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AULAS 17 E 18 DA ORDEM ECONÔMICA a) Considerações gerais; b) Modelos e sistemas econômicos; c) Atuação do Estado na economia. c.1) Atuação direta/Estado empresário; c.2) Atuação indireta

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AULAS 17 E 18 – DA ORDEM ECONÔMICA

a) Considerações gerais; b) Modelos e sistemas econômicos; c) Atuação do Estado na economia. c.1) Atuação direta/Estado empresário; c.2) Atuação indireta

Capítulo XIV

DA ORDEM ECONÔMICA

a) Considerações gerais

Quando se analisa topicamente a Constituição de 1988, buscando, portanto,

uma análise ampla dos seus diversos títulos, capítulos, seções e subseções, a primeira noção é

que existe uma grande contradição a respeito dos vetores sociais e econômicos. Esta primeira

noção pode ocorrer porque esta Constituição garante, de um lado, a livre iniciativa (art. 1º, IV,

parte final e art. 170, “caput”), o desenvolvimento nacional (art. 3º, II), a sociedade livre (art.

3º, I), a livre concorrência (art. 170, IV), e, de outro, garante a dignidade da pessoa humana

(art. 1º, III), os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV), a erradicação da pobreza (art. 3º, III), o

monopólio (art. 177, art. 21, VII, X, XI e XII) e a intervenção do Estado (art. 174).

É dizer: de um lado, a Constituição estimula o liberalismo, forçando a liberdade

de atuação e a liberdade de iniciativa, para que a atividade particular se autorregule, sem que

o Estado possa destinar esta ou aquela atividade para este ou aquele fim. Por outro, estimula o

socialismo, limitando a atividade particular e concedendo poderes para o Estado intervir na

atividade privada.

Entretanto, esta contradição é meramente aparente, porque a Constituição,

inteligentemente, buscou o equilíbrio entre o liberalismo e o socialismo. Ao tempo em que

garante a iniciativa particular, determina que esta iniciativa não pode servir para reduzir o ser

humano a mero lixo, mero instrumento de riqueza para poucos. Assim, a Constituição

brasileira de 1988 é eclética, porque reúne em seu texto duas ideologias (socialismo e

liberalismo), visando conciliar o que cada uma delas tem de bom para a sociedade.

Isto ocorre porque foi possível identificar, ainda no final da década de 1980, os

problemas ocasionados pelo liberalismo (degradação do homem, excesso de pobreza,

concentração de riqueza, perda da dignidade humana etc.), assim como os problemas do

socialismo (falta de segurança jurídica, abusos de poder pelo Estado, repressão da capacidade

empreendedora do homem, arrefecimento do desenvolvimento e da tecnologia etc.).

Bem por isso, a doutrina entende que, no Brasil, a Constituição de 1988

contempla a economia de mercado, porém de forma descaraterizada, porque aponta para

uma economia em moldes de um neoliberalismo, e não mais nos moldes do liberalismo puro.

Daí porque esta Lei Maior, como enfatiza José Afonso da Silva, apesar de capitalista por

natureza, abre caminhos para que a sociedade seja transformada com base em instrumentos e

mecanismos sociais e populares.

A Constituição de 1988, então, adota um sistema híbrido,

preponderantemente com princípios privatísticos, mas contrabalanceados por princípios

publicísticos.

b) Modelos e sistemas econômicos

Com base nas lições de Pinto Ferreira (Curso de direito constitucional, 12ª

edição, Saraiva, 2002, p. 504), é possível dizer que existem dois sistemas econômicos básicos:

o capitalismo e o socialismo.

O capitalismo se fundamenta na propriedade privada de bens e produção, na

livre concorrência, na iniciativa privada, funcionando nos países de economia coletivizada, daí

porque a participação do Estado é praticamente inexistente. Nele, vige a economia de

mercado, porque são as condições do mercado, isto é, as condições em que as pessoas e

empresas, livremente, impõem, é que regulam o equacionamento e o funcionamento da

economia do país.

Portanto, não há uma intervenção objetiva e visível do Estado, e a economia se

fixa por injunções das atividades dos particulares que, aos poucos, vão dando a noção de como

funciona a sociedade. É por isso que é comum afirmar que, no sistema capitalista, a regulação

é feita pela “mão invisível”, isto é, pelos fatores reais de poder entre particulares, dentro do

que se pode retirar na relação entre oferta e procura, entre capacidade de empreender e

conseguir êxito e a falta desta capacidade. Os preços, as condições de compra e até a

distribuição de lucro, são impostos naturalmente pela concorrência e pela relação entre os

particulares, sem intervenção do Estado, que só pode servir para garantir que este sistema se

desenvolva naturalmente.

O outro sistema econômico é o socialismo, fundado na propriedade coletiva

dos meios de produção, com quase absoluta participação do Estado, deixando para a iniciativa

privada quase nada para interferir nestes meios (como ocorreu na extinta URSS e até hoje, em

grande escala, na China). Para este sistema, deixar o mercado impor suas restrições e suas

condições, acaba criando desigualdades, porque inevitavelmente os mais fortes dominarão os

mais fracos e cada vez mais haverá concentração da riqueza em uma pequena quantidade de

pessoas. Por isso, o Estado não só intervém na iniciativa privada, como também acaba

suprimindo-a, porque passa a comandar a atividade econômica e impondo uma sistemática

própria, todo com base na sua autoridade e na sua força.

Em relação ao constitucionalismo, junto com os direitos fundamentais de

primeira geração, que se preocupavam com a abstenção do Estado, as primeiras constituições

escritas, naturalmente, estabeleceram o liberalismo, próprio do capitalismo (Constituições da

França de 1791 e dos Estados Unidos, de 1787). Entretanto, logo após surgiram as outras

constituições com preocupações sociais, de que são exemplos marcantes as constituições da

Alemanha, de 1919 (República de Weimar), e do México, de 1917, que acabou planificando o

socialismo.

A Constituição do Brasil de 1988 é capitalista por natureza, mas, repita-se, faz

alguns contrapontos, verdadeiros arrefecimentos dos paradigmas do liberalismo.

Estabelecido o modelo econômico, é preciso que o modelo adotado seja posto em prática com

sistemas , com formas de sua estruturação. Daí porque o sistema econômico é a forma de

instrumentalização do modelo econômico adotado - verdadeiro regime econômico de

afetação do sistema.

Os sistemas econômicos são considerados centralizados e descentralizados

Modelo centralizado é aquele que dá vazão ao sistema socialista, porque

centralizada a tomada de decisões no Estado. Nesta centralização, o princípio primordial é o

planejamento central pela ação de técnicos (daí a tecnocracia e a burocracia). A ação dos

técnicos existe porque, no planejamento estatal, é preciso fazer cálculos, projeções e

estratégias para ordenar a economia e pré-fixar o valor dos preços. Este planejamento é o

próprio dirigismo estatal (dirige e controla a economia de mercado, de modo que as “leis do

mercado” são, na verdade, as “leis do Estado” – a mão que regula a economia, que no

liberalismo é invisível, é a mão do Estado, objetiva e visível).

É por isso que o sistema centralizado é também conhecido como “sistema de

autoridade”.

Esta forma centralizada de regular o mercado pode ser efetivada de três

formas, mais ou menos intensas.

A primeira forma é a forma marxista soviética, autoritária por natureza e de

completa submissão do mercado ao Estado – o mercado é o próprio Estado, ou o Estado é o

próprio mercado. O planejamento aqui é integral, porque o Estado é, a um só tempo,

produtor, porque cria as empresas para produzir os produtos e transformar a matéria-prima,

vendedor, porque compõe-se de empresas para oferecer os produtos e arrecadar os lucros, e

empregador, porque toda a atividade produtiva que existe no país é feita pelo Estado, que,

assim, é o grande empregador.

A segunda forma, da social-democracia, foi inaugurada pela Constituição da

Alemanha de 1919. Daí porque esta forma social-democrata é conhecida também como forma

social-democrata de Weimar (Weimar é uma cidade alemã considerada patrimônio da

humanidade pela UNESCO, e representa a República de Weimar, que existiu com a

transferência do poder pelos militares alemães para os democratas, como forma de “passar

um presente de grego”, já que a democracia representava, naquela época, a humilhação em

função da perda da Guerra, criando um saudosismo do povo em relação ao antigo sistema

autoritário e poderoso, abrindo-se, portanto, ao nazismo). Esta forma impõe uma economia

planificada e centralizada, mas que busca interar valores liberais e valores sociais,

compatibilizando, então, a liberdade e a igualdade, sem esquecer o valor do indivíduo como

tal. Enfim, mantinha o Estado de Direito e a Democracia, mas direcionava-os às necessidades

sociais, portanto aberto às negociações com sindicatos.

A terceira forma, do nacionalismo socialista, mantém a característica

autoritária da forma marxista, mas a economia gira em torno da produção nacional, produção

esta que deve ser controlada pela política e pelos sindicatos.

O modelo econômico descentralizado não centraliza no Estado as produções,

as vendas, e o controle da atividade mercantil, justamente porque, neste modelo, vigem os

princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. Assim, no descentralizado, existem

múltiplos centros de produção, que se irradiam pelo mercado, daí porque este não depende

de um plano econômico, já que quem dita suas nuanças é a lei da oferta e da procura.

Este modelo descentralizado, então, deve privilegiar a atuação particular, a

atuação das empresas, e a missão do Estado é regular a livre concorrência entre elas, para ser

uma concorrência leal e equilibrada, nos limites da lei. Se há planejamento estatal, este ocorre

apenas para dar uma indicação para o setor privado, nunca para obrigar, a ferro e fogo, o

caminho a ser tomado.

Logo se vê que o modelo da CF/88 é o descentralizado, muito embora permita

com mais intensidade a intervenção do Estado, direta e indiretamente, na área econômica,

como se verá.

RESUMO

MODELOS ECONÔMICOS:

1. Capitalista;

2. Socialista.

SISTEMAS ECONÔMICOS:

1.Centralizados (sistemas de autoridade);

1.1. Forma marxista-soviético;

1.2. Forma social-democrata;

1.3. Forma nacional-socialista.

2. Descentralizados.

c) Atuação do Estado na economia

O Estado atua no mercado econômico de forma direta, quando ele mesmo

entra na atividade econômica para produzir produtos e serviços, e de forma indireta, quando

não produz os serviços e produtos, mas intervém para garantir a livre concorrência.

c.1) Atuação Direta/Estado empresário

Ele próprio desempenha o papel de agente econômico, mediante empresas

públicas e sociedades de economia mista, daí porque a doutrina identifica, nestes caso, a

figura do “Estado empresário”. A atuação direta pode se dar por monopólio, também chamado

de absorção, ou por participação (por empresas). No monopólio, existe um privilégio para o

Estado; na participação, não há privilégio, atuando ele com os mesmos riscos da atividade

particular. A atuação direta do Estado é também conhecida como intervencionismo econômico

ou dirigismo (Orlando Soares, Comentários à Constituição da República Federativa do Brasil,

12ª edição, Forense, 2006, p. 773).

Aplica-se, neste caso, o art. 173 da Constituição Federal:

“Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei” Apesar da previsão de que a lei deverá definir os casos de relevante interesse

coletivo e os imperativos da segurança nacional, a atuação direta do Estado na economia é possível quando a própria Constituição prevê, como é o caso dos monopólios (art. 177 – vide adiante).

O art. 173 não engloba os serviços públicos prestados pelas empresas públicas e sociedade de economia mista, como é o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. É dizer: esta interferência a que se refere o art. 173 se dá quando a atividade econômica é em sentido estrito (própria para particulares, que se arriscam no mercado), e não em sentido amplo (que engloba até os serviços públicos).

Esta atuação direta se dá por meio de empresas públicas e sociedades de economia mista, que são pessoas jurídicas de direito privado, porém com participação em seus capitais do Poder Público, e que atuam na atividade econômica em sentido estrito.

