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Asthanga-yoga

Tratado Sobre a Genuína Filosofia Sankhya

Jayadvaita Das

Asthanga-yoga - Tratado Sobre a Genuína Filosofia Sankhya Copyright © 2005 by Jayadvaita Das Todos os direitos reservados. Capa: Editoração Eletrônica: Ananta Shakti Devi Dasi Revisão Gráfica: Jaya Devaki Dasi Editora: Om Tat Sat – (21) 2644-7213 Gráfica: Franciscana - (87) 3861-4739 Das, Jayadvaita, 1974 - Asthanga-yoga - Tratado Sobre a Genuína Filosofia Sankhya - Vrajabhumi, Teresópolis - RJ: Om Tat Sat, 2005 1.Yoga - Filosofia 2. Sistemas de Yoga - Ciência do Yoga 3. Meditação - Espiritualidade 4.Asthanga-yoga - Patanjali 5.Vaishnava – Hinduísmo - Sankhya. I. Das, Jayadvaita. II. Título. 05 Índices para catálogo sistemático: 1. Yoga e Meditação : Filosofia do Yoga : Asthanga-yoga e Patanjali 2. Bhakti Yoga e Sistemas de Yoga : Vedanta Vaishnava 3. Meditação e Transcendência : Bhagavad-gita : Hinduísmo e

Vaishnavismo Editora Om Tat Sat Vrajabhumi / Teresópolis - RJ [email protected] (21)2644-7213

Agradecimentos

Agradeço Suas Onipotências Sri Krishna-Balarama, Srila Prabhupada,

Hrdayananda das Gosvami, Chandramukha Svami

e a todos os yogis da Sociedade Internacional da Consciência de Krishna

por darem-me refúgio, instruções, determinação, entusiasmo e desejo

de espalhar a consciência espiritual, o amor e a paz.

Sumário Mangalacarana ............................................................. vii

Prefácio ......................................................................... ix

Introdução ..................................................................... 11 CAPÍTULO 1 - Yoga e Tradição 1.1 - Auto-Disciplina e Auto-Realização ......................... 15 1.2 - A Mente na Visão do Yoga ...................................... 16 1.3 - Cinco Estágios da Mente ........................................ 17 1.4 - As Modificações da Mente ...................................... 19 1.5 - Superando as Modificações Mentais ...................... 20 CAPÍTULO 2 - Sankhya 2.1 - A Filosofia Sankhya e Seu Contexto ....................... 21 2.2 - O Yoga Na Visão da Filosofia Sankhya ................... 24 2.3 - Sankhya de Devahuti-putra Kapiladeva................. 27 2.4 - Para Uma Compreensão Prática de Sankhya ......... 32 2.5 - Os Elementos de Sankhya ..................................... 35 2.6 - O Princípio Inconsciente da Natureza Material (Prakrti) .......................................................................... 38 2.7 - Os Três Modos da Natureza Material (Tri-Gunas) .. 59 2.8 - O Conceito de Desfrutador (Purusa) ...................... 78

CAPÍTULO 3 - Asthanga-yoga 3.1 - O Conceito de Asthanga-yoga ................................ 94 3.2 - Entrando no Yoga (Kevala-bhakti asthanga-yoga) 100 3.3 - Asthanga-Yoga de Patanjali ................................. 103 CAPÍTULO 4 - Simplicidade e Auto-realização 4.1 - Meditação Com Sementes Materiais (Sabija-samadhi) ...................................................................... 163 4.2 - Meditação Sem Sementes Materiais (Nirbija-samadhi) ...................................................................... 165 4.3 - O Conceito de Liberação (Mukti) .......................... 166 4.4 - Eternidade, Conhecimento e Prazer Transcendental no Yoga ........................................................................ 170 Conclusão ...................................................................................... 173

Referências Bibliográficas ..................................................... 175

Mangalacarana

Nasci na mais profunda ignorância, mas meu mestre espiritual está abrindo meus olhos

com o archote do conhecimento. Portanto, ofereço minhas respeitosas reverências a ele

que é como um cisne e que, com sua inteligência transcendental e extática,

está dando prazer a Srila Prabhupada, destruindo todas as filosofias ateístas.

Prefácio

odemos imaginar uma valiosa escultura de metal que com o passar do tempo fica oxidada e perde sua beleza e brilho.

Uma pessoa profissional na arte de restaurar obras preciosas pode, por meio de polimentos e limpeza, recuperar a escultura de metal trazendo de volta seu brilho original.

Isto se aplica ao ser vivo, à alma espiritual, que após ter passado por milhões de nascimentos, em diferentes corpos, perde seu brilho original, sua consciência pura. Devido à força da energia material ilusória, ninguém é capaz de recuperar sua natureza original sem o auxílio de um Guru, o restaurador da alma “oxidada”.

Analogamente, o antigo conhecimento sobre o processo de “polir” a alma espiritual também pode, com o tempo, acabar se “oxidando” e perder sua eficácia no processo de recuperação da alma espiritual.

O processo de polimento é o Yoga e o método de como polir é o Vedanta. Ou seja, com o tempo o Yoga acabou perdendo sua essência e tornou-se um processo que, ao invés de “polir” e auxiliar a alma espiritual no seu trajeto em busca da auto-realização, “oxida” ainda mais a mente e a consciência do ser vivo.

P

A tentativa humilde deste trabalho não é a de recuperar a tradição do Yoga, mas mostrar que ela existe e que o Yoga que conhecemos popularmente está distante desta tradição. Se este ajudar ao menos despertar a consciência de busca pela tradição, acreditamos que algo de positivo já tenha sido alcançado.

O mais importante não é tornar alguém um praticante de Yoga, mas, torná-lo um verdadeiro yogi.

Jayadvaita das Ashram Vrajabhumi, RJ - Janeiro de 2005

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Introdução

á milhares de anos, na antiga e avançada civilização Védica, tivemos a presença de um grande sábio chamado Kapiladeva. Ele foi

filho do yogi Kardama Muni e Devahuti. Só encontramos referências sobre esta grande personalidade na milenar escritura conhecida como Srimad-Bhagavatam, ou Bhagavat-Purana. De acordo com estes documentos sagrados, que datam de mais de cinco mil anos, Kapiladeva foi uma poderosa encarnação de Deus. Seu principal propósito foi revelar à humanidade o conhecimento sobre o processo de Yoga.

Quando seu pai deixou o lar e foi viver na floresta – que para nossa realidade é algo muito distante, mas que naquele tempo fazia parte da cultura Védica - sua mãe, Devahuti, ficou muito pesarosa e sem saber o que fazer. Foi neste momento que Kapiladeva a instruiu sobre a meta última da vida que pode ser alcançada pela prática preliminar de Yoga, a original Asthanga-yoga, e pelo conhecimento da filosofia teísta de Sankhya.

A Filosofia Sankhya oferece uma compreensão sobre a natureza material em todos os seus elementos e culmina na compreensão entre matéria e transcendência, e na adoração e devoção ao Senhor Supremo. Esta filosofia Sankhya tem total relação com a Filosofia Vedanta e sua conclusão está em total concordância com os ensinamentos do Vedanta Vaishnava.

Com o passar do tempo teve inicio a atual era em que vivemos, chamada Kali-yuga. Ela é uma era muito desfavorável aos princípios elevados da humanidade, por ser repleta de desavenças, hipocrisia e deturpação.

Foi neste contexto que nasceu, aproximadamente 500 a.C., um outro Rshi Kapila. Este, no caso, foi um grande impostor. Criador de uma filosofia materialista e niilista ele mesmo acabou deturpando a autêntica Filosofia Sankhya. Conceitos elevados sobre a criação do universo e dos seres vivos foram postos numa visão grosseiramente materialista, através de argumentos contraditórios e equivocados. Porém, sua sombra foi maior que o brilho filosófico do verdadeiro

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Kapiladeva, o filho de Devahuti, e se difundiu por muitas escolas.

Um pouco depois, por volta do século 3 a.C., nasce um outro reconhecido filósofo e yogi, Patanjali. Alguns documentos dizem que ele nasceu 3000 a.C., mas não há nada fidedigno nestas informações, pois sua principal obra, Yoga-sutra, só veio à luz 300 a.C. Ele foi, na verdade, o decodificador dos ensinamentos sobre Yoga deixados por Kapiladeva, o filho de Devahuti, mas seus seguidores e comentadores valeram-se da Filosofia Sankhya deixada pelo falso Kapila. Neste momento as águas foram divididas e proliferou-se por todo planeta um processo de Yoga que não coincide com sua Filosofia.

Na verdade, o Yoga-sutra, composto de 195 sutras ou aforismos, é mais um tratado sobre a teoria do Yoga do que um tratado filosófico do Yoga. Porém, mesmo no aspecto teórico há possibilidades de elucidar o processo apresentado por Patanjali através da Filosofia Sankhya do verdadeiro Kapiladeva, filho de Devahuti, que está em total concordância com o Vedanta.

Uma abordagem teórica do Yoga-sutra pela ótica do Vedanta pode ajudar na compreensão do Yoga e favorecer o resgate da tradição teórica e filosófica do Yoga.

Já houve muitos comentadores do Yoga-sutra. Cada qual em nada auxiliou na compreensão exata desta obra.

A Filosofia Sankhya do filho de Devahuti e o processo de Yoga são dois sistemas aliados. Mas a Sankhya niilista do falso Kapila parte do conceito de que o desfrutador (purusa) e natureza material (prakrti) são indistintos. Tendo como base a idéia de que a entidade viva e a natureza material são iguais, tais filosofias caem num sério erro quanto à compreensão da origem do universo e do propósito último da vida humana.

Através do emprego de termos como Sankhya e Yoga especuladores filosóficos, como o pseudo-Kapila e outros, assumiram uma posição de destaque nos tópicos sobre Yoga, deturpando Patanjali.

De maneira bem simples, Sankhya significa conhecimento e Yoga, aplicação prática do conhecimento, ou seja, conhecimento a respeito da Verdade Absoluta e meditação na forma transcendental desta Verdade Absoluta. Por este motivo, de acordo com o que realmente é apresentado no Yoga-sutra, é possível conciliar harmoniosamente Yoga e Vedanta no que diz respeito à auto-realização espiritual. O Vedanta

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explana que a liberação não é atingida apenas pela discriminação entre matéria e espírito - como enfatiza a falsa Filosofia Sankhya - mas pelo conhecimento a respeito do Senhor Supremo e rendição a Ele.

Recorrendo à Filosofia do verdadeiro Kapiladeva o yogi aspirante pode compreender adequadamente o Asthanga-yoga. O próprio Kapiladeva, a autoridade maior do Yoga, estabeleceu os oito estágios iniciais do Yoga, a saber, yama, niyama, asana, pranayama, Pratyahara, Dharana, Dhyana e Samadhi. Através destas práticas deve-se buscar pela Superalma, que é a meta de todo Yoga. Existem pretensas práticas de Yoga nas quais se concentra a mente no vazio ou no impessoal, mas isto não é aprovado pelo Vedanta e nem mesmo pelo Yoga-sutra.

Portanto, o sucesso no Yoga implica no libertar-se de todas as designações materiais e situar-se na sua original posição constitucional.

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Capítulo 3

Asthanga-yoga

pós ter assimilado o conhecimento de Sankhya o yogi deve partir, então, para a prática. Tendo uma visão geral e detalhada da

constituição deste mundo material, da mente, dos sentidos, da complexa interação dos Gunas e Karma, a situação real de si mesmo como uma eterna alma espiritual e a meta última da vida, Purusottama, o yogi inicia sua jornada em busca da auto-realização.

Já temos uma idéia de que não é tão simples este progresso. Não pelo processo em si, mas pela dificuldade de abandonar os apegos e, principalmente, a falsa identificação corpórea. Isto requer já de início o controle da mente. Podemos dizer que Yoga significa controle mental. Eis a primeira e talvez a maior dificuldade. Superando-a, facilmente superam-se as próximas. Mas, falhando na primeira todas as seguintes estarão comprometidas. No entanto, todos deverão praticar o processo de Yoga um dia, nesta ou em alguma outra vida.

De acordo com a filosofia Vedanta - o pilar da filosofia Sankhya - Yoga significa devoção amorosa exercitada através do transcendental serviço devocional ao Senhor. Isto é confirmado no Srimad Bhagavatam (1.2.29): vasudeva-para yoga. Yoga significa compreender a Suprema Personalidade de Deus. Vasudeva-paro dharmo. A ocupação eterna dos seres vivos é desenvolver amor pela Suprema Personalidade de Deus. Vasudeva-para gatih. A Suprema Personalidade de Deus é a meta máxima da vida humana.

3.1 - O Conceito de Asthanga-yoga

Para deixar bem enfatizado, o processo de Asthanga-yoga não é um processo novo. Existindo há milhares de anos,

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muitas pessoas no passado beneficiaram-se espiritualmente através deste processo. O Senhor Devahuti-putra Kapiladeva legou à humanidade este conhecimento minucioso. Além do conhecimento teórico (Sankhya), Kapiladeva deixou também o processo prático (kevala-bhakti asthanga-yoga).

Por estar envolvida dentro de Prakrti e identificada com os produtos e subprodutos do corpo material, a entidade viva afasta-se de sua cooperação com o Senhor. Isto ocorre porque sua verdadeira identidade espiritual está encoberta. Entretanto, pelo processo autorizado de Yoga, a pessoa recupera sua identidade original e realiza sua não-diferença qualitativa com a Superalma. Assim, ela se engaja no transcendental serviço amoroso ao Senhor e supera a natureza material.

O mesmo sistema apresentado por Devahuti-putra Kapiladeva foi utilizado por Patanjali. Ele é estruturado em oito partes (angas): regras (yamas); regulações (Niyamas); posturas (asana); controle do ar vital (Pranayama); restrição dos sentidos (Pratyahara); concentração (Dharana); meditação (Dhyana); absorção espiritual (Samadhi). Veremos adiante a descrição pormenorizada de cada um deles.

