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CRISTOVÃO CASSINO TEIXEIRA ASPECTOS POLÊMICOS DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS NO DISTRITO FEDERAL Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª Esp. Karla Neves Faiad de Moura Brasília 2010

aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

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CRISTOVÃO CASSINO TEIXEIRA

ASPECTOS POLÊMICOS DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS NO DISTRITO FEDERAL

Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª Esp. Karla Neves Faiad de Moura

Brasília 2010

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Universidade Católica de Brasília

Monografia de autoria de Cristovão Cassino Teixeira, intitulada “ASPECTOS POLÊMICOS DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS NO DISTRITO FEDERAL”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em (___/___/____), defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada.

__________________________________________

Presidente: Profª Esp. Karla Neves Faiad de Moura

Orientadora

Universidade Católica de Brasília

__________________________________________

Integrante: Prof.

Universidade Católica de Brasília

__________________________________________

Integrante: Prof.

Universidade Católica de Brasília

Brasília 2010

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AGRADECIMENTO

A Deus, pela dádiva da existência; a meus pais, Eduardo e Edna, pelo cuidado e dedicação; a minha esposa, Liliana, por seu amor sincero e compreensão; aos meus filhos, Mariana e Luca, sem os quais minha vida não teria graça; à Profª Esp. Karla Neves Faiad de Moura, por sua elevada cultura jurídica e boa vontade em orientar-me, condições essenciais para a elaboração desta monografia.

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RESUMO

Referência: TEIXEIRA, Cristovão Cassino. Aspectos Polêmicos dos Alimentos Gravídicos no Distrito Federal. 73 fls. Monografia (Direito) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.

Esta monografia analisa determinados aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos, no âmbito do Distrito Federal, a partir da edição da Lei nº 11.804/2008 – Lei dos Alimentos Gravídicos, quais sejam: a natureza jurídica e a titularidade do direito; a competência do juízo; a constituição da relação jurídica; o prazo para a apresentação de resposta; os indídicos de paternidade e o processo de produção da prova plena da paternidade versus riscos à gestação; o cabimento da ação de reparação de danos sofridos pelo suposto pai; bem como os entendimentos jurisprudenciais já assentados referentes à matéria.

Palavras-chave: Direito de Família. Alimentos Gravídicos. Gestante. Nascituro. Suposto Pai. Indícios de Paternidade. Prova Plena da Paternidade.

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ABSTRACT

Reference: TEIXEIRA, Cristovão Cassino. Controversial Aspects of Gravidic Food in the Federal District. 73 sheets. Monograph (Rights) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.

This monograph analyzes certain controversial aspects of food gravidic within the Federal District, from the enactment of Law No. 11.804/2008 - gravidic Food Act, namely: the legal nature and ownership of law, the jurisdiction of the court, the constitution the legal relationship, the deadline for response; the indid paternity and production process of the full proof of paternity versus risks to pregnancy, the appropriateness of action for damages suffered by the alleged father, as well as already rests on jurisprudential understandings regarding the matter. Keywords: Family Law. Gravidic Food. Pregnant. Unborn Child. Alleged Father. Evidence of Paternity. Full Proof of Paternity.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 8

1 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL .............................................................................. 10

1.1 REPERSONALIZAÇÃO .................................................................................................................. 11

1.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA ......................... 12

1.2.1 Princípios .................................................................................................................................. 12

1.2.2 Dignidade da Pessoa Humana e Família .................................................................................. 13

1.2.3 Solidariedade Familiar .............................................................................................................. 15

1.2.4 Igualdade e Direito à Diferença ................................................................................................ 17

1.2.4.1 Igualdade entre os Filhos ...................................................................................................... 18

1.2.5 Liberdade às Relações de Família ............................................................................................. 19

1.2.6 Paternidade Responsável ......................................................................................................... 21

1.2.7 Afetividade ............................................................................................................................... 23

1.2.8 Convivência Familiar ................................................................................................................ 24

1.2.9 Melhor Interesse da Criança .................................................................................................... 25

2 ALIMENTOS ....................................................................................................................................... 27

2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA ............................................................................................ 27

2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS ALIMENTOS ............................................................................................. 29

2.2.1 Quanto à Origem ...................................................................................................................... 29

2.2.2 Quanto à Natureza ................................................................................................................... 31

2.2.3 Quanto ao Momento Procedimental para a sua Concessão ................................................... 33

2.2.4 Alimentos Transitórios ............................................................................................................. 35

2.3 CARACTERÍSTICAS ....................................................................................................................... 35

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2.3.1 Caráter Personalíssimo ............................................................................................................. 36

2.3.2 Irrenunciabilidade .................................................................................................................... 36

2.3.3 Atualidade ................................................................................................................................ 37

2.3.4 Futuridade ................................................................................................................................ 38

2.3.5 Imprescritibilidade ................................................................................................................... 39

2.3.6 Intransmissibilidade ................................................................................................................. 40

2.3.7 Divisibilidade da Obrigação Alimentícia ................................................................................... 41

2.3.8 Irrepetibilidade ......................................................................................................................... 42

2.3.9 Incompensabilidade ................................................................................................................. 43

2.3.10 Impenhorabilidade ................................................................................................................. 44

2.4 ALIMENTOS DECORRENTES DO PARENTESCO....................................................................... 45

3 NASCITURO ...................................................................................................................................... 47

3.1 NASCITURO NO DIREITO ROMANO ............................................................................................ 47

3.2 NASCITURO NO DIREITO BRASILEIRO ...................................................................................... 49

4 ASPECTOS POLÊMICOS DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS ........................................................... 55

4.1 NATUREZA JURÍDICA E TITULARIDADE ..................................................................................... 55

4.2 COMPETÊNCIA DO JUÍZO ............................................................................................................ 56

4.3 CONSTITUIÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA ................................................................................... 58

4.4 PRAZO PARA A APRESENTAÇÃO DE RESPOSTA .................................................................... 58

4.5 CABIMENTO DA AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS SOFRIDOS PELO SUPOSTO PAI ........ 59

4.6 INDÍCIOS DE PATERNIDADE E PROCESSO DE PRODUÇÃO DA PROVA PLENA DA PATERNIDADE VERSUS RISCOS À GESTAÇÃO.............................................................................. 61

4.7 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS JÁ ASSENTADOS NO DISTRITO FEDERAL COM O ADVENTO DA LEI Nº 11.804/2008 – LEI DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS ....................................... 66

4.7.1 Agravo de Instrumento 20090020119831AGI ......................................................................... 66

4.7.2 Apelação Cível 20090810061229APC....................................................................................... 67

CONCLUSÃO ........................................................................................................................................ 69

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 71

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INTRODUÇÃO

Os alimentos gravídicos, direito de a mulher gestante receber do futuro pai

valores para a cobertura de despesas adicionais incorridas no período gestacional,

foram instituídos no direito brasileiro a partir da edição da Lei nº 11.804/2008 – Lei

dos Alimentos Gravídicos.

Desde então, surgiram questionamentos acerca da efetivação dos referidos

direitos, tanto no plano do direito material quanto no do direito processual.

À parte a discussão acerca da personalidade do nascituro e do nascimento,

enquanto pressuposto para a aquisição da capacidade de direito da pessoa natural,

a doutrina e a jurisprudência pátrias já vinham enfrentando o problema da lacuna no

nosso ordenamento jurídico, referente às normas disciplinadoras dos direitos do ser

humano ainda não nascido em face do direito à vida e dos princípios da dignidade

da pessoa humana e da paternidade responsável.

Pioneira a decisão do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por sua

Primeira Câmara Civil de Férias “F”, no julgamento da Apelação Cível nº 193.648-1,

ocorrido em 14 de setembro de 1993, in verbis: “INVESTIGAÇÃO DE

PATERNIDADE - Nascituro – Legitimidade ativa de parte - Interpretação dos artigos

5º da Constituição da República, 7º e 8º, § 3º, da Lei Federal n. 8.069, de 1990 -

Extinção do processo afastada - Recurso provido.”

Partindo desse contexto relativo não só ao Direito de Família, mas ao Direito

como criação humana em prol do próprio ser humano, objetiva a presente

monografia identificar os aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos, no Distrito

Federal, com o advento da Lei nº 11.804/2008.

No plano do direito material, os aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos

giram em torno da natureza jurídica do novel instituto. Há quem sustente

consubstanciar-se a verba não num direito de alimentos, mas num auxílio-

maternidade; há quem sustente tratar-se de instituto sui generis apresentando

características de pensão alimentícia e de responsabilidade civil.

No plano do direito processual, haja vista a lacônica redação da Lei nº

11.804/2008, a qual faz remissões à Lei nº 5.478/1968 – Lei de Alimentos e ao

Código de Processo Civil, questiona-se, entre outros pontos, a possibilidade de

ineficácia do provimento jurisdicional, no caso de haver demora na citação do

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suposto pai; o desenvolvimento da ação, mediante a resposta do réu, considerando-

se os indícios de paternidade e a produção da prova plena de paternidade, por meio

da aminiocentese (procedimento médico invasivo no ventre da gestante) e os riscos

à gestação.

Guiado por este propósito, o trabalho desenvolver-se-á em 4 (quatro)

capítulos, os quais tratarão do tema, abordando na sequência: a

constitucionalização do Direito Civil; os alimentos; o nascituro; e os aspectos

polêmicos dos alimentos gravídicos no âmbito do Distrito Federal.

Ao término desta monografia, espera-se, de maneira satisfatória, evidenciar

como o instituto jurídico dos alimentos gravídicos vem sendo interpretado e aplicado

no Distrito Federal, desde a edição da Lei nº 11.804/2008.

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1 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

Refletindo acerca do desenvolvimento e da evolução do Direito Civil, Lôbo1

observa que tradicionalmente havia um descompasso entre este ramo do Direito e

os fatos históricos e sociais, dada a velocidade e a profusão com que surgiam,

levando-se a uma dissociação das codificações privadas ocidentais em relação às

respectivas ordens constitucionais:

O direito civil, ao longo de sua história no mundo romano-germânico, sempre foi identificado como o locus normativo privilegiado do indivíduo, enquanto tal. Nenhum ramo do direito era mais distante do direito constitucional do que ele. Em contraposição à constituição política, era cogitado como constituição do homem comum, máxime após o processo de codificação liberal.

Inversamente, a constitucionalização do Direito Civil surge como tendência

unificadora, na atualidade, no sentido de buscar-se a interpretação dos seus

institutos à luz dos princípios constitucionais explícitos e implícitos, mormente o

princípio da dignidade da pessoa humana.

Contudo, não se deve confundir a constitucionalização do Direito Civil com a

sua publicização, posto que esta refere-se ao aumento da intervenção do Estado,

pela via legislativa infraconstitucional, no âmbito das relações privadas, v.g. o art. 4º

da Lei nº 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, o qual, além de

reproduzir o caput do art. 227 da Constituição Federal de 1998, que estabelece o

“dever do poder público, juntamente com a família, a comunidade e a sociedade em

geral, de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à

vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização,

à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária”, enumera uma série de garantias prioritárias, tais como a “precedência

de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública” e “a destinação

privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e

à juventude”.

1 LÔBO, Paulo. Constitucionalização do Direito Civil. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em: 10 ago. 2010.

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Já a constitucionalização, segundo Lôbo2 “[...] tem por fito submeter o direito

positivo aos fundamentos de validade constitucionalmente estabelecidos”. Exemplos

disso exsurgem a partir das Emendas Constitucionais nºs 64 e 663, promulgadas em

2010.

A primeira incluiu expressamente no rol dos direitos sociais, insculpidos no

art. 6º da Constituição Federal de 1988, o direito à “alimentação”; a segunda deu

nova redação ao § 6º do art. 226, suprimindo os requisitos da separação de fato e

judicial, para a dissolução do casamento civil pelo divórcio.

1.1 REPERSONALIZAÇÃO

Apesar de há muito a pessoa ser admitida como sujeito de direitos, podendo

figurar como polo das relações jurídicas, a tradição patrimonialista do Direito Civil

estabeleceu o patrimônio – aspecto real da pessoa, na acepção jurídica – mais

especificamente, os bens, como sendo o objeto principal sobre o qual as demandas

deveriam recair.

Advém das lições de Aristóteles4, acerca da justiça comutativa, que a

comensurabilidade proporcionada pelo dinheiro levaria à igualdade nas relações, a

partir da reciprocidade entre os diferentes, i.e., as pessoas.

Consequentemente, segundo o filósofo macedônio, dispor sobre um

denominador comum, capaz de garantir futuras trocas, servindo como reserva de

valor, implicaria numa das formas de realizar-se a justiça5:

2 LÔBO, Paulo. Constitucionalização do Direito Civil. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em: 10 ago. 2010.

3 Id., Separação era instituto anacrônico. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=654>. Acesso em: 12 set. 2010.

4 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: ed. Martin Claret, 2003, pg. 114.

5 No Livro V da Ética a Nicômaco, Aristóteles enuncia duas grandes categorias para explicar a sua acepção da justiça: a justiça completa e a justiça particular. Segundo ele, a justiça completa, geral ou legal, representa a virtude perfeita, voltada para o proveito do próximo, e a justiça particular, o princípio da igualdade (suum cuique), onde cada um recebe o que lhe é devido. A justiça particular subdivide-se em justiça distributiva e justiça corretiva ou sinalagmática. Esta, por sua vez, subdivide-se em comutativa e judicial.

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[...] o dinheiro tornou-se, por convenção, uma espécie de representante da procura, e se chama dinheiro (nômisma) porque existe, não por natureza, mas por lei (nomos), e está em nosso poder mudá-lo e torná-lo sem valor. [...] haverá reciprocidade quando os termos da proporção forem igualados, de tal modo que o sapateiro esteja para o agricultor assim como a quantidade de produtos do sapateiro esteja para a de produtos do agricultor pela qual é trocada. [...] agindo o dinheiro como uma medida, ele torna os bens comensuráveis e os equipara entre si; e não haveria associação se não houvesse troca, nem troca se não houvesse igualdade, nem igualdade se não houvesse comensurabilidade.

Lôbo6 afirma que:

A codificação civil liberal tinha, como valor necessário da realização da pessoa, a propriedade, em torno da qual gravitavam os demais interesses privados, juridicamente tutelados. O patrimônio, o domínio incontrastável sobre os bens, inclusive em face do arbítrio dos mandatários do poder político, realizava a pessoa humana. [...] A patrimonialização das relações civis, que persiste nos códigos, é incompatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana, adotado pelas Constituições modernas, inclusive pela brasileira (artigo 1º, III). A repersonalização reencontra a trajetória da longa história da emancipação humana, no sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, passando o patrimônio ao papel de coadjuvante, nem sempre necessário.

Hoje em dia, vive-se o desafio da repersonalização, tendência ontológica,

decorrente da constitucionalização do Direito Civil, de posicionar-se a pessoa

humana no centro do sistema jurídico, como valor fundamental e, considerar-se

secundariamente, o seu patrimônio.

Trata-se no dizer de Lôbo7 da “[...] restauração da primazia da pessoa

humana, nas relações civis...”.

1.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA

1.2.1 Princípios

Seguindo a concepção civilista dominante até meados do século anterior que,

por inspiração romanista, equiparava os princípios à equidade, F. de Clemente8,

6 6 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Disponível em:

< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em: 10 ago. 2010.

7 LÔBO, Id., Acesso em: 10 ago. 2010.

8 ______________

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13

conceituou o princípio de direito como “[...] o pensamento diretivo que domina e

serve de base à formação das disposições singulares de Direito de uma instituição

jurídica, de um Código ou de todo um Direito Positivo”.

Consoante essa visão generalista, Bonavides menciona uma sentença

proferida pela Corte Constitucional italiana9, datada de 1956:

Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios do ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do ordenamento jurídico.

Observa ainda o renomado constitucionalista que os princípios, até então,

serviram mais ao propósito de orientar o legislador na tarefa da elaboração das

normas jurídicas, do que propriamente regular, de per si, os comportamentos,

omitindo-se-lhes o seu traço de normatividade.

A moderna doutrina, contrariamente, inclina-se no sentido de reconhecer a

força normativa dos princípios. Neste sentido, Crisafulli10:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.

1.2.2 Dignidade da Pessoa Humana e Família

Em uma de suas obras sobre filosofia moral, Kant11 apresentou um conceito

para a dignidade que se tornou célebre:

No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Uma coisa que tem um preço pode ser substituída por qualquer outra coisa equivalente; pelo contrário, o que está acima de todo preço e, por conseguinte, o que não admite equivalente, é o que tem uma dignidade.

apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 Ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pg. 256.

9 Id., 2004, pg. 256.

10 ______________

1952 apud BONAVIDES, Paulo. Id., 2004, pg. 257.

11 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Disponível em: <http://www.consciencia.org/kantfundamentacao.shtml>. Acesso em: 14 ago. 2010.

