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ASSOCIAÇÃO VITORIENSE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURAFACULDADE ESCRITOR OSMAN DA COSTA LINS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO - BACHARELADO
JULLIANA VALENTIM DE SOUZA
RELAÇÃO PATERNO-FILIAL: POSSIBILIDADE DA CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS
POR ABANDONO AFETIVO.
VITÓRIA DE SANTO ANTÃO – PE, 2010
JULLIANA VALENTIM DE SOUZA
RELAÇÃO PATERNO-FILIAL: POSSIBILIDADE DA CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS
POR ABANDONO AFETIVO.
Monografia Final apresentada ao Curso de Direito da Faculdade Escritor Osman da Costa Lins – FACOL, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.Área de Concentração: Direito PrivadoDisciplina: Direito CivilOrientadora Professora Especialista: Renata Prohaska Batista
VITÓRIA DE SANTO ANTÃO – PE,2010
S719d SOUZA, Julliana Valentim de.
Relação paterno-filial: possibilidade da condenação em danos morais por abandono afetivo/ Julliana Valentim de Souza. Vitória de Santo Antão: O autor, 2010.
71f.
Dissertação (Graduação em Direito) – FACOL – Faculdade Escritor Osman da Costa Lins.Orientada pela Prof. Renata Prohaska Batista.
1. Relação paterno-filial. 2. Possibilidade da condenação em danos morais por abandono afetivo.I Título.
CDD 342.16
JULLIANA VALENTIM DE SOUZARELAÇÃO PATERNO FILIAL: POSSIBILIDADE DA CONDENAÇÃO EM DANOS
MORAIS POR ABANDONO AFETIVO.
Monografia Final apresentada ao Curso de Direito da Faculdade Escritor Osman da Costa Lins – FACOL, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.Área de Concentração: Direito PrivadoDisciplina: Direito CivilOrientadora Professora Especialista: Renata Prohaska Batista
A Banca Examinadora composta pelos Professores abaixo, sob a Presidência do primeiro, submeteu o candidato à análise da Monografia em nível de Graduação e a julgou nos seguintes termos:
Prof.
Julgamento – Nota: _________ Assinatura: ___________________________
Prof.
Julgamento – Nota: _________ Assinatura: ___________________________
Prof.
Julgamento – Nota: _________ Assinatura: ___________________________
Nota Final: ______. Situação do Acadêmico: _______________.
Data: ___/___/___.
MENÇÃO GERAL:__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Coordenador do Curso de Direito:Prof. Dr. Elcias Ferreira da Costa
AGRADECIMENTO
Agradeço ao meu amado Deus por ser a minha luz, o meu guia e fiel protetor, e aos meus queridos pais que são meu porto seguro e permanecem ao meu lado em todas as etapas da minha vida, inclusive esta.
Agradeço aos meus professores que ao longo dos cinco anos de curso serviram de ponte para que eu chegasse até aqui, e por último e não menos importante, sou grata por todo apoio e dedicação da Professora Especialista Renata Prohaska Batista pela excelente orientação que foi imprescindível para a conclusão deste trabalho.
Não é feliz. Mas que fazer para consolo desta criança?Como em seu íntimo acender uma fagulha de confiança?Eis que acode meu coração e oferece como uma flor, a doçura desta lição: dar meu filho meu amor.Pois o amor resgata a pobreza, vence o tédio, ilumina o dia e instaura em nossa natureza a imperecível alegria.(Carlos Drummond de Andrade 1902-1987)
RESUMO
O abandono afetivo na relação paterno-filial caracteriza-se pelo descumprimento dos deveres dos pais para com sua prole, negligenciando os direitos inerentes a toda criança e adolescente que tornar-se-ão adultos espelhados nas experiências vividas em tenra idade. A relação paterno-filial deve estar pautada no afeto que pode ser visto como a mola propulsora das relações familiares propiciando uma convivência familiar harmoniosa, um campo fértil para a formação e desenvolvimento da personalidade das crianças e adolescentes. A ausência afetiva paterna é extremamente prejudicial para os filhos, ensejando insegurança, timidez exacerbada, traumas, e principalmente o ingresso na delinqüência juvenil e na prática de crimes. Os pais negligentes devem ser punidos em sua esfera patrimonial através de uma ação de indenização por danos morais, para que reconheçam a sua função paterna na vida do filho, reparando os danos psíquicos sofridos pelo abandonado e ainda servindo de exemplo a não ser seguido por outros pais, observando sempre o princípio da paternidade responsável.
Palavras-Chaves:1. Abandono afetivo; 2. Relação paterno-filial; 3. Danos morais.
ABSTRACT
The emotional distance in parent-child relationship is characterized by breach of the duties of parents towards their offspring, thus neglecting the rights attached to all children and adolescents who will become adults mirrored in the experiences from an early age. The parent-child relationship must be based on affection that can be seen as the spring driving of the family relationships providing an harmonious family life, a fertile field for building and development of the personality of children and adolescents. The father's emotional absence extremely harmful to children allowing for uncertainty, xacerbated shyness, traumas, and especially the entrance into the juvenile delinquency and in crime. Negligent parents should be punished in his patrimonial sphere through an action for compensation for moral damages, to recognize their paternal role in their child's life by repairing the psychological damage suffered by the abandoned and still serves as example not be followed by other parents, always observing the principle of responsible parenthood.
Key-Words:1. Emotional distance, 2. Parent-child relationship, 3. Moral damages.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.............................................................................................10
2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ENTIDADE FAMILIAR........13
2.1 CONCEITO E DEFINIÇÃO..........................................................................13
2.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA: A CRISE DO PATRIARCALISMO 14
2.3 NOVOS MODELOS DE FAMÍLIA................................................................16
2.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS RELAÇÕES FAMILIARES...............18
3 ASPECTOS JURÍDICOS DA CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS POR ABANDONO AFETIVO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL..............23
3.1 PRECEITOS JURÍDICOS CONSTANTES NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA REFERENTES AOS DEVERES DA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL...........23
3.2 PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A RELAÇÃO PATERNO-FILIAL...............33
3.3 O DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL....................................................................37
4 ASPECTOS PSICOSSOCIAIS QUE REVELAM A NECESSIDADE DO AFETO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL PARA O PLENO DESENVOLVIMENTO DOS FILHOS.........................................................46
4.1 A INFLUÊNCIA DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR NA FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE...........................................46
4.2 A RELAÇÃO PATERNO-FILIAL COMO FONTE PRIMORDIAL DE AFETIVIDADE.......................................................................................50
4.3 O ABANDONO AFETIVO NA ATUALIDADE: CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS.................................................................................55
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................62
REFERÊNCIAS....................................................................................................64
ANEXO – Projeto de Lei nº. 700/2007.................................................................66
1 INTRODUÇÃO
Indubitavelmente é no seio da família que o indivíduo começa a
formar sua personalidade, necessitando, portanto, da presença dos pais que
são os primeiros e principais educadores dos filhos, entretanto, com a queda
do modelo patriarcal, a paternidade tem sofrido grande defasagem em virtude
do abandono das funções paternas, restando para a mãe, de forma única, as
funções de educar, orientar, sustentar e principalmente dar afeto aos filhos
abandonados afetivamente pelo pai. O afeto é reconhecido como o elemento
principal para a estruturação da família, considerada célula-mater da sociedade
criando laços que se eternizam mesmo que haja o afastamento de algum
integrante do seio familiar.
Todo indivíduo tem direito a convivência familiar, constante no artigo
227 da Carta Magna de 1988, convivência esta que deve ser harmoniosa e
interfere essencialmente na formação da personalidade de crianças e
adolescentes. Sendo assim, a condenação em danos morais por abandono
afetivo justifica-se por atender as funções relevantes como a compensatória ou
reparatória, a punitiva e ainda a pedagógica ou educativa em decorrência da
inobservância dos preceitos constantes no ordenamento jurídico pátrio.
A problematização acerca deste tema consiste em dirimir questões
como a impossibilidade de obrigar um pai a amar o seu filho; a mensuração do
dano sofrido advindo do abandono afetivo; a polêmica monetarização do afeto;
o possível incentivo às crescentes indenizações por danos morais no Brasil, o
que pode direcionar a uma avalanche de ações deste tipo pelos sofrimentos
nas relações amorosas.
Outro questionamento que surge do presente tema consiste na
dificuldade em analisar cada caso concreto para que haja a concessão da
indenização que deve comprovar o dano sofrido e seu nexo de causalidade
com a conduta paterna culposa; a suficiência ou insuficiência retributiva da
condenação em danos morais que deve consistir na atenta observação da
valoração pecuniária, verificando as necessidades do filho abandonado e as
possibilidades do pai abandônico, bem como a mais difícil análise que é a
valoração pessoal dos indivíduos envolvidos principalmente dos danos
psíquicos sofridos que são de difícil reparação; e por último e não menos
discutida a questão dos conflitos das decisões da condenação em danos
morais por abandono afetivo entre as instâncias inferiores e superiores, que
possuem entendimentos divergentes.
O presente estudo tem por condão demonstrar que a condenação
em danos morais por abandono afetivo não tem por finalidade coagir um pai a
amar o filho posto que o amor não tem preço e não se pode obrigar alguém a
amar o outro, mesmo que este outro seja seu próprio filho. A indenização,
portanto, não busca monetarizar o afeto, devendo ter um valor simbólico de
acordo com as possibilidades do pai negligente mas que seja suficiente para
reparar tal dano.
A doutrina pertinente a este tema ainda é escassa, não há legislação
específica que abarque estas situações e são mínimos os precedentes
jurisprudenciais que abordam a indenização no Direito de Família e que devem
utilizar com base na analogia, os princípios gerais do direito e costumes para
dirimir tais conflitos.
Em contrapartida, estudiosos do Direito alegam que não há que se
questionar quanto à ausência de lei que regulamente o abandono afetivo, posto
que existem vários dispositivos na Carta Magna, no Estatuto da Criança e do
Adolescente, e ainda, no Código Civil que fazem referência ao dever-obrigação
de promover a convivência familiar aos filhos, no sentido amplo da palavra, e
que compartilham do entendimento de que o abandono afetivo é passível de
reparação. A metodologia abordada será a dedutiva por organizar e especificar
um conhecimento preexistente com a realização de pesquisas bibliográficas
sejam a doutrina ou artigos publicados acerca do tema.
O primeiro capítulo fora reservado para fazer considerações breves
acerca da entidade familiar: conceito e definição; a origem e a evolução
impulsionada pela queda do modelo patriarcal e a conseqüente equiparação do
papel do homem e da mulher na sociedade e principalmente na família; o
surgimento dos novos modelos de família que vão além do modelo matrimonial;
e ainda, um breve relato sobre os princípios norteadores das relações
familiares.
A responsabilidade civil por danos morais nas relações familiares,
sobretudo na relação paterno-filial será analisada em outro capítulo que aborda
os artigos de lei presentes no ordenamento jurídico brasileiro responsáveis por
demonstrar a necessidade do cumprimento dos deveres dos pais para com os
filhos, os direitos das crianças e adolescentes no convívio familiar, e ainda os
princípios que norteiam as relações entre pais e filhos.
No último capítulo constam os aspectos que revelam a necessidade
do afeto na relação paterno-filial para o pleno desenvolvimento dos filhos, quais
sejam, a influência da convivência familiar para a formação da personalidade
destes; a relação paterno-filial como fonte primordial de afeto e, causas e
conseqüências do abandono afetivo no cenário atual.
A seguir serão analisados os aspectos históricos que envolvem as
relações familiares e precipuamente as mudanças ocorridas na relação
paterno-filial com a queda do patriarcalismo, entre outros pontos relevantes
para todo o desenvolvimento do presente trabalho.
2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ENTIDADE FAMILIAR
É de suma relevância para o presente trabalho delinear a formação
da entidade familiar, seu conceito e definição, sua origem, evolução histórica,
modelos, entre outros aspectos.
2.1 CONCEITO E DEFINIÇÃO.
De início pode-se conceituar de maneira singular a família como
sendo a união entre o homem e a mulher, através do casamento, e por
conseqüência sua prole. Porém esta significação é um tanto quanto restrita e
não corresponde às modificações trazidas ao longo do tempo para este tipo de
organização dos vínculos interpessoais, como bem leciona Silvio de Salvo
Venosa:
Entre os vários organismos sociais e jurídicos, o conceito, a compreensão e a extensão de família são os que mais se alteraram no curso dos tempos. Nesse alvorecer de mais um século, a sociedade de mentalidade urbanizada, embora não necessariamente urbana cada vez mais globalizada pelos meios de comunicação, pressupõe e define uma modalidade conceitual de família bastante distante das civilizações do passado. 1
Ao definir de maneira contemporânea, a família vem a ser a unidade
primitiva da sociedade, composta por indivíduos ligados pela consangüinidade
ou por laços afetivos, vê-se, portanto, que a entidade familiar passa e perpassa
por constantes transformações, onde a idéia da existência do modelo
convencional de família está agregada a uma pluralidade de novos conceitos e
novos valores, sendo assim, é notória a democratização da família que tomou o
lugar do formato hierárquico, presente principalmente na época da sociedade
patriarcal.
A Carta Magna de 1988 tem grande relevância nestas
transformações da entidade familiar, tornando-se inclusive, tarefa difícil elencar
tais modificações ocorridas na sociedade e nas relações interpessoais,
eliminando diferenças e discriminações havidas acerca dos gêneros, de filhos
legítimos ou ilegítimos entre outros, reconhecendo assim, a existência de
1 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 5, p. 16.
outros modelos de entidades familiares e não apenas a constituída através do
casamento, dando ensejo ao pluralismo das relações familiares onde o
principal elemento que impulsiona os indivíduos a constituírem uma família é o
afeto. A família, portanto, se torna unidade por meio de vínculos intersubjetivos
e laços que os mantêm além de materialmente, moralmente e emocionalmente
de geração em geração, podendo ser definida como família socioafetiva.
2.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA: A CRISE DO PATRIARCALISMO
A origem e o início do desenvolvimento da família são
controvertidos, porém não se pode olvidar que tal instituição sempre influenciou
os acontecimentos que deram novos rumos a humanidade e a sociedade como
um todo, ocupando um relevante papel na história da civilização.
De acordo com Pontes de Miranda para quem a origem da família
envolve valorações de caráter metafísico que remetem a própria origem
humana, leciona três teorias para explanar a origem da família, quais sejam, “a
teoria da monogamia originária, a teoria da promiscuidade primitiva e a teoria
das uniões transitórias”.2 A primeira refere-se ao conceito restrito da família,
pelo qual o homem e a mulher unem-se através do casamento dando início a
formação de sua prole, para este jurista este é o estado mais adequado à
natureza humana e é a teoria seguida atualmente.
Em relação a segunda teoria denominada de fase promíscua não
havia exclusividade sexual, era justamente o antônimo da primeira fase e para
concluir, a terceira teoria que refere-se as relações havidas em pouco tempo.
Acerca da primeira teoria, Pontes de Miranda sustenta que:
A monogamia é o estado mais adequado e, quiçá, o único compatível, no plano jurídico, com a solidariedade social e as demais condições necessárias do aperfeiçoamento e do progresso humano. Consulta os mais elementares imperativos de fisiologia e de psicologia o princípio de que o ser humano feliz procura a permanência da felicidade. O homem ou a mulher que se sente bem na convivência sexual, e não só sexual, com sua companheira ou o seu companheiro, busca conservar as circunstâncias que lhe permitam essa convivência. Só a monogamia atende a esse dado.3
2 MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito de Família: Direito Matrimonial. Campinas: Bookseller, 2001. 1v. p. 62.3 Idem, p. 66.