Este mesmo sistema foi apresentado pelo Senhor Krishna nos capítulos seis e oito do Bhagavad-gita, e, como sabemos, ele foi rejeitado por Arjuna. Há um motivo que nos faz entender esta rejeição de Arjuna. Ele argumenta que este processo mecânico de controle dos sentidos é muito difícil e imprático. Isto há mais de cinco mil anos; o que podemos esperar deste sistema nos dias atuais? O Senhor Krishna, entendendo a dificuldade de Arjuna, expõe a essência de todo processo de Yoga: a devoção (kevala-bhakti asthanga-yoga).

Num aspecto geral pode-se dizer que o Asthanga-yoga tem duas fases. A primeira, que corresponde a Yama, Niyama, Asana e Pranayama, é ainda uma etapa física e externa chamada bahiranga-yoga e de certa forma é mais ritualística. Nesta fase ocorre uma luta constante da mente com os sentidos que insistem em agir por conta própria. Por isso, entender o que se deve aceitar ou o que se deve rejeitar dentro de preceitos éticos e morais, controlar o corpo, os sentidos e a mente, controlar as influências mais sutis que afetam a mente estão entre os primeiros degraus, desta primeira fase do Asthanga-yoga.

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Um degrau intermediário e de muita importância é Pratyahara, ou interiorização da consciência. Ele faz a divisão entre a fase externa e interna do Asthanga-yoga. É nele que ocorre a bifurcação em que se decide por um caminho ou outro: ou o yogi escolhe seu objeto de meditação pessoal ou impessoal. No final faremos uma breve apresentação sobre estes dois objetos de meditação (sabija e nirbija). Enfim, neste degrau é definido todo o futuro espiritual do yogi.

Neste momento, o yogi passa a focar os objetos internos da mente numa busca cada vez mais profunda de sua essência, impedindo que qualquer influência externa atrapalhe sua interiorização consciente. É neste momento que o yogi irá definir seu objetivo em auto-realização e fará a escolha de fundir-se na energia divina (brahmajyoti), ou desenvolver seu relacionamento amoroso por meio do serviço devocional puro. Esta é, na verdade, a escolha mais coerente, pois Krishna mesmo diz a Arjuna no Bhagavad-gita (6.31):

sarva-bhuta-sthitam yo mam bhajaty ekatvam asthitah sarvatha vartamano ‘pi

sa yogi mayi vartate

“Tal yogi que se ocupa no serviço de adoração à Superalma, sabendo que Eu e a Superalma somos um, sempre permanece em Mim em todas as circunstâncias.”

Pratyahara é de fundamental importância neste

ponto. Enquanto nos angas anteriores mantiveram-se o controle externo dos sentidos, em Pratyahara este mesmo controle torna-se ocupação transcendental dos sentidos espirituais. Isto irá definir completamente o desenvolvimento interior do yogi.

Finalmente, mantendo-se fixo em Pratyahara o yogi entra na segunda fase do Asthanga-yoga, ou seja, a prática interna do Yoga chamada antaranga-yoga, que corresponde a Dharana, Dhyana e Samadhi, os três últimos degraus. Estes três degraus também são chamados de samyama. O praticante deve almejar chegar a esta fase. É nela que ocorrem intensas realizações espirituais e insight, e sem se situar nela o yogi não

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sente prazer interior, podendo perder o estímulo e abandonar sua busca através do Yoga. Quanto a isso, no Srimad Bhagavatam (1.13.54), encontramos a seguinte confirmação:

jitasano jitasvasah pratya-hrta-sad-indriyah hari-bhavanaya dhvasta- rajah sattva-tamomalah

“Tendo controlado sua postura e seu processo respiratório, pode-se direcionar seus sentidos à Suprema Personalidade de Deus e tornar-se imune às contaminações das qualidades materiais tais como bondade, paixão e ignorância.”

Direcionar os sentidos para o serviço amoroso ao

Senhor é definido neste verso como pratya-hrta. Pratya é da mesma raiz que Pratyahara; direcionar os sentidos para dentro (hara). E hrta tem sua mesma raiz que hrday, do coração. Portanto, é conclusivo que neste estágio de Pratyahara o yogi direcione a ocupação de seus sentidos para a Superalma, Paramatma, e não optar por se fundir na energia impessoal da Superalma. Ocupar-se é superior ao fundir-se, pois em ocupação mantém-se a identidade individual eterna da alma, ao passo que na fusão ocorre à perda inclusive da liberdade transcendental.

Neste verso também encontramos o termo hari-bhavanaya. Hari significa a Suprema Personalidade de Deus e bhavanaya tem sua raiz em bhavah, que significa natureza interior. Assim, hari-bhavanaya é estar absorto na natureza intrínseca da alma, que é adorar e servir ao Senhor Hari; esta é a fase preliminar do amor pela Pessoa Suprema (bhavena).

Isto corrobora o fato de que em Pratyahara devem-se direcionar os sentidos internos para a satisfação e prazer do Senhor Supremo. Isto é a essência do Asthanga-yoga, que, como veremos mais adiante, culminará no amor puro pelo Senhor Supremo.

Embora tenha um aspecto ainda mecânico, o Asthanga-yoga não é um exercício de ginástica corporal quando aplicado junto à devoção. De qualquer maneira, o

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Asthanga-yoga visa estabilizar a mente e então concentrar-se na forma pessoal do Senhor. Isto é confirmado no Srimad Bhagavatam (4.8.44): sanair vyudasyabhidhyayen manasa guruna gurum. Gradualmente abandona-se o envolvimento externo e, com a mente imperturbável, medita-se no Senhor Supremo. A palavra abhidhyayet significa estar com a mente fixa para meditar. Fixar a mente em algo externo é perigoso, pois isto a torna ainda mais instável. Mas, quando se fixa a mente internamente na forma do Senhor, através do Asthanga-yoga ou da glorificação dos santos nomes do Senhor, alcança-se sem demora o estado de meditação mais elevada. Isto também está confirmado no Srimad Bhagavatam (4.8.52):

evam bhagavato rupam subhadram dhyayato manah

nirvrtya paraya turnam sampannam na nivartate

“Aquele que medita desta maneira, concentrando a mente na sempre auspiciosa forma do Senhor, liberta-se mui rapidamente de toda contaminação material, e não decai de sua meditação no Senhor.”

Samadhi é a absorção em transe meditativo no

Senhor Supremo, e aqui temos a palavra dhyayato que significa meditando. O yogi que consegue se manter fixo em seu transe está em Samadhi, ou seja, absorto na satisfação do Senhor. Dhruva Maharaja, um grande bhakti-yogi e famoso rei santo, executou Asthanga-yoga num local chamado Badarikasrama, com menos de dez anos de idade. Mesmo assim, ele alcançou seu objetivo dentro do Yoga simplesmente por ter ocupado sua mente em meditar na Suprema Personalidade de Deus. Encontramos esta descrição no Srimad Bhagavatam (4.12.17):

tasyam visuddha-karanah siva-var vigahya baddhvasanam jita-marun manasahrtaksah

sthule dadhara bhagavat-pratirupa etad dhyayams tad avyavahito vyasrjat samadhau

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“Em Badarikasrama, os sentidos de Dhruva Maharaja purificaram-se perfeitamente porque ele se banhava regularmente em pura água cristalina. Ele fixou-se em postura sentada e, mediante a prática de yoga, controlou o processo respiratório e o ar vital; dessa maneira, recolheu seus sentidos completamente. Concentrou então sua mente na forma arca-vigraha do Senhor, que é a réplica exata do Senhor, e, assim meditando nEle, entrou em transe completo.”

Aqui mais uma vez mostra-se a potência da meditação

na forma pessoal do Senhor Supremo. Mas, o ponto importante é que, mesmo sendo ainda uma criança, Dhruva Maharaja foi para a floresta e praticou Asthanga-yoga e elevou-se a fase perfeita do Yoga, o Samadhi na forma eterna do Senhor. A palavra bhagavat-pratirupa, significa a forma exata do Senhor, que também é conhecida como Arca-vigraha. Não há progresso real na prática de meditação no aspecto impessoal do Senhor e este fato derruba todos os diferentes processos de Yoga que proferem a meditação impessoal. É ilusório querer controlar a mente fixando-a em algo sem forma. Sem uma forma a mente permanece instável para a meditação. Por isso, os yogis mais avançados concentram-se na forma pessoal da Verdade Absoluta, bhagavat-pratirupa.

Outro ponto importante é dado na palavra avyavahito, que significa ininterrupto. Este é o verdadeiro Samadhi. Quando se mantém vinte e quatro horas meditando no Senhor pode-se dizer que o yogi está numa posição segura do Samadhi. E esta eficácia é adquirida através do transcendental serviço devocional amoroso ao Senhor Supremo, pois nele o yogi se mantém constantemente ocupado em adorar e servir externa e internamente a forma pessoal da Verdade Absoluta. Estar em verdadeira meditação é estar em contato direto com a Pessoa Suprema, reciprocando serviço amoroso e satisfação plena. Neste sentido pode-se entender Yoga como “atuar em nome da Suprema Personalidade de Deus”. Yoga é atitude interna e externa de amor por Deus.

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3.2 - Entrando no Yoga (Kevala-bhakti asthanga-yoga)

Há uma essência original presente em tudo. Por toda a criação, em todos os seres vivos, em todo sentimento, pensamento e ação. Esta essência é a Verdade Absoluta.

Verdade Absoluta não é uma verdade imposta ou forçada. Ela é Absoluta por ser igual para todos, independente de cultura, raça ou momento histórico. Uma verdade que mude em cada época ou que se aplique para uma nação e não para outra não é uma verdade completa, mas relativa. Porém, a Verdade Absoluta é aplicada incondicionalmente a todos os seres. E não importa qual o nome que se dê a esta Verdade. O que importa é Sua presença em tudo (vasudeva sarvam iti), que ocorre mesmo contra a vontade do mais fiel ateísta.

Esta essência tem em cada alma individual uma contrapartida que é a ocupação eterna de cada ser vivo, o que há de intrínseco em cada um. Por exemplo, o caráter da água é umidade; do fogo, calor; do ser vivo, servir. É natural que toda alma espiritual tenha esta propensão a servir, pois é algo intrínseco à alma. Assim como também é o amor, a atividade e o prazer. A perfeição da vida humana é harmonizar a existência com o que possibilite a plenitude de tudo que seja intrínseco à alma. Só assim pode haver paz. E esta é também a perfeição do Yoga.

Portanto, se em tudo há esta essência divina presente e se em todas as circunstâncias o ser vivo deve manter-se em sintonia com esta essência, não poderia ser diferente no Asthanga-yoga.

No capítulo seis do Bhagavad-gita temos toda a descrição detalhada sobre o processo de Asthanga-yoga, e no final (6.47), Krishna conclui dizendo que o maior de todos os yogis é aquele que pensa sempre nEle dentro de seu coração. Esta é a mais elevada bênção. Só quem realiza este segredo dentro de si (param drst va nivartate), é que pode sentir profundamente as palavras de Krishna e Sua verdade. Em outras palavras, praticar Asthanga-yoga sem Bhakti não é Yoga. Mas, Asthanga-yoga com Bhakti leva o yogi a

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experimentar dentro de si a beleza bem-aventurada do Senhor Supremo.

O Vedanta-sutra (3.2.26), expõe que: prakasas ca karmany abhyasat. “O serviço devocional amoroso é tão poderoso que a iluminação espiritual ocorre pelo simples fato de ocupar-se em suas atividades.” O fato é que ninguém pode compreender a Verdade Absoluta pelo simples processo de Karma-yoga, Siddhi-yoga ou Asthanga-yoga isoladamente. Estes processos podem apenas facilitar o despertar da devoção no coração do yogi. Mas, como também se declara no Bhagavad-gita: evam prasanna-manaso bhagavad-bhakti-yogatah. Somente depois de ter purificado o coração é que se pode compreender a Personalidade de Deus.

A conclusão é que a prática de Yoga também está influenciada pelos três modos da natureza material e, portanto, qualquer prática está manchada por contaminação material, ou seja, não dará a plena realização ao seu praticante. Isto é chamado Bhakti-misra asthanga-yoga, execução de devoção amorosa através do Asthanga. Misra significa misturado ou contaminado. O ponto é que se deve partir de Bhakti. Assim tudo se molda em Bhakti, mas partir de qualquer outro processo para se chegar à Bhakti corre-se o risco de não chegar a visuddha-bhakti, devoção amorosa pura, ou Kevala-bhakti asthanga-yoga. Então, partindo-se de Bhakti pode-se executar Asthanga-yoga com sucesso. O Srimad-Bhagavatam (11.9.11), confirma isto:

mana ekatra samyunjaj jita-svaso jitasanah

vairagyabhyasa-yogena dhriyamanam atandritah

“Depois de aperfeiçoar as posturas sentadas e dominar o processo respiratório, deve-se estabilizar a mente através do desapego e da prática regulada do Yoga. Desse modo, com muita atenção deve-se fixar a mente na meta única da prática do Yoga.”

Verdadeiro Asthanga-yoga é Kevala-bhakti asthanga-

yoga, ou Yoga com seu objetivo claro e puro, a Superalma. A palavra dhriyamanam indica que a mente deve estar fixa na

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meta da vida. E esta meta deve ser apenas uma: a Superalma. Se a meta for algo material ou sutil não ocorrerá nenhum progresso; no máximo poderá alcançar a meta que, sendo material, é temporária - e isto não é Yoga. Por isso, dhriyamanam se refere à Verdade Absoluta em Sua forma pessoal.

Da mesma forma, a palavra vairagyabhyasa-yogena indica que através da prática genuína do Yoga é que se desenvolve o desapego, vairagya. Sendo assim, é contraditório imaginar que praticando verdadeiro Yoga devem-se manter apegos materiais. Artho yad asangas tu krtsnasah (SB 3.32.27). De fato Yoga leva ao desapego da matéria. Yoga é trabalho com a eternidade da alma, com a verdadeira vida. É por este motivo que neste verso também aparece a palavra atandritah, que significa ter muito cuidado e atenção na prática. Qualquer descuido pode nos levar a meditar em ilusões. Verdadeira prática de Yoga não deixa de manter fixo o objetivo final que é a essência original presente em tudo.