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De acordo com o eminente filósofo prussiano, por exclusão, aquilo que não

tem preço e que não pode comodamente ser substituído por outro equivalente,

portanto infungível; aquilo que não é coisa, logo é pessoa, tem o atributo da

dignidade.

A importância da enunciação de Kant é tanta que o Constituinte Originário de

1988 guindou a dignidade da pessoa humana ao status de princípio constitucional

fundamental da República Federativa do Brasil, expressamente, no art. 1º, inciso

III12, além de estabelecê-la, no caput do art. 22713, como dever oponível à família, à

sociedade, e ao próprio Estado.

Em razão disso, conforme o disposto no art. 60, § 4º, IV14 da Constituição

Federal de 1988, garantiu-se na ordem jurídica brasileira especial proteção aos

direitos e garantias individuais.

No que diz respeito ao processo legislativo e a possibilidade de alteração do

Texto Constitucional, a Constituição Federal de 1988 tem sido classificada quanto à

sua estabilidade como super-rígida, por parte da doutrina. Por esta razão, elenca, no

§ 4º do seu art. 60, o núcleo insuprimível das chamadas cláusulas pétreas.

Neste mister leciona Moraes15:

Uma das regras obrigatórias para o Congresso Nacional no exercício do poder constituinte derivado reformador é a observância das chamadas cláusulas pétreas, verdadeiras limitações materiais ao poder de alteração constitucional e, dentre elas, os chamados direitos e garantias individuais (CF, art. 60, § 4.°, IV).

Nas lições de Ferreira Filho16, trata-se da inabolibilidade dos direitos

fundamentais, cuja interpretação perpassa os seguintes aspectos:

12 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; (...)

13 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

14 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais.

15 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2003, pg. 364.

16 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 31. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pg. 298.

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[...] abolir é eliminar alguma coisa – no caso um direito – e isto somente ocorre quando a norma o suprime ou vem a ferir o seu núcleo essencial. Assim, a proibição não impede seja alterado o regime do direito, ou seja, suas condições ou modo de exercício. [...] a Constituição presume que um direito fundamental esteja naturalmente ligado ao regime e princípios que adota, como o da dignidade humana. Destarte, os direitos fundamentais “verdadeiros” têm uma substância própria. [...] a dita “inabolibilidade” protege todos os direitos fundamentais, sem exceção, portanto também os direitos sociais, além das liberdades.

Considerando a dignidade da pessoa humana enquanto princípio

constitucional fundamental, Lôbo17 pugna violá-lo “[...] todo ato, conduta ou atitude

que coisifique a pessoa, ou seja, que a equipare a uma coisa disponível, ou a um

objeto”.

Assim, transportando-se o princípio da dignidade da pessoa humana para o

âmbito da família, opera-se uma verdadeira revolução, considerando-se o modelo de

família tradicional, instituído originalmente como unidade de produção, de natureza

patrimonial.

A família tradicional era, no dizer de Farias e Rosenvald18 “[...] heteroparental”

tendo por fundamento a “[...] chefia paterna”. A partir do reconhecimento da

dignidade como atributo da pessoa, a família passa a ser vista, segundo Lôbo19,

como o “[...] locus de realização existencial de cada um de seus membros e de

espaço preferencial de afirmação de suas dignidades”.

1.2.3 Solidariedade Familiar

Dispõe o art. 3º, I e IV da Constituição Federal de 1988, respectivamente, que

“construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação”, constituem, dentre outros, objetivos fundamentais da República

17 LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pg. 53.

18 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 10.

19 LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pg. 55.

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Federativa do Brasil. A partir dessa perspectiva, a solidariedade apresenta-se,

primeiramente, sob a tônica da solidariedade social.

Entretanto, ao positivar o princípio da solidariedade, o Legislador Constituinte

espraiou no Texto Magno, mormente no caput dos arts. 226, 227 e 23020, os matizes

valorativos deste corolário da dignidade da pessoa humana, os quais impõem à

família, base da sociedade, amplo rol de deveres para com os ascendentes, os

descendentes, os cônjuges, os companheiros, etc.

Farias e Rosenvald21, inspirados em Maria Celina Bodin de Moraes, veem na

solidariedade “[...] uma necessidade ético-teologal”.

Por seu turno, Lôbo22 compreende a solidariedade familiar sob o ângulo da

afetividade:

[...] um vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que compele à oferta de ajuda, apoiando-se em uma mínima similitude de certos interesses e objetivos, de forma a manter a diferença entre os parceiros na solidariedade.

O mesmo civilista sintetiza o princípio da solidariedade como sendo o

resultado “[...] da superação do individualismo jurídico”.

Na evolução dos direitos humanos, aos direitos individuais vieram concorrer os direitos sociais, nos quais se enquadra o direito de família, e os direitos econômicos. No mundo antigo, o indivíduo era concebido apenas como parte do todo social; daí ser impensável a ideia de direito subjetivo. No mundo moderno liberal, o indivíduo era o centro de emanação e destinação do direito; daí ter o direito subjetivo assumido a centralidade jurídica. No mundo contemporâneo, busca-se o equilíbrio entre os espaços privados e públicos e a interação necessária entre os sujeitos, despontando a solidariedade como elemento conformador dos direitos subjetivos.

No que concerne ao Código Civil de 2002, diversos dispositivos exprimem os

ditames do princípio da solidariedade familiar, e.g., os arts. 1.513, 1.566, 1.567,

1.568, 1.630, 1.640, 1.694, 1.695, 1.700, e 1.72523, os quais tratam,

20 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

21 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 665.

22 LÔBO, Id., 2010, pg. 55.

23 Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família. Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos. Art. 1.567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. Parágrafo

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respectivamente, do casamento e da sua eficácia, do poder familiar, do regime de

bens entre os cônjuges, dos alimentos, e da união estável.

Todavia, Lôbo24 critica a “[...] imprescritibilidade do direito do marido impugnar

a paternidade do filho da mulher (art. 1.601)...” bem como a norma do art. 1.611, a

qual “[...] impede que o filho reconhecido por um dos cônjuges não poderá residir no

lar conjugal sem o consentimento do outro, prevalecendo o desejo individual sobre a

solidariedade e o interesse do menor”, considerando-as contrárias à Constituição

Federal de 1988.

1.2.4 Igualdade e Direito à Diferença

A igualdade prevista no caput do art. 5º e inciso I, da Constituição Federal de

1988, consagra a isonomia substancial entre o homem e a mulher. No âmbito

familiar, este princípio vem explicitado nos arts. 226, § 5º e art. 227, § 6º25.

único. Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses. Art. 1.568. Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial. Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial. Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas. Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. § 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia. Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694. Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

24 LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pg. 58.

25 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

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18

Lôbo26 propugna que “Nenhum princípio da Constituição provocou tão

profunda transformação do direito de família quanto o da igualdade entre homem e

mulher, entre filhos e entre entidades familiares”.

Contudo, esta igualdade entre os gêneros, segundo adverte Farias e

Rosenvald27, não pressupõe a igualdade física ou psicológica. Neste passo, os

mesmos civilistas ressaltam a “[...] possibilidade de tratamento diferenciado entre

homem e mulher sempre que houver um motivo justificador”.

Muito embora constem do rol dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,

os incisos XVIII e XX do art. 7º28, da Constituição Federal de 1988 guardam relação

de congruência com o Direito de Família, constituindo exemplos de tratamentos

diferenciados dispensados à mulher, no intuito de assegurá-la em face dos

desequilíbrios do mercado de trabalho.

Pode-se afirmar que a garantia do emprego e do salário da mulher, durante

os 120 (cento e vinte dias) da licença à gestante, traduz o reconhecimento implícito

e a tutela da família monoparental29, por parte do legislador constituinte. Além disso,

lei que instituir incentivos específicos de proteção da mulher trabalhadora visa a

mitigar as injustiças impingidas à mulher, nas relações de trabalho e emprego.

1.2.4.1 Igualdade entre os Filhos

Conforme expressa previsão contida no § 6º, do art. 227, da Constituição

Federal de 1988, tem-se que "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou

por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer

designações discriminatórias relativas à filiação".

26 LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pg. 58.

27 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pgs. 82/83.

28 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

29 Vide o § 4º, do art. 226, da Constituição Federal de 1988: § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

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19

O escopo desse tratamento isonômico visa, no sentir de Farias e Rosenvald30,

à “[...] impedir distinções entre filhos fundadas na natureza do vínculo que une os

genitores (se casados ou em união estável), além de obstar diferenciações em razão

de sua origem biológica ou não”.

Ainda de acordo com os citados doutrinadores é interessante registrar que a

aplicação do princípio da igualdade entre os filhos alcançaria inclusive o nascituro:

[...] é possível sustentar a possibilidade de fixação de verba alimentar em favor do nascituro, garantindo a ele a mesma proteção emprestada ao restante da prole, transcendendo a redação estreita e confusa do art. 2º do Código Civil. [...] o direito à vida é conferido ao nascituro pela Constituição da República (no caput do art. 5º) e reiterado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 7º), impondo a salvaguarda do nascimento do nascituro através do reconhecimento do direito à assistência pré-natal, disponibilizando-se condições saudáveis para o desenvolvimento da gestação. [...] a cláusula constitucional de proteção à vida humana não poderia se limitar a proteger os que já nasceram.

A igualdade entre os filhos guarda, portanto, conformidade em relação ao

princípio maior da dignidade da pessoa humana. Apesar disso, não se trata de um

princípio constitucional de aplicabilidade absoluta.

Lôbo31 chama a atenção para determinados dispositivos do Código Civil que,

por razões da consanguinidade, excepcionam a igualdade entre os filhos:

[...] o filho havido por adoção é titular dos mesmos direitos dos filhos havidos da relação de casamento, mas está, ao contrário dos demais, impedido de casar-se com os parentes consanguíneos de cuja família foi oriundo, ainda que se tenha desligado dessa relação de parentesco (art. 1.626 do Código Civil). A regra de restrição ou de causa suspensiva a novo casamento, durante dez meses depois da viuvez ou da dissolução do casamento anterior (art. 1.523, II, do Código Civil), apenas diz respeito à mulher cujo casamento foi declarado nulo ou anulado, ou à viúva, para que não haja dúvida sobre a paternidade de filho cujo parto se der nesse período.

1.2.5 Liberdade às Relações de Família

Diante do dilema enfrentado pelo Constituinte Originário, relativo ao

crescimento populacional desordenado em contraste com o primado da liberdade de

o indivíduo constituir novos núcleos familiares, deixou-se ao alvedrio do casal o

30 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pgs. 45/46.

31 LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pgs. 60/61.

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20

planejamento familiar, nos termos do § 7º, do art. 22632 da Constituição Federal de

1988, regulamentado pela Lei nº 9.263/1996.

A referida opção do Legislador, conforme Farias e Rosenvald33, teve o viés de

“[...] evitar a formação de núcleos familiares sem condições de sustento e de

manutenção”.

Todavia, além da possibilidade de constituição da família, a liberdade deve

também permitir o seu inverso, i.e., a sua dissolução. Neste mister, conforme

alhures, o Legislador Constituinte promulgou a Emenda Constitucional nº 66/2010, a

qual, tendo suprimido do § 6º, do art. 226 “a separação judicial por mais de um ano,

nos casos expressos em lei ou a comprovada separação de fato por mais de dois

anos” para possibilitar o divórcio direito, revogou tacitamente o inciso III34 do art.

1.571 do Código Civil de 2002.

Em breve retrospectiva acerca da evolução do divórcio no Brasil, Veloso35

constata que a Emenda Constitucional nº 66/2010, além de extinguir do

ordenamento pátrio o instituto da separação judicial, simplificando a dissolução da

sociedade conjugal, é:

[...] resultado, ainda, da Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, que incidiu sobre a Constituição de 1967/69, dando nova redação ao art. 175, § 1º, da mesma, dispondo: “O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos”. Essa EC nº 9/1977 aboliu o vetusto e anacrônico princípio da indissolubilidade do casamento que, por décadas e décadas, vigorou em nosso país. No mesmo ano, em 26 de dezembro de 1977, foi promulgada a Lei nº 6.515, conhecida como Lei do Divórcio, que veio regulamentar a aludida EC nº 9/1977, tratando dos casos de dissolução

32 § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

33 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 47.

34 Art. 1.571. A sociedade conjugal termina: I - pela morte de um dos cônjuges; II - pela nulidade ou anulação do casamento; III - pela separação judicial; IV - pelo divórcio. § 1o O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente. § 2o Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.

35 VELOSO, Zeno. O Novo Divórcio e o Que Restou do Passado. Disponível em:

<http://www.ibdfam.org.br/?artigos>. Acesso em: 22 ago. 2010.

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21

da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos. [...] numa interpretação histórica, sociológica, finalística, teleológica do texto constitucional, diante da nova redação do art. 226, § 6º, da Carta Magna, sou levado a concluir que a separação judicial ou por escritura pública foi figura abolida em nosso direito, restando o divórcio que, ao mesmo tempo, rompe a sociedade conjugal e extingue o vínculo matrimonial. Alguns artigos do Código Civil que regulavam a matéria foram revogados pela superveniência da norma constitucional – que é de estatura máxima – e perderam a vigência por terem entrado em rota de colisão com o dispositivo constitucional superveniente.

Além disso, tramita, desde setembro de 2009, na Câmara dos Deputados, o

PLS nº 464 de 200836, cuja ementa “Acrescenta o art. 1.124-B à Lei nº 5.869, de 11

de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), para autorizar pedidos de separação

e divórcio por meio eletrônico”.

1.2.6 Paternidade Responsável

Seguindo as diretrizes do princípio da dignidade da pessoa humana, a

redação do § 7º, do art. 226 da Constituição Federal de 1988, indubitavelmente,

consagrou o princípio da paternidade responsável, tendo este a mesma base

teleológica da liberdade individual para o estabelecimento das relações de família,

ou seja, garantir-se o sustento e a manutenção da entidade familiar, notadamente a

da prole.

Em artigo dedicado ao estudo da responsabilidade paterna, Hironaka37

discorre a respeito do por que se impõe ao Direito de Família a responsabilidade civil

advinda da relação paterno-filial.

A autora remonta às proposições da “Política” de Aristóteles para identificar

essa origem:

[...] Em outras palavras: em Aristóteles, assim como em toda a tradição grega, é um consenso entre os autores a idéia de que são os pais que têm autoridade sobre seus filhos, e que é o marido que tem autoridade sobre sua esposa (ou suas esposas). Por que essa autoridade masculina, paterna e marital? Porque ela é, como toda autoridade, uma autoridade natural, segundo a visão filosófica de Aristóteles.

36 Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=88532>. Acesso em: 22 ago. 2010.

37 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Civil na Relação Paterno-filial. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=285>. Acesso em: 23 ago. 2010.

Page 22: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

22

Hironaka sustenta que o modelo patriarcal da concepção clássica não mais

corresponde à realidade contemporânea, dado que, desde a Antiguidade, a

autoridade paterna advinha de uma natural dependência e subordinação da mulher

e dos filhos em relação ao homem. Uma dependência física correspondente ao

desenvolvimento político da época.

Contudo a ideia aristotélica de a família constituir-se numa associação natural

dotada de uma espécie de autoridade continua válida. Daí a autora ponderar que:

[...] a família é uma associação na qual alguém tem poder sobre outrem, restando saber, primeiro, a quem e por que se deve esse poder e, segundo, se a família não pode ser uma associação baseada em outra coisa que não a dominação ou a dependência.

Nos sécs. XVII e XVIII, com o advento do jusnaturalismo, contestou-se a

relação entre homem e mulher, defendendo-se a igualdade entre os gêneros sob o

argumento de que “[...] a mulher, como o homem, é causa da existência dos filhos, e

isso torna a sua autoridade natural”.

Ainda de acordo com Hironaka, da concepção da autoridade alcançou-se a

noção da responsabilidade:

Esta interferência do jus-naturalismo moderno na reformulação da concepção em tela, ocorrida nos séculos XVII e XVIII, fez com que se realizasse, aos poucos, a noção propriamente jurídica de responsabilidade – que se desenvolve até se tornar responsabilidade civil, no início do século XIX – e também porque é aí, na modernidade, que a condição jurídica dos filhos dentro da família passa a ser apresentada segundo critérios que se pretendem racionais ou científicos, para além dos antigos critérios do costume.

Tanto o Código Civil de 1916 quanto o de 2002 regularam a matéria da

responsabilidade civil decorrente da paternidade, nos arts. 1.521, I e 932, I38,

respectivamente. Não obstante, a redação de ambos os dispositivos legais traz a

seguinte diferença: no diploma antigo, sob a influência clássica, falava-se em poder,

entendido este no contexto do pátrio poder; no vigente, fala-se em autoridade,

denotando o reconhecimento da afetividade e do melhor interesse da criança e do

adolescente como fundamentos da dominação, tratando-se, portanto, do poder

familiar ou parental39.

38 Art. 1.521. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia; (...) Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; (...)

