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79 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 29, p. 79-93, nov. 2007 Rosemary Dore ATIVIDADE EDITORIAL COMO ATIVIDADE EDUCATIVA: REFLEXÕES DE GRAMSCI SOBRE AS “REVISTAS TIPO” Recebido em 15 de agosto de 2007. Aprovado em 25 de agosto de 2007. O objetivo deste texto é examinar a reflexão de Gramsci sobre as “revistas tipo”, focalizando tanto sua atividade editorial, segundo um plano e uma divisão de trabalho, racionalmente predisposta, quanto sua atuação como círculos de cultura, difundindo concepções de mundo e contribuindo para organizar a cultura. Segundo Gramsci, a atividade das “revistas tipo” poderia ser um parâmetro para um trabalho educativo de elevação cultural das classes subalternas. Ele entende que a formação de quadros intelectuais é papel da escola. Entretanto, como esta ainda não era acessível à grande maioria da população, ele propõe que as revistas constituam um terreno favorável ao início de uma ação, para resolver o problema da cultura, mesmo que o trabalho educativo da revista não substitua a atividade escolar “direta”. Assim como a luta contra o analfabetismo é diferente de uma escola para analfabetos, as revistas não seriam, por si mesmas, uma solução para o problema da cultura, mas poderiam ser tomadas como um ponto de partida para a criação de uma nova civilização. Gramsci relaciona a atividade editorial das revistas à organização de um trabalho cultural, visando a orientar a instituição de um centro homogêneo de cultura para a conquista da hegemonia. PALAVRAS-CHAVE: imprensa; cultura; atividade editorial; educação; hegemonia; Gramsci; escola unitária. I. AS “REVISTAS TIPO” NO PROGRAMA DE ESTUDOS ESBOÇADO NO CÁRCERE Nosso interesse sobre as reflexões de Gramsci a respeito das “revistas tipo” e sua relação com o problema da cultura nasceu dos estudos que rea- lizamos sobre sua proposta para a escola, enten- dida como organização da sociedade civil essen- cialmente ligada à conquista da hegemonia (cf. DORE SOARES, 2000; 2005). A questão da escola, no entanto, não aparece nos primeiros planos de estudo que Gramsci es- boçou no cárcere. Ao tratar do problema da cul- tura e da elevação da consciência dos trabalhado- res, do senso comum ao nível filosófico, ele toma inicialmente as revistas – e não a escola – como referência da atividade educativa. Assim, já em fevereiro de 1929, no seu primeiro plano de estu- do do cárcere (GRAMSCI, 1977, p. 5-6), Gramsci menciona as “revistas tipo” no ponto 14 (Revis- tas tipo: teórica, crítico-histórica, de cultura ge- ral), enquanto a escola somente vai aparecer em seus programas de novembro-dezembro de 1930 1 e de fevereiro-abril de 1932 (idem, p. 936: Ponto 1° - Intelectual, Questões da escola), no qual as revistas são incorporadas ao item sobre jornalis- mo (ibidem: Item 10°, Notas sobre o jornalismo). Na discussão sobre as revistas, Gramsci liga a sua atividade editorial à formação de intelectuais. É um nexo que, certamente, vem de sua própria experiência jornalística, desde Il grido del popolo (1917-1918) até as atividades educacionais em torno da revista L’Ordine Nuovo (1919-1920) 2 . Então, Gramsci ainda não amadurecera suas re- flexões sobre o Estado e a sociedade civil. Poste- riormente, já no cárcere, ele apresenta suas mais ricas contribuições à análise do Estado capitalista, mostrando as complexas relações entre socieda- de política e sociedade civil e desvendando o ca- ráter contraditório desta última, como “aparelho 1 A questão da escola aparece no ponto 1 (A escola e a educação nacional) e no 18 (A escola única e o que ela significa para toda a organização da cultura nacional) (GRAMSCI, 1977, p. 935). 2 A partir de 24 de dezembro de 1920, L’Ordine Nuovo deixa de ser publicada como revista e, no ano seguinte, passa a ser editada como cotidiano do Partido Comunista Italiano, fundado em janeiro de 1921.

ATIVIDADE EDITORIAL COMO ATIVIDADE EDUCATIVA · 5 O termo “civilização” é a tradução para o português do termo civiltà, largamente adotado por Gramsci nos Quaderni. Civiltà

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 79-93 NOV. 2007

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 29, p. 79-93, nov. 2007

Rosemary Dore

ATIVIDADE EDITORIAL COMO ATIVIDADEEDUCATIVA:

REFLEXÕES DE GRAMSCI SOBRE AS “REVISTAS TIPO”

Recebido em 15 de agosto de 2007.Aprovado em 25 de agosto de 2007.

O objetivo deste texto é examinar a reflexão de Gramsci sobre as “revistas tipo”, focalizando tanto suaatividade editorial, segundo um plano e uma divisão de trabalho, racionalmente predisposta, quanto suaatuação como círculos de cultura, difundindo concepções de mundo e contribuindo para organizar acultura. Segundo Gramsci, a atividade das “revistas tipo” poderia ser um parâmetro para um trabalhoeducativo de elevação cultural das classes subalternas. Ele entende que a formação de quadros intelectuaisé papel da escola. Entretanto, como esta ainda não era acessível à grande maioria da população, elepropõe que as revistas constituam um terreno favorável ao início de uma ação, para resolver o problema dacultura, mesmo que o trabalho educativo da revista não substitua a atividade escolar “direta”. Assim comoa luta contra o analfabetismo é diferente de uma escola para analfabetos, as revistas não seriam, por simesmas, uma solução para o problema da cultura, mas poderiam ser tomadas como um ponto de partidapara a criação de uma nova civilização. Gramsci relaciona a atividade editorial das revistas à organizaçãode um trabalho cultural, visando a orientar a instituição de um centro homogêneo de cultura para aconquista da hegemonia.

PALAVRAS-CHAVE: imprensa; cultura; atividade editorial; educação; hegemonia; Gramsci; escola unitária.

I. AS “REVISTAS TIPO” NO PROGRAMA DEESTUDOS ESBOÇADO NO CÁRCERE

Nosso interesse sobre as reflexões de Gramscia respeito das “revistas tipo” e sua relação com oproblema da cultura nasceu dos estudos que rea-lizamos sobre sua proposta para a escola, enten-dida como organização da sociedade civil essen-cialmente ligada à conquista da hegemonia (cf.DORE SOARES, 2000; 2005).

A questão da escola, no entanto, não aparecenos primeiros planos de estudo que Gramsci es-boçou no cárcere. Ao tratar do problema da cul-tura e da elevação da consciência dos trabalhado-res, do senso comum ao nível filosófico, ele tomainicialmente as revistas – e não a escola – comoreferência da atividade educativa. Assim, já emfevereiro de 1929, no seu primeiro plano de estu-do do cárcere (GRAMSCI, 1977, p. 5-6), Gramscimenciona as “revistas tipo” no ponto 14 (Revis-tas tipo: teórica, crítico-histórica, de cultura ge-ral), enquanto a escola somente vai aparecer emseus programas de novembro-dezembro de 19301

e de fevereiro-abril de 1932 (idem, p. 936: Ponto1° - Intelectual, Questões da escola), no qual asrevistas são incorporadas ao item sobre jornalis-mo (ibidem: Item 10°, Notas sobre o jornalismo).

Na discussão sobre as revistas, Gramsci liga asua atividade editorial à formação de intelectuais.É um nexo que, certamente, vem de sua própriaexperiência jornalística, desde Il grido del popolo(1917-1918) até as atividades educacionais emtorno da revista L’Ordine Nuovo (1919-1920)2.Então, Gramsci ainda não amadurecera suas re-flexões sobre o Estado e a sociedade civil. Poste-riormente, já no cárcere, ele apresenta suas maisricas contribuições à análise do Estado capitalista,mostrando as complexas relações entre socieda-de política e sociedade civil e desvendando o ca-ráter contraditório desta última, como “aparelho

1 A questão da escola aparece no ponto 1 (A escola e a

educação nacional) e no 18 (A escola única e o que elasignifica para toda a organização da cultura nacional)(GRAMSCI, 1977, p. 935).2 A partir de 24 de dezembro de 1920, L’Ordine Nuovodeixa de ser publicada como revista e, no ano seguinte,passa a ser editada como cotidiano do Partido ComunistaItaliano, fundado em janeiro de 1921.

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privado de hegemonia”3. É quando ele explicita aimportância da escola4 para a formação de qua-dros intelectuais e formula a sua proposta para aescola unitária, como uma escola para todos, soba hegemonia de um novo grupo social cujo objeti-vo político é a realização da igualdade social.

Ao apresentar a proposta da escola unitária,Gramsci deixa claro que seu advento “significa oinício de novas relações entre o trabalho intelec-tual e o trabalho industrial não apenas na escola,mas em toda a vida social” (idem, p. 1538). Aconstrução da escola unitária começaria já no pró-prio capitalismo, tendo como horizonte alcançarnovas relações entre vida e cultura, uma situaçãode igualdade social. Propunha a elevação civil dasmassas populares, que não seria conseqüênciamecânica de mudanças econômicas, mas resulta-ria de um intenso trabalho cultural. O princípiounitário, por isso, deveria estar presente “em to-dos os organismos de cultura, transformando-ose lhes dando um novo conteúdo” (idem, p. 1538).As linhas de funcionamento da escola unitária de-veriam ser desenvolvidas e constituir uma refe-rência para orientar a organização de um centrode cultura, desde o nível mais elementar e primiti-vo ao mais complexo (idem, p. 1539).

Tal formulação de Gramsci sobre os princí-pios da escola unitária como guias para organizarum centro de cultura, em toda a sua estrutura,expressa o aprimoramento de uma reflexão sobrea atividade educativa como estratégia para a con-quista da hegemonia que começa com suas pro-posições sobre as revistas.

