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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ANDRESSA MOREIRA ANTUNES ASSOCIAÇÃO ENTRE AS REPRESENTAÇÕES BASEADAS NOS DEDOS E O DESEMPENHO ARITMÉTICO EM CRIANÇAS BELO HORIZONTE - MG 2016

ASSOCIAÇÃO ENTRE AS REPRESENTAÇÕES BASEADAS NOS …...da Fonação e do Desenvolvimento da Criança e do Adolescente Orientador: Prof. Dr. Vitor Geraldi Haase . i AGRADECIMENTOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

ANDRESSA MOREIRA ANTUNES

ASSOCIAÇÃO ENTRE AS REPRESENTAÇÕES BASEADAS NOS DEDOS E O DESEMPENHO ARITMÉTICO EM

CRIANÇAS

BELO HORIZONTE - MG

2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

ANDRESSA MOREIRA ANTUNES

ASSOCIAÇÃO ENTRE AS REPRESENTAÇÕES BASEADAS NOS DEDOS E O DESEMPENHO ARITMÉTICO EM

CRIANÇAS

BELO HORIZONTE - MG

2016

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre. Linha de pesquisa: Distúrbios Neurológicos, Psicológicos da Fonação e do Desenvolvimento da Criança e do Adolescente Orientador: Prof. Dr. Vitor Geraldi Haase

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i

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior) pela bolsa de estudos durante o mestrado.

Em particular, agradeço:

Ao Prof. Vitor Geraldi Haase pela confiança no meu trabalho e por me ensinar a sempre

desafiar meu conhecimento, aprendendo cada vez mais. O Prof. Vitor é um orientador

excepcional, a sua competência e sabedoria é proporcional à sua generosidade e anseio por

ensinar. Levarei por toda vida seus ensinamentos e sempre me orgulharei de dizer que fui

sua orientanda.

A Profa Helga Krinzinger agradeço a oportunidade e confiança em mim neste projeto

colaborativo entre Alemanha e Brasil. Os ensinamentos metodológicos e o

compartilhamento de conhecimento foram de grande valia.

Aos professores doutores Guilherme Wood, Cláudia Regina Lindgren Alves e Marcela

Mansur por aceitarem fazer parte da banca examinadora e enriquecerem o trabalho.

Aos funcionários do PPG em Saúde da Criança e do Adolescente, especialmente Wilton

Evangelista, que foram sempre solícitos e muito eficientes. Agradeço a todos os professores

do PPG com os quais tive oportunidade de aprender através das aulas.

Aos colegagas do LND, aquele abraço! Com 6 anos de laboratório, posso dizer que o LND é

minha segunda família. Agradeço pelas contribuições teóricas, logísticas e pelas “botocas”

de cada dia. Este grupo procura sempre a excelência no que faz e sou muito privilegiada por

fazer parte disso. Agradeço especialmente à Fernanda Rocha, Pedro Saulo, Myrian Silveira,

Isabelle Oliveira e Tatiana Rosa que neste último ano trabalharam muito para que este

projeto de pesquisa se tornasse realidade. Tudo isso é fruto do trabalho em equipe, equipe

extremamente competente.

Agradeço especialmente à Giulia pela parceria profissional e pessoal durante todos estes

anos. À Barbra e Isabella pela amizade e contribuições pessoais. À Rosane pelo apoio

durante a escrita da dissertação e por todo carinho.

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À Annelise por sempre estar ao meu lado, me estimulando a superar meus limites e ao

mesmo tempo me acalentando nos momentos difíceis. Você sempre via em mim o que eu

não conseguia ver e termino esta etapa, grande parte, por ter você ao meu lado.

À minha mãe por sempre confiar em mim e sempre estar ao meu lado para tudo. À minha

avó Neide e meu avô Tone por também serem meus pais e porto-seguro. Às minhas irmãs,

Eugência, Thaluanna e Izabella, por fazerem parte da minha história. Tudo que faço para

mim, faço também pensando em vocês. Vocês são os amores da minha vida. Às minhas

tias, Ângela e Silvia, e primas, Gabrielle, Michelle, Raphaelle e Jéssica, agradeço o apoio,

presença e carinho.

Aos participantes, escolas e professoras pelo ensinamento e confiança.

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iii

RESUMO

O interesse pelo estudo do impacto do uso dos dedos na aprendizagem aritmética vem

crescendo, entretanto algumas limitações e contradições são observadas na literatura. A

presente dissertação investigou a associação entre as representações baseadas nos dedos

(RBD) e o desempenho aritmético em crianças e seus mecanismos subjacentes.

Primeiramente, uma revisão sistemática buscou investigar a associação entre as RBD e

desempenho aritmético em crianças. Os resultados mostraram que os dedos tem um

importante papel no processo de aprendizagem de procedimentos aritméticos. A frequência

com que os dedos são recrutados segue uma curva quadrática em relação ao nível de

aprendizagem de um procedimento aritmético. Posteriormente, um estudo empírico analisou

a relação das RBD e o desempenho em uma tarefa de adição simples em crianças no início

do primeiro ano. Analisou-se, também, os mecanismos cognitivos subjacentes dessa

relação. Os resultados mostraram que as crianças que ainda não tinham aprendido a adição

tinham um pior desempenho em tarefas relacionadas às RBD. Além disso, tanto as RBD,

quanto a inteligência e memória de trabalho visuoespacial predizem o desempenho

aritmético de forma independente. Por fim, uma complexa relação foi observada entre a

frequência do uso dos dedos e desempenho aritmético. Os grupos de participantes divididos

de acordo com a acurácia e uso dos dedos em uma tarefa de adição tiveram uma taxa

crescente de acurácia entre os grupos, já a frequência do uso dos dedos seguiu uma curva

quadrática. De modo geral, os dados da dissertação corroboram a literatura ao apontar que

os dedos são mais importantes no processo de aprendizagem, por funcionar como um

suporte que alivia a sobrecarga cognitiva. Além disso, pela primeira vez um estudo mostrou

que o impacto das RBD sobre o desempenho aritmético é independente do nível intelectual.

Palavras-chave: representações baseadas nos dedos, cognição corporificada, gnosias

digitais, cognição numérica, inteligência

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iv

ABSTRACT

The interest in studying the impact of fingers' use in arithmetic is growing, However, some

limitations and contradictions are found in literature. This dissertation investigated the

influence of finger-based representations (FBR) on arithmetic performance in children and its

underlying mechanisms. First, a systematic review aimed to investigate the association

between FBR and arithmetic performance in children. Results showed that fingers are most

important for the learning process of arithmetic procedures. The frequency which the fingers

are recruited follows a quadratic curve regarding the learning an arithmetic procedure level.

Subsequently, an empirical study investigated the relationship between FBR and

performance in a simple addition task in children early in the first year. It was also analyzed

the underlying cognitive mechanisms of this relationship. Results showed that deficits in FBR

are observed in children who had not yet learned addition operations. Furthermore, FBR,

intelligence and visuospatial working memory were predictive of arithmetic performance

independently. Finally, it was observed a complex relationship between the frequency of

fingers' use and arithmetic performance. Participants' groups divided according to the

accuracy and use of fingers in an addition task had a growing rate accuracy between the

groups, since the frequency of fingers' use followed a quadratic curve. In general, data from

this dissertation support the literature by pointing that fingers are most important in the

learning process, to work as a support which alleviates the cognitive overhead. Besides, for

the first time it was found that the impact of FBR on the arithmetic performance is

independent of the intellectual level.

Keywords: finger-based representations, embodied cognition, finger gnosia, numerical

cognition, intelligence

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v

LISTA DE FIGURAS

Artigo: Uso dos dedos e aprendizagem da aritmética: revisão sistemática

Figura 1. Esquema ilustrando a frequência do uso dos dedos em relação ao nível de

aprendizagem de um procedimento aritmético ..............................................................18

Artigo: Aprendendo as contas de mais: Das pontas dos dedos à ponta da língua

Figura 1. Esquema das tarefas experimentais. (a)Tarefa de comparação pontos-números;

(b)Tarefa de comparação dedos-números; (c)Tarefa de identificação dos padrões não-

canônicos dos dedos; (d)Tarefa de de identificação dos padrões canônicos dos dedos;

(e)Tarefa de mostrar os dedos ......................................................................................67

Figura 2. Esquema das análises estatisiticas realizadas com as amostras do estudo .........69

Figura 3. Média da acurácia e frequência do uso dos dedos na Tarefa de Adição Simples em

função dos grupos formados a partir da análise de Cluster ...........................................75

Figura 4. Média (a) dos escores no Cubos de Corsi e Alcance de Matrizes e (b) tempo de

resposta na tarefa de comparação pontos-números e identificação dos padrões

canônicos em função dos grupos formados a partir da análise de Cluster. ...................77

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LISTA DE TABELAS

Artigo: Uso dos dedos e aprendizagem da aritmética: revisão sistemática

Tabela 1. Síntese dos dados extraídos dos estudos selecionados para a revisão ................20

Artigo: Aprendendo as contas de mais: Das pontas dos dedos à ponta da língua

Tabela 1. Síntese dos resultados nos testes para cada grupo e resultados dos modelos

lineares generalizados...................................................................................................70

Tabela 2. Matrizes de correlação entre todas as variáveis somente do grupo CA ................72

Tabela 3. Análise de regressão linear múltipla para tarefa de adição simples ......................73

Tabela 4. Síntese dos resultados em todos os testes para cada subgrupo formado a partir da

análise de Cluster ..........................................................................................................74

Tabela 5. Resultados da comparação dos subgrupos de acordo com a análise de Cluster ..76

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS RBD Representação Baseada nos Dedos

TAS Tarefa de Adição Simples

MPCR Matrizes Progressivas Coloridas de Raven

w Fração de Weber

NCA Não-Conhecedores da Adição

CA Conhecedores da Adição

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SUMÁRIO 1. Apresentação da disseritação ............................................................................................................................. 1

1.1. Introdução .................................................................................................................................................... 1

1.2. Estrutura da dissertação .............................................................................................................................. 2

1.3. Objetivos ...................................................................................................................................................... 3

1.3.1. Objetivo Geral ....................................................................................................................................... 3

1.3.2. Objetivos Específicos ............................................................................................................................ 3

1.4. Referências .................................................................................................................................................. 3

2. O papel das representações baseadas nos dedos no desenvolvimento das habilidas numéricas: uma revisão sistemática ............................................................................................................................................................... 5

2.1. Introdução .................................................................................................................................................... 6

2.2. Métodos ..................................................................................................................................................... 10

2.2.1. Pesquisa bibliográfica ......................................................................................................................... 10

2.2.2. Critérios de inclusão e exclusão ......................................................................................................... 10

2.2.3. Seleção dos estudos ........................................................................................................................... 11

2.3. Resultados e discussão ............................................................................................................................. 11

2.3.1.Métodos empregados nos estudos ...................................................................................................... 11

2.3.2. RBD e gnosias digitais ........................................................................................................................ 13

2.3.2. RBD e habilidades aritméticas ............................................................................................................ 15

2.3.3. RBD e memória de trabalho................................................................................................................ 18

2.4. Conclusão .................................................................................................................................................. 18

2.5. Referências Bibliográficas .......................................................................................................................... 23

3. Aprendendo as contas de mais: Das pontas dos dedos à ponta da língua ....................................................... 27

3.1. Introdução .................................................................................................................................................. 28

3.2. Métodos ..................................................................................................................................................... 33

3.2.1. Participantes ....................................................................................................................................... 33

3.2.2. Materiais e procedimentos .................................................................................................................. 33

3.2.3. Análises .............................................................................................................................................. 38

3.3. Resultados ................................................................................................................................................. 39

3.3.1. Representação numérica baseada nos dedos .................................................................................... 40

3.3.2. Mecanismos subjacentes ao desempenho aritmético ......................................................................... 41

3.3.3. Desempenho aritmético e uso dos dedos ........................................................................................... 44

3.4. Discussão ................................................................................................................................................... 47

3.4.1. Representação numérica baseada nos dedos .................................................................................... 48

3.4.2. Mecanismos cognitivos subjacentes ao desempenho aritmético ........................................................ 49

3.3.3. Desempenho aritmético e uso dos dedos ........................................................................................... 51

3.4. Conclusão .................................................................................................................................................. 52

3.5. Referências ................................................................................................................................................ 53

4.Considerações Finais ......................................................................................................................................... 57

4.1. Referências ................................................................................................................................................ 58

ANEXO I – Parecer do Comitê de Ética ................................................................................................................ 59

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1. Apresentação da disseritação

1.1. Introdução

O papel da contagem nos dedos sobre o desenvolvimento das habilidades numéricas tem

sido muito discutido. Historicamente, usar os dedos para contar era proibido nas escolas,

principalmente pelos professores considerarem que esta estratégia prejudicava a abstração

do conhecimento aritmético. Todavia, este cenário mudou e, na atualidade, cada vez mais o

uso desta estratégia é estimulado na aprendizagem aritmética (Moeller, Martignon,

Wessolowski, Engel & Nuerk, 2011).

Estudos da área da psicologia do desenvolvimento mostram que os dedos funcionam como

um suporte para as crianças implementarem o sistema numérico simbólico (Fayol & Seron,

2005; Gunderson, Spaepen, Gibson, Goldin-Meadow & Levine, 2015). Em outras palavras,

os dedos funcionam como uma representação intermediária que facilita o mapeamento das

quantidades numéricas (ex. ***) com os símbolos arábicos (ex. 3) ou verbais (ex. “três”).

Além disso, os dedos auxiliam na compreensão do sistema de base 10 e princípios da

contagem (Andres, Di Luca & Pesenti, 2008). Na resolução dos cálculos aritméticos, os

dedos funcionam como um suporte para aliviar a memória de trabalho que fica

sobrecarregada no processo de aprendizagem (Alibali & Dirusso, 1999; Costa et al., 2011;

Crollen & Noël, 2015).

Evidências experimentais apontam para a existência de representações numéricas

baseadas nos dedos. Estas representações acessam semanticamente o sistema simbólico,

mostrando uma forte ligação entre os dedos e os números (DiLuca & Pesenti, 2008).

Interessante notar que esta ligação é observada tanto em crianças quanto em adultos e

mostram que tal associação é persistente ao longo do desenvolvimento. Em concordância

com isso, Sato, Cattaneo, Rizzolatti e Gallese (2007) mostraram em adultos letrados um

aumento na excitabilidade corticoespinhal dos músculos da mão durante uma tarefa

numérica na qual não era exigido o uso dos dedos. Esta forte e duradoura ligação entre os

dedos e números pode ser compreendida pela hipótese da aprendizagem associativa.

Segundo esta hipótese a estimulação persistente e repetida de funções motoras das mãos

na realização de procedimentos numéricos durante a aprendizagem aritmética leva a uma

forte conexão entre as representações digitais e numéricas.

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Os achados científicos sugerem que os dedos passam a ser recrutados nos procedimentos

aritméticos por eles serem computacionalmente adequados para implementar as

representações numéricas (Penner-Wilger & Anderson, 2008). Desta forma, pode-se dizer

que, a partir da evolução cultural, parte das funções motoras das mãos foram recicladas

para o processamento numérico. Essa ideia é sustentada pela teoria da cognição

corporificada qual pressupõe que o conhecimento abstrato, como a matemática, é

profundamente enraizado nos processos sensório-motores (Wilson, 2002).

Apesar do grande arcaboço teórico sobre o papel do uso dos dedos no desempenho

aritmético, algumas perguntas ainda ficam em aberto como: quais são os mecanismos

cognitivos subjacentes ao uso dos dedos em tarefas aritméticas? Nenhum estudo investigou

o papel da inteligência nessa associação e os dados sobre a memória de trabalho são

contraditórios. Além disso, grande parte dos estudos mostrou a relação da contagem nos

dedos com apenas uma função cognitiva, nenhum estudo comtemplou uma gama maior de

habilidades.

Dessa forma, a partir da identificação desta lacuna na literatura, foi realizada uma pesquisa

capaz de investigar a influência das representações numéricas baseadas nos dedos sobre o

desempenho aritmético em crianças, elucidando também os seus mecanismos cognitivos

subjacentes. Acreditamos que os dados levantados possam contribuir para o entendimento

dos fatores que influenciam o início da aprendizagem aritmética formal.

1.2. Estrutura da dissertação

Seguindo as recomendações do Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do

Adolescente da Universidade Federal de Minas Gerais, esta dissertação será apresentada

em formato de artigos científicos:

- O primeiro artigo, “O papel das representações baseadas nos dedos no desenvolvimento

das habilidas numéricas: uma revisão sistemática”, consiste em uma revisão sistemática da

literatura que teve por objetivo investigar a associação entre as Representações Baseadas

nos Dedos e o desempenho aritmético em crianças.

