpio da autonomia no apresenta incompatibilidade com o fenmeno da desmaterializao, pois desde que consignado no ttulo, mesmo virtualmente, a obrigao cambial torna-se autnoma. O processo da descartularizao vem sendo objeto de contundentes crticas de uma corrente doutrinria reacionria, que nega validade aos ttulos de crdito virtuais, sob o fundamento da absoluta ausncia no ordenamento jurdico nacional de um diploma legal especfico para dar

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legitimidade ao denominado "documento eletrnico", com o que no concorda Fbio Ulhoa, [21] referindo-se duplicata: Para mim, o direito positivo brasileiro, graas extraordinria inveno da duplicata, encontra-se suficientemente aparelhado para, sem alterao legislativa, conferir executividade ao crdito registrado e negociado apenas em suporte magntico. No se pode olvidar que as leis comerciais comportam interpretao literal extensiva, face aos mutantes usos e costumes mercantis, razo por que, no ambiente virtual, os seculares princpios cambiais devem ser flexibilizados, segundo lio de Carlos Maximiliano: [22] No preside exegese das leis comerciais critrio inteiramente igual ao adotado para as leis civis. A prpria ndole das relaes mercantis, a prevalncia dos objetivos econmicos, que o intrprete precisa levar em conta, a fim de atingir verdade regra objetiva, que exterioriza o pensamento gerador da lei, ou vontade subjetiva declarada num ato jurdico. Por outro lado, Paulo Salvador Frontini, [23] fazendo previses sobre o futuro dos ttulos de crdito no ambiente informatizado, assim se pronuncia: Os ttulos de crdito e outros ttulos circulatrios, a exemplo do que j aconteceu com a duplicata, seguiro a tcnica operacional de circulao informatizada do crdito. Se e quando surgir um problema (inadimplncia, execuo cvel, pedido de falncia) o ttulo ser impresso, para ganhar base fsica. Os usos e costumes caminharo e, aps eles, por certo a lei o far no sentido de instituir formas extracartulares de aceite e coobrigao. No nos esqueamos: no Direito Comercial as prticas comerciais geralmente antecedem a legislao. 3.1 Certificao da assinatura eletrnica O maior problema para reconhecimento da validade e eficcia do ttulo eletronicamente gerado diz respeito ao estabelecimento de mecanismos que evidenciem a autenticidade e preservem a integridade das informaes veiculadas nas redes de informtica. Por ser o documento eletrnico passvel de alterao sem que vestgios sejam deixados, pois no meio virtual o armazenamento de informaes bastante voltil, os pesquisadores da informtica viabilizaram a adoo da tcnica denominada de criptografia assimtica ou de chave pblica por meio da qual possvel identificar assinaturas pessoais, que quando vinculadas a um documento, ante a menor alterao, tornam-se invlidas, e, com isso, permite-se apontar a autenticidade da mensagem, reduzindo-se assim a possibilidade de fraudes. Alberto Luiz Albertin [24] informa que: A criptografia definida como a arte ou cincia de escrever em cifra ou em cdigo, ou, ainda o conjunto de tcnicas que permitem tornar incompreensvel uma mensagem originalmente escrita com clareza, de forma a permitir que somente o destinatrio a decifre e a compreenda.

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A criptografia assimtica utiliza um par de chaves, uma delas somente do conhecimento do usurio e a outra de domnio pblico. A chave pblica serve para codificar uma mensagem que s a chave particular pode decodificar. Para explicitar o mtodo de identificao criptogrfica, busca-se o conceito de assinatura digital nas palavras de Carlos Alberto Rohrmann: [25] Assinatura digital [...] nada mais do que um identificador que acrescido a um determinado pacote de dados digitais, gerado por uma chave privada de assinatura do assinante e que s ser decodificado por uma chave pblica associada quele assinante e garantida por uma autoridade de certificao, que faz a identificao das partes e a posterior certificao, emitindo certificados de autenticidade da chave pblica utilizada. Para que as chaves identificadoras privadas funcionem como assinatura digital necessria faz-se mister a participao de uma Autoridade Certificadora, que se utilizando de presunes inerentes aos registros pblicos, atesta a autoria e integridade do documento eletrnico. Ao explicar a mecnica da certificao digital, Regis Magalhes Soares de Queirz, [26] assim se manifesta: [...] o uso e o controle da chave privada devem ser de exclusividade do proprietrio, permitindo a individualizao da autoria da assinatura (funo declarativa); a autenticidade da chave privada (autentificao, ligada funo declaratria); a assinatura deve estar relacionada ao documento de tal maneira que seja impossvel a desvinculao ou adulterao do contedo do documento, sem que tal operao seja perceptvel, invalidando automaticamente a assinatura (funo probatria). Todos esses requisitos so preenchidos pela tecnologia da criptografia de chave pblica, que empregada nas assinatura digitais. Com a edio da Medida Provisria n. 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Pblicas Brasileira ICP-Brasil, surgiu nos meios doutrinrios uma forte corrente que admite a possibilidade da assinatura eletrnica ser estendida aos ttulos de crdito, tendo como embasamento o art. 1, da aludida regra de urgncia, que dispe: Fica instituda a Infra-Estrutura de Chaves Pblicas Brasileira ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurdica de documentos em forma eletrnica, das aplicaes de suporte e das aplicaes habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realizao de transaes eletrnicas seguras. No Brasil, at o presente momento, no h legislao dispondo sobre tcnicas de assinatura digital aplicveis aos contratos privados, encontrando-se alguns projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, entre os quais destaca-se o Projeto de Lei n. 1.483/1999, de autoria do Deputado Dr. Hlio (PDT/SP) que institui a fatura eletrnica e a assinatura digital nas transaes de comrcio eletrnico: Art. 1 - Fica instituda a fatura eletrnica assim como a assinatura digital, nas transaes comerciais eletrnicas realizadas em todo territrio nacional.

