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Aula 10
Segunda Entrevista - O Cético
Visitante. — Eu compreendo, senhor, a utilidade do estudo anterior que
o senhor falou. Como predisposição pessoal não sou nem pró nem contra o
Espiritismo, mas o assunto por si mesmo excita ao mais alto grau meu interesse.
No círculo dos meus conhecidos se encontram adeptos, mas também
adversários. Ouvi a esse respeito argumentos muito contraditórios; eu me
proponho a lhe submeter algumas das objeções que têm sido feitas em minha
presença e que me parecem ter um certo valor, para mim pelo menos que
confesso minha ignorância.
ALLAN KARDEC. — Tenho prazer, senhor, de responder questões que
querem me dirigir, quando elas são feitas com sinceridade, sem preconceitos,
sem me orgulhar, entretanto de poder respondê-las todas. O Espiritismo é uma
ciência recém nascida onde há ainda muita coisa a aprender; será, então, muita
presunção minha pretender suprimir todas as dificuldades: não posso dizer senão
o que eu sei.
O Espiritismo toca a todos os ramos da Filosofia, da Metafísica, da
Psicologia e da Moral. É um campo imenso que não pode ser percorrido em
algumas horas. O senhor compreende que me será materialmente impossível
repetir de viva voz e a cada um, em particular, tudo o que já escrevi sobre o
assunto para uso de todo mundo. Numa leitura prévia e séria, se achará a
resposta à maior parte das questões que vêm naturalmente ao pensamento. Ela
tem a dupla vantagem de evitar repetições inúteis e de provar um desejo sério de
se instruir. Se depois, disso restar ainda dúvidas ou pontos obscuros, a
explicação se torna mais fácil porque se apóia sobre alguma coisa e não se perde
tempo a voltar sobre os princípios mais elementares. Se me permite, nós nos
limitaremos, então, até uma nova ordem, a algumas questões gerais.
Visitante - Seja. Eu lhe peço me chamar à ordem se eu daí me afastar.
Centro de Estudos Espíritas da Fundação André Luiz – CEESPIAvenida André Luiz, 723 – Guarulhos - SP
Espiritismo e Espiritualismo
Eu lhe perguntarei primeiro que necessidade havia de criar as palavras
novas espírita e espiritismo para substituir aquelas de espiritualismo e
espiritualista que estão na linguagem popular e compreendida por todos? Eu
ouvi alguém chamar essas palavras de barbarismo.
ALLAN KARDEC. — A palavra espiritualista tem há muito tempo uma
acepção bem determinada; é a Academia que a dá: “Espiritualista”, aquele ou
aquela cuja doutrina é oposta ao materialismo. Todas as religiões são
necessariamente fundadas sobre o espiritualismo. Aquele que crê que há em nós
outra coisa que a matéria, é espiritualista, o que não implica a crença nos
Espíritos e suas manifestações. Como o distinguiremos daquele que nisso crê?
Seria necessário empregar uma perífrase e dizer: é um espiritualista que crê ou
não crê nos Espíritos. Para coisas novas, é necessário palavras novas, se se quer
evitar equívocos. Se eu tivesse dado à minha “Revista” a qualificação de
espiritualista, não teria especificado o objeto, porque, sem falhar o título, teria
podido não dizer uma palavra sobre Espíritos e mesmo assim combatê-los. Li há
algum tempo no jornal, a propósito de uma obra de filosofia, um artigo onde dizia
que o autor o havia escrito sob o ponto de vista espiritualista; ora, os partidários
dos Espíritos teriam ficado singularmente desapontados se, sobre a fé dessa
indicação, tivessem acreditado aí encontrar a menor concordância com suas
idéias. Se então, eu adotei as palavras Espíritas e Espiritismo é porque elas
exprimem sem equívoco as idéias relativas aos Espíritos. Todo espírita é
necessariamente espiritualista, mas não é necessário que todos os espiritualistas
sejam espíritas. Se os Espíritos fossem uma quimera, mesmo assim seria ainda
útil ter termos especiais para aquilo que os concerne, porque é necessário
palavras para idéias falsas como para idéias verdadeiras.