- O segundo artigo é um estudo empírico intitulado: “Aprendendo as contas de mais: Das

pontas dos dedos à ponta da língua”. Neste estudo foi averiguada a associação entre

habilidades cognitivas gerais, como inteligência e memória de trabalho, representações de

magnitudes não-simbólicas, gnosias digitas e Representações Baseadas nos Dedos; ao

desempenho de crianças no início do primeiro ano em uma tarefa de adição simples.

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1.3. Objetivos

1.3.1. Objetivo Geral

O objetivo da presente dissertação foi investigar a associação entre as Representações

Baseadas nos Dedos e o desempenho aritmético de crianças.

1.3.2. Objetivos Específicos

(a) averiguar, por meio de uma revisão sistemática, se existem evidências para uma

associação entre o uso dos dedos por crianças nas fases iniciais da aprendizagem escolar e

o desempenho em aritmética;

(b) averiguar qualidade metodológica das evidências disponíveis e identificar lacunas de

conhecimento que orientem pesquisas posteriores;

(c) investigar a associação do uso dos dedos com o desempenho aritmético em um estudo

transversal com crianças no início do primeiro ano;

(d) avaliar a associação entre inteligência, memória de trabalho, gnosias digitais,

representação de magnitude não-simbólica e representações baseadas nos dedos.

1.4. Referências

Alibali, M. W., & DiRusso, A. A. (1999). The function of gesture in learning to count: More than keeping track. Cognitive development, 14(1), 37-56.

Andres, M., Di Luca, S., & Pesenti, M. (2008). Finger counting: The missing tool?. Behavioral and Brain Sciences, 31(06), 642-643.

Costa, A. J., Silva, J. B. L., Chagas, P. P., Krinzinger, H., Lonneman, J., Willmes, K., ... & Haase, V. G. (2011). A hand full of numbers: a role for offloading in arithmetics learning?. Frontiers in psychology, 2.

Crollen, V., & Noël, M. P. (2015). The role of fingers in the development of counting and arithmetic skills. Acta psychologica, 156, 37-44.

Di Luca, S., & Pesenti, M. (2008). Masked priming effect with canonical finger numeral configurations.Experimental Brain Research, 185(1), 27-39.

Fayol, M., & Seron, X. (2005). About numerical representations: Insights from neuropsychological, experimental, and developmental studies.

Gunderson, E. A., Spaepen, E., Gibson, D., Goldin-Meadow, S., & Levine, S. C. (2015). Gesture as a window onto children’s number knowledge.Cognition, 144, 14-28.

Moeller, K., Martignon, L., Wessolowski, S., Engel, J., & Nuerk, H. C. (2011). Effects of finger counting on numerical development–the opposing views of neurocognition and mathematics education. Frontiers in psychology, 2

Penner-Wilger, M., & Anderson, M. L. (2008, July). An alternative view of the relation between finger gnosis and math ability: Redeployment of finger representations for the representation of number. In Proceedings of the 30th annual meeting of the Cognitive Science Society, Austin, TX (pp. 1647-52).

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Sato, M., Cattaneo, L., Rizzolatti, G., & Gallese, V. (2007). Numbers within our hands: modulation of corticospinal excitability of hand muscles during numerical judgment. Journal of Cognitive Neuroscience, 19(4), 684-693.

Wilson, M. (2002). Six views of embodied cognition. Psychonomic bulletin & review, 9(4), 625-636.

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2. O papel das representações baseadas nos dedos no desenvolvimento das habilidas

numéricas: uma revisão sistemática

Andressa M. Antunes1, 3, Annelise Júlio-Costa2, 3, Vitor G. Haase 1, 2, 3

1 - Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, Faculdade de Medicina, Universidade

Federal de Minas Gerais, Brasil

2 - Programa de Pós-Graduação em Neurociências, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de

Minas Gerais, Brasil

3 - Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento, Departamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia e

Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

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2.1. Introdução

O uso dos dedos como suporte nos cálculos aritméticos por crianças em séries escolares

iniciais, tem gerado tanta pesquisa e discussão nos últimos tempos, que a revista Frontiers

in Psychology (Fischer, Kaufmann & Domahs, 2012) dedicou um número especialao

assunto. Historicamente, correntes de pensamento da pedagogia propunham que as

crianças não deveríam usar os dedos para contar, uma vez que este procedimento

prejudicaria o desenvolvimento das habilidades numéricas (Moeller, Martignon,

Wessolowski, Engel & Nuerk, 2011). No entanto, esse quadro tem mudado ao longo dos

anos e cada vez mais a comunidade pedagógica estimula o uso dos dedos para

aprendizagem da matemática. Além disso, é crescente o número de estudos das áreas da

neurociência, psicologia cognitiva e do desenvolvimento que procuram investigar a

associação da contagem nos dedos com o desempenho aritmético, e como essa habilidade

interage com outras habilidades cognitivas, tais como memória de trabalho (Crollen & Noël,

2015) e habilidades motoras (Asakawa & Sugimura, 2014).

Tais achados científicos têm sugerido a existência de representações baseadas nos dedos

(RBD) como uma forma de cognição corporificada (embodied cognition; Wilson, 2002;

Fischer & Brugger, 2011). Segundo a teoria da cognição corporificada, a cognição humana

emerge dos processos sensório-motores, uma vez que os recursos de atividade neural são

inicialmente dedicados a esses processos (Varela, Rosch & Thompson, 1992). No caso da

cognição numérica, há a hipótese de que os dedos foram recrutados ou exaptados

(adaptação biológica de características pré-existentes que não são resultantes da seleção

natural - Gould & Vrba, 1982) para o processamento aritmético por serem

computacionalmente adequados para implementar as representações numéricas simbólicas

(Penner-Wilger & Anderson, 2008).

A capacidade de representar simbólicamente os números é desenvolvida ao longo dos

primeiros anos escolares, sendo fundamentada nas representações de magnitudes não-

simbólicas (Lecointre, Lépine & Camos, 2005). Essas últimas correspondem a uma

representação inata, analógica e aproximada da cardinalidade dos conjuntos, ou

numerosidade (Dehaene, 1992). O mapeamento entre os dois tipos de representação

acontece pela aprendizagem da contagem numérica e os dedos parecem desempenhar um

importante papel nesse processo, como um “missing link” (Fayol & Seron, 2005). As RBD

seriam uma espécie de representação intermediária entre as representações não-simbólicas

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e simbólicas que facilitariam o mapeamento entre as duas representações (Gunderson,

Spaepen, Gibson, Goldin-Meadow & Levine, 2015).

A características intermediárias das RBD indicam que este tipo de representação possui

atributos tanto não simbólicos quanto simbólicos. Em outras palavras, pode-se dizer que os

dedos são um tipo de representação icônica de numerosidade, pois mantém uma relação de

semelhança física com as quantidades numéricas (Nieder, 2009). Desta forma, proporciona

um significato concreto para os símbolos numéricos. As RBD podem ser divididas em três

subtipos distintos de representações, conforme Wasner, Moeller, Fischer e Nuerk (2015):

ordinais, cardinais e correspondência um-para-um. As representações ordinais se referem à

sequência ou ordem com que os dedos são usados para contar, ou seja, os hábitos de

contagem (ex. a contagem pode iniciar na mão direita a partir do dedo indicador). Já as

representações cardinais refletem o padrão dos dedos associado à um número específico

(ex. o número um pode ser representado pelo dedo indicador ou polegar). Considera-se

como padrão canônico dos dedos a forma mais frequente das representações ordinais ou

cardinais dos dedos em uma determinada cultura, enquanto que os padrões não-canônicos

correspondem a um conjunto aleatório de dedos (DiLuca & Pesenti, 2008; Di Luca, Lefevre

& Pesenti, 2010).

Tanto crianças (Noël, 2005) quanto adultos (DiLuca & Pesenti, 2008) conseguem nomear

mais facilmente as configurações canônicas dos dedos do que as não-canôncias. Essa

facilitação não acontece por mera familiaridade, mas sim através de um acesso semântico

às representações numéricas. Assim, em tarefas de priming nas quais as configurações

canôncias dos dedos são apresentadas subliminarmente como pistas, e os estímulos

númericos simbólicos aparecem posteriormente, é observada uma modulação do

desempenho dos participantes. As respostas são mais rapidamente emitidas e menos erros

são cometidos quando o priming corresponde às configurações canônicas em comparação

as não-canônicas (DiLuca & Pesenti, 2008).

Por fim, o terceiro subtipo de RBD, a correspondência um-para-um, refere-se à associação

fixa de um número com um dedo específico. Di Luca, Granà, Semenza, Seron e Pesenti

(2006) mostraram, pela primeira vez, que as RBD interagem ativamente com o

processamento de números arábicos. Foi solicitado que participantes do estudo

identificassem números arábicos pressionando teclas com um de seus dedos. Respostas

mais rápidas foram produzidas quando o mapeamento entre número e dedos correspondia

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aos seus hábitos de contagem. Este estudo foi realizado em adultos, desta forma sabe-se

que a ligação entre dedo e número é persistente ao longo da vida. Todavia, durante o

desenvolvimento, a criança estabelece essa conexão, provavelmente, quando ela passa a

usar os dedos de forma sistemática para contar (Wasner et al., 2015). Uma das habilidades

que apoiam tal desenvolvimento é a habilidade sensorial de discriminar os dedos (gnosias

digitais). Interessante notar que esta habilidade correlaciona com o desempenho aritmético,

sendo até mesmo preditora desta habilidade (Noël, 2005; Costa et al., 2011; Reeve &

Humberstone, 2011).

Os estudos de fMRI também mostram o papel das RBD no processamento numérico.

Kaufmann e colaboradores (2008) compararam o desempenho de crianças e adultos em

uma tarefa de comparação de magnitudes não-simbólicas, em que as numerosidades eram

representadas pelos dedos. Em comparação com os adultos, que mostraram ativação nas

áreas intraparietais classicamente relacionadas ao processamento de magnitude não-

simbólica, as crianças ativaram regiões mais anteriores do sulco intraparietal e sulcos pós e

pré centrais do hemisfério direito, que são relacionadas às representações das mãos. Além

do processamento de magnitude não-simbólica, os cálculos aritméticos também ativaram

áreas motoras em crianças (Berteletti & Booth, 2015). Por fim, áreas em comum para o

processamento aritmético e representação dos dedos na parte horizontal do sulco

intraparietal e parte posterior do lobo parietal superior foram observadas em adultos

(Andres, Michaux & Pesenti, 2012).

A prática do uso dos dedos para contar ou representar quantidades é um comportamento

universal, sendo observado em todas as culturas investigadas (Bender & Beller, 2012;

Domahs, Moeller, Huber, Willmes & Nuerk, 2010). Os dedos são ferramentas naturais e

fornecem um input multissensorial que transmite concretamente informações dos aspectos

cardinais e ordinais dos números, além de auxiliar na compreensão dos princípios da

contagem e do sistema de base 10 (Beller & Bender, 2011; Moeller et al., 2011). Domahs,

Krinzinger e Willmes (2008) descobriram que crianças nos primeiros anos escolares,

frequentemente, cometem erros múltiplos de cinco (efeito do split-five) ao realizar operações

de adição, sugerindo que a sub-base cinco, provavelmente relacionada a estrutura da mão,

desempenha um papel importante na realização dos cálculos. Além disso, a estimulação de

habilidades básicas, como as gnosias digitais, ou o uso de métodos pedagógicos, como o

Chisanbop, uma técnica coreana que utiliza os dedos como uma espécie de ábaco, podem

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aperfeiçoar as habilidades numéricas (Gracia-Bafalluy & Noël, 2008; Stegemann & Grünke,

2014).

Por outro lado, a dificuldade de aprendizagem da matemática também está associada a

deficits básicos das RBD. Um estudo realizado por nosso grupo de pesquisa mostrou que

crianças com dificuldades de aprendizagem da matemática apresentaram um pior

desempenho na tarefa de gnosias digitais, sendo que essa habilidade foi relacionada com

tarefas aritméticas com maior demanda de memória de trabalho (Costa et al., 2011). Estes

resultados corroboram a hipótese de Alibali e Dirusso (1999), a qual propõe que o uso dos

dedos funciona como mecanismo para descarregar a sobrecarga cognitiva de tarefas

aritméticas com altas demandas de memória de trabalho. Esta hipótese também foi

corroborada pelos achados de Crolen e Noël (2015).

Os dedos além de serem considerados um suporte físico que alivia a memória de trabalho,

também são considerados um “missing tool” para aprendizagem numérica. O uso

consistente das estratégias de contagem nos dedos auxilia na compreensão do princípio da

ordem estável. Além disso, esse suporte preserva a cardinalidade e mantém a

correspondência um-para-um entre o mundo físico e o sistema simbólico (Andres, Di Luca &

Pesenti, 2008).

Existem fortes evidências que apoiam a ligação entre as RBD e o desempenho aritmético

tanto em crianças quanto em adultos. Entretanto, algumas limitações e contradições são

observadas quanto a isso. Primeiramente, a respeito dos tipos de medidas das RBD: muitos

estudos investigaram o uso das estratégias de contagem nos dedos durante a resolução de

cálculos, mas pouco foi explorado quanto aos outros tipos de RBD, existindo apenas

descrições do desempenho na identificação dos padrões canônicos dos dedos.

Adicionalmente, apesar das gnosias serem associadas ao desempenho aritmético, o estudo

de Crollen e Noel (2015) não encontrou tal associação. Além disso, pouco se sabe sobre a

ligação entre gnosias digitais e RBD.

As RBD funcionam como um mecanismo para descarregar a sobrecarga cognitiva em

tarefas aritméticas (Costa et al., 2011; Crollen & Noël, 2015), mas poucos estudos

investigaram a relação da memória de trabalho com as RBD, sendo encontrado resultados

contraditórios (Reeve & Humberstone, 2011; Newman & Soylu, 2014). Por fim, existem

dados tanto a favor (Gunderson et al., 2015) como contra (Nicoladis, Pika & Marentette,

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2010) à hipótese de que os dedos funcionem como um facilitador do mapeamento entre as

representações não-simbólicas e simbólicas.

Tendo isso em vista, o objetivo deste estudo foi conduzir uma revisão sistemática da

literatura sobre a associação entre as RBD e desempenho aritmético em crinaças.

Procurou-se aprofundar e analisar criticamente 1) a qualidade metodológica dos estudos,

além de sintetizar os métodos utilizados em todos os artigos. Além disso, 2) investigar se as

Gnosias digitais apresentam uma associação direta com as RBD. Foram explorados,

também, 3) quais são os efeitos específicos das RBD cardinais e ordinais sobre o

desempenho aritmético. Por fim, 4) procurou-se determinar a relação das RBD e memória

de trabalho.

A principal hipótese investigada diz respeito a associação não linear entre o recrutamento do

uso dos dedos e o desenvolvimento das habilidades aritméticas. Os dedos são utilizados

com maior frequência somente durante o processo de aprendizagem. Assim, a associação

entre os dedos e o desempenho aritmético é fraca quando as crianças ainda apresentam um

baixo nível de conhecimento aritmético ou quando este conhecimento já foi automatizado. A

importância das RBD durante a aprendizagem é compatível com a hipótese do mecanismo

de alívio da sobrecarga cognitiva, pois o período de aprendizagem é o momento em que se

tem maior sobrecarga da memória de trabalho, por se tratar de um comportamento

controlado.

2.2. Métodos

2.2.1. Pesquisa bibliográfica

Foi conduzida uma pesquisa eletrônica nos bancos de dados PubMed e Eric usando as

seguintes combinações de palavras-chave: (1) "mathematics" AND "fingers", (2)

"numerosity" AND "fingers", (3) "finger gnosia" e (4) "number gestures". Foram analisados

apenas os artigos escritos em inglês e publicados entre 1996 e dezembro de 2015.

2.2.2. Critérios de inclusão e exclusão

Com base no objetivo do presente estudo foram estabelecidos os seguintes critérios de

inclusão: (1) estudo empírico; (2) idade amostral entre 2 e 12 anos; (3) objetivava avaliar a

relação do desempenho matemático e RBD; (3) incluía pelo menos uma medida de

desempenho matemático ou cognição numérica, além de pelo menos (4) uma medida, direta

ou indireta, das RBD. Não foram incluídos artigos que possuíam apenas análises

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qualitativas e amostras constituídas de sujeitos com transtornos sensório-motores ou

deficiência intelectual.