39 “E isto se repetiu nos poderes conferidos aos cônjuges, em absoluta igualdade, razão pela qual, como já foi dito, propus, e foi aceito pelo Senador Josaphat Marinho, que, em vez de pátrio poder, se

Page 23: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

23

1.2.7 Afetividade

O princípio da afetividade desponta na Constituição Federal de 1988 como

corolário da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, insculpidos,

respectivamente, nos arts. 1º, III e 3º, I.

Trata-se de princípio constitucional implícito, incutido em diversas passagens

do Texto Constitucional, v.g. art. 226, caput e §§ 3º, 4º, 5º, 8º40; art. 227, caput §§ 4º,

5º41, 6º, as quais, após o estabelecimento da família como base da sociedade,

reconhecem a juridicidade da união estável e da entidade familiar monoparental; a

igualdade entre os integrantes da sociedade conjugal. Ademais, preveem a coibição

estatal da violência no âmbito familiar; a prioridade absoluta, consubstanciada numa

série de deveres impostos aos pais em relação aos filhos ainda não emancipados,

inclusive a tutela da liberdade sexual da criança e do adolescente; a adoção,

assistida pelo Poder Público; e, por fim, a proibição da discriminação relativa à

filiação.

Na acepção jurídica, impende distinguir-se, conforme adverte Lôbo42, a

afetividade do afeto. Para o autor, o afeto diz respeito ao “[...] fato psicológico ou

anímico” enquanto que a afetividade “[...] é dever imposto aos pais em relação aos

filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre

eles”. Em outras palavras, o autor afirma que a afetividade, por ser um dever e não

apenas um sentimento, tem um caráter perene, enquanto subsistirem as razões de

sua imposição.

Corroborando o entendimento de que a evolução da família vai do fato

biológico ou natural ao fato cultural, novamente posiciona-se Lôbo43:

falasse em ‘poder familiar’, que é uma expressão mais justa e adequada, porquanto os pais exercem esse poder em função dos interesses do casa e da prole”. (REALE, apud ISHIDA, 2010, pg. 30).

40 (...) § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

41 (...) § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. (...)

42 LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pg. 64.

43 Id., 2010, pg. 65.

Page 24: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

24

Fazer coincidir a filiação com a origem genética é transformar aquela, de fato cultural e social em determinismo biológico, o que não contempla suas dimensões existenciais, podendo ser a solução pior. A origem biológica era indispensável à família patriarcal e exclusivamente matrimonializada, para cumprir suas funções tradicionais e para separar os filhos legítimos dos filhos ilegítimos. A família atual é tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo. A família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, no mundo do ter liberal burguês, reencontrou-se no fundamento da afetividade, na comunhão de afeto, pouco importando o modelo que adote, inclusive o que se constitui entre um pai ou mãe e seus filhos. A afetividade, cuidada inicialmente pelos cientistas sociais, pelos educadores, pelos psicólogos, como objeto de suas ciências, entrou nas cogitações dos juristas, que buscam explicar as relações familiares contemporâneas. Essa virada de Copérnico foi bem apreendida por Orlando Gomes: “O que há de novo é a tendência para fazer da affectio a ratio única do casamento”. Não somente do casamento, mas de todas as entidades familiares e das relações de filiação.

1.2.8 Convivência Familiar

No afã de assegurar a convivência familiar, sob o manto da dignidade da

pessoa humana, assim como da liberdade, da solidariedade, da afetividade e da

prioridade absoluta, o Constituinte Originário cuidou de garantir, no inciso XI, do art.

5º44 da Constituição Federal de 1988, a inviolabilidade da casa.

A inviolabilidade do domicílio, nas lições de Moraes45, remonta à tradição

inglesa do séc. XVIII, oriunda de discurso proferido por Lord Chatman, no

Parlamento Britânico:

O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar.

O citado constitucionalista46 esclarece ainda a mens legis da casa ou

domicílio:

No sentido constitucional, o termo domicílio tem amplitude maior do que no direito privado ou no senso comum, não sendo somente a residência, ou ainda, a habitação com intenção definitiva de estabelecimento. Considera-se, pois, domicílio todo local, delimitado e separado, que alguém ocupa com exclusividade, a qualquer título, inclusive profissionalmente, pois nessa relação entre pessoa e espaço, preserva-se, mediatamente, a vida privada do sujeito.

44 (...) XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

45 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2003, pg. 81.

46 Id., 2003, pg. 81.

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25

As garantias fundamentais da inviolabidade da vida privada e da intimidade

do indivíduo47 conjugadas com o direito à convivência familiar, explicitado no caput

do art. 227 da Constituição Federal de 1988, pressupõem a intocabilidade do lar.

Desta forma, norteado pelos referidos preceitos constitucionais, o legislador

ordinário inseriu no bojo da Lei nº 8.069/1990 o art. 19, cujo caput assegura a toda

criança ou adolescente o direito de ser criado e educado em ambiente familiar

(família natural ou substituta), bem como o convívio familiar e comunitário, afastado

de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

1.2.9 Melhor Interesse da Criança

A criança, de acordo com a definição legal do art. 2º da Lei nº 8.069/1990, em

conformidade com o art. 1º da Convenção sobre os Direitos da Criança de

20/11/198948, é a pessoa natural até doze anos de idade incompletos.

Sem a pretensão de ser exaustivo, levando-se em conta apenas a Parte Geral

da Lei nº 8.069/1990, verifica-se uma gama de dispositivos aludindo ao princípio em

tela, e.g., os arts.: 3º; 8º; 9º; 11; 12; 19; 20; 22; 23; 27; e 28.

Tratam os mesmos dos direitos: fundamentais inerentes à pessoa humana; ao

atendimento à gestante e à parturiente pelo Sistema Único de Saúde – SUS; de a

lactante presa amamentar; ao atendimento integral à saúde à criança, assegurada a

permanência de pai ou responsável; à criação, educação, convivência familiar e

comunitária; de não ser a criança discriminada relativamente à sua filiação; de

verem cumpridas as determinações judiciais de seu interesse; de ser mantido em

sua família de origem, apesar da carência de recursos materiais; ao reconhecimento

do estado de filiação; e à colocação em família substituta, mediante guarda, tutela

ou adoção compatível.

47 Vide o inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

48 "Para efeito da presente Convenção, considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes".

Page 26: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

26

Até mesmo normas de natureza penal remetem ao melhor interesse da

criança. Ishida49 apresenta como exemplos o caso da autorização judicial para a

transfusão de sangue de menor, sob o permissivo legal do art. 146, I, § 3º50, do

Código Penal, que prioriza o direito à vida em detrimento da liberdade à crença,

excluindo o constrangimento ilegal, e o tipo penal da omissão de socorro à criança

abandonada, previsto no caput do art. 13551 do diploma repressivo.

O autor ainda registra a correspondência da norma do art. 9º da Lei nº

8.069/1990 com o art. 83, § 2º52, da Lei nº 7.210/1984 – Lei de Execução Penal –

LEP, tudo em prol do interesse da criança lactente.

49 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11. Ed. São Paulo: Atlas, 2010, pgs. 6/7 e 15.

50 Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: (...) § 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; (...)

51 Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: (...)

52 Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. (...) § 2o Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade. (...)

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2 ALIMENTOS

2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O verbete “Alimentos”, na organização de Guimarães53, enuncia, dentre

outros pontos, o respectivo instituto jurídico, perpassando o rol das necessidades

que visa à suprir, dentro do binômio necessidade/possibilidade do credor/devedor,

variável no tempo conforme as circunstâncias materiais de ambos; a sua natureza

jurídica; a reciprocidade entre ascendentes e descendentes, observada a maior

proximidade dos graus de parentesco; a prisão civil, nos casos de inadimplência em

relação à obrigação alimentícia; e demais aspectos pertinentes à ação de alimentos,

tais como o foro e a representação judicial do alimentando:

Integra este instituto, no sentido jurídico, tudo o que for necessário ao sustento de uma pessoa, o alimentando (ver), não só a alimentação, mas também moradia, vestuário, instrução, educação, tratamentos médico e odontológico; conforme a Jurisprudência, incluam-se ainda neste título as diversões públicas. Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada a prestá-los. Havendo mudança na fortuna de quem os supre ou na de quem os recebe, após a sua fixação, o interessado tem o direito de pedir ao juiz, conforme a situação, exoneração, redução ou agravação do encargo. Pode não ser exercido, mas não pode ser renunciado o direito a alimentos. Embora obrigação personalíssima, esse direito transmite-se aos herdeiros do devedor; neste ponto, o art. 23 da Lei nº 6.515/1917 – Lei do Divórcio, com modificação de seu art. 40 pela Lei nº 7.841/1989; C.C., arts. 1.694 e segs.; revoga o disposto no art. 402 do C.C. O cônjuge responsável pela separação judicial prestará ao outro, se este necessitar, a pensão fixada pelo juiz e corrigida monetariamente. Cônjuges separados por sentença judicial contribuem na medida de suas posses para a manutenção dos filhos. Para garantir que a pensão será paga, o juiz pode determinar a constituição de garantia real ou fidejussória. Os parentes também podem exigir, reciprocamente, os alimentos de que necessitem para a sua subsistência. Esse direito é recíproco entre pais e filhos e extensivo aos ascendentes, recaindo nos mais próximos em grau, uns na falta dos outros. Sonegar alimentos, tanto os provisionais quanto os definitivos, leva o inadimplente à prisão civil prevista pela C.F. A polêmica nos meios jurídicos é quanto à duração da prisão civil do devedor cuja recusa injustificada à prestação de alimentos pode levá-lo às penas de 1 a 4 anos de prisão, conforme o art. 244 do C.P. (abandono material). O prazo da prisão civil, a qual não é pena, não pode exceder a 60 dias; dada a ordem de prisão, a interposição de agravo de instrumento (ver) não suspende sua execução, sendo recebido no efeito devolutivo, tornando-se inoperante, já que no seu preparo e tramitação decorrerá o tempo da prisão. Daí ser ele substituído, cada vez mais, pelo habeas corpus, mais aceito pelos Tribunais. O foro

53 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (Org). Dicionário Técnico Jurídico. 8 ed. São Paulo: Rideel, 2006, pgs. 70/71.

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competente para a ação de alimentos (ver), que corre em segredo de Justiça, é o do domicílio ou residência do alimentando. Tendo este procurador, a petição será endereçada diretamente ao juiz; se for defensor dativo, esse entregará a petição dentro de 24 horas a partir do momento em que tomou ciência de sua nomeação, sendo a inicial autuada com o termo de gratuidade de Justiça. Na petição deve constar a declaração de pobreza que será objeto de sanção, se falsa. Se a prestação alimentícia for pedida verbalmente, será reduzido o pedido a termo, com todos os dados necessários à apreciação plena do juiz, sendo suas três vias datadas e assinadas pelo escrivão.

Da conceituação ora transcrita verifica-se que a natureza jurídica dos

alimentos é de obrigação personalíssima, decorrente do dever de assistência,

fundado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da

solidariedade social e familiar.

Elucidando este aspecto, Farias e Rosenvald54 destacam que “[...] os

alimentos se prestam à manutenção digna da pessoa humana”, tratando-se de um

“direito da personalidade”. Em outras palavras, “[...] se destinam a assegurar a

integridade física, psíquica e intelectual de uma pessoa humana”.

Ademais, os mesmos autores55 ressaltam que, na acepção jurídica, a

terminologia “alimentos” é polissêmica:

[...] a expressão alimentos tem sentido evidentemente amplo, abrangendo mais do que a alimentação. [...] o vocábulo significa a própria obrigação de sustento de outra pessoa. [...] também o próprio conteúdo da obrigação. [...] tudo o que se afigurar necessário para a manutenção de uma pessoa humana, compreendidos os mais diferentes valores necessários para uma vida digna. [...] incluem nos alimentos tanto as despesas ordinárias, como os gastos com alimentação, habitação, assistência médica, vestuário, educação, cultura e lazer, quanto as despesas extraordinárias, envolvendo, por exemplo, gastos em farmácias, vestuário escolar, provisão de livros educativos...

Quanto ao adimplemento da obrigação alimentícia, Lôbo56 acena com a

possibilidade de aquele ser direto ou indireto. Na primeira hipótese, mais conhecida

como pensão alimentícia, o alimentante cumpre a sua obrigação mediante a entrega

54 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pgs. 668/669.

55 Id., 2010, pgs. 668/669.

56 LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pg. 368.

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29

de dinheiro ao alimentando ou ao seu representante legal, ou mediante o desconto

de percentual diretamente em seu salário; na segunda, à parte a controvérsia

jurisprudencial57 quanto à matéria, o cumprimento da obrigação dá-se mediante

prestação in natura, e.g., pagamento de mensalidades escolares, planos de saúde,

entrega de imóvel para moradia, de bens de consumo, etc.

O mesmo civilista58 infere que a obrigação alimentícia tem por pressuposto o

“[...] descumprimento dos deveres jurídicos de sustento, assistência ou amparo”,

logo “[...] Durante a convivência familiar não se cogita de obrigação de alimentos. Há

o direito ao sustento do filho, correlativo ao dever dos pais, consectário do poder

familiar”.

Neste mesmo sentido, Veloso59:

Cabe, neste passo, para evitar confusão entre as duas figuras, fazer a distinção entre o dever de sustento que têm os pais com relação aos filhos menores e a obrigação alimentícia, em sentido estrito. Não se pode baralhar, igualmente, o dever de mútua assistência, a que estão submetidos os cônjuges e companheiros, durante as respectivas sociedades conjugais e convivência (arts. 1.566, III e 1.724), com a obrigação de prestar alimentos, a que estão vinculados (art. 1.694, caput), observada a situação referida.

2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS ALIMENTOS

2.2.1 Quanto à Origem

De acordo com a classificação doutrinária60 em tela os alimentos dividem-se

em legais ou legítimos; voluntários; e ressarcitórios, indenizatórios ou reparatórios.

Nas lições de Farias e Rosenvald, veem-se que os alimentos legais ou

legítimos:

[...] decorrem de uma relação familiar (seja de casamento, de união estável ou de parentesco), estabelecendo uma prestação em favor daquele que

57 Ibidem., 2010, pgs. 668/669.

58 Id., 2010, pg. 368.

59 VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado: Direito de Família, Alimentos, Bem de Família, União Estável, Tutela e Curatela: arts. 1.694 a 1.783, volume XVII. São Paulo: Atlas, 2003, pg.17.

60 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pgs. 729/730.

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30

necessita e proporcionalmente às possibilidades do devedor (CC, art. 1.694).

Malgrado a denominação ‘legítimos’ inspirar um certo resquício do art. 39661

do Código Civil de 1916, tratam-se de alimentos estabelecidos pela própria Lei Civil,

tendentes a garantir as necessidades vitais do alimentando.

Observa-se na dicção do caput do art. 1.694 do Código Civil de 200262,

retromencionado, a previsão dos alimentos civis (necessarium personae), bem como

a reciprocidade entre as pessoas obrigadas, por parentesco, casamento ou união

estável.

Na hipótese de obrigação alimentícia devida entre cônjuges ou entre

companheiros, Veloso63 ressalva a possibilidade da mesma contemplar despesas

com a educação do alimentando:

Embora o art. 1.694, caput, não tenha sido muito claro, entendo que a inclusão de uma verba para atender às necessidades da educação do alimentário não tem aplicação, em regra, nos casos de obrigação de alimentos entre cônjuges ou companheiros.

Por sua vez, o § 1º do mesmo dispositivo institui o consagrado binômio

necessidade/possibilidade ou critério de proporcionalidade, que norteia a fixação do

quantum da obrigação de alimentos; enquanto o § 2º contempla os alimentos

naturais (necessarium vitae). Na mesma senda do § 1º, também o art. 1.69564 do

Código Civil de 2002.

Diversamente dos alimentos legais ou legítimos, os alimentos voluntários,

como a sua própria denominação deixa transparecer, não decorrem diretamente da

lei, mas de ato de liberalidade do seu prestador.

61 Art. 396. De acordo com o prescrito neste Capítulo podem os parentes exigir uns dos outros os alimentos de que necessitem para subsistir.

62 Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. § 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

63 VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado: Direito de Família, Alimentos, Bem de Família, União Estável, Tutela e Curatela: arts. 1.694 a 1.783, volume XVII. São Paulo: Atlas, 2003, pg.12.

64 Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.

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31

Contudo, apesar de consubstanciar-se em ato de vontade, o art. 2465 da Lei

nº 5.478/1968 disciplina o procedimento para a hipótese de o responsável pelo

sustento da família, que deixar a residência em que antes vivia, tomar a iniciativa de

provocar o juízo, mediante ação de oferta de alimentos, para fixar-se-lhe o quantum

devido em substituição ao anterior dever de sustento.

Farias e Rosenvald66 assinalam que esta espécie de alimentos pode

subdividir-se em convencionais ou inter vivos e testamentários ou mortis causa: “[...]