3.3 - Asthanga-Yoga de Patanjali

Em seu Yoga-sutra (2.26-28), Patanjali apresenta o Asthanga-yoga como fora apresentado por Devahuti-putra Kapiladeva. Seu maior trabalho foi facilitar e aproximar o Asthanga para a vida real das pessoas de sua época. Como está claro no Srimad-Bhagavatam (3.28.5), há total sintonia do Yoga-sutra com as palavras de Kapiladeva:

maunam sad-asana-jayah stairyam prana-jayah sanaih pratyaharas ca cendiyanam

visayan manasa hrdi “Deve-se observar silêncio, adquirir equilíbrio, praticando diversas posturas sentadas, controlar os ares vitais, afastar os sentidos dos objetos dos sentidos e, deste modo, concentrar a mente no coração.”

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Nota-se que neste verso há os seis primeiros degraus do Asthanga-yoga. Portanto, tendo como princípio os mesmos deixados por Kapiladeva, Patanjali enfatiza várias vezes a questão mais importante do Yoga: a rendição a Suprema Personalidade de Deus. E como veremos, ele focou seu processo meditativo no aspecto pessoal do Senhor, ao contrário do que pensam muitos dos seguidores e comentadores de sua obra.

Assim como Kapiladeva apresentou, Patanjali estruturou seu Asthanga-yoga em oito (astha) partes (angas):

1 - Yamas (regras); ahimsa (não violência) satya (veracidade) asteya (não roubar) brahmacarya (controle dos sentidos) aparigraha (não possessividade)

2 - Niyamas (regulações);

sauca (pureza) santosa (satisfação) tapas (austeridade) svadhyaya (estudo das escrituras) isvara-pranidhana (rendição ao Senhor)

3 - Asana (posturas); 4 - Prananyama (controle respiratório);

puraka (inalação) kumbhaka (retenção) rechaka (exalação)

5 - Pratyahara (restrição dos sentidos); brahman-pratyahara bhagavan-pratyahara

6 - Dharana (concentração); 7 - Dhyana (meditação); 8 - Samadhi (absorção espiritual)

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sabija- samadhi nibija- samadhi

3.3.1 - Yama

Dentro do sistema de Asthanga-yoga todas as oito etapas progressivas visam levar o praticante ao objetivo final que é o Samadhi. Para isto, é necessário desenvolver o controle dos sentidos. O processo de Asthanga-yoga exige autocontrole do começo ao fim. Por isso mesmo o nome do primeiro degrau é Yama, que significa controle, ou regras regulativas que ajudam o yogi a desenvolver o autocontrole. O Senhor Kapiladeva declara no Srimad-Bhagavatam (3.27.6):

yamadibhir yoga-pathair abhyasan sraddhayanvitah

mayi bhavena satyena mat-katha-sravanena ca

“É preciso tornar-se fiel, praticando o processo controlador do sistema de Yoga, e elevar-se à plataforma do serviço devocional amoroso puro, cantando e ouvindo sobre Mim.”

Neste sentido, Yama é composto de regras que

auxiliam o controle da mente e dos sentidos. Entretanto, este controle deve ser feito com firme fé e devoção pura (sraddhayanvitah mayi bhavena satyena). Sem este controle inicial, exercido pelo yogi que busca pela perfeição espiritual ou auto-realização, não há como fazer o menor progresso. E ele é facilitado através de Bhakti, ou bhavena. No Srimad-Bhagavatam (3.8.4), Kapiladeva descreve Yama e já adianta algo sobre Niyama como se segue:

ahimsa satyam aasteyam yavad-artha-parigrahah

brahmacaryam tapah saucam svadhyayah purusarcanam

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“Deve-se praticar a não-violência e a veracidade, evitar roubar e contentar-se com a posse de apenas o que seja necessário para a manutenção. Deve-se abster-se da vida sexual, praticar austeridade, ser limpo, estudar os Vedas e adorar a forma da Suprema Personalidade de Deus.”

Entre as oito etapas de Asthanga-yoga Yama,

juntamente com Niyama, definem os primeiros passos do Yoga. Alguns degraus intermediários são de grande

importância e formam o processo gradual de Yama. São eles:

3.3.1.1 - Ahimsa

Ahimsa literalmente significa não-violência. Tudo que possa favorecer a futura felicidade espiritual dos seres vivos em geral chama-se ahimsa. Sem seguir este primeiro princípio não há como elevar a consciência e, conseqüentemente, não dá para se falar de paz. Qualquer atitude que possa prejudicar ou interromper o desenvolvimento vital dos seres vivos é considerado violência.

Esta não-violência não se restringe apenas ao aspecto físico da violência, mas à violência causada pelos pensamentos, pelas palavras e pelas ações. Qualquer pensamento que tenha algum resquício de inveja, luxúria, ira, cobiça, ilusão ou loucura é, em diferentes graus, fonte de violência. Toda a dificuldade para se encontrar a paz ou praticar a paz recai neste mesmo ponto: a violência contra outras entidades vivas.

Alguém que cultive pelo menos um destes inimigos dentro de si não pode ser um yogi. No Yoga-sutra (2.35), encontramos que:

ahimsa-pratisthayam tat-samnidhau vaira-tyagah

“Estabelecendo-se intensamente em não-violência abandona-se qualquer hostilidade.”

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Também na fala o yogi deve ser muito sóbrio. Ele deve ser veraz, agradável e causar entusiasmo com sua fala, evitando palavras agressivas.

A violência mais grosseira é justamente a causada pela matança de animais. O yogi deve ver com igualdade todos os seres vivos como esclarece o Bhagavad-gita (6.10):

yogi yunjita satatam atmanam rahasi sthitah

ekaki yata-cittatma nirasir aparigrahah

“Considera-se um yogi mais avançado aquele que vê os benquerentes honestos, os benfeitores afetuosos, os neutros, os mediadores, os invejosos, os amigos e os inimigos, os piedosos e os pecadores - todos com uma mente equânime.”

O verdadeiro yogi vê tudo em relação com a Verdade

Absoluta e assim passa a respeitar a todos. Violência não é apenas aquela realizada por um assassino ou psicopata, mas por qualquer um que seja conivente com a matança indiscriminada de seres vivos para a satisfação do paladar. Qualquer ação que cause sofrimento a outro ser vivo é uma ação violenta tanto para o executor quanto para a vítima. Qualquer tipo de violência é sinal de um baixo nível de consciência, que impede o desenvolvimento da misericórdia e da equanimidade. Um yogi está sempre atento para não causar nenhum tipo de violência contra nenhuma espécie de entidade viva. Não é por acaso que não-violência aparece em primeiro lugar nos degraus de Yama. Ela é muito grosseira e está relacionada com o que há de mais degradado. A forma humana destina-se à compreensão espiritual; logo, qualquer ação que não promova ou impeça este propósito na certa comete violência contra os seres humanos e demais seres vivos.

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3.3.1.2 - Satya

A veracidade é compulsória a todo ser humano. Nenhuma sociedade pode ser estabelecida sem pelo menos um pequeno grau de veracidade. Deve-se ser veraz com os outros e consigo mesmo. O yogi só deve falar o que pensa e fazer o que diz, e sua veracidade também deve estar presente nos pensamentos, falas e ações. Patanjali no Yoga-sutra (2.36), diz que:

satyapratisthayam kriya-phala-asrayatvam

“Estabelecendo-se em veracidade as conseqüências das ações dependerão apenas das atividades que se realizarem.”

O yogi dever ser transparente em suas atividades

externas e internas. Dentro do sistema social Védico existe a classe social mais elevada formada por intelectuais, sacerdotes e professores (brahmanas) que são a cabeça da sociedade autêntica. Tais brahmanas apresentam em suas personalidades e caráter a exemplar qualidade de serem verazes. De acordo com a literatura Védica, na atual era em que vivemos (kali-yuga), por mais incrível que possa parecer, só resta uma qualidade dos elevados valores religiosos: a veracidade.

Krishna diz no Bhagavad-gita (10.4-5), que bhavanti bhava bhutanam matta eva prthag-vidhah, ou seja, a veracidade e todas as boas qualidades dos seres vivos surgem dEle.

A verdade deve ser apresentada independente de suas conseqüências. Sem veracidade o yogi não pode fazer o menor avanço. Enganando aos outros ou a si mesmo, como um pretenso yogi, ele pode causar sua própria ruína por não ser transparente em seus relacionamentos. Transparência é sinônimo de simplicidade e um yogi vive de maneira simples. O yogi não deve complicar sua vida e viver de maneira delirante sem saber em que nível está sua consciência espiritual. E para se obter esta simplicidade é necessário veracidade.

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Outro ponto importante é que o yogi deve ser verdadeiro com seus desejos. Isto requer harmonia e sinceridade na atitude com o Senhor Supremo. Esta sinceridade é definida no Srimad-Bhagavatam (8.16.22), pela palavra satya-sankalpa :

yatha me satya-sankalpa vidadhyat as manoratham

“Que o Senhor fique satisfeito comigo e satisfaça todos os meus sinceros desejos.”

É por isso que Krishna diz no Bhagavad-gita (7.16),

que existem quatro tipo de pessoas que se aproximam dEle: o aflito, o desejoso de riquezas, o inquisitivo e o que busca conhecer a Verdade Absoluta.

3.3.1.3 - Asteya

Neste caso, o verdadeiro yogi também se destaca por não querer para si a posse de outrem. Com perfeito conhecimento de que existe um Supremo Controlador, Desfrutador e Proprietário ele entende que tudo pertence ao Paramatma, a Superalma. Quando o yogi compreende que nada pode ser realmente seu - já que tudo tem uma existência temporária neste mundo -, mas que tudo pertence ao Senhor Supremo, ele pratica a verdadeira renúncia, utilizando tudo que possui para a satisfação do Senhor. Não é necessário abrir mão de nada além do falso ego.

De acordo com a filosofia do Yoga, cada qual tem sua cota determinada. Querer mais do que determina sua cota pode ser considerado um crime, e um yogi não deve cair neste erro que gera inveja e cobiça. Por isso, está dito no Sri Isopanisad (1), que:

isavasyam idam sarvam yat kinca jagatyam jagat tena tyaktena bhunjitha

ma grdhah kasya svid dhanam

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“O Senhor controla e possui todas as coisas animadas e inanimadas que estão dentro do Universo. Portanto, devem-se aceitar apenas as coisas que lhe são necessárias, que foram reservadas como sua cota, e não se devem aceitar outras coisas, sabendo bem a quem pertence.”

Por este motivo o yogi deve ser auto-satisfeito e não

alimentar o desejo por objetos que possam desviá-lo da meta última da vida. Estando satisfeito por considerar suficiente o que possui o yogi nunca estará envolvido pela ira ou luxúria, e nem se tornará escravo dos desejos insaciáveis da mente, fatores que podem atar a alma por muitas vidas ainda no mundo material.

Assim, o yogi deve desenvolver certo desapego de tudo que possa atá-lo à vida material. No Bhagavad-gita (15.4) vemos que é necessário deixar a associação daquilo que possa ser prejudicial à alma espiritual. Asanga-sastrena: é preciso deixar todo o apego a tudo que pertence à energia material. A melhor maneira de realizar este desapego não é abandonando a associação com a energia material, mas usá-la no aprimoramento espiritual. Seria como trocar a associação material pela espiritual. Sabendo que tudo pertence ao Isvara Supremo, o yogi naturalmente desenvolve uma relação espiritual com a energia material utilizando-a para a satisfação do Supremo. Isto é Asanga-sastrena, que pode ajudar a desenvolver uma atitude livre da cobiça. Como se declara no Yoga-sutra (2.37):

asteya-pratisthayam sarva ratnopasthanam

“Estabelecendo-se firmemente em honesti-dade todas as opulências necessárias se afloram.”

Porém, se não puder eliminar por completos estes

desejos corrosivos da mente por meio de Asanga-sastrena, o yogi deve ao menos evitá-los em seus pensamentos, fala e ações. Isto é facilitado quando se busca levar uma vida pura em todos os aspectos. Através da associação com aqueles que

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estão empenhados na prática do serviço devocional amoroso ao Senhor pode-se tornar a vida mais pura e espiritualizada.

3.3.1.4 - Brahmacarya

Brahmacarya significa aquele que atua no nível de brahman. Em todas as circunstâncias o yogi deve ser um brahmacary e sempre agir com consciência de aham brahmasmi, ou seja, que “eu não sou este corpo”. A atitude do yogi que segue brahmacarya deve basear-se neste princípio e nunca no conceito corpóreo de desfrute dos sentidos materiais do corpo.

O aspecto da abstinência sexual é apenas o aspecto externo da vida de brahmacarya. A meta não é meramente a vida celibatária, mas o controle total dos sentidos. Para quem está seguindo as regulações necessárias à vida espiritual sabe muito bem que o controle do impulso sexual é muito difícil, pois o prazer alcançado no ato sexual é, do ponto de vista material, muito forte. Assim, controlar os impulsos sexuais é conquistar todos os outros sentidos.

Para o verdadeiro yogi, que se dedica com sinceridade e oferece sua vida a Alma Suprema conhece um prazer muito superior a qualquer prazer mundano e, por isso, ele não se entrega aos desejos sensuais dos sentidos materiais, mas os ocupa para servir ao Paramatma.

Na ordem religiosa do sistema social Védico, brahmacarya é a primeira fase e precede, sucessivamente, as fases de casado (grhasta), retirado (vanaprasta) e renunciado (sannyasi). Em todos eles apenas na fase de casado é que se tem acesso regulado à vida sexual, porém apenas para a geração de filhos avançados em consciência espiritual, o que significa que mesmo na vida de casado o yogi deve praticar celibato.