2.2.3. Seleção dos estudos

Inicialmente foram encontrados 152 artigos. Após a leitura dos resumos foram excluídos: 3

artigos que tinham participantes com hemiplegia congênita ou cegueira e 133 que não

cumpriram os critérios de inclusão. Foram selecionados 16 artigos. Posteriormente, dois

artigos foram excluídos: um artigo não apresentava uma medida direta de aritmética

(Kaufmann et al., 2008) e o outro não possui uma medida de uso dos dedos (Berteletti &

Booth, 2015). Ambos artigos possuíam métodos de neuroimagem funcional. Dessa forma,

14 estudos compuseram esta revisão.

2.3. Resultados e discussão

A síntese dos resultados levantados pela revisão sistemática encontra-se descrita na tabela

1. Ainda que a busca tenha sido feita sobre os últimos 20 anos, apenas os estudos

publicados a partir de 2005 cumpriram os critérios de inclusão. Dentre os estudos

selecionados cinco foram realizados na América do Norte (35%), um na América do Sul

(7%), um na Oceania (7%), um na Eurásia (7%) e seis na Europa (43%). A qualidade dos

trabalhos foi analisada qualitativamente a partir da leitura do artigo.

2.3.1.Métodos empregados nos estudos

Para melhor compreender os resultados encontrados, primeiramente serão analisados os

métodos dos estudos. Com relação ao delineamento de pesquisa, o mais frequente foi

transversal, que foi utilizado em sete estudos (Crollen & Noël, 2015; Gunderson et al., 2015;

Lafay, Thevenot, Castel & Fayol, 2013; Newman & Soylu, 2014; Nicoladis et al., 2010;

Reeve & Humberstone, 2011). Dentre esses, cinco tinham amostra de indivíduos em idade

pré-escolar (Crollen & Noël, 2015; Gunderson et al., 2015; Lafay et al., 2013; Reeve &

Humberstone, 2011; Nicoladis et al., 2010). O segundo tipo de delineamento mais

observado foi o longitudinal com 5 estudos (Crollen & Noël, 2015; Domahs et al, 2008;

Jordan, Kaplan, Ramineni & Locuniak, 2008; Noël, 2005; Wylie, Jordan & Mulhern, 2012),

sendo que todos realizaram a primeira coleta de dados no 1º ano escolar, menos o estudo

de Jordan e colaboradores (2008) que iniciou a coleta na pré-escola. Dois estudos quase-

experimentais foram realizados com crianças do 1º ano escolar (Albayrak, 2010; Gracia-

Bafalluy & Noël, 2008) e apenas um trabalho foi feito com crianças do 2º ano e 5º ano

(Stegemann & Grünke, 2014). Por fim, dois artigos foram classificados como caso-controle:

Wylie et al. (2012) investigaram a frequência da estratégia de uso dos dedos ao longo do 1º

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e 2º ano em crianças com desenvolvimento típico e dificuldade de aprendizagem na

matemática e\ou leitura. Já Costa e colaboradores (2011) observaram o desempenho de

crianças com desenvolvimento típico e dificuldade de aprendizagem na matemática em

tarefas aritméticas e de gnosias digitais.

A maioria dos estudos possuía um tamanho amostral inferior a 100 sujeitos. Apenas os

estudos de Domahs et al.(2008) e Gunderson et al. (2015) tinham uma amostra com mais

indivíduos. A idade amostral variou de 2 a 12 anos, entretanto a maioria dos estudos (dez)

foi realizada em crianças do 1º ano escolar. Ademais, cinco estudos utilizaram indivíduos em

idade pré-escolar (Crollen & Noël, 2015; Gunderson et al., 2015; Lafay et al., 2013; Nicoladis

et al., 2010; Jordan et al., 2008; Reeve & Humberstone, 2011). Costa et al. (2011) e

Stegemann e Grünke (2014) foram os únicos que apresentaram uma amostra constituída

apenas de crianças mais velhas que as do 1º ano.

Em relação a forma de mensuração das RBD, o método mais frequente foi a quantificação

da frequência do uso dos dedos durante a execução de uma determinada tarefa numérica,

sendo esta medida observada em seis estudos (Albayrak, 2010; Crollen & Noël, 2015;

Jordan et al., 2008; Lafay et al., 2013; Reeve & Humberstone, 2011; Wylie et al., 2012).

Cabe ressaltar que em metade desses trabalhos esta foi a única medida das RBD (Albayrak,

2010; Jordan et al., 2008; Wylie, Jordan e Mulhern, 2012). Os aspectos cardinais das RBD

foram avaliados de duas formas: através de instruções ou respostas gestuais e execução de

tarefas envolvendo padrões canônicos e não canônicos dos dedos (Gracia-Bafalluy & Noël,

2008; Gunderson et al., 2015; Lafay et al., 2013; Nicoladis et al., 2010; Noël, 2005). Apenas

um estudo investigou a relação dos hábitos de contagem dos dedos e desempenho

aritmético (Newman & Soylu, 2014).

Já as gnosias digitais foram avaliadas em cinco estudos (Costa et al., 2011; Crollen & Noël,

2015; Gracia-Bafalluy & Noël, 2008; Noël, 2005; Reeve & Humberstone, 2011). Paradigmas

experimentais foram propostos por Domahs et al. (2008) ao investigar o impacto do uso dos

dedos através da análise dos erros split-five e por Crollen e Noël (2015) que utilizaram um

paradigma de interferência. Somente dois estudos realizaram um treinamento das RBD,

sendo que ambos estudos tinham como objetivo observar o impacto da intervenção no

desempenho matemático. Gracia-Bafalluy e Noël (2008) estimularam as habilidades de

gnosias digitais e Stegemann e Grünke (2014) usaram um treinamento do método

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Chisanbop, que utiliza os dedos como um tipo de ábaco. O estudo de Albayrak (2010) foi o

único que investigou os efeitos de um treinamento para inibir o uso dos dedos.

As principais medidas de desempenho matemático utilizadas foram: cálculos aritméticos,

utilizadas em 9 estudos (Costa et al., 2011; Crollen & Noël, 2015; Gracia-Bafalluy & Noël,

2008; Jordan et al., 2008; Newman e Soylu, 2014; Noël, 2005; Reeve & Humberstone, 2011;

Wylie et al., 2012); e tarefas de contagem de estímulos visuais ou sonoros, estas foram

usadas em 6 estudos (Albayrak, 2010; Crollen & Noël, 2015; Gracia-Bafalluy & Noël, 2008;

Gunderson et al., 2015; Lafay et al., 2013; Nicoladis et al., 2010). Além disso, tarefas de

comparação de dígitos e tarefas não-simbólicas de subitizing (capacidade de identificar

rapidamente um pequeno conjunto de itens (entre 1 e 4 itens) sem contar - Mandler &

Shebo, 1982) foram observadas em dois estudos (Gracia-Bafalluy & Noël, 2008; Noël,

2005). Outros instrumentos foram utilizados de forma isolada, não sendo observandos em

mais de um artigo, tais como subtestes de aritmética do Woodcock-Johnson (Stegemann &

Grünke, 2014), Test of Early Mathematics Ability (TEMA - Wylie et al., 2012), tarefa de

problemas aritméticos verbalmente formulados (Costa, et al., 2011), tarefa de recitação de

números e julgamento de ordinalidade (Gracia-Bafalluy & Noël, 2008), além de tarefas de

comparação de pontos e transcodificação numérica (Noël, 2005).

Em relação ao método estatístico, a maioria dos trabalhos (dez) fez uso da análise de

variância (Costa et al., 2011; Crollen & Noël, 2015; Gracia-Bafalluy & Noël, 2008; Gunderson

et al., 2015; Lafay et al., 2013; Nicoladis et al., 2010; Noël, 2005; Reeve & Humberstone,

2011; Wylie et al., 2012). Reeve e Humberstone (2011) executaram também análises de

cluster baseadas na teoria bayesiana e modelos de regressão logística multinomial. Modelos

de equação estrutural para verificação de curvas do crescimento foram feitos somente em

um estudo (Jordan et al., 2008). Finalmente, três estudos usaram apenas análises

estatísticas não-paramétricas (Albayrak, 2010; Domahs et al., 2008; Stegemann & Grünke,

2014).

2.3.2. RBD e gnosias digitais

Primeiramente, procurou-se investigar se existe uma associação direta entre as Gnosias

digitais e RBD. Além disso, tendo em vista os diferentes tipos de RBD, foi analisado se as

Gnosias digitais se relacionam com todos eles.

As representações cardinais e ordinais dos dedos foram avaliadas em diferentes estudos,

sendo a primeira a mais frequente. Nenhum trabalho investigou as representações de

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correspondência-um-para-um em crianças. Além disso, observou-se a utilização de tarefas

de gnosias digitais como uma medida de componentes perceptuais das RBD. No entanto,

essa ligação entre gnosias digitais e RBD, na maioria dos estudos, foi feita de forma

inferencial, como um silogismo. Visto que as gnosias digitais e RBD se relacionam com

desempenho aritmético, infere-se que gnosias digitais e RBD também se relacionam.

Contudo, apenas um estudo realmente testou esta associação. Reeve e Humberstone

(2011), em um estudo transversal com crianças pré-escolares, dividiram a amostra em

subgrupos, de acordo com a acurácia e frequência de uso dos dedos em uma tarefa de

adição, e constataram que as gnosias digitais foram associadas aos subgrupos, predizendo

também a adesão a eles. Além disso, Gracia-Bafalluy e Noël (2008) mostraram que crianças

com dificuldades nas gnosias digitais, após passarem por treinamento dessa habilidade,

responderam mais rapidamente as tarefas de identificação dos padrões dos dedos que o

grupo de crianças com dificuldades nas gnosias digitais que não passaram pelo treinamento

e o grupo controle. Esse resultado pode sugerir a relação entre gnosias digitais e RBD

(cardinais), entretanto os resultados do pré-teste não sustentam esta hipótese. Não foram

observadas diferenças no tempo de execução nas tarefas de identificação dos padrões dos

dedos entre crianças com e sem dificuldades nas gnosias digitais. Além disso, o grupo que

passaria pela intervenção das gnosias digitais apresentou uma taxa de acurácia maior que

os outros grupos na tarefa de identificação dos padrões dos dedos, indicando um viés

amostral no estudo (Gracia-Bafalluy & Noël, 2008). Desta forma, os dados da literatura

sugerem que em crianças as gnosias digitais se relacionam com a contagem nos dedos, no

entanto esta conclusão não pode ser generalizada para as RBD cardinais e de

correspondência um-para-um, dado que as três representações são diferentes. Na verdade,

elas coexistem e podem ser recrutadas de formas distintas dependo das características

numéricas exigidas em uma determinada tarefa (Wasner et al., 2015).

Além dos achados relacionados às RBD, Gracia-Bafalluy e Noël (2008) observaram que

crianças com dificuldade nas gnosias digitais que passaram por um treinamento dessa

habilidade, tiveram um melhor desempenho em tarefas que avaliavam processamento de

números arábicos e subitizing quando comparadas às crianças com dificuldade que não

passaram pelo treinamento. No entanto, assim como foi dito sobre as RBD, esses achados

não sustentam a hipótese de que o treinamento de gnosias digitais aperfeiçoam as

habilidades numéricas, pois problemas metodológicos foram observados no estudo.

Conforme discutido por Fischer (2010), este estudo de treinamento é propenso ao fenômeno

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de regressão à média, pois os grupos foram selecionados a partir do desempenho extremo

em uma tarefa de gnosias digitais.

2.3.2. RBD e habilidades aritméticas

Com o intuito de investigar a associação entre as RBD e o desempenho aritmético foi

investigado inicialmente se treinamentos que envolvem a manipulação do uso dos dedos

influenciam o desempenho aritmético. Depois disso, procurou-se analisar a relação de cada

tipo de RBD, especificamente representações cardinais e ordinais, e o desempenho

aritmético.

Foram encontrados dois estudos de treinamento. Stegemann e Grünke (2014) investigaram

o impacto do método Chisanbop na auto-eficácia e desempenho aritmético, no entanto, os

achados são inconsistentes. Os autores observaram uma melhora nos escores de auto-

eficácia nas crianças do 2º ano, mas o grupo controle do 5º ano apresentou um melhor

desempenho aritmético que o grupo experimental após a intervenção. Todavia, o tamanho

amostral do estudo é pequeno e de baixo poder de generalização, uma vez que os dados

não seguem uma curva normal. Por fim, Albayrak (2010) mostrou que um treinamento para

inibir a estratégia de contagem nos dedos fez com que os alunos tivessem um maior

sucesso em realizar tarefas de contagem sem usar os dedos. Desta forma, este estudo

evidencou que crianças que foram coibidas de usar os dedos durante um determinado

período aprenderam a emitir novas estratégias para contar. Vale ressaltar que este trabalho

não mostrou o impacto desta intervenção no desempenho acadêmico, apresentando

também um baixo poder de generalização. A análise dos três estudos de treinamento foi

inconsistente não sendo possível compreender se o ensino explicito da contagem nos dedos

aperfeiçoa as habilidades aritméticas.

É esperado que em adultos as configurações canônicas dos dedos sejam mais facilmente

identificadas que as configurações não-canônicas (Di Luca & Pesenti, 2008). O mesmo

fenômeno não é observado em crianças no início da pré-escola, tornando-se evidente

somente a partir do final desse ciclo escolar (Lafay et al., 2013; Noël,2005). Este efeito

indica que o padrão canônico de mostrar os dedos é aprendido em consequência à

exposição sistemática à essas configurações na escola. Ademais, a habilidade de identificar

os padrões de mostrar os dedos não se correlaciona com a contagem nos dedos (Lafay et

al., 2013), corroborando a hipótese de Wasner et al. (2015) que considera as duas

habilidades dissociadas.

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Nenhum estudo investigou o impacto da identificação dos padrões dos dedos no

desempenho aritmético, todavia Gunderson et al. (2015) analisaram se respostas gestuais

são mais facilmente emitidas que respostas faladas em tarefas que a criança tinha que dizer

o total de objetos contidos em um conjunto. Quando a criança já sabia os princípios da

cardinalidade, não existia diferenças entre a resposta gestual e falada para conjuntos até

três, contudo em conjuntos de 4 itens, uma menor acurácia era observada nas respostas

faladas (Gunderson et al., 2015). Além disso, crianças que ainda não tinham aprendido o

princípio da cardinalidade tinham maior facilidade para nomear quantidades (pequenas e

grandes) usando gestos do que usando palavras, sendo esse efeito ainda mais forte para

conjuntos com quantidades em que a magnitude dos números era superior ao nível de

conhecimento numérico da criança. Desta forma, pode-se inferir que os gestos, ou

representações cardinais dos dedos, funcionam como um suporte para as crianças

representarem quantidades enquanto as representações verbais não foram automatizadas.

Nicoladis et al. (2010) aparentemente mostraram resultados contraditórios aos de

Gunderson et al. (2015), uma vez que eles observaram que as crianças pré-escolares

responderam mais facilmente com a fala do que com gestos. No entanto, essa diferença só

foi significativa nas crianças mais velhas que apresentaram um efeito teto nas respostas

faladas, sugerindo que o mapeamento entre as representações não-simbólicas e simbólicas

já tinha sido aprendido (Gunderson et al., 2015).

Quanto às representações ordinais dos dedos, Jordan e colaboradores (2008) mostraram

que as habilidades de contagem nos dedos correlacionavam positivamente com a acurácia

em uma tarefa aritmética durante a pré-escola e 1º ano. No entanto, essa correlação se

tornou negativa no 2º ano, momento em que as crianças passaram a ter uma taxa de acerto

superior à 70%, indicando que a habilidade já havia sido aprendida pelas crianças. Além

disso, observou-se que a acurácia aumentou linearmente, enquanto a frequência do uso dos

dedos cresceu inicialmente e depois de um tempo caíu, ajustando-se à uma curva

quadrática. Corroborando esses dados, Wylie et al. (2012) mostraram que crianças sem

dificuldade de aprendizagem da matemática apresentaram uma curva decrescente de uso

dos dedos ao longo dos anos.