Logo se vê que as empresas públicas e as sociedades de economia mista atuam tanto na atividade econômica em sentido estrito (própria para particulares, que assumem os riscos de tal atividade no mercado competitivo), quanto na atividade econômica em sentido amplo (prestação de serviços públicos).

Assim, o art. 173, §1º (“A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores”) e o seu § 2º (“As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”), referem-se às empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam na atividade econômica em sentido estrito e não àquelas que atuam na atividade econômica em sentido amplo, tanto é verdade que a Empresa Brasileira de Correios, por exemplo, são garantidos privilégios não aplicáveis às outras empresas, com impenhorabilidade de seus bens e imunidade tributária recíproca.

Entretanto, é bom lembrar que, mesmo as empresas públicas e as sociedades de economia mista que atuam na atividade econômica em sentido estrito, e que por isso não podem gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado e, mais, que têm seus regimes jurídicos próprios das empresas privadas, ainda assim elas possuem diversas características constitucionais que as diferenciam das empresas propriamente particulares.

Um bom exemplo é as empresas públicas e sociedades de economia mista só podem ser criadas com autorização em lei específica para tanto (art. 37, XIX), ao contrário das empresas particulares, que podem ser criadas livremente, de acordo com a autorização geral dada pelo Código Civil e demais legislações.

Outro exemplo é que elas só podem contratar empregados públicos mediante concurso público (art. 37, II), enquanto as propriamente particulares contratam livremente. Ademais, sem empregados estão vedados de acumularem empregos e cargos públicos fora da previsão constitucional (art. 37, XVII e §10), e as remunerações não podem ultrapassar o limite constitucional (na União, o subsídio mensal dos Ministros do STF; nos Municípios, o subsídio mensal dos Prefeitos; nos Estados e DF, o subsídio mensal do Governador, para o Executivo, dos Deputados Estaduais, para o Legislativo, e o subsídio dos Desembargadores, para o Judiciário; sempre limitados a 90,5% do subsídio dos Ministros do STF, no âmbito do Judiciário estadual, do MP, dos Procuradores e Defensores Públicos).

Ainda se diferenciam porque, nas empresas particulares propriamente ditas, os seus diretores não estão sujeitos à ação popular, mas nas sociedades de economia mista e nas empresas públicas, mesmo atuando na atividade econômica em sentido estrito, podem sofrer uma ação popular, se seus atos ocasionarem lesão ao patrimônio público, considerando que tais atos podem ser praticados em prejuízo ao dinheiro público que foi repassado pelo erário. Inclusive podem ser responsabilizados por improbidade administrativa, no exato sentido do art. 1º e seu parágrafo único da Lei 8.429, que prevê que o ato de improbidade administrativa pode ser praticado por qualquer agente público, servidor ou não, contra empresa que tenha seu custeio mantido com dinheiro público, inclusive com menos de 50% do patrimônio ou receita anual.

Lembre-se, apenas, que no caso de improbidade administrativa, qualquer um pode cometer tal ato, sendo diretor de empresa particular propriamente dita, ou diretor de empresa pública ou sociedade de economia mista, uma vez que qualquer um que participar do ato, seja beneficiando outrem ou se beneficiando, se submete à Lei 8.429 (art. 3º: “As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”). A diferença que existe é que, nas empresas públicas e sociedade de economia mista, o ato de improbidade administrativo será praticado diretamente e internamente pelo seu diretor, sem necessidade de estar em concorrência com um outro servidor público, justamente porque, para a Lei, nestas pessoas jurídicas, há presença do próprio Poder Público, no que tange ao dinheiro público protegido pela Lei, ao contrário das empresas propriamente particulares.

Existem ainda outros tantos casos em que a Constituição é expressa em diferenciar as empresas públicas e as sociedades de economia mista, mesmo atuando na atividade econômica em sentido estrito, das empresas propriamente particulares (art. 37, XX, onde se prevê a possibilidade de autorização legal para criação de suas subsidiárias ou que participem de outras empresas privadas, autorização legal esta que pode ser dada de forma genérica e até na própria lei que autoriza suas criações, como decidiu o STF, na ADI 1649-1; art. 84, II – tutela administrativa e supervisão geral do Chefe do Executivo; arts. 70 e 71 – controle pelo Tribunal de Contas).

Durante um período foi debatida a possibilidade de se impetrar mandado de segurança contra ato destas empresas públicas e sociedades de economia mista, que atuam na atividade econômica em sentido estrito, uma vez que o mandamus pressupõe um ato de autoridade que seria feito no âmbito público, o que tornaria tal remédio constitucional

indevido. Entretanto, o STJ emitiu a Súmula 333, permitindo que seja impetrado mandado de segurança no caso de atos dos diretores praticados no decorrer da licitação.

Também surgiu dúvida sobre a existência ou não de responsabilidade objetiva das empresas públicas e sociedades de economia mista. Mas a leitura atenta do § 6º do art. 37 (“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”), retira qualquer dúvida.

É dizer: se a empresa pública e a sociedade de economia mista atuar na atividade econômica em sentido amplo, isto é, se prestarem serviços públicos, como é o caso da ECT, haverá responsabilidade civil objetiva; se atuarem na atividade econômica em sentido estrito, não haverá tal responsabilidade.

Nesse sentido, a Caixa Econômica Federal, mesmo sendo empresa pública, não tem responsabilidade civil objetiva, porque atua, via de regra, em atividade econômica em sentido estrito. Porém, pode ser responsabilizada objetivamente porque também atua na atividade econômica em sentido amplo, ao prestar serviço público de administrar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS (atos de seus agentes relacionados a tal administração, então, poderão ser responsabilizados objetivamente pelos eventuais prejuízos)1. Diferentemente do Banco do Brasil, que é uma sociedade de economia mista cuja atuação é eminentemente econômica, em sentido estrito, daí a ausência de responsabilidade objetiva.

As empresas públicas, geralmente, são as que mais atuam na atividade econômica em sentido amplo, prestando serviços públicos, enquanto as sociedades de economia mista, pelo contrário, atuam mais na atividade econômica em sentido estrito, não prestando, assim, serviços públicos.

O art. 173 da Constituição Federal, e seus parágrafos, aplica-se, portanto, a todas as empresas, inclusive estatais, que atuem na atividade econômica em sentido estrito; o art. 175, e seu parágrafo único, ao contrário, aplica-se a todas as empresas estatais que, mesmo sendo pessoas jurídicas de direito privado, prestam serviços públicos (atuam na atividade econômica em sentido amplo).

As empresas estatais que atuam na atividade econômica em sentido estrito

se submetem à licitação? Com a alteração do art. 173 da Constituição Federal, operado pela EC 19/98,

surgiu polêmica na doutrina sobre a submissão ou não de tais empresas ao regime constitucional da licitação. Antes, era pacífico o entendimento doutrinário de tal submissão, mas a EC 19/98 trouxe algumas dúvidas.

Entretanto, é correto dizer que tais empresas submetem-se, sim, às licitações, com as seguintes observações.

O art. 173, §1º, III, da CF/88 diz o seguinte:

1 Veja este precedente do TRF2 (AC 380233 RJ 2004.51.01.008914-0, 6ª Turma, DJU de 13/03/2009, p. 166): “DIREITO CIVIL. CEF. GESTORA DO FGTS. SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA PREVISTA NO ART. 37, § 6º DA CF/88. LIBERAÇÃO DE VALOR DO FGTS PARA COMPANHEIRA EM DESRESPEITO AO QUINHÃO DA EX-ESPOSA. DANO MATERIAL CONFIGURADO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. 1 - A CEF está sujeita aos preceitos da responsabilidade civil objetiva prevista no art. 37, § 6º da Constituição Federal, porquanto se trata de empresa pública, com personalidade jurídica de direito privado, que presta, relativamente à gestão do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, um serviço público. 2 - Diante de um ato comissivo de saque indevido em conta vinculada do FGTS, não há que se perquirir acerca de culpa da CEF ou de seus agentes; basta que o administrado lesado demonstre o dano sofrido e a relação de causalidade entre a ação administrativa e o referido dano, sendo que, embora necessária a existência de conduta (fato), não é necessária a presença de qualquer elemento subjetivo (culpa ou dolo), bastando, além do fato, o dano e o nexo de causalidade (...).” Observe que o STJ tem uma Súmula que fala da responsabilidade da CEF em pagar custas, mesmo se envolver o FGTS: “Nas ações em que representa o FGTS, a CEF, quando sucumbente, não está isenta de reembolsar as custas antecipadas pela parte vencedora” (Súmula 462).

“§1º. A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;” Ao que se vê, o espírito constitucional determina que, enquanto não houver

lei estabelecendo o estatuto jurídico, haverá submissão integral à Lei 8.666/93. A lei que estabelecer o estatuto jurídico, estará obrigada a estabelecer a submissão à licitação, não nos moldes da Lei 8.666/93, mas nos moldes que serão apresentados pela lei, sempre dentro dos parâmetros da legalidade, moralidade, eficiência, impessoalidade e publicidade. Quando surgir a lei a que se refere o dispositivo constitucional, não terá aplicação a Lei 8.666/93, que é reconhecidamente burocrática, portanto contrária à necessária dinâmica que as empresas precisam para atuar no mercado competitivo.

Portanto, o que a Constituição fez foi ratificar a necessidade de licitação, porém com maior flexibilidade, flexibilidade esta que será feita pela lei, tornando o procedimento mais fácil e rápido.

O que a doutrina enfatiza, finalmente, é que as empresas a que alude o art. 173 da CF/88, só precisam realizar licitação quando se tratar de atividades-meio por elas desenvolvidas, como é o caso de compra de material de expediente, construção de novas sedes, serviços terceirizados (segurança, limpeza, copa etc.). Em relação às atividades-fins, não seria necessária a licitação (o exemplo comum é o caso da desnecessidade do Banco do Brasil fazer licitação toda vez que for fazer um contrato com um novo cliente, na abertura de conta corrente, já que esta atividade é a atividade-fim do Banco). Foi dentro deste espírito que o art. 17, II, “e”, da Lei 8.666/93, foi construído:

“Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: II - quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos: e) venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública, em virtude de suas finalidades”; Apesar do dispositivo acima falar em licitação dispensada apenas para venda

de bens produzidos, incluem-se aí, também, a prestação de serviços. O importante é que estejam dentro das finalidades. Um bom exemplo é a empresa pública Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, que foi criada pelo Decreto-Lei n. 509/69 para executar o serviço postal brasileiro em regime de monopólio. Esta empresa produz uma prestação de serviço típica de suas finalidades institucionais, que é a prestação de serviço de transporte de correspondência. Não se imagina que ela terá que fazer licitação, toda vez que for demandada para prestar este serviço para um particular. A justificativa é tanto constitucional, à vista do art. 175, que dá aos seus contratos um regime especial, quanto em nível infraconstitucionais, já que as normas relativas à ECT são específicas em relação à lei geral de licitação. Isto ocorre porque a Administração está vendendo o que efetivamente lhe pertence, inclusive podendo ser fundamentada em diversos incisos do art. 24 (VII, XII, XVI, XXII e XXVI) (vide Jacoby Fernandes, Contratação direta sem licitação, 7a edição, Editora Fórum, 2007, p. 294).

Como se sabe, as autarquias são criadas diretamente pela lei, e as empresas públicas, as sociedades de economia mista, além das fundações, geralmente são criadas por Decreto, mas à vista da autorização de criação dada pela lei (art. 37, XIX, CF/88). Daí porque, para se saber se a compra de determinado bem móvel está entre as atividades-fins, basta ler a

lei que autorizou a criação da empresa pública ou da sociedade de economia mista, ou o Decreto que a criou e seu Estatuto, pois é certo que neles estejam previstas as atividades fins.

