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A INDAGAÇÃO DO SER OU AUTO-INDAGAÇÃO (VICHARASANGRAHAM) BHAGAVAN SRI RAMANA MAHARSHI

Auto - Ingagação

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A INDAGAÇÃO DO SER OU AUTO-INDAGAÇÃO (VICHARASANGRAHAM)

BHAGAVAN SRI RAMANA MAHARSHI

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A INDAGAÇÃO DO SER (OU AUTOINDAGAÇÃO)

Uma nova tradução do

DR T. M. P. MAHADEVAN, M.A., Ph.D. do original Tâmil

PUBLICADO POR V. S. RAMANAN

Presidente do Conselho Administrativo SRI RAMANASRAMAM TIRUVANNAMALAI SUL DA ÍNDIA

Sri Ramanasramam Oitava edição 1971 Nona edição 1981 Décima edição 1990 Re-impresso 1994

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INTRODUÇÃO

A presente obra em prosa consiste de quarenta perguntas e respostas que cobrem toda a série de disciplinas espirituais requeridas para obter a liberação (moksha). O autor das questões foi Gambhiram Seshayya, um dos primeiros devotos de Bhagavan Sri Ramana Maharshi. Trabalhava como supervisor municipal em Tiruvannamalai em torno de 1900. Além de ser um ardente Ramabhakta (adorador de Rama1), estava interessado no estudo e na prática do Yoga. Costumava ler as conferências do Swami Vivekananda sobre os diferentes tipos de yoga, e também uma tradução inglesa do Rama-gita2. Para solucionar as dificuldades que encontrava quando estudava estes livros e nas suas práticas espirituais, ia visitar Bhagavan Sri Ramana de tempos em tempos. Bhagavan, que tinha apenas vinte e um anos de idade, estava vivendo, então, na gruta Virupaksha nas colinas de Arunachala. Como naquela época guardava silêncio, não por qualquer voto que tivesse feito, mas porque não se sentia inclinado a falar, escreveu suas 1 Rama (em devanágari: राम), na mitologia hindu, é considerado um dos avatares do deus

Vishnu. A ele é dedicado o poema sagrado Ramáiana, que juntamente com o Mahabhárata compôem as mais respeitadas narrativas históricas (Itihasas) da cultura védica. (Wikipédia em Abril de 2011) 2 O texto, popularmente conhecido como Sri Rama Gita, é também frequentemente descrito como sruti-sara-sangraha, um breve resumo da verdadeira essência de todos os Vedas, composto de sessenta e dois versos ditos pelo Senhor Rama ao seu devotado irmão Lakshman. (http://www.astrojyoti.com/ramagita.htm em Abril de 2011) (notas do tradutor)

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respostas às perguntas de Seshayya em pedaços de papel. Estes escritos, que abarcam o período de 1900-1902, foram copiados mais tarde por Seshayya em um caderno de anotações. O material recolhido foi assim publicado pelo Sri Ramanasramam sob o título de Vichara-sangraham, que literalmente significa “Um Compêndio da Auto-indagação”. Um resumo do ensinamento contido nesta obra foi impresso posteriormente em inglês com o título de Self-Enquiry. Nessa versão inglesa foram omitidas as perguntas e foi deixada a parte essencial do ensinamento de Bhagavan, organizada em doze curtos capítulos com seus títulos apropriados. A presente tradução inglesa foi feita a partir do texto original completo do Vichara-sangraham, tal como está na língua tâmil. O Vichara-sangraham tem um valor único no sentido de que se constitui como o primeiro conjunto de instruções dadas por Bhagavan através do seu próprio punho e letra.

Um estudo cuidadoso das instruções dadas aqui, por Bhagavan, nos revelará que elas se baseiam em sua própria e plena experiência, como confirmam as referências aos textos sagrados que foram submetidos à sua atenção pelos primeiros devotos, e que ele examinou com o propósito de esclarecer as dúvidas que surgiam em suas mentes. No transcorrer de suas instruções, Bhagavan faz uso de expressões como

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“as escrituras declaram”, “assim dizem os sábios”, etc.; também cita passagens de textos como o Bhagavad-gita e o Vivekachudamani, e em uma ocasião menciona o nome do Ribhu-gita3. No entanto, fica muito evidente que estas citações são oferecidas apenas como confirmações da verdade descoberta pelo próprio Bhagavan em sua particular experiência.

O ensinamento básico é o do Vedanta-Advaita. A plena experiência do Ser é a meta; a indagação sobre a natureza do Ser é o meio. Quando a mente identifica o Ser com o não-ser (o corpo, os pensamentos, etc.), há escravidão; quando esta falsa identificação é eliminada através da indagação “Quem sou Eu?”, ocorre a liberação. Assim, portanto, a Auto-indagação é o método direto ensinado por Bhagavan Ramana. A

3 Bhagavad-Gita: (em sânscrito: भगव�ता, transl. Bhagavad Gītā, "Canção de Deus") é um

texto religioso hindu. Faz parte do épico Mahabhárata, embora seja de composição mais recente que o todo deste livro. Na versão que o inclui, o Mahabhárata é datado no Século IV a.C.. O texto, escrito em sânscrito, relata o diálogo de Krishna (uma das encarnações de Vishnu) com Arjuna (seu discípulo guerreiro) em pleno campo de batalha. (Wikipédia em Abril de 2011)

Vivekachudamani: O Vivekachudamani (em sânscrito: �ववेकचूडाम�ण) é um famoso

trabalho de Adi Shankara (séc. IX A.C.), muito recomendado por Bhagavan Sri Ramana, que expõe a filosofia Advaita Vedanta, da não-dualidade. No Vivekachudamani, Shankara descreve o desenvolvimento de Viveka – a faculdade humana do discernimento – como a meta central na vida espiritual e a denomina como a ‘jóia suprema’ entre aquilo que é essencial para Moksha (Libertação). Uma tradução possível de Vivekachudamani é ‘Jóia Suprema do Discernimento’. (Wikipédia em Abril de 2011) Ribhu-Gita: O Ribhu Gita, literalmente “a Canção de Ribhu”, é a sexta parte do Shiva Rahasya, um texto místico legendário da Índia. Diz-se que o inteiro Ribhu Gita representa o ensinamento dado ao Sábio Ribhu pelo próprio Deus na forma do Senhor Shiva, o aspecto sem forma da atividade Divina, em quem todos os seres e coisas estão sempre já absorvidos. Bhagavan Sri Ramana Maharshi atribue um valor único a esta lúcida exposição da Suprema Verdade. (http://www.nonduality.com/1100rg.htm em Abril de 2011) (nota do tradutor)

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experiência “eu” é comum a todas as pessoas. De todos os pensamentos, o pensamento “eu” é o primeiro que surge. O que se deve fazer é indagar sobre a fonte do pensamento “eu”. Este é o processo inverso daquele que ordinariamente acontece na vida da mente. A mente indaga sobre a constituição e a origem de todas as coisas que, submetidas a exame, se verifica que surgem da sua própria projeção; ela não reflexiona sobre si mesma nem segue seu próprio rastro até sua fonte. O descobrimento do Ser pode ser obtido dando um giro na mente para dentro. Isso não deve ser confundido com a introspecção da qual falam os psicólogos. A Auto-indagação não é a inspeção feita pela mente dos seus próprios conteúdos; é a perseguição ao rastro do primeiro modo da mente, o pensamento “eu”, até a sua Fonte, que é o Ser.

Quando há uma adequada e persistente indagação, o pensamento “eu” também cessa e ocorre a iluminação sem palavras na forma “Eu-Eu”, que é consciência pura. Isto é liberação, a liberação da escravidão. O método pelo qual isto é obtido, como já foi mostrado, é a indagação, que no Vedanta, chama-se jnana, conhecimento. A devoção (bhakti), a meditação (dhyana) e a concentração (yoga) são idênticas a ele.

Como Bhagavan esclarece perfeitamente, não esquecer a plena experiência do Ser é a verdadeira devoção, o controle mental, o

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conhecimento e todas as demais austeridades. Na linguagem da devoção, a meta final pode ser descrita como a dissolução da mente em sua fonte, que é Deus, o Ser. Na linguagem do yoga técnico, pode-se descrevê-la como a dissolução da mente no lótus do Coração. Estas são só diferentes maneiras de expressar a mesma verdade.

O método da Auto-indagação parece difícil àqueles que não adquiriram a competência necessária para ele. A mente deve, antes, ser purificada e bem controlada. Isto é feito através da meditação. Assim, pois, os diferentes métodos, em seus sentidos secundários, são auxiliares ao método direto que é a Auto-indagação. Neste contexto, Bhagavan refere-se a três graus de aspirantes: o mais alto, o médio e o mais baixo. Para os aspirantes de tipo mais alto, o método prescrito é a indagação Vedanta; através deste método, a mente torna-se quieta no Ser e, finalmente, cessa de existir, deixando, resplandecente e sem mancha, apenas a pura experiência do Ser. O método para o aspirante médio é a meditação no Ser; a meditação consiste em dirigir um fluxo contínuo da mente em direção a um único objeto; existem modos diversos de meditação; o melhor modo é aquele da forma “Eu sou o Ser”; eventualmente, este modo culmina na realização do Ser. Para o tipo de aspirante mais baixo, a disciplina que se faz útil é o controle

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respiratório que, por sua vez, leva ao controle da mente.