Este padrão observado longitudinalmente em uma mesma tarefa também é notado

transversalmente em função do nível educacional e dificuldade da tarefa. Lafay e

colaboradores (2013) avaliaram crianças da pré-escola e 1º ano em uma tarefa de contagem

de objetos em que se tinha três níveis de dificuldade, de acordo com a magnitude numérica

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envolvida na tarefa: fáceis (1-5), medianas (6-10) e difíceis (11-15). As crianças da pré-

escola que ainda não tinham domínio sobre a estratégia de contagem nos dedos, usaram

pouco os dedos em todos os níveis de dificuldade da tarefa, mas acertaram os itens mais

fáceis com numerosidade entre 1 e 5. Podemos hipotetizar que elas acertaram mais por já

terem o mínimo de conhecimento sobre essas quantidades, sendo isso inferido pela taxa de

acerto superior à 75% na tarefa. Adicionalmente, essas mesmas crianças não tiveram

sucesso em realizar os itens mais difíceis. Já as crianças do primeiro ano que conseguiram

contar nos dedos, usaram menos essa ferramenta no nível mais fácil da tarefa, em que a

taxa de acerto era de praticamente 100%, aumentando a frequência do uso dos dedos nos

níveis mais difíceis. Neste estudo não foi possível avaliar o declínio da frequência do uso

dos dedos, o que já foi observado no estudo de Reeve e Humberstone (2011). De acordo

com o desempenho em uma tarefa de adição, as crianças foram classificadas em quatro

grupos segundo a taxa de acurácia e frequência de uso dos dedos. Observou-se que entre

os grupos existia uma taxa crescente na acurácia, enquanto a frequência do uso dos dedos

seguia uma curva quadrática (Reeve & Humberstone, 2011). As crianças alocadas nos

grupos com maior e menor taxa de erros fizeram um menor uso dos dedos na tarefa de

adição. Já as crianças com desempenho intermediário utilizaram com maior frequência os

dedos como suporte.

Crollen e Noël (2015) também mostraram que os dedos têm uma maior importância nas

tarefas aritméticas com uma alta demanda cognitiva. Em outras palavras, os dedos foram

importantes em procedimentos aritméticos não automatizados ou em processo de

aprendizagem, assim como mostrado por Jordan et al. (2008), Lafay et al. (2013), Reeve e

Humberstone (2011) e Wylie et al. (2012). Estes resultados são compatíveis com a hipótese

que considera a contagem nos dedos um mecanismo que alivia a sobrecarga cognitiva

durante a aprendizagem da aritmética (Costa et al., 2011; Crollen &Noël, 2015). A partir do

momento em que se tem a automatização dos procedimentos, os dedos não são mais

utilizados. Conforme ilustrado na Figura 1.

É interessante notar que crianças de nível socioeconômico mais baixo começaram a usar os

dedos mais tardiamente com uma curva crescente ao longo do tempo, no lugar de observar

um decaimento do uso (Jordan et al., 2008). Contudo, cabe ressaltar que o desempenho

dessas crianças foi pior que o das crianças de nível sócio econômico médio. O grupo com

nível sócio econômico mais baixo não apresentou um decaimento da curva por ainda não

terem automatizado o procedimento aritmético no fim do 2º ano, última avaliação do estudo

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(Jordan et al., 2008). O mesmo vale para as crianças com dificuldade de aprendizagem da

matemática que apresentaram uma taxa constante de uso dos dedos entre o primeiro e

segundo ano (Wylie et al, 2012).

Figura 1. Esquema ilustrando a frequência do uso dos dedos em relação ao nível de aprendizagem de um procedimento aritmético

2.3.3. RBD e memória de trabalho

Apesar das evidências sugerirem que as RBD funcionam como um mecanismo de descarga

da memória de trabalho, tal associação é feita de forma indireta, ou seja, analisada via

dificuldade das tarefas e não em relação às medidas de memória de trabalho. Os dados

sobre a relação entre RBD e memória de trabalho são inconsistentes, sugerindo apenas que

a memória de trabalho visuoespacial e gnosias digitais predizem o desempenho aritmético,

mas sem associação entre elas (Noël, 2005; Reeve & Humberstone, 2011). No entanto, a

memória de trabalho verbal correlaciona com o desempenho aritmético em condições que a

criança é impossibilitada de usar os dedos, indicando que na ausência do suporte externo e

corporificado, um pior nível de memória de trabalho verbal se associa a uma menor taxa de

acerto (Crollen & Noël, 2015).

2.4. Conclusão

Os resultados mostrados na presente revisão indicam que os dedos são mais importantes

durante o processo de aprendizagem de um procedimento aritmético. Quando as crianças

ainda não automatizaram as representações de magnitudes simbólicas, as RBD auxiliam-

nas a representar quantidades. Da mesma forma, a contagem nos dedos funciona como um

suporte na realização dos cálculos aritméticos. A frequência com que os dedos são

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19

recrutados segue uma curva quadrática (U invertido) em relação ao nível de aprendizagem

de um procedimento aritmético. Estes dados corroboram a hipótese na qual considera as

RBD um mecanismo que alivia a sobrecarga cognitiva durante a aprendizagem aritmética.

Além disso, as gnosias digitais se relacionam com a contagem nos dedos, mas é preciso

ressaltar que tal associação não pode ser extrapolada para outros tipos de RBD, cardinais e

de correspondência um-para-um. Adicionalmente, os dados não sustentam hipóteses que

relacionam positivamente o ensino explicito da contagem nos dedos com o aperfeiçoamento

das habilidades aritméticas.

A partir dos dados deste trabalho, sugere-se a realização de novos estudos para investigar o

impacto das diferentes RBD sobre o desempenho aritmético. É importante verificar, também,

qual o nível de associação entre as diferentes medidas das RBD durante o

desenvolvimento. É esperado que em adultos elas sejam dissociadas (Wasner et al., 2015).

A relação das RBD com medidas cognitivas gerais, como a inteligência, também deve ser

melhor investigada.

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20

Tabela 1. Síntese dos dados extraídos dos estudos selecionados para a revisão

Primeiro autor /ano

País Delineamento

Amostra Instrumentos Análise

estatística

Resultado N

Idade (DP) em anos

Ano escolar

Representação dos Dedos Matemática

Crollen (Experimento 1)

/2015 Bélgica Transversal 23 5,6(0,4)

Pré-escola

*Interferência na tarefa de contagem (condições: sem

Interferência, interferência da mão e interferência do pé)

*Frequência de uso dos dedos durante a tarefa de

contagem

*Tarefa de contagem de um alvo

*Tarefa de contagem de dois alvo

ANOVA, correlação

*Um pior desempenho é observado na condição de interferência da mão

*Os dedos foram mais usados na tarefa de contagem de dois alvos

*O uso dos dedos correlaciona positivamente com a acurácia na tarefa de contagem na condição

sem interferência

Crollen (Experimento 2)

/2015 Bélgica

Grupo 1: Longitudinal

Grupo 2: Transversal

Grupo 1: 29

Grupo 2: 20

Grupo 1: 6,2 (0,3) Grupo 2: 9,6 (0,5)

Grupo 1: 1º ano

Grupo 2: 4º ano

*Interferência na tarefa de contagem (condições: sem

Interferência, interferência da mão e interferência do pé) *Tarefa de gnosia digital

Tarefa de dição simples

ANOVA

*Um pior desempenho foi observado na condição de interferência da mão, efeito mais pronunciado

nos cálculos mais difíceis. Este efeito foi menor no 4º ano que no 1º ano

* Memória de trabalho verbal correlaciona positivamente com a condição de interferência da mão no primeiro ano; gnosia digital e desempenho

aritmético não se correlacionaram.

Gunderson /2015

Estados Unidos

Transversal 154 4,44 (0,6) Pré-

escola

What’s on this Card (resposta gestual)

*Give-a-number *What’s on this Card

(resposta falada)

ANOVA, teste t

*Crianças que ainda não tinham aprendido o princípio da cardinalidade tinham maior facilidade

de nomear quantidades (pequenas e grandes) usando gestos que palavras. Esta diferença foi

mais forte entre as crianças que não sabiam nomear aquelas quantidas que a magnitude dos

números era superior ao seu nível de conhecimento numérico.

Newman (Experimento 2)

/2014

Estados Unidos

Transversal 69 5–12 - Tarefa de hábitos de contagem nos dedos

Tarefa de adição simples com tempo

limite GLM

Crianças que iniciam a contagem com a mão direita apresentam um melhor desempenho na adição do que aqueles que iniciam a contagem

com a mão esquerda.

Stegemann /2014

Canadá Quase-

experimental 75

Grupo 1: 6,85

Grupo 2: 9,88

Grupo 1: 2º ano

Grupo 2: 5º ano

Treinamento do método

Chisanbop

*Subtestes do Woodcock-Johnson:

computation, quantitative concepts

e applied problem solving

*Attitudes Towards Math subtest

Teste de Wilcoxon, teste de Mann

Whitney

Observou-se um ganho nas tarefas de cálculo e conceitos quantitativos no 5º ano

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21

Primeiro autor /ano

País Delineamento

Amostra Instrumentos Análise

estatística Resultado

N Idade (DP) em anos

Ano escolar

Representação dos

Dedos Matemática

Stegemann /2014

Canadá Quase-

experimental 75

Grupo 1: 6,85

Grupo 2: 9,88

Grupo 1: 2º ano

Grupo 2: 5º ano

Treinamento do método

Chisanbop

*Subtestes do Woodcock-Johnson:

computation, quantitative concepts

e applied problem solving

*Attitudes Towards Math subtest

Teste de Wilcoxon, teste de Mann

Whitney

Observou-se um ganho nas tarefas de cálculo e conceitos quantitativos no 5º ano

Lafay /2013

França Transversal

Grupo 1: 20

Grupo 2: 20

Grupo 3: 20

Grupo 1: 4,7

(0,31)Grupo 2: 5,6 (0,29)

Grupo 3: 6,7 (0,29)

Grupo 1: pré-

escola Grupo 2:

pré-escola Grupo 3: 1º ano

*Frequência de uso dos dedos durante a tarefa de

contagem *Teste de comparação

dos padrões canônicos e não canônicos

*Teste de identificação dos padrões canônicos e

não canônicos

*Give me n *Tarefa de contagem

ANOVA, correlação

*A porcentagem de uso dos dedos na tarefa de contagem aumentou com o nível escolar e foi

positivamente correlacionado com a acurácia na tarefa de contagem e na tarefa Give me

n;*Identificação e comparação dos padrões dos dedos não correlacionam com a frequência de

uso dos dedos

Wylie /2012

Irlanda do

Norte

Longitudinal e caso-controle

85 65 (3.89) meses

1º ano até 2º ano

Frequência de uso dos

dedos durante a tarefa de adição e subtração

*TEMA *Tarefa de adição e subtração simples

ANOVA

*Na primeira avaliação a estratégia de uso dos dedos foi dominante no grupo contole (GC) e

dificuldade na leitura (DL); recuperação automática foi mais frequente no grupo de

dificuldade na matemática (DM) e dificuldade na matemática e leitura (DML);*Na quarta avalição o resgate automático foi mais frequente em todos os grupos; um declínio gradual foi observado na frequência de uso dos dedos nos grupos GC, DL e DML; o grupo DM apresentou uma estabilidade

na frequÊncia de uso dos dedos

Costa /2011

Brasil Caso-controle

Grupo 1: 14

Grupo 2: 84

8-11 - Tarefa de gnosia digital

*Tarefa de adição, subtração e

multiplicação (simples e complexa) com

tempo limite * Tarefa de problemas

aritméticos

ANOVA

O grupo de DM apresentou um pior desempenho que o GC; após remoção do efeito da gnosia

digital, as diferenças entre grupos desapareceram na tarefa de problemas aritméticos.

Reeve /2011

Austrália

Transversal

Grupo 1: 30

Grupo 2: 35

Grupo 1: 5,1 (3,3) Grupo 2:

6,11 (4,14)

Grupo 1: Pré-

escola Grupo 2: 1º ano

*Tarefa de gnosia digital *Frequência de uso dos

dedos durante a tarefa de adição

Tarefa de adição simples

Análise do perfil

latente, ANOVA,

regressão logística

multinomial

*Uma forte relação foi observada entre o desempenho na gnosia digital e o uso dos dedos na tarefa de adição;*A gnosia digital e memória de trabalho visuoespacial foram associadas de forma independente com os subgrupos de da

adição (baseados no uso dos dedos e acurácia); gnosia digital e memória de trabalho predizem a

adesesão aos subgrupos da adição

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Primeiro autor /ano

País Delineamento

Amostra Instrumentos Análise

estatística Resultado

N Idade (DP) em anos

Ano escolar

Representação

dos Dedos Matemática

Nicoladis /2010

Canadá Transversal 44 2-5 Pré-

escola

*How-many task (instrução gestual)

*Give-a-number task(resposta

gestual)

*How-many task (instrução falada)

*Give-a-number task

(resposta falada)

ANOVA

Uma maior acurácia foi observada na modalidade falada que gestual, mais aparente para números maiores, particularmente para

crianças mais velhas.

Albayrak /2010

Turquia Quase-

experimental 33 7 1º ano

Frequência de uso dos dedos durante a tarefa de contagem

Tarefa de contagem Qui-

quadrado

Hábito de contagem pode ser quebrado; crianças que passaram pelo treinamento foram mais bem-

sucedidos em não usar os dedos durante uma tarefa de contagem

Jordan /2008

Estados Unidos

Longitudinal 217 5 to 7 Pré-

escola até 2º ano

Frequência de uso dos dedos durante a

tarefa de combinação

numérica

Tarefa de combinação numérica (cálculos de

adição informal)

Correlação, Modelo de curva de

crescimento

*Correlação entre uso dos dedos e acurácia diminui gradualmente;*A acurácia aumentou

linearmente, já a frequência do uso dos dedos caiu, seguindo uma curva quadrática; crianças de baixa renda apresentaram um aumento linear de

uso dos dedos; O padrão crescimento na acurácia foi

semelhante para ambos os sexos; os meninos usavram os dedos com menor frequência.

Gracia-Bafalluy /2008

Bélgica Quase-

experimental

Grupo 1: 16 Grupo 2: 17 Grupo 3: 14

Grupo 1: 6,4 (0,3)

Grupo 2: 6,4 (0,5)

Grupo 3: 6,4 (0,4)

1º ano

*Tarefa de gnosia digital

*Tarefa de desenhar uma mão *Teste de

identificação dos padrões canônicos e não-canônicos

*Tarefa de recitação de número;*Comparação de

dígitos; *Tarefa de julgamento de

ordinalidade; *tarefa de subitizing e

contagem; *Tarefa de adição simples

ANOVA

Antes da intervenção, crianças com um bom desempenho na gnosia digital, também tiveram

um melhor desempenho na tarefa de contagem e enumeração;- Crianças que receberam a intervenção dos dedos tiveram um melhor

desempenho na gnosia digital, identificação dos padrões dos dedos e subtizing que os outros

grupos.

Domahs /2008

Alemanha Longitudinal 137 7;6 (0;4)

anos;meses 1ºano até

3ºano Efeito split-five

Tarefa de adição e subtração (simples e

complexa)

Teste de Wilcoxon

*Erro do split-five é mais frequente que o esperado para o efeito split;

*Nos cálculos complexos, esta proporcção diminui ao longo do tempo;

*Erro do split-five pe mais frequente em meninas que meninos.

Noel Bélgica Longitudinal 41 6,8 1º ano até

2º ano

*Tarefa de gnosia digital

*Teste de identificação dos

padrões canônicos e não-canônicos

*Comparação de pontos; *Comparação de dígitos;

*Tarefa de subitizing; *Transcodificação

numérica; *Tarefa de adição (simples

e complexa) com tempo limite.

ANOVA

Gnosia digital avaliada no 1ºano se correlaciona com o escore de erros e velocidade das tarefas

numéricas no 2º ano; Gnosia digiral,

Gnosia digital (1ºano), caligrafia e memória de trabalho visuoespacial (2ºano) predizeram o

escore de erros numéricos (2ºano).

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23

2.5. Referências Bibliográficas

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27

3. Aprendendo as contas de mais: Das pontas dos dedos à ponta da língua

Andressa M. Antunes1, 3, Annelise Júlio-Costa2, 3, Vitor G. Haase 1, 2, 3

1 - Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, Faculdade de Medicina, Universidade

Federal de Minas Gerais, Brasil

2 - Programa de Pós-Graduação em Neurociências, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de

Minas Gerais, Brasil

3 - Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento, Departamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia e

Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

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28

3.1. Introdução

Os números estão presentes na vida cotidiana e são um dos alicerces da sociedade

moderna. Eles fundamentam o sistema econômico e permitem o desenvolvimento

tecnológico e científico. O conhecimento numérico e a sua utiliação nos cálculos aritméticos

predizem o sucesso acadêmico (Duncan et al., 2007) e estão diretamente relacionadas ao

capital mental sendo associados à empregabilidade e sucesso econômico (Parsons &

Bynner, 2005). Dada a importância das habilidades aritméticas, um crescente número de

estudos tem sido desenvolvido com o intuito de compreender os mecanismos subjacentes e

o curso desenvolvimental dessa habilidade.