A etimologia da palavra família é derivada da expressão latina
famulus que corresponde a escravo doméstico ou conjunto de servos e
dependentes de um chefe ou senhor, termo este criado na Roma Antiga e que
direciona a estrutura hierárquica da família.
No Direito Romano esteve presente a hierarquia familiar, o
patriarcalismo, pelo qual todos os demais membros da família eram
subordinados ao pai, o chefe de família, nesta fase havia a distinção entre os
filhos naturais ou espúrios, tais características estruturais da família romana
influenciaram o Direito de outros países, inclusive o do Brasil. Em meados do
século XIX, nas casas grandes e engenhos a família não se compunha apenas
do marido, mulher e filhos, mas de parentes, padrinhos, afilhados, amigos,
escravos, ainda que disfarçadamente as concubinas também faziam parte do
clã.
A família patriarcal era considerada como principal esteio da
sociedade na época, tendo em vista o desempenho na procriação, direção
política e econômica do país, sendo assim o patriarca sempre teve papel
preponderante enquanto a mulher só lhe restava procriar e obedecer. O chefe
de família, portanto era considerado o núcleo de poder, todos os demais
integrantes deste modelo de família deviam obediência e total resignação ao
patriarca.
Nesta fase, a desigualdade entre os indivíduos era marcante, existia
uma relação de domínio e autoridade sobre os outros integrantes da família,
que era exercida pelo pater.
Na segunda metade do século XIX e nos primeiros anos da
República este modelo patriarcal de família passou a declinar em virtude do
desenvolvimento de outras organizações, sobretudo urbanas onde o patriarca
se viu forçado a sucumbir ao progresso, havendo novas profissões, lojas
comerciais, a chegada de imigrantes, indústrias, matriculando inclusive os
filhos em faculdades de Direito tendo isto, novos valores foram agregados a
família.
Os primeiros indícios de transformação da família a qual hoje é
concebida surgiu com a Revolução Francesa essencialmente com o Código
Napoleônico datado de 1804, ainda assim não foi suficiente para influenciar o
Código Civil Brasileiro de 1916. Desta forma, o século XX fora marcante,
trazendo importantes mudanças em relação à nova concepção de família, a
mulher passou a ter o seu papel reconhecido como ser pensante na sociedade,
no campo político, econômico e não apenas como esposa, mãe e doméstica.
A Constituição Federal de 1988 considerou a pluralidade das
famílias. As últimas grandes guerras mundiais são consideradas como
principais responsáveis por estas mudanças na estrutura familiar gerando as
mesmas oportunidades de trabalho tanto para o homem quanto para a mulher.
Essa igualdade de gêneros marcou profundamente o novo modelo de família,
cabendo a mulher muitas das vezes tomar decisões que eram ditadas apenas
pelos homens. Atualmente é reconhecida a individualização de personalidade
de cada membro da família, novos princípios e outras modificações foram
adotados no Direito de Família para regular as relações advindas destas
relações familiares.
2.3 NOVOS MODELOS DE FAMÍLIA.
As relações familiares foram afetadas com as transformações
ocorridas nas esferas política, econômica e social, dando ensejo ao pluralismo
destas relações que abarcam o humanismo, a liberdade, igualdade,
solidariedade, com fulcro na proteção do ser humano. A família é essencial
para toda e qualquer sociedade, embora o mundo globalizado tenha trazido
transformações ao seu conceito.
De acordo com o que foi visto anteriormente, a emancipação da
mulher ajudou a romper o conceito antigo pelo qual o casamento era
considerado a única maneira de constituir uma família, relembrando ainda o
modelo patriarcal que entrou em declínio.
São vários os novos modelos de família: matrimonial, informal,
monoparental, homoafetiva, anaparental, eudemonista, pluriparental e paralela.
A primeira, Família Matrimonial, é a mais conservadora, que tem por base o
casamento, que vem a ser a celebração do matrimônio, que ensejará a plena
comunhão de vida, gerando além do vínculo conjugal, um vínculo de
parentesco por afinidade. Os cônjuges devem observar determinados deveres
como a fidelidade recíproca, vida em comum, guarda e educação dos filhos,
dever de sustento e fidelidade, entre outros.
A Família Informal, considerada anteriormente como toda e qualquer
relação extraconjugal, ou seja, relação havida fora do casamento, ganhou
conceito de entidade familiar através da Carta Magna de 1988, passando a ser
caracterizada como união estável, necessitando para tanto atender a
determinados pressupostos quais sejam a publicidade, estabilidade,
durabilidade, convivência sob o mesmo teto etc.
A Família Monoparental é a que merece mais atenção neste
trabalho, é o modelo corriqueiro, tendo em vista que é formada por apenas um
dos pais e seus filhos, sua relevância inclusive fez com que a Constituição de
1988 reconhecesse sua existência no art. 226, § 4º segundo o qual “entende-
se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos
pais e seus descendentes”.4
Este modelo é comum por causa das dissoluções de matrimônio, em
caso de morte de um dos pais, em casos de mães solteiras, adoção por pessoa
solteira, inseminação artificial, fecundação homóloga e outros casos que
podem surgir, de acordo com Maria Berenice Dias, este modelo é a “realidade
de um terço das famílias brasileiras”5. A Juíza do Afeto dedicou um capítulo do
seu Manual de Direito das Famílias a este modelo de família, onde ressalta que
há predominância feminina nesta estrutura, o que ocasiona uma maior
necessidade de atenção tendo em vista a percepção de salário inferior ao do
homem.6
Outro modelo de família um tanto quanto polêmico, é a Homoafetiva,
onde pessoas do mesmo sexo se relacionam afetivamente, e não tem por
escopo a geração de uma prole, mas sim o afeto, o amor e o prazer sexual.
A Família Anaparental também possui crescente desenvolvimento,
tendo em vista a convivência sob mesmo teto de pessoas que não são
necessariamente parentes e, portanto não existe a figura do ascendente, é o
caso de dois irmãos morarem juntos, ou até mesmo alguns amigos que dividem
apartamento, é considerada família por causa da relação afetiva que existe
entre estes conviventes.
4 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1998.5 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 48.6 Idem, p. 197.
O modelo mais inovador de família é a Eudemonista que tem por
única base a afetividade, é a verdadeira democratização da família, as relações
interpessoais prezam pela igualdade, solidariedade, respeito mútuo, entre
outros. Para tanto não existe realização estática, preestabelecida, esta
formação de família pode ocorrer inclusive em relações que não tenham
conotação sexual, não precisando necessariamente haver uma relação
heterossexual ou homossexual. Maria Berenice Dias sustenta que:
A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. Esse dos novos vértices sociais é o mais inovador.7
A definição para Família Pluriparental, ou Família Mosaico reside na
multiplicação dos vínculos intersubjetivos onde homem e mulher advindos de
outros casamentos e com outros filhos se unem, tornando uma só família,
formando um verdadeiro mosaico, além de unirem os filhos havidos de outras
relações, podem gerar filhos em comum, este modelo é visto corriqueiramente.
Por último a doutrina pertinente elenca o modelo de Família
Paralela, onde existem relações concomitantes, adulterinas, o conhecido
concubinato que muitas vezes não se reveste de união estável por lhe faltarem
pressupostos suficientes, sendo negado, portanto o reconhecimento jurídico de
tal situação, estes relacionamento ainda são considerados invisíveis.
2.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS RELAÇÕES FAMILIARES
Conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Melo, “Princípio é, por
definição, mandamento nuclear de um sistema”.8 Os princípios são distintos
das regras, porém, também são classificados como normas jurídicas, possuem
um grau elevado de generalidade, correspondem a um balizamento das regras
que não podem infringir tais princípios sob pena de invalidade, tem função
supletiva, integrativa, interpretativa, fundamentadora, legitimadora, entre
outras.
7 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 54.8 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 230.
Feitas estas breves considerações acerca da definição de princípio,
cumpre salientar alguns destes voltados às relações familiares: da dignidade
da pessoa humana; da liberdade; da igualdade e respeito à diferença; da
proteção integral a crianças, adolescentes e idosos; da solidariedade familiar; e
o mais importante para o que se presta esse trabalho, o princípio da
afetividade. Vejamos as definições e especificidades de cada um.
O mais universal de todos os princípios e o de mais importância, é o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a própria doutrina por vezes não
consegue definir ou mensurar o alcance de tal princípio, por estar intimamente
voltado aos direitos humanos. O Estado Democrático de Direito tem o dever de
assegurar a cada integrante da sociedade o seu desenvolvimento inicialmente
dentro da própria entidade familiar para que então possa se expandir em outros
campos que por ventura precise atuar. É o que sustenta Daniel Sarmento ao
dizer que:
O princípio da dignidade humana não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para a sua ação positiva. O Estado não tem apenas o dever de abster-se de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, mas também deve promover essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território.9
Por englobar outros princípios como igualdade, liberdade,
solidariedade, entre outros, e por proteger sentimentos como a afetividade,
respeitabilidade, confiança; o princípio de proteção a dignidade humana
encontra campo fértil nas entidades familiares, onde existe autonomia privada,
cabendo a cada integrante o direito de ser feliz, a liberdade de efetuar suas
escolhas, sendo assim, é o caso típico da dissolução conjugal, o casal tem o
direito de não querer mais prolongar a vida em comum, por exemplo.
Os primeiros princípios a serem reconhecidos como direitos
humanos fundamentais, foram os da Liberdade e da Igualdade que estão
intimamente ligados, tendo em vista a instauração do regime democrático de
direito aplicado pela Constituição Federal de 1988, com o fulcro de banir todo e
qualquer tipo de discriminação.
Em relação ao Princípio da Liberdade é notório o direito de escolha
que pode ser desenvolvido pelo indivíduo, mais especificamente nas relações
9 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2000. p. 71.
familiares, ao escolher a pessoa com quem deseja constituir família, seja
heterossexual ou homossexual, decide pela adoção ou geração de filhos,
escolhe portanto, o modelo de família que mais se enquadra ao seu modo de
viver, com a quebra do regime patriarcal a autoridade parental tomou uma
forma de solidariedade entre pais e filhos, configurando assim uma forma de
liberdade, são inúmeras as atuações deste princípio nas relações afetivas.
O Princípio da Igualdade é o esteio de todo e qualquer Estado
Democrático de Direito, o ordenamento jurídico brasileiro garante a toda
sociedade tratamento e proteção isonômicos, na esfera familiar vale ressaltar o
declínio do modelo da sociedade patriarcal percebe-se nesta fase que com a
evolução das entidades familiares a chefia familiar passou a ter igualdade, não
cabendo apenas ao pai o dever de educar, sustentar e ter autoridade para com
o filho, a mãe passa a ocupar idêntico patamar, havendo assim, igualdade
entre cônjuges necessitando de mútua colaboração.
Em relação à filiação tornou-se proibida a discriminação entre filhos
naturais e espúrios, e também os filhos adotivos, todos devem ser nominados
apenas como filhos. Acerca da discriminação de gêneros, a Carta Magna
elenca que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, a
emancipação feminina fora de suma importância para se chegar a este
patamar.
As crianças e adolescentes têm direito à vida, alimentação,
educação, saúde, lazer, cultura, respeito, dignidade, convivência familiar, entre
outros, direitos estes que são assegurados pela Constituição de 1988, devem
estar a salvo da exploração, da discriminação, de toda e qualquer forma de
negligência, violência, opressão e crueldade. O Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/1990) vem a complementar o constante na
Constituição, e acrescentar outras normas de conteúdo processual e material,
acrescentando ainda as legislações pertinentes.
O Estatuto da Criança e do Adolescente tem como fulcro
proporcionar a estas crianças e adolescentes uma vida digna e para que ao
atingirem a maioridade, estes possam usufruir dos seus direitos e garantias
fundamentais. É assegurado a toda criança e adolescente o direito a
convivência familiar, mesmo que não seja no seio de sua família natural, para
que se desenvolva de maneira correta, precisam receber educação, valores
éticos e morais, e principalmente afeto.
O Princípio da Solidariedade Familiar faz menção a reciprocidade e
fraternidade, tendo em vista os laços que unem os integrantes da entidade
familiar, laços que não precisam ser genéticos para que existam, os laços
afetivos também possuem o mesmo condão. A aplicação deste princípio está
presente no amparo aos idosos, como visto acima, na assistência aos filhos
etc. Como bem leciona Maria Berenice Dias, a Juíza do Afeto ao se referir à
obrigação alimentar entre parentes:
Os integrantes da família são, em regra, reciprocamente credores e devedores de alimentos. A imposição de obrigação alimentar entre parentes representa a concretização do princípio da solidariedade familiar. Assim, deixando um dos parentes de atender com a obrigação parental, não poderá exigi-la daquele a quem se negou a prestar auxílio. Vem a calhar o exemplo do pai que deixa de cumprir com os deveres inerentes ao poder familiar, não provendo a subsistência dos filhos. Tal postura subtrai a possibilidade de ele posteriormente buscar alimentos frente aos filhos, uma vez que desatendeu ao princípio da solidariedade familiar.10
Com os novos modelos de família, resta claro que a Constituição
Federal elegeu o afeto como premissa fundamental das relações familiares,
sendo assim o Princípio da Afetividade transcende o vínculo de
consangüinidade. A personalidade humana começa a se desenvolver no seio
de sua família, com os ensinamentos que lhe são prestados, a educação, os
valores éticos e morais e, sobretudo a afetividade que lhe é dispensada, a
ausência da afetividade pode gerar conseqüências danosas e irreversíveis,
despontando na delinqüência juvenil, em problemas psíquicos, crises de
identidade, crianças e jovens que por ventura poderão se tornar adultos
traumáticos e com visão distorcida do real significado da família.
São vários os fundamentos que consagram este princípio, como a
adoção, este o exemplo mais puro de afeto, onde não existe ligação biológica,
mas existem o amor e o carinho que são imprescindíveis para a efetivação
desta família afetiva; a igualdade de tratamento entre os filhos naturais,
adotivos e filhos havidos fora do casamento também é uma forma de por em
prática tal princípio.
10 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 66.
A família anaparental que já explicitada anteriormente caracteriza a
afetividade mesmo sem a existência de parentesco, no caso de pessoas que
coabitam sob o mesmo teto e se solidarizam umas para com as outras; a
afetividade também deve estar presente nos demais modelos de família. Em
se tratando de relação afetiva havida fora do casamento, vale ressaltar a
influência deste princípio para elevar este modelo de entidade familiar a união
estável.
Oportunamente o afeto será tratado com maior ênfase, mas para
aclarar o que fora exposto, vale salientar a importância da entidade familiar de
acordo com o que leciona Sérgio Resende Barros:
o afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Igualmente tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família, compondo a família humana universal, cujo lar é a aldeia global, cuja base é o globo terrestre, mas cuja origem sempre será, como sempre foi, a família.11
O afeto é essencial para que haja uma convivência familiar
saudável, propícia para a formação e desenvolvimento da personalidade de
crianças e adolescentes que são os vulneráveis das relações familiares,
necessitando de motivação, incentivo e apoio para que sintam-se seguros e
conscientes do seu papel na vida da família e da comunidade.
11 BARROS, Sérgio Resende de. Direito humanos da família: dos fundamentais aos operacionais. In: GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Direito de Família e Psicanálise. São Paulo: Imago, 2003, p. 149.