É um caso típico de legado sob a forma de alimentos, onerando o espólio (CC, art.

1.920). Naquele caso (inter vivos), são apelidados de convencionais, apresentando-

se sob a forma de doação”.

Por último, os alimentos ressarcitórios, indenizatórios ou reparatórios, os

quais são fixados pelo juiz em sentença condenatória em matéria de

responsabilidade civil.

Distinguem-se das duas categorias anteriores, posto que em ambas há a

possibilidade de coerção do devedor por meio da prisão civil, nos termos do art. 5º,

LXVII67 da Constituição Federal de 1988.

No caso dos alimentos ressarcitórios, indenizatórios ou reparatórios,

consoante Farias e Rosenvald68, “[...] o juiz poderá exigir do condenado (o réu da

ação indenizatória) a constituição forçada de capital como forma de garantia...”.

No que concerne à competência do juízo, tanto os alimentos voluntários

quanto os ressarcitórios, indenizatórios ou reparatórios submetem-se às varas

cíveis; os alimentos legais ou legítimos, às varas de família.

2.2.2 Quanto à Natureza

65 Art. 24. A parte responsável pelo sustento da família, e que deixar a residência comum por motivo, que não necessitará declarar, poderá tomar a iniciativa de comunicar ao juízo os rendimentos de que dispõe e de pedir a citação do credor, para comparecer à audiência de conciliação e julgamento destinada à fixação dos alimento a que está obrigado.

66 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 730.

67 LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;

68 Id., 2010, pg. 730.

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32

Ainda de acordo com a exegese do art. 1.694 do Código Civil de 2002, a

doutrina registra a classificação dos alimentos, quanto à sua natureza, distinguindo-

os como sendo naturais ou necessários e civis ou côngruos.

Conforme a interpretação de Gustavo F. De Campos Monaco69, acerca do

retromencionado dispositivo, tem-se que o § 2º refere-se aos alimentos naturais ou

necessários, tratando, portanto, das “hipóteses em que a pessoa que pleiteia

alimentos coloca-se culposamente (vale dizer, conscientemente e com manifesta

intenção), em situação que lhe impede de prover a própria subsistência”, enquanto o

caput disciplina os alimentos civis ou côngruos, os quais são “estabelecidos dentro

dos parâmetros legais da necessidade-possibilidade e na ausência de culpa do

necessitado”.

Pereira70 explica que enquanto os alimentos naturais “[...] são os estritamente

necessários para a mantença da vida...”, os civis “[...] são taxados segundo os

haveres e a qualidade das pessoas”.

Veloso71 refere-se a esta classificação denominando-a quanto à extensão da

obrigação alimentar, postulando que: “Essa classificação vai repercutir, obviamente,

no valor, no quantum da prestação alimentícia, que é menor no caso de alimentos

necessários e maior quando se trata de alimentos civis”.

A despeito da Emenda Constitucional nº 66/2010, o art. 1.70472 do Código

Civil de 2002 continua prevendo a hipótese de prestação alimentícia nos casos de

separação judicial em que haja culpa de um dos cônjuges, podendo o culpado,

conforme o caso, ou prestar alimentos côngruos ao ex-cônjuge inocente, ou receber

alimentos necessários deste.

69 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (Org). Código Civil Interpretrado Artigo por Artigo, Parágrafo por Parágrafo. 3. ed. Barueri: Manole, 2010, pgs. 1.375/1.377.

70 ______________

apud VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado: Direito de Família, Alimentos, Bem de Família, União Estável, Tutela e Curatela: arts. 1.694 a 1.783, volume XVII. São Paulo: Atlas, 2003, pgs. 13/14.

71 Id., 2003, pgs. 13/14

72 Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial. Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.

Page 33: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

33

2.2.3 Quanto ao Momento Procedimental para a sua Concessão

Uma vez pleiteados em juízo, os alimentos podem ser concedidos em

momentos processuais diferentes, tendo em vista o tipo de ação manejada pelo

credor, a medida do seu interesse, e as provas de que dispõe.

Assim, considerando-se a dimensão temporal do processo, a doutrina

classifica os alimentos em provisórios; provisionais e definitivos.

Segundo Farias e Rosenvald73, os alimentos provisórios:

[...] possuem natureza antecipatória, sendo concedidos em ações de alimentos (ou em outras ações que tragam pedido de alimentos de forma cumulativa), de forma liminar, initio litis, bastando que se comprove, de forma pré-constituída, a existência da obrigação alimentícia...

A disciplina dos alimentos provisórios encontra-se na Lei nº 5.478/1968, art.

2º, caput c/c art. 4º e Parágrafo único74. Provando o credor o vínculo de parentesco,

casamento ou união estável com o devedor, ou a obrigação de alimentar oriunda de

outro fato, v.g., responsabilidade civil por ato ilícito, o juiz deferirá os alimentos

provisórios, a requerimento ou de ofício, de acordo com as possibilidades do

devedor, a não ser que o credor expressamente declare que não os necessita.

Entretanto, quando o credor não dispuser da prova pré-constituída da

obrigação alimentícia, exigida pela Lei nº 5.478/1968, ainda assim poderá ingressar

em juízo com uma ação cautelar requerendo os alimentos provisionais, uma vez

demonstrados o periculum in mora e o fumus boni iuris. Isto porque, ao teor do art.

1.706 do Código Civil de 2002, a fixação dos alimentos provisionais, pelo juiz, dá-se

de acordo com a lei processual.

O regramento dos alimentos provisionais encontra-se inserido no Livro III do

Código de Processo Civil, que trata do Processo Cautelar. Trata-se, portanto, de

73 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 732.

74 Art. 2º. O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas, o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e sobrenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe. Art. 4º As despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita. Parágrafo único. Se se tratar de alimentos provisórios pedidos pelo cônjuge, casado pelo regime da comunhão universal de bens, o juiz determinará igualmente que seja entregue ao credor, mensalmente, parte da renda líquida dos bens comuns, administrados pelo devedor.

Page 34: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

34

procedimento cautelar específico, i.e., de cautelar nominada, de natureza satisfativa,

conforme o art. 85275 do Código de Processo Civil.

Ressalvam, porém, a natureza não-cautelar dos alimentos provisionais, Farias

e Rosenvald76. Malgrado os alimentos provisionais encontrarem-se topograficamente

situados no rol dos procedimentos cautelares nominados, no Código de Processo

Civil, pugnam os autores que, dada a característica da irrepetibilidade dos alimentos,

além de o direito invocado ser concernente ao Direito de Família, não há falar-se em

procedimento preparatório, conforme preceitua o art. 80677 do Código de Processo

Civil, posto que “[...] não se destinam a assegurar o resultado de outro processo,

mas satisfazer, imediatamente, as necessidades do autor”.

Ainda de acordo com os civilistas78, apesar da mesma finalidade, o que

distingue os alimentos provisórios dos provisionais é:

[...] a existência, ou não, de prova pré-constituída da relação de casamento, união estável ou parentesco. Assim, no curso de um procedimento de investigação de paternidade cumulada com alimentos, se o autor precisa de alimentos para se manter, poderá ajuizar uma ação cautelar de alimentos provisionais...

Quanto aos alimentos definitivos, estes, nas lições de Farias e Rosenvald79

são:

[...] fixados por sentença proferida em ação de alimentos ou em outras ações que tragam pedido de alimentos cumulativamente ou quando decorrem de acordo celebrado entre as partes e referendado pelos seus advogados, pela Defensoria Pública ou pelo Ministério Público.

Avulta registrar que os alimentos definitivos sujeitam-se à cláusula rebus sic

stantibus, i.e., enquanto a situação que ensejou a sua fixação perdurar, os alimentos

deverão ser mantidos. Todavia, em havendo alteração na situação fática, esta

75 Art. 852. É lícito pedir alimentos provisionais: I - nas ações de desquite e de anulação de casamento, desde que estejam separados os cônjuges; II - nas ações de alimentos, desde o despacho da petição inicial; III - nos demais casos expressos em lei. Parágrafo único. No caso previsto no no I deste artigo, a prestação alimentícia devida ao requerente abrange, além do que necessitar para sustento, habitação e vestuário, as despesas para custear a demanda.

76 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pgs. 733/734.

77 Art. 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório.

78 Id., 2010, pgs. 733/734.

79 Ibidem., 2010, pg. 735.

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35

poderá ser levada em consideração pelo juízo competente, em ação revisional ou

mesmo de exoneração de alimentos.

Em relação ao termo a quo dos alimentos, o art. 13, § 2º da Lei nº 5.478/1968

estabelece que “em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da

citação”.

2.2.4 Alimentos Transitórios

Excepcionando a regra geral dos alimentos definitivos, os quais devem

permanecer sendo prestados em favor do alimentando enquanto a situação que os

ensejou perdurar, a doutrina e a jurisprudência, em homenagem à boa-fé objetiva,

veem admitindo a fixação de ‘alimentos transitórios’.

Farias e Rosenvald80 advertem que em determinadas situações:

[...] bastaria ao beneficiário jamais alterar a situação fática existente quando da fixação da verba alimentar (isto é, bastaria ao ex-cônjuge jamais trabalhar ou ao filho maior estudante jamais concluir os seus estudos) para que a obrigação se mantivesse indefinidamente, praticamente ad aeternum.

Os referidos autores citam o Acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul – TJRJ81, no qual o Desembargador que deu o nome de ‘alimentos

transitórios’ a esta espécie, articula, em seu voto, uma das hipóteses de sua fixação:

O exemplo mais característico é o de uma moça que se casasse com 18 anos e se separasse com 19 anos. Ninguém cogitaria de que ela devesse ter direito a alimentos, porque ela viveria dos 18 aos 90 anos, sendo sustentada pelo marido! Claro que ela tem de ir trabalhar para se sustentar. Só que ela não vai conseguir emprego em uma semana, nem em um mês. Haveria de se conceder um prazo, por exemplo, de seis meses, dentro do qual o emprego pudesse ser conseguido, e os alimentos seriam pagos só durante esse período...

2.3 CARACTERÍSTICAS

80 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 737.

81 _________________

(TJ/RS, Ac.unân. 8ª Cam.Cív., AgReg696028183, rel. Des. Sérgio Gischkow Pereira, j.14.3.96). apud FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 738.

Page 36: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

36

2.3.1 Caráter Personalíssimo

A doutrina82 é assente ao afirmar que a característica fundamental do direito

de alimentos é o seu caráter personalíssimo, uma vez que em seu bojo encontram-

se contemplados tanto a subsistência quanto a integridade física e psíquica do

titular. Ademais, tais elementos ligam-se, diretamente, ao direito fundamental à vida.

Decorre desse caráter personalíssimo, também, a irrenunciabilidade e a

intransmissibilidade do referido direito.

2.3.2 Irrenunciabilidade

Conforme alhures, o direito de alimentos é doutrinariamente entendido como

sendo um direito personalíssimo.

Cahali83 informa que o mesmo “representa um direito tendente a assegurar a

subsistência e integridade física do ser humano. [...] obrigação personalíssima,

devida pelo alimentante em função do parentesco que o liga ao alimentário”.

Em decorrência dessa característica e à exemplo do disposto no art. 40484, do

Código Civil de 1916, o Código Civil de 2002 estabeleceu, no seu art. 1.707, o

princípio da irrenunciabilidade do direito de alimentos: “Pode o credor não exercer,

porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito

insuscetível de cessão, compensação ou penhora”.

O referido princípio funda-se no fato de o direito de pedir alimentos possuir

natureza de ordem pública, representando, na compreensão de Cahali85 “[...] uma

das manifestações imediatas, ou modalidades do direito à vida”.

Pelo texto da Lei entende-se que a irrenunciabilidade refere-se

exclusivamente ao direito e não necessariamente ao seu exercício. Assim, Orlando

Gomes86 faz a seguinte distinção:

82 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pgs. 669/670 e CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pgs. 49/50..

83 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pgs. 49/50.

84 Art. 404. Pode-se deixar de exercer, mas não se pode renunciar o direito a alimentos.

85 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pg. 50.

86 ______________

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37

[...] o que ninguém pode fazer é renunciar a alimentos futuros, a que faça jus, mas aos alimentos devidos e não prestados o alimentando pode renunciar, pois lhe é permitido expressamente deixar de exercer o direito a alimentos; a renúncia posterior é, portanto, válida.

Realizando uma retrospectiva acerca da irrenunciabilidade do direito de

alimentos, Farias e Rosenvald87 chamam a atenção para o enunciado de Súmula nº

37988, do Supremo Tribunal Federal, editado sob a égide do Código Civil de 1916, o

qual, segundo os mesmos autores, fora confirmado pelo art. 1.707 do Código Civil

de 2002.

Em sede de conclusão, sustentam a irrenunciabilidade do direito de alimentos

apenas no caso de os titulares serem incapazes:

Malgrado o texto codificado tenha restaurado a tese afirmada na (superada) Súmula 379 da Suprema Corte, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça continuou firme em seu entendimento de que somente são alcançados pela irrenunciabilidade os alimentos em favor de incapazes, admitida a renúncia para os alimentos devidos em razão do casamento ou da união estável.

2.3.3 Atualidade

Considerando-se que os alimentos constituem-se em espécie de obrigação de

execução continuada ou periódica ou ainda de trato sucessivo, mais precisamente

nas lições de Diniz89: “[...] que se protrai no tempo, caracterizando-se pela prática ou

abstenção de atos reiterados, solvendo-se num espaço mais ou menos longo de

tempo”, mister tenham os seus valores devidamente corrigidos, de modo a não

importar em sacrifícios ao credor.

Nesta salvaguarda, o art. 1.710 do Código Civil de 2002 estabeleceu que “as

prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice

apud CAHALI, Id., 2009, pg. 51.

87 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pgs. 670/671.

88 “No acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais”.

89 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 2º volume: teoria geral das obrigações. 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pg. 130.

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38

oficial regularmente estabelecido”. Entretanto, Gustavo F. De Campos Monaco90

pondera que:

[...] se houver imprevisão ou onerosidade excessiva, não há óbice para a revisão do valor da prestação em virtude de tal acontecimento que torna a prestação excessivamente onerosa para uma das partes e extremamente vantajosa para a outra.

Apesar de expressa a vedação da vinculação do salário mínimo para qualquer

fim91, consoante o art. 7º, IV da Constituição Federal de 1988, Farias e Rosenvald92

aludem que o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria é no

sentido de reconhecer a possibilidade de fixação da obrigação de natureza alimentar

com base no referido valor, garantindo-se a atualidade da pensão.

2.3.4 Futuridade

Pode-se dizer que a atualidade é uma característica consectária da

futuridade, isto porque ambas dizem respeito à manutenção do status quo ante do

alimentando.

Farias e Rosenvald93 frisam que “[...] os alimentos se prestam à manutenção

de quem os recebe, destinando-se, portanto, ao futuro e não sendo exigíveis para o

passado (in praeteritum non vivitur).

Na mesma linha leciona Washington de Barros Monteiro94:

[...] os alimentos objetivam a satisfação de necessidades atuais ou futuras e não as passadas. Têm eles finalidade prática, a subsistência da pessoa alimentada. Se esta, bem ou mal, logrou viver sem recorrer ao auxílio do alimentante, não pode pretender, desde que se resolveu a impetrá-lo, se lhe concedam alimentos relativos ao passado, já definitivamente transposto. A

90 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (Org). Código Civil Interpretrado Artigo por Artigo, Parágrafo por Parágrafo. 3. ed. Barueri: Manole, 2010, pg. 1.386.

91 Art. 7º (...) IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

92 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 673.

93 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 674.

94 _______________

apud CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pg. 101.

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39

pensão alimentícia, em hipótese alguma, poderá ser subministrada para período anterior à propositura da ação, não se atendendo, portanto, às necessidades passadas. Alimentos são devidos ad futurum, não ad preteritum. Alimentos atrasados só são devidos se fundados em convenção, testamento ou ato ilícito.

Daí, observado o correspondente prazo prescricional, o credor somente pode

pretender haver do devedor os chamados ‘alimentos atrasados’, i.e., aqueles

anteriormente fixados em juízo, porém inadimplidos.

2.3.5 Imprescritibilidade

Em relação aos institutos da prescrição e da decadência, o Código Civil de

2002 estabeleceu, nos arts. 189 a 206 e 207 a 21195, disciplina diversa da prevista

no diploma anterior.

Cahali96 ensina que a ação de alimentos provisionais já esteve sujeita a um

prazo prescricional de 30 (trinta) anos. Entretanto, hoje há consenso na doutrina

acerca da imprescritibilidade dos alimentos.