As crianças começam a aprender formalmente as competências aritméticas (ex. resolução

dos cálculos de adição) no primeiro ano. Todavia, estas competências se desenvolvem com

base nas habilidades numéricas primárias (Geary, 2007). Tais habilidades correspondem ao

processamento de magnitude não-simbólico que diz respeito à capacidade de estimar

quantidades de forma aproximada, além da habilidade de discriminar pequenas de grandes

quantidades (Dehaene, 1997). O sistema de representação de magnitude não-simbólica ou

senso numérico é inato, sendo observado em culturas não letradas (Pica, Lemer, Izard &

Dehaene, 2004), bebês recém-nascidos (Izard, Sann, Spelke & Streri, 2009) e até em outras

espécies (Piazza & Dehaene, 2004).

Nos humanos, a evolução cultural fez com que as representações de magnitude não-

simbólicas fossem recicladas, emergindo delas um sistema simbólico de magnitudes em que

símbolos arbitrários foram atribuídos às representação pré-existentes (Dehaene, 2011).

Vários estudos têm investigado como se desenvolve o mapeamento entre as

representações simbólicas e não-simbólicas de magnitudes. Uma das hipóteses é que este

mapeamento surge quando as crianças aprendem a contar pequenas quantidades (Gallistel

& Gelman, 1992). Adicionalmente, a contagem nos dedos parece desempenhar um

importante papel nesse processo (Fayol & Seron, 2005).

Usar os dedos como suporte na contagem numérica é considerado um comportamento

universal (Bender e Beller, 2012; Domahs et al., 2010) e diversos estudos mostram que

desde o início da aprendizagem numérica as crianças se beneficiam deste recurso

(Butterworth, 1999; Fuson, 1988). Os dedos são um tipo de representação icônica de

numerosidade, pois mantém uma relação de semelhança física com as representações não-

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simbólicas (Nieder, 2009). Elas transmitem informações dos aspectos cardinais e ordinais

dos números (Andres, Di Luca & Pesenti, 2008) e são consideradas representações

intermediárias que facilitam a conexão entre as representações não-simbólicas e simbólicas

(Fayol & Seron, 2005). Gunderson, Spaepen, Gibson, Goldin-Meadow e Levine (2015)

mostraram que crianças pré-escolares que ainda não sabiam os principios da cardinalidade

tinham maior facilidade em nomear quantidades de objetos usando os dedos ao invés de

falar os números. Todavia, esse efeito facilitador deixou de ser observado em crianças mais

velhas que já tinham estabelecido o mapeamento entre as representações não-simbólicas e

simbólicas (Gunderson et al., 2015; Nicoladis, Pika & Marentette, 2010).

As RBD se tornam cada vez mais estáveis ao longo do processo de aprendizagem, sendo

possível distinguir três tipos de representações: ordinais, cardinais e correspondência um-

para-um (Wasner, Moeller, Fischer & Nuerk, 2015). As RBD ordinais se referem à contagem

nos dedos na qual um dedo é mostrado por vez em uma ordem específica (ex.: para contar

até “dois” pode ser mostrado o indicador e depois o dedo médio). Já as representações

cardinais dizem respeito ao padrão com que os dedos são mostrados de uma só vez para

representar um número específico (ex.: para representar o “dois” pode ser mostrado o

indicador junto com o dedo médio). O último tipo de representação, correspondência um-

para-um, reflete associação fixa de um número com um dedo específico (ex.: o dedo

indicador é associado ao número dois).

Considera-se como padrão canônico de representação numérica atráves dos dedos, a forma

mais frequente das representações ordinais ou cardinais em uma determinada cultura,

enquanto os padrões não-canônicos correspondem a um conjunto aleatório de dedos

(DiLuca & Pesenti, 2008; Di Luca, Lefevre & Pesenti, 2010). Os padrões canônicos são

automatizados na idade pré-escolar, a partir dos 5 anos, momento em que as crianças

passam a reconhecê-los com mais facilidade do que os padrões não-canônicos (Lafay,

Thevenot, Castel & Fayol, 2013). Este fenômeno é observado até a adultez, sendo que esta

facilitação não acontece por mera familiaridade, mas sim por um acesso semântico às

representações numéricas (DiLuca & Pesenti, 2008). Em tarefas de priming, nas quais as

configurações númericas dos dedos são apresentadas subliminarmente como pistas e os

estímulos numéricos simbólicos aparecem posteriormente, as respostas são mais

rapidamente emitidas e menos erros são cometidos quando o priming corresponde às

configurações canônicas em comparação às não-canônicas (DiLuca e Pesenti, 2008). Este

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30

resultado mostra uma forte e persistente ligação entre os números e as representações

canônicas de mostrar os dedos.

Normalmente as crianças com desenvolvimento típico começam a usar as RBD ordinais

com 3 anos, recrutando-as até o início do segundo ano escolar, momento em que

estratégias mais eficientes, como resgate dos fatos, são mais utilizadas (Geary et al. 2007).

Já as crianças com dificuldade de aprendizagem da matemática usam os dedos de forma

mais persistente. Wylie, Jordan e Mulhern (2012) investigaram a frequência da estratégia de

uso dos dedos ao longo do 1º e 2º ano em crianças com desenvolvimento típico e

dificuldade de aprendizagem da matemática e/ou leitura. Eles observaram que as crianças

com desenvolvimento típico ou que tinham apenas dificuldade na leitura usavam mais a

contagem nos dedos que outras estratégicas para resolver os cálculos no primeiro ano.

Progressivamente eles deixavam de usá-la, fazendo um maior uso da estratégia de

recuperação dos fatos ao longo dos anos. Em contrapartida, as crianças com dificuldade de

aprendizagem da matemática usaram os dedos para contar de forma persistente (Wylie et

al., 2012).

Jordan, Kaplan, Ramineni e Locuniak (2008) mostraram que o nível socioeconômico

também influencia esse mecanismo. Crianças de nível socioeconômico baixo começaram a

usar os dedos tardiamente e persistiaram na utilização dessa estratégia por um período

mais longo (Jordan et al., 2008). Em contrapartida, as crianças de nível socioeconômico

médio recrutaram os dedos com maior frequência na pré-escola e primeiro ano e

progressivamente diminuíram o uso no segundo ano. Este padrão da frequência do uso dos

dedos seguia uma curva quadrátirca (U invertido), enquanto a taxa de acurácia na tarefa

aritmética seguia uma curva linear crescente (Jordan et al., 2008). Reeve e Humberstone

(2011) mostraram resultados que corroboram os achados de Jordan et al. (2008) sobre essa

complexa relação entre desempenho aritmético e uso dos dedos. De acordo com o

desempenho em uma tarefa de adição, as crianças foram classificadas em quatro grupos

segundo a taxa de acurácia e frequência de uso dos dedos. Observou-se que entre os

grupos existia uma taxa crescente na acurácia, já a frequência do uso dos dedos seguia

uma curva quadrática (Reeve & Humberstone, 2011). As crianças pertencentes aos grupos

com maior e menor taxa de erros fizeram menor uso dos dedos na tarefa de adição. Já as

crianças com desempenho intermediário utilizaram os dedos como suporte com maior

frequência.

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Adicionalmente, a proficiência na contagem nos dedos depende, pelo menos em parte, da

habilidade de localizar e discriminar os dedos (gnosias digitais). Reeve e Humberstone

(2011) constataram que as gnosias digitais diferiram entre os subgrupos, divididos de

acordo com o padrão de desempenho e frequência de uso dos dedos em uma tarefa de

adição, predizendo também a adesão a eles. Além disso, Noël (2005) observou em um

estudo longitudinal que a habilidade de gnosias digitais avaliada no início do primeiro ano foi

o melhor preditor do desempenho aritmético 15 meses depois, comparando com a memória

de trabalho visuoespacial e caligrafia. Ademais, um estudo realizado por nosso grupo de

pesquisa mostrou que crianças com dificuldades de aprendizagem da matemática

apresentaram um pior desempenho na tarefa de gnosias digitais, sendo que essa habilidade

foi relacionada com tarefas aritméticas com maior demanda de memória de trabalho (Costa

et al., 2011). Corroborando os nossos dados, Crollen e Noël (2015), a partir de um

paradigma experimental de interferência, mostraram que os dedos têm uma maior

importância nas tarefas aritméticas com uma alta demanda cognitiva.

Os achados de Costa et al. (2011) e Crollen e Noel (2015) apoiam a hipótese de que o uso

dos dedos funciona como um mecanismo de redução da sobrecarga cognitiva por apoiar

concretamente parte do conteúdo manipulado pela memória de trabalho (Alibali & DiRusso,

1999; Wilson, 2002). Todavia, os dados na literatura sobre a relação entre RBD e medidas

de memória de trabalho são inconsistentes. A modalidade verbal da memória de trabalho

correlaciona-se com o desempenho aritmético em condições que a criança é impossibilitada

de usar os dedos (Crollen & Noël, 2015). Isso indica que na ausência do suporte externo e

corporificado um pior nível de memória de trabalho verbal se associa com a menor taxa de

acerto (Crollen & Noël, 2015). Além disso, o uso dos dedos e memória de trabalho

visuoespacial correlacionam-se e predizem o desempenho aritmético, mas de forma

independente (Reeve & Humberstone, 2011). Cabe ressaltar que este último resultado não

foi replicado por Crollen e Noël (2015).

Apesar da extensa literatura mostrando o impacto do uso dos dedos sobre o desempenho

aritmético, algumas perguntas ainda ficam em aberto. Até o momento, nenhum estudo

investigou a relação das representações cardinais dos dedos com desempenho aritmético.

Existem apenas descrições do desempenho em tarefas de identificação dos padrões dos

dedos. Além disso, apesar das RBD serem consideradas uma representação intermediária

que facilita a associação entre as representações de magnitudes não-simbólicas e

simbólicas, não foi averiguado diretamente a relação entre as três variáveis.

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Adicionalmente, é preciso mencionar que nenhum estudo investigou os efeitos mediadores

da inteligência na relação das RBD e desempenho aritmético. O nível intelectual está

diretamente relacionado à aprendizagem da matemática e é o principal preditor isolado do

desempenho acadêmico (Deary & Johnson, 2010). Além disso, crianças com deficiência

intelectual apresentam maior sucesso em realizar tarefas de contagem quando utilizam os

dedos como suporte (Baroody, 1986). Estes dados mostram que o comprometimento do

nível intelectual influencia negativamente a aprendizagem da matemática, mas

provavelmente não tem um impacto negativo sobre o uso dos dedos. Isto indica que uma

melhor investigação é necessária para compreender os efeitos mediadores da inteligência e

quais são os efeitos do uso dos dedos independentes da inteligência sobre a aprendizagem

aritmética.

Desta forma, o objetivo do presente estudo é investigar a relação das RBD e o desempenho

em uma tarefa de adição simples em crianças no início do primeiro ano. Para melhor

elucidação, foram avaliadas as representações cardinais e ordinais dos dedos. Além disso,

investigou-se o papel das representações de magnitudes não-simbólicas, gnosias digitais,

memória de trabalho e inteligênica sobre a associação RBD e desempenho aritmético.

Espera-se que (1) crianças do 1º ano apresentem os padrões canônicos dos dedos

automatizados, por mostrarem um menor tempo de reação na tarefa de comparação dos

padrões canônicos do que na tarefa de não-canônicos. Isso corroborará os achados de

Lafay e colaboradores (2013). As (2) magnitudes simbólicas serão mais facilmente

acessadas por meio das RBD do que representações de magnitudes não-simbólicas.

Adicionalmente, efeitos correlacionais entre as duas últimas medidas serão observados.

Isso indica que as RBD possuem um maior acesso semântico às representações simbólicas,

além de compartilhar características com as representações não-simbólicas (Nieder, 2009).

Além disso, (3) espera-se que a maioria das crianças no início do 1º ano saiba resolver

cálculos de adição, contudo parte dos indivíduos ainda não terá conhecimento formal do

procedimento aritmético. Acredita-se que os mecanismos cognitivos subjacentes a estas

diferenças serão as habilidades cognitivas gerais, como inteligência e memória de trabalho

visuoespacial, gnosias digitais e as RBD. Por fim, (4) quando explorada a relação do

desempenho aritmético e uso dos dedos, presume-se que as crianças que errarem e

acertarem muito, usarão pouco os dedos. Já as crianças com desempenho intermediário,

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usarão mais os dedos, seguindo uma curva quadrática (U invertido), conforme mostrado por

Jordan e colaboradores (2008) e Reeve e Humberstone (2011). Esse padrão de

desempenho sustenta a hipótese de que os dedos são recrutados durante o processo de

aprendizagem e funcionam como um suporte externo que transfere parte da carga cognitiva

para as mãos, aliviando a memória de trabalho.

3.2. Métodos

O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa local (COEP-UFMG - ANEXO A) e

está em linha com a Declaração de Helsinki. As crianças só participaram do estudo após a

obtenção do consentimento informado. Este foi obtido por escrito pelos pais e verbalmente

pelas crianças.

3.2.1. Participantes

De um grupo inicial de 174 crianças, duas crianças desistiram de participar do estudo e uma

criança foi excluída por ter idade superior a 8 anos, além disso, foram excluídas duas

crianças com autismo e duas crianças com deficiência intelectual (percentil abaixo de 5 no

Teste de Matrizes Progressivas Coloridas de Raven). A amostra final foi composta por 167

crianças (44,9% sexo feminino) do início do primeiro ano de escolas públicas e privadas de

Belo Horizonte, Brasil. A amostra tem representação de todos os níveis socioeconômicos de

acordo com o Critério de Classificação Econômica Brasil (ABEP, 2015). A média de idade foi

de 76,02 (DP=4,18; variação: 68-89) meses, 88,6% eram destros e 73,7% vieram de escolas

privadas.

3.2.2. Materiais e procedimentos

A coleta de dados foi realizada nos dois primeiros meses do ano letivo (fevereiro e março)

do 1º ano do ensino fundamental. As crianças foram testadas individualmente em sua

própria escola em duas sessões de 50 minutos. Os seguintes instrumentos foram usados na

avaliação cognitiva: Teste de Matrizes Progressivas Coloridas de Raven, Cubos de Corsi

Alcance de Matrizes, Alcance de Letras, Teste de Quebra-Cabeça Geomético, Teste de

Localização dos Dedos e tarefa de adição simples. Além disso, foram usadas tarefas

computadorizadas de natureza experimental e especialmente desenvolvidas para este

estudo: comparação de magnitudes não-simbólicas, comparação pontos-números e dedos-

números, mostrar os dedos, identificação dos padrões dos dedos. As tarefas

computadorizadas foram apresentadas em um notebook com um monitor com 14 polegadas

(1366x768 pixels).

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Abaixo são descritos os testes utilizados no estudo:

Tarefa de adição simples (TAS)

Esta é uma versão adaptada da tarefa de cálculos de Costa et al. (2011) que avalia fluência

da adição. Esta medida corresponde à variável dependente do estudo. Doze itens de adição

simples, respostas inferiores a dez, foram apresentados em um papel e as crianças tinham

que responder os cálculos em até 3 minutos. Os participantes foram instruídos a responder

o mais rápido e corretamente que eles conseguissem. Além disso, a estratégia de uso dos

dedos foi codificada para cada item, sendo esta uma medida das RBD ordinais.

Os testes abaixo correspondem às variáveis independentes do estudo:

Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR)

A inteligência geral foi avaliada através da versão brasileira de Matrizes Progressivas

Coloridas de Raven, validada para crianças brasileiras (Angelini, Alves, Custódio, Duarte, &

Duarte, 1999). Crianças com escores abaixo do percentil 5 foram excluídas da amostra. O

Escore z foi calculado baseado no manual brasileiro e utilizado nas posteriores análises

estatísticas.

Cubos de Corsi (ordem direta e indireta)

Os aspectos espaciais da memória de trabalho visuoespacial foram avaliados usando o

teste Cubos de Corsi composto por duas condições: ordem direta e inversa. Este teste é

constituído por um tabuleiro com nove blocos que são tocados pelo examinador em uma

certa sequência. Na condição direta, a criança foi instruida a tocar os blocos na mesma

sequência que o examinador, já na condição inversa, a criança deveria tocar a ordem

inversa que os blocos foram tocados. Foi utilizado nas análises estatítiscas um escore

combinado em que o total de acertos foi multiplicado pelo alcance em cada condição

(Kessels et al., 2000).