3 ASPECTOS JURÍDICOS DA CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS POR ABANDONO AFETIVO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL
Atualmente, não existe legislação específica concernente ao
abandono afetivo e a condenação em danos morais em decorrência desta
conduta, contudo não há o que se questionar em relação a isto, tendo em vista
a vastidão de artigos de lei presentes na Constituição Federal de 1988, no
Código Civil de 2002 bem como na Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do
Adolescente, que expressam o dever de ambos os pais prestarem afeto aos
filhos de várias maneiras, respeitando e prezando pela dignidade humana,
criação, educação, a convivência familiar entre outros direitos inerentes a toda
criança e adolescente.
Os princípios do Direito de Família também são considerados
primordiais para a análise de cada caso concreto e a aplicação do quantum
indenizatório, a exemplo da dignidade da pessoa humana, princípio da
paternidade responsável, princípio da convivência familiar e princípio da
afetividade.
A jurisprudência é divergente, tendo em vista a problemática que
envolve a possibilidade da condenação em danos morais por abandono afetivo
na relação paterno-filial, como serão vistos a seguir.
3.1 PRECEITOS JURÍDICOS CONSTANTES NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA REFERENTES AOS DEVERES DA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL
No ordenamento jurídico pátrio constam vários dispositivos que
demonstram a necessidade de uma convivência familiar saudável, a proteção
aos filhos e principalmente a importância da paternidade responsável,
prezando a dignidade da pessoa humana pautada na afetividade com fulcro de
promover a saúde física e psíquica dos vulneráveis nas relações familiares,
quais sejam, os filhos.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227 reza que:
É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.12
Posto isto, resta claro que o ambiente familiar é essencial para que a
criança e o adolescente se desenvolvam plenamente. Estas relações familiares
dão ensejo ao surgimento dos primeiros traços comportamentais, dotados de
características que formam a personalidades destes.
A Carta Magna tratou de especificar que é dever, em primeiro lugar
da família, de assegurar as crianças e adolescentes, com absoluta prioridade,
além dos direitos fundamentais como à vida, à saúde, à alimentação, à
educação entre outros, o direito à dignidade e a convivência familiar e
comunitária, deixando-as a salvo de todo e qualquer tipo de negligência,
restando implícito assim, a negligência afetiva.
A criança e o adolescente ao conviverem em um ambiente familiar
harmonioso, automaticamente têm respeitados todos os outros direitos que
lhes assistem, propiciando desta forma, um desenvolvimento saudável pautado
no afeto que é imprescindível nas relações familiares.
O § 6º do artigo citado acima diz que, “os filhos, havidos ou não da
relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação”.13
Este parágrafo refere-se à necessidade de haver respeito dos pais
para com os filhos no tocante ao tratamento que deve ser prestado, sejam
estes filhos naturais ou adotivos devem ser tratados de maneira idêntica sem
que haja qualquer discriminação quanto a sua qualificação e direitos.
A Carta Magna preza ainda, a necessidade de ambos os pais
prestarem o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, é essencial que
haja o convívio pai, mãe e filho para que esta criança ou adolescente tenha
assegurado seu pleno desenvolvimento.
Consta no artigo 229 da Constituição Federal de 1988 o seguinte,
“Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos
12 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.13 Idem
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade”.14
Não é uma faculdade, mas sim um dever, uma obrigação. Na
maioria dos casos cabe apenas a mãe a tarefa de dar a assistência necessária
aos filhos por uma série de fatores, seja por causa do divórcio ou pelo fato de
ser mãe solteira mas, a Carta Magna deixa claro neste dispositivo que é dever
dos pais e não apenas da mãe assistir, criar e educar os filhos. Apenas
recebendo o afeto necessário dos pais, estes filhos menores quando maiores
poderão cumprir o que reza a parte final do artigo, ajudarão e darão amparo
aos pais na velhice, carência ou enfermidade.
Ao receberem quando menores, todo o afeto que necessitam, sem
dúvida alguma darão afeto aos pais da mesma forma que receberam durante o
seu desenvolvimento.
Os pais devem prestar assistência material aos filhos e
principalmente devem nutrir uma relação afetiva com estes, devem criá-los
juntos, preservando a saúde tanto física, quanto a psíquica, deixando-os a
salvo de qualquer conflito que venha a interferir de maneira prejudicial no
desenvolvimento destes.
Devem prestar os alimentos necessários aos filhos, bem como a
educação no lar, ensinando o caminho do bem com princípios e bons costumes
pautados na ética, devem dar carinho, dedicação, proteção e dar limites que
serão de grande importância para a convivência comunitária e a educação
escolar, que será de grande influência para a futura profissionalização e
auxiliará na sua interatividade com a sociedade.
Estes filhos também têm direito ao lazer, a realização de atividades
em família também influem na vida destes, a cultura deve ser preservada e
difundida, a dignidade que é embasada no afeto, o respeito e a liberdade
também são fundamentais formas de externar a afetividade, tanto na
convivência familiar que é a precursora da afetividade na vida dos menores,
quanto na convivência comunitária que também deve ser vista como prioridade
já que todo o indivíduo tem a necessidade de relacionar-se, não se pode viver
isolado.
14 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
Cabe aos pais, deixar a salvo os filhos de todo e qualquer tipo de
negligência, como o abandono afetivo por exemplo, bem assim devem estar a
salvos de discriminação, violência e outros acontecimentos prejudiciais.
O Código Civil em seu artigo 1.632 aduz que: A separação judicial, o divórcio e dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”.15
Depreende-se deste dispositivo que mesmo nos casos de dissolução
conjugal os filhos têm o direito de conviver com os pais, de tê-los em sua
companhia, as relações entre eles não se dissolvem, mesmo que um dos pais
saia de casa deve continuar prestando toda a assistência necessária aos filhos,
suprindo a necessidades materiais e precipuamente a necessidade do afeto
que é a mais importante.
A figura paterna deve estar presente na vida dos filhos, posto que o
que se dissolve é a apenas o vínculo marital, as crianças e adolescentes
precisam do pai como um modelo a ser seguido, exemplo de retidão e bom
caráter, que influenciará sobremaneira a personalidade daqueles.
O artigo 1.634 do Código Civil refere-se ao exercício do poder
familiar, que reza na íntegra o que se segue:
Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:I – dirigir-lhes a criação e a educação; (sem grifos no original)II – tê-los em sua companhia e guarda; (sem grifos no original)III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.16 (sem grifos no original)
Neste dispositivo consta a definição do que a vem a ser o poder
familiar, que nada mais é do que o exercício de cuidar dos filhos, de zelar e
protegê-los, deixando-os a salvo de qualquer ato prejudicial.
Os pais devem educar, criar e manter os filhos em sua companhia e
sob sua guarda, devem representá-los nos atos da vida civil como a permissão
para o casamento, a nomeação de tutor e representá-los até determinada
15 Código Civil. Lei 10.406/2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ 2002/L10406.htm> Acesso em: 17 de outubro de 2010.16 Idem
idade. Precipuamente cabe aos pais exigir que os filhos lhe sejam obedientes,
que os respeitem e que prestem serviços próprios de sua idade e condição.
A deficiência no exercício do poder familiar pode acarretar perda ou
suspensão deste poder, ou seja os pais podem deixar de ter autoridade e
responsabilidade sobre os filhos, conforme consta nos artigos 1.635, 1.637 e
1.638 do Código Civil Brasileiro de 2002:
Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:I – pela morte dos pais ou do filho;II – pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único;III – pela maioridade;IV – pela adoção;V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638. (...)Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar quando convenha.(...)Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:I – castigar imoderadamente o filho;II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.17 (sem grifos no original)
Resta claro, portanto, que no ordenamento jurídico pátrio em casos
de insuficiência da prestação do poder familiar pune-se apenas com a
suspensão ou a perda deste poder, tal entendimento vem a coroar os pais
abandônicos que já não tinham a mínima responsabilidade necessária para
com os filhos, e ao terem o exercício do poder familiar suspenso ou extinto
tornam-se livres e isentos de qualquer vínculo afetivo ou material com os filhos,
para alguns deixa de ser um ônus e torna-se um bônus a extinção da relação
paterno-filial.
No dispositivo anterior, mais precisamente no inciso II referente ao
filho abandonado deve-se entender que tal abandono não está voltado apenas
ao abandono material ou intelectual, leia-se todo e qualquer tipo de abandono,
inclusive o abandono afetivo que engloba justamente os deveres que são
inerentes ao poder familiar pautados na afetividade, o abandono é
caracterizado pela ausência destes deveres.
17 Código Civil. Lei 10.406/2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ 2002/L10406.htm> Acesso em: 17 de outubro de 2010.
Os pais que abandonam seus filhos devem receber punição severa
por haver descumprimento a dispositivos constitucionais, civis e outros
constantes no Estatuto da Criança e do Adolescente que serão vistos a seguir.
A extinção ou a suspensão do poder familiar são insuficientes para sanar o
abandono, restando ao filho a condição de rejeitado e marginalizado, em
detrimento disto passou a surgir uma série de ações indenizatórias propostas
pelos filhos abandonados em face dos pais negligentes, que serão discutidas
adiante.
O Estatuto da Criança e o Adolescente, Lei 8.069 de 13 de julho de
1990, abarca todas as disposições de proteção integral a criança e ao
adolescente, alguns destes artigos corroboram os que já existem na
Constituição Federal de 1988, e traz novas disposições, como se vê adiante:
Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.18 (sem grifos no original)
Este artigo revela a importância de assegurar o desenvolvimento
físico e psíquico das crianças e adolescentes na formação da personalidade
que será definida pelas experiências adquiridas nesta fase através dos pais
com demonstrações de afeto, englobando todas as maneiras de cuidado e
proteção que os filhos merecem ter.
O artigo 4º da mesma Lei coaduna-se com o artigo 227 da Carta
Magna de 1988, a não ser por seu parágrafo único que traz algumas
especificações conforme se ver adiante:
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com a absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, á profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
18 Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº. 8.069/90. Disponível em:< http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 17 de outubro de 2010.
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.19 (sem grifos no original)
Como já fora dito anteriormente, a família é a célula-mater da
sociedade, e é na convivência familiar junto com as relações familiares que as
crianças e adolescentes começam a formar e desenvolver a personalidade.
A proteção voltada a estes vulneráveis é a maior forma de externar o
afeto dos pais para com os filhos. A dedicação, o incentivo e a motivação farão
toda a diferença na fase adulta destes menores que desde cedo devem estar
inseridos na sociedade que é justamente a prestação do direito de convivência
comunitária que também deve ser observada, por isso existe a extrema
necessidade de ambos os pais estarem presentes na vida dos filhos para que
lhes sejam assegurados todos os direitos fundamentais que lhes são inerentes.
O Estatuto da Criança e o Adolescente traz em seu artigo 5º um dos
mais expressivos dispositivos referente ao abandono afetivo e o artigo 6º em
complementação, ao explanar que:
Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais. Art. 6º. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.20 (sem grifos no original)
A negligência pode ser entendida como descuido, imprevidência,
falta de zelo, desatenção entre outros sinônimos, existem vários tipos de
negligência, a material, por exemplo, ocorre quando o pai deixa de prover o
filho nas questões alimentícias, porém o tipo de negligência que afeta
sobremaneira o desenvolvimento do indivíduo é a negligência emocional ou
afetiva, o abandono afetivo é caracterizado pelo descuido e desatenção, por
não propiciar ao filho todo o carinho e amor de que ele precisa para sentir-se
bem e protegido.
19 Idem
20 Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº. 8.069/90. Disponível em:< http://www.planalt o.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 17 de outubro de 2010.
Este dispositivo ainda refere-se a punição que deve haver em casos
de atentado aos direitos fundamentais destes menores seja por ação ou
omissão, o afeto faz parte da dignidade da pessoa humana, esta dignidade é
um direito inerente a todo ser humano, portanto ao abandonar o filho em
qualquer circunstância, seja ela material, intelectual e principalmente afetiva, o
pai deverá ser punido para que tenha mais observância as necessidades do
filho e para que não incorra neste mesmo erro em outras oportunidades, com
outros filhos que porventura venha gerar.
No artigo 6º resta claro a necessidade de levar-se em conta a
condição, dita peculiar, em relação ao desenvolvimento das crianças e
adolescentes, este desenvolvimento está voltado à personalidade e sua
formação, ou seja, na interpretação do Estatuto além dos deveres e direitos
constantes nesta Lei faz-se mister enfatizar o constante desenvolvimento dos
menores, sabe-se que as experiências adquiridas no seio familiar e comunitário
são de forte influência para a formação e desenvolvimento da personalidade
destes.
No Capítulo II – Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade,
do mesmo Estatuto, estão presentes dispositivos que visam à observância a
estes direitos fundamentais, quais sejam:
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;II – opinião e expressão;III – crença e culto religioso;IV – brincar, praticar esportes e divertir-se;V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;VI – participar da vida política na forma da lei;VII – buscar refúgio, auxílio e orientação. Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.21
(sem grifos no original)
21 Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº. 8.069/90. Disponível em:< http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 17 de outubro de 2010.
Ao preservar estes direitos à liberdade, ao respeito e à dignidade da
pessoa humana, os pais zelam pelo desenvolvimento dos filhos e esta é a
melhor maneira de externar o afeto. A criança e o adolescente que participam
da vida familiar e comunitária sentem-se integrados e seguros ao se
expressarem e emitirem opiniões, e principalmente têm respeitados o seu
direito à liberdade.
Os filhos que convivem em um ambiente familiar harmonioso
pautado na afetividade são saudáveis física e psicologicamente, aptos
portanto, para brincar, praticar esportes e a divertir-se, e tem a certeza de que
os pais são o seu porto seguro, um refúgio que deve servir de fonte de auxílio e
orientação.
Os artigos 17 e 18 supracitados referem-se aos direitos de respeito e
dignidade, que devem ser vistos como complementos um do outro posto que,
ao serem respeitados, os filhos têm a sua dignidade preservada.
A integridade física e psíquica de crianças e adolescentes são
invioláveis, desta forma cabe aos pais preservar a imagem, a identidade, a
autonomia, espaços e objetos pessoais e precipuamente devem ser os
precursores nos ensinamentos dos valores a serem seguidos, as idéias e as
crenças são aquelas presenciadas, praticadas e difundidas no ambiente
familiar.
É dever de todos pôr as crianças e adolescentes a salvo de qualquer
tratamento prejudicial à sua formação e desenvolvimento, sejam estes
desumanos, vexatórios, violentos, aterrorizantes e o mais comum, o
constrangedor, o que geralmente ocorre nas dissoluções conjugais. Os pais em
celeuma constante no ambiente familiar esquecem de preservar os filhos que
presenciam situações vexatórias, por vezes violentas, tornando o lugar que
deveria ser de paz em um campo hostil, aterrorizante e extremamente
constrangedor para os filhos.
Em outros casos, os pais que renegam os filhos, que exigem um
exame de investigação de paternidade, ou até mesmo aqueles que sabem da
existência dos filhos mas não convivem com eles e até mesmo os rejeitam e os
desprezam incorrem na inobservância dos preceitos constitucionais e civis e os
presentes também no Estatuto da Criança e do Adolescente, gerando traumas
e conflitos internos nestes filhos que são menores e acarretando com tais
atitudes em uma formação e desenvolvimento da personalidade deficientes
destas crianças e adolescentes que são os vulneráveis das relações familiares.