Dando uma completa reviravolta na concep-ção de cultura como dimensão inteiramente su-bordinada à economia, dominante no movimento

operário de sua época, ele entende que a fundaçãode um novo Estado depende de um processo muitomais amplo de criação de uma nova civilização5.Por isso, considera imprescindível “organizar acultura”, ampliando os meios para difundir novasconcepções do mundo que permitissem às clas-ses subalternas tomar “consciência de si”, dosseus próprios fins e fazer sua história. Nesse sen-tido, afirma ser necessário mudar a concepção demundo das classes subalternas, suas ideologias,criando uma nova ética, uma “norma de conduta”adequada à nova visão do mundo. Aí se encontraa base de uma reforma intelectual (concepções demundo) e moral (norma de conduta) – teórica eprática –, essencial à fundação de um novo Esta-do, pois poderia levar a uma nova “direção cultu-ral”, à conquista da hegemonia por parte das clas-ses subalternas.

A elaboração do conceito de hegemonia se in-sere no esforço teórico de Gramsci para recupe-

3 A noção de “aparelho privado de hegemonia” é mencio-nada por Gramsci no seu debate com Daniele Halévy sobreas concepções do Estado (cf. GRAMSCI, 1977, p. 801).4 Em sua reflexão mais madura sobre o Estado e a socieda-de civil, Gramsci identifica a importância da escola e diz:“A atividade escolar, em todos os seus graus, tem umaimportância enorme, também econômica, para os intelec-tuais de todos os graus: tinha antes uma importância aindamaior do que hoje, dado o estreitamento dos quadros soci-ais e as escassas alternativas abertas aos pequenos burgue-ses (hoje): jornalismo, movimento dos partidos, indústria,aparato estatal muito ampliado etc. alargaram de modosem precedentes as possibilidades de emprego”(GRAMSCI, 1977, p. 2047; sem grifos no original).

5 O termo “civilização” é a tradução para o português dotermo civiltà, largamente adotado por Gramsci nosQuaderni. Civiltà deriva do latim civilitas, que por sua vezvem do adjetivo civilis, de civis, ou seja, cidadão. Nessesentido, significa o conjunto das qualidades e característi-cas da vida dos membros de uma comunidade, como cida-dãos. Gramsci adota a expressão •gciviltà•h num sentidoamplo, para referir-se à organização econômica, social epolítica de uma comunidade, ao conjunto dos seus valoresestéticos e morais. Mas também se refere ao processo demelhoria das condições de vida dos indivíduos e da coleti-vidade, à conquista de valores artísticos e literários maiselevados, ao desenvolvimento do saber científico, à maiorcomplexidade da divisão do trabalho e da diversidade defunções e especializações na sociedade e, enfim, à conquis-ta de uma consciência mais aprofundada do próprio modode ser e de agir na vida. Há uma estreita relação entre asnoções de civiltà e cultura. Quando aborda o problema daescola, por exemplo, Gramsci diz que “quanto mais amplaé a ‘área’ escolar e quanto mais numerosos são os ‘graus’‘verticais’ da escola, tanto mais complexo é o mundo cultu-ral, a civilização [civiltà], de um determinado Estado”(GRAMSCI, 1977, p. 1517). Ao referir-se ao Estado edu-cador, Gramsci diz que “o Estado deve ser concebido como‘educador’ na medida em que tende justamente a criar umnovo tipo ou nível de civilização [civiltà]” (GRAMSCI,1977, p. 1570). E o termo civiltà não exclui a dimensãoeconômica. É o que fica claro quando Gramsci focaliza oamericanismo e afirma que suas ações se dão por meio dacoerção brutal de um grupo social sobre todas as forçasprodutivas da sociedade: “a seleção ou ‘educação’ do ho-mem adaptado aos novos tipos de civilização [civiltà], istoé, às novas formas de produção e de trabalho [...]”, em cujoprocesso de advento (de uma nova civiltà) ocorrem crises(GRAMSCI, 1977, p. 2161).

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rar a metodologia dialética na análise do nexo en-tre estrutura e superestrutura, economia e políti-ca. Com essa intenção, ele mostra que, em Marx,além do aspecto da força e da economia na análi-se do Estado, também está contido in nuce “oaspecto ético-político da política ou a teoria dahegemonia e do consentimento” (idem, p. 1315).Nessa discussão, assume especial relevo a ênfaseque Gramsci dá à asserção de Marx segundo aqual “os homens tomam consciência de seus de-veres no terreno ideológico, das superestruturas”,isto é, “da própria força, do próprio tornar-se umgrupo social” (idem, p. 436-437)6. Ele retoma di-versas vezes tal postulado de Marx, nele identifi-cando um princípio gnosiológico, nem materialis-ta nem idealista. Afirma que se trata de uma for-mulação gnosiológica, de caráter dialético, poismostra que, no movimento da história, não hápredominância nem da existência nem da cons-ciência. No ato histórico, esses contrários se iden-tificam: a atividade humana é “história-espírito”em concreto, inextricavelmente ligada a “uma cer-ta ‘matéria’ organizada (historicizada), à naturezatransformada do homem” (idem, p. 1492).

Essas reflexões de Gramsci, cujo objetivo é ode reconstituir a perspectiva dialética adotada porMarx para a análise da sociedade, guiam-lhe nacrítica ao que chama “fórmula de 1848”7, isto é,

a estratégia apresentada pelo próprio Marx, juntoa Engels, para destruir o Estado capitalista. ComMarx, mas avançando o seu pensamento ao levarem conta as mudanças históricas, Gramsci pro-põe, em contrapartida, a estratégia da “hegemoniacivil”. Uma estratégia cuja eficácia se sustenta noprocesso de difusão de concepções de mundo ede obtenção do consentimento das grandes mas-sas populares à determinada ideologia (concep-ção de mundo), abraçando-a, pondo-a em práticae convertendo-a em história. Por isso, enquantoem Marx a dimensão da cultura não é expressãode relevo para um projeto revolucionário, emGramsci ela é dimensão basilar de uma “reformaintelectual e moral” para a conquista da hegemoniae a transformação da sociedade. E é o próprioMarx quem lhe fornece os argumentos para iden-tificar o valor das idéias e as suas possibilidadesde vir a se transformar em história. A esse respei-to, Gramsci recorda diversas vezes a concepçãode Marx de que as idéias, quando assumem a “for-ça granítica das crenças populares”, convertem-se em poder material (idem, p. 1595). A referidaproposta marxiana coloca o problema de engen-drar uma nova sociedade a partir da difusão deum complexo ideológico que ganhe a mesma so-lidez “material” das crenças populares (idem, p.869), tornando-se uma “vontade coletiva” capazde modificar a história.

Gramsci tem em vista a organização de umanova civilização. E busca o seu modelo crítico nodesenvolvimento da Reforma Protestante e doRenascimento que, para ele, são movimentos ri-cos de sugestões pedagógicas (idem, p. 891).Ambos promoveram o nascimento de uma novacivilização, realizando-se na esfera de elite(Renascimento) e na de massas (Reforma Pro-testante). Aí, ele identifica a questão pedagógica:uma proposta visando a criar uma nova civiliza-ção exige a elaboração de atividades culturais nasduas esferas, a de elite e a de massas. Mas o quetorna a proposta mais complexa, assinala o autor, éque as duas atividades são apenas uma: o trabalhode elaboração de uma elite não pode se separar dode educar as grandes massas populares. Tal é osignificado do nexo entre Renascimento e Refor-ma que Gramsci tem em mente quando focaliza aatividade editorial em torno das revistas e o seupapel como difusoras de concepções de mundo. Oseu propósito é o de criar condições e fomentarmúltiplas iniciativas para realizar uma “reforma in-telectual e moral” no plano político e cultural.

6 A idéia do nexo necessário e vital entre estrutura e supe-restrutura é retomada por Gramsci no Caderno 10, na filo-sofia de Benedetto Croce (GRAMSCI, 1977, p. 1318). Aí,ele reafirma que os homens tomam consciência da sua po-sição social e, assim, dos seus deveres, no terreno das ide-ologias e acrescenta que é correta a proposição de Crocesegundo a qual a “filosofia da práxis é ‘história feita ouhistória in fieri’” (GRAMSCI, 1977, p. 1318). Com refe-rência à educação, sustenta que a filosofia da práxis é aprópria teoria das contradições; é expressão das classessubalternas que querem educar a si mesmas na arte do go-verno e que têm interesse em conhecer todas as verdades.7 Gramsci chama de “fórmula de 1848” o conceito de umarevolução violenta contra o Estado capitalista, concebidocomo “comitê” da burguesia – cf. o conceito de Marx eEngels sobre o Estado no Manifesto do Partido Comunista(1848): “O governo moderno não é senão um comitê paragerir os negócios comuns de toda a classe burguesa” (MARX& ENGELS, 197-, p. 23). Cf. também o conceito de revo-lução como um confronto direto contra o Estado: “Esbo-çando em linhas gerais as fases do desenvolvimento prole-tário, descrevemos a história da guerra civil mais ou menosoculta, que lavra na sociedade atual, até a hora em que essaguerra explode numa revolução aberta e o proletariado es-tabelece sua dominação pela derrubada violenta da burgue-sia” (idem, p. 30).