Alcance de Matrizes

Este é um teste bidimensional que avalia as configurações visuais da memória de trabalho

visuoespacial. Este teste é composto por matrizes 4x4 com diferentes padrões de

quadrados pintados de cinza. Primeiramente, cada matriz foi mostrada para a criança por 5

segundos. Depois disso, ela tinha que mostrar, em uma matriz em branco, quais eram os

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quadrados pintados (Arndt, D., 2013). Um escore combinado (total de acertos multiplicado

pelo alcance) também foi utilizado nas análises estatísticas.

Alcance de Letras

Esta tarefa avalia a memória de trabalho verbal e é uma versão adaptada do alcance de

dígitos (Lezak, Howieson & Loring, 2004). São apresentadas uma sequência de consoantes

com um aumento do comprimento progressivo conforme a criança vai acertando. Para cada

comprimento são apresentados dois ensaios. Interrompe-se o teste quando o participante

errar dois ensaios com o mesmo comprimento. Na condição direta, a criança foi instruída a

dizer as letras na mesma ordem do examinador, já na condição inversa, a criança precisava

dizer a ordem inversa das letras. Também foi utilizado nas análises estatítiscas um escore

combinado do total de acertos multiplicado pelo alcance em cada condição.

Teste de localização dos dedos

Este teste foi usado para avaliar as gnosias digitais (Costa, et al. 2011). O examinador toca

com a ponta do lápis em um ou dois dedos e o participante deve identificá-los. Na primeira

parte do teste, o examinador tocava um dedo de cada vez com a mão da criança visível; na

segunda parte, a mão da criança ficava escondida atrás de um aparato e o examinador

tocava também um dedo de cada vez. Já na terceira parte, dois dedos foram tocados

simultaneamente com a mão escondida (Costa, et al. 2011). Cada dedo foi codificado com

um número (polegar era 1 seguindo a sequência até o midinho que era 5) e os participantes

foram instruídos a dizer o número correspondente do dedo tocado. Um suporte visual com

os dedos codificados foi mostrado durante toda o tempo de realização da tarefa. Vinte

quatro itens foram aplicados e a média das respostas corretas foi usada nas análises

estatísticas.

Tarefa de comparação de magnitudes não-simbólicas

Esta também é uma versão adaptada da tarefa de comparação de magnitudes não-

simbólicas de Costa et al. (2011). Este teste foi adaptado para a idade das crianças deste

estudo utilizando magnitudes menores. Os participantes foram instruídos a comparar dois

conjuntos de pontos que eram apresentados simultaneamente, eles deveriam escolher qual

deles tinham a maior quantidade de pontos. Os pontos eram pretos e foram apresentados

em um círculo branco com fundo preto. Em cada ensaio, um dos círculos continha 16 pontos

(numerosidade de referência) e o outro 8, 10, 12, 14, 18, 20, 22 ou 24 pontos. Cada

magnitude de pontos foi apresentada oito vezes. O teste era composto de quatro ensaios de

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treinamento e 64 ensaios experimentais. O tempo máximo que o estímulo ficava presente na

tela era de 4.000ms, o intervalo entre ensaios foi de 1000ms. Além disso, antes de cada

ensaio um ponto de fixação, uma cruz branca, aparecia. Se a criança considerasse que o

círculo direito continha mais pontos, uma tecla localizada no lado direito do teclado deveria

ser precionada com a mão direita. Caso contrário, se a criança escolhesse o círculo

esquerdo como o que tinha mais pontos, uma tecla do lado esquerdo do teclado deveria ser

pressionada com a mão esquerda. Como medida da acuidade do senso numérico, a fração

de Weber interna foi cálculada para cada criança. A descrição do cálculo encontra-se em

Piazza, Izard, Pinel, Le Bihan e Dehaene (2004).

Tarefa de comparação pontos-números

Esta tarefa avalia o acesso das representações não-simbólicas às representações

simbólicas por meio de um paradigma igual-diferente. Um número arábico e um conjunto de

pontos foram apresentados na tala do computador e o participante deveria decidir se as

duas quantidades eram equivalentes ou não. A diferença de magnitude entre as

quantidades era de +/- 1 e os valores variavam de 1 a 5. Pontos brancos foram

apresentados em um círculo cinza com o fundo preto, os conjuntos foram apresentados

tanto do lado direito quanto esquerdo (Figura 1A). A tarefa era constituída por três

condições: número > pontos (8 ensaios), número < pontos (8 ensaios) e número = pontos

(20 ensaios). Além disso, a tarefa era composta por 4 ensaios de treinamento e 36 ensaios

experimentais. O estímulo ficava presente até a resposta ser marcada. Assim que a criança

respondia, o examinador, que estava ao lado dela, pressionava a tecla “L” para igual e “S”

para diferente. O intervalo entre ensaios foi de 500 ms. Foi calculada a média do tempo de

resposta dos itens respondidos corretamente.

Tarefas experimentais das representações baseadas nos dedos cardinais

Os testes subsequentes correspondem às tarefas experimentais desenvolvidas para avaliar

as RBD. Estas tarefas foram implementadas no software Python e os estímulos

correspondem às fotografías mostrando a palma da mão de uma criança com um fundo

preto.

As fotografias das mãos representavam numerosidades entre 1 a 9. Contudo nem todas as

tarefas utilizaram todos os estímulos, isso será descrito posteriormente. As fotografias no

padrão canônico seguiram a forma mais usual com que as crianças mostram os dedos no

Brasil. Este dado foi obtido a partir de um estudo piloto realizado pelo Laboratório de

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Neuropsicologia do Desenvolvimento da UFMG cujo artigo está em processo de preparação.

Desta forma, as configurações numéricas mostradas com os dedos iniciam na mão direita

ou na mão esquerda, sendo que o 1 é representado pelo indicador seguindo a sequência

dos dedos até o polegar que representa o 5. Os números de 6 a 9 são representados da

mesma forma, mas com os dedos todos levantados da outra mão. As configurações não-

canônicas correspondem à padrões aleatórios de mostrar os dedos conforme exemplificado

na Figura 1C.

a. Tarefa de comparação dedos-números

Esta tarefa avalia o acesso das RBD às representações simbólicas por meio de um

paradigma igual-diferente. O procedimento é semelhante ao da tarefa de comparação

pontos-número. Contudo, no lugar dos pontos, esta tarefa utilizou fotografias de uma mão

mostrando as numerosidades entre 1 e 5 com os dedos no padrão canônico (Figura 1B).

Nesta tarefa também foi calculada a média do tempo de resposta dos itens respondidos

corretamente.

b. Tarefa de identificação dos padrões canônicos dos dedos

Esta é uma tarefa que avalia a automatização das RBD em que os participantes foram

instruídos a nomear a quantidade de dedos mostrados no padrão canônico. Uma imagem de

duas mãos sobre um fundo preto foi mostrada na tela do computador com numerosidades

entre 1 e 9, exceto o número 5. Cada ensaio foi apresentado duas vezes: uma vez as

numerosidades eram apresentadas a partir da mão esquerda e a outra a partir da mão

direita. A tarefa foi constituída por 4 ensaios de treinamento e 32 ensaios experimentais. O

intervalo entre os ensaios foi de 500 ms. Assim que a criança respondia, o examinador

pressionava a tecla numérica correspondente à resposta (Figura 1D). A média do tempo de

resposta dos itens respondidos corretamente foi cálculada.

c. Tarefa de identificação dos padrões não-canônicos dos dedos

Os procedimentos foram similares aos da tarefa de identificação dos padrões canônicos dos

dedos. A única diferença observada esteve presente nas figuras das mãos que nesta tarefa

seguia um padrão não usual de mostrar os dedos (Figura 1C). A média do tempo de

resposta dos itens respondidos corretamente foi cálculada.

d. Tarefa de mostrar os dedos

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Esta é uma tarefa que avalia a fluência com que as crianças mostram os dedos para

representar um número. Os participantes foram instruídos a mostrar, com suas próprias

mãos, um padrão de dedo correspondente ao número arábico apresentado na tela do

computador. A tarefa foi dividida em dois blocos semelhantes que foram apresentadas em

momentos diferentes. Cada bloco continha dois ensaios de treinamento e 20 ensaios

experimentais. Números entre 1 e 10 foram apresentados duas vezes aleatoriamente. O

estímulo ficava presente até a criança mostrar a quantidade com os dedos. Assim que a

criança respondia, o examinador pressionava a tecla numérica correspondente à resposta.

O intervalo entre ensaios foi de 500 ms e antes de cada ensaio um ponto de fixação, uma

cruz branca, aparecia na tela durante 1000ms (Figura 1E). Foi calculada a média do tempo

de resposta dos itens respondidos corretamente.

Figura 1. Esquema das tarefas experimentais. (a) Tarefa de comparação pontos-números; (b) Tarefa de comparação dedos-números; (c) Tarefa de identificação dos padrões não-canônicos dos dedos; (d) Tarefa de de identificação dos padrões canônicos dos dedos; (e) Tarefa de mostrar os dedos

3.2.3. Análises

Inicialmente, foi analisado o padrão de desempenho das crianças nas tarefas que avaliam

as representações numéricas baseadas nos dedos. Estas análises foram feitas através de

modelos lineares generalizados. Essas análises iniciais foram feitas para verificar a

semelhanção entre as tarefas de RBD. Além disso, foram testadas as hipóteses de

automatização dos padrões canônicos e efeito facilitador das RBD em comparação com as

representações de magnitudes não-simbólicas.

Depois disso, foram avaliados os mecanismos cognitivos subjacentes à aprendizagem

aritmética por meio de diferentes tipos de análises estatíscas. Primeiramente, as crianças

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foram classificadas de acordo com o nível de conhecimento da adição. O grupo de não-

conhecedores foi composto por crianças que relataram não saber resolver as contas de

adição ou aquelas que ao tentar resolver emitiram respostas aleatórias, como escrever a

própria conta na resposta (em 3+2 a criança colocava 3+2). Todas as outras crianças foram

classificadas como Conhecedores da adição. Por meio de modelos lineares generalizados,

foram analisadas as diferenças entre os grupos em relação às habilidades cognitivas gerais,

representações de magnitudes não-simbólicas, gnosias digitais e RBD.

Com o intúito de melhor explorar a relação da acurácia na TAS com as medidas

independentes, as análises posteriores foram realizadas apenas com o grupo de

conhecedores da adição, uma vez que o outro grupo não finalizou esta tarefa. Análises

correlacionais foram feitas, seguido de modelos de regressão linear múltipla. A maioria das

medidas tiveram correlações significativas com o MPCR, desta forma, correlações parciais

foram feitas com o MPCR como covariável. Aquelas variáveis que apresentaram o

coeficiente de correlação significativo com a TAS, além do MPCR, foram incluídas como

variáveis independentes nos modelos de regressão linear múltipla no método stepwise

forward. A acurácia na TAS foi adicionada ao modelo como variável dependente.

Para melhor explorar a relação do desempenho aritmético e uso dos dedos, análises

complementares foram realizadas. Foram feitas análises de Cluster Hierárquico

Aglomerativo com as seguintes variáveis: acurácia na TAS e frequência do uso dos dedos.

Os grupos que emergiram dessas análises foram comparados em termos das habilidades

cognitivas gerais, representações de magnitude não-simbólicas, gnosias digitais e RBD. Por

fim, uma regressão logística multinomial foi calculada para predizer a adesão aos

subgrupos. As variáveis independentes utilizadas nesta análise foram aquelas que se

associaram aos subgrupos na análise anterior. Um esquema das análises estatisiticas

realizadas com as amostras do estudo foi ilustrado na figura 2.

3.3. Resultados

Nem todas as crianças apresentam os dados de todas as tarefas. Ao menos uma criança

não conseguiu finalizar cada um dos seguintes testes: Alcance de letras, tarefa de

comparação pontos-dígitos e dedos-dígitos. Além disso, duas crianças não finalizaram as

tarefas de mostrar os dedos, identificação dos padrões canônicos e não-canônicos dos

dedos. Adicionalmente, erros no cálculo da fração de Weber interna ocorreram em 9 casos,

isso aconteceu com as crianças que responderam de forma aleatória, não apresentando

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validade dos dedos. Além disso, 23 crianças apresentaram uma fração de Weber com valor

superior ao limite de discriminabilidade da tarefa (w>0.6 - Pinheiro-Chagas, et al., 2014).

Desta forma, a fração de Weber dessas crianças não foram consideradas nas análises.

Figura 2. Esquema das análises estatisiticas realizadas com as amostras do estudo.

3.3.1. Representação numérica baseada nos dedos

A tarefa de identificação dos padrões canônicos é a principal tarefa utilizada para avaliar as

RBD em crianças (Noël, 2005; Gracia-Bafalluy e Noël, 2008; Lafay et al., 2013). Desta

forma, foram calculados os coeficientes de correlação entre esta tarefa e as outras tarefas

utilizadas neste estudo para avaliar as RBD. O tempo de resposta da tarefa de identificação

dos padrões canônicos correlacionou-se positivamente com as outras tarefas de RBD: tarefa

de mostrar os dedos (r²=0,384; p<0.001) e tarefa de comparação dedos-números (r²=0,559;

p<0.001). Isso indica certa semelhança entre as medidas de RBD. Álém disso, nenhuma

tarefa se correlacionou com MPCR (p>0,05).

Posteriormente, foi testada a hipótese de automatização dos padrões canônicos. Observou-

se que as crianças responderam mais rapidamente aos padrões canônicos

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(média=3548,59ms; DP=1461,36) que aos não-canônicos (média=4251,98ms; DP=1232,06)

nas tarefas de identificação dos padrões dos dedos [F(1,164)=1692,26; p<0,001; h2=.91].

Além disso, foi verificado que as magnitudes simbólicas são mais facilmente acessadas por

meio das RBD que representações de magnitudes não-simbólicas. Para tanto, observamos

que as crianças responderam mais rapidamente à tarefa de comparação dedos-números

(média=2369,17ms; dp=552,78) do que a de pontos-números (média=2573,09ms;

dp=795,57), F(1,165)=2663,75; p<0,001; h²=.94.

Tabela 1. Síntese dos resultados nos testes para cada grupo e resultados dos modelos lineares generalizados

3.3.2. Mecanismos subjacentes ao desempenho aritmético

Com o intúito de avaliar os mecanismos subjacentes do conhecimento aritmético no início

do primeiro ano, os participantes foram divididos em dois grupos de acordo com o

desempenho na tarefa da adição simples: 36 crianças foram classificadas como não-

conhecedoras (NCA) e 131 crianças como conhecedoras (CA) dos cálculos de adição. Não

foram encontradas diferenças quanto à idade, sexo e lateralidade entre os grupos.

Diferenças significativas entre os grupos NCA e CA foram encontradas nas seguintes

tarefas: MPCR, Alcance de letras na ordem direta, localização dos dedos e mostrar os

dedos (Tabela 1). Contudo, quando a inteligência foi controlada, apenas o resultado na

tarefa de mostrar os dedos continuou significativo [F (1;163) = 4,46; p = 0,036; η2 = 0,03].

