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Autor: Clarice Fernandes - Paranဦ · Para Sperber e Wilson (2001, p.100) “A comunicação inferencial ostensiva consiste em tornar manifesto a um receptor a intenção de

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PARA O ALUNO TER O QUE DIZER

Autor: Clarice Fernandes1

Orientador: Marcia Sipavicuis Seide2

Resumo: Ao longo deste trabalho são descritas estratégias fundamentadas na Teoria da Relevância de Sperber e Wilson para que o professor forneça informações e motive a reflexão e a discussão a respeito do assunto sobre o qual será a produção textual do gênero artigo de opinião, a fim de que o aluno possa ter o que dizer. Na primeira seção, são expostos os princípios que nortearam a elaboração das estratégias; na segunda, descreve-se e avalia-se a utilização das estratégias em sala de aula; na terceira, analisam-se algumas produções textuais de modo a evidenciar os resultados alcançados.

Palavras-Chaves: Gênero discursivo; coesão textual; argumentatividade.

1 Introdução

Para o aluno ter o que dizer, é necessário que o professor forneça

informações e motive a reflexão e a discussão a respeito do assunto sobre o qual

será a produção textual. A compreensão da relação existente entre o ambiente

cognitivo do indivíduo e o aquele lhe é imposto por novas inferências desconhecidas

é fundamental para o êxito na tarefa, do contrário, se o educador não utiliza uma

metodologia adequada de ensino, a produção textual pode ser uma experiência

frustrante. Neste sentido, a utilização da Teoria da Relevância elucida algumas

questões em relação à aprendizagem da língua portuguesa relativa à produção

escrita. Para se criar o ambiente de aprendizagem há a necessidade de

acessibilidade ao ambiente cognitivo do indivíduo. É isto que se tentará demonstrar

1 Especialista em Didática e Metodologia de Ensino e Psicopedagoga; Professor de Língua

Portuguesa/PDE 2010 – SEED/PR. 2 Doutora em Filologia e Língua Portuguesa; docente da UNIOESTE – Marechal Cândido Rondon e do Mestrado em Letras da UNIOSTE- Cascavel.

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ao longo deste artigo. Ao longo deste trabalho, são descritas estratégias para

alcançar este desiderato. Essas estratégias foram elaboradas com base na Teoria

da Relevância de Sperber e Wilson e foram experimentadas em sala de aula com

uma turma da oitava série, atual nono ano do Ensino Fundamental. O artigo está

organizado em 3 seções. Na primeira, são expostos os princípios que nortearam a

elaboração das estratégias; na segunda, sua utilização em sala de aula é descrita e

avaliada; na terceira, analisam-se algumas produções textuais de modo a evidenciar

os resultados alcançados, para tanto, verifica-se em que medida houve a

apropriação (Libâneo, 2004, p.8) do gênero textual focado na intervenção: o artigo

de opinião.

1.1 Princípios da Teoria da Relevância

A Teoria da Relevância (doravante denominada TR) é resultado de estudos

feitos por Sperber e Wilson (2011) sobre como se estabelece a comunicação entre

falante e ouvinte. Ressalte-se que, para eles, o processo comunicativo vai muito

além da mera decodificação de sinais, pois, para ser levada a cabo, depende de que

inferências sejam ativadas pelo receptor:

A comunicação verbal é uma forma complexa de comunicação. Existe nela uma codificação e uma descodificação linguística, mas o significado linguístico de uma frase proferida fica aquém da codificação daquilo que a pessoa falante quer dizer: apenas ajuda o ouvinte a inferir aquilo que ela quer dizer. O resultado da descodificação é tratado correctamente pelo ouvinte como uma parcela da evidência existente sobre as intenções da pessoa que comunica. Por outras palavras, um processo de codificação-descodificação é subserviente ao processo inferencial de Grice. (SPERBER, WILSON ,2001, p.62)

A comunicação, portanto, tem início por meio da descodificação (pelo

ouvinte), porém recebe, após este processo, mediações das inferências construídas

com base em informação enciclopédica contidas na memória de curto prazo. Se o

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conhecimento requerido já está presente na memória de curto prazo, haverá menos

esforço de processamento:

Em cada momento poderão ser desempenhadas muitas e diversas tarefas cognitivas, e isso é assim por duas razões: primeiro, as capacidades sensoriais humanas coordenam muitas mais informações do que as capacidades conceptuais centrais podem processar; e segundo, as capacidades centrais têm sempre uma grande quantidade de tarefas por acabar. O problema-chave para o processamento eficiente das informações de curto prazo é, pois, o de conseguir a sua localização óptima nos recursos de processamento centrais. Os recursos têm de ser localizados no processamento das informações que com mais probabilidade darão origem a uma maior contribuição para as metas cognitivas gerais da mente com um mínimo custo de processamento. ( SPERBER, WILSON, 2001, p. 91)

Além disso, do ponto de vista da decodificação, existe, por parte do

falante/escritor “a expectativa de o ouvinte ser capaz de fornecer um contexto que

lhe permita recuperar essa interpretação”. Se o contexto visualizado pela pessoa

falante não condiz com aquele que é utilizado realmente pelo ouvinte, poderá daí

resultar num equívoco ( Sperber e Wilson , 2001, p.47). Em outras palavras, isto

significa que, se o falante/escritor tiver por pressuposto um conhecimento não

partilhado efetivamente pelo ouvinte/leitor, este não conseguirá chegar à

interpretação pretendida, dando origem a equívocos.

Ainda sobre a comunicação, é importante ressaltar que, para a TR, ela

ocorre de modo ostensivo por parte do emissor da mensagem:

O comportamento ostensivo fornece evidências dos pensamentos de uma pessoa. Fá-lo porque implica uma garantia de relevância. Implica uma tal garantia porque os seres humanos viram automaticamente a atenção para aquilo que lhes parece mais relevante. A tese principal deste livro é a de que um acto de ostensão transmite em si próprio uma garantia de relevância e de que este facto - a que chamaremos o princípio da relevância - torna manifesta a intenção que se encontra por trás da ostensão. Cremos ser este princípio da relevância necessário para tornar explicativo o modelo inferencial da comunicação. (SPERBER, WILSON, 2001, p.95)

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Surge, deste modo, o conceito de comunicação inferencial ostensiva, a qual

pode ser descrita em termos de uma intenção informativa e comunicativa

(SPERBER ; WILSON 2001,p.100) . Por parte do destinatário da mensagem, cabe-

lhe identificar a intenção da pessoa que comunica supondo que ela comunica

racionalmente e tem razões para pensar que o

...estímulo que está a produzir terá efeitos que ela tenciona que tenha. Isso aplica-se não só à identificação das intenções informativas, mas também à identificação inferencial das intenções em geral. As intenções são identificadas através da suposição de que o agente é racional e pela tentativa de procurar uma interpretação racional das suas acções. Não é que as pessoas em geral, e que as pessoas que comunicam em particular, ajustem sempre os seus meios aos seus propósitos em um modo totalmente racional. (SPERBER, WILSON, 2001, p.251)

Entender a comunicação segundo o ponto de vista da TR, portanto, implica

no entendimento de que a uma só informação podem ser atribuídas diferentes

interpretações, dependendo do ambiente cognitivo do ouvinte (informações

presentes em sua memória de curto prazo no ato da comunicação).

Para a TR (Sperber; Wilson, 2001, p.89), a expressão “ambiente cognitivo”

refere-se ao conhecimento enciclopédico disponível na memória do ouvinte a

respeito da nova informação recebida permitindo-lhe fazer um conjunto de

suposições as quais são confirmadas ou não ao longo do processo de interpretação.

Quando o ouvinte/leitor calcula não haver dificuldade para tanto e, ademais, percebe

o que tem a ganhar com este esforço, o input (texto escrito, fala, texto imagético,

som, isto é, aquilo que está sendo decodificado) é avaliado como relevante o

suficiente para ser processado.