Vale salientar que é dever de todos, principalmente do pai e da mãe,
em conjunto, zelar pela integridade física e psíquica dos filhos. Ao sair de casa,
geralmente o pai, deixa de lado os seus deveres para com os filhos, restando
apenas para a mãe a missão de criá-los e educá-los sem a presença paterna
que é de suma relevância para a vida dos filhos que se tornarão adultos e
serão espelho das experiências vividas enquanto crianças e adolescentes.
Nas Disposições Gerais do Capítulo III do Estatuto da Criança e do
Adolescente referente ao Direito à Convivência Familiar e Comunitária constam
alguns artigos que pregam a necessidade de proporcionar às crianças e
adolescentes a integração familiar e comunitária, como se vê adiante:
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. (...)Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.22 (sem grifos no original)
É direito fundamental da criança e do adolescente a convivência no
seio de sua família natural, e em caso excepcional, em família substituta. O
ambiente familiar deve ser harmonioso e ter presente pessoas com caráter
ilibado, principalmente os pais, para que sirvam de exemplo para as crianças e
adolescentes que estão em desenvolvimento e formação da personalidade, e
que em um segundo momento passarão a conviver comunitariamente, onde
precisarão ter parâmetros de comportamento para que possam interagir em
sociedade.
Referidos artigos 21 e 22 estão voltados ao poder paternal ou poder
familiar que vem a ser a responsabilidade de ambos os pais regerem a vida
22 Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº. 8.069/90. Disponível em:< http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em: 17 de outubro de 2010.
dos filhos, desde a concepção até a fase adulta, poderia ser vista como um
dever e não um poder.
Como já fora dito anteriormente este dever familiar deve ser exercido
pelos pais em conjunto posto que consta na lei que incumbe aos pais zelar e
cuidar dos filhos, dando educação, sustento material e afetivo, longe de
qualquer tipo de abandono.
Atualmente tramita no Senado Federal, mais precisamente com a
relatoria desde 04/05/2010, o projeto de lei sob o número 700/2007 (Anexo I)
de autoria do Senador Marcelo Crivella do Partido Republicano Brasileiro que
tem por fulcro a definição da assistência afetiva devida aos filhos menores de
idade pelos pais e a caracterização do abandono afetivo como conduta ilícita.
Tal proposta objetiva alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente
em alguns artigos para que além dos deveres de educação, guarda e sustento,
os pais observem os deveres de assistência material e moral, e os deveres de
convivência familiar e comunitária, entre outros aspectos.
Como se vê, existem vários preceitos jurídicos previstos no
ordenamento jurídico brasileiro que prezam pela necessidade da convivência
familiar e pela suma relevância da missão dos pais, em conjunto, prezarem
pelo sustento material e afetivo dos filhos, bem como sua educação e todas as
atitudes positivas que auxiliam na formação e desenvolvimento da
personalidade destas crianças e adolescentes, deixando-as a salvo de todo e
qualquer tipo de negligência, inclusive e principalmente o abandono afetivo.
3.2 PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A RELAÇÃO PATERNO-FILIAL
A observância de alguns princípios que regem as relações familiares
é fundamental para o combate ao abandono afetivo, posto que ao respeitar a
dignidade da pessoa humana, ao inserir na relação paterno-filial a paternidade
responsável, ao prezar pela convivência familiar harmoniosa, automaticamente
respeita-se o princípio da afetividade, posto que todos estes princípios estão
voltados para as relações emocionais, tudo embasado no afeto.
A dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental
constitucional presente no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal de
1988, como se vê adiante:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito tem como fundamentos:I – a soberania;II – a cidadania;III – a dignidade da pessoa humana;IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.23 (sem grifos no original)
Para interpretar tal dispositivo faz-se necessário mensurar este
princípio o que torna dificultoso o processo de conceituação do que a vem a ser
a dignidade da pessoa humana, por ser um direito fundamental, ou seja,
inerente a todo e qualquer ser humano. A palavra dignidade não abarca
apenas as divagações éticas, de acordo com Alexandre de Moraes:
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.24
Sendo assim, tal princípio abarca o respeito e a igualdade entre os
indivíduos, seja de gênero, raça entre outros, bem como a proteção que estes
devem ter, a dignidade é considerada algo inestimável, intocável e indisponível.
É dever de todos, do Estado, da família e dos pais, observarem este princípio,
preservando pela qualidade de vida afetiva, respeitando o próximo, enxergando
os outros, principalmente os filhos, como seus semelhantes.
Vale salientar que tal princípio também está inserido no preâmbulo
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, após a Segunda Guerra
Mundial.
O Princípio da Paternidade Responsável está presente no § 7º do
artigo 226 da Carta Magna que reza:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.(...)§ 7º. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e cientificados para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas;
23 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.24 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 16.
(...) (sem grifos no original) 25
Este princípio deve ser estudado em conjunto ao exercício do direito
de filiação, em referência ao se fazer constar o nome do pai no registro de
nascimento do filho menor. A ausência do nome da figura paternal também
pode ser caracterizada como uma negligência afetiva, onde posteriormente
este filho rejeitado se sentirá no direito de cobrar da mãe que esclareça tal
situação, e na maioria das vezes esta mãe em nome de sua intimidade não
revela a identidade do pai.
Entretanto, a paternidade responsável vai além do simples nome do
pai na certidão de nascimento do filho, o pai responsável é aquele presente na
vida de sua prole, cumprindo todos os deveres que lhes são inerentes, como o
de criar, sustentar e educar os filhos, pautado no afeto, por ser um dos
principais responsáveis pela formação e desenvolvimento destes. Ressaltando
que o necessário é a qualidade da presença, a presença afetiva, e não apenas
a presença física.
Outro princípio fundamental é o da Convivência Familiar, que se
traduz como a relação de afeto corriqueira ou diária e extremamente
necessária entre os componentes do ambiente familiar. Tal convivência deve
estar embasada no afeto para que o lar seja considerado um porto seguro,
principalmente para crianças e adolescentes. Este princípio está previsto em
alguns dispositivos jurídicos citados acima, como por exemplo na Carta Magna
de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, ao pregarem que faz-se
mister para crianças e a adolescentes a convivência familiar e comunitária,
conforme preceitua Paulo Lôbo ao dizer que:
O direito à convivência familiar, tutelado pelo princípio e por regras jurídicas específicas, particularmente no que respeita à criança e ao adolescente, é dirigido à família e a cada membro dela, além de ao Estado e à sociedade como um todo. Por outro lado, a convivência familiar é o substrato da verdade real da família socioafetiva, como fato social facilmente aferível por vários meios de prova. A posse do estado de filiação, por exemplo, nela se consolida. Portanto, há direito à convivência familiar e direito que dela resulta.26
A convivência familiar é vital para crianças e adolescentes, além de
ser um direito, é dever precipuamente da família, do Estado e da sociedade
25 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
26 LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 3 ed.- São Paulo: Saraiva, 2010, p. 69.
proporcionar aos menores de idade um ambiente familiar onde possam formar
e desenvolver sua personalidade.
O exercício do poder familiar é praticado no ambiente familiar, na
convivência diária e nas relações que se estreitam cada vez mais, mesmo que
um membro da família, geralmente o pai quando do divórcio, não esteja
presente no lar, deve prezar pela convivência afetiva com o filho, restando
impedida a mãe de privar o filho da relação paternal, posto que é
extremamente prejudicial ao filho não conviver com a figura paterna que é visto
como o esteio do lar.
Tendo isto, mesmo nas famílias monoparentais, geralmente
formadas apenas pela mãe e sua prole, a convivência familiar com o genitor é
essencial, para que ele possa cumprir com o seu dever de pai, criando,
educando e sustentando a prole, com muito afeto.
O princípio mais relevante para o presente trabalho é o Princípio
Jurídico da Afetividade, que no dizer de Paulo Lôbo pode ser concebido da
seguinte forma:
Demarcando seu conceito, é o princípio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico. Recebeu grande impulso dos valores consagrados na Constituição de 1988 e resultou da evolução da família brasileira, nas últimas décadas do século XX, refletindo-se na doutrina jurídica e na jurisprudência dos tribunais. O princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar, os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da solidariedade (art. 3º, I), e entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família. (...)27
O presente autor refere-se às mudanças advindas com o surgimento
dos novos modelos de família, aquelas que perpassam os laços
consangüíneos e prendem-se aos laços de afinidade, laços de afeto, exemplo
claro no caso das famílias adotivas, e é óbvio que as famílias biológicas
também possuem laços de afeto.
A afetividade deve ser vista como um dever que é imposto aos pais
para com os filhos e vice-versa, nas questões de criação, educação, sustento e
amparo quando da velhice. Os laços afetivos decorrem da convivência diuturna
27 Idem, p. 63 - 64.
ou até mesmo esporádica, dependo de cada caso concreto, o que realmente
importa é que esta convivência esteja embasada na afetividade.
Ainda de acordo com Paulo Lôbo:
O princípio da afetividade está implícito na Constituição. Encontram-se na Constituição fundamentos essenciais do princípio da afetividade, constitutivos dessa aguda evolução social da família brasileira, além dos já referidos: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, §4º); d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227).28
Ao consagrar o afeto como direito inerente a todo e qualquer ser
humano, principalmente nas relações familiares, a resistência dos juristas em
evitar o reconhecimento da igualdade entre os filhos biológicos e os filhos
adotivos ou socioafetivos, restou enfraquecida, posto que tal princípio preza
pela isonomia em direitos e qualificações entre filhos naturais e adotivos
respeitando, desta forma, os direitos fundamentais.
O exercício paternal deve ser acentuado nas funções afetivas do
ambiente familiar, o pai deve ser companheiro e amigo do filho, externando
confiança e amabilidade para que a criança ou o adolescente sinta-se segura
mediante qualquer adversidade que possa surgir, os filhos precisam ter a
certeza de que possuem uma fortaleza, um porto seguro projetado em ambos
os pais.
3.3 O DANO MORAL DECORRENTE DO ABANDONO AFETIVO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL
Na atualidade, a família está fundada sob uma nova estrutura em
decorrência da nova ordem social e econômica, dando ensejo ao surgimento
de vários modelos diferenciados de família, havendo assim a prevalência do
afeto em tais relações, com o auxílio dos princípios da dignidade da pessoa
humana, da paternidade responsável, da convivência familiar, da igualdade
jurídica dos cônjuges, filhos, companheiros e principalmente o princípio da
afetividade.
28 Idem, p. 64.
Acreditava-se há um tempo que as regras da responsabilidade civil
jamais adentrariam na esfera do Direito de Família, por esta ter um caráter
extrapatrimonial, porém com o surgimento dos novos modelos de família esta
concepção já se encontra sem sentido.
Os membros destas famílias são pessoas dotadas de personalidade
e direitos que lhes são inerentes, sendo, portanto, inadmissível que a violação
a estes direitos resista com impunidade sem que haja qualquer efeito
sancionatório, principalmente no âmbito das relações afetivas.
Segundo Bernardo Castelo Branco:
Conquanto fosse ideal que os antagonismos próprios da convivência familiar encontrassem solução na compreensão, no respeito e no afeto mútuos, não se pode negar que a conduta humana nem sempre se pauta por esses valores. O notório aumento das separações e divórcios, mais do que decorrência da facilidade com que se pode atualmente manejar os instrumentos jurídicos que objetivam a dissolução das uniões familiares, evidencia o crescimento da intolerância, do egoísmo e da violência que têm contaminado o caráter humano em nossos dias. Não se pode, portanto, adotar como dogma a idéia que estando uma pessoa no seio de sua família, estaria imune a eventuais ataques aos seus direitos por parte daqueles que com ela compartilham da convivência comum.29
Assiste razão ao referido autor posto que tornou-se crescente os
dissídios familiares em decorrência da ausência do afeto, e principalmente da
prevalência do egoísmo e da intolerância que leva a crescente destruição das
famílias em virtude dos divórcios onde geralmente o homem abandona o lar e
acaba por abandonar também os seus filhos, seja materialmente ou
afetivamente. Tal situação dá ensejo às violações dos direitos fundamentais,
principalmente o direito à dignidade humana, que é inerente a todo e qualquer
ser humano.
Nesse diapasão, a responsabilidade civil é considerada uma forma
essencial de defesa ao patrimônio material e aos valores e princípios morais
dos indivíduos lesados. Mais precisamente a responsabilidade civil subjetiva,
voltada para danos morais, como o próprio nome já diz, direcionada ao íntimo
das pessoas, que encontra arcabouço jurídico no artigo 186 do Código Civil de
2002 que reza: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
29 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano Moral no Direito de Família. 1ª Ed. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 19.
imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.”30
Em outras palavras, a responsabilidade civil tem por escopo garantir
a parte lesada o direito à segurança jurídica, imputando ao agente do ato
danoso o dever de reparação ou compensação do prejuízo que fora arcado
pela vítima. Nas relações familiares isto é passível de ocorrer, na relação
paterno-filial onde o pai abandona afetivamente o próprio filho lhe sonegando o
que mais necessita para um desenvolvimento saudável, que é o afeto, age com
negligência acarretando um dano a personalidade deste filho, ensejando
portanto, a responsabilidade civil subjetiva.
Consoante o entendimento da Juíza do Afeto, Maria Berenice Dias
ao dizer que:
A lei obriga e responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos. A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente. Esse tipo de violação configura dano moral. E quem causa dano é obrigado a indenizar. A indenização deve ser em valor suficiente para cobrir as despesas necessárias para que o filho possa amenizar as seqüelas psicológicas mediante tratamento terapêutico. 31
Seguindo o mesmo raciocínio, a Professora Giselda Hinoraka
assevera que:
Tem me sensibilizado, nesta vertente da relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade, este viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar indenização compensatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que por si só, é profundamente grave.32
A relação paterno-filial não deve limitar-se ao dever único de
sustento material porque vai muito mais além, esta relação deve ser priorizada
com afeto, cuidados, carinho, dedicação, além de todos os outros deveres que
os pais têm para com seus filhos, de criar, educar, sustentar etc.
30 Código Civil. Lei 10.406/2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002 /L10406.htm> Acesso em: 17 de outubro de 2010.31 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009,p.416 - 417.32 HINORAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Palestra proferida no III Congresso Brasileiro de Direito de Família – Família e Cidadania: O Novo Código Civil Brasileiro e a vacatio legis, em 26.10.2001, promovido pelo IBDFAM e pela OAB/MG, em Ouro Preto/MG.
À medida que estes deveres são negligenciados torna-se passível a
condenação em danos morais por abandono afetivo por acarretar danos
psíquicos até mesmo irreversíveis para as crianças e adolescentes que se
tornarão adultos como espelhos refletindo toda a experiência vivenciada na
infância e juventude, sejam estas experiências positivas ou negativas.
O princípio da paternidade responsável presente no artigo 226 da
Constituição Federal de 1988 não deve ser resumido apenas a obrigação de
prestar alimentos ao filho, mas principalmente de prestar alimento a alma e ao
espírito, ao âmago das crianças e adolescentes, este alimento primordial é o
afeto, imprescindível nas relações familiares e sobretudo na relação paterno-
filial.
Os pressupostos da responsabilidade civil devem ser observados,
quais sejam ação ou a omissão do agente, o dolo ou a culpa, o nexo de
causalidade e o dano. Tal dispositivo jurídico busca a efetiva reparação do
dano causado ao sujeito lesado, através da indenização. À título exemplificativo
e aplicando este preceito a um caso concreto, tem-se o abandono afetivo do
pai para com o filho, ou seja, existe a omissão do agente por ser negligente ao
abandonar o filho afetivamente, agindo com intenção ou não, o dano sofrido
pelo filho deve estar interligado a omissão do pai para que este possa pleitear a
indenização pretendida.