Vale lembrar, ainda com Jacoby Fernandes, que o Banco do Brasil passou a comprar diretamente as passagens aéreas da BBTur, criada pelo próprio Banco do Brasil, justamente sob a alegação de que se tratava de compra de bens produzidos finalisticamente pela BBTur. O TCU julgou este procedimento irregular, mandando observar a licitação (TCU, processo TC 010.699/96-1, decisão 502/1997, DOU 28.08.97, p. 18830). Entretanto, de nada adiantou a proibição do TCU, porque a Lei 9.648/98 alterou o inciso XXII do art. 24 da Lei 8.666/93, permitindo esta transação (Art. 24, inciso XXIII: “É dispensável a licitação: na contratação realizada por empresa pública ou sociedade de economia mista com suas subsidiárias e controladas, para a aquisição ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado”).

O Supremo Tribunal Federal tem tendência clara de afastar as empresas públicas e sociedades de economia mista dos procedimentos rigorosos da Lei 8.666/93 (Mandados de Segurança 27837, 25986, 26783, 27232, 27743). Isto ocorreu em especial para a Petrobrás, em face do procedimento licitatório simplificado adotado pelo Decreto 2745/98, em face da autorização legal contida no art. 97 da Lei 9.478/97.

c.2) Atuação indireta

A atuação do Estado não é direta, é dizer, ele não atua para produzir bens ou

prestar serviços de conteúdo econômico. Nesta atuação indireta, ele intervém para impedir o

abuso do poder econômico, abuso este que se traduz pela: a) dominação dos mercados; b)

discriminação da concorrência; e c) aumento arbitrário dos lucros. Por isso, a intervenção

existe para proteger o princípio básico da livre concorrência (art. 170, IV), e evitar o oligopólio,

o cartel (ou truste) e o dumping e o truste.

Oligopólio (oligos = poucos + polens= vender), significa que somente poucos

vendem determinada mercadoria, porque é uma forma evoluída de monopólio. Um grupo de

empresas domina determinada oferta de produtos e/ou serviços (como é o caso de

mineradoras, montadoras de veículos, laboratórios farmacêuticos, bancos e aviação).

Nestes casos, poucos são aqueles que vendem ou oferecem determinada

mercadoria ou serviço, atingindo a livre concorrência porque não há como mais expandir esta

concorrência. Assim, existe quando um pequeno número de empresas domina o mercado,

impondo barreiras à entrada de outras empresas para aquele ramo de atividade.

É comum o oligopólio se revelar por suas três espécies básicas: cartel, truste e

holding.

Cartel é uma forma de oligopólio em que empresas independentes, que atuam

no mesmo setor, fazem acordo para dominar determinada oferta de produtos e/ou serviços. A

principal forma de acordo serve para minimizar as chances de concorrência leal, e ocorre com

mais frequência nos casos de combustíveis e obras públicas.

Truste é um pouco mais sofisticado que o cartel, apesar de muitos os

confundirem. No truste, as empresas aparentemente perdem sua autonomia, porque abrem

mão das suas independências legais, para criar uma única organização para controlar o

mercado a respeito de determinado produto ou prestação de serviços. Exemplo bastante

citado do truste foi a autuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica– CADE, na

Associação Médica Brasileira – AMB, porque esta havia estipulado uma tabela mínima de

honorários médicos. Neste caso, houve uma organização empresarial que exercia grande

poder de pressão no mercado. Fala-se em truste vertical, quando as empresas são do mesmo

ramo, e em truste horizontal, quando entre as empresas existem aquelas de ramos diferentes.

Ainda se fala em holding, como forma de prejudicar a livre concorrência, que

na verdade ocorre tal prejuízo de forma muito sutil, porque se trata de uma sociedade gestora

de participações sociais, criada para administrar um conglomerado de sociedades, e assim

melhorar sua estrutura, ou então para utilizar a estrutura de outras empresas. Ocorre, por

exemplo, quando uma empresa vê a possibilidade de vender determinados produtos em um

determinado mercado, mas não fabrica estes produtos. Então, se alia à empresa produtora

destes produtos, oferecendo sua experiência e seus pontos de venda já instalados. Daí porque

existem participações no capital de cada uma delas, gerida por uma empresa mãe.

Dumping é a prática comercial de venda de produtos por preços muito baixos,

por empresas bem estruturadas e capacitadas financeiramente, por determinado período,

para prejudicar e eliminar a concorrência local, e depois voltar a vender os produtos, agora

com preços mais altos.

O maior instrumento de atuação indireta na área econômica, para proteção da

livre concorrência, é a Lei 8884/94, que transforma o CADE em autarquia federal e dispõe

sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica.

O art. 20 desta Lei 8884 revela as principais infrações à ordem econômica, e as

configura independentemente de culpa, valendo-se dos efeitos que as condutas poderão

causar. Diz o seguinte:

“Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; IV - exercer de forma abusiva posição dominante. § 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II. § 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa. § 3º A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.”

O art. 20, então, estipula as condutas genéricas, que atestam a mera

exemplificação das condutas específicas do art. 21, que são tipificadas como infrações à ordem

econômica. O importante, então, é que nenhuma conduta da iniciativa privada junto à ordem

econômica burle o espírito do art. 20.

Por precaução, a Lei 8884 previu diversas condutas específicas no art. 21, que

merecem ser citadas:

“Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica; I - fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços; II - obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; III - dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semiacabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários; IV - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; V - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços; VI - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição; VII - exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa; VIII - combinar previamente preços ou ajustar vantagens na concorrência pública ou administrativa; IX - utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros; X - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição; XI - impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes, preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros; XII - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços; XIII - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais; XIV - dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais; XV - destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los; XVI - açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia; XVII - abandonar, fazer abandonar ou destruir lavouras ou plantações, sem justa causa comprovada;

XVIII - vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de custo; XIX - importar quaisquer bens abaixo do custo no país exportador, que não seja signatário dos códigos Antidumping e de subsídios do Gatt; XX - interromper ou reduzir em grande escala a produção, sem justa causa comprovada; XXI - cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada; XXII - reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção; XXIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; XXIV - impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o preço de bem ou serviço. Parágrafo único. Na caracterização da imposição de preços excessivos ou do aumento injustificado de preços, além de outras circunstâncias econômicas e mercadológicas relevantes, considerar-se-á: I - o preço do produto ou serviço, ou sua elevação, não justificados pelo comportamento do custo dos respectivos insumos, ou pela introdução de melhorias de qualidade; II - o preço de produto anteriormente produzido, quando se tratar de sucedâneo resultante de alterações não substanciais; III - o preço de produtos e serviços similares, ou sua evolução, em mercados competitivos comparáveis; IV - a existência de ajuste ou acordo, sob qualquer forma, que resulte em majoração do preço de bem ou serviço ou dos respectivos custos.”

Meios de atuação indireta

O Estado poderá atuar indiretamente, intervindo na área econômica, por três

principais meios:

a) pela indução;

b) pela fiscalização; e

c) pelo planejamento.

Estas intervenções são decorrência lógica do art. 174 da CF/88, que assim dispõe: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. Tanto a fiscalização, quanto o incentivo e o planejamento estatal, dependem de lei formal para regulamentá-los. Na indução (ou incentivo), o Estado direciona a atuação da força econômica

privada, porque incentiva algumas atividades, e desestimula outras, utilizando-se da sua força.

A indução pode ser positiva ou negativa:

a.1) indução positiva, que se dá pelo fomento (benefícios fiscais, subsídios,

construção de infraestrutura, financiamento de projetos, políticas públicas para determinados

assuntos e regiões etc.). Neste caso, a indução é positiva porque há um incentivo para que

novas empresas se insiram no mercado e aumentem a concorrência; ou

a.2) indução negativa (alíquotas altas para fumo e armas, para desestimular o

consumo e a compra de tais produtos, e cobrança de taxas progressivas para determinadas

empresas poluidoras). Neste caso, é há uma indução negativa para que, em determinados

ramos, sequer exista concorrência.

A fiscalização é feita pelo poder de polícia, condicionando e proibindo

comportamentos para proteger a própria população e seus maiores valores, como o meio

ambiente, a relação de consumo, a ordem pública, o desenvolvimento da economia etc.

Especificamente para a área econômica, ocorreu no Brasil a “agencificação”,

que foi a criação de várias agências reguladoras e executoras para diversas áreas, com

natureza jurídica própria (autarquia federal de regime especial):

Agência Nacional do Petróleo – ANP;

Agência Nacional da Energia Elétrica – ANEEL;

Agência Nacional de Telecomunicação – ANATEL;

Agência Nacional de Águas – ANA;

Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA;

Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS;

Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT;

Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA.;

Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ.

Atente-se, também, para a criação do Conselho Administrativo de Defesa

Econômica – CADE, da Secretaria de Direito Econômico – SDE, sem falar do Banco Central do

Brasil – BACEN, do Conselho Monetário Nacional – CMN, do Comitê de Política Monetária –

COPOM e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.

Na fiscalização, o Poder Público impõe disciplina e normas diretivas, porque as

Agências têm poder de regulação. Isto porque a ordem econômica, no Brasil, está sujeita a

uma atuação normativa e reguladora do Estado, que deverá ser feita sempre respeitando os

ditames dos fundamentos e princípios ínsitos no art. 174, razão porque a própria CF/88, no art.

149, prevê a competência exclusiva da União de instituir contribuições de intervenção no

domínio econômico, de natureza tributária (STF, RE 138.284), inclusive sobre importação de

petróleo.

Por sua vez, o planejamento, ou planificação, ocorre pela atuação do Estado na

visibilidade futura do mercado, antecipando situações, sempre de modo organizado e

sistematizado, para que os valores constitucionais do art. 170 sejam preservados. O

planejamento, então, limita o Estado, que só pode intervir, pensando no futuro, se for de

maneira organizada e fundamentada, dando racionalidade à atuação estatal para que a

sociedade seja conduzida à determinado destino.

O planejamento é que dá azo à existência dos Planos Plurianuais, e também ao

cooperativismo, incentivado que foi pelos §§1º e 2º do art. 174 da CF/88, e visa especialmente

dar desenvolvimento nacional equilibrado a todas as regiões.

A Constituição obriga o Poder Público a fazer o planejamento das suas

atividades, e apenas indica, sugere, que a iniciativa particular adote o planejamento. Como se

vê, o planejamento é um valor constitucional, como “algo bom” para todos, seja na vida

pública, seja na vida particular, se diferenciando porque, para aquela, é obrigatória, e, para

esta, facultativa.

Eros Roberto Grau (A ordem econômica na Constituição de 1988, 10ª edição,

Malheiros, 2005, p. 151), entende que o planejamento não deve entrar no catálogo das formas

de intervenção do Estado. Merece destaque sua explicação:

“Uma derradeira observação cabe ainda, neste passo de minha exposição,

alusiva à não inclusão do planejamento entre as modalidades de intervenção.

O planejamento apenas qualifica a intervenção do Estado sobre e no domínio

econômico, na medida em que esta, quando consequente ao prévio exercício

dele, resulta mais racional. Como observei em outro texto, forma de ação

racional caracterizada pela previsão de comportamentos econômicos e sociais

futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição de meios de

ação coordenadamente dispostos, o planejamento, quando aplicado à

intervenção, passa a qualificá-la como encetada sob padrões de racionalidade

sistematizada. Decisões que vinham sendo tomadas e atos que vinham sendo

praticados, anteriormente, de forma aleatória, ad hoc, passam a ser

produzidos, quando objeto de planejamento, sob um novo padrão de

racionalidade.