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Art. 2 - A assinatura digital ter sua autenticao e reconhecimento certificado por rgo pblico que ser regulamentado para este fim. Pargrafo nico Toda documentao eletrnica, bem como o cadasro de assinaturas digitais, devero estar com seus registros disponveis para avaliao e fiscalizao dos rgos federais responsveis. O reportado projeto tramita em conjunto com o projeto de n 1589/1999, de autoria do Deputado Luciano Pizzato (PFL/PR), tendo o relator, Deputado Jlio Semeghini (PSDB/SP), em parecer final, acatado a proposta de instituio da fatura eletrnica e da assinatura digital pelo mtodo da criptografia assimtrica. Embasado nas propostas legislativas em curso, Lister de Freitas Albernaz [27] apresentou o delineamento do procedimento a ser adotado para a confeco de uma duplicata virtual: O comerciante "A" venda e entregue uma mercadoria ao comprador "B". Assim, "A" saca uma duplicata virtual contra "B", gerando nos computadores um registro correspondente duplicata mercantil sacada contra "B" (comprador), e aps, lana a operao no Livro de Registro de Duplicatas. Em seguida o comerciante "A" assina virtualmente, em seu sistema de informtica, o registro eletrnico da duplicata, utilizando para isto de uma chave chamada "privada", que confeccionada e criptografada pela Autoridade Certificadora. Aps, enviando-a por uma intercomunicao eletrnica de dados (EDI eletronic data interchange) atravs da rede mundial de computadores (Internet), ao comprador "B" no sentido que ele d o seu aceite. O ttulo est assinado eletronicamente pelo emitente. Desta feita, "B" receber, por intermdio do EDI um "recibo" eletrnico da operao toda, e por intermdio do referido sistema EDI (via Internet) e tambm com a utilizao dos recursos de autenticao dada por uma Autoridade Certificadora, seria admissvel o endosso e at o aval de tal Ttulo. Tudo isto se valendo da assinatura digital do comprador "B" devidamente certificada, tendo como pressuposto ou condio sine qua non que o sistema seguro. Finalmente, toda essa operao, como vemos, deve se dar com a ingerncia da Autoridade Certificadora (AC), que intermediaria todas essas operaes, dando total garantia da validade jurdica da assinatura digital acostada no Ttulo de Crdito tanto pelo emitente, pelo sacado, bem como pelo endossante, ou avalista. 4 A DUPLICATA VIRTUAL 4.1 Consideraes Preliminares As prticas comerciais so de um dinamismo extraordinrio e a busca de eficincia tem sido objeto constante no mundo empresarial, resultando em solues criativas, quase sempre no

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contempladas no ordenamento jurdico. o que ocorreu no mercado bancrio de cobrana de ttulos, que desenvolveu mecanismo redutor do trnsito de papel visando aprimorar a operao de desconto, criando o sistema de registro escritural que retira, consideravelmente, a circulao material das cambiais. Esta prtica bancria de vanguarda teve origem na Frana, que na dcada de sessenta, objetivando modernizar o sistema de desconto de crditos mercantis, admitiu a fatura protestvel e, posteriormente, criou a Lettre de Change-Relev, um ttulo cambial sem circulao material, cujos dados eram encaminhados a uma casa bancria sob a forma de fita magntica, acompanhados de um border de cobrana. Em nosso pas, o excesso de ttulos de crdito circulando pelos Bancos crescia de forma geomtrica nos anos setenta, estando registrado que no ano de 1971 foram cobrados pelo Banco do Brasil 18 milhes de ttulos e em 1974, chegou a 27 milhes, tendo esta instituio financeira manifestado a sua preocupao com a grande manipulao de papis em tese apresentada no XI Congresso Nacional de Bancos, em 1975, no Rio de Janeiro, intitulada "Cobrana Direta": rea crtica dos servios executados pelos bancos comerciais, a cobrana de ttulos ameaa sufocar o Sistema sob toneladas desses papis, de volume sempre crescente em face do expressivo desenvolvimento econmico nacional, de uma indstria mais dinmica e produtiva e de um comrcio mais agressivo. Em 1979, o Professor Newton de Lucca, prestando assessoria jurdica Associao dos Bancos do Estado de So Paulo sugeriu, sob a inspirao da Lettre de Change-Relev, a criao da chamada duplicata escritural. A duplicata escritural, mais tarde denominada por Newton de Lucca como cambial-extrato, foi concebida pelo comrcio bancrio, dentro dos limitados recursos tecnolgicos da poca, em duas diferentes formas: a duplicata-extrato-papel e a duplicata-extrato-fita magntica. Na duplicata-extrato-papel, a inovao limitava-se ao fato de que o ttulo materialmente tinha a circulao reduzida, pois aps ser entregue ao banco um documento retratando um venda mercantil, o chamado border, todos os dados eram consignados em uma fita magntica e da processado o aviso de cobrana consubstanciado em uma ficha de compensao. J na duplicata-extrato-fita magntica, a desmaterializao do ttulo era total, considerando que a documentao da transao mercantil era conservado em poder do sacador, sendo entregue ao banco apenas a fita magntica para processamento da ficha de compensao que servia de aviso ao sacado e instrumento para pagamento. Com a evoluo tecnolgica, a fita magntica foi substituda pelo disquete no qual o sacador, utilizando-se de um computador, gravava todas as informaes mercantis e entregava ao banco para processamento do boleto para a cobrana da duplicata. Nos dias atuais, a cobrana de duplicatas pelas instituies financeiras realizada de forma