Tal restrição não deve ser vista como algo proibitivo ou sofrido, mas como uma austeridade que faz parte do processo de se buscar pela meta última da vida. A vida sexual contrária aos princípios religiosos acaba com toda a energia vital que poderia ser usada para elevar a consciência e destrói

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a potência espiritual acumulada pelas atividades espirituais diárias.

Para se manter fortalecido o brahmacary deve manter-se junto do Guru e servi-lo por um bom tempo. O Guru ensina ao yogi discípulo a controlar os sentidos e concentrar-se no objeto de sua busca transcendental. Enfim, a prática de Brahmacarya capacita a memória a agir com mais rapidez e aumenta a duração de vida, como se declara no Yoga-sutra (2.38):

brahmacarya-pratisthayam virya-labhah

“Estabelecendo-se firmemente no controle dos órgãos genitais facilmente desenvolve-se vigor.”

Não há vantagem em desfrutar dos sentidos

materiais. Qualquer animal vive nesta plataforma sensual, mas o ser humano tem a prerrogativa de escolher entre a vida degradada ou civilizada. Sem esta alternativa não faria sentido o livre arbítrio. Portanto, vida espiritual é simples para as mentes simples, mas é difícil para as mentes complicadas. O melhor é descomplicar a vida controlando os sentidos e usando-os para o avanço espiritual. Imaginem quantas situações conflitantes, frustrações e desperdício de tempo e energia seriam evitados sem esta busca insólita por gozo sensual dos sentidos.

3.3.1.5 - Aparigraha

Aparigraha, ou não-possessividade, é compreendido como alguém que seja despojado de posses materiais, não no sentido de não possuir o mínimo necessário a sua manutenção básica, mas de não acumular mais do que necessita. Aparigraha se assemelha um pouco a Asteya, embora nesse o que prevalece é a inveja e a necessidade de assumir algo que não lhe pertença. Já em Aparigraha há o forte impulso de acumular posses desnecessárias.

Este sentimento de possessividade expressa a mais profunda insatisfação, insegurança, apego e cobiça. Por mais

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que alguém procure satisfazer sua tendência de Aparigraha nunca estará satisfeito, pois o desejo nunca poderá ser saciado. Por isso, encontramos no Yoga-sutra (2.39):

aparigraha-sthairye janma-kathanta-sambodhah

“Estando livre de possessividade material torna-se clara a razão da existência.”

A razão da existência é justamente buscar pela auto-

realização espiritual, e nada mais (vedais ca sarvair aham eva vedyah). Quem está envolvido com a ganância acaba sempre comendo a mais do que a capacidade do estômago, dormindo mais do que o corpo requer e assume tamanho hedonismo que passa a dedicar toda sua energia em saciar as mais fúteis demandas corpóreas.

Devido à intensa identificação com o corpo material tal pessoa acaba encontrando, em sua busca por desfrute, mais sofrimento do que prazer.

Diante de todas estas anomalias, o yogi não perde seu tempo procurando satisfazer-se com os produtos da ilusão, mas utiliza todo seu tempo e energia em expandir sua consciência espiritual.

Aqui também se aplica a idéia de desapego, como citado por Srila Rupa Gosvami em seu Bhakti-rasamrta-sindhu (2.255-256):

anasaktasya visayan yatharham upayunjatah

nirbandhah krsna-sambandhe yuktam vairagyam ucyate

prapancikataya budddhya hari-sambandhi-vastunah mumuksubhih parityago

vairagyam phalgu kathyate

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“Quando a pessoa não se apega a nada, mas ao mesmo tempo tudo o que aceita ou possui usa em relação com Krishna, ela está corretamente situada acima do sentido de posse. Por outro lado, aquele que rejeita tudo sem entender a relação destas coisas com Krishna, não é completo em sua renúncia.”

Se o yogi tiver que conseguir algo que seja muito

difícil, e ainda assim colocar em risco sua vida diária de práticas espirituais, para difundir o conhecimento espiritual às outras pessoas, ele aceita como uma perfeita austeridade e age com verdadeira renúncia; mas, se for para satisfazer a si próprio e seus anseios pessoais ele então abre mão de tal esforço inútil. A idéia é que o yogi não fica em ansiedade e sempre utiliza sua vida no progresso espiritual. Ele sabe que tudo está sob o controle do Paramatma e assim dedica-se e esforça-se para cumprir seus deveres em harmonia com o Senhor Supremo.

3.3.2 - Niyamas

Os cinco subdegraus de Niyamas visam disciplinar os hábitos, definindo personalidade e caráter. A palavra Niyama refere-se aos preceitos concernentes às atividades que os seres humanos em geral não estariam inclinados a executar. Ou seja, no início deve-se fazer um esforço, mas gradualmente estes preceitos tornam-se naturais. Ni significa ausência. Sem esforço; algo que é natural para o ser vivo civilizado. Porém, devido ao contato contaminado com o mundo material é necessário começar com um pequeno esforço. As disciplinas de Niyama não são proibitivas, são reguladoras.

Estas regulações tornam o yogi física, mental e espiritualmente fortalecido. É importante compreender que estas regulações visam o bem estar mental e espiritual do yogi. De acordo com as escrituras Védicas regras e regulações existem para que o yogi possa sempre pensar no Senhor Supremo dentro de seu coração e nunca se esquecer dEle.

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Seguir tais prescrições de maneira mecânica ou desconsiderá-las está fora de cogitação para o yogi sincero. Também no Bhakti-rasamrta-sindhu (1.2.101), se declara que:

sruti-smrti-puranadi-

pancaratra-vidhim vina aikantiki harer bhaktir atpatayaiva kalpate

“Praticar serviço transcendental amoroso ao Senhor Hari, mas ignorar os textos védicos autorizados, tais como os Upanisads, Puranas e o Narada-pancaratra, é simples-mente uma perturbação desnecessária na sociedade.”

Deve-se segui-las de maneira natural e com

consciência de desenvolver o autocontrole. Embora sejam ainda externas, e estejam ligadas ao

âmbito de moral e ética, tanto Yama quanto Niyama são de grande importância dentro do Asthanga-yoga. Todos os outros angas dependem de uma boa base nestes dois angas iniciais. Sem disciplina ninguém alcança seus objetivos.

3.3.2.1 - Sauca

No contexto da ciência do Yoga, Sauca refere-se à pureza física e mental já que ambas ajudam a evitar doenças no corpo e na mente, respectivamente. É muito simples aceitar o fato de que o yogi não é aquele que deixa o cabelo crescer, não toma banho, não se alimenta ou não dorme. O yogi cuida melhor do seu corpo do que uma pessoa comum, pois ele sabe a quem pertence seu corpo. Devido a um conceito errado sobre yoga, muitas pessoas acham que para se tornar um yogi ela terá que abandonar todos os seus cuidados com a saúde e simplesmente viver ao acaso. Esta não é a idéia. Vida espiritual requer maiores responsabilidades.

A pureza mental, por sua vez, auxilia no avanço espiritual ao possibilitar uma inteligência mais aguçada e dinamicamente fixa. O yogi mantém sua mente tranqüila e livre

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de apego, medo e ira, devido à execução de atividades que a purificam. Com a mente estável e limpa de toda poeira material ele pode ver constantemente a realidade do mundo numa perspectiva positiva.

A pureza, ou limpeza física é fácil de entender e realizar, porém a limpeza da mente requer algo mais intenso e profundo. A pureza da mente depende de pensamentos espirituais, absorção mental em tópicos transcendentais e discernimento apurado. Sem estes pré-requisitos, que devem ser desenvolvidos ainda nos dois angas iniciais (Yama e Niyama), não há como fazer progresso na auto-realização. A mente precisa de ocupação constante e, ao contrário do que se pensa, o correto é ocupar a mente e não tirar suas ocupações, ou, melhor dizendo, ocupar a mente em atividades transcendentais e tirá-la das ocupações materiais. Este é o grande segredo do sucesso no processo de Yoga. Patanjali diz no Yoga-sutra (2.40):

saucat svanga-jugupsa parair asamsargah

“A pureza do próprio corpo e da mente é superior ao contato indesejado - com outros corpos ou objetos materiais.”

E é por este motivo que se enfatiza muito o

autocontrole. Ocupando os sentidos, a mente e a inteligência no transcendental serviço devocional amoroso ao Senhor Supremo pode-se purificá-los e, com a mente pura, pode-se concentrar e meditar na forma transcendental do Paramatma. E como podemos ocupar a mente e os sentidos no transcendental serviço devocional amoroso ao Senhor? O próprio Senhor Kapila explica no Srimad-Bhagavatam (3.28.33):

dhyanayanam prahasitam bahuladharistha- bhasarunayta-tanu-dvija-kunda-pankti

dhyayet svadeha-kuhare ‘vasitasya visnor bhaktyardrayarpita-mana na prthag didrkset

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“Com devoção embebida em amor e afeição, o yogi deve meditar no âmago de seu coração, na risada do Senhor Vishnu. A risada dEle é tão cativante que se pode meditar nela facilmente. Quando o Senhor Supremo ri, pode-se ver Seus pequenos dentes, que parecem botões de jasmim matizados de rosa pelo esplendor de Seus lábios. Uma vez que tenha devotado sua mente a isto, o yogi já nem deseja ver qualquer outra coisa.”

Este é o processo de meditação mais correto que é

praticado pelos verdadeiros yogis e que leva ao desenvolvimento natural do amor por Deus. Sem chegar ao ponto de desenvolver amor puro pelo Senhor Supremo, qualquer processo de Yoga que descarte o trabalho de purificação do praticante é mera perda de tempo, pois não o leva ao desenvolvimento de amor puro pelo Senhor Supremo. O yogi não desperdiça sua valiosa vida em algo que não lhe dará a fonte última de prazer, que só poderá ser alcançada após ter desenvolvido pureza no coração. Tudo isto dependerá de Sauca que o yogi deve desenvolver dentro de si mesmo.

3.3.2.2 - Santosa

Santosa pode ser entendida como contentamento, satisfação ou entusiasmo. Com a mente limpa e calma pode-se encontrar satisfação em todas as situações, e assim atua o yogi, sempre extraindo ouro do lixo. Em tal estado de mente, mesmo um mendigo pode viver com a satisfação de um grande rei.

Porém, o yogi mantém seu equilíbrio sem se exaltar e sem se lamentar. Na verdade, sua satisfação não depende de fatores externos. Ele vive este estado dentro de si, compreendendo que este é o seu verdadeiro tesouro. E é este tesouro que alimenta sua firme convicção de investir na vida espiritual.

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Podemos perceber que mesmo uma experiência do passado que tenha nos dado alguma sensação de prazer ou satisfação já não existe mais como fator externo, mas a sensação ainda pode estar viva em nossa memória. Aquela realidade já não tem mais existência física no contato com nossos sentidos embora a satisfação possa ainda ser sentida como uma lembrança do passado. Isto mostra que a satisfação é interior. Ela nunca depende de algo externo. Quando experimentamos uma situação compatível com algum desejo da mente sentimos internamente algo que nos dê prazer. Mas quando o estímulo externo se esvai a satisfação, que dependia de fator externo, também se acaba. Porém, esta satisfação está constantemente presente dentro de cada um. Quando o yogi entra em contato com sua essência espiritual real ele pode sentir plenamente esta constante satisfação e prazer dentro de si. Isto é Santosa, a satisfação que alimenta o desejo de querer vida espiritual.

Para isto é necessário provar o sabor sublime da transcendência, como é apresentado no Bhagavad-gita (2.59):

rasa-varjam raso ‘py asya param drst va nivartate

“Interrompendo as ocupações materiais ao experimentar um gosto superior, o yogi se fixa em consciência espiritual.”

Provando um nível superior de consciência, qualquer

um que esteja desejoso por vida espiritual abandona naturalmente sua afeição pelos objetos dos sentidos materiais. Isto se deve à rasa ou sabor espiritual que nutre a alma, dando-lhe prazer e satisfação. Esta rasa, ou sabor é que dá o prazer interior que o Senhor Krishna descreve no Bhagavad-gita (5.21):

bahya-sparsesv asaktatma vindaty atmani yat sukham as brahma-yoga-yuktatma sukham aksayam asnute

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“Tal pessoa liberada não se deixa atrair pelo prazer dos sentidos materiais, mas está sempre em transe, gozando o prazer interior. Desse modo, a pessoa auto-realizada sente felicidade ilimitada, pois se concentra no eu.”

Esto verso confirma que a satisfação está dentro da

alma espiritual, em associação com o Senhor Supremo, e não fora, nos objetos materiais que só geram apego e sofrimento.

3.3.2.3 - Tapas

Tapas, ou a verdadeira austeridade, significa deixar de fazer o que a mente gosta e deseja fazer para realizar aquilo que se deve fazer, mesmo que seja contrário ao prazer da mente. Em outras palavras, austeridade significa vencer os obstáculos e dificuldades pelas quais nossos sentidos, mente e inteligência tem que passar.

De acordo com o Bhagavad-gita, existe austeridade do corpo, da fala e da mente e todas devem visar à satisfação do Paramatma. Qualquer tipo de austeridade que cause dor ou sofrimento nunca deve ser praticado pelo yogi erudito. Praticar Tapas para engrandecimento pessoal ou político (jejuns, mortificações, autoflagelação), não tem nenhum valor espiritual e são contrárias às bases da filosofia Védica do Yoga.

A austeridade tem como objetivo auxiliar no avanço da consciência espiritual do yogi, trabalhando seu desapego e fortalecendo sua determinação espiritual. Toda austeridade praticada com base nas escrituras favorece a vida espiritual e não há vida espiritual sem austeridade.

Muitas vezes, devido à influência ilusória de ter passado por milhões de vidas em diferentes corpos, a alma condicionada sente mais facilidade em ocupar-se nas atividades prejudiciais à sua vida espiritual e vê a auto-entrega do yogi como algo muito penoso. Na verdade, fazer da vida diária uma atividade sagrada nos leva à idéia de executarmos ofícios sagrados - daí, sacro ofício. E de acordo com o Bhagavad-gita (17.14), dedicar a vida integralmente à satisfação do Supremo é a austeridade mais elevada.