Todavia, Orlando Gomes97 analisa três situações passíveis de se questionar a

imprescritibilidade dos alimentos:

[...] 1ª, aquela em que ainda não se conjuminaram os pressupostos objetivos, como, por exemplo, se a pessoa obrigada a prestar os alimentos não está em condições de ministrá-los; 2ª, aquela em que tais pressupostos existem, mas o direito não é exercido pela pessoa que faz jus aos alimentos; 3ª, aquela em que o alimentando interrompe o recebimento das prestações, deixando de exigir do obrigado a dívida a cujo pagamento está este adstrito. [...] Na primeira situação, não há cogitar de prescrição, porque o direito ainda não existe. Na segunda, sim. Consubstanciado pela existência de todos os seus pressupostos, seu exercício não se tranca pelo decurso do

95 Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206. Art. 206. Prescreve: (...) § 2o Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem. (...) Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição. Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I. Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei. Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei. Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.

96 Id., 2009, pg. 93.

97 _______________

apud CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pgs. 93/94.

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40

tempo. Diz-se, por isso, que é imprescritível. Na terceira, admite-se a prescrição, mas não do direito em si, e sim das prestações vencidas.

O atual regramento do Código Civil de 2002, porém, diz respeito, segundo

Farias e Rosenvald98, à “[...] pretensão executória dos alimentos”. De qualquer

forma:

Em se tratando de alimentos em favor de absolutamente incapaz ou pelo filho menor na constância do poder familiar (até os 18 anos), não haverá fluência do prazo prescricional, por se tratar de causa impeditiva, nos termos dos arts. 197, II, e 198, I do Codex.

Por seu turno, Cahali99 afirma ser “[...] ajuizável a qualquer tempo a ação de

alimentos” e “o termo inicial da pensão devida somente seria a partir da citação do

devedor...”.

2.3.6 Intransmissibilidade

Outra característica ou princípio norteador do direito de alimentos é a

intransmissibilidade.

Até a entrada em vigor da Lei nº 6.515/1977 – Lei do Divórcio, o princípio da

intransmissibilidade da obrigação de prestar alimentos aos herdeiros do devedor era

regulado, no Código Civil de 1916, pelo art. 402: “A obrigação de prestar alimentos

não se transmite aos herdeiros do devedor”.

Entretanto, o art. 23100 da Lei nº 6.515/1977, visando a assegurar o direito de

alimentos para a cônjuge sobrevivente, no caso do autor da herança haver deixado

bens suficientes, acabou contrariando o referido princípio: “A obrigação de prestar

alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.796 do CC

[Código Civil de 1916; art. 1.997, do Código Civil de 2002]”.

Parte significativa da doutrina entendeu, à época, que o legislador ordinário

inovou de forma inconveniente no Direito Civil.

98 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 674.

9999 Id., 2009, pg. 96.

100 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pg. 60.

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41

Em comentário pertinente à matéria, Levenhagen101 manifesta-se: “Radical e

injustificável foi a inovação trazida, nessa parte (art. 23), pela lei, que extinguiu o

caráter de obrigação personalíssima sempre reconhecido pelo nosso direito”.

Por seu turno, Brandão102 assevera que: “O legislador do art. 23 da Lei do

Divórcio contrariou a posição secular de nosso direito”.

A posição adotada por parte da doutrina acerca da controvérsia foi sintetizada

por Caio Mário103:

[...] a disposição somente se poderá entender como se referindo às prestações devidas até a época da morte, inseridas desta sorte como dívida do espólio. Se se entender diferentemente, contraria o princípio da personalidade do débito alimentar, e poderá gerar situações absurdas, que o legislador não pode querer ou estabelecer.

Julgando contrariamente ao posicionamento doutrinário dominante, o Tribunal

de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT, 1ª Turma decidiu por maioria, na

apelação cível nº 22.512, de 19.04.1993, que “a mulher tem legitimidade ativa ad

causam para pleitear revisão de alimentos aos herdeiros do devedor, seu ex-marido

falecido, se na separação judicial ficou acertado que ele deveria prestar-lhe

alimentos; o art. 402 do CC [v. Art. 1.700, CC/2002] foi revogado pelo art. 23 da Lei

6.515/1977; admitindo-se “a transmissão da obrigação alimentar ao espólio do

alimentante, até a conclusão do respectivo inventário”.

2.3.7 Divisibilidade da Obrigação Alimentícia

Tendo em vista a ausência de disposição legal referente à responsabilidade

solidária, em matéria de obrigação alimentícia, tanto a doutrina quanto a

jurisprudência convergem no sentido de não haver solidariedade entre os

101 ______________

apud CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pg. 60.

102 _______________

apud CAHALI, Id., pg. 60.

103 _______________

apud CAHALI, Id., pgs. 61/62.

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42

alimentantes, à luz do art. 265104 do Código Civil de 2002, mas sim divisibilidade,

conforme depreende-se do art. 1.698105 do Código Civil de 2002.

Decorre da própria natureza dos alimentos, especialmente pelo critério de

proporcionalidade, informado pelo § 1º do art. 1.694 do Código Civil de 2002, o que

Farias e Rosenvald106 denominam de “[...] dever subsidiário e complementar” da

obrigação de alimentar. Em outras palavras, os autores consideram que “[...]

havendo mais de um co-devedor apto a prestar os alimentos e considerado o caráter

indivisível e não solidário da obrigação, responderá cada um, apenas, pela parte

correspondente às suas possibilidades”. (sic)107

Entretanto, apesar da regra enunciada no art. 265 do Código Civil de 2002, os

mesmos autores assinalam e criticam a exceção constante do art. 12 da Lei nº

10.741/2003 – Estatuto do Idoso, segundo a qual “a obrigação alimentar é solidária,

podendo o idoso optar entre os prestadores”, sob o argumento da violação ao

princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, insculpido no art. 227 da

Constituição Federal bem como nos arts. 1º e 4º da Lei nº 8.069/1990.

2.3.8 Irrepetibilidade

Independentemente de os alimentos fixados pelo juízo serem provisórios,

provisionais ou definitivos, necessários ou civis, em todos os casos a mantença da

vida do credor desta obrigação personalíssima constituirá o seu minimum

minimorum. Em razão disso apregoam Farias e Rosenvald108 que “[...] a quantia

paga a título de alimentos não pode ser restituída pelo alimentando por ter servido à

sua sobrevivência”.

104 Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.

105 Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.

106 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 679.

107 Id., 2010, pg. 681. Em síntese apresentada pelos autores, a obrigação alimentar “não é solidária, mas sim divisível”.

108 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 688.

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43

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT vem proferindo

decisões nesse sentido, tais como as da Apelação Cível 20000110249644APC e do

Agravo de Instrumento 20080020093335AGI:

EMENTA: ALIMENTOS. REPETIÇÃO. IMPOSSIBLIDADE. Dentre os princípios que informam a obrigação alimentar, sobreleva-se o da irrepetibilidade, inerente à própria natureza da obrigação alimentar. EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS A TÍTULO DE ALIMENTOS – IRREPETIBILIDADE DO QUE JÁ FOI PAGO – IMPROVIMENTO DO RECURSO.

Farias e Rosenvald ainda sustentam serem irrepetíveis os alimentos

regularmente prestados ao alimentando, no caso de superveniente negativa de

paternidade, desde que o alimentando ou seu representante legal não tenha

incorrido em quaisquer das hipóteses de enriquecimento sem causa, previstas nos

arts. 884 e 885109 do Código Civil de 2002.

Aprofundando esse raciocínio, Arnold Wald110 entende admitir-se a restituição

dos alimentos:

[...] quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer a prova de que caiba a terceiro a obrigação alimentar, pois o alimentado utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los.

2.3.9 Incompensabilidade

O art. 1.707 do Código Civil de 2002 estabelece, quanto ao crédito decorrente

da obrigação de alimentos, a sua incompensabilidade. A referida regra remonta,

segundo Cahali, ao Liv. IV, Tit. LXXVIII, “Das Compensações”, das Ordenações

Filipinas111 e, posteriormente, ao art. 1.015, II do Código Civil de 1916112.

109 Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

110 _____________

apud CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pg. 108.

111 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pg. 88.

Page 44: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

44

Assim, sob o mesmo fundamento da irrepetibilidade, retromencionado, tem-se

que os alimentos são, em regra, incompensáveis, quer dizer, se o credor da

obrigação de alimentos eventualmente tornar-se devedor do alimentante, não

poderá este, de per si, reduzir a sua prestação para com aquele.

Discorrendo sobre a natureza especial dos alimentos, Cahali113 assevera que

a dívida de alimentos “[...] exige o pagamento efetivo, em mãos do credor; são

prestações urgentes, um direito personalíssimo do alimentando”.

Entretanto, Farias e Rosenvald114 valem-se do princípio do enriquecimento

sem causa para relativizar a incompensabilidade do crédito de alimentos citando o

exemplo de que:

[...] em certos casos, com o propósito de evitar o enriquecimento sem causa do credor que recebeu uma determinada parcela alimentícia a maior, é possível a compensação do valor pago indevidamente nas parcelas vincendas, de modo a obstar acréscimo patrimonial indevido.

Excepcionando a própria exceção, os autores115 consideram não poderem ser

compensados valores que ultrapassem a determinado percentual que possa vir a

comprometer a situação do alimentando.

Todavia, cuida-se de hipótese excepcional, somente tolerada quando demonstrado, a toda evidência, o caráter indevido do pagamento realizado e desde que não comprometa a subsistência do alimentando (ou seja, desde que a compensação no mês seguinte não ultrapasse ao percentual tolerável de descontos em salários de 30%).

2.3.10 Impenhorabilidade

Ainda de acordo com as disposições do art. 1.707 do Código Civil de 2002,

tem-se, por fim, a insuscetibilidade do crédito de alimentos à penhora. Apesar disso,

determinados doutrinadores ressalvam hipóteses onde a penhora pode recair sobre

a pensão e até mesmo sobre outros bens, sub-rogados.

Farias e Rosenvald116 apresentam duas situações:

112 Id., 2009, pg. 88.

113 Ibidem., 2009, pg. 87.

114 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pgs. 690/691.

115 Id., 2010, pg. 691.

116 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 691.

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45

[...] admite-se a penhora dos alimentos para pagamento de outra obrigação de mesma natureza (alimentícia). Assim, já se percebe a possibilidade de penhorar pensão previdênciária para o pagamento de verba alimentar. Noutro caso, é possível penhorar os bens adquiridos com o valor recebido a título de alimentos, desde que não protegidos pela impenhorabilidade da Lei nº 8.009/90 – Lei do bem de família.

Quanto à segunda, diverge Orlando Gomes117:

[...] pretendem alguns que a proteção legal não se estenda à totalidade do crédito, no pressuposto de que, prestados os alimentos civis, há sempre uma parte que não corresponde ao necessarium vitae. Admite-se, outrossim, que os alimentos são impenhoráveis no estado de crédito; a impenhorabilidade não acompanharia os bens em que foram convertidos. Sustenta-se, afinal, com fundamentos razoáveis, que a penhora pode recair sobre a soma de alimentos provenientes do recebimento de prestações atrasadas. Não há regras que disciplinem especificamente tais situações. O juiz deve orientar-se pelo princípio de que a impenhorabilidade é uma garantia instituída em função da finalidade do instituto.

2.4 ALIMENTOS DECORRENTES DO PARENTESCO

Segundo a doutrina, as relações de parentesco, enquanto causas da

obrigação de alimentar, tem suas raízes na Antiguidade. Cahali118 destaca que o

Direito Romano reconhecia com exclusividade o poder do pater familias, que não

necessariamente possuía vínculo de sangue com seus filhos, visto que estes

poderiam passar a pertencer à sua família mediante as formas de adoção da época.

Assim, naquele tempo, a obrigação de sustento era vinculada à consanguinidade

(cognatio):

[...] o filho que saísse do pátrio poder, para entrar por adoção em uma nova família, conservava seus direitos em relação ao pai de origem. Este apenas perdia o pátrio poder, mas conservava o dever de alimentos ao filho, no pressuposto de que os liames de sangue permaneciam intangíveis.

Considerando a evolução do pátrio poder, Caio Mário119 sintetiza:

[...] o instituto clássico do pátrio poder (hoje, poder familiar) passou por numerosas reformas que lhe alteraram a caracterização jurídica, modificando seu fundamento e sua finalidade, que é deslocada para sua concepção atual de “poder de proteção”, substitutivo da potestas romana,

117 ______________

apud CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pg. 86.

118 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pg. 338.

119 ______________

apud CAHALI, Id., 2009, pg. 339.

Page 46: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

46

que traduzia uma subordinação autocrática e enfeixamento de direitos parentais.

Fundados nos princípios constitucionais da vida, da dignidade da pessoa

humana, da solidariedade social e familiar, e da afetividade, Farias e Rosenvald

sustentam que, na atualidade, “[...] Toda e qualquer relação parental traz consigo,

naturalmente, a obrigação alimentícia, pouco interessando se a origem é, ou não,

biológica, alcançando, bem por isso, igualmente, as relações afetivas e adotivas”.

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47

3 NASCITURO

3.1 NASCITURO NO DIREITO ROMANO

Desde o Direito Romano justinianeu120, o nascituro tem sido objeto de

codificação e proteção. Devido à sua maior importância, o Direito das Pessoas121 foi

o primeiro a ser tratado no Digesto122.

Gaio, jurisconsulto romano, já havia dividido o Direito em pessoas, coisas e

ações, demonstrando o espírito prático do seu povo. Assim, estabeleceu-se que

somente seria pessoa o produto do parto de ser humano, nascido com vida:

D. 50.16.129. (Paulus libro I ad legem Iulian et Papiam). Qui “mortuius” nascuntur, neque nati, neque procreati videntur, quia nunquam liberi appelari potuerunt (Os que nascem mortos não se consideram nascidos nem procriados, pois nunca puderam chamar-se filhos). D. 35.2.9.1. Papiniano. ...partus nodum editus homo non recte fuisse dicitur (não se diz nascido um homem sem que o parto tenha havido). D. 25.4.1.1. Ulpiano. ...partus enim antequam edatur, mulieris portio est vel viscerum. (antes de ser dada à luz, a criança é uma porção da mulher ou de suas vísceras).

À primeira vista pode-se ter a impressão de que os romanos negavam

proteção ao nascituro. Entretanto, Poletti123 pondera que as referidas compilações 120 Compilação e codificação das leis e da Jurisprudência Romana, ordenadas no VII século da era vulgar, pelo Imperador do Oriente. (POLETTI, Ronaldo, Elementos de Direito Público e Privado, pg. 25). 121 D. 1.5.1 (Gaius, Instituionum, libro I) Omne ius, quo utimur, vel ad personas pertinet, vel ad res, vel ad actiones. (Todo o direito que usamos é pertinente às pessoas, ou às coisas ou às ações). (POLETTI, Ronaldo, Elementos de Direito Público e Privado, pg. 73). 122 Depois de haver editado o Codex Iustinianus (529 d.C.), reunião das leges, concebida por Justiniano desde a época de seu tio Justino (518-527), adaptando-as à realidade da sua época, o Imperador convocou os homens da maior competência para uma missão muito mais hercúlea, através da Constituição Deo Auctore, de 15 de dezembro de 530. A Constituição era dirigida a Triboniano, como quaestor sacri palatii, que havia se destacado nos trabalhos preparatórios do Código. Tratava-se de recolher, nos escritos dos juristas antigos providos do ius respondendi, os fragmentos necessários para levar a cabo um tratado completo daquela parte do direito ainda vigente que, por pertencer à época clássica, somente podia ser conhecido pela obra dos prudentes. Os fragmentos deveriam ser organizados. A compilação resultou no Digesta ou Pandectae, a parte mais importante do esforço justinianeu, uma vez que reunia a doutrina que haveria de influenciar todo o mundo futuro, na criação e aprimoramento do Direito. (...) Em 16 de dezembro de 533, o Digesto foi publicado, integrado por 50 livros, reunidos os 9.142 fragmentos, dos quais, aproximadamente, 1/3 são de autoria de Ulpiano, sendo que mais de 2/3 foram colhidos nos juristas da Lei de citações (o famoso tribunal dos mortos), sendo autores de 2.470 fragmentos os juristas Cervídio Cévola, Pompônio, Juliano, Marciano, Javoleno, Africano (Marcelo), mais 27 juristas escreveram os 535 fragmentos restantes. (POLETTI, Ronaldo, Elementos de Direito Público e Privado, pgs. 54/55).

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48

visavam à “proteger a mulher diante da pretensão do ex-marido de colocá-la sob

guarda, tendo em vista estar grávida do filho dele”, caso contrário a gestante poderia

sujeitar-se a tutela perpétua, na condição de alieni iuris124.