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eletrnica, considerando que as informaes sobre os dados da transao mercantil so repassadas em tempo real pelo sacador para o banco, atravs de computadores conectados em rede, e, a partir da, emitido o boleto bancrio para cobrana. Com o progresso da informtica, o fenmeno da desmaterializao dos ttulos de crdito ganhou dimenso na comunidade globalizada, a Duplicata Virtual, ou qualquer outro nome dado ao instituto, vem representando uma incontestvel conquista da moderna tcnica bancria, reduzindo os custos das operaes de desconto e de cobrana, e eliminando consideravelmente o trnsito de documentos materializados. 4.2 As Caractersticas da Duplicata Virtual A Duplicata Virtual um ttulo de crdito gerado em sistema computadorizado para representar uma venda mercantil ou prestao de servio, cujos dados do faturamento so enviados eletronicamente a uma instituio financeira que gera um boleto de cobrana e remete ao sacado, que poder quitar a dvida efetuando o pagamento do ttulo diretamente na rede bancria ou pela Internet. Dando o mesmo enfoque conceitual, Paulo Frontini, [28] assim descreve a trajetria da duplicata no mbito da modernizao bancria: A informtica est desmaterializando a duplicata, transformando em meros registros eletromagnticos, transmitidos por computador pelo comerciante ao banco. O banco, a seu turno, faz a cobrana, mediante expedio de simples aviso ao devedor os chamados "boletos" -, de tal sorte que o ttulo em si, na sua expresso de crtula, somente vai surgir se o devedor se mostrar inadimplente. Do contrrio e tal corresponde imensa maioria dos casos a duplicata mercantil atem-se a uma potencialidade que permite se lhe surgira a designao de duplicata virtual. A doutrina de Roney de Castro Peixoto [29] define o termo duplicata virtual: ttulo de crdito representativo de um contrato de compra e venda ou prestao de servios no aportado em papel, ou seja, desmaterializado. No ato do lanamento da duplicata, o comerciante no precisa elaborar materialmente o ttulo representativo de seu crdito, desde que seja usurio de servios de telecomunicaes e informtica bancria. Em perfeita sntese, Rosa Junior [30], por sua vez, descreve a mecnica instrumentalizadora da Duplicata Virtual: O vendedor, via computador, saca a duplicata e a envia pelo mesmo processo ao banco, que, igualmente, por meio magntico, realiza a operao de desconto, creditando o valor correspondente ao sacador, expedindo, em seguida, guia de compensao bancria, que, por correio, enviada ao devedor da duplicata virtual, para que o sacado, de posse do boleto, proceda ao pagamento em qualquer agncia bancria. Como se pode constatar, a Duplicata Virtual tem as suas caractersticas bastante diferenciadas

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da Duplicata prevista na Lei 5.474/68, sendo a sua emisso permitida pelo pargrafo 3, do art. 889, do novo Cdigo Civil, "a partir dos caracteres criados em computador ou meio tcnico equivalente e que constem da escriturao do emitente, observados os requisitos mnimos previstos neste artigo." Com embasamento no reportado pargrafo, parte da doutrina nacional tem defendido a tese de que o novo Cdigo Civil disciplinou a Duplicata Virtual, destacando-se nesta corrente Rodney de Castro, [31] afirmando: Embora o disposto no art. 889 do Novo Cdigo Civil se refira a ttulos de crdito, de maneira genrica, na duplicata que presenciamos sua aplicabilidade mais importante. Pela primeira vez, caracteres criados em computador, vale dizer, bits e bytes, constam em um codex de tamanha importncia e abrangncia, o que caracteriza os novos rumos tomados pela sociedade com a utilizao da tecnologia da informao. A duplicata digital recebe previso legal. Nada muda no procedimento da duplicata nas transaes cotidianas. Todos os dias milhares de ttulos so gerados em sistemas informatizados e cobrados da mesma maneira. Entretanto, merece destaque o fato da letra da lei abrigar de maneira indita e contundente, o ttulo de crdito gerado digitalmente, pacificando a matria entre os doutrinadores e cercando de eficcia o conjunto probatrio nascente da utilizao de dados unicamente lgicos para a formalizao de ttulo de crdito. A Duplicata Virtual no se enquadra em toda a sua plenitude como um ttulo de crdito, nos termos da clebre definio de Vivante, por lhe faltar o requisito consagrado como princpio da cartularidade. Entretanto, deve-se relevar que, tendo o ttulo de crdito funo precpua de incorporar um direito de crdito e faz-lo circular, na Duplicata Virtual, pela ausncia de crtula, esta incorporao efetiva-se em documento eletrnico que, dotado de autonomia e literalidade, tem efeito circulatrio suficiente para atingir a finalidade cambial. Destarte, no tocante jurisdicidade, a Duplicata Virtual perfeita, vlida e eficaz, considerando que a sua criao teve como objetivo fazer circular um direito de crdito eletronicamente documentado que, repassado a uma instituio financeira, viabiliza as operaes de cobrana e de desconto, como bem destacou o mestre Fbio Ulhoa: [32] A duplicata, hoje em dia, no documento em meio papel. O registro dos elementos que a caracterizam feito exclusivamente em meio magntico e assim so enviados ao banco, para fins de desconto, cauo ou cobrana. O banco, por sua vez, expede um papeis, denominado guia de compensao`, que permite ao sacado honrar a obrigao em qualquer agncia, de qualquer instituio no pas. Se no ocorrer o pagamento, atendendo s instrues do sacado, o prprio banco remete, ainda em meio magntico, ao cartrio, as indicaes para o protesto (nas comarcas mais bem aparelhadas). Com base nessas informaes, opera-se a expedio