Essas palavras não são mais bárbaras que todas aquelas que as
ciências, as artes e a indústria criam a cada dia. Elas não o são mais que aquelas
que Gall imaginou para sua nomenclatura de faculdades tais como Secretividade,
alimentividade e afetividade, etc. Há pessoas que por espírito de contradição,
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criticam tudo que não vem deles e querem se dar ar de oposição; aqueles que
promovem tão miseráveis discussões não provam senão uma coisa, o tamanho
exíguo de suas idéias. A agarrar-se a bagatelas semelhantes, é provar que não
se tem boas razões.
Espiritualismo, espiritualista, são as palavras inglesas empregadas nos
Estados Unidos desde o começo das manifestações: delas se serviram algum
tempo na França; mas desde que apareceram aquelas de espírita e espiritismo,
compreenderam-se tão bem a sua utilidade que elas foram aceitas imediatamente
pelo público. Hoje seu uso é tão consagrado, que os adversários, eles próprios
não empregam mais outras. Os sermões e os mandamentos que fulminam contra
o Espiritismo e os espíritas, teriam podido, levar a confusão ás idéias, e, jogar o
anátema ao espiritualismo e aos espiritualistas.
Bárbaras ou não, essas palavras estão hoje em diante na língua usual e
em todas as línguas da Europa. São as únicas empregadas em todas as
publicações pró ou contra feitas em todos os países. Elas formam o pilar da
nomenclatura da nova ciência; para exprimir os fenômenos especiais dessa
ciência, era necessário, termos especiais; o Espiritismo tem de hoje em diante
sua nomenclatura como a química tem a sua.1
As palavras, espiritualismo e espiritualista, aplicadas às manifestações
dos Espíritos não são mais empregadas hoje, senão pelos adeptos da escola dita
americana.
DISSIDÊNCIAS
Visitante. — Essa diversidade na crença daquilo que o senhor chama
uma ciência é, me parece, a sua condenação. Se essa ciência repousasse sobre
fatos positivos, não deveria ser a mesma na América e na Europa?
1 Essas palavras têm hoje direito de burguesia; estão no suplemento do PEQUENO DICIONÁRIO DOS DICIONARIOS FRANCESES, extraído de Napoleón Landais, obra com tiragem de 20.000 exemplares. Aí se acha a definição e a etimologia das palavras: erraticidade, medianímico, médium, mediunidade, perispírito, pneumatografia, pmeumatofonia, psicógrafo, psicografia, psicofonia, reencarnação, sematologia, espírita, espiritismo, espiritista, extereorito, tiptologia. Elas se encontram igualmente com todos os desenvolvimentos que comportam, na nova edição do Dicionário Universal de Maurice Lachâtre.
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ALLAN KARDEC. — A isso responderei primeiro que essa divergência é
mais na forma que no fundo. Ela não consiste em realidade senão na maneira de
encarar alguns pontos da Doutrina, mas não constitui um antagonismo radical nos
princípios como desejam dizer nossos adversários sem terem estudado a
questão.
Diga-me, qual é a ciência que em seu começo não levantou dissidências
até que seus princípios fossem claramente estabelecidos? Essas dissidências
não existem ainda hoje nas ciências melhor constituídas? Todos os sábios estão
de acordo sobre o mesmo ponto? Não têm eles seus sistemas particulares? As
sessões do Instituto apresentam sempre o quadro de uma perfeita conversa
cordial? Em medicina não há, a Escola de Paris e a de Montpellier? Cada
descoberta, numa ciência, não é ocasião de uma divergência entre aqueles que
querem ir para frente e aqueles que querem ficar para trás?
No que concerne ao Espiritismo, não é natural que à aparição dos
primeiros fenômenos, que até então se ignoravam as leis que os regiam, cada um
deu seu sistema e os olhou a sua maneira? Que aconteceu com todos esses
sistemas primitivos isolados? Eles caíram diante de uma observação mais
completa dos fatos. Alguns anos foram suficientes para estabelecer a unidade
grandiosa que prevalece hoje na Doutrina e que congrega a imensa maioria dos
adeptos, salvo algumas individualidades que, aqui como em todas as coisas, se
agarram às idéias primitivas e morrem com elas. Qual é a ciência, qual é a
doutrina filosófica ou religiosa que oferece um exemplo semelhante? O
Espiritismo nunca apresentou a centésima parte das divisões que dilaceraram a
Igreja durante muitos séculos e que a dividem ainda hoje.