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E ainda neste verso encontramos que Sauca, Asteya, Brahmacarya e Ahimsa constituem austeridades do corpo; Satyam, Svadhyaya e ser agradável nas palavras constituem austeridade da fala (Bg 17.15); Santosa, gravidade, autocontrole, simplicidade e purificação da existência são austeridades da mente (Bg 17.16). Somente reconquistando estas qualidades divinas é que podemos recuperar nossa consciência original. E fixo na busca desta elevação espiritual é que o yogi sente a satisfação que resulta da própria austeridade. Rasa-varjam raso ‘py asya param drst va nivartate.

3.3.2.4 - Svadhyaya

Svadyaya pode ser entendida como o estudo profundo sobre a essência do ser vivo. Todos estão buscando por algo e muitas vezes não se sabe nem mesmo o que é. Assim, uma pessoa comum passa toda a sua vida sem inquirir sobre a Verdade Absoluta, que é a essência de toda a busca e, assim, desperdiça toda a chance de poder compreender a si próprio, compreender o mundo, compreender o Senhor Supremo e a relação existente entre todos eles.

Entretanto, esta busca deve ser baseada em três fontes de conhecimento autêntico. Sem estas fontes autorizadas qualquer estudo sobre tópicos elevados não leva ao propósito último e verdadeiro.

As três fontes são:

Pessoas santas ou seguidores das escrituras sagradas

(sadhu) Mestre espiritual (guru) Escrituras sagradas (sastras)

As pessoas santas passam o conhecimento através de

exemplos práticos. Apenas o contato manso e humilde, com serviço sincero, prestado a estas almas elevadas já é suficiente para beneficiar o yogi sério. Eles podem passar o conhecimento

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e, pelo próprio exemplo, estimular e ensinar sobre a essência da vida.

O mestre espiritual também é uma pessoa santa e um representante autêntico do Senhor Supremo. Ele aceita discípulos e instrui sobre a vida espiritual. Todo estudo feito sobre o tema transcendental deve ser seguido por um Guru. Somente o Guru pode iluminar a inteligência do discípulo ou yogi. Para isto ele deve se aproximar do mestre espiritual com atitude correta, como apresentada no Bhagavad-gita (4.34):

tad viddhi pranipatena pariprasnena sevaya

upadeksyanti te jnanam jnaninas tattva-darsinah

“Tente aprender a verdade aproximando-se de um mestre espiritual. Faça-lhe perguntas com submissão e preste-lhe serviço. As almas auto-realizadas podem lhe transmitir conhecimento porque são videntes da verdade.”

Todo exemplo dado pelo Guru é baseado nos mestres

anteriores (acaryas), e totalmente respaldado nas escrituras reveladas.

Por fim, as escrituras são as bases de todo conhecimento que conduz aos estudos mais profundos da essência do ser individual (Jivatma) e do Ser Supremo (Paramatma). Dentro da tradição do Yoga a forma humana é tida como a mais adequada para se atravessar a existência no mundo material e todo estudo (Svadhyaya) do Vedanta e prática do Yoga tem como propósito seguir e satisfazer os desejos do Paramatma, a Pessoa Suprema. Isto é confirmado também no Srimad-Bhagavatam (10.47.24):

japa-svadhyaya-samyamaih krsne bhaktir hi sadhyate

“Também através de japa, estudo dos textos védicos e observância dos princípios reguladores alcança-se o transcendental serviço devocional amoroso por Krishna, a Suprema Personalidade de Deus.”

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Nesta citação pode-se notar que tanto o cantar da

japa (recitação individual do Maha-mantra Hare Krishna, Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare / Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare), quanto seguir os princípios reguladores - entre outros (votos, caridade, austeridade e sacrifícios), são estabelecidos pelo Guru, pelas pessoas santas e pelas escrituras reveladas. E todos estes auxiliam no progresso espiritual do yogi a sua meta suprema, krsne bhaktir, devoção amorosa pela Suprema Personalidade de Deus.

3.3.2.5 - Isvara Pranidhana

Já nesta etapa do Asthanga Yoga o praticante deve estar preparado para abandonar sua ilusória identificação corpórea. Deixar o falso ego e aceitar um Ser Supremo a quem temos que aceitar como superior ao nosso insignificante ego grosseiro é algo muito difícil, mas extremamente necessário para quem quer avançar no caminho do Yoga como ele realmente é. Patanjali em seu Yoga-sutra (1.23), enfatiza que:

isvara-pranidhanad va

“Entregar-se por completo à Suprema Personalidade de Deus.”

Também é enfatizado o mesmo ponto no sutra 2.45:

samadhi-siddhir isvara-pranidhanat

“A perfeição do Samadhi é a rendição completa à Suprema Personalidade de Deus.”

Entregar-se numa atitude de rendição ao Senhor

Supremo é muito difícil para quem ainda não tenha desenvolvido pelo menos uma pequena centelha de amor pela Pessoa Suprema. Porém, para amá-Lo é necessário conhecê-Lo, e para conhecê-Lo dependerá muito do estágio anterior,

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Svadhyaya. Estudar as escrituras com uma pessoa autorizada e conhecedora profunda das escrituras autorizadas, um Guru, será de fundamental importância para se chegar a este último estágio de Niyama.

Assim, este é o ultimo estágio para o yogi que deseja abandonar os apegos materiais e proteger-se dos perigos da vida humana. Por este motivo o Senhor Krishna instrui Arjuna já no final do Bhagavad-gita (18.65):

sarva-dharma parityajya mam ekam saranam vraja

aham tvam sarva-papebhyo moksayisyami ma sucah

“Abandone todas as suas ocupações materiais e simplesmente renda-se a Mim. Eu o libertarei de todas as reações pecaminosas. Não tema.”

A verdadeira rendição depende de abandonarmos

completamente a falsa identificação corpórea e as atividades do ego material. Para isto, utiliza-se tudo para o prazer do Supremo, com uma visão espiritual. Desse modo, isvara pranidhana não significa algo externo ou mecânico, mas um sentimento e atitude interna de entrega completa. Caso contrário o yogi corre o risco de se refugiar, ou se render, à energia material ilusória. Como Krishna declara no Bhagavad-gita (9.12):

moghasa mogha-karmano mogha-jnana vicetasah raksasim asurim caiva

prakrtim mohinim sritah

“Aqueles que estão perplexos deixam-se atrair por opiniões demoníacas e ateístas. Estando mergulhados nessa ilusão, suas esperanças de

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liberação, suas atividades fruitivas e seu cultivo de conhecimento são todos destroçados.”

Portanto, o yogi deve render-se ao Supremo

refugiando-se na potência espiritual do Senhor. Após esta rendição o yogi dedica todas as suas atividades, pensamentos, sentimentos, desejos e inteligência ao Senhor Supremo, e isto é a perfeição da vida. Após este teste o yogi pode realmente ser considerado um verdadeiro yogi.

Embora já em Yama se faça necessário o cultivo de Bhakti, é justamente neste momento do processo que o yogi desenvolve sua devoção natural pela Superalma. A partir deste ponto, sem devoção, nenhum progresso mais é possível. O que nos leva a concluir que Yama e Niyama são disciplinas que ajudam a modelar o caráter do yogi para que ele possa naturalmente sentir atração amorosa por Deus.

Nos próximos angas o yogi mantém e desenvolve gradualmente sua devoção até o estágio último de Bhakti, culminando em prema-bhakti, o transcendental amor puro pelo Senhor Supremo. A semente que foi plantada em Yama e Niyama cresce nos próximos degraus até que a consciência do yogi se absorva na forma pessoal da Verdade Suprema - a meta de todos os grandes yogis. Este é o objetivo mais elevado, como confirma o Bhagavad-gita (12.6-7):

ye tu sarvani karmani mayi sannyasya mat-parah

ananyenaiva yogena mam dhyayanta upasate

tesam aham samuddharta mrtyu-samsara-sagarat bhavami na cirat partha mayy avesita-cetasam

“Mas aqueles que Me adoram, abandonando todas as atividades por Mim e não se afastando de sua devoção por Mim, ocupando-se em serviço devocional e sempre meditando em Mim, tendo fixado suas mentes em Mim, ó filho de Prtha - a eles Eu sou o pronto salvador do oceano de nascimentos e mortes.”

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E também (Bg. 9.34):

man-mana bhava mad-bhakto mad-yaji mam namaskuru mam evaisyasi yuktaivam atmanam mat-parayanah

“Ocupe sua mente em pensar sempre em Mim, torne-se Meu devoto, ofereça-Me reverências e Me adore. Estando absorto por completo em Mim, com certeza você virá a Mim.”

Esta atitude de rendição é o que há de mais sublime

para a Jivatma, a alma espiritual individual, pois após milhões de nascimentos ela pode reaver esta conexão esquecida por parte dela. E esta tendência de se render é natural à alma espiritual. Portanto, o yogi rende-se a Pessoa Suprema e não à Sua energia ilusória, Maya.

A própria Suprema Personalidade de Deus se autodefine no Bhagavad-gita (15.18):

yasmat ksaram atito ‘ham aksarad api cottamah ato ‘smi loke vede ca

prathitah purusottamah

“Porque Sou transcendental, situado além do falível e do infalível, e porque Sou o maior, Sou celebrado tanto no mundo quanto nos Vedas como a Pessoa Suprema.”

Uttamah significa aquele que está situado acima de

qualquer condicionamento material (Paramatma). Conectar-se ou render-se a esta Pessoa Suprema significa restabelecer sua eterna relação com o Senhor (Yoga), e ao mesmo tempo tornar-se também transcendental à influência do condicionamento material, alcançando a perfeição (nitya-siddha). Mas, o que vem a ser rendição?

Rendição significa que em lugar de trabalhar para a satisfação dos próprios desejos pessoais o yogi se ocupa por completo em agradar ao Senhor diretamente, segundo Seus

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próprios desejos íntimos. Tendo os mesmos interesses que o Senhor o yogi se situa em verdadeira rendição. Não é difícil nem antinatural. É apenas uma questão de desejo. Isto é confirmado no Srimad-Bhagavatam (3.29.33): akartuh sama-darsanat. Os interesses do yogi são idênticos aos interesses da Suprema Personalidade de Deus. Entretanto, esta igualdade de desejos não significa que o yogi se torna uno com o Supremo, ou se torne Deus. A palavra akartuh indica sem sentido de propriedade. Isto implica reciprocidade amorosa, Bhakti; reciprocidade implica em individualidades separadas. Logo, akartuh sama-darsanat indica que o yogi quer satisfazer os desejos do Senhor. Como, por exemplo, a mãe que quer servir seu amado filho.

No mesmo verso citado há o termo: mayi sannyasta-karmanah, indicando que todas as atividades que o yogi realiza são dedicadas ao Senhor. O Srimad-Bhagavatam (10.2.32), declara: aruhya krcchrena param padam tatah patanty adho ‘nadrta-yusmad-anghrayah. Isto significa que se o yogi abandona seu refúgio aos pés de lótus do Senhor Supremo e tenta avançar espiritualmente, através de sua própria determinação, certamente acabará caindo novamente na plataforma de atividades materiais, mantendo-se fiel a sua própria força falível.

Anadrta-yusmad-anghrayah indica aquele que abandonou o refúgio Supremo. Verdadeira rendição nunca resulta em abandono. Render-se só tem significado quando ocorre inteiramente. Por isso, Krishna afirma no Bhagavad-gita que Bhakti e fácil e agradável de ser praticada. Não é nada complicado e não se necessita de muito esforço. Tudo que é realizado de maneira forçada acaba sendo superficial. Crer num refúgio material e render-se a ele requer muito esforço desnecessário, como enfatiza os termos aruhya krcchrena.

Portanto, mesmo que pareça ser muito difícil render-se ao Senhor Supremo, ainda assim, o yogi deve dedicar-se com afinco em depender por completo da proteção da Superalma. Tentar viver de maneira independente dentro do mundo material é uma atitude cega do falso ego. Nesta etapa do Asthanga-yoga, o que há de mais difícil é justamente abandonar o falso ego que, embora seja a causa de todo tipo de sofrimento, faz a entidade viva condicionada pensar que conseguirá em algum momento ser feliz sem se dedicar em

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satisfazer o Supremo. Renunciar ao falso ego é na verdade a única renúncia. Sem deixar o falso ego ninguém consegue progredir seguramente no caminho do Yoga.

3.3.3 - Asana

Os Asanas, que são considerados posturas físicas ou mecânicas, necessitam de Yama e Niyama. Sentar-se em postura sem Yama e Niyama não passa de exercícios físicos e, portanto, não dará os benefícios desejados. Além disso, o real significado de Asana é “assento”. Mas que tipo de assento seria este?

A alma espiritual está presa dentro do corpo material, porém, em essência, ela possui uma natureza eterna e original que é prestar serviço transcendental amoroso ao Senhor. Assim, o Asana visa facilitar a alma espiritual de restabelecer sua eterna relação devocional com a Pessoa Suprema. Desse modo, o conceito mais amplo e específico de Asana é a alma espiritual posicionar-se, ou assentar-se, em sua posição constitucional eterna, sua natureza real. Em outras palavras, Asana é a atitude que o yogi desenvolve diante da vida e da Verdade Absoluta. Ocupar-se em atividades ilícitas - não seguindo Yama e Niyama - não permitem o yogi situar-se em verdadeiro Asana (no sentido mais profundo da palavra); mas, se ele está ocupando-se em dar prazer ao Senhor compreende-se que ele está situado em Asana.

Arjuna pergunta para o Senhor Krishna kim asita vrajeta kim (Bg. 2.54), “qual é a atitude de um sábio que está fixo na transcendência?”. O Senhor Krishna responde (Bg. 2.61):

tani sarvani samyamya yukta asita mat-parah vase hi yasyendriyani

tasya prajna pratist hita

“Aquele que restringe seus sentidos, mantendo-os sob completo controle, e fixa sua consciência em Mim, é conhecido como um homem de inteligência estável.”