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da intimao do devedor. Se no for realizado o pagamento no prazo, emite-se o instrumento de protesto por indicaes, em meio papel. De posse desse documento, e do comprovante da entrega das mercadorias, o credor poder executar o devedor. Ou seja, a duplicata em suporte papel plenamente dispensvel, para a documentao, circulao e cobrana do crdito, no direito brasileiro, em virtude exatamente do instituto do protesto por indicaes. 4.3. Do aceite O aceite o ato pelo qual o sacado se integra relao cambial, reconhecendo a exatido da obrigao oriunda de uma compra e venda mercantil ou da prestao de servio e o dever de liquid-la no vencimento. Na duplicata virtual, por no haver a materializao do ttulo de crdito, torna-se invivel o aceite ordinrio, posto que a possibilidade da assinatura eletrnica ainda no foi admitida em nosso direito. Embora possvel juridicamente quando materializado em suporte papel, o aceite por comunicao ou em separado, por conter considervel dificuldade prtica, pouco utilizado na duplicata virtual, considerando que a manifestao escrita pelo sacado ao sacador informando o assentimento emisso do ttulo no pode ser efetivada por meio magntico (E-mail). Apesar de no haver consenso doutrinrio sobre o tema, entende-se que o aceite que mais se adapta duplicata virtual o presumido ou tcito, no qual basta o silncio do sacado, ficando o aceite suprvel pela assinatura no comprovante de entrega da mercadoria ou da comprovao da efetiva prestao dos servios e do vnculo contratual que a autorizou, documentos que ficam na posse do sacador. Entendendo pela jurisdicidade do endosso firmado no comprovante de entrega da mercadoria, Carlos Fulgncio da Cunha Peixoto, [33] do alto da sua ctedra, assim leciona: A regra geral sem exceo a ineficacidade, para efeitos cambiais, do ato cambirio escrito fora do ttulo. O ttulo cambial, em sua essncia, um documento completo. [...] A atual lei de duplicata modificou, neste ponto, o instituto cambial para admitir, em circunstncias especiais, a assinatura fora do ttulo com eficcia de aceite ou recusa de sua devoluo e o art. 15 e seu 13 atribuem duplicata, assim formalizada, desde que acompanhada de um documento comprobatrio da entrega ou recebimento da mercadoria, ao executiva. Constituindo regra de direito que ningum pode ser acionado por um ttulo de crdito em que no lanou sua assinatura, evidente que, podendo o portador da duplicata acionar executivamente o sacado com a duplicata no assinada, mas acompanhada de documento comprobatrio da entrega da mercadoria, a assinatura, neste documento, vale como aceite com toda a eficcia cambial. Fbio Ulhoa, [34] capitaneando corrente doutrinria de vanguarda, vislumbra que no ambiente virtual o aceite por presuno ser consolidado como forma vinculativa do sacado obrigao cambial:

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Com a utilizao do meio magntico para fins de registro do crdito, o aceite por presuno tende a substituir definitivamente o ordinrio, at mesmo porque a duplicata no se materializa mais num documento escrito, passvel de remessa ao comprador. Em vertente contrria, Amador Paes, [35] no s nega a caracterizao do aceite presumido na prtica de duplicata virtual (que ele chama de "escritural"), como tambm lhe nega efeitos cambirios: Em razo do princpio da cartularidade, para que se consubstancie o ttulo de crdito, fundamental a existncia de um documento. [...] Por isso, ou seja, exatamente por faltar-lhe um documento, que a chamada "duplicata escritural" duplicata no , no podendo, por isso mesmo, ser vista como ttulo de crdito. [...] A remessa da duplicata ao devedor , pois, exigncia legal, que no atendida quando se adota a chamada "duplicata escritural". Amarildo Ermnio Darold, [36] por sua vez, afirma que o aceite presumido ter que ser provado "atravs da exibio de A.R. [Aviso de Recebimento] descritivo do contedo, ou de outro documento equivalente que assegure ter o sacado recebido o ttulo". Em que pese o dissenso doutrinrio sobre a viabilidade do aceite presumido sem que a crtula tenha sido remetida ao devedor, h que se observar, se a legislao vier a acolher a validade jurdica dos documentos eletrnicos, o aceite da duplicata virtual ser ordinrio. Isto , a duplicata ser remetida eletronicamente para o sacado, que apor seu aceite, com assinatura digital, devolvendo-a ao apresentante. 4.4 Do endosso Com o avano tecnolgico da informtica, surgiu uma nova forma de circulao de crdito no mercado bancrio com operaes lastreadas em ttulo descartularizado, criado com o objetivo de simplificar procedimentos e diminuir os custos de transao. Por ser uma cambial desmaterializada, a duplicata virtual tem a sua circulabilidade restrita ao stio bancrio, processando-se a transferncia do direito de crdito contido no ttulo em clusula de endosso pactuada em instrumento contratual de operaes de cobrana, desconto, e de constituio de garantia pignoratcia (penhor de ttulos). A prtica bancria consolidou-se no sentido de formalizar o endosso em clusulas contratuais pactuadas em instrumento apartado. A propsito da limitao circulatria da duplicata virtual, Wilges Ariana Bruscato [37] assim se manifesta: A rigor, a descartularizao da duplicata prejudicaria a ampla circulabilidade do ttulo, outro de seus atributos. Porm, mesmo este princpio deve ser encarado, em nossos dias, com certa