O planejamento, assim, não configura modalidade de intervenção – note-se

que tanto intervenção no quanto intervenção sobre o domínio econômico

podem ser praticadas ad hoc ou, alternativamente, de modo planejado – mas,

simplesmente, um métodos a qualificá-la, por torná-la sistematizadamente

racional”

O mesmo Eros Grau (op. cit., pp. 309/310), alerta:

“São inconfundíveis, de um lado o planejamento da economia – centralização

econômica, que importa a substituição do mercado, como mecanismo de

coordenação do processo econômico, pelo plano – de outro o planejamento

técnico de ação racional, cuja compatibilidade com o mercado é absoluta.

Quem não sabe que o planejamento é uma técnica corrente de administração

empresarial? É verdadeiramente incompreensível, nestas condições, que tantas

vezes se atribua a essa técnica de atuação estatal caráter socializante, o que só

pode ser creditado a ignorância da noção de planejamento.

Incompreensível, também, o equívoco, no qual tantos incorrem, de tomar os

´planos´ de estabilização monetária praticados entre nós - ´Plano Cruzado´,

´Plano Bresser`, ´Plano Verão´ - como experiências ou exemplos de

planejamento. Pois eles são, precisamente, expressão do não planejamento, ou

seja, de atuação estatal improvisada, ad hoc, sem prévia definição de objetivos.

A incoerência dos que cometem esse equívoco é, ademais, absoluta: pois, se

tais ´planos´são expressões de planejamento, não poderiam, mercê do que

dispõe o art. 174, obrigar (ser determinantes) para o setor privado (...)”.

Agências de “regime especial”

Diferentemente das outras autarquias e fundações públicas federais, como

INSS, INCRA, IBAMA, FUNAI, IBGE, FUNASA, DNOCS, CEFET´S, FACULDADES FEDERAIS etc., as

agências são instituídas com regime especial porque seus diretores-presidentes são nomeados

de forma diferente, e demitidos também de forma diferente, além de maior autonomia na

condução dos seus trabalhos. A nomeação e a exoneração dos dirigentes máximos das

autarquias, então, são os primeiros fatores que as diferencia das outras autarquias, cujos

dirigentes máximos são demissíveis “ad nutum”.

Entretanto, o regime especial não ocorre apenas por isso. Existem diversos

outros fatores, que podem ser resumidos assim:

a) têm independência decisória maior (nas autarquias “normais”, há controle

também limitado somente ao seu fim, conhecido no Direito Administrativo como tutela

administrativa, mas nas agências esta tutela é ainda mais limitada, porque não há como o

Executivo, ou o Ministério ao qual estão vinculadas, controlar a finalidade e o caminho a ser

tomado na política desenvolvida pela agência);

b) geralmente têm poder normativo, que é capacidade, conferida pela lei, de

emitir normas para determinado setor (ANEEL, normas para o setor elétrico; ANVISA, normas

para o setor de vigilância sanitária; ANP, para o setor petrolífero, e assim por diante). É quase

uma capacidade de legislar, porém a capacidade é de regular determinado setor, e só não há

ferimento à tripartição do Poder porque é a própria lei que dá este poder às agências (vide

adiante sobre “deslegalização” e “regulação”);

c) independência técnica funcional, porque nas agências as decisões são

técnicas, e não há, ou não deveria existir, interferência política para as decisões tomadas.

Deslegalização

Deslegalização é a transferência do poder de legislar, feita pela própria lei.

Assim, quando a lei transfere para as agências o poder de regular determinado setor, por meio

de Portarias, ocorre o que se conhece por deslegalização.

É uma forma de delegar a competência, com base na especificidade (a ANEEL

tem mais especificidade para baixar normas para o setor elétrico). A deslegalização se dá para

agências reguladoras, e não para agências executivas. Esta deslegalização é prevista tanto na

Constituição (art. 21, XI), como nas leis específicas que criam as agências, e é considerada

ponto fundamental para que o modelo das agências dê certo.

Vez por outra as multas e as Portarias emitidas pelas agências são atacadas

junto ao Judiciário, que, também com frequência, vem considerando constitucionais e

legítimas tais atuações.

Fala-se em três formas de delegação pelo Poder Legislativo: a) delegação receptícia, que é aquela delegação para fazer leis, prevista na Constituição nos arts. 59, IV, 68 e 49, V. É a chamada Lei Delegada; b) delegação remissiva, que não é propriamente a delegação para fazer leis, mas para regulamentar a lei gerada no Legislativo de efeitos mais gerais. É, por assim dizer, o poder conferido ao Executivo de regulamentar a lei, mediante Decreto, sem poder extrapolar os limites da lei (é remissiva porque remete o texto da lei a outra fonte normativa subsequente, que será gerada pelo Executivo); c) deslegalização, que é a possibilidade da Lei transferir o poder normativo para determinado órgão ou entidade, que poderá, então, regular determinado setor específico mediante normas próprias. Neste caso, o legislador retira determinadas matérias do domínio da lei, passando-as para o domínio do regulamento. Muitos conseguem enxergar na Constituição de 1988 a ampla possibilidade de deslegalização, como nos arts. 21, XI, 22, parágrafo único; 117, §2º, III; 217, I, § 1º; 220, §§ 3º e 4º. Importante lembrar que a deslegalização para as agências reguladoras é também conhecida como delegação com “standards” (“delegation with standards”), porque a lei fixa parâmetros, verdadeiros “standards”, para que o poder normativo seja efetivado. É dizer: a lei fixa os “standards” que limitam a atuação adequada, satisfatória e nos limites da delegação. Ainda há confusão na doutrina sobre o poder das agências, se se trata de poder regulamentar ou de poder regulador. O correto é entender que o poder regulamentar é do Chefe do Executivo, para regulamentar a lei via decreto, e que o poder regulador é das agências, para regular determinado setor. Alguns exemplos de deslegalização: Lei 9.427/96, que cria a ANEEL: “Art. 2º A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal.” Lei 9.478/97, que cria a ANP: “Art. 7º Fica instituída a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves - ANP, entidade integrante da Administração Federal Indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, vinculada ao Ministério de Minas e Energia.”

Lei 10.233/01, que cria a ANTAQ e a ANTT: “Art. 24. Cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuições gerais: IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à exploração de vias e terminais, garantindo isonomia no seu acesso e uso, bem como à prestação de serviços de transporte, mantendo os itinerários outorgados e fomentando a competição;” “Art. 27. Cabe à ANTAQ, em sua esfera de atuação: IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à prestação de serviços de transporte e à exploração da infraestrutura aquaviária e portuária, garantindo isonomia no seu acesso e uso, assegurando os direitos dos usuários e fomentando a competição entre os operadores;” Lei 9.472/97, que cria a ANATEL: “Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público; X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado; XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem; XIV - expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo inclusive os equipamentos terminais;”

Regulação

Como se vê, a deslegalização está intimamente ligada à regulação, que é a capacidade do Estado de intervir indiretamente no mercado, com o objetivo de induzir os agentes econômicos a determinados comportamentos, substituindo a decisão privada que não fica mais apenas condicionada às forças do mercado (“mão invisível”). A doutrina costuma dizer que a regulação, ou o processo regulatório, abrange: a) a aprovação de normas pertinentes (leis, regulamentos, portarias etc.); b) a implementação das regras aprovadas, mediante autorizações, licenças etc.; c) a fiscalização do cumprimento das regras; e d) punição das infrações, mediante multas com parâmetros fixados em lei. Inclusive há referência, na doutrina estrangeira, que o poder de regulação força a conjugação de competências dos três poderes, porque há um poder normativo, ao se editar regras (Legislativo), um poder executivo, de fazer cumprir estas regras (Executivo), e um poder de julgar se as regras estão sendo cumpridas (Judiciário, chamado como força parajudicial). É evidente que a regulação só existe para dar vazão à livre concorrência, evitando cartelização e outros vícios desta liberdade, como foi visto, para que a concorrência não seja desleal. A regulação, então, é a própria capacidade do Estado, via Executivo, de interferir na atividade econômica, regulando esta atividade mediante normas específicas, e dentro dos standards impostos pela Lei formal. Esta regulação, como foi visto, é realizada precipuamente pelas agências, em face da deslegalização. Atuação do Estado na área econômica de forma excepcional? Apesar da Constituição de 1988 ter propugnado precipuamente o capitalismo,

não é correto dizer que o Estado só pode intervir indiretamente no mercado de forma

excepcional.

Não foi este o sistema traçado pela Constituição, porque esta deu ao Estado

amplas possibilidades de atuação no mercado, evidentemente sem os privilégios do

socialismo. Nesse sentido, merece destaque a ementa da ADI 3512/ES, Rel. Min. Eros Grau,

Pleno, DJ de 23.06.2006, p. 03:

“1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por

um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa

circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá

na economia em situações excepcionais. Muito ao contrário.

2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia

diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade.

Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade,

informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170.

3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa,

mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita

também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem

pertinente apenas à empresa.

4. A Constituição do Brasil em seu artigo 199, § 4º, veda todo tipo de

comercialização de sangue, entretanto estabelece que a lei infraconstitucional

disporá sobre as condições e requisitos que facilitem a coleta de sangue.

5. O ato normativo estadual não determina recompensa financeira à doação

ou estimula a comercialização de sangue.

6. Na composição entre o princípio da livre iniciativa e o direito à vida há de ser

preservado o interesse da coletividade, interesse público primário.

7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente”

O que não pode ocorrer é o Estado, no Brasil, entrar na concorrência com a

iniciativa privada, via empresas públicas e sociedades de economia mista, e não se expor aos

riscos desta atividade. Portanto, a Constituição não privilegia a participação do Estado na

iniciativa privada, mas também não a excepciona.

Por outro lado, a doutrina entende que a atuação direta do Estado na

iniciativa privada é excepcional. Baseia-se, para confirmar esta excepcionalidade, pelo fato de

que o Estado só poderá explorar diretamente a atividade econômica quando necessário aos

imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (art. 173, CF/88), além de

não poder criar novos monopólios além daqueles já criados na CF/88 e ficar submetido às

mesmas limitações e condições dos particulares (art. 173, §1º, I).

À vista do que foi exposto, é correto dizer que:

a) a atuação direta do Estado na área econômica é excepcional;

b) a atuação indireta do Estado na área econômica não é excepcional.

Estas conclusões são importantes a título de interpretação: se houver alguma

regra regulando a atuação direta do Estado, a sua interpretação necessariamente será

restritiva. Pelo contrário, se houver alguma regra regulando a atuação indireta do Estado na

economia, a sua interpretação deverá ser extensiva.

Um bom exemplo disto ocorreu quando o Supremo Tribunal Federal

considerou constitucional a atuação indireta do Estado, pela via legislativa, para regular a

política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao

aumento arbitrário dos lucros (STF, ADI 319/DF). Neste caso, o STF, na tensão entre os

princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, como os princípios da defesa do

consumidor e da redução das desigualdades sociais, entendeu por bem ponderá-los e conciliá-

los, porém com mais intensidade aplicativa dos últimos princípios.

Imunidade tributária e limites para a atuação do Estado

Via de regra, o “Estado empresário” – atuação direta do Estado na ordem

econômica, por meio de empresas públicas e sociedades de economia mista -, não é

beneficiado pela imunidade tributária recíproca do art. 150, VI, “a”, e nem pela

impenhorabilidade de seus bens.

Entretanto, quando o “Estado empresário” atua na ordem econômica para

prestar serviço público, mesmo através de empresa pública de uma pessoa jurídica de direito

privado, ele é beneficiado pela imunidade tributária recíproca e pela impenhorabilidade de

bens.

É o que ocorre, por exemplo, com a Empresa Brasileira de Correios e

Telégrafos – ECT, que é uma empresa pública que presta serviço público, e não empresa

pública que exerce atividade econômica, sendo, portanto, beneficiada imunidade tributária

recíproca (vide STF, RE 424227/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 10.09.2004 – neste

caso, o STF lembrou que a imunidade tributária somente é aplicável a impostos, não

alcançando as taxas) e pela impenhorabilidade de seus bens (vide STF, RE 220906/DF, Rel. Min.