É importante enfatizar que o julgamento de algum input como relevante

acontece quando o esforço de processamento se dá “na expectativa de alguma

recompensa. Por isso, não interessa chamar a atenção de alguém para qualquer

fenômeno, a não ser que pareça suficientemente relevante a essa pessoa para valer

a pena prestar-lhe a sua atenção” (SPERBER e WILSON 2001, p.94).

Deve-se levar em conta, também que, para se chegar à interpretação do

input , a partir das suposições elaboradas pelo sujeito leitor, é preciso haver

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expansões de sentido com as quais se chega à interpretação propriamente dita.

Este processo é assim descrito por Seide:

Psicologicamente, do ponto de vista do indivíduo que está interpretando um enunciado, a decodificação traz informações que formam um contexto cognitivo inicial. A partir dele, o sujeito elabora suposições formuladas no interior de determinado contexto cognitivo formado por uma porção de informação enciclopédica. Ao longo do processo, as informações que vão sendo adicionadas (seja, no caso da oralidade pelo desenvolvimento da conversa, ou, no caso da escrita, pela continuação da leitura) podem ensejar a ativação de outras porções de informação provocando uma extensão de contexto. Ao mesmo tempo, as suposições não relevante são automaticamente excluídas. Ao longo da comunicação, o conjunto de contextos acessíveis ao sujeito é responsável pela formação de um novo ambiente cognitivo. (SEIDE, 2006, p.106)

Oliveira e Seide (2006, p.13) afirmam também que “devido ao fato de os

valores e os conhecimentos que uma dada comunidade compartilha serem social e

culturalmente determinados, a memória enciclopédica é em grande parte

consensual...” Pensando desta forma, é importante, antes de planejar, fazer a

reflexão sobre os valores e conhecimentos compartilhados socialmente pelo grupo

de alunos com os quais a escola pública trabalha. A reflexão possibilitará que tal

planejamento de atividades seja pautado por estímulos ostensivos (escolares) que

vençam a concorrência dos estímulos ostensivos externos ao ambiente escolar e

possam enriquecer o conhecimento enciclopédico do aluno.

Para Sperber e Wilson (2001, p.100) “A comunicação inferencial ostensiva

consiste em tornar manifesto a um receptor a intenção de se tornar manifesto um

nível básico de informação. Poderá, portanto, ser descrita em termos de uma

intenção informativa e comunicativa.”. Sabe-se que a comunicação inferencial (do

aluno), esperada pela comunicação ostensiva (do professor), parece enfrentar

problemas do ponto de vista do ouvinte (aluno). Muitos estudantes, que apresentam

considerável capacidade intelectual, não têm apresentado o resultado de

aprendizagem esperado em suas produções escritas. E isto sugere que os

enunciados do professor sobre o objeto de ensino-aprendizagem não têm sido

interpretado como relevantes o bastante ou, então, não chegam a fazer parte do

ambiente cognitivo mútuo (isto é pertencente ao do aluno e ao do professor).

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Para entender porque isto acontece, é necessário levar em conta que

Uma pessoa falante que tenha a intenção de ver a sua elocução interpretada de um modo especial tem de ter também a expectativa de o ouvinte ser capaz de fornecer um contexto que lhe permita recuperar essa interpretação. Se o contexto visualizado pela pessoa falante não condiz com aquele que é utilizado

realmente pelo ouvinte, poderá daí resultar num equívoco. ( SPERBER, WILSON ,2001,p.47)

Acredita-se que o conjunto de suposições construídas pelo professor

durante a execução de sua prática pode facilitar a interação do aluno nas

aprendizagens que lhe serão proporcionadas. Caldeira (2007, p.42.) assegura que

“Tal subconjunto de suposições é utilizado no processamento de uma dada

informação. A informação nova ou novamente apresentada é relevante em um

contexto quando esta interage com o contexto para gerar efeitos cognitivos.” Sendo

assim, para que o aluno tenha o que dizer em suas produções textuais, é importante

que o professor faça um trabalho prévio com ele, ativando seu conhecimento

enciclopédico, promovendo a expansão do ambiente cognitivo, fornecendo

informação e propiciando a discussão sobre o tema mediante vários gêneros

discursivos.