Bhagavan explica assim a diferença entre jnana-yoga (o caminho do conhecimento) e dhyana-yoga (o caminho da meditação): jnana é como amansar um touro obstinado persuadindo-lhe com capim fresco, enquanto que dhyana é como controlá-lo usando a força. Assim como na dhyana-yoga existem oito divisões, também existem oito divisões no jnana-yoga. As divisões deste último estão mais próximas da etapa final do que aquelas do primeiro. Por exemplo, enquanto que o pranayama do yoga técnico consiste em regular e conter a respiração, o pranayama que pertence ao jnana consiste em rejeitar o mundo dos nomes e formas, que não é real, e em realizar o Real, que é Existência – Consciência - Felicidade.

A realização do Ser pode ser obtida nesta vida atual. Na verdade, a realização do Ser não é algo que tenha que ser obtido como se fosse novo. Nós já somos o Ser; só o Ser é. É a ignorância que nos faz imaginar que não realizamos o Ser. Quando esta ignorância é eliminada através do Autoconhecimento realizamos nossa eterna Auto-natureza. Aquele que obteve esta realização é chamado jivan-mukta (liberado em vida). Para os outros, pode parecer que ele continua arrendado a um corpo. Diz-se que, para o beneficio destes outros, o corpo continuará enquanto dure o

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resíduo do prarabdha-karma (esse carma do passado que começou a frutificar na forma do corpo atual), e que, quando o impulso exaurir-se, o corpo irá morrer e o jivan-mukta se tornará um videha-mukta. Porém, do ponto de vista da verdade absoluta não existe nenhuma diferença em mukti. O que há de se compreender, é que mukti ou a liberação é a natureza inalienável do Ser. Isso, em essência, é o ensinamento de Bhagavan Sri Ramana no Vicharasangraham.

Universidade de Madras, 15 de Novembro de 1965.

Nota à Oitava Edição

A primeira edição que encontrei desta obra, na forma de pergunta-resposta, é datada de 1930, e foi publicada por A. Shivalinga Mudaliar e V. Subrahmanya Achari, e impressa pela Saravana Bava Press, Madras. O prólogo, escrito por Muruganar, vem com a data de 16 de junho de 1930. Neste prólogo é mencionado que foi Natanananda que editou o trabalho na forma de pergunta-resposta. No seu prefácio, Natanananda observa que o trabalho contém os ensinamentos dados por Bhagavan Ramana a Gambhiram entre os anos de 1901-1902. Foi neste formato de pergunta-resposta que se incluiu o trabalho nas

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“Obras Coletadas” em tâmil, nas suas primeiras edições, publicadas pelo Asraman. Na terceira edição publicada em 1940, assim como nas posteriores, Auto-Indagação aparece na forma de um compêndio. Na nota de roda pé que existe no final da Nota dos Editores, afirma-se que a cópia manuscrita entregue pelo irmão de Gambhiram Seshayya foi editada por Shivaprakasam Pilai, e organizada na forma de pergunta-resposta por Natanananda.

Madras, 18 de Janeiro de 1971.

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A INDAGAÇÃO DO SER OU AUTOINDAGAÇÃO (VICHARASANGRAHAM)

POR

BHAGAVAN SRI RAMANA MAHARSHI

INVOCAÇÃO

Existe alguma forma de adorar o Supremo, que é tudo, exceto permanecendo

firmemente como “este”!?

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Discípulo: Mestre! Qual é o meio de obter o estado de felicidade eterna, sempre isento de miséria? Mestre: À parte da afirmação do Veda de que onde quer que haja corpo há miséria, essa é também a experiência direta de todas as pessoas; portanto, deve-se indagar sobre a verdadeira natureza de si próprio, que é sempre sem corpo, e deve-se permanecer como tal. Este é o meio de obter esse estado.

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D: O que significa dizer que temos que indagar sobre a nossa própria verdadeira natureza e compreendê-la? M: Experiências tais como “Eu fui; eu vim; eu era; eu fiz” vêm naturalmente a todos. Não é evidente, por estas experiências, que a consciência “eu” é o sujeito destes diferentes atos? Indagar sobre a verdadeira natureza dessa consciência, e permanecer como o próprio ser, é a maneira de compreender, através da indagação, a verdadeira natureza de si.

3

D: Como se deve indagar “Quem sou eu?”? M: As ações tais como “ir” e “vir” pertencem somente ao corpo. E assim, quando alguém diz: “Eu fui, eu vim”, isso equivale dizer que o corpo sou “eu”. Porém, pode ser dito que o corpo é a consciência “eu”, visto que o corpo não existia antes do nascimento, é feito dos cinco elementos, é não existente no estado de sono profundo e torna-se um cadáver quando morre? Pode ser dito que este corpo que é inerte como um tronco de madeira reluz como “Eu-Eu”? Por conseguinte, à consciência “eu” que primeiro surge em relação

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ao corpo a chamamos de diversos modos como auto-orgulho (tarbodham), ego4 (ahankara), ignorância (avidya), maya (o poder que une a mente ao corpo), impureza (mala) e alma individual (jiva). Podemos permanecer sem indagar sobre isto? Não é para a nossa redenção através da indagação que todas as escrituras declaram que a destruição do “auto-orgulho” é a liberação (mukti)? Assim, fazendo que o corpo-cadáver permaneça como um cadáver, e sem pronunciar sequer a palavra “eu”, deve-se indagar agudamente assim: “Agora, o que é que surge como “eu”?” Então, brilhará no Coração uma espécie de iluminação sem palavras, na forma “Eu-Eu”. Isto é, brilhará por si mesma a consciência pura que é ilimitada e una, uma vez desaparecidos os pensamentos limitados e múltiplos. Se alguém permanece quieto sem abandonar essa experiência, serão destruídos totalmente o ego, o sentido individual na forma “eu sou o corpo” e, finalmente, o pensamento final, isto é, a forma “eu” também será extinguida como o fogo que

4 Em inglês: Egoity (I-am-I-ness), ahamkara; traduzido pela palavra ‘ego’, referindo-a ao pensamento “eu” ou “eu-dade”; anterior, portanto, ao “egoísmo”. “A eu-dade humana é dual, mas egoity deveria significar individualidade, não personalidade. A característica da individualidade é eu-dade ou a raiz essencial da eu-sou-dade, enquanto que a característica da personalidade é o egoísmo, a débil sombra da eu-dade embriagada com o senso de sua própria e exclusiva importância no mundo. Além disso, eu-dade e egoísmo são agudamente distintos da individualidade essencial; paradoxalmente, quanto mais forte a idéia de individualidade essencial no ser humano, menor é aquela de eu-dade e menos ainda aquela de egoísmo, pois mesmo a eu-dade é um reflexo, ainda que sutil, da individualidade espiritual, que reconhece sua unidade com o Todo. (http://www.babylon.com/definition/Egoity/English em Maio de 2011) (nota do tradutor)

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queima a cânfora5. Os grandes sábios e as escrituras declaram que somente isso é a liberação.

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D: Quando se investiga na raiz do “auto-orgulho”, que está na forma “eu”, parece surgir toda espécie de inumeráveis pensamentos diferentes; e nenhum pensamento “eu” separado. M: Apareça ou não o caso nominativo, que é o primeiro caso, as frases nas quais aparecem os outros casos têm como sua base o primeiro caso. De modo similar, todos os pensamentos que aparecem no coração têm como sua base o ego, que é o primeiro modo mental “eu”, a cognição da forma “eu sou o corpo”; assim, portanto, o surgimento do ego é a causa e a fonte do surgimento de todos os demais pensamentos; e, portanto, se o auto-orgulho na forma de ego, que é a raiz da árvore ilusória do samsara (escravidão que consiste na transmigração), é destruído, todos os demais pensamentos perecerão completamente como uma árvore arrancada. Diante de quaisquer pensamentos que surjam como obstáculo ao próprio sadhana (disciplina espiritual), não se deve permitir que a mente siga na direção deles, mas deve-se fazê-la permanecer

5 Isto é, sem deixar nenhum sedimento.

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no próprio ser que é o Atman; deve-se permanecer como testemunha de qualquer coisa que aconteça, adotando a atitude: “Quaisquer coisas estranhas que aconteçam, que aconteçam, vejamos!” Esta deve ser a prática de uma pessoa. Em outras palavras, ela não deve identificar-se com as aparências; ela não deve abandonar seu próprio ser. Este é o meio adequado para a destruição da mente (manonasa), que possui a natureza de ver o corpo como sendo o ser, e que é a causa de todos os obstáculos já mencionados. Este método, que destrói facilmente o ego, merece ser chamado de devoção (bhakti), meditação (dhyana), concentração (yoga) e conhecimento (jnana). Devido a Deus permanecer como a natureza do Ser, brilhando como “Eu” no coração, e devido às escrituras declararem que o próprio pensamento é escravidão - devido a isto - a melhor disciplina é permanecer quieto sem nunca esquecê-Lo (Deus, o Ser), depois de dissolver a mente, que está na forma do pensamento “eu”, Nele; sem se importar através de que meios. Este é o ensinamento conclusivo das Escrituras.