É verdadeiramente curioso ver as puerilidades às quais se agarram os
adversários do espiritismo. Isso não indica pobreza de razões sérias? Se eles a
tivessem, não faltariam de as fazer valer. O que eles opõem? Zombarias,
negações, calúnias; mas argumentos peremptórios nenhum. A prova de que não
se encontrou ainda um lado vulnerável, é que ninguém interrompeu sua marcha
ascendente e que depois de dez anos ele conta mais adeptos que nenhuma seita
depois de um século. Isto é um fato revelado pela experiência e reconhecido
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mesmo por seus adversários. Para o arruinar não é suficiente dizer: isso não
existe, isso é absurdo. É necessário provar categoricamente que os fenômenos
não existem, não podem existir; isso ninguém ainda fez.
Fenômenos Espíritas Simulados
Visitante. — Não foi provado que fora do Espiritismo podia-se produzir
esses mesmos fenômenos? De onde se pode concluir que eles não têm a origem
que lhes atribuem os espíritas.
ALLAN KARDEC. — Do fato que se pode imitar alguma coisa, segue-se
que a coisa não existe? Que diria o senhor da lógica daquele que pretendesse
que, porque se faz vinho de Champanhe com água Seltz, todo o vinho de
Champagne não é senão água Seltz? É privilégio de todas as coisas que causam
o impacto gerar falsificações. Prestidigitadores pensaram que o nome de
Espiritismo, por causa de sua popularidade e controvérsias de que é objeto, podia
ser bom para se explorar, e, para atrair a multidão, simularam, mais ou menos
grosseiramente, alguns fenômenos de medianimidade, como recentemente
simularam a clarividência sonambúlica, e todos os zombeteiros aplaudiram
gritando: Eis o que é o Espiritismo! Assim que apareceu a engenhosa produção
de espectros sobre a cena, não proclamaram eles por toda a parte que aquilo era
seu golpe de misericórdia? Antes de pronunciar uma parada assim positiva,
deviam ter refletido que as asserções de um escamoteador não são palavras do
Evangelho, e se assegurar em se havia identidade real entre a imitação e a coisa
imitada. Ninguém compra um brilhante antes de se assegurar que não é apenas
strass. Um estudo um pouco sério OS convenceu que os fenômenos espíritas se
apresentam em outras condições; eles teriam sabido, que os espíritas não se
ocupam de fazer aparecer espectros, nem de ler a sorte.
A malevolência e uma insigne má fé puderam assemelhar o Espiritismo à
magia e à feitiçaria, porque ele repudia a finalidade, as práticas, as fórmulas e as
palavras místicas. Do mesmo modo que alguns chegaram comparar as reuniões
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espíritas às assembléias do sabbat onde se espera a hora fatal da meia noite
para fazer aparecerem os fantasmas.
Um espírita, meu amigo, se achava um dia em uma representação de
Macbeth, ao lado de um jornalista que ele não conhecia. Assim que veio a cena
das feiticeiras, ele ouviu este último dizer a seu vizinho: “Veja, vamos assistir uma
sessão de espiritismo; justamente o que eu preciso para o meu próximo artigo; eu
vou saber como as coisas se passam. Se houver aqui um desses loucos, eu lhe
perguntarei se ele se reconhece nesse quadro” – “Eu sou um desses loucos, lhe
diz o espírita, eu posso lhe assegurar que eu não me reconheço de modo algum,
porque já assisti centenas de reuniões espíritas, e nada vi de parecido. Se é lá
que o senhor vai buscar os ensinamentos para seu artigo, ele não dirá a verdade”.
Muitas críticas não têm base séria. Sobre quem cai o ridículo, senão
sobre aqueles que agem tão levianamente? Quanto ao Espiritismo, seu crédito,
longe de sofrer com isso, cresceu pela repercussão que todas essas manobras
lhe deram, chamando a atenção de uma multidão de pessoas que dele não
tinham ainda ouvido falar. Elas provocaram o exame e aumentaram o numero de
adeptos, porque se reconheceu que em lugar de uma brincadeira, havia uma
coisa séria.
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