Para investigar com maior detalhe a influência das habilidades cognitivas gerais,

representações de magnitudes não-simbólicas, gnosias digitais e RBD sobre o desempenho

aritmético, análises adicionais foram realizadas somente com o grupo CA, pois o grupo NCA

Variáveis independentes Conhecederos Não-conhecedores

F gl p h² N Média (DP) N Média (DP)

MPCR 131 1,01 (1,04) 36 0,38 (0,90) 11,103 1;165 0,001 0,063

Cubos de Corsi (ordem direta) 131 24,11 (9,52) 36 23,53 (12,61) 0,090 1;165 0,765 0,001

Cubos de Corsi (ordem inversa) 131 9,27 (8,09) 36 7,14 (6,45) 2,117 1;165 0,148 0,013

Alcance de Matrizes 131 23,55 (13,81) 36 19,36 (15,16) 2,489 1;165 0,117 0,015

Alcance de Letras (ordem direta) 131 19,32 (8,26) 36 16,17 (5,75) 4,626 1;165 0,033 0,027

Alcance de Letras (ordem inversa) 130 5,22 (2,92) 36 4,64 (2,91) 1,131 1;165 0,289 0,007

Teste de localização dos dedos 131 0,64 (0,21) 36 0,53 (0,22) 6,574 1;165 0,011 0,038

Fração de Weber 108 0,30 (0,12) 27 0,29 (0,11) 0,300 1;133 0,585 0,002

Tarefa de comparação pontos-números 130 2554,20 (791,73) 36 2641,32 (816,92) 0,337 1;164 0,563 0,002

Tarefa de comparação dedos-números 130 2361,51 (570,88) 36 2396,82 (488,19) 0,114 1;164 0,736 0,001

Tarefa de mostrar os dedos 129 2822,84 (1037,10) 36 3368,53 (2030,30) 4,845 1;163 0,029 0,029

Tarefa de identificação dos padrões canônicos 129 682,58 (1017,92) 36 777,96 (1625,53) 0,185 1;163 0,667 0,001

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não completou a tarefa de adição simples. A média da acurácia foi de 5,75 (dp =3,02) e a

frequência absoluta do uso dos dedos foi 6,85 (dp =3,20). Além disso, a média do tempo de

execução foi de 2,85 (dp=0,41) minutos, próximo ao tempo limite da tarefa (3 min). A síntese

dos resultados do grupo CA em cada medida cognitva está descrita na Tabela 1.

Correlações significativas foram observadas entre o MPCR e as tarefas de memória de

trabalho visuoespacial, localização dos dedos, fração de Weber, comparação de pontos-

dígitos e acurácia na TAS (Tabela 2, diagonal inferior). Com o intuíto de excluir o efeito da

inteligência sobre os resultados, correlações parciais foram feitas com o MPCR como

covariável (Tabela 2, diagonal superior).

Antes de analisar o impacto das medidas independentes sobre o desempenho aritmético, os

resultados correlacionais das RBD foram investigados. Os resultados encontrados sobre o

grupo CA são semelhantes aos observados na análise com toda a amostra. Correlações

positivas e significativas foram encontradas entre as tarefas experimentais das RBD e

identificação dos padrões canônicos, comparação dedos-números e mostrar os dedos

(Tabela 2, diagonal inferior).

Além disso, duas dessas medidas, tarefa de mostrar os dedos e identificação dos padrões

canônicos, se correlacionaram com a fração de Weber. Isso mostra uma associação entre

as representações não-simbólicas de magnitude e a automatização dos padrões de mostrar

os dedos para representar quantidades. Ademais, a tarefa de mostrar os dedos se

correlacionou significativamente com a tarefa de localização dos dedos (r²=-0,193; p<0,025).

Quando testada a associação entre a memória de trabalho e as RBD, nenhuma correlação

significativa foi encontrada entre as tarefas de RBD, alcance de letras e Cubos de Corsi.

Todavia, a tarefa de mostrar os dedos e identificação dos padrões canônicos

correlacionaram com o alcance de matrizes que avalia o componente visual da memória de

trabalho visuoespacial (Tabela 2).

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Tabela 2. Matrizes de correlação entre todas as variáveis somente do grupo CA

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14

1 TAS: Acurácia 1 0,336** - 0,304** 0,177* 0,265** 0,156 0,116 0,009 -0,070 -0,270** -0,206* -0,176* -

0,342**

2 TAS: frequência do uso dos dedos 0,368** 1 - 0,022 -0,052 0,086 -0,061 -0,087 0,149 0,073 0,046 -0,096 0,016 -0,044

3 Raven 0,252** -0,013 1 - - - - - - - - - - -

4 Cubos de Corsi (ordem direta) 0,276** 0,046 0,162 1 0,214* 0,272* 0,158* 0,113* -0,143* -0,154 -0,126 -0,145 0,005 -0,062

5 Cubos de Corsi (ordem inversa) 0,241** -0,014 0,262** 0,242** 1 0,109 0,127 0,098 0,098 -0,187* -0,138 -0,119 -0,117 -0,111

6 Alcance de Matrizes 0,340** 0,118 0,286** 0,335** 0,196* 1 0,147 0,182* 0,113 -0,108 -0,197* -0,129 -0,177* -

0,232**

7 Alcance de Letras (ordem direta) 0,150* -0,066 0,239** 0,253** 0,236** 0,201* 1 0,300** 0,008 -0,108 -0,107 -0,107 -0,071 -0,074

8 Alcance de Letras (ordem inversa) 0,150* -0,057 0,148 0,161 0,208* 0,240** 0,356** 1 0,076 0,033 -0,189* -0,066 -0,1478 -

0,235**

9 Teste de localização dos dedos 0,079 0,125 0,210* -0,045 0,153 0,196* 0,117 0,106 1 -0,214* -0,120 -0,062 -0,193* -0,089

10 Fração de Weber -0,138 0,055 -0,231* -0,193* -0,226* -0,183 -0,163 -0,006 -0,250** 1 0,125 0,130 0,205* 0,191*

11 Tarefa de comparação pontos-números

-0,233 0,119 -0,194* -0,134 -0,186* -0,219* -0,174* -0,196* -0,147 0,151 1 0,696** 0,437** 0,566**

12 Tarefa de comparação dedos-números -0,169 -0,044 -0,124 -0,132 -0,155 -0,159 -0,165 -0,088 -0,097 0,152 0,708** 1 0,467** 0,559**

13 Tarefa de mostrar os dedos -0,156* 0,010 0,063 -0,014 -0,091 -0,167 -0,061 -0,120 -0,166 0,204* 0,406** 0,434** 1 0,558**

14 Tarefa de identificação dos padrões canônicos

-0,387** -0,116 -0,113 -0,072 -0,174* -0,299** -0,174* -0,247** -0,180* 0,215* 0,484** 0,528** 0,471** 1

Nota: Os valores na diagonal inferior correspondem aos coeficientes de correlação de Pearson; os valores na diagonal superior, em cinza,

correspondem aos coeficientes de correlação parcial, tendo o MPCR como covariável; *Correlações significativas com um p<0,05 (unicaldal);

**Correlações significativas com um p<0,01 (unicaldal).

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Serão retomadas as análises dos mecanismos cognitivos subjacentes ao desempenho

aritmético. Os coeficientes de correlação pacial das seguintes variáveis tiveram correlações

significativas com a acurácia na TAS, independente da inteligência: Cubos de Corsi (ordem

direta e indereta), Alcance de matrizes, mostrar os dedos, identificação dos padrões

canônicos dos dedos, comparação dos dedos-números e pontos-números, além da

frequência do uso dos dedos. Estas oito variáveis, além da MPCR foram incluídas em um

modelo de regressão linear múltipla (stepwise). O modelo final da regressão encontra-se na

tabela 3. O modelo de regressão final com maior adesão aos dados (r² ajustado=0,32)

mostrou que a tarefa de identificação dos padrões canônicos dos dedos, frequência de uso

dos dedos, Cubos de Corsi ordem direta e MPCR explicaram o desempenho na TAS. Nota-

se que a frequência do uso dos dedos (Beta=0,316) e identificação dos padrões canônicos

dos dedos (Beta=0,311) foram os melhores preditores da acurácia, sendo que essas tarefas

envolvem RBD ordinais e cardinais, respectivamente.

Tabela 3. Análise de regressão linear múltipla para tarefa de adição simples

ajustado B EP B Beta p

Modelo 1 0,141

Identificação dos padrões canônicos dos dedos

-0,001 <0,001 -0,385 < 0,001

Modelo 2 0,235

Identificação dos padrões canônicos dos dedos

-0,001 <0,001 -0,350 < 0,001

Frequência do uso dos dedos

0,298 0,074 0,316 < 0,001

Modelo 3 0,285

Identificação dos padrões canônicos dos dedos

-0,001 <0,001 -0,334 < 0,001

Frequência do uso dos dedos

0,291 0,071 0,309 < 0,001

Cubos de Corsi (ordem direta)

0,074 0,024 0,236 0.002

Modelo 4 0,320

Identificação dos padrões canônicos dos dedos

-0,001 <0,001 -0,311 < 0,001

Frequência do uso dos dedos

0,298 0,070 0,316 < 0,001

Cubos de Corsi (ordem direta)

0,066 0,023 0,209 0,006

Raven

0,609 0,224 0,202 0,008

Nota: EP=Erro Padrão

3.3.3. Desempenho aritmético e uso dos dedos

Como complemento dessas análises, a acurácia e frequência do uso dos dedos na TAS

foram incluídas em uma análise de cluster hierárquica aglomerativa (agrupamento pela

distância euclidiana ao quadrado no método Ward) para melhor investigar a relação entre as

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duas habilidades. A análise produziu quatro subgrupos (G1:n=15, G2:n=73, G3:n=34 e

G4:n=9) que foram selecionados com base nos valores das distâncias. A média da acurácia

e frequência do uso dos dedos na TAS para cada subgrupo pode ser observado na Figura 3.

A acurácia cresceu linearmente entre os grupos, enquanto o padrão da frequência de uso

dos dedos se apresentou como uma curva quadrática. Os quatro subgrupos diferiram um do

outro no total de acertos [F(3,127)=117,30; p<0,001; eta²=0,74], sendo que o grupo G4 teve

o melhor desempenho, seguido do G3, G2 e G1 como pode ser visto na Tabela 4 e Figura 3.

Além disso, as crianças do G4 resolveram os cálculos significativamente mais rápido que as

crianças dos outros grupos (p<0,05). Apesar de existir uma diferença significativa na

frequência do uso dos dedos entre os grupos, o teste de comparação post hoc de Bonferroni

indicou que o G1 e G4 tiveram desempenho semelhante. Em ambos os grupos as crianças

usaram menos os dedos que nos outros grupos. Em todas essas análises um alto efeito de

magnitude foi observado (Tabela 4).

Tabela 4. Síntese dos resultados em todos os testes para cada subgrupo formado a partir da análise de Cluster

G1 G2 G3 G4

N Média (DP) N Média (DP) N Média (DP) N Média (DP)

TAS: Acurácia 15 2,40 (1,76) 73 4,34 (1,55) 34 8,97 (1,60) 9 10,56 (1,33)

TAS: Frequência do uso dos dedos 15 1,33 (1,29) 73 7,04 (1,85) 34 10,06 (1,23) 9 2,44 (1,88)

TAS: Tempo de resposta 15 2,79 (0,49) 73 2,97 (0,12) 34 2,87 (0,29) 9 1,96 (0,89)

Raven 15 0,86 (1,13) 73 0,90 (1,06) 34 1,17 (0,84) 9 1,54 (1,31)

Cubos de Corsi (ordem direta) 15 19,60 (9,37) 73 23,41 (9,32) 34 25,94 (9,33) 9 30,33 (8,86)

Cubos de Corsi (ordem inversa) 15 7,67 (8,32) 73 8,38 (6,62) 34 9,97 (7,59) 9 16,44 (15,46)

Alcance de Matrizes 15 17,00 (12,81) 73 21,86 (13,12) 34 28,03 (3,96) 9 31,22 (14,18)

Alcance de Letras (ordem direta) 15 21,40 (10,36) 73 18,59 (8,43) 34 18,91 (6,84) 9 23,33 (7,47)

Alcance de Letras (ordem inversa) 14 4,50 (2,71) 73 5,12 (2,69) 34 5,24 (3,32) 9 7,11 (3,10)

Teste de localização dos dedos 15 0,60 (0,29) 73 0,63 (0,22) 34 0,65 (0,16) 9 0,62 (0,17)

Fração de Weber 11 0,29 (0,15) 60 0,31 (0,12) 28 0,30 (0,11) 9 0,26 (0,14)

Tarefa de comparação pontos-dígitos

15 2388,62 (469,86) 72 2731,22 (894,13) 34 2458,83 (486,70) 9 1774,33 (769,84)

Tarefa de comparação dedos-dígitos 15 2385,74 (418,12) 72 2436,33 (662,33) 34 2253,27 (343,49) 9 2131,52 (639,13)

Tarefa de mostrar os dedos 15 2731,43 (1010,94) 72 2930,63 (921,72) 33 2771,51 (1324,71) 9 2301,14 (651,36)

Tarefa de identificação dos padrões canônicos

15 3902,59 (1875,04) 71 3797,31 (1507,08) 34 3005,97 (939,52) 9 2452,91 (742,26)

Para também investigar os mecanismos subjacentes à relação da acurácia e uso dos dedos

na TAS, comparações entre os subgrupos foram feitas por meio de modelos lineares

generalizados (Tabela 5). Não foram observadas diferenças significativas nas seguintes

tarefas: MPCR, alcance de letras (ordem direta e inversa), teste de localização dos dedos,

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fração de Weber, comparação pontos-números e dedos-números e mostrar os dedos

(p>0,05). Apesar do efeito de magnitude baixo, o G4 teve um melhor desempenho que o G1

no Cubos de Corsi na ordem direta e que o G2 na ordem inversa. Já no alcance de

matrizes, o G3 foi significativamente melhor que o G1. Apesar de não existir uma difierença

significativa entre todos os quatro grupos nas tarefas de memória de trabalho visuoespacial,

um desempenho crescente é observado entre eles, sendo que o G1 apresenta o pior

desempenho e o G4 o melhor desempenho (Figura 4). Na tarefa de comparação pontos-

números, o G4 foi significativamente mais rápido que o G2, sendo este o mais lento entre os

quatro grupos. Na tarefa de identificação dos padrões canônicos dos dedos, o G1 e G2

tiveram um tempo de resposta semelhante. Além disso, o G2 diferiu significativamente do

G3 e G4 (Figura 4).

Figura 3. Média da acurácia e frequência do uso dos dedos na Tarefa de Adição Simples em função dos grupos formados a partir da análise de Cluster

De forma geral, os resultados da comparação entre os subgrupos mostraram que as tarefas

do Cubos de Corsi (ordem direta e indireta), alcance de matrizes, comparação pontos-

números e mostrar os dedos se diferiram entre os grupos (Tabela 5). Para avaliar com mais

detalhes a relação entre essas variáveis, acurácia e uso dos dedos na TAS, um modelo de

regressão logística multinomial foi calculado com essas cinco variáveis, tendo os subgrupos

formados a partir da análise de Cluster como variável dependente. O modelo foi preditivo do

ajuste aos subgrupos, sendo que apenas a tarefa de comparação pontos-números

(x²=10,50; p=0.015) e mostrar os dedos (x²=8,85; p=0.031) mostraram-se significativas no

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modelo [Pearson x² (369)=481,57, p<0,001; pseudo r²(Cox e Snell)= 0,287]. De forma geral,

60,5% das crianças foram classificadas corretamente em cada subgrupo.

Tabela 5. Resultados da comparação dos subgrupos de acordo com a análise de Cluster

F gl p eta²

TAS: Acurácia 117,299 3;127 <0,001 0,735

TAS: Frequência do uso dos dedos 119,584 3;127 <0,001 0,739

TAS: Tempo de resposta 25,405 3;127 <0,001 0,375

Raven 1,416 3;127 0,241 0,032

Cubos de Corsi (ordem direta) 3,096 3;127 0,029 0,068

Cubos de Corsi (ordem inversa) 3,072 3;127 0,030 0,068

Alcance de Matrizes 3,844 3;127 0,011 0,083

Alcance de Letras (ordem direta) 1,252 3;127 0,294 0,029

Alcance de Letras (ordem inversa) 1,593 3;127 0,194 0,037

Teste de localização dos dedos 0,219 3;127 0,883 0,005

Fração de Weber 0,445 3;104 0,721 0,013

Tarefa de comparação pontos-dígitos 4,901 3;126 0,003 0,105

Tarefa de comparação dedos-dígitos 1,326 3;126 0,269 0,031

Tarefa de mostrar os dedos 1,086 3;125 0,357 0,025

Tarefa de identificação dos padrões canônicos 4,631 3;125 0,004 0,100

3.4. Discussão

Este estudo investigou os mecanismos cognitivos subjacentes à aprendizagem aritmética.

Analisou-se especialmente a associação entre as RBD e o desempenho em uma tarefa de

adição simples em crianças no início do primeiro ano. Para tanto, os resultados deste estudo

podem ser divididos em três blocos seguindo os seguintes objetivos específicos: 1) buscou-

se caracterizar o desempenho das crianças nas tarefas que avaliam as RBD. Foi

investigado a automatização dos padrões canônicos dos dedos e a associação entre as

RBD e as representações de magnitudes simbólicas. Depois disso, 2) procurou-se

compreender os mecanismos cognitivos subjacentes à aprendizagem da matemática,

especificamente o efeito da inteligência, memória de trabalho, representações de

magnitudes não-simbólicas, Gnosias digitais e RBD. Por fim, 3) para melhor compreender a

associação entre as RBD e desempenho aritmético, a amostra foi subdivida de acordo com

a acuráricia e uso dos dedos em uma tarefa de adição e o perfil dos subgrupos foram

analisados.