Maurício Corrêa, Pleno, DJ 14-11-2002 PP-00015). Também não pode sofrer incidência de IPVA

sobre seus veículos (STF, ACO-AgR 811/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJ 14-12-2007, p.

21)

Vale citar, ainda, que:

a) a ECT não tem o monopólio na edição, exploração, circulação e publicação

de lista telefônica, porque o art. 2º da Lei 6.874/80 era inconstitucional com base na CF/1969

(STF, RE 158676/MG, Rel. Min. Octávio Gallotti, 1ª Turma, DJ 05-10-2007 PP-00025);

b) deixar de pagar sistematicamente o Imposto sobre Produto Industrializado,

é conduta omissiva de uma empresa que lesa a livre concorrência, porque isto acaba

reduzindo o preço da mercadoria de modo irregular, possibilitando, assim, cancelamento de

registro e interdição do estabelecimento (STF, AC-MC 1657/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa,

Pleno, DJ 31.08.2007, p. 28);

c) se a União é proprietária do imóvel, mas o destina para o comércio, fazendo

cessão de uso, este imóvel permanece com a imunidade tributária recíproca, não podendo

sobre ele incidir o IPTU (STF, RE 451152/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ 27.04.2007,

p. 107; RE 265749). Existia dúvida se isto privilegiaria a empresa, em detrimento da livre

concorrência, e até havia posicionamento contrário do próprio STF, mas esta tese foi a que

prevaleceu neste recente julgamento. A súmula 724 do STF (não vinculante) diz: “Ainda

quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das

entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja

aplicado nas atividades essenciais de tais entidades”;

d) a fixação de horário de funcionamento de estabelecimento comercial,

inclusive de farmácias e drogarias, é matéria de competência municipal, não sendo possível

alegar ofensa ao princípio da livre concorrência para tornar a lei municipal inconstitucional, e

pode ser feito para evitar a dominação de mercado por oligopólio (STF, AI-AgR 481886/SP, Rel.

Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 01-04-2005, p. 054; RE-AgR 321796/SP, Rel. Min. Sydney

Sanches, 1ª Turma, DJ 29.11.2002, p. 20; RE 274028/SP, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, DJ

10.08.2001, p. 21);

e) o estabelecimento de distância mínima entre farmácias e drogarias, por lei

municipal ou estadual, ofende o princípio constitucional da livre concorrência, tornando a lei

inconstitucional (STF, RE 193749; ADI 2327/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJ 22-08-2003

PP-00020 – lembrou também que se a lei estadual faz esta previsão, é também formalmente

inconstitucional, já que a competência é do Município, e não do Estado; também RE 199517);

f) Estados-membros não podem legislar sobre jogos de azar, porque a matéria

é da competência exclusiva da União, uma vez que na expressão “sorteios” do art. 22, XX,

incluem-se os jogos de azar, as loterias e similares, com é o caso dos bingos (STF, Súmula

Vinculante n. 02, DO de 6/6/2007, p. 1; ADI 2995/PE, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, DJ

28.09.2007, p. 26; também ADI 3060/GO);

g) Municípios podem legislar sobre edificações ou construções, como é o caso da obrigatoriedade de se colocar portas giratórias de segurança em bancos (art. 30, I, e 192, I, CF) (STF, AI-AgR 491420/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, DJ 24-03-2006, p. 26; também AI-AgR 429070/RS), podendo também exigir que os bancos instalem banheiros e bebedouros, sem que haja conflito com as atribuições fiscalizadoras do Banco Central (STF, AI-AgR 614510/SC).

Monopólio

Monopólio, em sentido amplo, é o privilégio que alguém tem (indivíduo,

empresa ou Governo) tem para vender, sem concorrência, determinadas mercadorias. Em

sentido econômico, é a abolição da concorrência em função do controle da produção e dos

preços, havendo um único vendedor, que impõe o preço por sua vontade unilateral. Na

acepção jurídica, monopólio é a supressão, pela Constituição, de uma atividade do regime da

iniciativa privada, sempre em benefício do interesse coletivo.

O monopólio é um caso extremo de concorrência imperfeita, onde um único

vendedor tem o controle total da oferta de determinado produto ou serviço.

Ainda se fala em monopólio natural, que é a situação em que o próprio

mercado trata de criar apenas uma empresa para atuar em determinado ramo, seja em face

da necessidade de ampla estrutura física e financeira, seja pela necessidade de muita tradição

e acúmulo histórico de técnica. É o caso do monopólio natural para fornecimento de água e

esgoto, ainda existente em muitos países.

No Brasil, monopólio se dá somente para o Poder Público, feito diretamente

pela Constituição no âmbito da União. Daí porque é corriqueiro afirmar que o monopólio, no

Brasil: a) não pode ser constituído por lei infraconstitucional (só pode nos casos expressos na

Constituição); e b) se dá apenas no âmbito da União. Ainda se afirma que não existe

monopólio no âmbito privado, mas o STF vem considerando, pelo menos no caso do petróleo,

uma espécie de monopólio privado, que seria aquele que impede o agente econômico ao

investimento (vide adiante, ADI 3273DF). Na verdade, o que ocorre é que a Constituição não

estabelece o monopólio privado, e isto é certo, mas há casos em que este monopólio pode

ocorre no âmbito privado, quando a União, por exemplo, contratar com uma empresa privada

para explorar a execução do petróleo, como permitido pelo art. 177, §1º.

É preciso esclarecer que o monopólio estatal sobre determinado setor

econômico tem por objetivo proteger o interesse público, tendo, portanto, caráter defensivo,

e não visa o lucro. O monopólio privado, contrariamente, visa o lucro, e por isso não pode ser

confundido com o monopólio público. Para se ter uma ideia, existem matérias que são natural

e unanimemente consideradas como monopólio do Estado, como é o caso do poder de

legislar, do poder de julgar e do poder de executar a lei e o orçamento público. Estes

monopólios simbolizam a própria essência do Estado, mas existem outras matérias que ainda

não são consenso e não são naturalmente aceitáveis pela população como aqueloutras, daí

porque a Constituição é a primeira a revelar as matérias que o interesse público exige que

fique integralmente nas mãos do Estado.

O monopólio para a União é uma forma de atuação direta do Poder Público na

atividade econômica. É, portanto, uma atividade excepcional. Nada mais correto, então,

afirmar que as hipóteses constitucionais de monopólio são restritivas, impossíveis de serem

alargadas pela lei infraconstitucional.

Ocorre este monopólio para a União nas seguintes hipóteses do art. 177:

a) a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

b) a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; c) a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das

atividades previstas nas alíneas anteriores;

d) o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

e) a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.

Vale lembrar que a EC 49/2006, modificou e incluiu as alíneas do inciso XXII do art. 21 da CF/88. Deste modo, além de toda atividade nuclear em território nacional somente ser possível para fins pacíficos e com aprovação do Congresso Nacional, com responsabilidade objetiva pelos danos causados, a utilização de radioisótopos, por concessão ou permissão, só pode ser pesquisado e utilizado para usos médicos, agrícolas e industriais, não sendo mais permitido para “atividades análogas”, como previsto originalmente. Entretanto, a EC 49/2006 permitiu a permissão para que sejam produzidos, comercializados e utilizados radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas, independentemente do fim a ser utilizado.

É importante afirmar que, não é pelo fato de que a Constituição autoriza a delegação, mediante concessão, permissão ou autorização, que a União perde o monopólio sobre o serviço ou o produto. Neste caso, não ocorre flexibilização do monopólio, mas tão somente da sua execução, continuando a titularidade com a União.

Na redação original da Constituição de 1988, não era possível, à União, fazer concessão de qualquer matéria relacionada acima (art. 177). Entretanto, com a EC 09/95, passou a ser possível a contratação de empresas estatais ou privadas para a realização das atividades citadas nas alíneas “a” a “d”, observadas as condições estabelecidas em lei, que disporá sobre: a) garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional; b) as condições de contratação; c) a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União.

Atualmente, portanto, só não é possível a concessão e a contratação de empresas para o caso da alínea “e” (minérios e minerais nucleares, com exceção de radioisótopos).

A doutrina entende que ainda existe monopólio da União para os seguintes casos, citados nos incisos VII, X, XI e XII do art. 21 da Constituição:

a) emissão de moeda; b) manutenção do serviço postal e do serviço de correio aéreo nacional; c) exploração de serviços de telecomunicações (neste caso, entretanto, a

redação original da CF/88 permitia a concessão apenas para empresas sob o controle acionário estatal; depois da EC 08/95, passou a ser possível a concessão, a autorização e a permissão de tais serviços para qualquer empresa, nos termos da lei que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão supervisor e outros aspectos institucionais. Assim, no caso dos serviços de telecomunicações, a delegação é plenamente possível, como é possível perceber na concorrência que se instalou entre empresas, inclusive estrangeiras, para tal setor da economia. O monopólio, então, subsiste porque tal serviço está diretamente ligado à União, só à União, que pode delegar para empresas privadas);

d) exploração dos serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária; os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; portos marítimos, fluviais e lacustres (em todos estes casos, é possível a delegação via concessão, permissão e autorização, independentemente de ser empresa sob o controle acionário da União, valendo as mesmas observações acima).

Não há empecilho para que as empresas estatais que realizam as atividades monopolizadas recebam incentivos fiscais. O art. 173, §2º, da CF/88, diz que “As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”. Isto poderia transparecer que existe óbice constitucional para os incentivos referenciados. Como se verá adiante, esta proibição é destinada para empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam na atividade econômica em sentido estrito, própria para os empresários particulares que se arriscam no mercado competitivo, não valendo para as empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam na atividade econômica em sentido amplo, isto é, que prestam serviços públicos. As empresas estatais que realizam atividades monopolizadas prestam serviços públicos, não tendo extensão a elas o referido parágrafo constitucional.

Monopólio do petróleo

O petróleo só foi descoberto em 1859, na Pensilvânia, daí porque a CF/1824

sequer tratou da questão.

Apesar de alguma polêmica, a grande maioria dos geólogos e engenheiros do

setor petrolífero trata o petróleo como uma substância mineral. Muitos até revelam que a

origem etimológica é a palavra latina petroleum: o óleo da pedra. Este foi o tratamento dado

pela Constituição ao petróleo: é substância mineral, assim como todos os recursos gerados no

subsolo (arts. 22, XII, 176, caput, e 177, I; da mesma forma, na Lei 9.478/97, art. 6º). Destacou,

entretanto, o petróleo dos demais recursos minerais, com tratamento específico.

A Petrobrás surgiu no Brasil para ser a única empresa para executar o

monopólio da União sobre o petróleo (Lei 2.004/53, atualmente revogada pela Lei 9.478/97,

que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relacionadas ao monopólio do

petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo).

Atualmente, após a EC 09/95, a execução deste monopólio da União é não é

mais de exclusividade da Petrobrás, porque tal Emenda Constitucional permitiu que a União

optasse pela realização direta das atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural, ou

pela realização indireta, mediante contratação dessas atividades com empresas estatais ou

privadas, sob regime de concorrência (art. 177, §1º). A Petrobrás, então, tem que participar do

mercado econômico do petróleo em iguais condições com as outras eventuais empresas do

setor, sem qualquer privilégio tributário ou administrativo.

Diz-se que a Petrobrás, de agora em diante, não tem mais o papel de fazer

uma intervenção monopolista nesta atividade, mas sim um papel de intervenção concorrencial,

daí porque as atividades desta empresa, de pesquisa, lavra, refinação, processamento,

comércio e transporte de petróleo serão desenvolvidas em caráter de livre competição com

outras empresas, muito embora diante da sua larga vantagem estrutural e natural, em

decorrência de anos à frente do setor.