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II. AS “REVISTAS TIPO” COMO INSTRUMEN-TO PARA ORGANIZAR A CULTURA

Assim como a luta contra o analfabetismo nãoé a mesma coisa que criar uma escola para anal-fabetos, a discussão de Gramsci sobre as revis-tas tipo é mais do que uma luta a favor da orga-nização da cultura para criar uma nova civiliza-ção (idem, p. 790). Para eliminar o analfabetis-mo, por exemplo, não basta a luta política. Énecessário, além disso, contar com uma escolaque efetivamente ensine a ler, a escrever e a con-tar. Nesse âmbito, apresenta-se a questão dasrevistas como referência para organizar a cultu-ra. Não basta a Gramsci uma política cultural.Ele defende a necessidade de se dispor da técni-ca, isto é, dos meios materiais para desenvolveruma ação cultural. Por isso, observa que as re-vistas devem constituir um instrumento para re-forçar as instituições culturais. “[...] Por si mes-mas as revistas são estéreis se não se tornam aforça motriz e formadora de instituições cultu-rais de tipo associativo de massa, isto é, cujosquadros não estão fechados. Isso também seaplica às revistas do partido; não é necessáriocrer que o partido constitua por si mesmo a ‘ins-tituição’ cultural de massa da revista. O partido éessencialmente político e também a sua ativida-de política é cultural: as ‘instituições’ culturaisdevem ser não apenas de ‘política cultural’, masde ‘técnica cultural’” (idem, p. 790-791).

A intenção de Gramsci é esta: criar uma escolapara “analfabetos”. Pensar as possibilidades prá-ticas de educar, metodicamente, as grandes mas-sas populares, desenvolvendo todos os meios cul-turais para extirpar o “analfabetismo” no sentidomais amplo de um analfabetismo cultural. Comesse propósito, ele realiza uma vasta pesquisa so-bre a organização da cultura.

Já no primeiro Caderno, apresenta o esboçodaquilo que entende ser a condição principal (masnão a única) para organizar a cultura: a “difusão,por um centro homogêneo, de um modo de pen-sar e de agir homogêneo” (idem, p. 33). No Ca-derno 19, Gramsci formula duas linhas para ahegemonia de um centro de cultura: 1) “uma con-cepção geral de vida” e 2) “um programa esco-lar”, isto é, “um princípio educativo e pedagógicooriginal que interesse e dê uma atividade própria,no seu campo técnico, àquela fração dos intelec-tuais que é a mais homogênea e a mais numerosa(desde os professores da escola elementar até os

professores da Universidade)” (idem, p. 2047).

No que concerne ao item 1, Gramsci focalizaos problemas relacionados à filosofia da práxis e àexigência de superá-los para que essa filosofia vi-esse a se constituir um ponto de referência parauma “concepção geral de vida”. Então, a filosofiada práxis era objeto de duas diferentes interpreta-ções: a materialista e a idealista, em outras pala-vras, a assim chamada “corrente ortodoxa”,positivista (representada por Plekanov), e a suaoposta, não positivista (tendo como expoente OttoBauer) (idem, p. 1507). Para afrontar o problemado ponto de vista da organização de um centro decultura capaz de divulgar uma “concepção geral devida”, fundada no marxismo, Gramsci propõe, jáno Caderno 3 e depois no Caderno 11, que as re-vistas assumam um tratamento analítico e sistemá-tico das publicações de Antonio Labriola sobre afilosofia da práxis8. As suas posições sobre o mar-xismo, de acordo com as quais a filosofia do mar-xismo está contida no próprio marxismo, e a suatentativa para lhe dar uma base científica deveriamser divulgadas porque contribuiriam para desen-volver a filosofia da práxis e eram pouco conheci-das para além de um pequeno grupo (idem, p. 1507).

Quanto ao item 2, a pesquisa de um princípioeducativo que guiasse a organização de um cen-tro de cultura, Gramsci encontra esse princípiona escola humanista e o define como o “conceitode trabalho”, reflexão que aparece no caderno 12(“para a pesquisa do princípio educativo” (idem,p. 1540-1541)). No caderno 24, ele reintroduz suasidéias sobre aquele centro homogêneo de cultura,anunciado no Primeiro Caderno, cujaimplementação requer duas estratégias fundamen-tais: a didática e a organizativa (idem, p. 2288).

A estratégia didática diz respeito aos métodosde elaboração da cultura e da consciência. Refe-

8 No Caderno 3 (texto A), Gramsci assinala que, ao contrá-rio da posição de Antonio Labriola (1843-1904), as ten-dências dominantes recaíam seja no materialismo vulgar,como aquela representada por Plekanov, seja no seu opos-to, ligando o marxismo ao kantismo, expressa por OttoBauer. Por isso, ele propõe que Labriola seja “recolocadoem circulação e a sua formulação do problema filosóficodeve vir a predominar” (GRAMSCI, 1977, p. 309). O tra-balho de difusão de Labriola tinha em conta que, com aexistência de “um novo tipo de Estado, nasce [concreta-mente] o problema de uma nova civilização e daí a necessi-dade de elaborar as concepções mais gerais, as amas maisrefinadas e decisivas” (ibidem).

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re-se à aquisição de um pensamento metódico, oqual depende de uma “especialização”, pois, paraGramsci, o pensamento lógico não é espontâneo,mas depende de uma técnica. Os intelectuais têmum método próprio de pensar que opera comindução e dedução, sistema do qual carece amaior parte das pessoas (idem, p. 2267). O traba-lho de educação de um método para pensar é com-plexo, mas é uma tarefa fundamental à organiza-ção de um centro homogêneo de cultura. É umtrabalho que “deve ser articulado e graduado: devehaver a dedução e a indução combinadas, a iden-tificação e a distinção, a demonstração positiva ea destruição do velho. Mas não em abstrato e simem concreto; com base no real e na experiênciaefetiva” (idem, p. 2268).

Já a estratégia organizativa de um “centro uni-tário de cultura”, Gramsci a formula tendo comoreferência a atividade editorial das revistas, sejaquanto à organização do seu trabalho de publica-ção, seja quanto à sua atuação na sociedade paraesclarecer idéias e difundir um modo de pensar.Ele se preocupa com aquela parte do “público queé muito ativa intelectualmente, mas apenas emestado potencial” (idem, p. 2263) e que poderiaser estimulada culturalmente com o trabalho dasrevistas. A atividade jornalística, entretanto, deve-ria ir além da satisfação das necessidades de “cer-ta categoria” social. Deveria também “criar e de-senvolver essas necessidades e assim promover,num certo sentido, o seu público, estendendo pro-gressivamente a sua área” (idem, p. 2259). Essa éa concepção de Gramsci sobre o “jornalismo in-tegral”. Seu horizonte é a emergência de “outrasituação”, na qual fosse possível “construir umedifício cultural completo”, que seguisse princí-pios “racionais”, isto é, tivesse determinadas pre-missas e determinados fins a serem alcançados(idem, p. 2259). Enfim, uma nova civilização.

A atividade editorial das revistas, portanto, fazparte da construção do edifício cultural comple-to. As revistas do chamado “primo Novecento”,primeiras décadas do século XX, tinham assumi-do a função de promotoras de idéias e de proje-tos, também no plano social e cultural, além da-quele estritamente literário9. Gramsci as classifi-ca em três tipos, de acordo com o modo de sua

compilação, o tipo de leitor ao qual se dirigem eos fins educativos que pretendem atingir: o tipoteórico, o “crítico-histórico-bibliográfico” e o decultura geral (idem, p. 2263).

O primeiro tipo, o teórico, é aquele que com-bina elementos diretivos com um corpo editorialespecializado. É representado pelas revistas LaCritica10, dirigida por Benedetto Croce e impres-sa em Bari, de 1903 a 1944; Politica, fundada emfins de 1918 por Francesco Coppola11 e Alfredo

9 De acordo com Luperini, as jovens revistas dos primei-ros anos do século passado nasceram “da consciência de

que os intelectuais podem, como tais, ter ainda uma fun-ção” (LUPERINI, 1978, p. 10). E isso explicaria o sucessode revistas editadas no campo da política e da cultura.10 La Critica, uma revista de história e filosofia, foi conce-bida como um instrumento de hegemonia cultural, sendo aporta-voz de um novo idealismo historicista, o “idealismocrítico” de Croce. A sua publicação tinha o propósito de“sustentar uma determinada ordem de idéias” e se propu-nha a “discutir livros, italianos e estrangeiros, de filosofia,história, literatura, sem a pretensão de colocar o leitor emcontato com todas as publicações sobre argumentos vá-rios, mas selecionando algumas publicações que tivessem,por seu argumento ou por seu mérito, maior interesse, oumelhor, se prestassem a discussões fecundas”. E a revistanão pretendia apenas fazer resenhas de novos livros, mastambém apresentar “artigos, notas, contribuições, docu-mentos, organizados e direcionados a um único objetivo”:aquele de “preparar o material e tentar um primeiro esque-ma da história da produção literária e científica italiana doúltimo meio século” (La Critica apud DONATI, 2006).Nos primeiros anos da revista, embora a parte concernenteà vida intelectual ficasse sob os cuidados de Croce, a partesobre a filosofia era de competência de Giovanni Gentile,que permaneceu por 20 anos como o seu principal colabo-rador. Com o advento do fascismo, a amizade entre os doisse rompeu e a revista La Critica, agindo nos limites impos-tos pela situação política, continuaria a ser publicada até ofim de 1944. De acordo com Badaloni e Muscetta, o maissurpreendente na revista foi a “capacidade de Croce deintervir sobre qualquer questão depois de haver reformuladoos problemas nos termos da sua filosofia” (BADALONI& MUSCETTA, 1977, p. 53). Mas a questão teórica defundo da revista, acrescentam os autores, era a relação dehegemonia sobre o marxismo (idem, p. 58).11 Conhecido como uma das figuras mais representativasdo nacionalismo italiano, o napolitano Francesco Coppola(1878-1957) foi um jornalista polêmico e agressivo, desdequando trabalhava nos periódicos Giornale d’Italia e Tri-buna. Depois da eleição para o Parlamento (março de 1909),assumiu sistematicamente uma posição contra o PartidoSocialista e os sindicatos. Líder da Associação NacionalistaItaliana (ANI), defendeu uma bandeira antidemocrática eanti-reformista, tendo colaborado com o periódico L’IdeaNazionale. Nos anos 1920, Coppola tornou-se um grandedifusor da propaganda fascista (cf. D’ALFONSO, 2000).