Corroboram esse entendimento diversos outros fragmentos do Digesto, os

quais conferem proteção ao filho ainda não nascido diante de interesses contrários

aos seus:

D. 1.5.7. Paulo. ...qui in utero est, perinde ac si in rebus humanis esset, custoditur, quotiens de commodis ipsius queritur, quanquam alii, antequam nascutur, nequaquam prosit (aquele que está no útero é protegido de maneira igual como se estivesse dentre as coisas humanas, todas as vezes que se questionar de suas próprias vantagens, de maneira que, antes de nascer, de forma alguma a outro aproveite). D. 1.5.26. Juliano. Qui in utero sunt, in toto paene iure civili intelliguntur in rerum natura esse. (Aqueles que estão no útero, em quase todo o direito civil, são compreendidos como se já estivessem nascidos). D. 37.9.1.15. Ulpiano. (...não duvidamos que o pretor deva socorrer também ao que vai nascer, bem mais porque a sua causa deve ser mais favorecida do que aquela do menino; pois se favorece ao concebido para que venha à luz, enquanto ao menino para que seja reconhecido na família; porque o concebido tem que ser nutrido pois nascerá não somente para o pai, ao qual se diz pertencer, mas também para a república”).

Também conduz à mesma conclusão o preceito nasciturus pro iam nato

habetur, quum de eius commodo agitur (o nascituro é considerado nato, quando

estiverem em jogo suas vantagens).

123 POLETTI, Ronaldo. Elementos de Direito Romano Público e Privado . 1. ed. Brasília: Livraria e Editora Jurídica, 1996, pg. 76.

124 La locuzione latina ellittica alieni iuris veniva utilizzata tecnicamente dai giuristi romani in luogo della più completa alieni iuris subiectae per indicare le persone che erano soggette al potere di qualcuno. Contrapposto al concetto di alieni iuris vi era quello di sui iuris, che stava ad indicare, invece, coloro che non erano soggetti al potere di altri individui. Il giurista romano Gaio descrive la differenza tra le due espressioni antitetiche in questi termini: G.1.48 «Sequitur de iure personarum alia divisio. Nam quaedam personae sui iuris sunt, quaedam alieno iuri sunt subiectare» (Trad. Segue una ulteriore distinzione sulla condizione giuridica delle persone. Infatti, alcune persone sono sui iuris, altre sono soggette ad un potere giuridico altrui. Più in particolare si poteva divenire alieni iuris: o perché sottoposti alla potestas (patria nel caso dei figli o dominica nel caso si trattasse di schiavi); o perché sottoposti alla manus (è il caso delle mogli); ovvero perché sottoposti al mancipium (qualora il pater familias avesse ceduto una persona a lui sottoposta con l'atto della mancipatio). Le conseguenze giuridiche per gli alieni iuris erano particolarmente svantaggiose. Ad essi infatti non spettava alcun diritto nel campo del ius privatum. Disponível em: <http://it.wikipedia.org/wiki/Alieni_iuris> Acesso em: 12 mai. 2010.

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49

3.2 NASCITURO NO DIREITO BRASILEIRO

No que concerne ao aspecto histórico, o Direito Romano é, no dizer do

professor da Faculdade de Direito de Lisboa, José Maria Ascenção125 “[...] fonte do

nosso Direito (e de todos os que integram a família do Civil Law)”.

Assim, em decorrência da colonização portuguesa, a partir do séc. XVI, o

Brasil passou a receber influências de base romanista, fazendo com que o Direito

Brasileiro viesse também a integrar a família do Civil Law.

O Código Civil de 1916 disciplinava em seu art. 4º que: “A personalidade civil

do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a

concepção os direitos do nascituro”.

Em 25 de setembro de 1992, o Estado Brasileiro aderiu à Convenção

Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). No mesmo

ano, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, internalizou o referido

tratado internacional sobre direitos humanos, por meio do Decreto nº 678.

O Pacto de São José da Costa Rica define pessoa como sendo todo o ser

humano e assegura-lhe proteção ao direito à vida, a partir da concepção.

ARTIGO 1. Obrigação de Respeitar os Direitos. 1. Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e a liberdade nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esta sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano. ARTIGO 4. Direito à Vida. 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

Acerca da hierarquia dos tratados internacionais no âmbito do Direito Interno

Brasileiro, o Supremo Tribunal Federal – STF vinha entendendo que as Convenções

ratificadas no âmbito do Direito Internacional versando sobre direitos humanos,

quando aprovadas pelo Poder Legislativo sem o quorum previsto no art. 5º, § 3º, da

Constituição Federal de 1988, teriam status de lei ordinária federal.

125 _____________

1991 apud AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria Geral do Direito. Rio de Janeiro: ed. Forense, 2006, pg. 129.

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50

Este era o caso da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conforme

anotação de Fernando Capez126:

Ocorre que, como referido tratado não foi submetido a nenhum quorum qualificado em sua aprovação, sua posição é subalterna no ordenamento jurídico, de modo que não pode prevalecer sobre norma constitucional expressa, permanecendo a possibilidade de prisão do depositário infiel.

Contudo, no ano de 2008, o Supremo Tribunal Federal – STF, ao julgar ações

envolvendo prisão de depositário infiel127, modificou o seu entendimento anterior,

posicionando os tratados internacionais sobre direitos humanos, quando não

aprovados segundo as regras do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988, num

patamar imediatamente abaixo das normas constitucionais, porém acima das leis

ordinárias federais.

Esse novo entendimento alçou o Pacto de São José da Costa Rica para a

nova categoria, ora inserida na hierarquia das normas do ordenamento jurídico

pátrio.

A doutrina aponta pelo menos duas teorias acerca do início da personalidade

humana: a teoria da natalidade ou natalista e a teoria da concepção ou

conceptualista:

Em relação ao início da existência da personalidade humana, há duas doutrinas. Uma faz começar a personalidade civil com o nascimento, reservando para o nascituro, entretanto, uma expectativa de direito. Os códigos que adotam essa doutrina (CC alemão, art. 1º; suíço, art. 31; português, art. 6º; espanhol, art. 29; mexicano, art. 22; japonês, art. 1º; chileno, art. 74, 1ª al.; venezuelano, art. 16; peruano, art. 1º; italiano, art. 1º) são em maior número. Outra remonta à concepção, e por ela se inclinara o Projeto primitivo, com Teixeira de Freitas, Nabuco e Felício dos Santos. Apesar dos excelentes argumentos em que esta opinião se firma, foi preferida a primeira, por parecer mais prática. Não obstante, o CC brasileiro (1916), como todos os outros, destaca situações em que o nascituro se apresenta como pessoa: a) art. 357 (art. 1.609 do CC/2002), legitimação do filho apenas concebido; b) art. 363 (sem correspondente no CC/2002), reconhecimento do filho, anterior ao nascimento; c) art. 462 (art. 1.779 do CC/2002), curatela do nascituro; d) art. 1.718 (v. art. 1.799 do CC/2002), a pessoa já concebida, embora ainda não nascida, tem capacidade para adquirir por testamento. (BEVILÁQUA128).

126 CAPEZ, Fernando. Prisão Civil. O Pacto de São José da Costa Rica e a Emenda Constitucional nº 45/2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7708>. Acesso em 09 mai. 2010.

127 Do Habeas Corpus (HC) nº 87.585 e dos Recursos Extraordinários (RE) nº 466.343 e 349.703.

128 _____________

apud CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pg. 348.

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51

Amaral129 ainda faz menção a uma terceira teoria, a da personalidade

condicionada: “[...] personalidade desde a concepção sob a condição de nascer com

vida, se natimorto, jamais teve personalidade”.

Quanto ao tratamento dispensado ao nascituro, no âmbito da lei civil

brasileira, continua o referido autor130:

[...] o Código Civil, tanto o novo quanto o velho reconhecem direitos (arts. 462/CCB/1916 ou 1.779/CCB/02; 1.169/CCB/1916 ou 542/CCB/02), legitimidade ad causam e status (predicado exclusivo das pessoas) familiae (de filho, p. ex. art. 458/CCB/1916, sem correspondência no CCB/02) ao nascituro.

O Código Civil de 2002 disciplina a matéria da personalidade humana no seu

art. 2º: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei

põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Observa-se que a mencionada norma jurídica contempla tanto à teoria

natalista quanto à conceptualista e, no que diz respeito ao nascituro e seu conceito

jurídico, interessa a segunda parte do referido artigo.

Novamente Amaral131 ensina que:

[...] há na matéria um importante componente de segurança jurídica quanto à determinação cronológica do momento do início da personalidade, ou seja, do início da possibilidade de adquirir direitos e os eventuais conflitos de interesse patrimoniais que isto pode suscitar.

Maria Helena Diniz132 entende que:

[...] Na vinda intra-uterina, tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos e aos da personalidade, passando a ter personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais, que permaneciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida. Se nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas se tal não ocorrer, nenhum direito patrimonial terá.

Neste passo, mister se faz examinar o conceito jurídico do nascituro, à luz da

doutrina pátria hodierna:

129 AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria Geral do Direito. Rio de Janeiro: ed. Forense, 2006, pg. 253.

130 Id., 2006, pg. 259.

131 AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria Geral do Direito. Rio de Janeiro: ed. Forense, 2006, pg. 256.

132 _____________

apud JÚNIOR e COPETTI, Código Civil Anotado, 5. Ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 9.

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52

Uma primeira conceituação, mais relacionada ao aspecto biológico do que

propriamente jurídico, é oferecida por Silvio Rodrigues133 “[...] o ser já concebido,

mas que ainda se encontra no ventre materno”.

Outra, mais voltada para as consequências jurídicas advindas do parto, é a

oferecida por Moreira Alves134:

O nascituro é o que irá nascer; em outras palavras, o feto durante a gestação; não é ele ser humano – não preenche ainda o primeiro dos requisitos necessários à existência do homem, isto é, o nascimento; mas, desde a concepção, já é protegido; no terreno patrimonial, a ordem jurídica, embora não reconheça no nascituro um sujeito de direitos, leva em consideração o fato de que, futuramente, o será, e, por isso, protege, antecipadamente, direitos que ele virá a ter quando for pessoa física.

Além do art. 2º, do Código Civil de 2002, o art. 1.798 estabelece que:

“Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da

abertura da sucessão”.

Cahali135, discorrendo acerca da legitimação sucessória, considera a hipótese

excepcional na qual a herança é deferida ao nascituro, sob condição:

Em situações especiais, defere-se a herança a pessoa ainda não existente no momento da abertura da sucessão. O primeiro caso é o do direito do nascituro (CC, arts. 2º e 1.798), verificada a sua capacidade pela concepção, posto que biologicamente vivo mas juridicamente desprovido de personalidade. Se já concebido quando da abertura da sucessão, embora ainda carecedor de personalidade, tem preservada a titularidade de direitos, condicionada ao nascimento com vida; caso contrário, não terá existido como ser humano, e assim (inexistente) será tratado também no direito sucessório.

Da análise do art. 2º c/c art. 1.798, do Código Civil de 2002, tendo-se em

conta também a disciplina do caput do art. 7º da Lei de Introdução ao Código Civil –

LICC136, verifica-se que parece assistir razão a teoria referenciada por Amaral, qual

seja, a da personalidade condicionada, posto que não excludente das teorias da

natalidade e da concepção, mas situada numa posição intermediária entre ambas.

133_____________

apud TEPEDINO et al., Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: ed. Renovar, 2004, pg. 6.

134 _______________

apud CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pg. 345.

135 CAHALI, Francisco José e HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Sucessões. 3. Ed. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2008, pg. 102.

136 “A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”.

Page 53: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

53

Assim, o nascituro teria uma personalidade adstrita à uma espécie de condição

suspensiva, i.e., ao seu nascimento com vida. Da mesma maneira pondera

Donoso137:

[...] Daí que se diz que o nascituro tem direitos em estado potencial, sob condição suspensiva (direito condicional ou eventual), pois aguardam a verificação de evento futuro e incerto (nascimento com vida) para ter eficácia.

Em outras palavras, enquanto o referido evento futuro e incerto não ocorrer, o

nascituro não seria considerado nem ser humano nem sujeito de direitos, gozando

apenas de proteção legal quanto à direitos de natureza patrimonial.

Malgrado posicionamento anterior138, atualmente observa-se no repositório de

jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT uma

tendência ao reconhecimento da personalidade do nascituro, sob o amparo da teoria

conceptualista139.

EMENTA: CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. NASCITURO. PERDA DO PAI. DIREITO À REPARAÇÃO E À COMPENSAÇÃO. MORTE DE TERCEIRO. DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. VALOR. MINORAÇÃO. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. ÔNUS SUCUMBENCIAL. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Considerando o dano moral como a lesão a direito da personalidade, deve-se admitir a caracterização de dano moral em relação ao nascituro, pois, além de seus direitos estarem resguardados (art. 2º, do CC/2002), à luz da teoria concepcionista, é o nascituro sujeito de direito. Precedentes do e. STJ. 2. Sendo devida pensão por danos morais no importe de 2/3 (dois terços) sobre o valor da remuneração da vítima, tendo em vista a presunção de que 1/3 (um terço) dirige-se aos gastos pessoais do falecido, deve-se deduzir a parcela já percebida pela viúva, para fins de se obter o percentual cabível à filha da vítima. 3. Compondo fato incontroverso que o de cujus detinha ocupação profissional remunerada, impõe-se o cômputo do 13º salário (gratificação natalina). 4. Os juros de mora devidos anteriormente a 11/01/2003 (data da vigência do CC/2002) deverão incidir no importe de 0,5% ao mês, enquanto que, a partir de 12/01/2003, sob o percentual de 1% ao mês. 5. O arbitramento da compensação por danos morais ao filho deve considerar a indenização já fixada em favor da esposa, bem como o lapso de treze anos contido entre a morte do genitor e a propositura da ação. Minoração do quantum referente aos danos morais. Precedentes deste TJDFT. 6. Situada a responsabilidade na seara extracontratual, seria imperativa a aplicação dos juros de mora desde a data do evento danoso (Súmula nº 54, do STJ), contudo, no caso de assim se proceder, os

137 DONOSO, Denis. Alimentos Gravídicos. Aspectos Materiais e Processuais da Lei nº 11.804/2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12219>. Acesso em: 09 mai. 2010.

138 ACJ – Apelação Cível no Juizado Especial 20000110044995 EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MORTE DE NASCITURO. PRÊMIO DE SEGURO OBRIGATÓRIO. Inviabilidade do pedido em face do nosso Direito não lhe conferir personalidade civil. Dado provimento ao recurso.

139 Apelação Cível 20050111060853APC

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fundamentos pinçados a bem de declinar o porquê da minoração da compensação em favor da filha tornariam-se insubsistentes, comprometendo-se, com isso, a higidez e a eficácia da prestação jurisdicional buscada. Dessa forma, em nome de ditames superiores concernentes à segurança jurídica e à justa e proporcional compensação, impõe-se que o cômputo dos juros de mora inicie-se a partir da data do arbitramento da compensação. 7. Consoante enunciado sumular do e. STJ de nº 362, a correção monetária é devida desde o arbitramento, isto é, da data do julgamento da apelação por esta e. Turma. 8. Não se deve substituir a constituição de capital pela inclusão do beneficiário de pensão em folha de pagamento, em vista da cautela de ser assegurada a percepção do pensionamento, pois, acaso assim se proceda, ficará a autora sujeita aos contratempos e vicissitudes inerentes à realidade econômica do país (Recurso Especial n. 302.304/RJ, Segunda Seção, do e. STJ). 9. Em homenagem à segurança jurídica e para a estreita observância da interpretação talhada pela fiel Corte Superior Legal, reviso meu entendimento (REsp 940.274-MS), para que o prazo de quinze dias inscrito no art. 475-J, do CPC, seja contado, após o trânsito em julgado, a partir da intimação do advogado para o pagamento, sendo desnecessária a intimação pessoal da parte. 10. Não há sucumbência recíproca, quando a sentença fixa a condenação por danos morais em valor menor que aquele cominado na inicial, haja vista este ser de natureza meramente estimativa, como se depreende da inteligência do enunciado sumular nº 326, do STJ. Havendo sucumbência recíproca quanto ao pleito de danos materiais, impõe-se a redistribuição do ônus sucumbencial quanto aos honorários. 11. Apelação da autora não conhecida. Apelação da ré conhecida e parcialmente provida, para reformar a sentença quanto ao quantum arbitrado a título de danos morais, ao termo inicial do cômputo dos juros de mora e à redistribuição do ônus sucumbencial.

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4 ASPECTOS POLÊMICOS DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS

4.1 NATUREZA JURÍDICA E TITULARIDADE

Com o advento da Lei nº 11.804/2008, coteja-se, de início, a divergência

doutrinária referente à natureza jurídica do novel instituto e, consequentemente, a

titularidade do referido direito personalíssimo.

Considerando-se a dicção dos arts. 1º e 2º140 da referida Lei, é de ver-se que

a exegese de Cahali141 prende-se à teoria natalista, relativa ao início da

personalidade humana, vez que o eminente jurista não estabelece relações de

pertinência dos alimentos gravídicos nem com o art. 2º, 2ª parte, nem com os arts.