O Supremo Tribunal Federal tem um importante precedente, que esclarece

sobre a noção interpretativa que deve ser dada à Emenda Constitucional n. 09/95 e ao sistema

de monopólio de recursos minerais e de petróleo. Trata-se do julgamento a Ação Direta de

Inconstitucionalidade n. 3273/DF (Rel. Min. Carlos Britto, Pleno, j. em 16.03.2005, DJ 02-03-

2007, p. 25), de cuja ementa podem ser retiradas as seguintes conclusões:

a) não é correto falar em “monopólio da propriedade” ou “monopólio do bem”, porque estas expressões não passam de redundância, verdadeiros pleonasmos, visto que o monopólio pressupõe apenas um agente para desenvolver as atividades econômicas correspondentes ao monopólio; b) os monopólios legais dividem-se em duas espécies: b.1) monopólios

privados, sobre a propriedade industrial, que visam impedir o investimento do agente

econômico; b.2) monopólios que instrumentalizam a atuação do Estado na economia

(monopólios públicos);

c) é possível exercer uma atividade econômica empresarial sobre determinados bens de produção sem ter a propriedade destes bens de produção – propriedade não se confunde com atividade, já que o conceito de atividade econômica prescinde da propriedade dos bens de produção, daí porque a empresa – atividade – não pode ser confundida com o complexo de bens que possibilita seu desenvolvimento – estabelecimento. Assim, é possível a atividade econômica de determinada empresa sobre o petróleo, porque o petróleo não é de propriedade do agente econômico, e sim da União (perfeitamente possível, então, a União conceder a atividade de execução do petróleo para particulares). Isto ocorre porque a propriedade deve ser vista, no caso de exploração de bens e serviços sob monopólio da União, como um conjunto de fatores e instituições que não engloba apenas o domínio, mas vais além, para englobar processos de produção, com conjuntos normativos aplicáveis a cada um destes processos;

d) por isso, é natural que terceiros, que não a União, possam ter o domínio sobre o resultado do lavra das jazidas de petróleo, de gás natural e outros hidrocarbonetos fluídos. Este domínio sobre o resultado da lavra das jazidas de petróleo (resultado este produzido pela atividade do empresário, e não pela propriedade da União), não ofende o monopólio da União sobre o petróleo, justamente porque o monopólio compreende o domínio sobre os resultados da propriedade de determinado produto, mas não compreende o domínio sobre os resultados da atividade de determinado produto;

f) a propriedade sobre o produto ou sobre o serviço monopolizado advindo da atividade empresarial é inerente ao modo de produção capitalista, mas só é possível, evidentemente, se houver a concessão para o empresário, nos termos da Constituição de 1988 (arts. 176 e 177);

h) o art. 176 é uma exceção ao art. 20, IX, da CF/88, porque apesar deste dispositivo prever que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são bens da União, aquele garante ao concessionário a propriedade plena da lavra do produto monopolizado, depois da sua exploração pela atividade. Não fosse possível ao concessionário se apropriar plenamente do produto da atividade sobre o bem monopolizado, seria impossível a concessão, o que atentaria contra a Constituição que é clara ao permitir esta concessão. Assim, é possível ao empresário particular concessionário se apropriar dos recursos minerais explorados, mas não pode se apropriar se tal recurso mineral é o petróleo;

i) o que a EC 09/95 permite, então, é que a União transfira ao concessionário os riscos e os resultados da atividade e da propriedade do produto da exploração de jazidas de petróleo e de gás natural, observada as normas legais (Lei 9.478/97), continuando a titularidade do monopólio do petróleo com a União;

j) não se confundem o regime jurídico de atuação, previsto no art. 176, e o regime jurídico de atuação, previsto no §1º do art. 177. Nestes casos (§1º), as empresas estatais ou privadas não podem ser chamadas de “concessionárias”; naquele caso (art. 176), são empresas concessionárias. O art. 176 trata da exploração dos recursos minerais de forma

geral, e dos potenciais de energia elétrica, e o art. 177 trata de uma espécie de recursos minerais, que é o petróleo. Assim, o regime geral para a exploração dos recursos minerais é o da concessão, mas no caso do petróleo há uma exceção, em face do tratamento específico do art. 177, diverso do tratamento dado ao regime geral (no caso do petróleo, a empresa atua por delegação direta da lei que a instituir, ou que delegar a ela confiar determinada atividade). Isto ocorre porque as empresas concessionárias que exploram os recursos minerais e os potenciais de energia elétrica detêm a propriedade plena sobre o produto da exploração, enquanto as empresas que exploram o petróleo não detêm a propriedade plena sobre o produto da exploração, e sim a propriedade relativa, porque a comercialização de tal produto é administrada pela União, através da Agência Nacional do Petróleo – ANP;

l) a Petrobrás não é prestadora de serviço público e nem delegada da União. Por isso, ela tem que ser considerada uma empresa que explora a atividade econômica em sentido estrito, sujeitando-se ao regime jurídico das empresas particulares, nos termos do inciso II do §1º do art. 173 da CF/88, competindo com as outras empresas privadas que venham a disputar, em licitação, as contratações previstas no §1º do art. 177 da CF/88;

m) a Lei 9.478/97, no art. 26, §3º, estipula que a empresa que conseguir a concessão para explorar o petróleo, tiver êxito nesta atividade, deverá submeter à ANP os planos e projetos de desenvolvimento e produção, para que esta Agência os aprove. Caso não haja manifestação no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, os planos e projetos deverão ser considerados automaticamente aprovados. Para o STF, esta Lei, ao assim dispor, deu regulação ao chamado silêncio da Administração;

n) o tipo de contrato que será celebrado com as empresas que vierem a atuar no mercado petrolífero, e a União, entra no mérito administrativo, que será efetivado por uma decisão política, daí porque o Poder Judiciário não pode se imiscuir;

o) é constitucional a previsão, contida na Lei 9.478/97, de que as exportações e importações de petróleo só poderão ser efetivadas mediante autorização da Agência Nacional do Petróleo, e dentro das diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e do Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis, além das demais regras regulamentares.

É importante auferir que a EC 95/95, muito ao contrário do que se pode supor,

ratificou o monopólio do petróleo para a União, mas flexibilizou a sua execução. O monopólio desta riqueza nacional, então, permanece com o Estado brasileiro, e a propriedade sobre suas jazidas é também deste Estado - a propriedade transferida é apenas sobre o resultado da atividade do empresário, daí porque a EC 09/95 mitigou o monopólio sobre a atividade, que não é mais monopolizada pela Petrobrás, e não sobre a propriedade das jazidas.

Merecem destaques algumas passagens do voto do Min. Eros Grau, na ADI 3274:

“Concluo este momento de meu voto relembrando que o monopólio é de atividade, não de propriedade. Isso explica porque a propriedade do resultado da lavra das jazidas de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluídos pode ser atribuída a terceiros pela União, sem qualquer ofensa à reserva do monopólio, contemplada no artigo 177 da Constituição. Cabe como uma luva, neste ponto, a lição de FÁBIO KONDES COMPARATO: ´O titular do monopólio público não está obrigado a explorá-lo diretamente, podendo essa exploração ser exercida por outrem, pessoa jurídica de direito público ou privado´. E prossegue: ´O único ponto discutível, nessa matéria, é o modo de se instituir a delegação do monopólio: por meio de decreto do Poder Executivo, ou por lei. No meu entender, como todo monopólio público em nosso sistema constitucional decorre de norma expressa da Constituição, que excepciona o princípio da livre iniciativa empresarial, somente a lei pode

autorizar o seu exercício por pessoa diversa do titular´. No caso – digo eu – precisamente a Lei 9.478/97. A propriedade do produto da lavra das jazidas minerais atribuída ao concessionário pelo artigo 176 da Constituição do Brasil é inerente ao modo de produção social capitalista. A concessão seria materialmente impossível sem que o proprietário se apropriasse do produto da exploração da jazida. O mesmo se dá quanto ao produto do exercício das atividades contratadas com empresas estatais ou privadas nos termos do §1º do art. 177 da Constituição do Brasil. Essas contratações – contratações, note-se bem; não concessões – seriam materialmente impossíveis sem que os contratados da União se apropriassem, direta ou indiretamente, do produto da exploração das jazidas de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluídos. Apropriação direta ou indireta – enfatizo – no quadro das inúmeras modalidades de contraprestação atribuíveis ao contratado, a opção por uma das quais efetivamente consubstancia, como anteriormente afirmado, uma escolha política. O que não cabe é reduzir as contratações com empresas estatais ou privadas, nos termos do §1º do art. 177 da Constituição do Brasil, ao modelo de prestação de serviços (...) (...) O parágrafo que substituiu o contemplado na redação original da Constituição conteve os efeitos do monopólio no plano da atividade, autorizando expressamente a União a contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV do art. 177, observadas as condições estabelecidas em lei. Dispõe, diretamente, não sobre a propriedade das jazidas, mas sobre a exploração, pela União, da atividade monopolizada. Como essa contratação supõe, no modo de produção social capitalista, a apropriação direta ou indireta, pelo contratado, do produto da exploração petrolífera e sem a inclusão dos riscos e resultados inerentes à atividade. Nesse sentido é que se tornou relativo em relação ao regime anterior, sem deixar, contudo, de caracterizar monopólio de atividade” (...) O monopólio de que se trata tornou-se relativo precisamente porque antes da EC 9/95 projetava-se, de modo amplo, sobre o produto da exploração petrolífera; ia, neste sentido, para além da atividade monopolizada; a ausência dessa projeção, no regime da EC 9/95, é que o torna relativo em relação ao regime anterior”. (...) Há mais, porém, a distinguir a propriedade afirmada pelo art. 176 da outra, que decorre do disposto no §1º do arigo 177. É que jazidas de petróleo ou de gás natural não são licitadas. O objeto da licitação, no caso, é a pesquisa e lavra inicialmente; apenas haverá propriedade de um ou outro se a pesquisa resultar frutífera. Na hipótese do artigo 176 há concessão da exploração de jazida. Aqui não. Haverá exploração apenas se um ou outro – petróleo ou gás natural; ou outro hidrocarboneto fluído – vier a ser encontrado.” Monopólio e privilégio A doutrina diferencia monopólio e privilégio. Monopólio é uma atividade econômica com reserva de mercado, uma vez que

só uma pessoa atual na exploração de determinado setor. É, por assim dizer, uma atividade econômica em sentido estrito, onde há detenção exclusiva do bem ou da atividade por uma só pessoa.

Privilégio ocorre quando há a prestação de serviços públicos exclusivamente por uma pessoa jurídica, em face da delegação do Poder Público, para os concessionários. É a delegação, do monopolizador, do direito de exploração do bem ou da atividade monopolizada a um ou alguns interessados.

Assim, o monopólio exclui os interessados, porque aquela determinada matéria está exclusivamente destinada para determinada pessoa. No Brasil, há monopólio estatal, com exclusão de todos os outros, para a União, naquelas matérias ditas no art. 21, além daquelas ditas no art. 177. No privilégio, o monopolizador – no caso, a União -, pode delegar para este ou para aquele, ou para este e aquele, daí porque pode não haver exclusividade.

Esta diferença existe porque no privilégio, uma empresa particular recebe a delegação do Poder Público para atuar em determinado setor que necessariamente haverá consumo da sua prestação de serviços. É o caso, por exemplo, da concessão das rodovias para exploração particular. O privilégio aqui se dará pelo fato de que, necessariamente, esta empresa terá sua prestação de serviço totalmente resguardada, não havendo como sentir falta de mercado de consumo. No caso, não há um monopólio, mas sim um privilégio mercadológico inevitável.

Assim, todas as hipóteses em que há monopólio estatal, em função da determinação constitucional (veja art. 21, em relação à União, como é o caso dos serviços de telecomunicações, serviços e instalações de energia elétrica e aproveitamento elétrico do curso de água, transporte ferroviário e portos marítimos), poderá o monopolizador (in caso a União), delegar a prestação de serviços para um particular, que terá o privilégio de entrar em um mercado consumidor otimizado e inevitável.