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D: É a indagação o único meio para a eliminação da falsa crença da identidade de si no corpo grosseiro, ou é também o meio para a eliminação

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da falsa crença da identidade de si nos corpos sutil e causal? M: É no corpo grosseiro onde subsistem os outros corpos. Na falsa crença da forma “eu sou o corpo” estão incluídos os três corpos, que consistem nas cinco envolturas. A destruição da falsa crença da identidade de si no corpo grosseiro é, ela própria, a destruição da falsa crença da identidade de si nos outros corpos. Assim, portanto, a indagação é o meio para a eliminação da falsa crença da identidade de si nos três corpos.

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D: Na medida em que existem diferentes modificações do órgão interno, a saber, manas (reflexão), buddhi (intelecto), chitta (memória) e ahankara (ego), como pode ser dito que só a destruição da mente é libertação? M: Nos livros que explicam a natureza da mente se afirma isto: “A mente é formada pela combinação da porção sutil do alimento que comemos; cresce com as paixões tais como o apego e a aversão, o desejo e a raiva; sendo um agregado da mente, do intelecto, da memória e do ego, recebe o nome coletivo singular de “mente”; as características que assume são o pensamento, a determinação, etc.; desde que é um objeto da

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consciência (o ser), é aquilo que é visto e é inerte; e muito embora seja inerte, parece como se fosse consciente por causa da associação com a consciência (como uma bola de ferro vermelha e quente); é limitada, não eterna, partida e mutável como a cera, o ouro, a chama da vela, etc.; é da natureza de todos os elementos (de existência fenomênica); seu lugar é o lótus do coração, o mesmo que os lugares dos sentidos da visão, etc., são os olhos, etc.; (a mente) é o suplemento da alma individual que, pensando em um objeto, transforma a si mesma em um modo e flui, junto com o conhecimento que está no cérebro, através dos cinco canais dos sentidos, se une aos objetos por meio do cérebro (que está associado com o conhecimento), e assim conhece e experimenta os objetos e obtém a satisfação. Essa substância é a mente”. Assim como uma única e mesma pessoa é chamada por diferentes nomes, segundo as diversas funções que desempenha, assim também uma única e mesma mente é chamada por diferentes nomes: mente, intelecto, memória e ego, por conta da diferença entre seus modos – e não devido a qualquer diferença real. A própria mente é da forma de tudo, isto é, da alma, de Deus e do mundo; quando se converte na forma do Ser, através do conhecimento, ocorre a libertação, que é da natureza de Brahman: este é o ensinamento.

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D: Se estes quatro – mente, intelecto, memória e ego – são um e o mesmo, por que se mencionam localizações separadas para eles? M: É certo que se afirma que a garganta é a localização da mente, o rosto ou o coração a do intelecto, o umbigo da memória e o coração ou sarvanga a do ego; ainda que sejam assim diferenciados, entretanto, para o conjunto deles, que é a mente ou órgão interno, a localização é só o coração. Isto se declara conclusivamente nas Escrituras.

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D: Por que se diz que só a mente, que é o órgão interno, brilha como a forma de tudo, isto é, da alma, de Deus e do mundo?

M: Como instrumentos para o conhecimento dos objetos, os órgãos dos sentidos estão fora, e por isso são chamados sentidos externos; e a mente é chamada sentido interno porque está dentro. Mas a distinção entre interno e externo é só com referência ao corpo; na verdade, não existe nem interno, nem externo. A natureza da mente é permanecer pura como o éter. O que se conhece como o coração ou a mente é a colocação dos elementos (da existência fenomênica) que

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aparecem como internos e externos. Assim, então, não existe nenhuma dúvida de que todos os fenômenos que consistem em nomes e formas são apenas da natureza da mente. Tudo que aparece fora está na realidade dentro e não fora; para ensinar isto, nos Vedas, também se descreveu tudo como sendo da natureza do Coração. O que é chamado de Coração, não é outro que Brahman.

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D: Como pode ser dito que o Coração não é outro senão Brahman? 6 M: Ainda que o ser goze suas experiências nos estados de vigília, de sono com sonhos e de sono profundo, que residem, respectivamente, nos olhos, na garganta e no coração; na realidade, entretanto, não deixa nunca sua sede principal, o Coração. No lótus do Coração, que é da natureza de tudo, ou, em outras palavras, no éter da mente, brilha a luz desse ser na forma “Eu”. Porque brilha assim em todos, este autêntico ser é chamado de a testemunha (sakshi) e de o transcendente (turiya, literalmente, o quarto7). O

6 Ver também O Evangelho do Maharshi, Livro II, caps. IV e V, respectivamente: “O Coração é o Ser” e “O lugar do Coração” (nota do tradutor). 7 turya (turiya): o quarto estado, mais além da vigília, do sono com sonhos e do sono profundo (nota do tradutor).

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supremo Brahman sem “Eu”, que brilha em todos os corpos como interior a esta luz na forma “Eu”, é o Ser – éter (ou Conhecimento-éter): só isto é a Realidade absoluta. Isto é o super-transcendente (turiyatita). Por esse motivo se afirma que aquilo que é chamado de coração não é outro que o Brahman. Além disso, pela razão de que o Brahman brilha nos corações de todas as almas como o Ser, a Brahman é dado o nome “Coração”.8 O significado da palavra hridayam quando separada em “hrit-ayam”9 é, de fato, Brahman. A evidência adequada do fato de que esse Brahman, que brilha como o ser, reside nos corações de todos, é que todas as pessoas indicam a si mesmas assinalando o peito para dizer “eu”.

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D: Se o universo inteiro é da forma da mente, não se segue, então, que o universo é uma ilusão? Se esse é o caso, por que a criação do universo é mencionada no Veda? M: Não há nenhuma dúvida de que o universo é uma mera ilusão. O propósito principal do Veda é fazer conhecer o verdadeiro Brahman, depois de 8 “Nos corações de todas as almas individuais, esse que brilha é o Brahman, e por isso é chamado o Coração” – Brahma-gita. 9 O significado da palavra é: hrit (o Coração) ayam (sou Eu). (Evangelho do Maharshi - II - Cap. VI) (nota do tradutor).

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mostrar que o mundo aparente é falso. Com este propósito os Vedas admitem a criação do mundo e não por outra razão. Além disso, às pessoas menos qualificadas se ensina a criação, a saber, a evolução em fases de prakriti (natureza primordial), mahat-tattva (o grande intelecto), os tanmatras (as essências sutis), os bhutas (os elementos grosseiros), o mundo, o corpo, etc., desde o Brahman; enquanto que aos mais qualificados é ensinada a criação simultânea, isto é, que este mundo surge como um sonho devido aos próprios pensamentos de uma pessoa induzidos pelo defeito de não conhecer a si mesma como o Ser. Assim, portanto, pelo fato da criação do mundo ter sido descrita de diferentes maneiras, é evidente que o propósito dos Vedas está somente em ensinar a verdadeira natureza do Brahman, depois de mostrar, de uma maneira ou outra, a natureza ilusória do universo. Que o mundo é ilusório todos podem sabê-lo diretamente no estado de realização que está na forma da experiência de sua própria natureza-felicidade.

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D: É possível a experiência do Ser para a mente, cuja natureza é mudança constante?

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M: Desde que o guna-sattva (o constituinte de prakriti que tende à pureza, à inteligência, etc.) 10 é a natureza da mente e desde que a mente esteja pura e imaculada como o éter, o que se chama mente é, na verdade, da natureza do conhecimento. Quando ela fica neste estado natural (isto é, puro), nem sequer tem o nome de “mente”. É só o conhecimento errôneo, que confunde um (estado) com o outro, o que se denomina como mente. O que era (originalmente) a pura mente sattva, da natureza do puro conhecimento, esquece sua natureza-conhecimento devido à ignorância, se transforma no mundo através da influência do guna-tamas (isto é, o constituinte de prakriti que leva ao torpor, à inércia, etc.), estando sob a influência do guna-rajas (isto é, o constituinte de prakriti que leva à atividade, às paixões, etc.), imagina “sou o corpo, etc.; o mundo é real”, adquire o consequente mérito e demérito através do apego, a aversão, etc., e através das impressões residuais (vasanas)11 daí, padece o nascimento e a morte. Porém, a mente que se desfez de sua contaminação (pecado) através da ação sem apego executada por muitas vidas passadas, escuta o ensinamento da escritura através de um

10 Prakriti: natureza, Maya. Guna-sattva: uma das três gunas (qualidades, modos, tendências ou forças primordiais) que acompanham todas as manifestações no Universo, Sattva é o modo da inteligência ou bondade; que se difere de rajas, modo da paixão ou atividade, e de tamas, modo da ignorância ou inércia (nota do tradutor). 11 vasana: hábito da mente; tendência ou impressão latente (nota do tradutor).