1.694 e 1.695, todos do Código Civil de 2002, pugnando que:

[...] a Lei 11.804/2008 procura proporcionar à mulher grávida um autêntico auxílio-maternidade, sob a denominação lato sensu de alimentos, representado por uma contribuição proporcional a ser imposta ao suposto pai, sob forma de participação nas despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

Reforçando seu entendimento, Cahali142 chama a atenção para a regra

estatuída no parágrafo único do art. 6º da Lei nº 11.804/2008, qual seja, a conversão

dos alimentos gravídicos em pensão alimentícia, após o nascimento:

[...] até o parto, a gestante reclama o auxílio-maternidade do futuro pai, agindo em nome próprio, em função do seu estado gravídico. Somente depois de dar a luz ao filho, passa a mesma a agir como representante do menor na execução ou revisão da pensão alimentícia que passa a ser devida a este.

140 Art. 1o Esta Lei disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a forma como será exercido. Art. 2o Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.

141 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pg. 353.

142 Id., 2009, pg. 354.

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56

Em outras palavras, o autor reconhece a legitimação para agir exclusivamente

à gestante, titular da relação jurídica e do direito de alimentos gravídicos, até o parto,

e, havendo o nascimento com vida, a representação da mãe do menor, haja vista a

mudança de titularidade do direito, operada pela conversão do ‘auxílio-maternidade’

em pensão alimentícia. No mesmo sentido a decisão143 proferida pela

Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT,

Vera Andrighi.

Divergem desse entendimento Leite e Heuseler144, ao sustentar que os

alimentos gravídicos “[...] possuem natureza jurídica sui generis, agregando

simultaneamente elementos de direito de família típicos nas pensões alimentícias e,

ainda, elementos de responsabilidade civil”.

Por sua vez, Silmara Juny A. Chinelato e Almeida145 advoga a “[...]

impossibilidade de se negar a personalidade jurídica do nascituro, pois “quem afirma

direitos e obrigações afirma personalidade, sendo a capacidade de direito e o status

atributos da personalidade”.

Também em defesa da personificação do nascituro e da paternidade

responsável, Farias e Rosenvald146 afirmam que a Lei nº 11.804/2008 reconheceu

“[...] o direito da personalidade do nascituro a uma gestação saudável” e acolheu

“[...] por via oblíqua, a teoria concepcionista”.

4.2 COMPETÊNCIA DO JUÍZO

Por expressa disposição do art. 11 da Lei nº 11.804/2008, tem-se que a

competência é territorial, portanto relativa e prorrogável. Tal entendimento funda-se

nas seguintes remissões: “Aplicam-se supletivamente nos processos regulados por

143 Apelação Cível 20090810061229APC.

144 LEITE, Gisele e HEUSELER. Comentários à Lei 11.804/2008 (Alimentos Gravídicos). Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/6182/Comentarios_a_Lei_118042008_Alimentos_Gravidicos>. Acesso em: 09 mai. 2010.

145 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 710.

146 Id., 2010, pg. 711.

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57

esta Lei as disposições das Leis nos 5.478, de 25 de julho de 1968, e 5.869, de 11

de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil”.

A Lei nº 5.478/1968 disciplina em seus arts. 26 e 27 que: “É competente para

as ações de alimentos decorrentes da aplicação do Decreto Legislativo nº. 10, de 13

de novembro de 1958, e Decreto nº. 56.826, de 2 de setembro de 1965, o juízo

federal da Capital da Unidade Federativa Brasileira em que reside o devedor, sendo

considerada instituição intermediária, para os fins dos referidos decretos, a

Procuradoria-Geral da República. [...]” e “Aplicam-se supletivamente nos processos

regulados por esta lei as disposições do Código de Processo Civil”.

Quanto à competência estabelecida pelo Código de Processo Civil, em função

do objeto da ação de alimentos gravídicos ser um direito personalíssimo, aplicar-se-

ia supletivamente norma análoga à da Lei nº 5.478/1968, qual seja, a insculpida no

caput do art. 94 do Código de Processo Civil: “A ação fundada em direito pessoal e a

ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro

do domicílio do réu”.

Dois meses antes de ser sancionada a Lei nº 11.804/2008, Maria Berenice

Dias publicou artigo147 ressaltando que “O primeiro pecado é fixar a competência no

domicílio do réu, quando de forma expressa o estatuto processual concede foro

privilegiado ao credor de alimentos”.

O foro privilegiado a que se refere a autora encontra-se disciplinado no art.

100, II do Código de Processo Civil: “Art. 100. É competente o foro: [...] II - do

domicílio ou da residência do alimentando, para a ação em que se pedem

alimentos”.

No entender de Maria Berenice Dias, a fixação da competência deve ser a

que melhor atenda ao interesse da gestante e, consequentemente, ao do nascituro,

não se lhe devendo exigir a propositura da ação no local da residência do réu.

147 DIAS, Maria Berenice. Alimentos Gravídicos? Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11540>. Acesso em: 15 jan. 2010.

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58

4.3 CONSTITUIÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA

O art. 213 do Código de Processo Civil informa que a “Citação é o ato pelo

qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender”.

Greco Filho148 ensina que “[...] Sem citação não se completa o actum trium

personarum, a relação jurídica processual, não podendo de um simulacro de

processo se extrair qualquer efeito”. Observa, ainda, que em determinadas situações

pode interessar ao demandante a vinculação de terceiros ou interessados ao

processo.

Considerando-se o silêncio da Lei nº 11.804/2008 em relação ao termo a quo

dos alimentos gravídicos, aplicam-se, por força do seu art. 11, as disposições da Lei

nº 5.478/1968 e, supletivamente, as do Código de Processo Civil.

Desta forma, ao teor do § 2º do art. 13 da Lei nº 5.478/1968, os alimentos

fixados pelo juiz retroagirão à data da citação.

Diante da data de início a partir da qual os alimentos gravídicos passam a ser

devidos, Maria Berenice Diais149 considera que:

Ninguém duvida que isso vai gerar toda a sorte de manobras do réu para esquivar-se do oficial de justiça. Ao depois, o dispositivo afronta jurisprudência já consolidada dos tribunais e se choca com a Lei de Alimentos, que de modo expresso diz: ao despachar a inicial o juiz fixa, desde logo, alimentos provisórios.

4.4 PRAZO PARA A APRESENTAÇÃO DE RESPOSTA

Dispõe o art. 7º da Lei nº 11.804/2008 que: “O réu será citado para apresentar

resposta em 5 (cinco) dias”.

Norma análoga prevista no art. 5º, § 1º da Lei nº 5.478/1968 diz que: “Na

designação da audiência, o juiz fixará o prazo razoável que possibilite ao réu a

contestação da ação proposta e a eventualidade de citação por edital”.

Comparando-se os dispositivos acima transcritos verifica-se que o prazo

concedido pela Lei nº 11.804/2008 para a apresentação de resposta é diminuto em 148 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, volume 2: (atos processuais a recursos e processos nos tribunais). 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pgs. 30/31.

149 DIAS, Maria Berenice. Alimentos Gravídicos? Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11540>. Acesso em: 15 jan. 2010.

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59

relação ao ‘prazo razoável a ser estipulado pelo juiz’, estabelecido pela Lei nº

5.478/1968. Levando-se em conta o termo a quo dos alimentos gravídicos a partir da

citação, a exiguidade do prazo para responder pode, muito provavelmente, impelir o

réu a evadir-se, em detrimento da gestante e do nascituro.

4.5 CABIMENTO DA AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS SOFRIDOS PELO SUPOSTO PAI

Dos 12 (doze) artigos integrantes do Projeto de Lei que culminou na edição

da Lei nº 11.804/2008, 6 (seis) foram vetados. Dentre eles, o art. 10, o qual dispunha

que “Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor

responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu”. O

Parágrafo único do mesmo dispositivo estabelecia que “A indenização será liquidada

nos próprios autos”.

Maria Berenice Dias150 criticou o referido dispositivo alegando ser o mesmo

inconstitucional, por constituir violação ao acesso à justiça:

[...] Apesar de aparentemente consagrar o princípio da proteção integral, visando assegurar o direito à vida do nascituro e de sua genitora, nítida a postura protetiva em favor do réu. Gera algo nunca visto: a responsabilização da autora por danos materiais e morais a ser apurada nos mesmos autos, caso o exame da paternidade seja negativo. Assim, ainda que não tenha sido imposta a obrigação alimentar, o réu pode ser indenizado, pelo só fato de ter sido acionado em juízo. Esta possibilidade cria perigoso antecedente. Abre espaço a que, toda ação desacolhida, rejeitada ou extinta confira direito indenizatório ao réu. Ou seja, a improcedência de qualquer demanda autoriza pretensão por danos materiais e morais. Trata-se de flagrante afronta o princípio constitucional de acesso à justiça, dogma norteador do estado democrático de direito.

Compartilhando do mesmo entendimento, Donoso151 defendeu a

impossibilidade do ajuizamento de indenizatória, por parte do réu, posto que tal ação

atentaria contra o livre exercício do direito de ação:

[...] curial o veto ao art. 10 da LAG152, que assim dispunha: “Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá,

150 DIAS, Maria Berenice. Alimentos Gravídicos? Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11540>. Acesso em: 15 jan. 2010.

151 DONOSO, Denis. Alimentos Gravídicos. Aspectos Materiais e Processuais da Lei nº 11.804/2008. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12219>. Acesso em: 09 mai. 2010.

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60

objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu”. As razões apontadas para o veto me parecem convincentes e falam por si: “Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação”.

Malgrado o posicionamento dos autores retromencionados e à parte o pedido

de exoneração de alimentos bem como a irrepetibilidade, i.e., a impossibilidade de o

suposto pai reaver os valores fixados na sentença pelo juiz e já efetivamente pagos

à gestante, considerando-se a hipótese de exame de DNA negativo, realizado após

o nascimento, há quem sustente ser cabível o ajuizamento de ação de indenização

por danos morais e até materiais, sofridos pelo suposto pai.

Discutindo acerca do vetado art. 10 do Projeto de Lei, Leite e Heuseler153

entendem que:

[...] O inusitado desta lei, é que um homem pode ser obrigado a pagar pensão alimentícia com base em indícios de paternidade o que seria parcialmente resolvido pelo artigo 10 do projeto de lei (que foi vetado) cujo teor era: “Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá objetivamente pelos danos materiais e morais causados ao réu”. E, seu parágrafo único aduz: “a indenização será liquidada nos próprios autos”. [...] evidente a responsabilidade civil objetiva da autora da demanda o que ipso facto lhe impinge o dever de indenizar, independentemente da apuração da culpa.

Tratando a situação como hipótese de responsabilidade subjetiva, Farias e

Rosenvald154 admitem que:

[...] De qualquer sorte, o acionado (o suposto genitor) poderá, após a comprovação judicial de que não é o pai, pleitear uma indenização por dano moral, somente se conseguir evidenciar que a imputação a si dirigida decorreu de má-fé, devidamente comprovada, da mãe do menor.

Por seu turno, Barros155 defende que:

152 LAG – Lei dos Alimentos Gravídicos (Lei nº 11.804/2008).

153 LEITE, Gisele e HEUSELER. Comentários à Lei 11.804/2008 (Alimentos Gravídicos). Disponível em:

<http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/6182/Comentarios_a_Lei_118042008_Alimentos_Gravidicos>. Acesso em: 09 mai. 2010.

154 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 714.

155 BARROS, Flávio Monteiro de. Alimentos Gravídicos. Disponível em:

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61

[...] somente diante de prova inconcussa e irrefragável da má-fé e do dolo seria cabível ação de indenização pelos danos materiais e morais, não bastando assim a simples culpa. Se, não obstante a improcedência da ação, a autora tinha motivos para desconfiar da concepção, não há falar-se em indenização. [...] É, no entanto, cabível ação “im rem verso” contra o verdadeiro pai, desde que este tenha agido com dolo, silenciando intencionalmente sobre a paternidade, locupletando-se indiretamente com o pagamento dos alimentos feito por quem não era o genitor da criança.

4.6 INDÍCIOS DE PATERNIDADE E PROCESSO DE PRODUÇÃO DA PROVA PLENA DA PATERNIDADE VERSUS RISCOS À GESTAÇÃO

Não obstante os vetos dos arts. 8 e 10 da Lei nº 11.804/2008, os quais

disciplinavam, respectivamente, a necessidade do exame pericial, no caso do

suposto pai responder a ação, contestando a alegada parternidade; e a hipótese de

responsabilidade objetiva da autora, no caso de exame pericial de paternidade

negativo, remanesceu na Lei de Alimentos Gravídicos a regra do caput do art. 6º:

“Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos

gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades

da parte autora e as possibilidades da parte ré”.

Assim, a Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e

Territórios – TJDFT, Vera Andrighi156 tem entendido que:

[...] O deferimento de tal benefício não está condicionado à cognição definitiva sobre a paternidade, pois, nos termos do art. 6º da referida lei, “(...) convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré”.

Em sentido contrário, considerando a irrepetibilidade dos alimentos, Cahali157

pondera que o juiz deve ser prudente ao deferir o pedido, não se valendo apenas de

indícios da paternidade:

Embora o legislador deixe transparecer uma certa liberalidade, ao referir-se que bastará para a fixação de alimentos gravídicos que esteja o juiz convencido da “existência de indícios da paternidade” (art. 6º), recomenda a prudência que tais indícios tenham alguma consistência, sejam seguros e veementes, especialmente diante do fato de a contribuição prestada pela

<www.cursofmb.com.br/cursofmbjuridico/.../download.php?...ALIMENTOS GRAVÍDICOS... >. Acesso em: 27 ago. 2010.

156 Agravo de Instrumento 20090020149469AGI.

157 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2009, pg. 355.

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62

parte ré ser considerada não repetível ou reembolsável. Seria leviandade pretender que o juiz deva satisfazer-se com uma cognição superficial.

Diante da controvérsia ora examinada, pode-se inferir a dificuldade enfrentada

pelo julgador, no que concerne à fixação dos alimentos gravídicos, vez que a Lei nº

11.804/2008 não dispõe de instrumentos garantidores do juízo, mas simplesmente

autoriza o magistrado a decidir baseado em um conceito jurídico indeterminado, os

denominados ‘indícios de paternidade’.

Ao tempo da edição da Lei nº 11.804/2008, o Superior Tribunal de Justiça –

STJ já havia editado o enunciado de Súmula nº 301: “Em ação investigatória, a

recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris

tantum de paternidade”. No ano seguinte, o legislador ordinário acabou positivando o

entendimento dessa Corte, por meio da Lei nº 12.004/2009158.

Quanto ao processo de produção das provas, o art. 332 do Código de

Processo Civil preceitua que: “Todos os meios legais, bem como os moralmente

legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a

verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”. Em seguida, o art. 333, I

do estatuto processual estabelece que “o ônus da prova incumbe ao autor, quanto

ao fato constitutivo do seu direito”.

Diante disso, com vistas à disciplinar a produção das provas referentes à

ação de alimentos gravídicos, o art. 8º do então Projeto de Lei previa que, na

hipótese de oposição à paternidade, a procedência do pedido estaria condicionada à

realização de exame pericial. Entretanto, tal dispositivo acabou sendo vetado. Maria

Berenice Dias159 já havia se insurgido contra a redação desse artigo argumentando

que:

Não há como impor a realização de exame por meio da coleta de líquido aminiótico, o que pode colocar em risco a vida da criança. Isso tudo sem contar com o custo do exame, que pelo jeito terá que ser suportado pela gestante. Não há justificativa para atribuir ao Estado este ônus. E, se depender do Sistema Único de Saúde, certamente o filho nascerá antes do resultado do exame.

158 A Lei nº 12.004/2009 deu nova redação à lei que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento (Lei nº 8.560/1992), incluindo o art. 2º-A, cujo parágrafo único assim dispõe: “A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório”.

159 DIAS, Maria Berenice. Alimentos Gravídicos? Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11540>. Acesso em: 15 jan. 2010.

Page 63: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

63

Categórica é a afirmação das autoras Leite e Heuseler160: “Não é possível

realizar exame pericial de DNA durante a gravidez sem que se atente contra a saúde

e a vida do feto”.

Júnior e Copetti161, defensores públicos do Estado de Mato Grosso,

publicaram artigo no qual pugnam que:

[...] a situação fática vivida por aqueles seres que se socorrem da Justiça fulcrada na festejada Lei nº 11.804/08 inviabiliza que se condicione o deferimento dos alimentos à prova plena da paternidade, sob pena de ser o nascimento do nascituro antes sequer da juntada aos autos do Laudo do exame biológico.

À parte a excepcionalidade do caput do art. 6º da Lei nº 11.804/2008,

retromencionado, pelas disposições do Código de Processo Civil, o ônus da prova

tocaria à gestante, exceto nas hipóteses elencadas no art. 1.597 do Código Civil de

2002, por tratarem-se de concepções havidas na constância do casamento.