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relatividade, posto que, ainda que em mbito restrito do relacionamento entre empresrio e banco, a duplicata circula. 4.5 Do aval A Lei Uniforme de Genebra, no art. 31, dispe que o aval escrito no prprio ttulo ou numa folha anexa, consistente em uma simples assinatura do avalista. Assim, havendo necessidade do suporte fsico da crtula para ser firmado, torna-se invivel, no momento atual, pela impraticabilidade da assinatura digital no mbito das relaes negociais privadas, vincular terceiros obrigao cambial na condio de avalista. 4.6. Do protesto A Lei n 9.492/97, que regulamenta o protesto, define-o como "ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplncia e o descumprimento da obrigao originada em ttulos e outros documentos de dvida". A reportada lei, no nico, do seu art. 8, autoriza o protesto por indicaes de duplicatas, ao dispor: Podero ser recepcionadas as indicaes a protesto das duplicatas mercantis e de prestao de servios, por meio magntico ou de gravao eletrnica de dados, sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos tabelionatos a mera instrumentalizao da norma. Para alguns doutrinadores, o fato da lei autorizar o tabelio efetivar o protesto por indicaes transmitidas por meio informatizado no significa a reconhecimento legal do protesto de duplicata desmaterializada, pois entendem, embasados nos termos do 1, do art. 13, da Lei n 5.474/68, que o protesto por indicaes somente possvel quando a duplicata enviada para aceite no for devolvida pelo sacado. Ermnio Darold, [38] ferrenho crtico da viabilidade jurdica do protesto por indicaes com aponte tirado em dados consignados em boleto bancrio, assim manifesta o seu entendimento: A lei somente autoriza o protesto por indicao de duplicata quando remetida ao sacado para aceite e este no a devolve. Logo, para que possa o requerente do ato moratrio valer-se da hiptese excepcionalssima do protesto por indicao, tem de demonstrar que existe uma duplicata da qual portador e que ela no se encontra sob sua posse porque, remetida ao sacado para aceite, no obteve a devoluo. Sem a prova de tais requisitos impossvel o protesto por indicao, porque a um, equivaleria abolir-se a apresentao do ttulo para o ato de constrangimento, a duas suprimiria ao tabelio as condies de anlise dos requisitos formais, e a trs instalaria presuno de veracidade a simples palavra de algum em prejuzo de outrem, esbarrando nas garantias constitucionais mencionadas [igualdade e devido processo legal}. A irresignao de Ermnio Darold partilhada por Pedro Luiz Pozza, [39] que vislumbra ilegalidade no protesto cambial por indicao, sem que antes tenha sido remetida a crtula ao

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sacado: O protesto por indicao, como se v, medida excepcional que o legislado colocou disposio do sacador da letra ou duplicata quando ele, tendo remetido o ttulo para aceite ou pagamento, no for devolvido, aceito, ou pago. Seria injusto retirar do portador da crtula que, agindo de boa-f, ao remeter a cambial para aceite ou pagamento, e em no sendo devolvida, nem paga, o direito de fazer o protesto da mesma, a fim de exercer, ao depois, a ao cambial atinente espcie. Isso todavia, o que previu o legislador. Enquanto deveria ser exceo, o protesto por indicao virou regra, e quase sempre levado a efeito sem que para tanto o portador esteja autorizado por lei. Explico: hoje, a automao bancria, calcada na necessidade de reduo de custos, vem reduzindo sistematicamente o trnsito de documentos. Por isso, a grande maioria dos bancos e a maioria das empresas especialmente as de grande e mdio porte ao realizarem uma compra e venda mercantil ou prestao de servios, no mais emitem a respectiva duplicata. Limitam-se, via recursos de informtica, a dar instrues ao determinado banco para que emita o chamado bloqueto de cobrana bancria, remetendo-o ao comprador da mercadoria ou dos servios, para que pague quantia determinada em data fixada. Mesmo em se tratando de empresas pequenas, que ainda emitem duplicatas e as entregam aos bancos, para cobrana, as instituies financeiras, na mais das vezes, processam o ttulo e, depois, devolvem-no. Tanto assim, que em alguns bloquetos consta impresso que est o ttulo em poder do cedente. Com isso, nem o banco fica com a duplicata em seu poder, muito menos remete-o para o sacado, seja para aceite ou pagamento nesse ltimo caso, na hiptese de j estar aceita a duplicata. Apesar disso, no havendo pagamento na data aprazada, o banco, na condio de mandatrio da empresa credora, encaminha ao cartrio ordem de protesto, obviamente que por indicao, eis que ele nunca esteve na posse da crtula, ou, se a recebeu, j devolveu ao credor. Nada mais ilegal, uma vez que, como j referi, o protesto por indicao s pode ser feito quando, tendo sido remetido ao sacado, para aceite ou pagamento, ele no o devolveu. Ou seja, imprescindvel que o sacado tenha recebido o ttulo, para que ele possa ser substitudo pelas indicaes do portador, ou seu mandatrio. No se concorda com o entendimento doutrinrio dos autores acima citados, porque no protesto por indicaes a Lei de Duplicatas no impe ao apresentante a comprovao da remessa do ttulo ao sacado para aceite, dispondo apenas, no 3, do art. 21, que as informaes devem retratar os dados lanados pelo sacador ao tempo da emisso da duplicata. Ademais, a prosperar argumento de que necessria a comprovao da remessa da duplicata para aceite no protesto por indicaes, sem sombra de dvidas, seria negar a viabilidade jurdica do aceite presumido ou tcito, para o qual, basta o silncio do sacado, ficando a declarao cambial suprvel pela assinatura do sacado no comprovante de entrega da