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verdadeiro guru, reflete sobre seu significado, e medita para obter o estado natural do modo mental na forma do Ser, isto é, na forma “Eu sou Brahman”, que é o resultado da contemplação continuada de Brahman. Assim, será eliminada a transformação da mente sob o aspecto do guna tamas, e seu vaguear nele, sob o aspecto do guna rajas. Quando esta eliminação ocorre, a mente torna-se sutil e imutável. Somente pela mente que é impura e que está sob a influência de rajas (paixões) e tamas (inércia), a Realidade (isto é, o Ser), que é muito sutil e sem mudança, não pode ser experimentada; do mesmo modo que uma peça de tecido de fina seda não pode ser costurada com um grosseiro vergalhão, ou do mesmo modo que os detalhes sutis dos objetos não podem ser distinguidos pela luz de uma chama de lampião que tremula com o vento. Porém, na mente pura que se tornou sutil e imutável, pela meditação descrita acima, a felicidade do Ser (isto é, o Brahman) torna-se manifesta. Como sem mente não pode haver experiência, à mente purificada, dotada com o modo extremamente sutil (vritti), é possibilitado experimentar a felicidade do Ser, permanecendo nessa forma (isto é, na forma de Brahman). Então, se experimenta claramente que o próprio Ser é da natureza de Brahman.

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D: É possível a experiência do Ser, acima dita, mesmo no estado de experiência empírica, para a mente que tem de cumprir funções de acordo com seu praradbha (o carma passado que começou a frutificar)? M: Um brahmin pode representar diversos papéis num drama; entretanto, o pensamento de que é um brahmin não deixa sua mente. Do mesmo modo, quando se está envolvido com diversos atos empíricos, deveríamos estar com a firme convicção: “Sou o Ser”, sem permitir que surja a idéia falsa: “Eu sou o corpo, etc.” Se a mente se desvia de seu estado, então, imediatamente, deve-se indagar: “Oh! Oh! Nós não somos o corpo, etc! Quem somos?” e assim, deve-se reinstalar a mente nesse estado (puro). A indagação “Quem sou eu?” é o meio principal para a eliminação de toda a miséria e para a obtenção da felicidade suprema. Quando, desta maneira, a mente torna-se quieta em seu próprio estado, a experiência do Ser surge por si mesma sem nenhum obstáculo. Depois disso, os prazeres e sofrimentos sensoriais não afetarão a mente. Todos (os fenômenos) aparecem então, sem apego, como um sonho. Nunca esquecer a própria experiência do Ser é a verdadeira bhakti (devoção), o verdadeiro yoga (controle da mente), o verdadeiro jnana

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(conhecimento) e todas as demais austeridades. Assim dizem os sábios.

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D: Quando existem atividades no que diz respeito a obras, nós não somos nem os realizadores destas obras nem seus desfrutadores. A atividade é dos três instrumentos (isto é, a mente, a fala e o corpo). Podemos permanecer (desapegados) pensando assim? M: Depois que a mente conseguiu a permanência no Ser, que é sua Divindade, e se fez indiferente aos assuntos empíricos por não se distanciar do Ser, como pode a mente pensar como o acima mencionado? Tais pensamentos não se constituem como escravidão? Quando surgem tais pensamentos devido às impressões residuais (vasanas), deve-se impedir que a mente flua dessa maneira, esforçando-se para retê-la no estado do Ser, fazendo com que se torne indiferente aos assuntos empíricos. Não se deve dar espaço na mente para tais pensamentos como: “É isto bom?” ou “É aquilo bom?”, “Pode-se fazer isto?” ou “Pode-se fazer aquilo?”. Deve se estar vigilante mesmo antes que tais pensamentos surjam, e fazer com que a mente permaneça em seu estado original. Se for dada a menor oportunidade, essa mente (perturbada)

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nos trará dano enquanto finge ser como nosso amigo; assim como age um inimigo na aparência de amigo, ela nos fará cair. Por acaso, não é porque se esquece o próprio Ser que surgem tais pensamentos, causando um mal cada vez maior? Ainda que seja verdadeiro pensar através da discriminação: “eu não faço nada; todas as ações são cumpridas pelos instrumentos”, seja um meio de impedir que a mente flua pelos pensamentos vasanas (hábito limitador da mente), não segue também que só pelo fluir dos pensamentos vasanas através da mente, ela já não devesse ser contida através da discriminação, como se afirmou antes? Pode a mente que permanece no estado do Ser, pensar como “eu”, ou como “eu atuo empiricamente de tal e tal maneira”? Por todos os meios possíveis uma pessoa deve se esforçar gradualmente para não esquecer o seu próprio Ser (verdadeiro) que é Deus. Se isto for obtido, tudo estará cumprido. A mente não deve ser dirigida a nenhum outro assunto. Ainda que possa desempenhar as ações que são o resultado do prarabdha-karma como uma pessoa insensata, ela deve manter a mente no estado do Ser, sem deixar que surja o pensamento “eu faço”. Não foi assim, com uma atitude de indiferença, que inumeráveis bhaktas (devotos) cumpriram suas numerosas funções empíricas?

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14

D: Qual é o verdadeiro propósito de sannyasa (renúncia)? M: Sannyasa (renúncia) é somente a renúncia ao pensamento “eu”, e não a rejeição dos objetos externos. Aquele que assim renunciou (ao pensamento “eu”) permanece o mesmo, esteja ele sozinho ou em meio ao extenso samsara (mundo empírico). Assim como a mente quando está concentrada em algum objeto não observa outras coisas, ainda que possam estar próximas; assim acontece com o sábio que ainda que esteja executando numerosos atos empíricos, na realidade, não faz nada porque faz com que a mente repouse no Ser sem deixar que surja o pensamento “eu”. Igual a quando num sonho parece que se cai de cabeça pra baixo, ainda que na realidade se esteja imóvel, assim também com a pessoa ignorante, isto é, a pessoa para quem o pensamento “eu” não tenha cessado, pois mesmo que ela permaneça solitária em meditação constante, é, de fato, este pensamento que atua todas as ações empíricas.12 Assim disseram os sábios.

12 Como aqueles que escutam a uma estória com sua atenção fixa em outro lugar, assim também a mente cujas impressões residuais se desvaneceram, não funciona realmente, ainda que pareça funcionar. A mente que não está liberada das impressões residuais funciona realmente, ainda que não pareça fazê-lo; isto é, como aqueles que, enquanto permanecem parados, imaginam em seus sonhos que sobem numa colina e caem dela.

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15

D: A mente, os órgãos dos sentidos, etc., têm a faculdade de perceber; por que, então, são considerados como objetos percebidos?

Drik (Conhecedor)

1 - O observador

Drisya (Objeto conhecido) Vaso (isto é, o objeto

visto)

Além disso, 2 – O órgão do olho 3 – O sentido da visão 4 – A mente 5 – A alma individual 6 – Consciência (o Ser)

Corpo, Vaso, etc. O órgão do olho.

O sentido da visão. A mente.

A alma individual.

Como se mostra neste esquema, desde que nós, a consciência, conhecemos todos os objetos, se diz que somos drik (o conhecedor). As categorias que acabam em vaso são os objetos vistos, já que são aquilo que se conhece. Na tabela de “conhecimento: ignorância (isto é, conhecedor-conhecido)” dada acima, entre os conhecedores e os objetos do conhecimento, se vê que um é conhecedor em relação a outro; entretanto, desde que um é objeto em relação a outro, nenhuma destas categorias é, na realidade, o conhecedor.

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Ainda que digam que somos os “conhecedores” porque conhecemos tudo, e que não somos os “conhecidos” porque não somos conhecidos por qualquer outra coisa, dizemos que somos os “conhecedores” somente em relação aos objetos conhecidos. Entretanto, na verdade, o que é chamado de “conhecido” não está à parte de nós. E assim, nós somos a Realidade que transcende a estes dois (o conhecedor e o conhecido). Todas as demais entram dentro das categorias entre conhecedor-conhecido.

16

D: Como podem ser identificados o ego, a alma, o ser e o Brahma? M:

O exemplo

O exemplificado

1 – A bola de ferro

- O ego

2 – A bola de ferro aquecida

- A alma que aparece como uma superposição no Ser.

3 – O fogo que está na bola de ferro aquecida

- A luz da consciência, isto é, o Brahman imutável, que brilha na alma de todos.

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4 – A chama de fogo que permanece como única.

- O onipresente Brahman que permanece como único.