A responsabilidade civil deve atender a três relevantes funções: a
compensatória, a punitiva e a dissuasória, esta última pode ser chamada de
pedagógica ou educativa.
A função punitiva está voltada ao agente da ação ou omissão. No
abandono afetivo do pai para com o filho ocorre a omissão dos deveres que
atendem aos direitos fundamentais da criança e do adolescente atingindo a
dignidade humana destes, desta forma, por essa falta do agir, o pai deverá ser
punido na sua esfera patrimonial.
Ao alcançar a indenização pretendida, o filho abandonado revela a
outra função da responsabilidade civil por danos morais, qual seja a função
reparatória ou compensatória, que tem o condão, como o próprio nome já diz,
de reparar o dano sofrido pelo agente passivo, a vítima, ou seja, o filho
abandonado.
E por último, a responsabilidade civil tem como função a dissuasória,
também conhecida como psico-pedagógica, ou apenas pedagógica, porque é
uma função educativa, objetiva reprimir práticas reiteradas de uma atitude
danosa, no caso em apreço, o abandono afetivo. A condenação em danos
morais por abandono afetivo deve servir de exemplo para toda a sociedade e
principalmente aos pais, para que não incorram no mesmo erro de abandonar
afetivamente seus filhos.
No dizer de Giselda Maria Fernandes Novaes Hinoraka:
Ao final do processo de autoridade paterna, de formação familiar, de dependência dos filhos em relação aos pais, o que temos é uma associação, cujos laços mais fortes que os laços determinados pela vida civil a todos os cidadãos são justamente os laços do afeto, quando tais laços tenham tido a devida oportunidade de se formarem, ao longo de todo esse percurso.(...)A responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajudá-los na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total, portanto, da idéia antiga e maximamente patriarcal de pátrio poder.33
Depreende-se, portanto, que a figura paterna precisa ter
entendimento do quão é essencial na vida do filho, do quanto suas atitudes
negativas e positivas influenciam na vida das suas crianças e adolescentes,
pregando valores éticos e morais, princípios e bons costumes a serem
copiados pelos filhos que pautar-se-ão nestas condutas positivas para a vida
futura.
Como já fora dito anteriormente, não existe lei específica que trate
do abandono afetivo tendo isto, a doutrina e a jurisprudência têm prestado
importante contribuição para a adequação desta nova expressão no meio
jurídico, consoante os três casos de maior relevância levados ao poder
judiciário citados por Paulo Lôbo como se vê adiante:
Três casos levados ao Judiciário marcaram a discussão sobre o tema. Primeiro caso (MG): Até 6 anos, o autor – que ingressou com a ação após a maioridade – manteve contato regular com seu pai. Após o divórcio dos pais e o nascimento da irmã, fruto de novo relacionamento conjugal do pai, este se afastou definitivamente do filho, ainda que lhe pagando 20% dos seus rendimentos líquidos, passando a tratá-lo com “rejeição e frieza”, inclusive em datas simbolicamente importantes, como aniversários, formaturas e aprovação em vestibular. Com fundamento nesses fatos e no art. 227,
33 HINORAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Civil na relação paterno-filial. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4192&p=2 >. Acesso em 23 de março de 2010.
da Constituição, ingressou com ação por danos morais, julgada improcedente em primeira instância. O Tribunal de Justiça de origem acolheu apelação do filho, decidindo que “a dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência , ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana”, fixando a indenização em 200 salários mínimos. O pai recorreu ao STJ (REsp 757.411 – MG, 2005) que, reformando a decisão recorrida por maioria, entendeu que “a indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo á aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária”. Argumentou o relator que o descumprimento injustificado do dever de guarda, sustento e educação dos filhos leva à perda do poder familiar, como a mais grave pena civil a ser imputada a um pai; o voto vencido considerou que a perda do poder familiar não interfere na indenização por dano moral. Segundo caso (RS): juiz condenou em 2003 um pai a pagar igualmente 200 salários mínimos à filha porque “a educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se autoafirme”. A sentença transitou em julgado por ter havido revelia. Terceiro caso (SP): o juiz condenou em 2004 um pai a pagar indenização no valor de R$ 50.000,00 por danos morais e tratamento psicológico da filha. O pai a abandonou com poucos meses de vida, quando se separou da mãe para constituir nova família. A jovem abandonada sentiu-se rejeitada e humilhada em razão do tratamento frio dispensado a ela pelo pai, especialmente por todos serem membros da colônia judaica, “crescendo envergonhada, tímida e embaraçada com complexos de culpa e inferioridade”, submetendo-se, por isso, a tratamento psicológico.34
É cristalino, portanto, o quão prejudicial é o abandono afetivo, a
ponto dos filhos abandonados precisarem de tratamento psicológico, por
tornarem-se jovens e adultos sem perspectivas, sem autoafimação e dotados
de insegurança, o que atrapalha e muito a vida em sociedade e a vida afetiva
com as pessoas que lhes são próximas. É prejudicial inclusive, na
escolaridade, onde pode haver um baixo rendimento da aprendizagem, na
futura profissionalização, pois a timidez e a insegurança interferem bastante
nas escolhas que serão feitas.
Está longe de haver pacificidade entre tais decisões justamente pelo
fato da ausência de uma legislação específica tratando deste tema, abrindo a
possibilidade de fazer comparações com outras situações semelhantes sem o
cuidado de analisar cada caso concreto com um olhar mais humanizado, sem
observar devidamente o dano sofrido pelo filho abandonado.
O abandono afetivo deve ser entendido como a inadimplência com
os deveres jurídicos da figura paterna para com sua prole, as conseqüências
danosas deste abandono não podem ser também negligenciadas, não se pode 34 LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 308.
obrigar um pai a amar um filho, mas deve-se obrigá-lo a cumprir os deveres
que lhes são impostos para a formação e desenvolvimento saudável do seu
filho, afinal de contas a criança não vem ao mundo sozinha, ela precisa ter
respeitada sua dignidade de pessoa humana.
Em relação as críticas acaloradas feitas a este tema, no que
concerne a monetarização do afeto, Bernardo Castelo Branco assevera que:
Não se propugna a aplicação da responsabilidade civil a tais relações, como uma fonte para obtenção de vantagens econômicas por parte do lesado, o que somente contribuiria para a efetiva desagregação da família, porquanto seria inconcebível que a instituição familiar ficasse resumida a vínculos puramente patrimoniais. O que se busca, ao contrário, é uma análise mais profunda, a partir da ordem normativa já existente , relativamente aos mecanismos capazes de coibir os abusos ordinariamente praticados por aqueles que, cientes da falta de qualquer sanção, violam sistematicamente os direitos fundamentais de pessoas que, muitas vezes, deles deveriam receber a devida proteção.35
O verdadeiro objetivo da condenação em danos morais por
abandono afetivo é o de desmotivar condutas desta natureza, sendo assim um
pai que fora condenado a pagar uma quantia indenizatória a um filho
abandonado não reincidirá no mesmo erro, e os outros pais tomarão tal
condenação como exemplo e se preocuparão com a função paterna,
embasados na paternidade responsável para criar, educar e sustentar o filho
como deve ser feito, obviamente externando o afeto necessário para o
exercício do papel de pai, esta é a função dissuasória da responsabilidade civil.
Contudo, sabe-se que a indenização não tem por condão obrigar um
pai a amar o seu filho porque o amor não tem preço e não se pode monetarizar
o afeto, desta forma, os laços afetivos da relação paterno-filial não serão
reconstituídos, mas tem por escopo reparar o dano sofrido pelo filho. O
abandono é extremamente prejudicial na construção de sua personalidade e
identidade, e o pai deve saber o quão importante é o seu papel na vida da
criança e do adolescente que dele dependem antes mesmo de conceber um
filho.
Outra crítica acerca da responsabilidade civil por danos morais nas
relações de família concerne na preocupação dos juristas em abrir um 35 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano Moral no Direito de Família. 1ª Ed. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 20.
precedente para uma avalanche de ações indenizatórias ensejadas pelas
celeumas familiares, também conhecida como a indústria do dano moral, é
bem verdade que esta preocupação tem fundamento, porque nem todos que
buscam tal indenização tem por intuito penalizar o pai e ter o seu prejuízo
reparado, em alguns casos busca-se apenas a vantagem pecuniária.
Porém para a concessão do quantum indenizatório, vários aspectos
devem ser analisados em cada caso concreto, além de observar os
pressupostos da responsabilidade civil, deve-se dar atenção especial aos
danos sofridos pelo filho abandonado, que na maioria dos casos necessita de
tratamento psicológico para tentar regredir possíveis traumas causados pela
rejeição, porém na maioria dos casos o dano à personalidade é irreversível.
De acordo com o que é visto nas decisões, o Poder Judiciário
Brasileiro preocupa-se muito mais com o dever do sustento material, como
ocorre em casos de o pai sonegar o pagamento de pensão alimentícia
ensejando a prisão civil, do que com as celeumas existentes nas relações de
família em decorrência da ausência do afeto. Tais conflitos no âmbito das
relações familiares deságuam, inclusive, em crimes, porque como se sabe, é
crescente a delinqüência juvenil justamente pela falta da boa criação, educação
e do sustento material e principalmente pela ausência do afeto.
A necessidade do sustento material não deve prevalecer sobre
outros direitos fundamentais como o de receber orientação, o significado de
valores, princípios, moral e ética, o dever dos pais não está restrito apenas a
função de sustentar materialmente sua prole, mas sim de criar, educar, e ter os
filhos em sua companhia e guarda.
O Judiciário precisa reconhecer a família como o esteio da
sociedade, como o reduto do afeto, responsável pela formação e
desenvolvimento de crianças e adolescentes que são moldadas de acordo com
as experiências vividas dentro de casa, precisa ser mais incisivo para fazer
com que os pais respeitem e obedeçam aos preceitos constitucionais, civis e
do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prezam, sobretudo pela
dignidade da pessoa humana.
Tendo isto, a condenação do pai que abandona seu filho a pagar
uma indenização aperfeiçoaria as relações afetivas da família e as
comunitárias também, demonstrando aos pais a sua importância na construção
de um cidadão de bem, equilibrado e preparado para as adversidades que por
ventura surgirão, ou seja, o pai tem uma função social no ambiente familiar e
não apenas a função de provedor do lar.
É tarefa difícil para os juízes aferir pecuniariamente o dano sofrido
pelo filho abandonado, porque isto implica em estudar os valores e princípios
que foram repassados para esta criança ou adolescente em sua convivência
familiar, e, sobretudo analisar o dano que muitas vezes nem é passível de
reparação pecuniária, dependendo do quão prejudicial tenha sido a conduta
omissa do pai em prestar-lhe o afeto necessário, sem falar no constrangimento
para ambos, trazido por esse dissídio que é sem sombra de dúvidas muito
doloroso, principalmente para o filho que almeja um pai herói.
A Juíza da 1ª Vara Cível de São Gonçalo do Estado do Rio de
Janeiro discorda do entendimento de boa parte dos outros doutores da Lei ao
dizer que:
Se o pai não tem culpa por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a responsabilidade de tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever de assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não tê-lo educado, enfim, todos esses direitos impostos pela Lei.(...)Portanto, violados esses direitos, hão de ser reparados pela via da indenização por dano moral.Saliente-se, ainda, por ser de suma importância, que o indivíduo, muito antes do seu nascimento, quando ainda é gerado no útero materno, necessita se abastecer não só de alimento, mas sobretudo de amor, para se desenvolver sadiamente, nascendo para o mundo e se tornando um homem/mulher seguro.O que se pode concluir é que, mesmo a jurisprudência brasileira ainda sendo reticente a questão, a situação dos filhos abandonados por seus pais representa um dos maiores problemas sociais que assola o País e deve ser enfrentado sem temores e por todos os enfoques e órgãos públicos. 36
Pode-se constatar, desta forma, que não existe pacificidade em
relação ao tema danos morais por abandono afetivo, esta é uma questão que
demanda a análise de cada caso concreto com a devida cautela e muita
prudência, porém é descabida a colocação de que a conduta omissiva do pai
para com o filho não seja passível de indenização, posto que o
descumprimento da lei não pode restar impune, e muito menos a parte lesada,
o filho, não ter reconhecida a sua pretensão jurídica pelo fato de que é
36 NOVAES, Simone Ramalho. Abandono Moral. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br/ institucional/dir.gerais/dgcon/pdf/artigos/direi_famil/abandono_moral.pdf > Acesso em: 23 de março de 2010.
imputado ao pai negligente apenas a destituição do poder familiar, que para
este pai abandônico é um prêmio, um verdadeiro troféu por deixar de ter de
fato qualquer obrigação ou responsabilidade com seu próprio filho.
4 ASPECTOS PSICOSSOCIAIS QUE REVELAM A NECESSIDADE DO AFETO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL PARA O PLENO DESENVOLVIMENTO DOS FILHOS
Neste capítulo cabe demonstrar a importância do afeto para que
haja uma convivência familiar saudável, e o desenvolvimento pleno de crianças
e adolescentes para que estes não ingressem nas estatísticas de delinqüência
juvenil, englobando o uso de drogas, a prostituição, a prática de crimes, entre
outros. O papel do pai é se suma relevância neste processo de
desenvolvimento e formação da personalidade dos filhos, devem servir de
espelho com seus princípios e bons costumes determinados, o que auxiliará na
futura formação de novos pais para que não abandonem afetivamente sua
prole.
4.1 A INFLUÊNCIA DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR NA FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE.
De início faz-se mister aclarar o significado de personalidade que
vem a ser um conjunto de comportamentos, características e sentimentos que
identificam o ser humano e que são determinantes para sua interação em
sociedade. Conceituar personalidade é tarefa difícil por haver variadas
acepções, consoante preceitua Arnold L. Gesell ao afirmar que:
A personalidade é um conceito muito amplo e abrangente, que se refere à organização permanente das predisposições do indivíduo, de seus traços característicos, motivações, valores modos de ajustamento ao ambiente.37
Estes traços característicos podem ser hereditários ou genéticos, ou
adquiridos ao longo da vida com as experiências obtidas na interação com a
família, com a sociedade, em seu meio afetivo, com a cultura da qual faz parte
etc. Mesmo os indivíduos que são criados no mesmo seio familiar, recebendo a
mesma educação, não possuem a mesma personalidade, ou seja, embora
sejam tratados de forma idêntica possuem histórias e relações afetivas
diferentes, o conjunto de comportamento é outro, assim como não são
idênticas as impressões digitais.
37 GESELL, Arnold L. A criança dos 0 aos 5 anos. Trad. Cardigo dos Reis. 4 ed. São Paulo: Martins, 1996,p. 76.
Com o fulcro de citar outras visões acerca da personalidade, Maria
Helena Diniz em um aspecto jurídico da personalidade assevera que:
A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir e ordenar outros bens.38
Porém, neste capítulo não é essencial discorrer acerca da
personalidade sob o aspecto jurídico, mas sim a personalidade natural da
pessoa, aquela que o caracteriza e o distingue dos demais indivíduos, bem
como sua formação e desenvolvimento que recebem influências da convivência
em sociedade, mas principalmente da convivência familiar.
Em continuação serão tratadas a formação e o desenvolvimento da
personalidade do indivíduo, que tem início desde o seu nascimento, este não
nasce com a personalidade pré-moldada, suas condutas na fase adulta serão o
retrato da sua infância e adolescência, as experiências adquiridas neste
período farão toda a diferença em seu meio social e afetivo.