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ATIVIDADE EDITORIAL COMO ATIVIDADE EDUCATIVA

Rocco12, figuras representativas da história donacionalismo italiano, ambos nacionalistas convic-tos, e Nuova Rivista Storica, fundada em 1917por Corrado Barbagallo13. Trata-se de revistasorganizadas por jornalistas polêmicos, que pro-curavam renovar o estilo literário, discutindo li-vros italianos e estrangeiros, de filosofia, históriae literatura.

Os redatores que garantem a publicação derevistas do primeiro tipo, assinala Gramsci, de-vem ser especializados, “capazes de fornecer, comuma certa periodicidade, um material cientifica-mente elaborado e selecionado” (idem, p. 2271).Além disso, devem ter alcançado certo grau dehomogeneidade cultural entre si, o que é algo muitocomplexo e já representa um nível mais elaboradode um movimento intelectual. As revistas do pri-meiro tipo poderiam ser substituídas ou antecipa-das pela publicação de um “Anuário”, o qual, res-salta Gramsci, nada tem a ver com a idéia deAlmanaque popular, “cuja compilação está ligadaqualitativamente ao jornal diário, isto é, organiza-da com vistas ao leitor médio do cotidiano” (idem,p. 2271-2272). O Anuário14, ao contrário, deve-ria ser preparado de acordo com um plano, abran-

gendo muitos anos, de modo a acompanhar o de-senvolvimento de um determinado programa, fo-calizando apenas um tema, cuja abordagem pode-ria ser subdividida em várias seções que tratas-sem de questões fundamentais, como “a consti-tuição do Estado, a política internacional, a ques-tão agrária etc.” (idem, p. 308).

Já o segundo tipo de revistas, o “crítico-histó-rico-bibliográfico”, consiste num exame analíticode obras às quais muitos leitores que precisamdesenvolver-se intelectualmente não podem, emgeral, a elas ter acesso. Para leitores que não têmhábitos científicos, diz Gramsci, seria importantetambém permitir-lhes o acesso ao complexo pro-cesso analítico que deu origem ao ensaio sinteti-zado, ajudando-os a procurar elaborar uma ativi-dade crítica. Mas não se trata de apresentar-lhesconceitos já elaborados e consolidados e sim deoferecer-lhes uma série de reflexões e nexos in-termediários que lhes permitam desenvolver o ra-ciocínio na pesquisa de respostas para os proble-mas afrontados nos livros. E mais: deve-se forne-cer ao leitor o “equipamento” mental para com-preender o processo que permite ao redator fazera resenha do livro.

O segundo tipo é representado pela revista LaVoce15, fundada em 1908 por Giuseppe Prezzolinicom o objetivo de renovar a cultura italiana e de

12 Alfredo Rocco (1875-1935) é considerado um dos prin-cipais “arquitetos” do regime fascista. São poucos os inte-lectuais que, como ele, conseguiram descrever a crise doEstado liberal que caracterizou os 20 anos que precederamo advento do fascismo. Rocco se inscreveu na AssociaçãoNacionalista Italiana (ANI) em 1913 e começou a publicarsuas idéias sobre diversos temas políticos, assumindo umaposição claramente autoritária e apresentando propostasque depois seriam utilizadas pelo fascismo, quando elepassaria a responder pelo Ministério da Justiça do governode Mussolini, no período 1925-1932 (cf. D’ALFONSO,2002).13 Corrado Barbagallo (1877-1952) foi um historiador quese ocupou de problemas da História, em geral, e dametodologia historiográfica, em particular, tendo se espe-cializado em História Antiga. Quando jovem, aproximou-se do socialismo e tentou fazer uma reforma historiográficado materialismo histórico. Criticou a posição política deCroce na época da Primeira Guerra Mundial, mas apreciousua obra Teoria e storia della storiografia (1916). A NuovaRivista Storica, que fundou em 1917, tinha um programarenovador na historiografia político-social lato sensu. Aatividade da revista era de polêmica e Barbagallo criticavatanto o idealismo quanto o filologismo, avizinhando-se dopositivismo e do evolucionismo (cf. Dizionario biograficodegli italiani, 1960).14 Gramsci descreve as características do Anuário no Ca-derno 3, p. 308. Trata-se de um texto de tipo A que, conso-

ante a classificação de Gerratana, organizador da ediçãocrítica dos Cadernos, seria reescrito num texto de tipo C, jáque os textos de Gramsci que não ganharam uma segundaredação são classificados como B. Mas em novas notas doCaderno 4, p. 484, também texto A, Gramsci diz que oAnuário deveria conter os trabalhos produzidoscolegiadamente na atividade de tipo editorial, depois deserem apreciados. Trata-se do Anuário ao qual ele já haviase referido precedentemente, isto é, nas notas do Caderno3. O correspondente texto C dessa discussão está no Ca-derno 12, p. 1533, no qual Gramsci discute o problema daatividade colegiada, no âmbito de sua análise sobre escola,mas não se refere ao Anuário. No Caderno 24, no qualGramsci aborda novamente o Anuário, ele já não explicitamais as suas características (apresentadas no Caderno 3),embora essa ausência não pareça significar que ele as teriasuprimido da confecção de um Anuário.15 La Voce foi fundada em Florença, em 20 de dezembrode 1908, por Giuseppe Prezzolini (1882-1982), escritor ejornalista. Inicialmente seguidor da filosofia de Bergson,depois ele se aproxima do pensamento de Croce. La Voceteve como propósito renovar a cultura italiana e realizaruma reeducação moral, política e artística, atraindo a aten-ção para a nova modernidade. Prezzolini solicitou para arevista a colaboração de numerosas personalidades perten-

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chamar a atenção para a modernidade; pela revis-ta L’Unità16, dirigida por Gaetano Salvemini (cujopseudônimo era Rerum Scriptor) de 1911 a 1920;bem como os fascículos mais bem-sucedidos darevista Leonardo17, dirigida por Luigi Russo. Es-sas são revistas combativas, mas não são mera-

mente de propaganda. Realizam a difusão deidéias, como o meridionalismo salveminiano, a re-novação do idealismo, no caso da La Voce, ten-tam mudar o ambiente e os hábitos intelectuais esão portadoras de propostas políticas.

Para o tipo de revista “crítico-histórico-biblio-gráfico”, Gramsci apresenta sete itens que pode-riam compor a sua elaboração: 1) um dicionárioenciclopédico político-científico-filosófico; 2) asbiografias, que podem ser compreendidas em doissentidos: a) em referência a toda vida de um ho-mem que possa interessar à cultura geral de certoestrato social, b) relativo a um nome histórico quepossa entrar num dicionário enciclopédico a pro-pósito de um determinado conceito ou de um even-to histórico de destaque; 3) autobiogra-fias18 político-intelectuais, que se bem construídaspodem ser de “grande eficácia formativa” (idem,

centes ao mundo liberal, tais como Giovanni Papini (1881-1956), Benedetto Croce, Giovanni Amendola, EmilioCecchi, Romolo Murri, Luigi Einaudi e Gaetano Salvemini.La Voce, segundo Luperini, não se identificou com um pro-grama preciso ou mesmo com um grupo de orientação po-lítica definida, mas teve a colaboração de intelectuais origi-nários de diversos grupos sociais e políticos e das forçaspoliticamente organizadas do país cujo ideal comum quepartilhavam era o desejo de “intervir sobre a realidade comointelectuais, como portadores de valores intelectuais”(LUPERINI, 1978, p. 18). Para o autor, uma personalida-de que influenciou politicamente La Voce e o seu diretor,Prezzolini, foi Salvemini. Este levou a revista a tomar po-sição sobre o sufrágio universal e sobre o problema meridi-onal, dentre outros assuntos. Contudo, ele não conseguefazer de La Voce uma revista prevalentemente política comogostaria. Por isso, a abandona. Depois que Salvemini deixaLa Voce, em fins de 1911, a revista assume um caráter maisliterário e artístico. No início de 1914, a revista passa poruma transformação e Prezzolini será o responsável poruma nova orientação: a “revista do idealismo militante”(LUPERINI, 1978, p. 27). A partir do final de 1914, arevista passa à direção de Giuseppe De Robertis, quandose rompe o elo entre política e cultura.16 O L’Unità, semanário de cultura e política, foi criadoem Florença, em 16 de dezembro de 1911, por GaetanoSalvemini (1873-1957), quando este rompeu sua colabora-ção com La Voce e saiu do Partido Socialista Italiano. Arevista, que deixa de ser publicada em 30 de dezembro de1920, teve a colaboração de personalidades meridionais,como Giustino Fortunato, Antonio De Viti De Marco (lí-der do movimento liberal) e Benedetto Croce. Em sua exis-tência, L’Unità procurou afrontar diversos problemas naItália, como a questão meridional, a corrupção política eeleitoral, a reforma tributária, escolar e administrativa. Noque diz respeito à crítica dirigida à administração central,Cassese observa que ela não constituiu uma “autêntica con-testação do poder administrativo, porque permanecia su-perficial, satisfazendo-se em afirmar que a burocracia equi-valia, de todo modo, ao conservadorismo” (CASSESE,1981, p. 519).17 Aqui, Gramsci alude à revista Leonardo de Luigi Rus-so. Houve uma revista também chamada Leonardo funda-da por Prezzolini e Papini, em 1903, cujo último númerosaiu em 1907, sob a direção de Prezzolini. A revista tinhainfluência do pensamento de R. Steiner e F. Nietzsche etencionava realizar uma regeneração antiacadêmica da cul-tura italiana. Já a outra revista Leonardo, referida porGramsci, foi fundada em 1925 e era publicada pela Socie-dade Leonardo, com a finalidade de difundir a cultura ita-liana no exterior. Até o final de 1925, a revista foi dirigida