Por estes exemplos dados acima, ficará claro como podem ser identificados o ego, a alma, a testemunha e o Onipresente. Assim como na massa maleável de um ferreiro estão incluídas numerosas e variadas partículas de metal e todas elas parecem compor uma mesma massa, assim também, no sono profundo, os corpos grosseiros e sutis de todas as almas individuais estão incluídos na maya cósmica que é ignorância da natureza da obscuridade absoluta; e já que as almas estão dissolvidas no Ser tornando-se una com Ele, elas vêem por todo lado somente escuridão. Da escuridão do sono profundo surge o corpo sutil, isto é, o ego, e desse ego surge o corpo grosseiro. Quando surge o ego, aparece como superposto à natureza do Ser, como a bola de ferro aquecida. Assim, portanto, sem a alma (jiva), que é a mente ou o ego, que está unida à luz da Consciência, não existe nenhuma testemunha da alma, isto é, o Ser, e sem o Ser não existe nenhum Brahman, que é o Onipresente. Do mesmo modo que quando uma bola de ferro aquecida é forjada em diversas

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formas pelo ferreiro e o fogo que existe nela de nenhum modo se modifica por isso; assim também a alma pode estar envolta em muitas experiências e submetida a prazeres e sofrimentos, e, entretanto, a luz do Ser que está nela não muda por isso um mínimo sequer, sendo como o éter que é o puro e uno conhecimento onipresente, que brilha no Coração como o Brahman.

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D: Como se sabe que no Coração o próprio Ser brilha como o Brahman? M: Assim como o éter elemental dentro da chama de uma vela é conhecido por preencher sem qualquer diferença e sem qualquer limite tanto o lado de dentro como o lado de fora da chama; assim também o éter do conhecimento que está dentro da luz do Ser no coração, preenche sem nenhuma diferença e sem nenhum limite tanto o interior como o exterior dessa luz do Ser. A isto é o que se refere como Brahman.

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D: Como aparecem na Luz do Ser, que é uno, indivisível e auto-luminoso, os três estados de experiência, os três corpos, etc., que são

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imaginações? E ainda que devam aparecer, como se sabe que só o Ser permanece sempre imutável?

O exemplo (1) A Lâmpada (2) A porta (3) O umbral da porta (4) O muro interno (5) O espelho (6) As janelas (7) A câmara interna (8) A câmara média (9) O pátio externo

O exemplificado - O Ser - Sono profundo - Mahat-ttatva (Substância primordial total) - Ignorância ou corpo causal - O ego (o pensamento ‘eu’) - Os cinco órgãos dos sentidos cognitivos - O sono profundo no qual o corpo causal se manifesta. - Sono com sonhos no qual o corpo sutil se manifesta. - O estado de vigília em que o corpo

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grosseiro se manifesta.

O Ser, que é a Lâmpada (1), brilha por si mesmo na câmara interna, isto é, no corpo causal (7), que é dotado de ignorância, como o muro interno (4), e de sono profundo, que é a porta (2); quando, pelo princípio vital13, condicionado pelo tempo, o carma, etc., abre-se a porta do sono profundo, existe um reflexo do Ser no espelho do ego (o pensamento ‘eu’) (5), que está colocado perto do umbral da porta – Mahat-tattva; o espelho do ego ilumina assim a câmara média, o estado de sono com sonhos (8), e, através das janelas, que são os cinco órgãos dos sentidos cognitivos (6), o pátio externo, isto é, o estado de vigília (9). Quando, novamente, pelo princípio vital condicionado pelo tempo, o carma, etc., fecha-se a porta do sono profundo, termina o ego junto com os estados de vigília e de sono com sonhos, e só o Ser eternamente brilha. O exemplo que acabamos de dar explica como o Ser é imutável, como existe diferença entre o Ser e o ego, e como aparecem os três estados de experiência, os três corpos, etc.

19

D: Embora eu tenha escutado a explicação das características da indagação com grande detalhe,

13 Princípio vital: sugere-se ler como sendo a fagulha divina, o Espírito, ou Atman. O princípio vital é condicionado pelo tempo, o carma, etc., e nasce sob o aspecto dos diferentes corpos: causal, sutil e grosseiro (nota do tradutor).

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minha mente não obteve nem sequer um pouco de paz. Qual a razão disto? M: A razão está na ausência de força ou concentração da mente.

20

D: Qual é a razão da ausência de força mental? M: Os meios que tornam alguém qualificado para a indagação são a meditação, o yoga, etc. Deve-se obter a perícia neles através da prática gradual, e assegurar, assim, uma corrente de modos mentais que é natural e útil. Quando a mente que se tornou madura dessa maneira, escuta a presente indagação, perceberá de imediato sua verdadeira natureza que é o Ser, permanecendo em perfeita paz, sem desviar-se deste estado. Para uma mente que não está amadurecida, a realização imediata e a paz são difíceis de obter através da escuta da indagação. Entretanto, praticando os meios para o controle mental por algum tempo, finalmente, a paz da mente pode ser obtida.

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D: Dos meios para o controle da mente, qual é o mais importante?

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M: O controle da respiração é o meio para o controle da mente.

22

D: Como se controla a respiração? M: Pode ser controlada tanto pela retenção absoluta da respiração (kevalakumbhaka), como pela regulagem da respiração. (pranayama)

23

D: O que é a retenção absoluta da respiração? M: É fazer com que o ar vital permaneça firmemente no coração sem expiração nem inspiração. Isto se obtém através da meditação no princípio vital, etc.

24

D: O que é a regulagem da respiração? M: É fazer com que o ar vital permaneça firmemente no coração através da expiração, da inspiração e da retenção, segundo as instruções dadas nos textos do yoga.

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D: Como o controle da respiração é o meio para o controle da mente? M: Não há nenhuma dúvida de que o controle da respiração é o meio para o controle da mente, porque a mente, como a respiração, é uma parte do ar, porque a natureza da mobilidade é comum a ambas, porque o lugar de origem é o mesmo para ambas, e porque quando um deles é controlado, o outro fica controlado.

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D: Já que o controle da respiração conduz somente ao aquietamento da mente (manolaya) e não à sua destruição (manonasa), como pode ser dito que o controle da respiração é o meio para indagação que tem como meta a destruição da mente? M: As escrituras ensinam os meios de obter a realização do Ser de duas maneiras: por meio do yoga de oito membros (ashtanga-yoga), e por meio do conhecimento de oito membros (ashtanga-jnana). Pela regulagem da respiração (pranayama) ou por sua absoluta retenção (kevala-kumbhaka), que é um dos membros do yoga, a mente fica controlada. Sem deixar a mente neste ponto, se uma pessoa pratica

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disciplinas mais avançadas tais como a retirada da mente dos objetos externos (pratyahara), então, finalmente, se obterá, sem dúvida, a realização do Ser que é o fruto da indagação.

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D: Quais são os membros do yoga? M: Yama, niyama, asana, pranayama, pratyahara, dharana, dhyana e samadhi. Destes: (1) Yama: refere-se ao cultivo dos princípios de boa conduta tais como a não-violência (ahimsa), a verdade (satya), o não-roubar (asteya), o celibato (brahmacharya) e a não possessão (apari-graha). (2) Niyama: refere-se à observância de regras de boa conduta tais como a pureza (saucha), o contentamento (santosha), a austeridade (tapas), o estudo dos textos sagrados (svadhyaya) e a devoção a Deus (Isvara-pranidhana).14 (3) Asana: Das diferentes posturas, oitenta e quatro são as principais. Destas, novamente, quatro, a saber: simha, bhadra, padma, e siddha

14 O propósito de yama e niyama é a obtenção de todos os bons caminhos àqueles elegíveis para moksha (libertação espiritual). Para mais detalhes a respeito, ver obras como os Yoga-sutra e Hathayoga-dipika.

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15 se consideram como excelentes. Destas, também, se considera que apenas siddha é a mais excelente. Assim declaram os textos do yoga. (4) Pranayama: De acordo com as medidas prescritas nos textos sagrados, expirar o ar vital é rechaka, inspirar é puraka, e retê-lo no coração é kumbhaka. No que diz respeito à “medida”, alguns textos dizem que rechaka e puraka devem ser iguais em medida, e kumbhaka duas vezes essa medida, enquanto que outros textos assinalam que se rechaka é a medida de um, puraka deve ser a medida de dois, e kumbhaka de quatro. Por “medida” se entende o tempo que se leva para recitar uma vez a Gayatrimantra16. Assim, portanto, o pranayama, que consiste em rechaka, puraka e kumbakha deve ser praticado diariamente de acordo à própria capacidade, lenta e gradualmente.17 Então, surge na mente um desejo de repousar na felicidade sem movimento. Depois disto, deve-se praticar o pratyahara.

15 Siddhasana: Coloca-se o calcanhar esquerdo sobre o órgão genital, e em cima deste, o calcanhar direito. Fixa-se a vista entre as sobrancelhas enquanto o corpo permanece imóvel e reto como estaca. 16 OM / BHUR BHUVAH SVAH / TAT SAVITUR VARENYAM / BHARGO DEVASYA DHEEMAH / DHIYO YO NAHA PRACHODAYAT Um tradução aproximada: "Eu Saúdo aquele Ser, possuidor da efulgência divina e que é a causa e sustentação de todos os planos da existência.Que minha mente esteja sempre fixa e absorvida Nele e que Ele possa iluminar, purificar e inspirar meu intelecto." (http://www.anjodeluz.com.br/gayatri2.htm, em maio de 2011.) (nota do tradutor) 17 A respeito do controle respiratório para iniciantes, há um interessante capítulo em “A busca do eu superior”, Ed. Pensamento, de Paul Brunton, um dos primeiros a divulgar os ensinamentos de Ramana Maharshi no Ocidente (nota do tradutor).