Assim, mormente em face do posicionamento cauteloso do Tribunal de

Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT no sentido de manter as sentenças

que indeferiram alimentos gravídicos baseados em provas exclusivamente

testemunhais162, e, dada a premência do direito invocado, ressalvado o aspecto

econômico, nada obsta, em termos processuais, que, demandando no Distrito

Federal, a gestante decida pela realização do exame pericial, com vistas à

constituição de prova plena da paternidade do indigitado réu.

Lourdes Sant’ana163 observa que:

Muitos são os casos em que a gravidez da parceira é motivo determinante apontado pelo parceiro para o rompimento da relação “amorosa”. É nesse momento que a mulher se depara com a verdadeira personalidade e caráter do até então namorado ou amante, pois este, ao saber da paternidade que

160 LEITE, Gisele e HEUSELER. Comentários à Lei 11.804/2008 (Alimentos Gravídicos). Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/6182/Comentarios_a_Lei_118042008_Alimentos_Gravidicos>. Acesso em: 09 mai. 2010.

161 JÚNIOR, Adilto Luiz Dall’Oglio e COPETTI, Sávio Ricardo Cantadori. ALIMENTOS GRAVÍDICOS. Aspectos Materiais e Processuais. Disponível em:

<http://www.anadep.org.br/wtksite/cms/conteudo/5967/Artigo_20Alimentos_20Grav_C3_ADdicos_1_.pdf>. Acesso em: 09 mai. 2010.

162 Ex: Agravo de Instrumento 20090020119831.

163 SANT’ANA, Lourdes. Alimentos Gravídicos. Disponível em:

<http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1110>. Acesso em: 09 mai. 2010.

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o espera, abandona a mulher justamente no momento em que ela mais precisa de amor, carinho e, até mesmo, de assistência financeira.

Registre-se que antes mesmo do início da gestação a mulher, além de outras

vitaminais, necessita de níveis adequados de folato ou ácido fólico (vitamina B-9),

elemento encontrado em alimentos tais como vegetais verdes, feijões, nozes, fígado,

etc, para prevenir os comprometedores DTN – defeitos do fechamento do tubo

neural do feto –, e.g., a anencelafia a encefalocele e a espinha bífida164.

De acordo com Paulo Margotto165:

A partir da 3ª semana do desenvolvimento embrionário, inicia-se a formação da placa neural que dará origem ao tubo neural, estrutura embrionária que dá origem ao sistema nervoso central (encéfalo e medula espinhal), através dos processos de indução, proliferação, diferenciação celular e apoptose (morte celular programada); estes processos são controlados em geral por genes de origem materna e genes que controlam a especificação do uso crânio-caudal, segmentos corpóreos, organogênese, atuando nos diversos campos do desenvolvimento embrionário. Defeitos durante o fechamento do Tubo Neural (este fechamento ocorre entre a 3ª e 4ª semana de vida pós-concepcional) produzirão uma série de malformações, dependendo do momento, extensão e altura da falha. Anencefalia, encefalocele e espinha bífida são os exemplos mais importantes de Defeitos do fechamento do Tubo Neural (DTN). O defeito mais rostral e grave é a anencefalia, na qual a calota craniana não se forma e o tecido nervoso malformado é exposto, o que invariavelmente produz dias de vida. A encefalocele é a herniação de tecido encefálico através de falhas ósseas. É habitualmente recoberta de pele íntegra e sua severidade é determinada pelo volume de tecido nervoso extracraniano. Os defeitos envolvendo coluna e medula espinhal, como raquisquise, meningocele, mielomeningocele são os mais freqüentes e recebem também a denominação de espinha bífida. A gravidade também depende da altura e extensão da lesão. Meningoceles que não contêm tecido nervoso podem ser operadas sem deixar disfunção neurológica. Infelizmente as mielomeningoceles são as mais freqüentes e, mesmo quando adequadamente tratadas, produzem diferentes graus de paraplegia. Transtornos esfincterianos com bexiga neurogênica estão quase sempre presentes e, especialmente quando mal manejados, podem produzir infecções repetidas do trato urinário com hidronefrose e insuficiência renal. Disfunção sexual também será um problema. Habitualmente as funções mentais como cognição, comportamento e linguagem estão conservadas nas crianças com espinha bífida. Entretanto, as infecções do sistema nervoso central não são incomuns por contaminação antes ou durante o fechamento cirúrgico do defeito. Nestes casos pode haver atraso severo envolvendo também funções mentais. A espinha bífida esta associada à malformação de Arnold Chiari, na qual porções do tronco encefálico e cerebelo, que normalmente são intracranianas, durante sua formação passam os limites do forame magno e ocupam os primeiros segmentos da coluna cervical. Esta anormalidade pode comprometer o fluxo normal de líquido cefalorraquideo e, por isso, a espinha bífida está quase sempre

164Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-26492005000400009>. Acesso em 14 nov. 2010.

165 MARGOTTO, Paulo. Defeitos de Fechamento do Tubo Neural. Disponível em: <www.paulomargotto.com.br/documentos/25.doc>. Acesso em: 24 ago. 2010.

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65

associada à hidrocefalia, que requer derivação ventrículo-peritoneal e não raramente produz problemas como obstrução e infecção ao longo da vida.

Segundo informações disponibilizadas por reconhecido e especializado

laboratório166 sediado em Belo Horizonte – MG é possível determinar-se a

paternidade pré-natal, por meio do procedimento denominado amniocentese:

O nosso DNA é o mesmo, em qualquer tecido do corpo. Assim o teste em DNA pode ser feito em qualquer célula e tecido, inclusive antes do nascimento do bebê. Para o teste pré-natal de paternidade o tecido fetal é obtido durante a gravidez com uma coleta de vilo corial (tecido placentário) ou punção do líquido amniótico que banha o bebê. A coleta de vilo corial é uma aspiração de células da placenta (geneticamente iguais ao feto) pode ser feita a partir da 10ª semana de gestação com uma punção com agulha fina através da parede abdominal da grávida. A amniocentese é a coleta do líquido amniótico contendo células fetais, que pode ser realizada a partir da 14ª semana de gravidez. Ambos os procedimentos para obtenção de células fetais para determinação de paternidade pelo DNA antes do nascimento da criança são simples e confiáveis quando realizados por profissionais experientes em ultra-sonografia e coletas obstétricas. O GENE pode indicar os profissionais para isto. Além dos tecidos do bebê são necessárias amostras de sangue periférico e/ou células bucais da gestante e do(s) suposto(s) pai(s). A Determinação da Paternidade Pré-Natal deve ser feita apenas em casos em que ela será realmente esclarecedora. A indicação é quando há dúvida entre mais de um suposto pai e necessidade de resolver o dilema antes do nascimento da criança. Por motivos éticos, o GENE não realiza o exame se for contemplada uma interrupção da gravidez (exceto em caso de estupro).

Há no Distrito Federal pelo menos uma clínica particular que realiza a

amniocentese167, a um custo aproximado de R$ 700,00 (setecentos reais)168. Antes,

porém, a gestante deve responder a um questionário e assinar um termo de

responsabilidade. Uma vez coletado o vilo corial ou líquido amniótico, este é

encaminhado para laboratório de análise, cuja investigação custa entre R$ 900,00

(novecentos reais) e R$ 1.000,00 (mil reais). A expectativa do resultado varia em

torno de uma semana.

166 Determinação de Paternidade pelo DNA. Disponível em: <http://www.laboratoriogene.info/Paternidade/PN.htm>. Acesso em: 09 mai. 2010.

167 www.cdus.com.br

168 Valores obtidos em nota fiscal de serviços, datada de 30/03/2010.

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66

4.7 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS JÁ ASSENTADOS NO DISTRITO FEDERAL COM O ADVENTO DA LEI Nº 11.804/2008 – LEI DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Do exame dos até então 5 (cinco) arestos proferidos pelo Tribunal de Justiça

do Distrito Federal e Territórios – TJDFT em matéria de alimentos gravídicos,

verifica-se que o Egrégio Tribunal de Justiça vem adotando posição cautelosa no

sentido de não prover os recursos, mantendo, portanto, as decisões do juízo singular

que indeferiram pedidos baseados em provas testemunhais, exclusivamente. Dos

referidos recursos destacam-se os seguintes:

4.7.1 Agravo de Instrumento 20090020119831AGI

EMENTA. AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO CIVIL - ALIMENTOS GRAVÍDICOS - AUSÊNCIA DE INDÍCIOS VEEMENTES DE PATERNIDADE - RECURSO IMPROVIDO. É necessária a existência de indícios convincentes para imputar a provável paternidade, para o arbitramento dos alimentos gravídicos previstos na Lei 11.804/2008.

No julgamento do Agravo de Instrumento em epígrafe, o Egrégio Tribunal de

Justiça negou provimento, por unanimidade, entendendo ser:

[...] necessária a existência de indícios convincentes para imputar a provável paternidade, o que não ocorreu na hipótese dos autos, em que existe apenas declarações firmadas por possíveis vizinhos sobre a existência de um relacionamento amoroso entre as partes.

Do acórdão, proferido em 11 de novembro de 2009, consta no voto do relator,

o Desembargador Lecir Manoel da Luz, transcrição de parecer da Procuradoria de

Justiça opinando pela não fixação dos alimentos, nos casos em que a requerente

busca demonstrar o seu direito unicamente por meio de alegações e declarações

extrajudiciais, sem ouvir-se a parte requerida.

Destaca-se excerto do mesmo parecer, o qual denota a premência do direito

discutido:

De toda sorte, considerando-se o exame de fl. 20 – que atesta gestação de 14 semanas em 21.02.09 -, e não tendo ocorrido nenhum problema na gravidez, a criança certamente já nasceu, pois a gestação humana dura no máximo 40 semanas – período que se findou nos primeiros dias deste mês de setembro.

Ora, considerando-se que em 21 de fevereiro de 2009 a requerente já estava

na 14ª (décima quarta) semana de gestação, a concepção deve ter ocorrido em data

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próxima a 22 de novembro de 2008, portanto há quase um ano do julgamento do

recurso. Logo, diante do efêmero lapso da vida intrauterina humana, o pleiteado

direito aos alimentos gravídicos da agravante já restava prejudicado.

4.7.2 Apelação Cível 20090810061229APC

EMENTA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS. EXTINÇÃO DO PROCESSO. LEGITIMIDADE ATIVA DO NASCIDO. TÍTULO EXECUTIVO. ACORDO JUDICIAL. ART. 6º, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI 11.804/08. I – Nos termos do parágrafo único do art. 6º da Lei 11.804/08, os alimentos gravídicos, inicialmente requeridos pela genitora, são convertidos em pensão alimentícia em favor do nascido, que passa a ser o titular do direito aos alimentos. II – O nascido, portanto, tem legitimidade ativa, representado por sua mãe, para ajuizar execução, cujo título executivo é o acordo judicial homologado. III – Apelação provida.

Trata a referida Apelação Cível de recurso interposto por recém-nascido,

representado pela sua genitora, junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e

Territórios – TJDFT.

O juiz singular havia extinguido o processo de execução de alimentos sem

resolução de mérito por entender pela inexistência de título executivo e pela

ilegitimidade do exequente. Entretanto, a relatora da apelação, a Desembargadora

Vera Andrighi, ponderou que a homologação do acordo judicial, constante dos autos,

tinha caráter de sentença, justificando-se, portanto, a execução.

Em seguida, a relatora deu provimento à apelação, reformando a sentença da

ação de execução, ajuizada em face do pai, supostamente inadimplente quanto às

prestações referentes aos meses de junho a agosto de 2009.

Verifica-se que a fundamentação do acórdão resultou da conjugação da teoria

da natalidade, insculpida na primeira parte do art. 2º, do Código Civil de 2002, com a

disciplina do art. 6º, da Lei nº 11.804/2008. Desta forma, a relatora entendeu que,

uma vez nascido o requerente, este adquiriu a personalidade e consequentemente a

titularidade do direito, agora convertido em pensão alimentícia:

[...] após o nascimento, os alimentos mudam de natureza, convertendo-se em favor do filho, repise-se, podendo o vínculo de paternidade ser desconstituído mediante ação de exoneração, em razão de exame de DNA negativo. Atentem-se, enfim, que a Lei 11.804/08 tem a finalidade de resguardar o pleno desenvolvimento do nascituro, por isso destinam-se os alimentos à genitora. Todavia, em última análise, a prestação foi devida inicialmente em razão do filho e, a sua interrupção por motivo do nascimento da criança estaria em evidente dissonância do propósito da referida Lei.

Page 68: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

68

A despeito de a matéria, até então, haver sido poucas vezes apreciada no

Judiciário Distrital, pode-se concluir que, malgrado o permissivo legal do caput do

art. 6º da Lei nº 11.804/2008, devido à impossibilidade de responsabilização objetiva

da autora, no caso de exame pericial de paternidade negativo, em face do veto ao

art. 10 do Projeto de Lei, há evidente tendência do Tribunal de Justiça do Distrito

Federal e Territórios – TJDFT em negar provimento aos recursos cuja autora não

logrou demonstrar, na inicial, indícios veementes de paternidade do réu.

Page 69: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

69

CONCLUSÃO

Os alimentos gravídicos constituem um novo instituto do Direito de Família, o

qual veio preencher uma lacuna no ordenamento jurídico pátrio. Trata-se do direito

da gestante ao recebimento de valores para a cobertura de despesas adicionais

incorridas no período gestacional, do suposto pai.

A presente monografia – requisito parcial para a obtenção do Título de

Bacharel em Direito na Universidade Católica de Brasília, no ano de 2010 –

problematizou os aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos, no âmbito do Distrito

Federal, a partir da edição da Lei nº 11.804/2008, à luz da doutrina e da

jurisprudência do Distrito Federal.

Inicialmente foram abordados os temas da constitucionalização do Direito

Civil e da repersonalização; os princípios constitucionais que informam o Direito de

Família; os aspectos conceituais, doutrinários e legais do direito de alimentos; e a

conceituação do nascituro. Em seguida, tratou-se da natureza jurídica e da

titularidade dos alimentos gravídicos, bem como de determinados aspectos

processuais relativos à ação, a saber: competência do juízo; constituição da relação

jurídica; prazo para a apresentação de resposta; cabimento da ação de reparação

de danos sofridos pelo suposto pai; indícios de paternidade e processo de produção

da prova plena da paternidade versus riscos à gestação. Por fim, foram analisadas

decisões judiciais proferidas pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

– TJDFT acerca da matéria.

Malgrado o entendimento de Leite e Heuseler quanto à natureza sui generis

dos alimentos gravídicos, assemelhando-se ora com a pensão alimentícia, ora com

a responsabilidade civil, ao término desta monografia mister se faz concluir que os

alimentos gravídicos possuem natureza jurídica diversa dos alimentos estabelecidos

no Código Civil de 2002 (arts. 1.694 e 1.695).

Segundo Cahali, o instituto dos alimentos gravídicos constitui-se num

“autêntico auxílio-maternidade”, tendo em vista a sua destinação prevista no caput

do art. 2º da Lei nº 11.804/2008, qual seja, cobrir as despesas adicionais do período

de gravidez. Comunga desta posição, quando do julgamento da Apelação Cível

20090810061229APC, a Desembargadora Vera Andrighi.

Page 70: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

70

Apesar disso, é de ver-se que a conversão dos alimentos gravídicos em

pensão alimentícia, após o nascimento com vida, estabelecida no art. 6º, parágrafo

único da Lei nº 11.804/2008, apresenta-se como uma solução satisfatória para o

sistema jurídico brasileiro, tanto no que se refere ao início da personalidade humana

quanto à garantia da dignidade da pessoa humana e ao direito à vida.

Da mesma forma como soeu estabelecido, desde o Código Civil de 1916, que

a personalidade do nascituro encontrava-se sob condição suspensiva até o seu

nascimento com vida, estabeleceu-se para os alimentos gravídicos, por analogia, a

conversão em pensão alimentícia, após o implemento da referida condição.

Quanto aos aspectos processuais dos alimentos gravídicos, o art. 11 da Lei nº

11.804/2008 remete, respectivamente, à Lei nº 5.478/1968 e ao Código de Processo

Civil, supletivamente. De acordo com a doutrina e a jurisprudência majoritárias, tais

remissões implicam em situações que podem levar à ineficácia do provimento

jurisdicional, tais como: a competência do juízo fixada em função do domicílio do

réu; o termo a quo dos alimentos gravídicos contar-se a partir da data da citação; o

diminuto prazo de 5 (cinco) dias para a apresentação de resposta; e a posição

cautelosa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT no sentido

de indeferir os alimentos gravídicos baseados exclusivamente em provas

testemunhais, consubstanciadas em meros indícios de paternidade, impelindo a

gestante a submeter-se, quando possível, ao exame pericial, sob pena de ter que

aguardar o nascimento para poder postular não mais alimentos gravídicos e sim

pensão alimentícia.

Page 71: aspectos polêmicos dos alimentos gravídicos no distrito federal

71

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