Os primeiros anos de vida do indivíduo são de suma importância na
formação de sua personalidade, tendo em vista que nesta fase são totalmente
dependentes dos seus pais, dos quais recebem os primeiros estímulos de amor
e proteção, onde começarão a se ajustar aos costumes e princípios
preservados em seu seio familiar.
Os principais traços psíquicos do indivíduo serão demarcados na
infância, em sua relação com seus pais que são os primeiros e principais
educadores, e com as pessoas próximas também. Tais relações possuem o
condão de suprir as necessidades materiais, físicas e principalmente as
necessidades afetivas e comportamentais, devendo os pais propiciarem um
equilíbrio nesta relação para que os princípios e costumes ensinados no seio
familiar sejam ajustáveis à sociedade.
A infância é considerada a fase de humanização do indivíduo, como
bem explicita Adauto de Almeida Tomaszewski:
a criança não é criança porque é nova, é criança para tornar-se adulta. A infância é o período da “humanização” do indivíduo, da aprendizagem da natureza humana. Essa humanização só pode
38 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 99 – 100.
ocorrer em um meio humano adulto que esteja sempre a revelar e propor à criança os comportamentos característicos de sua espécie e do grupo do qual faz parte. A criança em sua polivalência e em sua indeterminação é, por excelência, um ser que reclama educação e formação. 39
Tendo isto, é fator determinante para a formação e desenvolvimento
da personalidade do indivíduo, o histórico de experiências vivenciadas por ele
quando na infância e adolescência com outras pessoas, sendo a família, a
principal responsável por proporcionar um ambiente saudável e apto à
aprendizagem que irá interferir de forma incisiva no comportamento desta
criança e adolescente. Surge daí, a missão dos pais que é de suma relevância
para a formação e desenvolvimento desta personalidade posto que exercem
forte influência sobre os filhos, servindo sempre de modelo e exemplo a ser
seguido.
Segundo a Psicóloga, Neuropsicóloga e Escritora, Denise M. C.
Rodrigues:
O período estimado para a formação da personalidade é de mais ou menos 5 anos de idade. Nesse período uma criança passa por muitas situações e mudanças que além de serem intensas e diversificadas ocorrem num espaço muito curto de tempo. As crianças aprendem muitas coisas com os pais e/ou substitutos: caminhar, falar, desenvolver hábitos (higiene, sono, alimentação etc.), conhecem seus semelhantes e estabelecem maneiras de se relacionar com eles bem como os animais distinguindo seus nomes, características, formas etc.(...) Vários são os fatores que contribuem para a formação, desde as condições de concepção, gestação e parto, associadas as experiências vividas no dia-a-dia durante 5 anos, fazendo dessa etapa do desenvolvimento algo extremamente importante, não sendo difícil imaginar que deixe marcas como uma “tatuagem” subjetiva que carregamos por toda a nossa vida. 40
Resta claro, portanto, a necessidade da convivência familiar
saudável e a forte influência que esta exerce na formação e desenvolvimento
do indivíduo. Diz-se convivência familiar saudável porque o ambiente no qual o
indivíduo esteja inserido deve ser harmonioso, com valores éticos preservados,
princípios e costumes adequados, mas principalmente que tenha a
39 TOMAZEWISKI, Adauto de Almeida. Separação, Violência e Danos Morais – a tutela da personalidade dos filhos. 1ª Ed. São Paulo: Paulistanajur, 2004. v. 01, p. 88.40 RODRIGUES, Denise M. C. Formação da Personalidade. Disponível em <http://www.brasilclinicas.com.br/artigos/ler.aspx?artigoID=245> Acesso em 28 de outubro de 2010.
possibilidade de transmitir proteção, confiança, afeto, amor e aprendizagem por
meio de descobertas que surgem nesta fase.
O ambiente familiar também precisa conter higiene, boa
alimentação, cuidados básicos, com o intuito de proporcionar a criança ou
adolescente um crescimento saudável, tanto físico quanto psíquico, estando a
salvo de qualquer tipo de negligência.
Para complementar, Arnold Gesell afirma que:
Infantes educados em ambientes emocionalmente frios e não estimuladores – por exemplo, em instituições onde o cuidado é apenas rotineiro e há pouca atenção individual – não formam, prontamente, apego em relação a outras pessoas. Os pediatras notaram que os infantes educados em tais ambientes tendem a ser quietos, passivos, inativos, infelizes e emocionalmente perturbados.41
Por esses e outros fatores que é tão comum e crescente a
delinqüência juvenil e adulta em decorrência de uma anormalidade de
desenvolvimento do indivíduo que em seu processo evolutivo tenha sido
negligenciado de alguma maneira, gerando um sentimento de inferioridade,
insegurança rejeição, o que o impede de estar inserido em grupos sociais e de
ter relacionamentos saudáveis, um dos fatores que leva jovens, adultos e até
crianças a praticar delitos de pequenas e grandes proporções, a busca por
drogas, e prostituição e a desvalorização dos sentimentos e da vida.
Tudo isto por vezes deve-se ao fato de não terem vivenciado
momentos afetivos em ambientes familiares harmoniosos, por não terem
recebido proteção, orientação, educação, valores éticos, entre outras condutas
positivas, mas o que leva ao desvio de conduta é principalmente a ausência de
afeto e do amor.
Na busca pelo equilíbrio do relacionamento entre a família e o
indivíduo, a primeira deve dedicar especial atenção à auto-estima do infante ou
adolescente com demonstrações de carinho, afeto, estímulos, motivações e
elogios para que estes vulneráveis sintam-se queridos e amados no seio
familiar.
Deve-se evitar, contudo, cobranças e críticas exacerbadas que
possam interferir na formação e desenvolvimento de sua personalidade de
maneira depreciativa, onde poderá imbuir em si o sentimento de rejeição e
41 GESELL, Arnold L. A criança dos 0 aos 5 anos. Trad. Cardigo dos Reis. 4 ed. São Paulo: Martins, 1996,p. 99 - 100.
indiferença que poderá acompanhá-lo na fase adulta, tornando-se um adulto
frustrado e sem perspectivas de melhora.
A criança e o adolescente necessitam precipuamente do afeto pois,
ao se sentirem queridas e protegidas por seus familiares, possivelmente não
temerão as desventuras pelas quais poderão perpassar, tornando-se adultos
mais fortes e capazes de tomar decisões importantes, tendo seu lado
emocional preservado e bem resolvido.
A convivência familiar saudável é essencial ás crianças e
adolescentes para que lhe sejam assegurados o direito à vida, saúde,
educação, lazer e principalmente afeto, que são imprescindíveis á dignidade da
pessoa humana e se tornem adultos seguros de si, competitivos em seus
objetivos e capazes de externar amor próprio e ao próximo.
4.2 A RELAÇÃO PATERNO-FILIAL COMO FONTE PRIMORDIAL DE AFETIVIDADE
No período patriarcal, as tarefas e papéis do homem e da mulher
eram opostas, de um lado a mãe era vista como símbolo de afeto e ternura,
enquanto o pai assumia exclusivamente o posto de autoridade mediante os
filhos. Atualmente, tal divisão rígida destas funções caiu por terra tendo em
vista que o filho passou a receber ordens afetuosas da mãe e um maior
aconchego e cumplicidade do pai, que passou a externar o afeto, sem precisar
deixar a autoridade de lado.
É visível a vulnerabilidade e até mesmo a escassez das relações
familiares, cabendo muitas das vezes apenas à mãe as funções de instruir,
educar, sustentar e principalmente amar os filhos, em contrapartida, o pai que
na maioria das vezes não o é na acepção da palavra, sendo considerado
apenas o genitor e por ventura provedor, tem se ausentado das funções
paternas que devem complementar o papel maternal na vida da criança ou
adolescente, embora sejam papéis diferentes.
De acordo com o que preleciona Nelsina Elizena Damo Comel:
Partindo do fato de que, para se gerar um novo ser humano, a natureza condicione uma relação específica do elemento masculino como elemento feminino, indispensáveis e insubstituíveis á formação vital, há que se deduzir, como conseqüência natural, que o novo ser – já pessoa humana, por nascer em condições de profunda dependência física e emocional, vá necessitar de ajuda e participação dos dois componentes que foram essenciais à geração dela. Dentro
de tal enfoque, seria contraditório e até mesmo um contra-senso, aceitar como “natural” que a participação do elemento masculino pudesse se limitar apenas ao momento da concepção. Isto é, passada a fecundação, o sujeito copartícipe da geração estaria “dispensado” de outras funções. 42
Se para a concepção de uma criança se faz necessária a conjunção
entre um homem e uma mulher, parece óbvio afirmar que para o seu
desenvolvimento saudável ao longo da vida precise de ambos de maneira
complementar, para que possam atender suas necessidades, sejam elas
físicas ou afetivas.
Atualmente é notório que ao pai geralmente cabe a função do
sustento material, obedecendo a uma obrigação legal de prestar alimentos ao
filho do qual vive separado, e por vezes a regulamentação de visitas, porém, a
função paterna vai além do sustento material, ela interfere de forma incisiva na
formação da personalidade dos filhos, embora para muitos destes pais a sua
função seja apenas a de prover, ainda quando isso é possível, o que não deve
ser considerado posto que na modernidade a mulher tem sido responsável de
maneira única também pelo sustento material da família sem qualquer
contribuição do genitor dos seus filhos.
É tarefa difícil alcançar o significado e correspondência da função
paterna tendo em vista que esta se estende por toda a vida da criança,
influenciando o seu caráter, a sua interação em sociedade, e até mesmo em
suas futuras relações afetivas. O pai deve ser visto como um espelho, um
exemplo de retidão de caráter, moral, princípios, bons costumes e
principalmente como fonte de amparo, carinho, fonte de afeto e amor, muitos
são vistos como heróis, outros do contrário são até considerados inexistentes,
dependendo da concepção demonstrada pela mãe quando do seu abandono e
rejeição, podendo haver, inclusive, a figura da alienação parental.
Ainda, segundo Nelsina Elizema Damo Comel em seus estudos
acerca da paternidade responsável para quem não resta claro o efetivo
envolvimento da figura masculina com a criação e educação do filho, assevera
que:
Ele se faz necessário pelo filho, principalmente hoje, com a constatação da existência de tantos filhos sem pai, ou vivendo longe dele. É tempo de melhorar a compreensão e o desempenho do papel
42 COMEL, Nelsina Elizena Damo. Paternidade Responsável. Ed. 02. Curitiba: Juruá, 2009, p.80.
do pai, ainda reduzido ao de provedor. Provedor, sim, mas, não somente. Deve isso ser aclarado, também, pelo fato de que o ato de prover, hodiernamente, não é mais exclusivamente executado pelo homem, uma vez que a mulher está a contribuir com trabalho profissional para a renda familiar. Ainda mesmo, porque, dentro de uma visão de paternidade responsável, o papel não se esgota na ação de provedor, senão envolve toda a vida do filho até sua maturidade bastante prolongada. 43
A relação paterno-filial é de suma importância para a vida de
qualquer criança, principalmente nos dias atuais nos quais a delinqüência
juvenil tem sido crescente justamente pelo fato de não terem uma orientação
adequada acerca da vida, da moral, da ética, do amor ao próximo, educação,
tudo isso devendo ser ensinado e vivenciado no núcleo de afeto que é a
família, não importando a condição de ser biológica ou adotiva.
Entretanto, para muitos pais o exercício da paternidade não é
considerado vital, não é prioridade, o que ocasiona um maior número de filhos
rejeitados e negligenciados, reservando apenas para a mulher a educação
destes, que lhes são prioridade.
A relação paterno-filial tem perpassado por constantes mudanças
tendo em vista os filhos havidos sem a existência de um casamento ou até
mesmo fora dele; em relações estáveis; em relações que duraram apenas um
momento, mais comum entre adolescentes, gerando filhos indesejados e que
são rejeitados desde o ventre.
Exemplo claro da ausência de relação paterno-filial ocorre nas
produções independentes, onde apenas a mãe se torna responsável a prestar
a convivência familiar necessária ao desenvolvimento saudável da criança. Isto
decorre do individualismo que é tão presente na atualidade, algumas mulheres
desejam ter filhos, mas não desejam o casamento, ao contrário de outros que
desejam casar, mas não querem ter filhos alegando que estes atrapalhariam a
vida a dois, suas carreiras, estabilidade financeira, entre outros aspectos.
A figura paterna presente em casa influi, sobretudo, na visão e
entendimento do filho acerca do real significado do que vem a ser a família, se
houver uma convivência familiar saudável, tendo em vista que não é importante
apenas a presença física do pai, a quantidade de tempo disponibilizado para
isto porque em alguns casos o pai está sempre presente mas, não externa 43 COMEL, Nelsina Elizena Damo. Paternidade Responsável. Ed. 02. Curitiba: Juruá, 2009, p.76.
nenhum tipo de sentimento ou afeição pelo filho, faz apenas o papel de
autoridade e age com rispidez, o que verdadeiramente importa é a qualidade
desta presença, a aprendizagem e o carinho externado nesta relação paterno-
filial.
De acordo com o que fora explanado anteriormente acerca da
personalidade tem-se que a qualidade nas relações entre pais e filhos
influencia de maneira incisiva na formação e desenvolvimento emocional das
crianças e adolescentes, sendo assim, o pai ocupa um papel fundamental para
o crescimento saudável do filho, criando laços afetivos que se estendem por
toda a vida com demonstração de amor, respeito, inspirando confiança e o
certificando de que terá sempre sua proteção.
O filho relaciona a imagem do pai com uma fortaleza, um porto
seguro, o pai é o esteio da família, o provedor, protetor, embora esta visão
esteja cada vez mais sendo deturpada, ainda permeia na mente e nos
corações das crianças e adolescentes que estão em plena formação e
desenvolvimento da personalidade.
De acordo com a Psicanalista Carmem Cerqueira César em seu
artigo sobre a paternidade:
A nível simbólico, o pai é quem deve romper o vínculo simbiótico e necessário inicial mãe-filho. A mãe, pelo seu discurso, vai autorizar (ou não), este pai como um terceiro na relação, que será, a partir daí, o representante da lei, da lei contra o incesto. A criança, então, ingressará na cultura, na linguagem. Perceberá que não é tudo para a mãe e que o desejo desta está direcionado para outro lugar. Esta “função paterna” salva a criança e a mãe de patologias mais sérias. È a tal da castração e tem a ver com o Complexo de Édipo. O pai proíbe, frustra, para o bem de todos e felicidade gral da nação. A criança aprenderá a ouvir o não, conhecerá limites. O que é a estrutura. A partir de então, ela fará identificações que a levarão a “viver sua própria vida”, a identificar-se sexualmente, buscar seus ideais. Sempre, e, sobretudo na adolescência, deve-se incentivar sua autonomia, que constrói sua identidade. Nesta fase, muitos pais se angustiam. Mas o risco é inerente à vida e ao desejo. O apoio, a paciência são fundamentais. 44
Considerando a citação acima, resta demonstrado que a criança
necessita da presença do pai para um desenvolvimento saudável porque a
figura paterna é vista como a primeira pessoa com a qual a criança se
relacionará além da relação existente com a mãe, sendo assim, o pai
possibilitará o ingresso do filho na sociedade, fora deste vínculo familiar que
44 CÉSAR, Carmem Siqueira. Paternidade. Disponível em <http://www.pailegal.net/textoimprim e .asp?rvTextoId=930308710> Acesso em 03 de novembro de 2010.
até então era único. Mas, vale ressaltar que de nada adianta a presença física,
o que realmente importa é a presença afetiva, a qualidade desta relação
paterno-filial, a dedicação, o carinho e o incentivo para a prática de atos
positivos.