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(5) Pratyahara: Consiste em regular a mente impedindo-a de fluir até os nomes e formas externos. A mente, que até então tinha estado distraída, torna-se, agora, controlada. Os auxílios a este respeito são: (1) meditação no ‘pranava’18, (2) fixar a atenção entre as sobrancelhas, (3) olhar a ponta do nariz e (4) refletir no ‘nada’19. A mente que se tornou concentrada desta maneira estará apta a permanecer em um único ponto. Depois disto, deve-se praticar o dharana. (6) Dharana: Isto é, fixar a mente em um lugar apto para a meditação. Os lugares que são eminentemente aptos para a meditação são o Coração e o Bramarandhra (abertura na parte superior da cabeça).20 Deve-se pensar que no meio do lótus de oito pétalas21 que existe neste lugar, brilha como uma chama, a Divindade que é o Ser, isto é, o Brahman, e que se deve fixar a mente ali. Depois disto, deve-se meditar. (7) Dhyana: Esta é a meditação, através do pensamento “Eu sou Ele”, de que uma pessoa não é diferente da natureza da chama dita

18 Pranava: substrato da vida, princípio vital, a sílaba OM. (nota do tradutor) 19 nada: som sutil acompanhado de um brilho; termo usado no tantrismo (nota do tradutor). 20 A palavra significa, justamente, ‘A caverna de Brahman’. Em Yoga, refere-se ao espaço côncavo entre os dois hemisférios do cérebro, que está no topo da cabeça (nota do tradutor). 21 Ainda que seja certo que se diga que o lótus da parte superior da cabeça tenha mil pétalas, também pode ser descrito com oito pétalas, pois cada uma destas oito contém 125 sub-pétalas.

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anteriormente. Se neste momento ela faz a indagação: “Quem sou eu?”, então, tal como declaram as escrituras: “O Brahman que está por todas as partes brilha no Coração como o Ser, que é a testemunha do intelecto”; ela compreenderia que é o Ser Divino aquilo que brilha no coração como ‘Eu-Eu’. Este modo de reflexão é a melhor meditação. (8) Samadhi: Como um resultado da fruição da meditação dita anteriormente, a mente se dissolve no objeto da meditação sem abrigar-se nas idéias “Sou fulano de tal; eu estou fazendo isso e isto.” Este estado sutil em que até mesmo o pensamento ‘Eu-Eu’ desaparece, é o samadhi. Se a pessoa pratica isto todos os dias, buscando que não sobrevenha o sono profundo, Deus logo lhe conferirá o supremo estado de aquietamento da mente.

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D: Qual é o propósito do ensinamento de que em pratyahara deve-se meditar no pranava? M: O propósito da prescrita meditação no pranava é este. O pranava é Omkara22, que consiste em três matras e meio, a saber: a, u, m, e o ardha-matra. Destes, a representa o estado de

22 Omkara: A sílaba OM, o som primordial (nota do tradutor).

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vigília, Visva-jiva, e o corpo grosseiro; u representa o estado de sono com sonhos, Taijasa-jiva, e o corpo sutil; m representa o estado de sono profundo, Prajnajiva e o corpo causal; o ardha-matra23 representa o Turiya, que é o ser ou a natureza “Eu”; e o que está além deste é o estado de Turiyatita, ou pura Felicidade. Na sessão sobre meditação (dhyana) fez-se alusão ao quarto estado, que é o estado da natureza “Eu”: ele foi descrito de vários modos – como da natureza de amatra, que inclui os três matras, a, u e m; como maunakshara (sílaba silenciosa); como ajapa (como murmurar sem murmúrio) e como o Advaitamantra, que é a essência de todos os mantras, tal como o panchakshara24. Para descobrir este significado verdadeiro, deve-se meditar sobre o pranava. Esta é a meditação que é da natureza da devoção, que consiste na reflexão sobre a verdade do Ser. A fruição deste processo é o samadhi, que gera a libertação e que é um estado de felicidade insuperável. Os veneráveis Gurus também disseram que a libertação só é possível de ser obtida pela devoção que é da natureza da reflexão sobre a verdade do Ser. 23 Ver também o Mandukia Upanishads. Ali, a respeito do ardha-matra, é dito: “O Quarto, o Eu, é OM, a sílaba indivisível. Esta sílaba é impronunciável, e está além da mente. Nela, o Universo múltiplo desaparece. Ela é o bem supremo - Um sem segundo. Quem quer que conheça OM, o Eu, torna-se o Eu.” (Os Upanishads – Sopro Vital do Eterno, Ed. Pensamento, 1993.) (nota do tradutor). 24 panchakshari: um mantra de cinco sílabas consagrado a Shiva: namaH shivAya (namah shivaaya). As cinco sílabas neste mantra são na - maH - shi - vA - ya. (http://www.shaivam.org/mantra_pancaxara.htm , em maio de 2011) (nota do tradutor)

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D: Qual é o propósito do ensinamento de que se deve meditar, através do pensamento “Eu sou Ele”, sobre a verdade de que não se é diferente da Realidade auto-luminosa que brilha como uma chama? M: (A) O propósito do ensinamento de que se deve cultivar a idéia de que não se é diferente da Realidade auto-luminosa é este: a escritura define a meditação nas palavras “No meio do lótus do coração, de oito pétalas, que é da natureza de tudo, que é referido como Kailasa, Vaikhunda e Parama-pada; está a Realidade, que é do tamanho de um polegar, que é deslumbrante como o relâmpago e que brilha como uma chama. Pela meditação nela, uma pessoa obtém a imortalidade”. Disto devemos saber que por tal meditação se evita os defeitos de: (1) o pensamento da diferença, na forma “eu sou diferente, e isto é diferente”, (2) da meditação sobre o que é limitado, (3) da idéia de que o real é limitado, e (4) de que está limitado a um único lugar. (B) O propósito do ensinamento de que se deve meditar com o pensamento “Eu sou Ele” é este: sahaham: soham; sah o supremo Ser, aham o Ser que se manifesta como “Eu”. O jiva, que é o

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Shiva-linga25, reside no lótus do coração que tem seu assento situado no corpo que é a cidade de Brahman; a mente, que é da natureza do ego (pensamento “eu”), sai para fora identificando a si mesma com o corpo, etc. Então, a mente deve ser dissolvida no Coração, isto é, a sensação “eu”, que está situada no corpo, etc, deve ser descartada. Quando uma pessoa se indaga: “Quem sou Eu?”, permanecendo imperturbada nesse estado, a natureza do Ser torna-se manifesta de uma maneira sutil como “Eu-Eu”; essa natureza do ser é tudo, e é, contudo, nada, e manifesta-se como o supremo Ser por todas as partes sem a distinção de interior e exterior; este brilha como uma chama, como dissemos acima, dando significado à verdade “Eu sou o Brahman”. Se, sem meditar sobre isso como idêntico a si mesmo, se imagina que isso é diferente, a ignorância não partirá. Por causa disso, a meditação na identidade é prescrita. Se uma pessoa medita durante muito tempo, sem nenhuma perturbação, incessantemente sobre o Ser, com o pensamento “Eu sou Ele”, que é a técnica da reflexão sobre o Ser, ela eliminará a obscuridade da ignorância que está no Coração e

25 Símbolo representativo de Shiva, também considerado como símbolo da energia criativa masculina na forma de um falo. (nota do tradutor)

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todos os impedimentos que não são mais que o efeito da ignorância, obtendo a plena sabedoria.26 Assim, portanto, compreender a Realidade na caverna do coração que está na cidade (de Brahman), a saber, no corpo, é o mesmo que compreender Deus todo perfeito. Na cidade das nove portas que é o corpo, o sábio reside em paz.27 O corpo é o templo; o jiva é Deus (Shiva). Se alguém o adora com o pensamento “Eu sou Ele”, obterá a libertação. O corpo, que consiste nos cinco invólucros é a caverna. O supremo que reside ali é o senhor da caverna. Assim declaram as escrituras. Já que o Ser é a realidade de todos os deuses, a meditação no Ser, que é a própria identidade, é a maior de todas as meditações. Todas as demais meditações estão incluídas nesta. As demais meditações são prescritas para obter esta. Assim, portanto, se esta é obtida, as demais não são necessárias. Conhecer o próprio Ser é conhecer Deus. Sem conhecer o próprio Ser, se aquele que medita imaginar que exista uma divindade que é

26 Se sempre se pratica a meditação na forma “Eu sou Shiva” (Shivoham bhavana), que impede que o pensamento saia para fora, surgirá o samadhi. – Vallalar 27 Na cidade que têm nove portas falsas, Ele reside na forma de felicidade. Bhagavad Gita.