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mercadoria ou da comprovao da efetiva prestao dos servios, conforme magistrio de Cunha Peixoto. [40] Por outro lado, sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, a prpria lei de protesto induz ao entendimento de que no h necessidade da comprovao da remessa da duplicata, pois em caso de saque fraudulento responder o sacador pelos danos causados em virtude do protesto lavrado com base em indicaes equivocadas. O Tribunal de Justia do Estado de So Paulo, ao ensejo do julgamento da Apelao Cvel n 118.055-4/0-00, decidiu pela viabilidade do protesto por indicaes de duplicatas virtuais, em Acrdo da lavra do Desembargador Aldo Magalhes, publicado no repositrio jurisprudencial da Revista dos Tribunais n 776, pginas 215-218, assim ementado: O protesto por indicao da duplicata no depende da preexistncia fsica do ttulo e de sua apresentao nessa espcie ao sacado, consoante se depreende do art. 8, par. n., da Lei 9.492/97 autorizar que as indicaes da duplicata sejam transmitidas e recepcionadas pelos Tabelionatos de Protesto por meio magntico ou de gravao eletrnica de dados. Desta forma, o protesto por indicaes uma prtica que se encontra bastante difundida no comrcio bancrio de desconto de ttulos, pois na rotina das empresas tomadoras de financiamento as transaes mercantis tm curso quase sempre sem a emisso material da duplicata, como observa Celso Barbi Filho: [41] Com isso, os empresrios passaram a no emitir as duplicatas, encaminhando borders aos bancos, com os nmeros dos supostos ttulos, correspondentes aos das respectivas notas fiscais fatura, seus valores e vencimentos, juntamente com a identificao dos sacados. Os bancos, por sua vez, emitem boletos de cobrana com os dados recebidos dos sacadores, encaminhando-os pelo correio aos sacados para pagamento na rede bancria. Se determinado boleto no pago, os bancos utilizam sua primeira via como instrumento que contm as informaes necessrias para se requerer o protesto por indicaes do portador (art. 13, 1 , da Lei de Duplicatas). Tirado o protesto, a certido deste juntamente com o comprovante de entrega da mercadoria ou da prestao do servio presta-se adequadamente execuo ou ao pedido de falncia na forma do art. 15, inc. II e 2, da Lei 5.474/68. 4.7. Da execuo O art. 585, I, do Cdigo de Processo Civil, elenca a duplicata entre os ttulos executivos extrajudiciais, enquanto que a Lei n 5.474/68, no seu art. 15, estabelece a possibilidade do aludido ttulo, quando concebido de forma desmaterializada, ser executado, desde que: a) haja sido protestado por indicaes; b) esteja acompanhado de documento hbil comprobatrio da entrega e recebimento da mercadoria ou prestao de servios; e c) o sacado no tenha, comprovadamente, recusado o aceite. Neste sentido, esclarece Ronaldo Amaral Sharp Junior, [42] opinando pela viabilidade da execuo judicial da duplicata virtual:

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A exigibilidade da duplicata virtual assegurada pelo protesto efetuado por indicaes feitas por meio eletromagntico, acompanhado da prova da entrega da mercadoria ou da prestao de servio. Ressalte-se que a prpria Lei de Duplicatas, que data do ano de 1968, em seu art. 15, 2, j dispensava a crtula para a execuo do crdito, admitindo aceite tcito pelo protesto por indicao, e o que fez a Lei de Protesto, que de 1997, foi apenas possibilitar o protesto por indicao a partir de meio magntico ou eletrnico de dados. Ademais, a recusa do aceite, que retira a exigibilidade do ttulo, h de ser alegada e provada pelo devedor na oportunidade de sua defesa. A ausncia de recusa, por ser prova negativa, no cabe ao credor. No mesmo diapaso, ROSA JNIOR [43] afirma que: A conjuno do instrumento de protesto, lavrado por indicaes feitas por meio magntico ou de gravao eletrnica de dados, com a prova da entrega da mercadoria, acrescida do fato do sacado no ter dado expressamente razes da recusa do aceite, constitui ttulo executivo extrajudicial por fora do 2, do art. 15, da LD, e do inciso VII do art. 585 do CPC [...] e que a ausncia de documento fsico no tem o condo de impedir a execuo do crdito decorrente da relao comercial ocorrida entre o sacador e o sacado. O mesmo autor, [44] comentando as inovaes do novo Cdigo Civil com a adoo do princpio da liberdade de criao e emisso de ttulos atpicos ou inominados, inclusive, permitindo lanamento circulao a partir de caracteres criados em computador ou meio tcnico equivalente, ratifica o seu entendimento acerca da viabilidade jurdica da execuo de duplicata virtual, assim afirmando: Trata-se de notvel inovao que poder ajudar a resolver os problemas jurdicos relativos duplicata virtual, decorrente da evoluo tecnolgica, e que reduz a importncia do dogma da cartularidade. Assim, se o ttulo virtual est reconhecido pelo pargrafo terceiro do art. 889, que se posiciona nas Disposies Gerais sobre ttulos de crdito, entendemos que no se poder mais negar executividade duplicata virtual, por ser reconhecida como ttulo de crdito, e, conseqentemente, consubstanciar obrigao lquida e certa, desde que os caracteres criados em computador ou meio tcnico equivalente constem da escriturao do emitente e o ttulo observe os requisitos mnimos previstos no art. 889. [...]A norma do pargrafo terceiro do art. 889 do novo Cdigo Civil vem robustecer o entendimento de parte da doutrina, qual nos filiamos juntamente com Fbio Ulhoa Coelho, e da jurisprudncia, no sentido de que a duplicata virtual ttulo executivo, desde que observados os requisitos mnimos previstos no caput do art. 889 do mencionado Cdigo. Como se pode constatar, a duplicata virtual tem eficcia executiva plena prevista na prpria Lei de Duplicatas, sendo apenas exigido para aparelhar o processo executivo a juntada do instrumento de protesto tirado por indicao e do comprovante de entrega e recebimento da mercadoria ou da prestao de servio. Por tais razes, pode-se concluir que a duplicata virtual lcita, vlida e eficaz e que, como afirma Fbio Ulhoa [45]: "[...] o direito brasileiro, independentemente de qualquer alterao