Via de regra, o privilégio é essencialmente mercadológico. É dizer: o privilégio que o particular terá, em função de receber a delegação do Poder Público, se circunscreve ao fato de que receberá um mercado consumidor imenso e inevitável, daí a razão do §2º do art. 173 da CF (“As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”).

Entretanto, o privilégio poderá ser outro, quando o delegado não exercer uma atividade estritamente econômica, e sim uma atividade de prestação de serviços público, porque, neste caso, o privilégio poderá ser legal, além do privilégio mercadológico. É o que ocorre, por exemplo, com a Empresa de Correios e Telégrafos, que tem o privilégio mercadológico de atuar em um mercado consumidor inevitável para sua prestação de serviços, mas também tem o privilégio próprio de uma prestação de serviço público, como é o caso da imunidade tributária recíproca e da impenhorabilidade de seus bens. Quando o delegado, então, não tem uma atividade estritamente econômica, isto é, não presta serviços próprios das empresas particulares porque presta serviços públicos, aplica-se a ela o privilégio de ser prestadora de serviço público, não tendo incidência o §2º do art. 173 da CF/88.

É comum afirmar que o privilégio só pode ser concedido por quem tem o monopólio, o que é até natural (a União, tendo o monopólio do serviço postal, cf. Art. 21, X, CF/88, poderia, como fez, delegar esta missão à ECT).

Merece destaque o alerta de Celso Antônio Bandeira de Melo (Curso de Direito Administrativo, p. 627): entende ele que as atividades monopolizadas não se confundem com os serviços públicos, porque são “serviços governamentais” sujeitos às regras do Direito Privado. Estes serviços governamentais são atividades econômicas subtraídas do âmbito da livre iniciativa, de modo que as pessoas jurídicas criadas pelo Estado, para desenvolvê-las, não serão prestadoras de serviço público, não sendo possível a concessão de benefícios e incentivos não estendidos às outras empresas particulares.

Como se vê, há uma ligação muito forte entre o privilégio e o que Celso Bastos chama de “serviços governamentais”.

Princípios e fundamentos da ordem econômica

O artigo 170 é bem claro ao distinguir fundamentos e princípios da atividade

econômica que, portanto, não devem ser confundidos. Fundamentos são dois: 01) valorização do trabalho humano; e 02) livre iniciativa. Princípios são nove: 01) soberania nacional;

02) propriedade privada; 03) função social da propriedade; 04) livre concorrência; 05) defesa do consumidor; 06) defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; 07) redução das desigualdades regionais e sociais; 08) busca do pleno emprego; 09) tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

A respeito de tais fundamentos e princípios, cabem os seguintes e objetivos comentários.

Os fundamentos da ordem econômica revelam o caráter compromissório da Constituição de 1988, porque mais uma vez tenta conciliar valores que seriam, em tese, inconciliáveis. A intenção é que a livre iniciativa não descambe para o lucro exagerado e a exploração do trabalho humano, porque o resultado dos empreendimentos lucrativos deve ser a justiça social, havendo aí um compromisso de índole constitucional de que deve haver harmonia e integração entre os valores. Esta harmonia faz parte do sistema constitucional, como se vê do art. 7º, inciso IV, que prevê salário mínimo para dar vazão a todas as necessidades do homem, valorizando seu trabalho, inciso VI, que prevê salário nunca inferior ao mínimo, para quem recebe remuneração variável, e inciso XI, que garante a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, independentemente do valor atribuído à remuneração, inclusive com possibilidade de participação na gestão da própria empresa, nos termos da lei.

O princípio da soberania nacional na ordem econômica significa que o Brasil

pode e deve estabelecer sua política econômica analisando apenas os interesses brasileiros, sem interferência de outros países economicamente mais fortes. Não há intenção de rechaçar investimentos estrangeiros, ou acicatar xenofobia, até porque a CF/88 vem sendo modificada para abrir as portas jurídicas para o investimento externo, inclusive para acabar com o tratamento desigual que originalmente era feita entre empresa brasileira e empresa estrangeira (EC 06/95).

Esta Emenda Constitucional acabou, portanto, com qualquer tratamento diferenciado entre empresa nacional e estrangeira, não havendo base constitucional para tratamento favorecido às empresas com base no seu capital ou na nacionalidade do controlador.

Entretanto, há dúvida sobre a desconstitucionalização ou não do conceito de empresa nacional, isto porque tal conceito estava nos incisos I e II do art. 171, que foi integralmente revogado (dizia: “São consideradas: I – empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País; II – empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de

seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades”).

Alguns entendem que o conceito permanece na Constituição, em função da permanência do art. 170, IX e do §1º do art. 176. Assim não nos parece, porque, independentemente do tratamento favorecido que deve ser dado às empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país (art. 170, IX), e também independentemente da necessidade da pesquisa e da lavra de recursos minerais, e do aproveitamento dos potenciais hidráulicos, serem feitos por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país, o fato é pode haver empresa estrangeira de pequeno porte instalada no Brasil sob as condições da lei brasileira, e que aqui tenha sua sede e administração, e mesmo assim deverá receber tratamento diferenciado; da mesma forma, pode haver empresa estrangeira fazendo pesquisa e lavra de recursos minerais brasileiros, desde que seja constituída sob as leis brasileiras e tenha sua sede e administração no Brasil.

Por outro lado, o conceito de empresa nacional ou estrangeira não fica limitada apenas ao caso do favorecimento de empresa de pequeno porte e à exploração de recursos minerais, daí porque cabe à lei ordinária proceder ao conceito, e não mais à Constituição.

A reflexão sobre a propriedade privada tange-se ao fato de se saber se a sua função social é uma limitação ou é parte do seu conceito. Muitos entendem que a função social se insere no conceito de propriedade, tanto rural quanto urbana, porque não haveria como sustentar uma propriedade sem que ela tenha uma função social. A propriedade só seria efetiva se houvesse uma destinação social, daí porque o Estado poderá intervir caso tal destinação não exista. Nesse sentido, o inciso XXIII do art. 5º da CF/88 impõe a função social ao conceito de propriedade (“a propriedade atenderá a sua função social”), e o arts. 182, §2º, 185, parágrafo único, 186, trata de dizer quando a função social será atendida.

Entretanto, assim não nos parece. Não há como inserir a função social no conceito de propriedade, primeiro porque a função social pressupõe a existência da propriedade; segundo porque a Constituição garante a propriedade de forma autônoma, para só então, em momento posterior, impor à mesma a função social (art. 5º, XXII e XXIII; art. 170, II e III); terceiro, porque só pode haver desapropriação da propriedade, e o art. 184 impõe a desapropriação sobre a propriedade que não cumpre sua função social – é dizer: existe a propriedade mesmo sem sua função social; quarto, porque a função social é imposta para o proprietário, e não para a propriedade, pois aquele é quem deve tomar as providências para estar presente a função social da sua propriedade (a função social impõe uma obrigação de fazer ao proprietário, que deve exercer o direito de propriedade para beneficiar outrem, não cabendo se falar em obrigação de não fazer, como se fosse possível quedar-se inerte no exercício da propriedade para não prejudicar ninguém; hoje em dia, a Constituição impõe uma obrigação de fazer, e não uma obrigação de não fazer).

Na verdade, a integração da função social no conceito jurídico-positivo existe, mas somente quando a propriedade é dotada de função social, e não existe quando ela é dotada de função individual. Explica-se esta situação porque a doutrina diferencia a propriedade com função individual da propriedade com função social. Seguem as palavras de Eros Grau e Fábio Konder Comparato:

“O segundo ponto a prontamente salientar está relacionado à circunstância de a Constituição de 1988, no Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, art. 5º, XXII e XXII, sucessivamente ter prescrito que ´é garantido o direito de propriedade´ e ´a propriedade atenderá a sua função social´. Neste art. 5º, no entanto – note-se -, a propriedade é tratada como direito individual(...). (...)

A propriedade – observa Fábio Konder Comparato - ´sempre foi justificada como modo de proteger o indivíduo e sua família contra as necessidades materiais, ou seja, como forma de prover à sua subsistência. Acontece que na civilização contemporânea, a propriedade privada deixa de ser o único, senão o melhor meio de garantia da subsistência individual ou familiar. Em seu lugar aparecem, sempre mais, a garantia de emprego e salário justo e as prestações sociais devidas ou garantidas pelo salário justo e as prestações sociais devidas ou garantidas pelo Estado, como a previdência contra os riscos sociais, a educação e a formação profissional, a habitação, o transporte, e o lazer´ Aí, enquanto instrumento a garantir a subsistência individual e familiar – a dignidade da pessoa humana, pois - a propriedade consiste em um direito individual e, iniludivelmente, cumpre função individual. Como tal é garantida pela generalidade das Constituições de nosso tempo, capitalistas e, como vimos, socialistas. A essa propriedade não é imputável função social; apenas os abusos cometidos no eu exercício encontram limitação, adequada, nas disposições que implementam o chamado poder de polícia estatal. Aqui se cogita, portanto, de uma propriedade distinta daquela(s) outra(s) afetada(s), em sua(s) raiz(es), pela função social. Daí porque a afirmação da sua função social, no art. 5º, XXII, não se justifica. Note-se inclusive que a desapropriação por utilidade pública, explicitada no inciso XXIV deste mesmo art. 5º, é distinta da desapropriação por interesse social, aí também consignada e, mais ainda, no §4º, III, do art. 182 e no art. 184 da Constituição. Por se tratar de propriedade com função individual, aliás, é que o art. 185, I, define como insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária (mas não por razões de utilidade pública ou por outro motivo de interesse social) a pequena e a média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra. (...) Posso assim, sopesando as ponderações que venho desenvolvendo, concluir que fundamentos distintos justificam a propriedade dotada de função individual e propriedade dotada de função social. Encontra justificação, a primeira, na garantia, que se reclama, de que possa o indivíduo prover a sua subsistência e de sua família; daí por que concorre para essa justificação a sua origem, acatada quando a ordem jurídica assegura o direito de herança. Já a propriedade dotada de função social, é justificada pelos seus fins, seus serviços, sua função. (...) Essa a razão pela qual anteriormente afirmei que a afetação de propriedade – não de todas elas, que algumas, como vimos, são dotadas de função individual – por função social importa não apenas o rompimento da concepção, tradicional, de que a sua garantia reside em um direito natural, mas também a conclusão de que, mais do que meros direitos residuais (parcelas daquela que em sua totalidade contemplava-se no utendi fruendi et abutendi, na plena in re potestas), o que atualmente divisamos, nas propriedades impregnadas pelo princípio, são verdadeiras propriedades-função social e não apenas, simplesmente, propriedades. O princípio da função social da propriedade, desta sorte, passa a integrar o conceito jurídico-positivo de propriedade (destas propriedades), de modo a determinar profundas alterações estruturais na sua interioridade. Em razão disso – pontualizo – é que justamente a sua função justifica a legitima esta propriedade” (Eros Roberto Grau, opus citado, pp. 232-246)

A respeito da livre concorrência, lembro que ela deve ser limitada pela atuação

do Estado, daí porque a Constituição enfatiza que “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (art. 173, §4º) e que “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.

Interessante notar que a CF/88 autoriza o Estado a combater o desvirtuamento da livre concorrência utilizando-se da tributação específica, isto por obra da EC 42/2003, que acrescentou o art. 146-A, nestes termos: “Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”.

A atuação do Estado sempre deve vir em prol da livre concorrência, para que não ocorra um desvirtuamento dela. Tal atuação já foi referenciada alhures, na atenção dada à Lei 8.884/94.