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diferente e meditar nela, isto é comparado pelos grandes ao ato de medir com o pé a própria sombra, e a buscar por uma simples concha depois de atirar fora uma inestimável pedra preciosa que já lhe era própria.28

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D: Muito embora somente o Coração e o Brahmarandhra29 sejam lugares aptos para a meditação, pode se meditar, se necessário, nos seis centros místicos (adharas)30 ? M: Os seis centros místicos, etc., que se diz como lugares de meditação, são somente produtos da imaginação. Todos estes foram pensados para os principiantes do yoga. Com referência à meditação nos seis centros, os Shiva-yogis dizem: “Deus, que é da natureza da autoconsciência não dual e plena, nos manifesta, sustenta e dissolve a todos. É um grande pecado corromper essa Realidade sobrepondo-lhe diversos nomes e 28 Nós devemos meditar sobre isso que, existindo na forma do ser, é o atma-tattva, é resplandecente, e que, residindo em todas as coisas vivas, sempre diz “Eu-Eu”. Buscar um Deus fora, abandonando ao Deus que reside na caverna do coração, é como descartar uma inestimável pedra preciosa e buscar por uma simples conta de rosário. 29 Ver resposta 27, item 6 - Dharana 30 Adhara é um termo Sânscrito (devanagari) que significa suporte, base, é qualquer parte do corpo que o yogi focaliza a sua atenção, mas também para fortalecer o corpo através do prana (ar vital) num efeito psicossomático. A palavra Adhara também serve para representar o muladhara chakra. (wikipedia em maio de 2011) No caso, os seis centros místicos devem se referir ao seis chakras (centros energéticos) básicos do yoga, a saber: muladhara (na base da espinha), svadhisthana (abaixo do umbigo), manipura (zona da barriga), anahata (no coração), visuddha (na garganta) e ajña (entre as sombrancelhas). Ramana Maharshi faz a distinção entre o anahata e o Coração (Centro Espiritual) em O Evangelho do Maharshi – Livro II - Cap. IV: O Coração é o Ser (notas do tradutor).

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formas como Ganapati, Brahma, Vishnu, Rudra, Mahesvara e Sadashiva”, e os Vedantines declaram: “Todos esses são apenas imaginações da mente”. Por conseguinte, se alguém conhece o próprio Ser, que é da natureza da consciência que conhece tudo, este conhece tudo. Os grandes também disseram: “Quando esse Um é conhecido como é em Si Mesmo, tudo aquilo que não tenha sido conhecido torna-se conhecido”. Se nós, que estamos dotados com diversos pensamentos, meditamos em Deus, que é o Ser, nos libertamos da pluralidade de pensamentos por esse único pensamento; e, então, mesmo esse único pensamento se desvanecerá. É isto o que se entende quando se diz que conhecer o próprio Ser é conhecer Deus. Este conhecimento é a libertação.

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D: Como é que se pensa no Ser? M: O Ser é auto-luminoso, sem obscuridade nem luz, e é a realidade que é auto-manifesta. Portanto, não se deveria pensar nele como isto ou aquilo. O próprio pensar do pensamento terminará em escravidão. O propósito da meditação no Ser é fazer com que a mente tome a forma do Ser. No meio da caverna do coração, o puro Brahman manifesta-se diretamente como o

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Ser na forma “Eu – Eu”. Pode existir ignorância maior que pensar nele de múltiplas maneiras, sem conhecê-Lo como se acaba de mencionar?

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D: Afirmou-se que o Brahman se manifesta no Coração como o Ser na forma “Eu-Eu”. Para facilitar uma compreensão desta afirmação, pode explicar mais? M: Não está dentro da experiência de todos que durante o sono profundo, o desvanecimento, etc., não existe nenhum conhecimento, isto é, nem conhecimento de si mesmo nem qualquer outro conhecimento? Depois, quando há a experiência na forma “Eu despertei do sono profundo” ou “Eu me recuperei do desmaio” – não é um modo de conhecimento específico que surgiu do anteriormente dito estado sem distinção? Este conhecimento específico é chamado vijnana. Este vijnana torna-se manifesto somente como pertencente ao Ser ou ao não-ser, e não por si próprio. Quando pertence ao Ser, é chamado conhecimento verdadeiro, conhecimento na forma desse modo mental cujo objeto é o Ser, ou conhecimento que tem por conteúdo o (Ser) indiviso; e quando pertence ao não-ser, é chamado ignorância. O estado deste vijnana quando pertence ao Ser e se manifesta como

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sendo da forma do Ser, é dito que seja a manifestação-‘Eu’. Esta manifestação não pode ter lugar à parte do Real (isto é, do Ser). É esta manifestação que serve como a marca da experiência direta do Real. Entretanto, por si mesmo isto não pode se constituir no estado de ser o Real. Isto, em dependência do qual tem lugar esta manifestação, é a realidade básica que também é chamada prajnana31. O texto veda “prajnanam Brahma” ensina a mesma verdade. Saiba isso como sendo o propósito das escrituras também. O Ser que é auto-luminoso e é a testemunha de tudo manifesta-se como residindo na vijnanakosa (envoltura do intelecto). Pelo modo mental que é indiviso, apreenda este Ser como sua meta e desfrute-o como o Ser.

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D: O que é isto que se chama de adoração interior, ou adoração do ‘sem atributos’? M: Em textos tais como o Ribhu-gita, a adoração do ‘sem atributos’ foi explicada minuciosamente (como uma disciplina à parte). Entretanto, todas as disciplinas tais como o sacrifício, a caridade, a austeridade, a observância de votos, o japa32, o

31prajñana: consciência total; conhecimento absoluto (nota do tradutor). 32 japa: repetição de uma palavra ou sílaba sagrada, ou de um nome de Deus (nota do tradutor).

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yoga e a puja (ritual de devoção) são, em efeito, modos de meditação da forma “eu sou o Brahman”. Assim, portanto, em todos os modos das diversas disciplinas, deve-se cuidar para não se distanciar do pensamento: “Eu sou o Brahman”. Este é o propósito da adoração do ‘sem atributos’.

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D: Quais são os oito membros do conhecimento (jnana-ashtanga)? M: Os oito membros são aqueles que já foram mencionados, a saber: yama, niyama, etc., porém definidos diferentemente. Destes: (1) Yama: É controlar o agregado dos órgãos dos sentidos, compreendendo os defeitos que estão presentes no mundo que consiste no corpo, etc. (2) Niyama: É manter uma corrente de modos mentais que se referem ao Ser, rejeitando os modos contrários. Em outras palavras, significa o amor que surge ininterruptamente pelo supremo Ser.

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(3) Asana: Isso com cuja ajuda se faz possível a meditação constante em Brahman é asana. (4) Pranayama: Rechaka (expiração) é a eliminação dos dois aspectos irreais de nome e forma dos objetos que constituem o mundo, o corpo, etc.; puraka (inspiração) é apreender os três aspectos reais, a saber: existência, consciência e felicidade, que são constantes naqueles objetos, e kumbhaka é reter esses aspectos assim apreendidos. (5) Pratyahara: É evitar que o nome e a forma, que foram eliminados, entrem de novo na mente. (6) Dharana: É fazer com que a mente permaneça no Coração, sem extraviar-se fora, e perceber-se como o próprio Ser, que é existência – consciência – felicidade. (7) Dhyana: É a meditação da forma “Eu sou somente pura consciência”. Isto é, depois de deixar de lado o corpo, que consiste nos cinco revestimentos, a pessoa pergunta: “Quem sou eu?”, e como resultado disto, permanece-se como “Eu” que brilha como o Ser. (8) Samadhi: Quando a manifestação “Eu” também cessa, há a experiência direta (sutil). Isto é samadhi.

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No que diz respeito ao pranayama, etc., detalhado aqui, as disciplinas tais como asana, etc., mencionadas em conexão com o yoga, não são necessárias. Os membros do conhecimento (jnana) podem ser praticados em todos os lugares e em todos os momentos. Com respeito às disciplinas do yoga e do conhecimento (jnana), podemos seguir qualquer uma que nos agrade, ou ambas, segundo as circunstâncias. Os grandes mestres dizem que o esquecimento é a raiz de todo o mal, e que é a morte para aqueles que buscam a libertação33; assim, portanto, a pessoa deve repousar a mente no seu próprio Ser e não deve esquecer nunca ao Ser: esta é a meta. Se a mente é controlada, todo o resto pode ser controlado. A distinção entre o yoga com oito partes e o conhecimento (jnana) com oito partes foi minuciosamente exposta nos textos sagrados; assim, portanto, aqui só foi dada a substância destes ensinamentos.

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D: É possível praticar ao mesmo tempo o pranayama pertencente ao yoga, e o pranayama pertencente ao conhecimento (jnana)?

33 A morte ou Kala é o abandono, nesta terra, da contemplação do Ser, que nunca deve ser abandonada um mínimo que seja. – Vivekachudamani – Shankaracharya – Séc IX.