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Em qualquer situação, o verdadeiro yogi pode manter-

se autocontrolado simplesmente por estar com sua consciência fixa e ocupada em glorificar e satisfazer o Supremo. Esta é a perfeição do Asana, que está além do conceito físico ou externo que conhecemos, como meras posturas. Inicialmente têm-se as práticas físicas dos Asanas que, juntamente com os angas anteriores, auxiliam na conquista dos sentidos e da mente. Somente após assumir total controle da mente é que se entra realmente no Asana. Podemos definir o primeiro como Asana externo, enquanto que a meta é o Asana interno, pois sem desenvolver-se no Asana não há como interiorizar a consciência para os próximos degraus até Samadhi.

Um yogi avançado pode estar realizando diferentes tipos de atividades aparentemente materiais, mas internamente ele está conectado com o Supremo e estabelecido em sua natureza original.

Meramente manter posturas mecânicas, por mais difíceis que sejam – sem consciência de sua posição constitucional original -, não levará o yogi ao Samadhi, a meta do Asthanga Yoga. Por este motivo, é extremamente necessário o estágio de Isvara-pranidhana, pois, sem ele torna-se impossível para o yogi situar-se em sua posição constitucional eterna, que é executar o transcendental serviço amoroso puro ao Senhor, ou seja, estar em seu Asana. Do ponto de vista externo Asana é meramente postura, mas internamente ele é assento ou posição constitucional da alma eterna, ou atitude de serviço devocional amoroso ao Senhor Supremo.

No Yoga-sutra (2.46), Patanjali diz: sthira-sukham asanam

“O Asana deve ser firme e confortável.”

Aquele que consegue manter sua mente sob controle é

considerado um sábio de mente estável, sthita-dhir munir ucyate (Bg.2.56). Assim ele se mantém fixo em sua posição como servo do Senhor. Da mesma forma, su-sukham kartum avyayam (Bg. 9.2): o conhecimento a respeito do serviço transcendental amoroso ao Senhor “é eterno e agradável de ser praticado”.

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É um fato que os Asanas trazem uma infinidade de benefícios físicos, o que pode auxiliar no processo de meditação, mas não leva diretamente à auto-realização espiritual. Estando com o corpo saudável e com vitalidade (o que é oferecido como benefício físico pelos Asanas), a pessoa pode ficar com a mente mais tranqüila e, com a mente calma e controlada, pode dedicar-se mais facilmente à meditação. Por isso, muitos Asanas estão relacionados com meditação.

Quando se fala em meditação logo se pensa em posturas e vice-versa. Mas, o verdadeiro yogi tem em consciência o conceito real do Asana: situar-se em sua posição original como servo eterno do Paramatma.

No Srimad-Bhagavatam (10.87.42), encontramos a seguinte passagem: asrutyatma-anusasanam. Segundo Srila Jiva Gosvami, o termo atmanusasanam significa tanto instruções que beneficiam as entidades viva, quanto instruções que revelam a relação da entidade viva com o Senhor Supremo. Anusasanam se refere às instruções (SB 11.3.44), e atma à alma. Logo, do ponto de vista filosófico, o Asana está intimamente relacionado com a alma em sua constituição eterna.

O oposto de sua posição constitucional é nirasana, uma posição artificial. Esta é a situação material da alma condicionada. Por exemplo, se considerarmos o ser vivo como o corpo material, então, sua posição condicional é servir às ilusões; mas, se considerarmos o ser vivo como alma espiritual individual sua posição será a de servir ao Supremo Senhor Hari. Desse modo, se, contrariando a natureza, o ser vivo como alma espiritual, se ocupa em servir suas ilusões mentais, diremos que ele não está em seu Asana, mas em nirasana - sem posição estável. Nessa condição o ser vivo sofre os resultados da instabilidade mental e é arrastado pelas reações de suas atividades.

A conclusão é que o Asana deve levar o yogi da concepção corpórea às refinadas realizações sobre seu próprio eu e a Suprema Personalidade de Deus. Para tanto, fica evidente a necessidade de uma profunda base filosófica sobre o assunto. Porém, sem esta compreensão a respeito do Asana, corre-se o perigo de permanecer apenas no conceito corpóreo do Asthanga-yoga. A idéia, como já foi várias vezes ressaltada, é chegar à plataforma do incondicional amor puro pelo Senhor.

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3.3.4 - Pranayama

A palavra prana é derivada da raiz sânscrita -ana, animar ou vibrar, e pra-, primeira unidade. Então, literalmente, prana significa a primeira unidade de energia vital. Tudo que se move ou que vive expressa a presença do prana.

Após praticar os Asanas o yogi capacita-se a adentrar os profundos níveis da consciência, compreendendo o funcionamento do prana nas funções do corpo material através do controle dos ares vitais; e elevando a consciência interior à essência do próprio eu. Está técnica é conhecida como Pranayama.

Pranayama não é apenas o controle da respiração, é o controle dos ares vitais internos. E ainda, numa compreensão mais detida, Pranayama significa usar toda a vitalidade para o prazer do Senhor Supremo. Toda a vitalidade proveniente do Paramatma e manifesta através da Jivatma deve ser utilizada para a satisfação do Supremo, por meio da prática do transcendental serviço amoroso. Desperdiçar a vida em ilusões e futilidades é sinônimo de insanidade. Há uma meta única na vida humana. Vedais ca sarvair eva vedyo. A meta última apresentada nos Vedas é compreender a Verdade Absoluta. O Senhor Krishna declara no Bhagavad-gita (8.8):

abhyasa-yoga-yuktena cetasa nanya-gamina

paramam purusam divyam yati parthanucintayan

“Aquele que, meditando em Mim como a Suprema Personalidade de Deus, sempre ocupa sua mente em lembrar-se de Mim e não se desvia do caminho, ó Partha, com certeza Me alcança.”

O ar vital não deve ser desperdiçado de forma

animalesca. Qualquer atividade sem consciência espiritual apenas absorve os ares vitais deixando a entidade viva sem força ou determinação para a auto-realização. O yogi deve usar toda sua vitalidade para se concentrar, meditar e servir ao

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Senhor, dentro de si. Assim, Pranayama é mais do que controle dos ares vitais, é controle da vida em toda a sua amplitude e em todas as circunstâncias. O Paramatma é o ar vital no corpo de todas as entidades vivas (bhutva praninam deham asritah, Bg. 15.14), a Alma de todas as almas. Após ver e compreender a verdadeira identidade do Senhor Krishna, Arjuna oferece reverências (pranamya sirasa devam, Bg. 11.14), dedicando toda sua vida ao Senhor.

Por isso, todo yogi que, ao chegar à hora de abandonar o atual corpo, estiver com a mente resoluta devido à sua ocupação devocional e pelo poder do yoga (yoga-balena), concentra seu ar vital entre as sobrancelhas e alcança a Suprema Personalidade de Deus (bhruvor madhye pranam avesya samyak, Bg 8.10).

Por outro lado, segundo o conhecimento milenar da antiga cultura Védica, todos os conflitos e problemas existentes são criados pela própria mente. A respiração e a mente estão intimamente relacionadas. A situação de uma determina a outra. Uma respiração agitada ou acelerada tornará a mente intranqüila ao passo que uma respiração suave, pausada e consciente resultará numa mente apaziguada. Nisto se baseia tanto nossa saúde física quanto mental.

A técnica original do Pranayama é baseada em puraka, kumbhaka e rechaka, ou seja, inalação, retenção do ar inalado, exalação, retenção do ar exalado e novamente repetindo a seqüência. Esta mesma técnica é apresentada no Bhagavad-gita (4.28; 8.19; 8.12) e no Srimad-Bhagavatam (3.28.6; 3.28.9; 11.14.33).

A prática correta do Pranayama nos fornece a energia necessária para que o corpo, a mente e a alma possam manter-se ligados até os últimos degraus do Asthanga-yoga. Através da respiração correta e conscientemente controlada pode-se passar da primeira fase dos oito degraus da Yoga externa (bahiranga), e ir direto para os três últimos degraus da Yoga interna (antaranga). Por este motivo, Pranayama é muito importante na visão de Patanjali, e mesmo para a maior autoridade do Yoga, Devahuti-putra Kapiladeva, como Ele expõe no Srimad-Bhagavatam (3.28.12), o propósito específico do Pranayama:

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pranayamair dahed dosan dharanabhis ca kilbisan

pratyaharena samsargan dhyanenanisvaran gunan

“Aquele que pratica o processo de Pranayama pode erradicar a contaminação de sua condição fisiológica e, concentrando a mente, pode livrar-se de todas as atividades pecaminosas. Controlando os sentidos, ele pode livrar-se do contato com a matéria e, meditando na Suprema Personalidade de Deus, pode livrar-se dos três modos do apego material.”

Neste verso as palavras pratyaharena samsargan são

significativas. Elas definem a importância do Pranayama dentro do Asthanga. Assim, pratyaharena samsargan se refere a interiorização dos sentidos e a retirada dos mesmos do contato com a matéria. Outra palavra importante é dhyanenanisvaran gunan, que significa “meditar na Pessoa Suprema que é o controlador dos três modos da natureza material”, e não em qualquer objeto criado pela mente. Nota-se, portanto, que no degrau de Pranayama já se encontram Pratyahara e Dhyana, além de Dharana. (dharanabhis). Então, conclui-se que o controle dos ares vitais tem um propósito muito mais elevado: trazer os sentidos para dentro (Bg 2.58), concentrar-se (Bg 2.61) e meditar (Bg 10.9).

Depois, no verso seguinte do Srimad-Bhagavatam (3.28.13), Kapiladeva esclarece que, após ter purificado a mente por este processo de Yoga (yada manah svam virajam yogena), deve-se meditar na forma da Suprema Personalidade de Deus (bhagavato dhyayet).

Com a devotada prática de Pranayama pode-se livrar o eu do maior problema da entidade viva: nascer e morrer. E, como a meta é alcançar a morada suprema, o Senhor Krishna garante no Bhagavad-gita (8.10):

prayana-kale manasacalena bhaktya yukto yoga-balena caiva

bhruvor madhye pranam avesya samyak as tam param purusam upaiti divyam

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“Aquele que, ao chegar à hora da morte, fixar seu ar vital entre as sobrancelhas e, pela força do Yoga, com a mente indesviável, ocupar-se em lembrar de Mim com devoção plena, com certeza Me alcançará.”

A perfeição da vida humana pode ser alcançada

quando se mantém a mente indesviável no transcendental serviço amoroso ao Senhor (manasacalena bhaktya yukto), ocupando-a completamente em lembrar da Pessoa Suprema (pranam avesya samyak as tam param purusam upaiti divyam). Utilizando a vida de forma natural e consciente para a satisfação do Senhor (bhaktya yukto), o yogi alcança o sucesso na prática do Pranayama, que é reconquistar sua consciência original (param purusam upaiti divyam). A energia vital e a própria vida é uma dádiva divina dada para o benefício dos seres vivos. É completamente ilógico utilizar esta mesma energia para fins egoístas ou até mesmo animalescos. Assim, o propósito do Pranayama é controlar a vida direcionando-a para o amor à Suprema Personalidade de Deus, Krishna.

Superar e liberar-se do aprisionamento material é um dos objetivos do Yoga. A sessão mais técnica do Pranayama descreve uma série de canais sutis por onde circula toda energia vital do ser vivo corporificado. Estes canais são chamados nadis e o principal deles é susumna. Tendo como meta superar nascimentos e mortes, o Chandogya Upanisad (8.6.6), diz:

satam caika ca hrdayasya nadyas tasam murdhanam abhinihsrtaika tayordhvam ayann amrtatvam eti.

“Há cento e um canais prânicos sutis que emanam do coração. Um destes, o susumna, estende-se até o topo da cabeça. Elevando-se através deste canal, a pessoa transcende o nascimento e a morte”.

No mesmo Chandogya Upanisad (8.6.9), se diz:

udaram brahmeti sarkaraksa upasate

hrdayam brahmety arunayo

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brahma haivaita ita urdhvam tv evoda-sarpat tac-chiro ‘srayate.

“Aqueles cuja visão ainda permanece obscurecida compreendem apenas o Brahman impessoal, ao passo que outros compreendem o Senhor no coração. Mas quem de fato compreendeu o Brahman Supremo segue do coração ao topo da cabeça onde se refugia no Senhor que ali se manifesta”.

Esta é a mais elevada realização alcançada pela

meditação do Pranayama. Viver intensamente a plenitude da alma é o objetivo do Yoga, e tal plenitude leva ao êxtase do amor mais puro e elevado. E viver intensamente significa aplicar todo o tempo e energia na busca da auto-realização através do transcendental serviço devocional ao Senhor. Com esta consciência pode-se fazer progresso em direção à meta do Pranayama.

3.3.5 - Pratyahara

A maneira de proteger a mente, repelindo os objetos dos sentidos, é chamada Pratyahara. Este processo pode ser entendido como um direcionamento dos sentidos da periferia externa para o interior, direcionando os sentidos para o serviço amoroso ao Senhor e, assim, espiritualizando-os.

Por meio de firme convicção e refinada inteligência, deve-se lentamente cessar as atividades externas dos sentidos. Como é apresentado no Bhagavad-gita (6.24):

sa niscayena yoktavyo yogo ‘nirvinna-cetasa sankalpa-prabhavan kamams tyaktva sarvan asesatah

manasainedriya-gramam viniyamya samantatah

“É necessário ocupar-se na prática de Yoga com fé e determinação, e não se desviar do caminho. Deve-se, sem exceção, abandonar todos os desejos materiais nascidos da especulação mental, e desse

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modo controlar todos os sentidos por completo, através da mente.”