por Prezzolini, mas, então, Giovanni Gentile convida LuigiRusso para assumir a direção de Leonardo. Mais do queum simples boletim bibliográfico ou de coletânea de rese-nhas, Russo reorganizou as seções da revista, conseguiu acolaboração de muitos jovens articulistas e soube dar àrevista um tom crítico e combativo, distanciando-se domero caráter informativo que estava em seu programa defundação. Uma das preocupações de Russo é a de manter aunidade da cultura idealista, que estava dividida com oscontrastes políticos entre Gentile e Croce. Gentile procuraintervir para manter a revista como coletânea de resenhasbibliográficas, principalmente a partir de 1927, quando aLeonardo conquista um caráter mais oficial e é publicadasob os auspícios do Instituto Nacional Fascista de Cultura.Mas a tentativa de Russo de garantir a unidade da frente decultura idealista entra em crise em 1928, quando Crocepublica Storia d’Italia (1930-1943), aguçando as diferen-ças entre ele e Gentile. Em fins de 1929, a revista Leonardose funde com I libri del giorno, da editora Treves, umarevista bibliográfica, fundada em 1918 e que, a partir dejaneiro de 1930, tem como diretor Federico Gentile, filhode Giovanni Gentile. As tensões entre Russo e Gentileaumentam e, em 18 de dezembro de 1930, Russo anuncia acriação da revista mensal La nuova Italia, publicada poreditora homônima. Croce teve um papel decisivo para onascimento do novo periódico, junto a amigos como LuigiAlbertini, Alessandro Casati e Giustino Fortunato. Naspáginas da Nuova Italia, Russo e Adolfo Omodeo iniciamuma polêmica com Gioacchino Volpe, que provoca a reaçãode Gentile contra os dois antigos discípulos, seja em cartasou discursos. O agravamento das divergências entre Russoe Gentile culmina em uma crise que leva Russo a perder adireção da revista Leonardo em 1931 (PERTICI & RES-TA, 1997, p. 5-13).18 Gramsci justifica a autobiografia dizendo o seguinte:“Uma das justificativas pode ser esta: ajudar outros a de-senvolver-se de acordo com certas perspectivas e em dire-

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p. 2226); 4) análise crítico-histórico-bibliográficadas situações regionais; 5) uma seleção sistemáti-ca de jornais e revistas para a parte que interessaaos itens fundamentais abordados; 6) resenhas delivros, que podem ser de dois tipos: a) crítico-informativo, no qual se supõe que o leitor não podeler um determinado livro, mas que lhe possa serútil conhecer o seu conteúdo e b) teórico-crítico,o que supõe que o leitor deva ler um determinadolivro, o qual não será simplesmente resenhado,mas será objeto de uma análise crítica, ressaltan-do seus aspectos positivos e negativos e 7) umaseleção bibliográfica crítica, organizada por temasou grupo de questões (idem, p. 2267).

As resenhas críticas também são analisadasno caderno 8, sob a rubrica “revistas tipo” (Cf.GRAMSCI, 1977, p. 976: Caderno 8, “Revistastipo. As resenhas. Texto B”). Ali, Gramsci assina-la a existência de diversos tipos de resenhas, ten-do em vista o tipo público e o objetivo de estimu-lar um determinado movimento cultural. Ele des-taca dois tipos de resenha, o sintético(esquemático) e o crítico19. A resenha de tipo sin-tético destina-se aos livros cuja leitura o grupo

redator considera necessário recomendar, mascujos limites e cujas deficiências parciais são cla-ramente indicadas. Já a resenha crítica tem umagrande importância para Gramsci, pois é por eleconsiderada uma contribuição do resenhista à abor-dagem do tema examinado no livro resenhado. Porisso, ela não pode expressar uma generalidade dejuízos críticos, mas exige para sua confecçãoresenhistas especializados (idem, p. 976).

O terceiro tipo de revista, o de cultura geral20,deveria combinar alguns elementos do segundotipo (o “crítico-histórico-bibliográfico”) com o tipode semanário inglês, tal como o ManchesterGuardian Weekly e o Times Weekly21. Gramsci serefere, principalmente, aos suplementos dessesjornais porque considera que um cotidiano bemfeito poderia ter suplementos mensais que pene-trariam aonde dificilmente um cotidiano penetra-ria. Os suplementos deveriam ter um formato di-ferente daquele dos diários, mesmo se tivesse otítulo do cotidiano, seguido do título da matéria aser tratada. Ele considera três tipos de suplemen-tos. O primeiro é o literário, que deveria tratar defilosofia, arte e teatro. Esse suplemento deveriatambém ter uma parte dedicada à escola. O se-gundo deveria focalizar a economia, a indústria, osindicato, aproximando-se de um semanário polí-tico, resumindo toda a política da semana. O ter-ceiro teria uma parte especificamente agrícola,destinada aos camponeses que não lêem os coti-dianos. Além disso, deveria ter um suplemento

ção a certas finalidades. Frequentemente, as autobiografiassão um ato de orgulho: se crê que a própria vida seja dignade ser narrada porque ‘original’, diferente de outras, por-que a própria personalidade é original, diferente de outras,etc. A autobiografia pode ser concebida ‘politicamente’.Sabe-se que a própria vida é semelhante àquela de mil ou-tras vidas, mas que por ‘acaso’ ela teve um resultado que asoutras muitas não puderam ter e não tiveram de fato. Fa-zendo-se a narrativa, cria-se essa possibilidade, sugere-se oprocesso, indica-se a finalidade. A autobiografia substitui,portanto, o ‘ensaio político’ ‘filosófico’: se descreve emato aquilo que, de outra maneira, se deduz logicamente. Écerto que a autobiografia tem um grande valor histórico, namedida em que mostra a vida em ato e não apenas comodeveria ser segundo as leis escritas ou princípios moraisdominantes” (GRAMSCI, 1977, p. 1718).19 Gramsci se refere inicialmente aos dois tipos de rese-nha, o sintético e o crítico, no Caderno 1 (cf. GRAMSCI,1977, p. 33).20 No Caderno 1, Gramsci (1977, p. 26) tinha se referidoà revista L’Italia che scrive como um exemplo do terceirotipo de revista. Já em 1919, tinha escrito um artigo, noGrido del Popolo, saudando a iniciativa de Angelo FortunatoFormiggini (1878-1938) de publicar aquela revista, que pro-metia se “tornar um ótimo e utilíssimo instrumento decultura” (GRAMSCI, 1982, p. 805). Trata-se de um pe-riódico de informação bibliográfica, dirigido por Formigginide 1918 a 1938. A revista, que se propunha a difundirresenhas da produção literária italiana contemporânea, se

insere no âmbito de outras iniciativas culturais deFormiggini, como o Instituto para a Propaganda da CulturaItaliana (IPCI), fundado em 14 de março de 1921, que emseguida mudaria o seu nome para Fundação Leonardo paraa Cultura Italiana, por proposta de Giovanni Gentile. Em1923, Formiggini seria excluído da Fundação, que em 1925seria absorvida pelo Instituto Nacional Fascista de Cultu-ra. Um outro projeto de Formiggini foi a criação da Biblio-teca Circulante da revista L’Italia che scrive (ICS), com oobjetivo de colocar à disposição do público os livros que arevista recebia para realizar as resenhas. Sendo hebreu, foiobrigado a abandonar a sua atividade de editor depois dasanção das leis raciais, em 1938 e, diante disso, decidesuicidar-se (cf. BONAZZI, s/d; BALSAMO &CREMANTE, 1981; ANDERLINI, 1999; MANICARDI,2001).21 Segundo Gerratana, Gramsci tinha “seguido no cárcere,por algum tempo, o suplemento do semanário ‘Times’ (‘Ti-mes Weekly’), mas depois o substituíra pelo suplementodo ‘Manchester Guardian’ (‘Manchester GuardianWeekly’)” (nota de Gerratana apud GRAMSCI, 1977, p.3021).

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esportivo (idem, p. 727). Gramsci considera que,na falta de um centro político e intelectual nacio-nal na Itália, deveria ter muito sucesso um tipo desuplemento semanal no modelo inglês, tal como oObserver ou o Times Sunday, que a cada semanainforma os leitores que não lêem o jornal ou quedesejam ter um quadro sintético da vida de toda asemana. O tipo de semanário tradicional italiano,ao contrário, tinha um caráter provinciano, seminteresse pela própria vida nacional, dando grandeimportância à polêmica pessoal (idem, p. 776-777).

No tipo de revista de cultura geral, Gramscimenciona a revista Osservatore22, publicada emVeneza (de 1761 a 1762) e dirigida por Gasparode Gozzi, cuja inspiração vinha da revistaSpectator23, publicada em Londres por JosephAddison, em colaboração com Richard Steele (de1711 a 1714). É um tipo de revista moralizante doséculo XVIII, que equilibrava o interesse pela crô-nica e o jornalismo com o gosto pela escrita nar-

rativa e moralista. O seu significado histórico ecultural, assinala Gramsci, foi o de “difundir umanova concepção da vida, servindo de anel de pas-sagem, para o leitor médio, entre a religião e avida moderna” (idem, p. 2270). Ele observa queesse tipo de revista degenerou-se, tendo sido con-servado sobretudo no campo católico, enquantono campo da civilização moderna transformou-se: a “crítica construtiva” aos costumes desem-bocou nas revistas humorísticas (ibidem).