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M: Enquanto não se tenha conseguido que a mente repouse no Coração, seja através da retenção absoluta da respiração (kevala-kumbhaka) ou através da indagação, se necessita rechaka, puraka, etc. Por isso é que o pranayama do yoga tenha que ser praticado durante a instrução, e o outro pranayama possa ser praticado sempre. Assim, portanto, ambos podem ser praticados. É suficiente que o pranayama iogue seja praticado até que se obtenha a perícia na retenção absoluta.

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D: Por que o caminho à liberação deve ser ensinado diferentemente? Não criará confusão na mente dos aspirantes? M: Nos Vedas se ensinam vários caminhos que se adequam aos diferentes graus dos aspirantes qualificados. No entanto, posto que a libertação seja apenas a destruição da mente, todos os esforços têm como sua meta o controle da mente. Ainda que os modos de meditação possam parecer diferentes uns dos outros, ao final, todos eles tornam-se um. Não há nenhuma dúvida a respeito. Uma pessoa pode adotar o caminho que convenha à maturidade de sua própria mente.

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O controle do prana, que é o yoga, e o controle da mente, que é o jnana 34 - estes são os dois meios principais para a destruição da mente. Para alguns, o primeiro pode parecer fácil, e para outros o segundo. Entretanto, o jnana é como dominar um touro enraivecido, persuadindo-o com capim verde, enquanto que o yoga é como controlá-lo através do uso da força. Assim, portanto, os sábios dizem: dos três graus de aspirantes qualificados, o mais alto alcança a meta fazendo com que a mente permaneça firme no Ser, mediante a determinação da natureza do real pela indagação Vedântica, e olhando para o próprio ser e para todas as coisas como sendo da natureza do real; o mediano, fazendo com que a mente permaneça no Coração através do kevala-kumbhaka e meditando durante muito tempo no real; e o de grau mais baixo, obtendo esse estado de uma maneira gradual através do controle da respiração, etc. Deve-se conseguir que a mente repouse no Coração até a destruição do pensamento “eu”, que é da forma da ignorância, e que reside no Coração. Propriamente isto é jnana; somente isto é, também, dhyana. O resto não é mais que uma mera digressão de palavras, uma digressão dos textos. Assim proclamam as escrituras. Portanto, se uma pessoa obtém a técnica de reter a mente 34 jnana - Ver tudo como Real, segundo a escritura: Eu sou o Brahman – somente o uno, sem um segundo.

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no próprio Ser através de um meio ou outro, ela não necessita se preocupar por outros assuntos. Os grandes mestres também ensinaram que o devoto é maior que os iogues 35, e que o meio para a liberação é a devoção, que é da natureza da reflexão sobre o próprio Ser.36 Assim, portanto, o caminho para realizar o Brahman é variadamente chamado de Dahara-vidya, Brahma-vidya, Atma-vidya, etc37. O que mais pode ser dito sobre isto? Deve-se compreender o resto por dedução. As escrituras ensinam de modos diferentes. Depois de analisar todos esses modos, os maiores declaram que este é o meio mais curto e o melhor.

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D: Praticando as disciplinas ensinadas acima, devemos nos livrar dos obstáculos que estão na mente, a saber: a ignorância, a dúvida, o erro, etc.; e obter com elas o aquietamento da mente. Entretanto, há uma última dúvida. Depois que a mente tenha se dissolvido no Coração, existe só

35 De todos os Iogues, somente o que repousa sua imperturbável mente e amor em mim, me é querido. – Bhagavad-gita. 36 Dos meios para a liberação, somente o bhakti (devoção) pode ser dito que é o mais alto. Pois bhakti é reflexão constante no próprio Ser de si. – Vivekachudamani. 37 vidya: conhecimento; aprender ou aprendizagem. Portanto, segue-se no texto: conhecimento do Coração (Dahara-vidya), conhecimento de Brahma (Brahma-vidya), conhecimento do Atman (Atma-vidya) (nota do tradutor).

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consciência brilhando como realidade plena. Quando a mente assumiu assim a forma do Ser, quem fica para indagar? Essa indagação resultaria em auto-adoração. Seria como a história do pastor que busca a ovelha que sempre esteve sobre seus ombros! M: O próprio jiva (alma individual) é Shiva (a Divindade); o próprio Shiva é o jiva. É verdade que o jiva não é outra coisa que Shiva. Quando o grão está oculto dentro da casca, é chamado arroz integral; quando se elimina a casca, é chamado arroz. Do mesmo modo, enquanto se está atado pelo carma, se permanece um jiva; quando a atadura da ignorância se rompe, brilha-se como Shiva, a Divindade. Assim se declara num texto das escrituras. Por conseguinte, o jiva, que é a mente, é na realidade o puro Ser; porém, ao esquecer esta verdade, ele se imagina como uma alma individual e fica atado na forma da mente. Assim, portanto, sua busca pelo Ser, que é ele mesmo, é como a busca da ovelha pelo pastor. Porém, não obstante, o jiva que esqueceu sobre si mesmo, não se tornará o Ser através do mero conhecimento indireto. Devido ao impedimento causado pelas impressões residuais coletada em prévios nascimentos, o jiva esquece seguidamente sua identidade com o Ser, e fica iludido, identificando-se com o corpo, etc. Será que uma pessoa torna-se um oficial de alto

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escalão somente olhando-o? Será que para tornar-se um oficial de alto escalão não seja necessário um esforço sustentado nessa direção? Do mesmo modo, o jiva, que está na escravidão pela identificação mental com o corpo, etc., deve fazer uso do esforço na forma de reflexão sobre o Ser, de uma maneira gradual e sustentada; e quando por esta maneira a mente estiver destruída, o jiva se tornará o Ser.38 A reflexão sobre o Ser que é assim praticada constantemente destruirá a mente, e depois se autodestruirá como a estaca que se usa para avivar os carvões que queimam um cadáver. É este estado que se chama libertação.

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D: Se o jiva é, por natureza, idêntico com o Ser, o que é que impede ao jiva de perceber sua verdadeira natureza? M: É o esquecimento da verdadeira natureza do jiva; isto é conhecido como o poder do velamento.

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38 Ainda que os obstáculos que causam a escravidão do nascimento possam ser muitos, a causa central de todas essas mudanças é ahankara (a sensação “eu”; o próprio ego). Esta causa central deve ser destruída para sempre. – Vivekachudamani – Shankaracharya – Séc IX.

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D: Se é certo que o jiva se esqueceu de si mesmo, como surge, para todos, a experiência “eu”? M: O véu não oculta completamente o jiva 39; só oculta a Auto-natureza do “eu” e projeta a noção “eu sou o corpo”; porém ele não oculta a existência do Ser, que é “Eu”, e que é real e eterna.

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D: Quais são as características do jivan-mukta (o liberado em vida) e do videhamukta (o liberado na morte)? M: “Eu não sou o corpo; eu sou o Brahman que se manifesta como o Ser. Em mim, que sou a Realidade plena40, o mundo, que consiste em corpos, etc., é uma mera aparência, como o azul do céu”. O que percebeu a verdade assim é um jivan-mukta (o liberado em vida). Entretanto, enquanto sua mente não tenha sido extinta, pode surgir alguma miséria para ele pela relação com os objetos devido ao prarabdha (o carma que começou a frutificar e cujo resultado é o corpo presente); e como o movimento da mente não parou, tão pouco haverá a experiência da 39 A ignorância não pode ocultar o “eu” básico, porém oculta a verdade específica de que jiva é o Supremo (Ser). 40 Se há meditação prolongada de que os mundos são uma aparência em mim, que sou a Realidade plena, onde pode permanecer a ignorância?

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felicidade. A experiência do Ser só é possível para a mente que se tornou sutil e imóvel como resultado da meditação prolongada. O que está dotado assim com uma mente que se tornou sutil e que tem a experiência do Ser é chamado um jivan-mukta. É o estado de jivanmukti (o liberado em vida) o que é referido como o Brahman sem atributos e como Turiya. Quando até mesmo a mente sutil se extinguiu e cessa a própria experiência, e quando se está imerso no oceano de felicidade tornando-se uno com ele, sem nenhuma existência diferenciada, então se é chamado de um videha-mukta (o liberado na morte). É o estado de videha-mukta (o liberado na morte) aquele que se alude como o Brahman transcendente sem atributos e como Turiya transcendente. Esta é a meta final. Devido aos graus de miséria e de felicidade, pode-se dizer que os liberados, os jivan-muktas e videha-muktas, pertencem a quatro categorias – Brahmavid, vara, variyan e varishtha41. Mas estas distinções são feitas do ponto de vista daqueles que os olham; não obstante, na realidade não existem distinções na liberação obtida através do jnana.

41 Graus superlativos ascendentes entre os conhecedores de Brahman (nota do tradutor).

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REVERÊNCIA

Que os Pés de Ramana, o Mestre, que é o grande Shiva, Ele mesmo, e que está também na forma

humana, floresçam para sempre!