Este verso confirma o conceito de Pratyahara nas

palavras kamams tyaktva sarvan asesatah. Kama são os desejos materiais que surgem do contato dos sentidos com os objetos dos sentidos. Mas, tyaktva sarvan significa retirar todos os sentidos destes objetos sensoriais. De acordo com o dicionário Monier-Williams, o termo samkalpa significa aceitar uma convicção mental. Então, sankalpa-prabhavan kamams se refere à determinação que a mente assume diante dos desejos materiais que se manifestam. Podemos dizer que Yoga significa espiritualizar este samkalpa; isto é, a mente sendo material tem atração pelo material e, desse modo, sua convicção será contrária ao Pratyahara.

Por outro lado, se este mesmo samkalpa é espiritualmente direcionado, com auxílio de uma inteligência resoluta, as convicções mentais tornam-se espirituais. Este é o método autêntico do Yoga: espiritualizar as tendências materiais da mente e dos sentidos.

Mas, como direcionar internamente os sentidos para que eles sejam espiritualizados? A resposta é Bhakti. Krishna diz que “sempre que a mente divague devido à sua natureza inconstante, deve-se coibi-la e trazê-la sob o controle do eu.” O meio de se efetivar isto é manter a mente fixa no Senhor e, desse modo, “manter-se constantemente ocupado na prática de Yoga”, observando a presença do Senhor em todas as entidades vivas, em todas as situações e a todo o momento. Espiritualizar os sentidos significa purifica-los da contaminação material por meio do serviço devocional.

O ponto é que além destes sentidos materiais que pertencem ao corpo material, há os sentidos espirituais que pertencem à alma. A idéia é que com a prática constante do Yoga (mesmo em seu aspecto mecânico), adquiri-se controle mental e passa-se a desenvolver as atividades internas da alma com seus sentidos transcendentais. Estas atividades são realizadas internamente para o prazer da Pessoa Suprema; e, como se declara no Bhagavad-gita (6.27), o yogi alcança a perfeição da felicidade transcendental (yoginam sukham uttamam). E sem dúvida alguma este conhecimento autorizado auxilia a prática de Pratyahara.

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Por este motivo, Pratyahara é considerado como o degrau que serve de ponte entre a prática externa e interna do Yoga. É a partir dele que o yogi trabalhará profundamente dentro de si mesmo sua busca particular pela Verdade Absoluta.

De acordo com a filosofia Vedanta, ou Sankhya, o mundo material é formado de oito elementos: cinco grosseiros (terra, água, fogo, ar e éter) e três sutis (mente, inteligência e falso ego). A mente se relaciona com o mundo externo através dos cinco sentidos materiais (audição, visão, tato, paladar e olfato). Dependendo da maneira como são usados os sentidos no contato com os objetos dos sentidos podem-se enredar ainda mais nos grilhões das atividades materiais que resultam em apego, sofrimento e lamentação.

No entanto, o yogi age como a tartaruga, que se esconde dentro do casco quando percebe a presença de perigo (Bg. 2.58):

yada samharate cayam kurmo ‘nganiva sarvasah indriyanindriyarthebhyas tasya prajna pratist hita

“Aquele que é capaz de retirar seus sentidos dos objetos dos sentidos, assim como a tartaruga recolhe seus membros para dentro do casco, está firmemente fixo em consciência perfeita.”

O yogi está sempre muito esperto e é hábil em lidar

com a energia material sem se envolver ilusoriamente com ela. Diante de qualquer situação desfavorável o yogi interioriza sua consciência e aguarda a tempestade ilusória diminuir sua força torrencial.

Pratyahara é também um divisor de águas, pois neste degrau o yogi irá decidir que tipo de liberação ele buscará - impessoal ou pessoal.

O processo de interiorizar os sentidos ocupando-os no transcendental serviço devocional amoroso ao Senhor é superior a qualquer outro. É muito mais fácil controlar algo enquanto o ocupa. Por exemplo, uma criança hiperativa que não pára nenhum instante pode ser acalmada quando alguém

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lhe dá uma ocupação qualquer para distrair sua mente: um brinquedo atrativo. Assim mesmo, é muito mais fácil interiorizar os sentidos dando-lhes uma ocupação transcendental que também é atrativa. Porém, para ocupar-se internamente deve haver alguém que receba os resultados destas atividades. Mas, agir internamente para quem? Para onde devemos direcionar tais atividades internas?

Não há como agir para uma energia impessoal. Dizer “eu amo o céu, o vento e a noite” é um pouco estranho. Amar implica numa reciprocidade pessoal. Então, agir internamente implica em agir para alguém, e este alguém é a Suprema Personalidade de Deus, Paramatma. Agora, querer interiorizar os sentidos em atividades impessoais ou inatividade é muito mais difícil e frustrante. Esta é a diferença entre Bhagavan-Pratyahara e Brahman-Pratyahara; servir à Pessoa Suprema ou fundir-se na refulgência impessoal de Seu corpo transcendental.

No entanto, a filosofia Sankhya e o Vedanta nos instruem na primeira alternativa, pois facilitará inclusive os últimos três degraus. É neste momento que o yogi fará a escolha que definirá todo o seu percurso espiritual. Ou manterá sua individualidade espiritual ou se fundirá na refulgência espiritual do Senhor, perdendo sua personalidade e liberdade. Sem devoção não há Yoga.

3.3.6 - Dharana

Em seu Yoga-sutra (2.53), Patanjali define Dharana como a etapa de preparação da mente para a meditação. Esta concentração deve ser realizada internamente (dharanasu ca yogyata manasah). Assim, Dharana significa concentração da mente num determinado objeto. Do mesmo modo, no sutra 3.1 Patanjali define:

desa-bandhas cittasya dharana

“Concentração é manter a mente num objeto determinado.”

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Entretanto, a concentração requer alguns fatores: interesse, atenção, prática e calma mental.

A força inicial que leva à concentração é dada pelo interesse ou desejo, e este está ligado à atenção, ou à determinação de manter a mente focada em algo. Estando determinado em chegar ao estágio de meditação o yogi volta toda a sua atenção ao objeto de concentração. Neste ponto, após constante prática, o yogi consegue manter a concentração fixa em algum objeto. Segundo Patanjali, este objeto de meditação deverá ser mantido até a fase final do Samadhi, alcançando a auto-realização (kaivalya), sem abandonar o objeto de concentração. Da mesma forma, dentro da visão do Vedanta, após alcançar o estágio último da liberação é que o yogi realmente intensifica seu relacionamento com o objeto de meditação. Isto porque, o Vedanta apresenta três estágios de progresso espiritual para o yogi. Na primeira, ele entra em contato com o processo que o levará à Verdade Absoluta (sambandha), depois ele passa a executar o processo para restabelecer seu eterno relacionamento com esta Verdade Absoluta (abhideya) e por fim ele intensifica seu intercâmbio amoroso com o Senhor Supremo (prayojana).

Em nenhum momento o Vedanta apresenta a idéia de que se deve abandonar o objeto de concentração. Isto corrobora o que é apresentado no Yoga-sutra de Patanjali, embora seguidores e comentadores de sua obra apresentem o contrário. Se o próprio autor manteve-se de acordo com o Vedanta não há o que discutir.

Para o yogi determinado, a meta é restabelecer seu relacionamento com o Paramatma, ou, em outras palavras, desenvolver seu amor pela Suprema Personalidade de Deus. Se o propósito da vida humana é o amor puro pelo Senhor, logo Ele é o objeto de concentração e meditação do yogi e este amor deve ser eternamente direcionado ao objeto amado.

Deixando de focar o objeto deixamos de direcionar o amor ao objeto, e assim perde o sentido a busca pela liberação.

Num sentido, abandonar o objeto de meditação após alcançar a liberação é um tipo de ilusão material e não verdadeira liberação. Pode-se argumentar o fato de que continuamos a manter o “amor puro por Deus” mesmo sem um foco, sem uma direção, ou “direcionar” este amor para algo impessoal. Tudo bem, mas, analisando melhor o fato

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concluiremos que não há lógica em tal argumento. Ninguém é capaz de direcionar sua concentração, sua meditação ou seu amor para algo impessoal. No Bhagavad-gita (12.5), encontramos que:

kleso dhikataras tesam avyaktasakta-cetasam

avyakta hi gatir duhkham dehavadbhir avapyate

“Para aqueles cujas mentes estão apegadas ao aspecto impessoal e imanifesto do Supremo, o progresso é muito problemático. Progredir nesta disciplina é sempre difícil para aqueles que estão em corpos materiais.”

Por este motivo, podemos dizer que não existe

discordância entre o original Yoga-sutra de Patanjali e a tradição filosófica do Vedanta. O Vedanta explica claramente que o objeto da busca deve ser mantido enquanto que a versão de muitos seguidores de Patanjali diz que deve ser abandonado.

Toda concentração deve ser dirigida para o interior do próprio eu individual (Jivatma), e não para algo externo. O que é externo pode e deve ser abandonado no processo de concentração da mente na consciência interior. Conclui-se que não há vazio dentro da alma espiritual individual. Há dentro do ser vivo individual uma ilimitada realidade espiritual que não pode ser negada. O yogi deve se concentrar dentro de si e visualizar mentalmente os pés de lótus e a forma da Pessoa Suprema.

Resumidamente, Dharana significa abandonar a concentração nos objetos externos dos sentidos e concentrar-se na satisfação do Senhor através do serviço amoroso a Ele. O resultado é confirmado por Kapiladeva no Srimad-Bhagavatam (3.33.8), quando Ele diz que concentrando a mente no objeto de meditação (pratyak-srotasy atmani samvibhavyam), que é a Suprema Personalidade de Deus (brahma param pumamsam), supera-se os três modos da natureza material (dhvasta-guna-pravaham), pela misericórdia dEle (sva-tejasa). O Brhad-

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aranayaka Upanisad (4.5.6), descreve como situar-se em Dharana:

atma va are drasta-vyahsrotavyo mantavyo nididhyasitavyah

“É a Alma Suprema que se deve observar, é sobre Ele que se deve ouvir, pensar e meditar com firme concentração.”

Em muitas escrituras autorizadas enfatiza-se o

processo de Bhakti para alcançar os últimos degraus de Asthanga-yoga, como é apresentado no Gopala-tapani Upanisad (Purva 15):

bhaktir asya bhaja-mam tad ihamutropadhi- nayrasyen-amusmim manah-kalpanam.

“Transcendental serviço devocional amoroso é o processo de adorar o Senhor, e consiste em fixar a mente nEle e desinteressar-se pelas designações materiais por completo.”

Para tanto, há três fatores importantes em Dharana: é

necessário o auxílio de um mestre espiritual que dê instruções; é necessário acatar suas instruções e aplicá-las na vida com o objetivo de dissipar dúvidas e falsas concepções; e finalmente, é necessário determinadamente concentrar-se na forma pessoal da Verdade Absoluta com total convicção. Um mestre espiritual fidedigno instruirá seu discípulo a concentrar-se na transcendental forma do Senhor Supremo e não em qualquer objeto criado pela mente. Qualquer objeto criado para concentrar a mente deverá ser abandonado no final. Porém, a concentração na forma da Superalma não será abandonada em momento algum. Isto facilita a evolução natural para o sétimo degrau.

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3.3.7 - Dhyana

Quando o yogi se mantém por longo período num estado mental de concentração na Superalma, compreende-se que alcançou a meditação. Meditação significa concentrar a mente e focar a consciência no aspecto pessoal do Senhor. Não há possibilidade de meditação no vazio ou no aspecto impessoal da Verdade Absoluta.

Segundo as escrituras, Dhyana está entre os processos necessários para a auto-realização. É a etapa final do Asthanga-yoga. Nela se prepara a maior realização interior do yogi. Purusah purusam vrajet. A entidade viva se encontrará com a Pessoa Suprema (SB 3.29.35) face a face.

O Senhor Krishna diz no último capítulo do Bhagavad-gita (18.51-53), que “tendo controlado a fala, o corpo e a mente, mantendo-se sempre absorto em transe espiritual e abrigando-se no desapego” (yata-vak-kaya-manasa dhyana-yoga nityam vairagyam samupasritah) - entre outros fatores - “capacita-se para a auto-realização” (brahma-bhuyaya kalpate).

Os três últimos degraus – Pratyahara, Dharana e Dhyana - estão intimamente ligados. A meditação depende da concentração e esta da restrição dos sentidos. Os três caminham juntos e dependem, conseqüentemente, dos degraus anteriores. Ainda assim, não seria demais dizer que elas precedem à absorção completa da consciência individual (Jivatma), na Superconsciência (Paramatma). Patanjali diz no Yoga-sutra (3.2), que:

tatra pratyayaikatanata dhyanam

“A contínua contemplação (do objeto de concentração) é meditação.”

O Vedanta apresenta o método de meditação de

maneira bem clara. Brahmeti paramatmeti bhagavan iti sabdyate. A meta é a Verdade Absoluta (vedais ca sarvair aham eva vedyah), que possui três aspectos: impessoal (brahman), localizado (paramatma) e pessoal (bhagavan). Assim, meditar no aspecto impessoal da Verdade Absoluta é muito difícil e

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pouco garantido. Nele, podemos correr o risco de dispersar a concentração e sair da meditação.

Mesmo no Bhagavad-gita, como já foi visto, encontramos informações sobre as dificuldades de meditar no aspecto impessoal, na energia do Senhor Supremo. Portanto, os hábeis yogis meditam no aspecto localizado da Verdade Absoluta que se encontra no coração do yogi e de todos os demais seres vivos. Este é o motivo de interiorizar os sentidos e concentrar-se no objeto da busca. E é neste objeto, agora presente de maneira intensa dentro de seu coração, que o yogi irá colocar sua consciência e manter-se em meditação. Isto é Dhyana, ou Bhakti.

Não é um processo simples, mas não deixa de ser fácil. Ainda em Dhyana está presente o controle da mente, que agora é facilitado pela própria meditação, como esclarece o Yoga-sutra (3.7):

tatra dhyana-jam anasayam “Esta mente livre de impressões materiais resulta da meditação.”