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legislativa, j ampara a executividade de duplicata virtual, isto , de ttulo constitudo, negociado e protestado exclusivamente em meios magnticos". CONCLUSES Objetivou o estudo do tema proposto nesta monografia encontrar resposta sobre a viabilidade jurdica da aplicao dos institutos cambiais da emisso, aceite, endosso, aval e protesto duplicata virtual, bem como sobre a possibilidade do aludido ttulo de crdito ser objeto de ao executiva, em razo da sua criao ser desmaterializada, ou seja, sem crtula. Efetuada a pesquisa terica, atravs da anlise da legislao infra-constitucional, da doutrina e da jurisprudncia acerca do tema, vrios pontos relevantes podem ser identificados no curso da investigao: Pela anlise histrica dos ttulos de crdito, constata-se que o Direito Cambial tem como fonte principal a informalidade dos usos e costumes comerciais, e que as suas regras legisladas so sempre precedentes s prticas mercantis. A duplicata, ttulo de crdito fruto da genialidade do empresariado brasileiro na busca de um facilitador para as transaes mercantis de compra e venda ou de prestao de servios, tem matriz no art. 219 do Cdigo Comercial de 1850, encontrando-se, atualmente, disciplinada pela Lei 5.474/68, tendo o seu regime jurdico influenciado a criao de ttulos assemelhados em outros pases, como a factura de crdito na Argentina, o extrato fatura em Portugal e o bordereau na Frana. O atual estgio da Revoluo da Informao, marcado pelo progressivo crescimento da rede mundial de comunicao informatizada, trouxe para o comrcio grande desenvolvimento, com transaes mercantis sendo realizadas de forma instantnea, em tempo real, muitas vezes entre contratantes separados por distncias ocenicas. Essa facilidade de acesso aos meios de comunicao informatizados transformou o cotidiano das empresas que deixaram significativamente de utilizar documentos em suporte papel, passando a usar registros de dados desmaterializados em meio eletrnico nas suas atividades comerciais, com reduo de custos e celeridade nas negociaes. Por conseguinte, a informatizao dos registros de crdito mercantil uma realidade que deu origem ao fenmeno de desmaterializao dos ttulos de crdito, fazendo com que conceitos que eram verdadeiros dogmas do direito cambirio fossem repensados, com o objetivo de compatibilizar a utilizao de novas tecnologias aos seculares institutos previstos no ordenamento jurdico nacional. Os princpios da cartularidade e o da literalidade que compem, juntamente com o da autonomia, a base fundamental de toda teoria cambiria, encontram-se em declnio em funo do fenmeno da desmaterializao. O princpio da cartularidade perdeu o sentido quando a prtica comercial supriu a sua existncia ao substituir o suporte papel pelo meio eletrnico nas negociaes mercantis, enquanto que o princpio da literalidade precisa no ambiente virtual ser

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repensado, em razo da inexistncia da crtula para delimitar a validade dos atos cambirios. O princpio da autonomia o nico que no apresenta incompatibilidade com o fenmeno da desmaterializao, pois, desde que consignado no ttulo, mesmo virtualmente, a obrigao cambial torna-se autnoma. O comrcio bancrio brasileiro nos anos 70, enfrentando uma situao sufocante pelo grande nmero de ttulos de crdito que circulava em suas carteiras de cobrana e desconto, procurou solucionar o problema da sua rea crtica de servios adotando a cambial-extrato, surgida sob inspirao da francesa Lettre de Change-Relev, por sugesto do Professor Newton de Lucca. Dessa forma, o sistema bancrio brasileiro atingiu um alto grau de desenvolvimento com a utilizao de modernos recursos tecnolgicos. Atualmente, as operaes de cobrana e de desconto de ttulos so processadas por informaes eletronicamente repassadas pelo sacador atravs de computadores conectados em rede, gerando da um boleto de cobrana que enviado pelo banco ao devedor para pagamento do ttulo em qualquer estabelecimento comercial credenciado ou pela Internet. Dentro deste novo cenrio da atividade bancria, surgiu a duplicata virtual, ttulo de crdito de executividade rejeitada para alguns doutrinadores, sob o argumento de que somente admissvel o aparelhamento de execuo sem a crtula, como previsto no art. 15, II, da Lei de Duplicatas, quando o protesto por indicaes for tirado mediante efetiva comprovao de que o ttulo foi encaminhado para aceite e ficou retido em mos do devedor. Aps perlustrar as diversas trilhas de investigao que a doutrina e a jurisprudncia oferecem ao tema e sob o enfoque do reconhecimento legal dos ttulos desmaterializados, previsto no 3, do art. 889, do Cdigo Civil, pode-se, em resposta s indagaes que motivaram a pesquisa, concluir que a duplicata virtual tem plena eficcia e jurisdicidade por que: a) A sua emisso ocorre no momento em que o crdito concedido e mantido pelo sacador em meios eletrnicos de armazenamento de dados transmitido via computador a uma instituio bancria para instrumentalizar operaes financeiras de desconto ou de cobrana ou quando enviado a um cartrio para protesto por falta de pagamento. b) O aceite efetiva-se de forma presumida pelo silncio do sacado no prazo de dez dias da efetiva entrega da mercadoria ou da prestao dos servios. c) O endosso tem como suporte clusula pactuada em instrumento contratual de operaes de cobrana ou de desconto, tendo o ttulo circulabilidade, embora restrita no contexto do relacionamento entre o sacador e o banco. d) O protesto pode ser promovido por indicaes transmitidas por meio informatizado, sendo de inteira responsabilidade do apresentante a veracidade dos dados fornecidos, como dispe o pargrafo nico do art. 8 da Lei n 9.492/97. e)A executividade da duplicata virtual assegurada pelo 2, do art. 15 da Lei de Duplicatas, que prev que o ttulo executivo pode ser substitudo pelo instrumento de protesto acompanhado do comprovante da entrega da mercadoria ou da prestao de servio, e pelo art. 8, da Lei n 9.492/97, que possibilita o protesto por indicaes a partir de meio magntico ou eletrnico de dados.