Como exemplo de variação do tipo de revistade “bibliografia universal e enciclopédica”, quecritica o conteúdo a partir de uma perspectivamoralizadora, extraindo seus motivos dos livrospara fazer a crítica dos costumes e das concep-ções de mundo (opiniões e pontos de vista),Gramsci refere-se a duas revistas: a FrustaLetteraria24, de Giuseppe Baretti, e a Lacerba25,uma revista literária florentina, fundada em 1913por Giovanni Papini e Ardengo Soffici.

22 Na revista Osservatore, Gasparo Gozzi (1713-1786)escreve polemicamente contra as modas e as manias do seutempo, concentrando-se na análise e na crítica dos costu-mes. Ao lado das notícias sobre coisas para vender, com-prar, alugar, achados e perdidos, o preço das mercadoriasetc., encontrava-se a crônica direta, irônica, indiscreta eaparentemente inocente do jornalista sobre as cenas da vidacotidiana (cf. <http://www1.provincia.venezia.it/smac/ice96/giorna.html, <http://www.provincia.venezia.it/mfosc/studenti/gozzi/gozzi.html> Acesso em: 19 abr. 2006).23 O jornal inglês Spectator foi um modelo de prosa e deestilo para os periódicos italianos, especialmente em Veneza,por ter concebido o ensaio literário como artigo jornalístico,acessível a um grande público, instituindo uma ligação en-tre periódico e literatura. O periódico fazia a crítica doscostumes ao estabelecer uma estreita relação com a vida doseu tempo, da qual extraía a matéria de discussão. Assim, aintenção moralista encontrava a sua realização concreta naobservação e na análise de uma sociedade exclusivamenteinglesa, que era então amplamente descrita (cf. <http://www.provincia.venezia.it/mfosc/studenti/gozzi/gv.html>Acesso em: 19 abr. 2006). Sobre a revista Lacerba (1913-1915), Luperini afirma que ela resultou de uma rupturaconsciente de Papini e Soffici com Prezzolini, pois elestinham amadurecido uma concepção diferente da relaçãoentre arte, cultura e política, atribuindo à literatura e à arteuma função de totalidade (LUPERINI, 1978, p. 28). Para oautor, Lacerba teve um “papel literário preciso ao difundiro futurismo italiano e ao afrontar algumas questões pró-prias de cada moderna vanguarda artística e por isso aindahoje atuais” (LUPERINI, 1978, p. 28). No entanto, quan-do se desenha a situação de guerra, a revista assume umpapel preponderante em seu favor, de cunho nacionalista,abandonando o interesse exclusivo pela arte.

24 A Frusta Letteraria, fundada por Giuseppe Baretti(1719-1789), foi publicada quinzenalmente em Veneza, de1º de outubro de 1763 a 15 de janeiro de 1765, ano em quefoi proibida pelo governo da cidade, devido aos seus ata-ques ao padre Appiano Buonafede. Como a revista de Gozzi,de quem Baretti é contemporâneo, a Frusta Letteraria tam-bém se insere na tipologia do Spectator. Baretti escrevepara a revista assumindo-se como Aristarco Scannabue,pretendendo ser um velho soldado aposentado, quepolemizava contra a poesia bucólica, a erudição acadêmica,o puritanismo religioso. Usando a arma da comédia e daironia, atacou decididamente as academias e defendeu oestilo direto, a espontaneidade da forma, a predominânciado conteúdo, a expressão sincera do crítico e a escolha deum vocabulário vigoroso. Para Bini (2003), a FrustaLetteraria “transfere para o âmbito literário exigências pró-prias da civilização iluminista, conferindo-lhe uma profun-da ressonância espiritual”. Ainda segundo o autor, a revistanão tinha como maior preocupação estabelecer uma polê-mica formalista e acadêmica, mas se atinha a uma reivindi-cação de conteúdos morais, o que caracterizaria Baretticomo uma figura expressiva da nova atmosfera pré-român-tica. O modelo para a crítica literária e moral da FrustaLetteraria, segundo Samaritani (2001), teria sua referêncianos jornais ingleses de Samuel Johnson, de quem Barettitornou-se amigo quando de seu exílio voluntário em Lon-dres, em 1751. Baretti condenou como plebéias as comédi-as de Carlo Goldoni. O amigo de Gramsci, Piero Gobetti(1901-1926), liberal e antifascista, chamará a sua revista decrítica literária, fundada em 1924, Il Baretti.25 A revista Lacerba (1913-1915) tem em conta o movi-mento futurista milanês, já ativo desde 1909. Ardengo Soffici(1879-1964), pintor e escritor italiano do “primoNovecento”, fundou a revista junto a Giovanni Papini. Emseguida, colaborou com a Leonardo de Papini, com a Riviera

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O tipo de revista de cultura geral, segundoGramsci, é aquele que pertence “[...] à esfera do‘senso comum’ ou ‘bom senso’, porque o seufim é o de modificar a opinião média de uma certasociedade, criticando, sugerindo, caçoando, cor-rigindo, reformulando e, definitivamente, introdu-zindo ‘novos lugares comuns’. Se bem escritas,com brio, com um certo senso de destaque (demodo a não assumir tons professorais), mas detodo modo com interesse cordial pela opiniãomédia, as revistas desse tipo podem ter difusão eexercer uma profunda influência” (idem, p. 2271).

Ainda no que diz respeito à questão dos costu-mes – e da cultura – Gramsci aborda a ausênciade uma perspectiva “cosmopolita” das classessubalternas que, em nível internacional, estãomuito mais distantes de outras classes subalter-nas. Mesmo se “cosmopolitas” por programa epelo destino histórico, não o são pelos costumese pela cultura real. Já as classes dominantes estãomais próximas entre si no campo dos costumes eda cultura. A reflexão de Gramsci sobre as “revis-tas tipo” tem em vista justamente esse objetivo:organizar condições que propiciem a elevaçãocultural das classes subalternas, para criar umaconsciência homogênea e, assim, construir a suahegemonia.

Cada tipo de revista deveria ser caracterizado,afirma Gramsci, “por uma tendência intelectualmuito unitária e não antológica, isto é, deveria teruma redação homogênea e disciplinada; portanto,poucos colaboradores “principais” deveriam es-crever o corpo essencial de cada fascículo. Ogrupo redator deveria ser fortemente organizadode modo a realizar um trabalho homogêneo inte-lectualmente, na necessária variedade do estilo edas personalidades literárias: a atividade editorialdeveria ter um estatuto escrito que, por aquilo aque pode servir, impeça as digressões, os confli-tos, as contradições (por exemplo, o conteúdo decada fascículo deveria ser aprovado pela maioriados redatores antes da publicação)” (idem, p.2263).

Para Gramsci, um “organismo unitário de cul-tura” que difundisse os três tipos de revista, man-tendo entre eles um espírito comum, permitiriaresponder às exigências de um público cuja vidaintelectual é potencialmente muito ativa, mas ain-da tem necessidade de ser elaborada, transforma-da e homogeneizada segundo um “processo dedesenvolvimento orgânico que conduza do sim-

ples senso comum ao pensamento coerente e sis-temático” (ibidem).

Diante do desafio de dedicar-se a um públicoque apenas inicia a vida cultural, as publicaçõesrealizam uma atividade indispensável para o seusaber. Todavia, a revista não pode criar o interes-se intelectual e científico onde ele não existe ousubstituir o “cérebro pensante” (idem, p. 975).

Quando o objetivo de uma atividade cultural é ode atingir um público que tem uma cultura médiaou apenas está iniciando a vida cultural, Gramsciconsidera que o serviço de informações críticas26

sobre todas as publicações a respeito de um deter-minado tema é obrigatório. Não é possível a nin-guém acompanhar individualmente todas as publi-cações sobre um grupo de temas ou mesmo sobreum só tema (idem, p. 975). Todavia, a revista podemantê-lo informado de tudo o que é publicado so-bre assuntos de seu interesse (no caso dosgovernantes, estes dispõem de uma secretária ouum escritório de imprensa que desempenha o papelde garantir informações exigidas para o seu saber).

A perspectiva de Gramsci é a de que o traba-lho educativo das revistas contribua para a aquisi-ção de uma consciência própria, tendo em mira aelevação do nível cultural das classes subalternaspara que elas possam se transformar em classedirigente. Eis que sua abordagem sobre a forma-ção de dirigentes reativa a conexão entre a ativi-dade editorial das revistas e a organização da es-cola.

Ligure dos Fratelli Novaro e com a La Voce de Prezzolini,na qual publicava crítica de arte, favorecendo a difusão naItália do impressionismo e do pós-impressionismo fran-cês. Nos anos 1920, tornou-se um defensor do fascismoem ascensão e foi um dos primeiros colaboradores do Popolod’Italia, revista fundada por Benito Mussolini, em novem-bro de 1914 (cf. CIRCE, 2006). Sobre a revista Lacerba(1913-1915), Luperini afirma que ela resultou de uma rup-tura consciente de Papini e Soffici com Prezzolini, poiseles tinham amadurecido uma concepção diferente da rela-ção entre arte, cultura e política, atribuindo à literatura e àarte uma função de totalidade (LUPERINI, 1978, p. 28).Para o autor, Lacerba teve um “papel literário preciso aodifundir o futurismo italiano e ao afrontar algumas ques-tões próprias de cada moderna vanguarda artística e porisso ainda hoje atuais” (LUPERINI, 1978, p. 28). No en-tanto, quando se desenha a situação de guerra, a revistaassume um papel preponderante em seu favor, de cunhonacionalista, abandonando o interesse exclusivo pela arte.26 Cf. Gramsci (1977, p. 975-976), Caderno 8, no qual otema é abordado sob a rubrica “Revistas tipo”.

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III. A ATIVIDADE EDITORIAL E A ESCOLAUNITÁRIA: A FORMAÇÃO DE DIRIGEN-TES

Gramsci considera que, com a complexidadedas sociedades industriais e o entrelaçamento en-tre ciência e vida, surgiram duas grandesdicotomias na clássica formação da classe diri-gente.