No Srimad-Bhagavatam (3.27.6), Kapiladeva diz que a

meta máxima do Yoga se aproxima quando o yogi fielmente executa devoção amorosa pura (abhyasan sraddhayanvitah mayi bhavena satyena). E esta execução é simplesmente ouvir e cantar as glórias da Suprema Personalidade de Deus (mat-katha-sravanena ca). Por se cantar e ouvir as glórias da Pessoa Suprema Dhyana se torna muito simples e prática até mesmo para uma criança que absorta por ouvir sobre o Senhor Hari medita nEle.

Kapiladeva define Dhyana (SB 3.28.19), quando diz que, imerso em serviço amoroso, o yogi visualiza o Senhor dentro de si (dhyayec chuddha-bhavena cetasa). Em ambas as citações temos presente a palavra bhavena que significa manter-se absorto meditando o amor ao Senhor Supremo (Bg 10.8). Bhavena ainda não é a fase de amor puro pelo Senhor, é a fase preliminar para este amor. Entretanto, para se desenvolver este amor preliminar é necessária inabalável fé no processo de devoção do Yoga.

O Bhagavad-gita (4.10), também confirma que se mantendo refugiado no conhecimento a respeito da Verdade

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Absoluta alcança-se o transcendental amor pelo Senhor (mad-bhavam agatah). E este sentimento puro de amor é intrínseco ao ser vivo (hari-bhavanaya dhvasta). Bhavena vem da mesma raiz bhavah que significa natureza da alma espiritual. Então, é da natureza do ser vivo servir ao Supremo com devoção amorosa e isto confirma o propósito espiritual do Yoga.

O Srimad-Bhagavatam dispõe de um conhecimento profundo sobre a Verdade Absoluta. Ele oferece informações precisas sobre os aspectos da Pessoa Suprema. Tais informações são fundamentais para o yogi que almeja sucesso no processo de Yoga. Por exemplo, no terceiro canto, capítulo vinte e oito, do verso doze a trinta e quatro, Kapiladeva descreve a forma pessoal do Senhor para que Sua mãe, Devahuti, possa meditar com devoção amorosa. Fora estas existem muitas outras descrições que não se encontram em nenhuma outra escritura autorizada. Por isso, o Srimad-Bhagavatam também é conhecido como Bhagavat-Purana. Ele é um comentário sobre o Vedanta-sutra feito pelo próprio autor do Vedanta-sutra, Srila Vyasadeva.

Assim, munido deste conhecimento sobre o Senhor e dedicando-se a serví-Lo, o yogi pode chegar ao estágio último do Asthanga-yoga e, superando a mente, conectar-se com a Superalma.

Kapiladeva diz no Srimad-Bhagavatam (3.28.11):

dhyanenanisvaran gunan

“Meditando na Suprema Personalidade de Deus, livra-se dos três modos do apego material.”

De qualquer maneira, meditação não é simplesmente

fechar os olhos. Para o verdadeiro yogi, meditação pura é aquela que envolve todos os sentidos, ações, pensamentos, mente e inteligência. E isto se torna fácil quando se fixa a consciência no transcendental serviço amoroso ao Senhor Supremo, que é a fonte última de tudo (aham savasya prabhavah), como se confirma no Vedanta-sutra (1.2): janmady asya yatah. A Verdade Absoluta é a fonte última de tudo. Esta compreensão leva ao verdadeiro propósito do Yoga.

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3.3.8 - Samadhi

Samadhi é a absorção completa da consciência individual na Superconsciência, ou a fase em que a mente absorve-se virtualmente em pensamentos relacionados com a Pessoa Suprema. O termo Samadhi está relacionado com a palavra samahitam, que significa “estado no qual todas as questões são respondidas”, ou “estabelecido na posição original”. Além disso, a raiz [dhi] significa “inteligência espiritual”; ou seja, neste estado de Samadhi a mente atua fora do campo conceitual da linguagem e, portanto, fica livre das alterações constantes que ocorrem no campo mundano da mente – sentir, pensar e desejar materialmente.

Kapiladeva define Samadhi como sendo uma profunda concentração da mente nas atividades transcendentais da Suprema Personalidade de Deus (vaikuntha-lilabhidhyanam samadhanam tathatmanah, SB 3.28.6). Isto quer dizer que simples meditação ainda não é a fase perfeita do Asthanga-yoga. Em meditação ainda ocorre atuação da mente para se pensar nas glórias do Senhor, porém, tendo realmente se concentrado já não se faz mais necessário a plataforma mental. A mente é útil na meditação até o ponto de ter desenvolvido a afeição espontânea pelo transcendental serviço devocional amoroso ao Senhor. Quando se desenvolve esta espontaneidade ou apego espiritual por tópicos relacionados com o Senhor, naturalmente torna-se desnecessário um lugar ou horário específico para meditar, pois as vinte e quatro horas do dia são utilizadas para se meditar. Esta constante ocupação meditativa prática é o Samadhi.

Na verdade, o estágio de Samadhi está além dos conceitos de sentir, pensar e desejar. Nele, o yogi mantém-se num relacionamento recíproco muito intimo e elevado com a Verdade Absoluta. Em Samadhi apenas a consciência original é que atua sentindo, pensando e desejando espiritualmente. Antes de se alcançar este estágio de relacionamento com o Paramatma, a Jivatma permanece completamente sem atividades reais. Mas, para isto, todos os sentimentos, pensamentos e desejos que se manifestam neste estágio devem ser necessariamente puros. Qualquer mácula material tira imediatamente o yogi do Samadhi. Srila Prabhupada define

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Samadhi como a situação em que o yogi vê a Superalma dentro de si constantemente. Encontramos no Bhagavad-gita (2.44):

bhogaisvarya-prasaktanam tayapahrta-cetasam

vyavasayatmika buddhih samadhau na vidhiyate

“Nas mentes daqueles que estão muito apegados à gratificação dos sentidos e à opulência material, e que se deixam confundir por estas coisas, não ocorre a determinação resoluta de prestar serviço devocional ao Senhor Supremo.”

As palavras samadhau na vidhiyate significam que

não é possível situar-se em Samadhi quem é bhogaisvarya-prasaktanam, ou seja, apegado ao gozo dos sentidos e opulência material. Entretanto, o Samadhi também promove a limpeza dos desejos materiais que restaram ainda que sutis no coração do yogi, como confirma Patanjali no Yoga-sutra (2.2):

samadhi-bhavanarthah klesa-tanukara-narthas ca

“A intensa absorção da consciência na Pessoa Suprema cessará toda atração, identificação e atividades materiais.”

Porém, este Samadhi ainda não é o verdadeiro, pois

somente com o coração e a consciência pura é possível estabelecer-se em verdadeiro Samadhi. Enquanto há desejos materiais não há possibilidades de absorção completa nas atividades da Pessoa Suprema. Somente livre de qualquer desejo material e especulação mental é que se penetra no nectário prazer do Samadhi, em contato direto com a Personalidade de Deus. Isto é confirmado no Vedanta-sutra (1.12), onde se estabelece que anandamayo-‘bhyasat: “a Verdade Absoluta é a fonte de todo prazer e bem aventurança”. Assim, todo prazer que as entidades vivas estão procurando encontra-se na Verdade Absoluta, e somente fixando-se nEla é que se alcança o verdadeiro Samadhi.

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A palavra abhyasat significa “devido à repetição”, ou seja, o prazer que se sente no contato com a Verdade Absoluta é ilimitado. Desse modo, o yogi sente esta fonte de prazer emanando ilimitadamente e se afasta por completo dos desejos de satisfação material pelo fato de eles já não mais causarem prazer. O prazer referente ao contato com o Paramatma é absoluto e inigualável e, portanto, sobrepuja qualquer prazer material.

O Paramatma, ou a Verdade Absoluta, que é bem-aventurança transcendental, está presente nos corações de todas as almas condicionadas que buscam por algum prazer e, desse modo, é mais sensato buscar por este prazer em contato com o Senhor do que em contato com a matéria.

No Taittiriya Upanisad há a seguinte descrição verídica a respeito da Verdade Absoluta:

etam anandamayam atmanam upasankramya iman lokan

kamani kama-rupy anusancarann etat sama gayann aste

“Após deixar seu corpo material, aquele que compreende a Pessoa Suprema (anandamaya) deixa este mundo material e entra no mundo espiritual. Então, todos seus desejos se tornam realizados, recebe uma forma espiritual de acordo com seu próprio desejo, e dedica-se a glorificar ao Senhor.”

Este fato é corroborado pelo Bhagavad-gita (5.21):

bahya-sparsesv asaktatma vindaty atmani yat sukham as brahma-yoga-yuktatma sukham aksayam asnute

“Tal pessoa liberada não se deixa atrair pelo prazer dos sentidos materiais, mas está sempre em transe, gozando o prazer interior. Desse modo, a pessoa auto-realizada sente felicidade ilimitada, pois se concentra no Supremo.”

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Neste verso, Samadhi é descrito nos termos sa brahma-yoga-yuktatma. E naturalmente esta absorção dentro de si mesmo, fixo na forma pessoal do Senhor, leva à felicidade ilimitada (sukham aksayam). Assim, não há dúvida de que esta Pessoa Suprema seja anandamaya, pois Ele também é descrito na seguinte declaração do Srimad-Bhagavatam (10.87.17): “Ó Senhor, de todas as pessoas, Tu és o Supremo.” (purusha-vidho ‘nvayo ‘tra).

Com relação a isso podemos observar que não é contraditório ou ilógico dizer que o Senhor Supremo tem uma forma pessoal absoluta, pois Ela é descrita pelas literaturas védicas. No Srimad-Bhagavatam (12.13.1), se diz que a Suprema Personalidade de Deus (devaya tasmai) é em quem (yam) os yogis perfeitos se absorvem em transe dentro de si mesmo (dhyanavasthita-tad-gatena manasa pasyanti yam yogino). E a conclusão do Samadhi será render-se a esta Pessoa Suprema sem perder sua identidade eterna. Patanjali diz no Yoga-sutra (2.45):

samadhi-siddhir isvara-pranidhanat

“A perfeição do Samadhi é a rendição completa à Pessoa Suprema.”

Rendição significa absorver-se por completo na

Verdade Absoluta numa atitude de serviço amoroso, ocupando-se inteiramente na satisfação do Senhor. Portanto, a absorção, munida de conhecimento, nesta forma suprema leva o yogi à liberação, como confirma o Bhagavad-gita (4.9):

janma karma ca me divyam evam yo vetti tattvatah

tyaktva deham punar janma naiti mam eti so ‘rjuna

“Aquele que conhece a natureza transcendental do Meu aparecimento e atividades, ao deixar o corpo não volta a nascer neste mundo material, mas alcança Minha morada eterna.”

Isto significa que não ocorre em nenhum momento, como erroneamente se pensa, a dissolução da alma individual.

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O yogi entende que o Samadhi é a promessa de sua verdadeira individualidade eterna. E esta individualidade é mantida no eterno relacionamento restabelecido em Samadhi com o Supremo. Também no Bhagavad-gita (2.53):

sruti-vipratianna te

yada sthasyati niscala samadhav acala buddhis

tada yogam avapsyasi

“Quando sua mente deixar de perturbar-se pela linguagem florida dos Vedas, e quando se fixar no transe da auto-realização (Samadhi), você então terá atingido a consciência divina.”

A verdadeira reciprocidade é eterna, assim como o

prazer e a felicidade experimentada neste estado também é. Logo, entrar em verdadeiro Samadhi é manter-se constantemente nele. Kapiladeva diz no Srimad-Bhagavatam (3.28.36):

so 'py etaya caramaya manaso nivrttya tasmin mahimny avasitah sukha-duhkha-bahye

hetutvam apy asati kartari duhkhayor yat svatman vidhatta upalabdha-paratma-kasthah

“Assim situada na fase transcendental mais elevada, a mente pára com toda a reação material e situa-se em sua própria glória, transcendental a todas as concepções materiais de felicidade e aflição. Nessa altura, o yogi compreende a verdade de sua relação com a Verdade Absoluta, a Pessoa Suprema. Ele descobre que o prazer e a dor - bem como suas interações - os quais ele atribuía a seu próprio eu, são, de fato, devidos ao falso ego, que é produto da ignorância.”

Ter apenas uma leve sensação ou insight não é

verdadeiro Samadhi. Sem manter a consciência ocupada no transcendental serviço amoroso à Alma Suprema, em seu

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eterno relacionamento, não há como permanecer em Samadhi. Ainda no Bhagavad-gita (12.2):

mayy avesya mano ye mam nitya-yukta upasate

sraddhaya parayopetas te me yuktatama matah

“Aqueles que fixam suas mentes na Minha forma pessoal e sempre se ocupam em Me adorar com fé transcendental, são considerados por Mim como os mais perfeitos.”

Verdadeiro Samadhi não é a fusão impessoal na

energia divina do Senhor, mas manter sua individualidade espiritual eterna, podendo assim executar o transcendental serviço devocional amoroso ao Senhor Supremo. Isto também é corroborado pelo Bhagavad-gita (6.47):

yoginam api sarvesam mad-gatenantar-atmana

sraddhavan bhajate yo mam as me yuktatamo matah

“E de todos os yogis, aquele que tem muita fé e sempre se refugia em Mim, pensa em Mim dentro de si mesmo e Me presta transcendental serviço devocional amoroso - é o mais intimamente unido a Mim em Yoga e é o mais elevado de todos. Esta é a Minha opinião.”

Verdadeira união com o Supremo não é fundir-se

nEle, mas estar em harmonia com Seus desejos, pronto para realizar Seus planos para o benefício de todos os seres vivos. Verdadeiro Yoga é Samadhi e Samadhi é Bhakti-yoga. Em Samadhi o yogi pode compreender perfeitamente a si próprio e ao Supremo percebendo com profundidade a relação eterna que ambos possuem. Em Samadhi o yogi dirige todo o seu amor e sentimento a Suprema Personalidade de Deus numa

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atitude de rendição devocional completa. Em Samadhi alcança-se a perfeição da vida humana, pois se recobra a sua original atividade no relacionamento puro com a Verdade Absoluta.