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Quanto ao aval, por no haver no Brasil regulamentao legal acerca da certificao digital de documentos privados e, tambm, pela inviabilidade jurdica da assinatura do avalista ser tomada em documento apartado do ttulo, o sistema atual no dispe de meios para vincular terceiros a uma obrigao cambial. Para finalizar, ressalta-se que os princpios que embasam o Direito Cambirio precisam ser repensados para espancar a rejeio que alguns doutrinadores tm duplicata virtual, ttulo de crdito desmaterializado que est a desafiar os operadores do Direito na busca de solues doutrinrias e jurisprudenciais para adequar os institutos jurdicos evoluo tecnolgica, que tanta transformao provoca nas relaes sociais, econmicas e financeiras. Notas 1. BRANCO, Elcir Castelo. Enciclopdia Saraiva de Direito (Artigo Cientfico). So Paulo: Saraiva, 1977, v. 21, p. 139. 2. REQUIO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 13. ed. So Paulo: Saraiva, 1983, v. 2, p. 314. 3. MARTINS, Fran. Ttulos de Crdito .11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, v. I, p. 5. 4. ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Ttulos de Crdito.So Paulo: Livraria Acadmica Saraiva & Cia. Editores, 1943, p. 3. 5. Cf.Endrmanns Handbuch, v. II, p. 147, apud Cesare Vivante, Trattato di Diretto Commerciali, v. III, Le Cose, 4. ed., Milo: Casa Editrice Dottor Francesco Vallardi, 1914, p. 164. 6. Vivante, Cesare. op. cit, p. 164. 7. Apud Newton de Lucca. Aspectos da Teoria Geral dos Ttulos de Crdito. So Paulo: Pioneira, 1979, p. 12. 8. MARTINS, Fran. op. cit., p. 6. 9. COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8. ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, v. 1, 2004, p. 372. 10. REQUIO, Rubens. op. cit., p. 299. 11. MENDONA, J.X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial. 6.ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1960, v. V, p. 55. 12. REQUIO, Rubens. op. cit., p. 307. 13. COELHO, Fbio Ulhoa. op. cit., p. 454. 14. ALMEIDA, Amador Paes de. Teoria e prtica dos ttulos de crdito. 17 ed. rev. atual. e ampl. So Paulo: Saraiva, 1998, p. 151. 15. ASCARELLI, Tullio. Teoria Geral dos Ttulos de Crdito. 2. ed., So Paulo: Saraiva, 1969, p. 143. 16. ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Direito Cambirio. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1984, v.1, p. 234. 17. FRAN MARTINS. op. cit., p. 176. 18. ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Duplicatas e Facturas de Crdito Confronto e Comparaes. Revista de Direito Mercantil, So Paulo, 1997, v. 108, p. 68. 19. COELHO, Fbio Ulhoa. O Desenvolvimento da Informtica e o Desatualizado Direito. Boletim Informativo Saraiva, So Paulo, n 1, 1996. 20. COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8.ed. rev. e atual. So Paulo:

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Saraiva, 2004, v.1, p. 386. 21. COELHO, Fbio Ulhoa. op. cit., p. 464. 22. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito,3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1940, p. 372. 23. FRONTINI, Paulo Salvador. Ttulos de crdito e ttulos circulatrios: que futuro a informtica lhes reserva? Revista dos Tribunais,So Paulo, ano 85, n. 730, p. 50-67, ago. 1996. 24. ALBERTINI, Alberto Luiz. Comrcio Eletrnico. So Paulo:Atlas, 2002, p. 215. 25. ROHRMANN, Carlos Alberto. O Direito Comercial Virtual - A assinatura digital. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, Belo Horizonte, 1997, v. 4, p. 43. 26. QUEIRZ, Regis Magalhes Soares de. Direito e Internet-Aspectos Jurdicos Relevantes. Bauru, SP: Edipro, 2000. 27. ALBERNAZ,Lister de Freitas. Ttulos de Crdito Eletrnicos [ArtigoCientfico] . 2004. Disponvel em . Acesso em: 12 abr.2005. 28. FRONTINI, Paulo Salvador. Ttulos de crdito e ttulos circulatrios: que futuro a informtica lhes reserva? Revista dos Tribunais, So Paulo, ano 85, n. 730, p. 50-67, ago. 1996. 29. PEIXOTO, Rodney de Castro. O Comrcio Eletrnico e os Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 73. 30. ROSA JUNIOR, Luiz Emydio da, Ttulos de Crdito. 2. ed. Rio de Janeiro:Editora Renovar, 2000, p. 726. 31. PEIXOTO, Rodney de Castro. O Novo Cdigo Civil e a Duplicata Virtual[artigo cientfico].2003. Disponvel em:http://www.emporiodosaber.com.br/ci/colunas/estante/Coluna_Direito_Tecnologia_07.html. Acesso em:27 set. 2004. 32. COELHO, Fbio Ulhoa. op. cit., p. 460-461. 33. PEIXOTO, Carlos Fulgncio da Cunha. Comentrios Lei de Duplicatas. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971, p. 89. 34. COELHO, Fbio Ulhoa. op. cit., p.459. 35. ALMEIDA, Amador Paes de. Teoria e prtica dos ttulos de crdito. 17. ed. rev. atual. e ampl. So Paulo: Saraiva, 1998, p. 184-186. 36. DAROLD, Ermnio Amarildo. Protesto cambial: duplicates x boletos. Curitiba: Juru, 1999, p. 54. 37. BRUSCATO, Wilges Ariana. Descartularizao da Duplicata.{artigo cienifico}. 2000. Disponvel em:http://www.wilges.com. Acesso em: 27 set. 2004. 38. DAROLD, op. cit., p. 54. 39. POZZA, Pedro Luiz. Consideraes sobre o protesto por indicaes .Revista da Associao dos Juzes do Rio Grande do Sul AJURIS, Porto Alegre, ano 24, n. 69, p. 403-405, mar. 1997. 40. CUNHA PEIXOTO, Carlos Fulgncio. loc. cit 41. BARBI FILHO, Celso. Execuo judicial de duplicatas sem os originais dos ttulos. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, So Paulo, v. 37, n. 115, p. 171-183. 42. SHARP JUNIOR, Ronald Amaral. Duplicata Aspectos Jurdicos e Discusses Atuais. Revista da EMERJ Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. v. 4, n. 14, p. 87-94, 2001. 43. ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. op. cit., p. 740.

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44. Id. O novo Cdigo Civil e os ttulos de crdito. [artigo cientfico]. 2002. Disponvel em: http://www.pellonassociados.com.br/boletim/boletim _mai02/Notas%20Informativas20mai %2002.htm. Acesso em:28 set.2004. 45. COELHO, Fbio Ulhoa. op. cit., p. 467. Joclio Carvalho Dias de Oliveira Advogado aposentado do Banco do Brasil

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