O conceito de paternidade não deve estar vinculado apenas a parte
genética ou biológica, posto que na maioria das vezes sua participação se deu
apenas na concepção da criança, pai é aquele que é presente em todos os
momentos, sejam estes difíceis ou alegres, dando apoio e incentivo, afeto,
carinho, ou seja, demonstrando sentimentos positivos.
Ser pai não é apenas gerar e muito menos sustentar materialmente
o filho, ser pai é ser afetuoso, é exercitar diariamente esta tão necessária
afetividade, é buscar melhorar a cada dia para ser um espelho para o filho. Ser
pai é uma tarefa difícil que exige além do amor, a sensibilidade, tolerância,
entrega e disponibilidade de tempo, entre outros.
O homem que é pai possui um grande desafio que é o de agir
pautado na ética para que possa exprimir seus valores, princípios e bons
costumes que deverão ser seguidos e copiados por seus filhos, sejam estes
biológicos ou não, enfatizando que quase todos podem gerar crianças, mas
poucos terão o esmero de construir e assumir uma paternidade responsável.
Este pai não deve fazer projeções de sonhos que não deram certo,
profissões que nunca conseguiu seguir, nem mesmo imbuir em seus filhos
ideais que são seus, pois os filhos deverão ter vida própria, sem o peso de ter
que realizar única e exclusivamente as vontades do pai, é primordial ao pai a
função de incentivar o filho a seguir seu próprio caminho, a escrever sua
própria história, a ter e realizar os próprios sonhos e a seguir a profissão que
almeja.
Como bem apregoa Nelsina Damo Comel:
Paternidade não se identifica no fazer-se algo, como se fosse executar uma receita de sucesso, senão a maneira de como se o faz. Já não se pode aceitar que a paternidade se expresse em condutas introjetadas, em que prevaleça a força física ou apenas se expresse em uma compensação econômica, nem mesmo que uma relação afetiva tranqüila seja rotulada de feminina, ou pior, de efeminada. O verdadeiro sentido da conduta masculina de pai estará numa maneira própria, num jeito de fazer o que se tem de fazer, desde o rigor da justiça, até o mais suave gesto de ternura. Assim, o pai estará sendo pai nas diversas modalidades de conduta, de tal maneira que a
masculinidade vá se expressar no jeito de ser e de fazer as coisas, no jeito de amar e de ver o mundo – a mundivisão masculina.45
Em outras palavras, a Doutora em comento, defende que a
paternidade se constrói com o tempo, de maneira progressiva, necessitando do
exercício do afeto, um pai não nasce pronto, ele precisa adaptar-se com o novo
ser que depende dele, o homem precisa deixar de lado a individualidade para
se doar ao outro.
Deve-se levar em conta o histórico deste novo pai, posto que é mais
fácil lidar com a paternidade aquele que teve ou tem um pai afetuoso presente
em sua vida, tendo um exemplo claro que pode ser seguido, sendo mais difícil
para aquele que fora abandonado quando criança, que não chegou a conhecer
o próprio genitor durante o seu crescimento, esta dificuldade decorre do fato
dele não possuir um exemplo que o sirva de espelho, que o demonstre como
deve agir com o próprio filho.
4.3 O ABANDONO AFETIVO NA ATUALIDADE: CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS
Ao se falar em convivência familiar saudável, é comum relacionar tal
perspectiva ao modelo tradicional de família, ou seja, aquela formada pelo pai,
a mãe e os filhos, tendo como esteio o afeto que por sua vez está interligado á
sensação de conforto emocional, alegria, felicidade, entusiasmo, experiências
agradáveis que devem ser vivenciadas no seio familiar, precipuamente.
O afeto em muitas definições está intimamente relacionado ao amor,
por denotar dedicação, respeito, amizade, solidariedade, carinho, entre outros
sentimentos e atitudes positivas.
Como já fora dito anteriormente, é de suma importância esta
convivência familiar saudável pautada no afeto para a formação e
desenvolvimento saudável do indivíduo, que ao ser criança tem a necessidade
de ter sua estima elevada para tornar-se um adulto capaz e confiante, tendo
em vista que recordará de boa parte do que fora vivenciado, momentos felizes
ou tristes, poderá assim, externar com intensidade sentimentos positivos ou
45 COMEL, Nelsina Elizena Damo. Paternidade Responsável. Ed. 02. Curitiba: Juruá, 2009, p.94.
dependendo das experiências que teve, demonstrará insegurança pautado em
traumas que acarretam em algumas patologias, físicas ou psíquicas.
O direito à vida, à saúde, à dignidade, à educação e ao lazer, se
forem devidamente respeitados e postos em prática na convivência familiar
tornam-se sem sombra de dúvidas, sinônimo de afeto, talvez seja esta a
maneira mais importante de demonstrar dedicação e proteção ao próximo, que
ao sentir-se seguro, terá amor próprio e poderá externar o amor ao próximo.
Esta afetividade é essencial na relação paterno-filial, principalmente
nos dias atuais, onde a delinqüência juvenil é crescente, o pai deve interagir
com seu filho usando de sua autoridade afetuosa, para que o filho sinta-se
seguro ao trocar idéias, ao conversar.
A figura paterna também precisa respeitar a individualidade e o
espaço do filho, precisa ser exemplo para que o filho possa se espelhar deve
estar presente em todos os momentos, e principalmente deve estar pronto para
escutar e responder indagações e saber a hora exata para dizer um não como
resposta, agindo assim, imporá limites para que o filho tenha apoio moral que
será de grande valia na sua interação em sociedade, isto faz parte da
educação. Tal relação deve externar o afeto também por meio da
solidariedade, que significa colaboração, compaixão e fraternidade, de maneira
recíproca.
A visão de família tradicional não corresponde com a
contemporaneidade, tendo em vista o surgimento de outros tipos de família
como a monoparental, a homoafetiva, a pluriparental, entre outras. Os novos
modelos de família podem surgir por exemplo, em decorrência da dissolução
conjugal, onde apenas um dos cônjuges passa a conviver de forma única com
os filhos, ou pode unir-se com outro indivíduo que já possua uma outra família,
ensejando a família pluripatental, todas estas novas formações familiares
passam pela fase da reorganização, que pode afetar o pleno desenvolvimento
dos filhos.
O divórcio pode ser visto como uma das principais causas do
abandono afetivo dos pais para com os filhos, como é sabido, o processo de
dissolução conjugal nem sempre ocorre de maneira amigável, existem
conflitos, uma sucessão de brigas e discussões no âmbito familiar que são
assimiladas pelas crianças e adolescentes causando tensão e principalmente
traumas.
Este tipo de situação ocorre mesmo que não sejam desejáveis pelo
casal que, devem prezar pela proteção e o bem-estar emocional dos filhos,
estes traumas podem surgir. Contudo, em determinados casos, o divórcio é a
melhor solução para que haja um ambiente familiar harmonioso, mesmo assim
as crianças e adolescentes acabam sendo atingidos de alguma maneira, deve-
se analisar cada caso concreto.
Como bem preceitua Adauto de Almeida Tomaszewiski:
O fato de ter pais separados não significa, em princípio, ficar emocionalmente perturbado pelo resto da vida; a separação dos pais, como qualquer outra passagem de vida, gera muitas mudanças, não obrigatoriamente catastróficas e nem sempre acarretando infâncias infelizes e destruídas. Com freqüência, mesmo durante o casamento ou o concubinato, pais têm um relacionamento bastante problemático com os filhos. A maioria dos problemas dos filhos não tem início com a separação, mas é fruto das dificuldades do vínculo pais-filhos, em parte devidas à própria história da pessoa com seus pais e também reflexos da vida conjugal insatisfatória, na medida em que as crianças funcionam como pólo da descarga de frustrações e insatisfações sob a forma de impaciência, irritabilidade, ódio e rejeição. Inegavelmente, separar-se, ao invés de manter uma união destrutiva, ajuda a melhorar a situação de todos, inclusive pela possibilidade de refazer um projeto de viver bem.46
Com o divórcio, um dos genitores, em grande parte o pai, afasta-se
do lar, ocasionando uma deficiência na convivência familiar, para as crianças e
adolescentes ocorre uma mudança de paradigma, uma nova realidade se
apresenta, podendo afetar sobremaneira o seu comportamento e a interação
familiar e social, a rotina é modificada, a percepção de família-modelo é
deturpada.
Em alguns casos de dissolução conjugal, o genitor por mágoa ou
qualquer outro motivo além de se divorciar da mulher, se distancia dos filhos,
seja sonegando o aparato material ou tentando dissuadir os filhos para que
estes se coloquem contra a mãe, sem se dar conta de que tal atitude enseja
em desvios de comportamento que são prejudiciais aos filhos, havendo uma
verdadeira disputa judicial acerca do valor da pensão alimentícia,
regulamentação de visitas, da guarda etc.
46 TOMAZEWISKI, Adauto de Almeida. Separação, Violência e Danos Morais – a tutela da personalidade dos filhos. 1ª Ed. São Paulo: Paulistanajur, 2004. v. 01, p.129.
A figura da alienação parental também pode ser causa de abandono
afetivo, onde a mãe ou o pai buscam denegrir a imagem de um e do outro
mediante os filhos, é mais comum a figura materna usar deste meio prejudicial
na tentativa de destruir a relação paterno-filial afetuosa existente.
O pai afasta-se dos filhos, perde o convívio familiar, acarretando
uma série de conseqüências danosas, as crianças e adolescentes que são
habituados à presença paterna no ambiente familiar passam por uma etapa de
readaptação familiar, mudanças de rotina, o padrão de vida também chega a
ser alterado, o rendimento escolar pode ser afetado, e o afeto do pai que é de
suma importância pode deixar de existir, esta é uma cena corriqueira que
deságua no abandono afetivo.
Ao agirem de maneira egoísta, os pais esquecem que é
extremamente necessário que os filhos cresçam em um meio harmonioso,
tranqüilo e principalmente que inspire confiança para que sintam-se seguros.
Na maior parte dos casos, as crianças e adolescentes sentem-se
angustiados por serem pressionados a escolher em qual lado que deve se
posicionar, contra o pai e a favor da mãe ou vice-versa, cria-se desta forma, um
clima de guerrilha dentro do próprio lar que deveria ser considerado um porto
seguro, uma fortaleza para estes menores que são os vulneráveis da relação,
tudo isto é extremamente prejudicial para seu desenvolvimento psíquico,
afetando sua identidade e personalidade.
Ao sair de casa, é comum ao pai, constituir uma nova família,
evitando contato com os primeiros filhos, por vários motivos, entre eles o de
não desagradar a mais nova família, negligenciando assim, a afetividade
necessária para o filho, consoante acentua Adauto de Almeida Tomaszewiski:
Na lógica da criança, o que predomina é um determinado tipo de generalização que produz medo e insegurança. O mal se intensifica na medida em que os pais, tumultuados com a separação, mostram-se menos disponíveis para os filhos, completamente inacessíveis ou muito pior, relegando-os ao desprezo. Para a criança, é doloroso ver confirmado o temor de ser abandonada. 47
Os pais precisam colocar os filhos em primeiro lugar em suas vidas,
posto que depende deles precipuamente a formação e o desenvolvimento da
47 TOMAZEWISKI, Adauto de Almeida. Separação, Violência e Danos Morais – a tutela da personalidade dos filhos. 1ª Ed. São Paulo: Paulistanajur, 2004. v. 01, p. 131 - 132.
personalidade, e o crescimento saudável que necessita do afeto para que
assim o seja.
O doutrinador Eduardo de Oliveira Leite em seu livro sobre Famílias
Monoparentais, relata que:
Assim como nas uniões parentais comuns um dos genitores não pode cumprir integralmente sua função, nem preencher corretamente seu papel, quando é desprezado ou humilhado pelo outro cônjuge na sua função parental, provocando sérios riscos sobre a criança, que introjetará imagens parentais irreconciliáveis suficientes a lhe gerar impulsos confusos e contraditórios, da mesma forma, a ausência sistemática do pai produzirá os mesmos efeitos sobre a criança que desde tenra idade, não terá condições de se identificar com a imagem paterna e se identificará excessivamente com a mãe. O ideal continua sendo a presença de ambos, pai e mãe, de modo que a divisão das obrigações entre os pais sirva de referência à criança, não como elemento determinador da diferença dos papéis de cada um, mas da complementariedade que se pode estabelecer entre homem e mulher. A identidade do ‘eu’, da pessoa, se desenvolve em cada criança a partir da imagem vivida do corpo, a qual sucede o desenvolvimento da identidade sexual. Para se saber quem se é ou o que se é, é necessário saber, inicialmente, quem se é enquanto homem, ou quem se é enquanto mulher.48
O divórcio serve apenas para por fim a relação marital, mas não a
relação paterno-filial, filhos são laços que se eternizam e cabe aos pais buscar
meios pelos quais os filhos não sejam atingidos pelos conflitos existentes,
garantindo assim, uma situação confortável, sem pressionamentos, tensões,
brigas, enfim, tudo aquilo que possa prejudicar o desenvolvimento destas
crianças e adolescentes que são os vulneráveis desta relação familiar. Com
amor, dedicação, respeito, demonstração de afeto paternal e maternal é
possível superar qualquer crise familiar.
Outra situação que ocasiona o abandono afetivo vem a ser os casos
de existência de filhos havidos fora do casamento, que além de receberem o
afeto merecido, muitas das vezes nem são reconhecidos como filhos. Esta
criança ou adolescente tem sua estima rebaixada em virtude da rejeição, da
falta de proteção e respeito.
Os filhos de “mãe solteira” também são passíveis de sofrer o
abandono afetivo, posto que os genitores olvidam que são os pais destes,
gerando um conflito interno nestas crianças e adolescentes, dificultando,
inclusive, o relacionamento entre mãe e filho que tem a curiosidade natural e a
48 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 94.
necessidade de saber quem é o pai, na ilusão de que este seja o tão sonhado
e desejado pai-modelo.
Existem pais que nem sabem que o são, que não foram avisados da
existência do filho, por motivos diversos, e o filho cresce sem a figura paterna,
desconhece seu paradeiro e não consegue descobrir a identidade do genitor
porque a mãe simplesmente não quis contar ou então o dava como inexistente,
o filho sente-se, portanto, abandonado afetivamente pelo pai, porém nestes
casos não há a intenção de causar o dano porque até então não se tem
conhecimento da existência de um filho. Estas são algumas das causas do
abandono afetivo, que têm conseqüências danosas para os filhos.
Estas atitudes, na maioria dos casos, tomadas por mero espírito
emulativo, de deixar de prover materialmente e de rejeitar e desprezar os filhos
após o divórcio ou voltar às atenções apenas para os filhos havidos na
constância de um novo relacionamento, com o intuito de vingar-se da ex-
mulher, ou negar a paternidade e não reconhecer a existência do filho acarreta
sérios transtornos a personalidade destes, o abandono afetivo pode desaguar
em traumas irreversíveis, podendo ser considerada uma forma de violência.
Em outros casos, o pai é presente, mas não externa o mínimo de
afeto necessário para que a criança ou adolescente sinta-se querida e amada,
sendo assim, a presença física não é suficiente, o que realmente conta é a
qualidade desta presença, a qualidade do relacionamento paterno-filial.