O princípio da defesa do consumidor é um princípio constitucional impositivo, verdadeira norma-objetivo dotada de caráter constitucional conformador. É direito fundamental (art. 5º, XXXII) e ao mesmo tempo difuso (Lei 7.347/85, art. 1º, II). Este princípio torna legítimo todas as regras do Código de Defesa do Consumidor, quando parte da premissa de que o consumidor é hipossuficiente em relação às empresas, havendo inclusive decisão do STF que estende o CDC aos bancos (ADI 2591/DF)

O princípio da defesa do consumidor é tão importante que a própria Constituição estendeu sua defesa na relação inevitável com a tributação do Estado, daí porque o §5º do art. 150 dispõe: “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.”

A inserção da defesa do meio ambiente como princípio da atividade econômica, dá ao legislador infraconstitucional toda a possibilidade de limitar a atividade empresarial que atenta contra o meio ambiente. O legislador, então, deverá estar atento para o custo ambiental da atividade econômica, especialmente para saber se tal atividade prejudicará a manutenção do meio ambiente para as pressentes e para as futuras gerações (art. 225, “caput”). O legislador deverá estar atento, então, ao desenvolvimento sustentável, é dizer: deve garantir o desenvolvimento da nação, dando liberdade ao empresariado para fazer valer o empreendedorismo e a livre iniciativa, mas o desenvolvimento deve se sustentar com perenidade, e para tanto, só respeitando o meio ambiente, de onde surgem as matérias primas para fazer movimentar a economia.

O próprio art. 170, VI, prevê a possibilidade de tratamento tributário diferenciado para empresas que trabalham com maio impacto ambiental. Seria possível, então, que o legislador infraconstitucional estipulasse alíquotas mais altas para empresas que não tenham alguma espécie de selo, que garante a sua atuação longe dos prejuízos ao meio ambiente, assim como a estipulação de uma contribuição de intervenção no domínio econômico para empresas poluidoras.

Em relação ao princípio inserto no art. 170, VII (redução das desigualdades regionais e sociais) e VIII (busca do pleno emprego), vê-se que são mais objetivos do que propriamente princípios.

A redução das desigualdades fiscais pode ser implementada, ou atiçada, pela intervenção do incentivo fiscal, previsto no art. 151, I, considerada a clara desigualdade de industrialização e de desenvolvimento que existe nas regiões brasileiras. Lembre-se que a intervenção indireta do Estado na economia, que não é excepcional, se dá, além do planejamento e da fiscalização, pelo incentivo (indução).

Tanto a redução das desigualdades regionais e sociais, como a busca do pleno emprego, são objetivos que devem ser buscado tanto pelo Estado quanto pela iniciativa particular. De modo geral, os princípios norteadores da atividade econômica limitam e impõem condutas ao Estado e também ao empresariado.

O art. 170, inciso IX, faz uma exceção ao princípio da igualdade, ao possibilitar tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Na verdade, a CF/88 é toda ela cheia de exceções a tal princípio isonômico, como se vê do art. 179 (“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”), o art. 146, III, alínea “c” e “d” (“Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239”) e art. 174, §2º (“A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo”).

O Estado pode planificar a economia? O parágrafo único do art. 170 diz o seguinte: “É assegurado a todos o livre

exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

Este dispositivo constitucional afasta, por completo, qualquer tentativa do Estado de planificar a economia, isto é, estabelecer o modo de operação dos agentes econômicos, além de fixar a quantidade de investimento e o local e a matéria onde deverão aplicar tais investimentos e os esforços para retirar o lucro. É dizer: o Estado não pode enquadrar a atuação dos empresários, porque eles têm ampla liberdade para atuar onde bem entendem e na melhor forma que entenderem.

O que o Estado poderá fazer é incentivar e limitar, por meios indiretos, a atuação dos agentes econômicos desta ou daquela maneira, nesta ou naquela matéria, neste ou naquele lugar; não pode, então, determinar, mas pode incentivar e limitar.

A atuação de incentivo e limitação se faz por diversos meios, como é o caso da tributação (tributa-se, por exemplo, com alta carga, a fabricação de cigarros, para que as empresas não atuem neste setor, mas isto não impede a atuação), e também o fomento (concede-se incentivos fiscais, diminuindo e até chegando mesmo a isentar, o empresário que atuar em determinada área).

Como se viu anteriormente, a planificação é típica do sistema centralizado, daí porque é chamado de “sistema de autoridade”, ao contrário do sistema descentralizado, adotado no Brasil.

Evidente que planificação não se confunde com fiscalização. Apesar do Estado não poder utilizar a fiscalização para impor, de modo disfarçado, uma planificação da economia, também não pode deixar de atuar em determinado setor para controlar o empreendimento que não se adapta às regras legais que privilegiam o bem-estar geral e o interesse público. Para se saber se o Estado está agindo de modo disfarçado, para impor uma planificação por meio de fiscalização, a regra básica é conhecer a exigência que está sendo feita: se esta exigência é feita para todos que atuam naquela área, indistintamente, não haverá aí uma atuação irregular; se, ao contrário, houver evidências fortes de que está se exigindo algo a mais, ou a menos, do que se exige para os demais, o comportamento estatal será irregular.

Saber se o comportamento geral exigido para todos é uma planificação, é questão que se resolve pela compatibilidade constitucional. Exemplos já foram citados: exigir que as farmácias só funcionem em determinados horários, assim como a exigência de que Bancos tenham bebedouros e banheiros, não atenta contra a livre concorrência, mas a exigência de que as farmácia guardem distância mínima uma das outras, é um atentado contra tal liberdade concorrencial.

Um outro exemplo ocorre quando o Estado, sabendo que determinado setor está super concorrido, tenta incentivar que as empresas atuem em outro setor, que geralmente não atraem empresas e, até, pode atuar diretamente neste setor pouco atrativo, se isto for interessante para os imperativos da segurança nacional ou relevante para o interesse coletivo. Todavia, nada impede que capacidade de empreendimento do agente econômico suplante as dificuldades e invista, mesmo assim, na área já super concorrida, mesmo sem incentivos do Estado.

Serviço público. Corrente essencialista, corrente formalista e prestação

centralizada, descentralizada, direta e indireta. Como se sabe, o Estado é um prestador de serviços, daí porque o art. 175 da

CF/88 estabelece que “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

Entretanto, o que vem a ser “prestação de serviços públicos”? Aliás, o que se pode denominar de “serviço público”?

A corrente essencialista entende que serviço público é aquilo que, essencialmente, o caracteriza como tal. Não há necessidade de definir o que é e o que não é serviço público, porque tal serviço se revela naturalmente em razão da sua própria natureza. Esta caracterização essencialista do serviço público o submete, também naturalmente, ao regime jurídico próprio dos serviços públicos, e não ao regime jurídico próprio para serviços particulares.

A corrente formalista, por outro lado, entende que o serviço público não é identificado naturalmente, e é até comum, na prática, haver confusão entre serviço público e serviço particular. O fato é que, para esta corrente, não é possível identificar todos os serviços públicos naturalmente, daí porque a lei e a Constituição é que deve determinar o que é serviço público; é dizer: deve haver uma formalização normativa de que determinada atividade deve ser prestada sob o regime de serviço público.

A CF/88, ao definir as questões monopolizadas (art. 177 e art. 21), e determinar que a lei defina a atuação direta do Poder Público e estabeleça o regime das empresas concessionárias e permissionárias dos serviços públicos e o caráter especial do seu contrato (art. 175), além impor que a mesma lei formal defina quais são os casos de imperatividade para a segurança nacional e relevância para o interesse coletivo, possibilitando a exploração direta da atividade econômica pelo Estado (art. 173), evidentemente que adotou a corrente formalista. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo, 20ª edição, Atlas, 2007, pp. 89/90), diz, com clareza: “é o Estado, por meio da lei, que escolhe quais as atividades que, em determinado momento, são consideradas serviços públicos; no direito brasileiro, a própria Constituição faz essa indicação nos artigos 21, inciso X, XI, XII, XV e XXIII, e 25, §2º, alterados, respectivamente, pelas Emendas Constitucionais 8 e 5, de 1995; isto exclui a possibilidade de distinguir, mediante critérios objetivos, o serviço público da atividade privada; esta permanecerá como tal enquanto o Estado não a assumir como própria”

Mas o Estado presta todos os serviços públicos? Não. Costuma-se fazer a seguinte distinção: quando o Estado, ou uma de suas

criaturas descentralizadas (autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas), prestam o serviço, a prestação é chamada de prestação direta de serviço público; quando o Estado transfere a prestação de serviço para uma empresa particular, mediante

outorga, concessão ou permissão, a prestação é chamada de prestação indireta de serviços públicos (o Estado não perde a titularidade dos serviços, que são públicos, mas o transfere para que particulares o executem em determinado período).

Daí porque boa parte da doutrina chama de serviço público aquele que é instituído mantido e executado pelo Estado, por meio de suas entidades e órgãos, sempre no objetivo de atender aos seus próprios interesses, que é, em suma, satisfazer as necessidades públicas; e chama de serviço de interesse público aquele que, embora instituído em benefício público, são objeto de outorga a empresas particulares, que os exploram, mas que estão submetidas à fiscalização do Estado, que é o verdadeiro titular do serviço (serviços de telefonia, transporte público, geração e distribuição de energia elétrica, fornecimento de água encanada etc.).

Quando os serviços são prestados pela Administração Direta (pelos órgãos do Poder Público, que não tem personalidade jurídica própria, como é o caso dos Ministérios e Secretarias), a prestação diz-se centralizada, porque ocorre apenas a desconcentração; quando os serviços são prestados pela Administração Indireta (pelas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, que têm personalidade jurídica próprias), a prestação diz-se descentralizadas.

É comum a afirmação de que apenas é possível a prestação descentralizada e a prestação indireta de serviços públicos, para aqueles serviços públicos que contêm mensuração econômica, não sendo possível no caso de serviços públicos que não têm esta mensuração, como é o caso da prestação de jurisdição, serviços de segurança pública e nacional, diplomacia, legislatura, assim como os serviços prestados pelo Ministério Público, Defensoria Pública e Advocacia Pública (Funções Essenciais à Justiça).

O regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, de que trata o inciso I do parágrafo único do art. 175 da CF/88, é a Lei 8.987/95. Mas há outra lei, como é o caso da Lei 9.074/95 que, inclusive, estipula questões interessantes, como, por exemplo:

a) obrigação de sujeição ao regime de concessão ou permissão, as obras e serviços relacionados a a.1) vias federais, precedidas ou não da execução de obra pública; a.2) exploração de obras ou serviços federais de barragens, contenções, eclusas, diques e irrigações, precedidas ou não da execução de obras públicas; a.3) estações aduaneiras e outros terminais alfandegados de uso público, não instalados em área de porto ou aeroporto, precedidos ou não de obras públicas;

b) vedação ao Poder Público de executar obras e serviços públicos por meio de concessão e permissão de serviço público sem lei que lhes autorize ou fixe os termos, ficando dispensada esta lei específica nos casos de saneamento básico e limpeza urbana, além, obviamente, dos casos ditos na Constituição Federal, na Constituição Estadual e nas Leis Orgânicas dos Municípios. Isto quer dizer que, a partir da publicação da Lei 9.074/95, haverá sempre que existir uma lei autorizando a concessão e a permissão para que o Poder Público repasse algum serviço público para o particular, mediante concessão e permissão, não podendo mais ser baseados os repasses na Lei 8.987/95 (ressalva apenas aos procedimentos já iniciados com base na Lei 8.987, até a Lei 9.074, isto é, iniciados no período de 14.02.1995 a 08.07.1995);

c) independe de permissão, autorização ou concessão o transporte de cargas pelos meios rodoviários e aquaviário;

d) independente de permissão ou concessão (depende de autorização, portanto), o transporte aquaviário, de passageiros, que não seja realizado entre portos organizados, o rodoviário e aquaviário de pessoas, realizado por operadoras de turismo no exercício dessa atividade e o de pessoas, em caráter privativo de organizações públicas ou privadas, ainda que em forma regular.