Uma delas diz respeito à divisão da atividadedos órgãos deliberativos em dois aspectos orgâ-nicos: de um lado, a atividade deliberativa, “quelhe é essencial” e, de outro, a atividade técnico-cultural, por meio da qual “as questões sobre asquais se deve tomar decisões são primeiramenteexaminadas por especialistas e analisadas cientifi-camente” (idem, p. 1532). Tal diferenciação in-terna aos órgãos deliberativos produziu uma novaestrutura no corpo burocrático. Desse modo,“além dos escritórios especializados de especia-listas que preparam o material técnico para oscorpos deliberativos, cria-se um segundo corpode funcionários, mais ou menos ‘voluntários’ edesinteressados, escolhidos por sua vez na indús-tria, no banco, no sistema financeiro” (ibidem).Esse novo corpo de funcionários, segundoGramsci, deu lugar a uma hierarquia de especia-listas que assumiu o controle dos regimes demo-cráticos e dos parlamentos.

A nova caracterização dos especialistas abriuuma crise no tipo tradicional de dirigente que,“preparado apenas para as atividades jurídico-for-mais, se torna anacrônico e representa um perigopara a vida estatal”. Configura-se, então, um novoperfil de dirigente, o qual “deve ter aquele mínimode cultura geral técnica que lhe permita, senão‘criar’ autonomamente a solução correta, ao me-nos saber julgar as soluções apresentadas pelosespecialistas e assim selecionar aquela mais ade-quada do ponto de vista ‘sintético’ da técnica po-lítica”. Assim, passa a ser necessário mudar a for-mação do pessoal técnico-político de acordo comas exigências da grande sociedade moderna, bemcomo de “elaborar novos tipos de funcionáriosespecializados que integrem de forma colegiada aatividade deliberativa” (ibidem).

Ao tratar das mudanças na qualificação do di-rigente, que acentuam a exigência de uma prepa-ração técnica para a análise científica das ques-tões sobre as quais se deve tomar decisões emcolegiado, Gramsci acrescenta que já havia ante-riormente abordado a atividade de um “colegiado

deliberativo”. Foi quando examinou o que aconte-ce nas redações de algumas revistas que funcio-nam, ao mesmo tempo, como redações e comocírculos de cultura, cuja atividade é organizadasegundo um plano e uma divisão do trabalho ra-cionalmente estabelecida (idem, p. 1533).

Assim, quando discute novos aspectos da for-mação de dirigentes, Gramsci retoma suas idéiassobre a organização das revistas e dos seus méto-dos de trabalho (sugestões, conselhos, indicaçõesmetodológicas, crítica construtiva, educação re-cíproca). Na atividade de publicação, cada espe-cialista realiza discussões e críticas sobre um de-terminado argumento, de modo colegiado, quecontribuem para compor uma competência cole-tiva, isto é, para elevar o nível médio de cada re-dator, considerado individualmente, ao nível domais bem preparado e capacitado. Essa forma detrabalho permite que a revista tenha uma colabo-ração sempre mais selecionada e orgânica, bemcomo “um grupo homogêneo de intelectuais pre-parados para produzir uma atividade editorial re-gular e metódica” (ibidem). A ênfase sobre umtrabalho metódico tem também o objetivo de com-bater o diletantismo e a improvisação, aspectosque Gramsci considerava incompatíveis com aformação de dirigentes.

A outra fragmentação ocorrida na formaçãode dirigentes consistia no dualismo da escola, queteve lugar quando esta foi dividida em escola clás-sica humanista, para preparar dirigentes, e outra,de tipo profissional, para as classes subalternas.Para afrontar tal dicotomia, Gramsci propõe aescola unitária, de cultura geral e técnica (idem,p. 1531). O princípio unitário nasce daquela pers-pectiva de criar uma nova situação, em que existaunidade entre o trabalho industrial e o trabalho in-telectual. Uma nova civilização. A organização prá-tica da escola unitária, que tem em vista a eleva-ção cultural das massas populares, é concebida apartir da atividade editorial das revistas. Por suavez, ao serem formuladas, as linhas de funciona-mento da escola unitária também passam a orien-tar a organização de toda a atividade cultural.

Assim, da análise da atividade editorial das re-vistas como estratégia para formar o novo diri-gente, retornamos à organização da escola unitá-ria, que foi o nosso ponto de partida. A escolaunitária se integra ao “edifício” das organizaçõesculturais, que deveria se constituir de forma cen-tralizada em torno da sistematização do saber, ex-

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pansão e criação intelectual para impulsionar acultura nacional (idem, p. 1539). Apenas dessemodo o conjunto das organizações culturais exis-tentes deixaria de ser “cemitérios de cultura”. Asinstituições culturais, desde as academias, passan-do pelos institutos de cultura, círculos filológicos,até chegar às universidades, deveriam ser reorga-nizadas de acordo com o princípio da unificação,convertendo-se numa organização cultural viva,por meio de uma estreita colaboração entre os quese inserem no mundo do trabalho e aqueles queestão no mundo acadêmico e na universidade. Oobjetivo é o de suprimir o abismo entre alta cultu-ra e vida, entre intelectual e povo para realizaraquele nexo entre Renascimento e Reforma, ex-presso na idéia de que a formação de uma elite e aeducação das grandes massas populares consti-tuem a mesma atividade.

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O nexo estabelecido por Gramsci entre a or-ganização da escola unitária e o trabalho editorialdas revistas se relaciona tanto à experiência queadquiriu em sua intensa atividade jornalística, desdea juventude, quanto à centralidade que tem a cul-tura no processo de emancipação humana por eleconcebido.

Já no seu artigo “Socialismo e cultura” (Il gridodel popolo, de 29 de janeiro de 1916), ele retomaa interpretação política dada por Giambatista Vicoao princípio filosófico grego do “conhece-te a timesmo”. Diz que isso “significa ser em si mes-mo, significa ser patrão de si mesmo, distinguir-se, sair do caos, ser um elemento de ordem, masda própria ordem e da própria disciplina em dire-ção a um ideal” (GRAMSCI, 1973, p. 70). Erauma resposta à polêmica com Amadeo Bordiga,para quem a instrução não era necessária para setornar socialista27.Gramsci, ao contrário, enten-dia que a cultura é o meio pelo qual se torna pos-sível “compreender o próprio valor histórico, a

própria função na vida, os próprios direitos e ospróprios deveres” (idem, p. 68). Essa compreen-são, contudo, “não pode acontecer por evoluçãoespontânea, por ações e reações independentes daprópria vontade [...] pela lei determinante das coi-sas” (ibidem). Mais tarde, no cárcere, ele volta aoproblema. Critica o erro “iluminista” de pensar queas mudanças nos modos de pensar, nas crençaspopulares, nas opiniões, realizam-se por meio de“explosões” rápidas e generalizadas (GRAMSCI,1977, p. 34, 2268). Afirma que a ruptura com osenso comum, a elaboração de uma consciênciacrítica e coerente tem início no “conhece-te a timesmo”, “como produto do processo históricoaté agora desenvolvido e que deixou em ti mesmouma infinidade de traços que foram acolhidos semo benefício do inventário. É necessário, inicial-mente, fazer tal inventário” (idem, p. 1376).

Na Itália que Gramsci conheceu, o analfabe-tismo das massas populares ainda era muito gran-de28. Se a legislação escolar instituíra e ampliara aobrigatoriedade escolar (Lei Casati, 1859; LeiCoppino, 1877; Lei Orlando, 1904), isso não sig-nificava que ela obrigasse as pessoas a aprender(GRAMSCI, 1982, p. 17). E a propaganda socia-lista, na opinião que Gramsci formula em 1917,havia feito muito mais pela alfabetização do quetodas as leis sobre o ensino obrigatório. Ainda queem seus escritos mais maduros do cárcereGramsci enfatize a democratização da escola comoum aspecto positivo para a organização culturaldos trabalhadores, e também necessário, ele con-tinuará sustentando a idéia de que a atividade dedifusão do socialismo é, ao mesmo tempo, umaatividade de elevação cultural das massas popula-res. Sua atuação como jornalista estava em sintoniacom esse princípio.

De 1915 até sua prisão, Gramsci tem uma in-tensa atividade jornalística. No âmbito do movimen-to socialista de Turim, a sua experiência se desen-volve com a participação no Il grido del popolo,semanário da Federação Socialista, de agosto de1917 a setembro de 1918. É também em 1915 queele começará sua colaboração com o Avanti!, ór-gão oficial do Partido Socialista Italiano, publicadocomo diário desde 1896. Em 1917, ele se torna

27 Entre 20 e 23 de setembro de 1912, ocorreu em Bolonhao Congresso de jovens socialistas sobre o tema “a educaçãoe a cultura da juventude”. Na ocasião, Amadeo Bordigasustentou que não se deveria supervalorizar os estudos,afirmando, dentre outras coisas, que “Não nos tornamossocialistas com a instrução, mas pelas necessidades reaisda classe a que pertencemos”. Ângelo Tasca criticou essaposição, sustentando a exigência de uma renovação intelec-tual do socialismo italiano. E Bordiga chamou Tasca e osseus defensores de “culturalistas” (cf. GRAMSCI, 1973,p. 67, nota 1).

28 O analfabetismo na Itália estava em cerca de 80% em1861; 62% em 1881; 38% em 1911 e 21% em 1931. Con-tudo, em 1922, ainda era superior a 49% na região meridi-onal (cf. CIPOLLA, 1971).