A ausência paterna afetiva acarreta conseqüências drásticas,como
as que foram reveladas na pesquisa realizada pela National Fatherboard
Iniciative, relatada pela Advogada, Pós-graduanda e Voluntária do Instituto
Paternidade Responsável, Elisabeth Hartmann em seu artigo intitulado como A
lei, a paternidade e o amor, explicitando que:
70% dos assassinos cresceram sem pai; 60% dos estupradores da América cresceram sem pai; 70% dos delinqüentes juvenis em instituições de reformas cresceram com um só genitor ou sem família; crianças com ausência do pai têm duas vezes mais possibilidade de repetir o ano escolar; 3 entre 4 suicídios ocorrem onde o pai está ausente; 80% das crianças internadas em um hospital psiquiátrico de Nova Orleans são oriundas de lares sem pai.49
49 HARTMANN, Elisabeth. A lei, a paternidade e o amor. Disponível em <http://www. paternidaderesponsavel.org.br/Artigos/LeiAmorPaternidade.pdf> Acesso em 10 de outubro de 2010.
Crianças rejeitadas, ignoradas, se isolam e tendem a ser
aterrorizadas e passíveis a corromper-se, são casos típicos que surgem por
meio de ações de investigação e negativa de paternidade, crianças que não
recebem o estímulo necessário para o seu pleno desenvolvimento, que são
vítimas de agressões verbais e físicas e em detrimento disto são induzidas ao
uso de drogas em geral, a prática de crimes, a promiscuidade e a prostituição,
são causas e conseqüências que aumentam o índice de delinqüência juvenil.
Consoante explicita Eduardo de Oliveira Leite:
Os estudos de crianças manifestando tendências anti-sociais, através de um comportamento delinqüente, permitiram precisar o papel dos pais na emergência destas perturbações. As análises de Wolf (junto aos delinqüentes, a mãe aparece como mais afetuosa que o pai, assim como a principal protetora) corroboram a tese de Lynn segundo a qual a afeição paterna constituiria o fundamento dos modelos de aprendizagem das competências morais.50
Provavelmente, esta criança ou adolescente que fora privada do
afeto, seja paterno ou familiar em geral, tende a agir da mesma maneira, ela
tem o pai como um espelho, e poderá ser um pai ausente futuramente,
rejeitando, ignorando e violentando seu filho psiquicamente ou fisicamente por
achar que esta é a conduta correta, pois se assim foi criado é assim que
deverá tratar os filhos que por ventura tiver.
Além de ensejar o ingresso na delinqüência juvenil, o abandono
afetivo pode ocasionar danos psíquicos que necessitam de um
acompanhamento terapêutico para amenizá-los, a criança pode se tornar um
adulto extremamente carente, violento, isolado em suma, tornar-se-á frio, sem
conseguir demonstrar qualquer tipo de sentimento.
Resta claro, portanto, a necessidade do afeto nas relações
familiares, precipuamente a necessidade de uma relação paterno-filial pautada
no afeto para que as crianças e adolescentes tornem-se adultos amadurecidos
emocionalmente, sem traumas e ressentimentos, evitando assim, o aumento
do índice de delinqüentes juvenis, sejam estes por meio de drogas, prostituição
e outros crimes.
50 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 94.
5 CONCLUSÕES FINAIS
A família é a base de toda e qualquer sociedade, é a entidade
dotada de afetividade que é responsável por formar e desenvolver a
personalidade de crianças e adolescentes considerados os vulneráveis da
relação familiar.
É precipuamente dever dos pais transmitir o afeto necessário para
tal formação e desenvolvimento, que se traduz em criar, sustentar, educar,
preservar o direito da convivência familiar e comunitária, primando pela
dignidade da pessoa humana, externando carinho, dedicação e proteção para
que estes filhos menores tornem-se adultos cientes de sua importância no
âmbito familiar e na sociedade.
A abordagem do presente trabalho propiciou o estudo do afeto como
direito inerente à dignidade da pessoa humana e às causas e conseqüências
decorrentes da ausência deste sentimento na relação paterno-filial, o afeto
pode ser analisado sob a ótica de Princípio Constitucional embora a palavra
esteja implícita mas ligada intrinsecamente em normas constitucionais, cíveis e
do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Desta forma a responsabilidade de ambos os pais deve ser exercida
pautada nestas normas que pregam a necessidade da convivência familiar na
vida dos filhos, cultivando os laços afetivos que se eternizam ao longo do
tempo, ensejando o amadurecimento seguro e equilibrado dos futuros adultos.
A convivência familiar saudável evita traumas e outros problemas psíquicos, e
principalmente o ingresso de jovens na delinqüência e na prática de crimes.
Na legislação brasileira atualmente, a maneira de punir o pai pelo
abandono do filho é através da perda do poder familiar, porém é claro e
evidente que esta é uma forma de coroar a irresponsabilidade do pai
abandônico, ele estará livre de cumprir qualquer obrigação direcionada ao filho.
Posto isto, resta claro que o pai que abandona seu filho deve ser
punido de fato, ou seja, deve arcar com os prejuízos causados ao filho
abandonado, não havendo outra forma a não ser pela via da responsabilidade
civil por danos morais, onde o filho ingressa com ação de indenização em
desfavor do pai para que este tenha abatimento em sua esfera patrimonial
suficiente para reparar os danos causados a esta criança ou adolescente, e
ainda sirva de desaconselho para a sociedade, ou seja, outros pais que
tomarem conhecimento de tal fato terão cuidado em não abandonar seus filhos,
prezando pelos direitos que são inerentes à toda criança e adolescente.
A jurisprudência é divergente quando se fala em condenar um pai a
pagar indenização por abandonar seu filho sob a égide de que isto acarretaria
uma avalanche de ações semelhantes, assoberbando ainda mais o judiciário e
dando ensejo a chamada “indústria dos danos morais”. Outra crítica que fazem
concerne a monetarização do afeto, ao aferir a indenização pela mensuração
do amor.
Entretanto, a corrente que defende a condenação em danos morais
por abandono afetivo preceitua que para a concessão da indenização é
primordial a análise de cada caso concreto, estudando os danos sofridos pelo
filho abandonado e do quanto estes danos afetaram a formação e o
desenvolvimento de sua personalidade. E ainda, que o pai tem
responsabilidade sobre a vida dos filhos e que não podem simplesmente serem
destituídos do poder familiar como se o filho fosse uma mercadoria que possa
se desfazer quando bem entender.
O pai não pode ser obrigado a amar o filho, mas é obrigado por lei a
prestar toda a assistência necessária de que o filho precisa, entre elas a
convivência familiar saudável para que o afeto seja devidamente demonstrado.
Em suma, a legislação brasileira deve ser respeitada e obedecida,
observando e propiciando os direitos inerentes às crianças e adolescentes para
que tornem-se adultos saudáveis e seguros de si. Cabe ao filho abandonado
provar os danos sofridos em virtude do abandono paterno que tenham afetado
sua personalidade, sua convivência familiar e comunitária, recebendo o amparo
jurídico necessário para que seja reparado, o pai abandônico punido e
consciente do seu dever e servindo de exemplo para que a sociedade não
incorra nos mesmos erros, evitando o surgimento de mais filhos abandonados
afetivamente e o ingresso destes na delinqüência juvenil e conseqüente prática
de crimes de pequenas e grandes proporções.
REFERÊNCIAS
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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003. v.5.
ANEXO
PROJETO DE LEI DO SENADO nº700 de 2007
Modifica a Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 ("Estatuto da
Criança e do Adolescente") para caracterizar o abandono moral como ilícito
civil e penal, e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º O art. 4º da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar
acrescido dos seguintes §§ 2º e 3º, renumerado o atual parágrafo único como §
1º:
"Art. 4º .....................................................................
§ 1º. ..........................................................................
§ 2º. Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o art. 3º desta
Lei, prestar aos filhos assistência moral, seja por convívio, seja por visitação
periódica, que permitam o acompanhamento da formação psicológica, moral e
social da pessoa em desenvolvimento.
§ 3º. Para efeitos desta Lei, compreende-se por assistência moral devida aos
filhos menores de dezoito anos:
I - a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais,
educacionais e culturais;
II - a solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou dificuldade;
III - a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente
e possível de ser atendida.(NR)"
Art. 2º Os arts. 5º, 22, 24, 56, 58, 129 e 130 da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de
1990, passam a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 5º. ....................................................................
Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos,
sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda
direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os
casos de abandono moral. (NR)"
"Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda, convivência,
assistência material e moral e educação dos filhos menores, cabendo-lhes
ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as
determinações judiciais (NR)."
"Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas
judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação
civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e
obrigações a que aludem o art. 22. (NR)"
"Art. 56. ...................................................................
.................................................................................
.IV - negligência, abuso ou abandono na forma prevista nos arts. 4º e 5º desta
Lei. (NR)"
"Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, morais,
éticos, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do
adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes
de cultura. (NR)"
"Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
..................................................................................
Parágrafo único. Na aplicação das medidas previstas nos incisos IX e X deste
artigo, observar-se-á o disposto nos arts. 22, 23 e 24. (NR)"
"Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, negligência, opressão ou abuso
sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá
determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor ou responsável
da moradia comum. (NR)"
Art. 3º A Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida do
seguinte art. 232-A:
"Art. 232-A. Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho
menor de dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º desta Lei,
prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social.
Pena - detenção, de um a seis meses."
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
J U S T I F I C A Ç Ã O
A Lei não tem o poder de alterar a consciência dos pais, mas pode
prevenir e solucionar os casos intoleráveis de negligência para com os filhos.
Eis a finalidade desta proposta, e fundamenta-se na Constituição Federal, que,
no seu art. 227, estabelece, entre os deveres e objetivos do Estado, juntamente
com a sociedade e a família, o de assegurar a crianças e adolescentes - além
do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer - o direito à
dignidade e ao respeito.
Mas como conferir dignidade e respeito às crianças e adolescentes,
se estes não receberem a presença acolhedora dos genitores? Se os pais não
lhes transmitem segurança, senão silêncio e desdém? Podem a indiferença e a
distância suprir as necessidades da pessoa em desenvolvimento? Pode o pai
ausente - ou a mãe omissa - atender aos desejos de proximidade, de
segurança e de agregação familiar reclamados pelos jovens no momento mais
delicado de sua formação? São óbvias as respostas a tais questionamentos.
Ninguém está em condições de duvidar que o abandono moral por
parte dos pais produz sérias e indeléveis conseqüências sobre a formação
psicológica e social dos filhos.
Amor e afeto não se impõem por lei! Nossa iniciativa não tem essa
pretensão. Queremos, tão-somente, esclarecer, de uma vez por todas, que os
pais têm o DEVER de acompanhar a formação dos filhos, orientá-los nos
momentos mais importantes, prestar-lhes solidariedade e apoio nas situações
de sofrimento e, na medida do possível, fazerem-se presentes quando o menor
reclama espontaneamente a sua companhia.
Algumas decisões judiciais começam a perceber que a negligência
ou sumiço dos pais são condutas inaceitáveis à luz do ordenamento jurídico
brasileiro. Por exemplo, o caso julgado pela juíza Simone Ramalho Novaes, da
1ª Vara Cível de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, que
condenou um pai a indenizar seu filho, um adolescente de treze anos, por
abandono afetivo. Nas palavras da ilustre magistrada, "se o pai não tem culpa
por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a
responsabilidade de tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever
de assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não tê-lo educado,
enfim, todos esses direitos impostos pela Lei". E mais: "O poder familiar foi
instituído visando à proteção dos filhos menores, por seus pais, na salvaguarda
de seus direitos e deveres. Sendo assim, chega-se à conclusão de ser
perfeitamente possível a condenação por abandono moral de filho com amparo
em nossa legislação."
Por outro lado, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça não
demonstrou a mesma sensibilidade, como deixa ver a ementa da seguinte
decisão: "Responsabilidade civil. Abandono moral. Reparação. Danos morais.
Impossibilidade. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato
ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código
Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária." (Recurso
Especial nº. 757.411/MG, Relator Ministro Fernando Gonçalves, julgamento em
29/11/2005).
Entretanto, com o devido respeito à cultura jurídica dos eminentes
magistrados que proferiram tal decisão, como conjugá-la com o comando do
predito art. 227 da Constituição?
"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-
los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão."
Ou, ainda, com o que determina o Código Civil: Lei nº. 10.406, de 10
de janeiro de 2002 que Institui o Código Civil
"Art. 1.579. O divórcio não modificará os direitos dos pais em relação aos
filhos.
Parágrafo único. Novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não
poderá importar em restrição aos direitos e deveres previstos neste artigo.
.......................................................................................
Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não
alteram as relações entre pais e filhos senão quando ao direito, que aos
primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.
.......................................................................................
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
.......................................................................................
II - tê-los em sua companhia e guarda;"
Portanto, embora consideremos que a Constituição Federal de 1988,
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil contemplem a
assistência moral, entendemos por bem estabelecer uma regra inequívoca que
caracterize o abandono moral como conduta ilícita passível de reparação civil,
além de repercussão penal.
Fique claro que a pensão alimentícia não esgota os deveres dos
pais em relação a seus filhos. Seria uma leitura muito pobre da Constituição e
do ECA. A relação entre pais e filhos não pode ser reduzida a uma dimensão
monetária, de cifras. Os cuidados devidos às crianças e adolescentes
compreendem atenção, presença e orientação.
É verdade que a lei assegura o poder familiar aos pais que não
tenham condições materiais ideais. Mas a mesma lei não absolve a negligência
e o abandono de menores, pessoas em formação de caráter, desprovidas,
ainda, de completo discernimento e que não podem enfrentar, como adultos, as
dificuldades da vida.
Portanto, aceitam-se as limitações materiais, mas não a omissão na
formação da personalidade. Diante dessas considerações, propusemos
modificações em diversos dispositivos do ECA, no sentido de aperfeiçoá-lo em
suas diretrizes originais. Ao formular o tipo penal do art. 232-A, tivemos a
preocupação de dar contornos objetivos ao problema, exigindo o efetivo
prejuízo de ordem psicológica e social para efeito de consumação.
Lembramos que compromissos firmados por consenso internacional,
e ratificados pelo Brasil, também apontam para a necessidade de
aprimoramento das normas legais assecuratórias dos direitos das nossas
criança e adolescentes, vejamos:
Declaração dos Direitos da Criança Adotada pela Assembléia das
Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil pelo
Decreto nº. 99.710/1990
PRINCÍPIO 2º
A criança gozará proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidade e
facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em
condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este
objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança.
........................................................................................
PRINCÍPIO 6º
Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a
criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos
cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num
ambiente de afeto e de segurança moral e material, salvo circunstâncias
excepcionais, a criança da tenra
idade não será apartada da mãe. (...)
PRINCÍPIO 7º
(...)
Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e
capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas
aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade
moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.
Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis
pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro
lugar, aos pais.
CONVENÇÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA
Adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de
1989 e ratificada pelo Brasil em 1990
........................................................................................
ARTIGO 9
3. Os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja separada de
um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato
direto com ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse maior da
criança.
Assim, crendo que a presente proposição, além de estabelecer uma
regra inequívoca que permita a caracterização do abandono moral como
conduta ilícita, também irá orientar as decisões judiciais sobre o tema,
superando o atual estágio de insegurança jurídica criado por divergências em
várias dessas decisões, é que confiamos em seu acolhimento pelos nobres
Congressistas, de sorte a permitir a sua rápida aprovação.
Sala das Sessões,
Senador MARCELO CRIVELLA