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Figura 4. Média (a) dos escores no Cubos de Corsi e Alcance de Matrizes e (b) tempo de resposta na tarefa de comparação pontos-números e identificação dos padrões canônicos em função dos grupos formados a partir da análise de Cluster. Nota: *p<0,05.

Os resultados mostraram que as crianças no 1º ano escolar apresentam os padrões

canônicos dos dedos automatizados. Além disso, observou-se um efeito facilitador das RBD

no acesso às representações de magnitudes simbólicas quando comparadas às

representações de magnitudes não simbólicas. Os resultados mostraram que crianças que

não sabiam a adição apresentaram um pior desempenho em tarefas que avaliavam as RBD,

além de um nível intelectual mais baixo, mas dentro da normalidade, que as crianças que

sabiam adição. Além disso, neste último grupo, as RBD, a memória de trabalho visuospacial

e inteligência foram preditivos do desempenho aritmético. Os subgrupos de participantes

divididos de acordo com a acurácia e uso dos dedos na TAS tiveram uma taxa crescente de

acurácia entre os grupos, já a frequência do uso dos dedos seguiu uma curva quadrática.

Nota-se que os subgrupos se diferiram em todas as tarefas de memória de trabalho

visuoespacial, identificação dos padrões canônicos dos dedos e comparação de

representações não-simbólicas e simbólicas, contudo apenas as duas últimas variáveis

explicaram a adesão aos subgrupos.

3.4.1. Representação numérica baseada nos dedos

As crianças no início do primeiro ano apresentaram os padrões canôncios dos dedos

automatizados, pois identificaram com maior velocidade os padrões canônicos que os não-

canônicos. Esses dados corroboram os achados de Lafay et al. (2013). Duas outras tarefas

foram aplicadas para avaliar as RBD, comparação de pontos-números e mostra dos dedos,

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sendo que todas tiveram correlação com a identificação dos padrões canônicos, tarefa

tradicionalmente usada para avaliar as RBD cardinais em crianças (Noël, 2005; Gracia-

Bafalluy e Noël, 2008; Lafay et al., 2013). É interessante notar que o desempenho nas

tarefas de RBD foram independentes do nível intelectual. Por fim, as representações

simbólicas foram mais facilmente acessadas por meio das RBD que representações de

magnitude não-simbólica. Este último achado é compatível com a previsão feita pela

hipótese de que os padrões canônicos dos dedos possuem uma ligação semântica com as

representações de magnitudes simbólicas (DiLuca e Pesenti, 2008).

3.4.2. Mecanismos cognitivos subjacentes ao desempenho aritmético

O presente estudo mostrou pela primeira vez que crianças que não sabem adição no início

do 1º ano têm um pior desempenho na tarefa que avalia a habilidade de mostrar os dedos

para representar um número arábico, RBD cardinal, quando comparadas com crianças que

sabem resolver tais cálculos. Aparentemente, um pior desempenho foi observado nas

tarefas de memória de trabalho verbal e gnosias digitais nas crianças que não sabiam

adição. Todavia, estes resultados correspondiam a artefatos do nível intelectual. Não é

possível identificar, por meio do desenho do presente estudo, se o grupo que não sabe

adição corresponde à um grupo clínico. Apesar disso, os achados mostram a importância da

habilidade de mostrar os dedos para aquisição do conhecimento aritmético no início do

ensino formal.

À primeira vista, tais resultados se contrapõem aos achados de Costa et al. (2011), que

observaram diferenças significativas nas gnosias digitais entre crianças com dificuldade de

aprendizagem da matemática e crianças com desempenho típico. No entanto, é importante

ressaltar que Costa et al. (2011) trabalharam com crianças mais velhas e com um grupo

clínico de dificuldade de aprendizagem, já o presente estudo categorizou as crianças a partir

de uma medida aritmética específica, tarefa de cálculos de adição, e não por meio de uma

medida de desempenho acadêmico.

Controlando o efeito da inteligência, observou-se que as gnosias digitais se relacionaram

com RBD cardinais, mas não com a contagem nos dedos. Tais resultados não replicam os

achados de Reeve e Humberstone (2011) que mostraram uma forte relação entre as

gnosias digitais e contagem nos dedos. Ademais, em conformidade com a hipótese de que

os dedos funcionam como uma ponte entre as representações de magnitudes não-

simbólicas e simbólicas (Fayol & Seron, 2005), este trabalho mostrou que RBD cardinais se

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relacionaram com as representações de magnitudes não-simbólicas e com o desempenho

aritmético.

É interessante notar que as RBD cardinais se correlacionaram apenas com o componente

visual da memória de trabalho visuoespacial (alcance de matrizes) e não com o componente

espacial (Cubos de Corsi), mostrando assim uma relação dissociada entre eles. O

componente espacial envolve a capacidade de recordar diferentes localizações, sendo

relacionado também à memorização de ordens sequenciais. Já o componente visual diz

respeito a habilidade de evocar informações visuais apresentadas de formas simultâneas

(Cornoldi & Vecchi, 2004; Della Sala, Gray, Baddeley, Allamano & Wilson, 1999). Mostrar os

dedos para representar quantidades exige uma manipulação de informações visuais

apresentadas simultaneamente. Estas informações são mantidas na memória de trabalho

para que ocorra o reconhecimento semântico.

Em discordância com os achados de Noël (2005) e Reeve e Humberstone (2011), os

resultados do presente trabalho não mostraram as gnoisas digitais como melhor preditor do

desempenho aritmético. Diferenças no desenho dos estudos podem explicar esta

discordância. Noël (2005), investigou os efeitos preditivos das gnosias digitias

longitudinalmente, assim, apesar desta habilidade ter sido avaliada no primeiro ano, o

impacto no desempenho aritmético foi analisado no ano posterior. Nota-se que as gnosias

digitais avaliadas no momento posterior não foram preditivas do desempenho aritmético.

Desta forma, as habilidades de gnosias digitais podem ser consideradas um bom preditor do

desfecho da aprendizagem aritmética em crianças no início da aprendizagem aritmética

formal ou um preditor do desempenho em crianças mais novas como mostrado por Reeve e

Humberstone (2011). Neste trabalho, parte da amostra era constituída por crianças da pré-

escola, sendo as habilidades avaliadas transversalmente. Em vista disso, os efeitos

preditivos das gnosias digitais podem ser observados no início da aprendizagem, mas com o

passar dos anos escolares, habilidades mais complexas relacionadas aos dedos, como

automaização dos padrões canôncios e fluência na contagem nos dedos, se tornam mais

importantes. Nota-se que o efeito dessas habilidades mais complexas é independente de

habilidades cognitivas gerais, como memória de trabalho e inteligência. É importante

salientar que estas habilidades gerais também predizem o desempnho aritmético. Estes

resultados são consistentes com as pesquisas que encontraram uma relação da memória de

trabalho visuespacial (McKenzie, Bull & Gray, 2003) e inteligência (Stock, Desoete &

Roeyers, 2009; Geary, Hoard & Nugent, 2012) com o desempenho aritmetico.

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3.3.3. Desempenho aritmético e uso dos dedos

Os resultados deste estudo revelaram a existência de diferenças no padrão de desempenho

aritmético e frequência do uso dos dedos. Especificamente, quatro grupos com perfis

distintos emergiram das análises de Cluster, em que a taxa de acurácia foi crescente entre

os grupos, já a frequência do uso dos dedos seguia uma curva quadrática. Estes achados

replicam o padrão de desempenho observado em Reeve e Humberstone (2011) e mostram

que os dedos são mais recrutados quando as crianças estão no processo de aprendizagem

de um procedimento, portanto, com taxas de acerto medianas. No entanto, quando as

crianças automatizam tal procedimento aritmético, apresentando taxas de acertos altas, os

dedos já não são tão recrutados e estratégias mais eficientes são utilizadas. Apesar de não

terem sido codificadas as diferentes estratégias utilizadas pelos participantes na resolução

dos cálculos, o menor tempo de execução observado no grupo com melhor desempenho é

um indicativo de eficiência.

Apesar do desenho do atual estudo não permitir replicar os dados de Jordan e

colaboradores (2008), pois eles fizeram um estudo longitudinal, os resultados do presente

estudo são consistentes com os seus achados. Jordan e colaboradores (2008) mostraram

que o uso dos dedos cresce nos primeiros anos acompanhando as taxas crescentes de

acurácia, mas a partir de um determinado momento uma curva decrescente começa a ser

observada, não sendo o uso dos dedos correlacionado com o desempenho. Wylie, Jordan e

Mulhern (2012) também mostraram por meio de um estudo longitudinal que crianças com

desenvolvimento típico usam os dedos em taxas decrescentes ao longo dos anos escolares,

enquanto as estratégia de resgate dos fatos crescem.

O atual estudo não encontrou diferenças no nível intelectual entre os diferentes padrões de

desempenho aritmético e frequência do uso dos dedos, mostrando que a interação das duas

habilidades não são decorrentes de diferenças no nível intelectual. Ademais, uma

associação entre a memória de trabalho visuoespacial e os subgrupos desempenho/uso dos

dedos na TAS foi notada, sendo que os melhores níveis de memória de trabalho são

observados nos grupos com maior acurácia. Este resultado é consistente com outras

pesquisas que mostraram a relação da memória de trabalho visuoespacial no desempenho

na adição no início da aprendizagem formal (Reeve e Humberstone, 2011; McKenzie et al.,

2003). É interessante notar que os grupos com melhores desempenhos na TAS, também

foram mais rápidos na identificação dos padrões canônicos dos dedos e comparação de

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representações não-simbólicas e simbólicas. Além disso a adesão aos subgrupos foi

explicada apenas por essas habilidades.

3.4. Conclusão

Estudos prévios investigaram a relação das RBD, gnosia digital e memória de trabalho sobre

o desempenho aritmético (Reeve e Humberstone, 2011), ou ainda a associação entre as

representações de magnitudes não-simbólicas e habilidadas numéricas (Halberda,

Mazzocco & Feigenson, 2008, Pinheiro-Chagas et al., 2014) ou inteligência (Stock, Desoete

& Roeyers, 2009; Geary, Hoard & Nugent, 2012) e habilidadas aritméticas. No entanto, este

foi o primeiro estudo que analisou a relação entre todas essas variáveis. Além disso, este foi

o primeiro trabalho que procurou verificar o impacto tanto das RBD cardinais quanto ordinais

sobre o desempenho aritmético em crianças. Para melhor elucidar a relação memória de

trabalho visuoespacial com o desempenho aritmético e RBD, duas tarefas foram utilizadas

para avaliar os componentes espaciais e visuais de forma separada. Além disso, uma

medida de inteligência geral foi incluída nas análises com o intúito de compreender os

efeitos mediadores da inteligência sobre as habilidades.

Assim como Crollen e Noel (2015), o presente estudo não encontrou associação da gnosia

digital com o desempenho aritmético. Na verdade, na única análise em que se observou o

efeito dessa variável, percebeu-se que se tratava de um artefato do nível intelectual. Assim,

novos estudos devem ser feitos para melhor compreender o papel das gnosias digitas na

aprendizagem aritmética e como essa habilidade interage com a inteligência. Os estudos

prévios indicam que a gnosia digital é mais importante como um fator de desfecho da

aprendizagem aritmética ou sobre o desempenho numérico em crianças mais novas (Noël,

2005 e Reeve e Humberstone, 2011). Além disso, essa habilidade é importante na

caracterização das dificuldades de aprendizagem da matemática, uma vez que essas

crianças apresentam deficit nessa competência (Costa et al., 2011). Conforme pesquisas

prévias já haviam mostrado, a memória de trabalho e RBD se relacionam de forma

independente com o desempenho aritmético (Reeve e Humberstone, 2011). Além disso, o

uso dos dedos é mais importante durante o processo de aprendizagem. Com a

automatização dos fatos, os dedos deixam de ser recrutados (Jordan, et al., 2008; Wylie,

Jordan e Mulhern, 2012).

A partir dos dados deste trabalho, sugere-se a realização de estudos longitudinais para

investigar a relação desenvolvimental entre as habilidades cognitivas gerais,

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representações numéricas dos dedos e desempenho aritmético. É importante investigar os

desefechos das RBD sobre a aprendizagem aritmética e se essas habilidades são fatores

de risco para a dificuldade de aprendizagem na matematica. Além disso, estudos de

treinamento que busquem estimular o uso dos dedos também podem ajudar a compreender

a relação entre RBD e desempenho aritmético.

3.5. Referências

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4.Considerações Finais

Esta dissertação teve como objetivo investigar a associação entre as representações

baseadas nos dedos e o desempenho aritmético em crianças. Para isso, foi realizado uma

revisão da literatura para sistematizar o conhecimento acerca do tema, identificando as

lacunas na literatura. Além disso, foi feito um estudo empírico a fim de investigar a influência

das representações numéricas baseadas nos dedos sobre o desempenho aritmético em

crianças, elucidando também os seus mecanismos cognitivos subjacentes.

Os resultados do estudo de revisão mostraram que os dedos são importantes durante o

processo de aprendizagem. Quando as crianças ainda não automatizaram as

representações de magnitudes simbólicas, as RBD auxiliam-nas a representar quantidades.

Da mesma forma, a contagem nos dedos funciona como um suporte na realização dos

cálculos aritméticos. Estes dados corroboram a hipótese que considera as RBD

mecanismos que aliviam a sobrecarga cognitiva durante a aprendizagem aritmética.

Adicionalmente, não é possível concluir se o ensino explicito da contagem nos dedos

melhoraram as habilidades aritméticas. Além disso, observou se que as Gnosias digitais são

associadas à contagem nos dedos, todavia nenhum estudo mostrou tal relação com os

outros tipos de RBD. Os resultados também não são consistentes sobre a relação direta

entre as RBD e medidas de memória de trabalho. Por fim, nenhum estudo investigou o

efeito da inteligência sobre as RBD.

Tendo em vista os achados da revisão sistemática, observa-se que o estudo empírico

replicou, de forma geral, os achados que mostram a importância do uso dos dedos na

aprendizagem aritmética. Além disso, este trabalho trouxe contribuições importantes para o

aprofundamento do conhecimento acerca desta relação. Primeiramente, notou-se que as

crianças que não sabiam adição no início do 1º ano escolar tinham um pior desempenho em

tarefas que avaliavam as RBD. Além disso, tanto as RBD cardinais quanto ordinais foram as

principais preditoras do desempenho aritmético nas crianças que sabiam adição. Ressalta-

se que os efeitos das RBD sobre o desempenho aritmético são independentes da memória

de trabalho visuoespacial, isso já havia sido mostrado por Noel (2005). Todavia, este foi o

primeiro estudo que evidenciou que estes efeitos são independentes tanto em relação à

memória de trabalho quanto inteligência.

Além disso, como havia sido mostrado por Reeve e Humberstone (2011) a relação entre o

uso dos dedos e desempenho aritmético é não linear. As crianças usam menos os dedos

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quando têm baixa ou alta taxa de acertos. O pico da frequência em que essa estratégia é

recrutada, acontece quando as taxas de acertos nos cálculos são intermediárias. Isso indica

que os dedos funcionam como um suporte que alivia a sobrecarga cognitiva observadas no

período de aprendizagem, momento em que a taxa de acertos é mediana.

Estes resultados mostram a necessidade de se investigar com maior detalhe os

mecanismos cognitivos subjacentes às RBD. Além disso, não se sabe especificamente o

papel de cada tipo de RBD sobre o desfecho acadêmico. Ademais, perguntas ainda ficam

em aberto sobre o seu papel no desenvolvimento numérico decrianças com Discalculia. Se

o processo de aprendizagem da matemática em crianças com Discalculia acontece por um

período mais longo, espera-se que os dedos sejam recrutados por um maior período de

tempo. Todavia, não se tem evidências se as RBD estão preservadas em crianças

discalculicas, seriam as RBD marcadores específicos da discalculia? Estudos clínicos

devem ser realizados com o intuito de responder estas perguntas.

4.1. Referências

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Wylie, J., Jordan, J. A., & Mulhern, G. (2012). Strategic development in exact calculation:

Group and individual differences in four achievement subtypes. Journal of

experimental child psychology, 113(1), 112-130.

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ANEXO I – Parecer do Comitê de Ética

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ANEXO 2 – Folha de aprovação