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secretário da seção executiva do ramo piemontêsdo Partido Socialista e começa a dirigir Il grido delpopolo. Além disso, encarrega-se da redação da Lacittà futura, uma revista concebida para educar osjovens socialistas. Essa situação continua até 1918,quando cessa a publicação dessa revista e surge aredação piemontesa do Avanti!, da qual Gramsciparticipa. Em 1919, ele se encontra entre os funda-dores do Ordine Nuovo, resenha semanal de cultu-ra socialista, junto a Palmiro Togliatti, Ângelo Tas-ca e Umberto Terracini. Depois da cisão do PartidoSocialista Italiano (PSI) e a constituição do PartidoComunista Italiano (PCI), em 1921, a revista é trans-formada em cotidiano dos comunistas de Turim eGramsci assume a sua direção.

A revista Ordine Nuovo pretendia ser tanto umórgão de luta política quanto instrumento de pes-quisa cultural. No campo cultural, Gramsci afir-ma que a revista se empenhou em formar um novotipo de intelectual, surgido no mundo moderno,cuja base é a educação técnica, “estreitamente li-gada ao trabalho industrial mesmo aquele maisprimitivo e desqualificado” (GRAMSCI, 1977, p.1551). O seu objetivo era o de “desenvolver cer-tas formas de novo intelectualismo e [...] identifi-car seus novos conceitos, e essa não foi uma dasrazões menores do seu sucesso, porque uma or-ganização como essa correspondia a aspiraçõeslatentes e estava em consonância com o desen-volvimento das formas reais de vida” (ibidem).

A revista Ordine Nuovo havia organizado a“Escola de cultura e propaganda socialista”, emnovembro de 1919, o “Grupo de educação comu-nista”, em agosto de 1920, e o “Instituto de cultu-ra proletária”, em janeiro de 1921. Este último foiconcebido como uma seção italiana do Proletkult,organização cultural e educativa dos proletários,independente do partido e do sindicato, fundadana Rússia em 1917 e dirigida por Bogdanov29 eLunacharsky30. Gramsci comparava o Proletkult

ao grupo Clarté, uma organização internacional deintelectuais por um mundo mais justo e sem guer-ras, com o qual o Ordine Nuovo estabelecera con-tatos. O Clarté foi formado em 1919, sob a lide-rança de Romain Rolland (1868-1944) e HenriBarbusse (1873-1935), propondo uma nova rela-ção entre cultura e política. Gramsci afirmava queambos os grupos pretendiam instaurar uma novaforma de civilização ao favorecer entre os traba-lhadores, sejam eles manuais ou intelectuais, “oespírito de pesquisa no plano filosófico ou artísti-co, no plano da investigação histórica e no planoda criação de novas obras de beleza e de verdade”(BUCI-GLUCKSMANN, 1980, p. 115).

O fascínio que esses movimentos culturaisexerciam sobre Gramsci estava relacionado ao seudesejo de criar condições para organizar a culturano campo socialista, de modo que os trabalhado-res pudessem compreender os conflitos sociais eassumir a direção política da sua própria história.O “jornalismo integral” é, portanto, um programade educação política progressiva para transfor-mar o “simples senso comum” das grandes mas-sas em conteúdos políticos concretos.

O centro das preocupações de Gramsci era aformação de uma “consciência unitária do prole-tariado”. E a influência neo-idealista do contextocultural em que ele viveu o tornou profundamenterefratário a qualquer proposta de transformaçãosocial baseada no espontaneísmo e noevolucionismo mecânico. Por isso, ele não espe-rava que o desenvolvimento cultural das massas ea formação de uma “consciência unitária” se rea-lizassem espontaneamente, seguindo o curso daevolução natural. Considerando que a fundaçãode um novo Estado dependia de um processomuito mais amplo de criação de uma nova civili-zação, para o qual a cultura tinha um papel funda-mental, ele insistia sobre a necessidade de “orga-nizar a cultura”. Isso significava ampliar os meiospara difundir novas concepções do mundo quepermitissem aos trabalhadores tomar “consciên-cia de si”, dos seus próprios fins, e fazer sua his-tória. Significava criar as condições imprescindí-veis à conquista de uma “consciência superior”.É nessa perspectiva que podemos ler a sua vastaexperiência jornalística.

Quando, no cárcere, Gramsci reflete sobre ainfluência do pensamento croceano na sua moci-dade, ele revela ter proposto que a filosofia deCroce fosse uma premissa da retomada do mar-

29 O verdadeiro nome de Bogdanov era AlexandrAlexandrovich Malinovski (1873-1928).30 Anatoliy Vasilievich Lunacharsky (1875-1933) partici-pou da publicação do jornal bolchevique Zovaya Zhizn(Vida Nova), com Maxim Gorky, em 1908; do grande jor-nal pacifista editado em Paris, Nashe Slovo (Nosso Mun-do), com Julius Martov e Leon Trotsky, em agosto 1914, ecolaborou com a redação do jornal Vpered (Avanti), em1915, apoiando a cultura proletária. Depois da Revoluçãode Outubro, Lunacharsky foi eleito Primeiro Comissáriodo Povo para a Educação do Governo Soviético.

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xismo contemporâneo, assim como o hegelianismofora a premissa do marxismo no século XIX.Naquela época, porém, afirma Gramsci, “o con-ceito de unidade entre teoria e prática, entre filo-sofia e política não era claro para mim e eu eratendencialmente mais croceano” (GRAMSCI,1977, p. 1233). Em seguida, a possibilidade defazer do pensamento de Croce uma premissa pararetomar o marxismo é sublinhada como estraté-gia para elevar o marxismo a um nível superior,tornando-o uma filosofia capaz de afrontar os pro-blemas mais complexos da luta ideológica, da lutarevolucionária. Trata-se, em outros termos, decriar uma cultura capaz de unificar Renascimentoe Reforma Protestante, “uma nova cultura inte-gral, que tivesse as características de massa daReforma protestante e do Iluminismo francês eas características de classicidade da cultura gre-ga e do Renascimento italiano, uma cultura que[...] sintetize Maximilien Robespierre e ImmanuelKant, a política e a filosofia, em uma unidadedialética intrínseca a um grupo social, não só fran-cês ou alemão, mas europeu e mundial” (idem, p.1238).

Essa é a perspectiva que aproxima intelectuaise massas populares, teoria e prática, filosofia ehistória, enfim, a unidade entre pensamento e serno movimento dialético da história. Gramsci estáconvencido de que as “concepções de mundo” seconvertem em história quando são abraçadas epostas em prática pelas massas populares. E, porisso, toma os modelos culturais da Reforma e doRenascimento como referências críticas e comovalor pedagógico. Para ele, é “evidente que não seentende o processo molecular de afirmação de umanova civilização que se desenvolve no mundo con-temporâneo sem ter compreendido o nexo histó-rico Reforma-Renascimento” (idem, p. 891). Éuma abordagem que procura romper com odualismo entre teoria e prática, filosofia e história,ressaltando a unidade da filosofia e da política noato histórico. A unidade dialética entre o objetivo eo subjetivo, o material e o espiritual, é o funda-mento teórico da análise de Gramsci sobre a “or-ganização da cultura” na luta revolucionária. A ati-vidade editorial constitui um dos elementos dessaorganização e se vincula à perspectiva da escolaunitária.

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EDITORIAL ACTIVITY AS EDUCATIONAL ACTIVITY: GRAMSCI’S REFLECTIONS ONTHE “RIVISTE TIPO”

Rosemary Dore

Our objective is to examine Gramsci’s reflections on the “riviste tipo”, focusing both on his editorialactivity ( according to a project and division of labor that were rationally planned ) and his activity incultural circles, disseminating views on the world and contributing to cultural organization. ForGramsci, activity around “riviste tipo” could serve as a parameter for educational work gearedtoward raising the cultural level of subaltern classes. In his understanding, formation of intellectualcadre was the role of the school. Yet, since the latter was still not available to the majority of thepopulation, he proposed that these magazines could serve as a favorable means to initiate suchaction and thereby solve the problem of culture, even if the educational work of the magazine didnot substitute the need for “direct” schooling. Just as the struggle against illiteracy is different froma school for the illiterate, these magazines in and of themselves would not be a solution for theproblem of culture, but could be taken as a point of departure for the creation of a new civilization.Gramsci relates the editorial activity of these magazines to the organization of cultural work, in anattempt to guide the implementation of a homogeneous cultural center for the conquest of hegemony.

KEYWORDS: press; culture; editorial activity; education; hegemony; Gramsci; unified school.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 233-236 NOV. 2007

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ACTIVITÉ ÉDITORIALE COMME ACTIVITÉ ÉDUCATIVE: RÉFLEXIONS DE GRAMSCISUR LES « REVUES TYPES »

Rosemary Dore

L’objectif de cet article est d’examiner la réflexion de Gramsci sur les « revues types », soulignantnon seulement leur activité éditoriale, selon un plan et une division de travail, rationnellement entreprise,mais aussi leur action comme cercles de culture, diffusant des conceptions du monde et contribuantà organiser la culture. Selon Gramsci, l’activité des « revues types » pourrait être une référencepour un travail éducatif visant favoriser culturellement les classes populaires. Il estime que la formationde cadres intellectuels revient à l’école. Néanmoins, comme celle-ci n’est pas accessible à la plupartde la population, il propose que les revues soient un terrain favorable au début d’une action, pourrésoudre le problème de la culture, même si le travail éducatif de la revue ne remplace pas l’activitéscolaire « directe ». Les revues ne seraient pas elles-mêmes, tout autant que la lutte contrel’analphabétisme est différent d’une école pour des analphabets, une solution au problème de laculture, mais elles pourraient devenir un point de départ pour la création d’une nouvelle civilisation.Gramsci met en relation l’activité éditoriale des revues et l’organisation d’un travail culturel, visant àorienter l’institution d’un centre homogène de culture pour la conquête de l’hégémonie.

MOTS-CLÉS : presse; culture; activité éditoriale; éducation; hégémonie; Gramsci; école unitaire.