Resumindo, de acordo com o princípio da cognição, a mente humana é

guiada para a maximização da relevância e, segundo o princípio comunicativo, é o

input que gera a relevância. O professor, ao se comunicar com seus alunos, deve

elaborar inputs que possam ser considerados relevantes. Considerando que esses

inputs são formados por enunciados, vale lembrar Bakhtin (2009, p.261) para quem

o emprego de uma língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos)

concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo de

atividade humana. Esta afirmação permite concluir que, em sala de aula,

percebamos ou não, estamos em continua ação de enunciação. Nesta linha de

raciocínio, a cada aula, estamos nos expressando por meio de enunciados que

serão julgados como mais ou menos relevantes por nossos alunos.

Para que uma nova aprendizagem se torne relevante para o aluno, ela deverá

despertar-lhe a ideia de que a atividade exigirá pouco esforço mental durante o

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processamento das informações devido ao conhecimento enciclopédico já presente

em sua memória de curto prazo. Ademais, considerando que o ato de ensinar se

realiza numa constante ação comunicativa, não se pode esquecer sua natureza

dialógica: por mais que o professor seja visto como emissor e o falante como

receptor, na verdade, durante o processo de aprendizagem do novo conteúdo a ser

estudado, há numa constante troca de papéis em que o professor é quem deve

articular as suposições dos alunos, motivando-os a participarem ativamente.

Aplicando os princípios da TR à metodologia de ensino da Língua

Portuguesa, pode-se afirmar que a atividade proposta, seja de leitura ou escrita,

apresente relevância de modo que o aluno possa focar sua atenção ao conteúdo da

leitura e ou escrita. Neste contexto, o aluno deve ser considerado destinatário da

informação nova e o professor e aquele que tem a intenção de comunicar a

informação, via atividades propostas para a aprendizagem nova.

A escolha da atividade, pelo professor, deve ser feita a partir do interesse que

a atividade despertar no destinatário (aluno). E, obviamente, levando em

consideração que o conhecimento enciclopédico determinará o grau de esforço e

qual será o ganho com a atividade. Quando se propõe uma leitura específica, se a

metodologia não acionar o conhecimento necessário para a elaboração de

suposições, o aluno, provavelmente, não se interessará pela leitura, pois não a

julgará relevante o bastante para compensar os esforços de processamento.

Assim, para que ocorra a atribuição da relevância ao texto para a leitura, a

prática educativa deve ser pensada a partir do interesse do aluno e sem perder de

vista o conteúdo disciplinar a ser estudado. Outro aspecto que não pode ser

desconsiderado é a relação entre as habilidades de leitura e as da escrita. A

produção escrita e a leitura possuem uma relação intrínseca. Isto porque um bom

leitor costuma ter bons argumentos para construir enunciados. A leitura cria inputs

necessários à articulação de enunciados durante a escrita. Consequentemente, para

se ter o que dizer, é necessário ter uma boa interpretação. Conforme Seide (2006,

p.7; apud Oliveira, 2006, p.13) “...o processo interpretativo é, em parte, determinado

pela acessibilidade dos contextos sempre que necessário, a partir do contexto

inicial.” Mas, em que contexto inicial se situam estes sujeitos que necessitam

compreender os enunciados escolares na busca por construir conhecimento

retratando seus valores e suas crenças através da produção escrita? Como o

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professor está construindo o contexto cognitivo dos alunos para que cognição em

relação à escrita se concretize?

De fato, a prática precisa ser pensada e planejada ponderando como atrair o

aluno para que ele atribua relevância ao que se pretende programar para o estudo.

Atualmente, não é só a metodologia que faz a diferença para este despertar para a

relevância, mas também os meios ou recursos utilizados já que escolher

adequadamente os meios a serem utilizados, também pode garantir o sucesso da

aprendizagem. A constante avaliação de sua própria prática é igualmente

importante, tendo em vista que

Avaliar a prática é analisar o que se faz, comparando os resultados obtidos com as finalidades que procuramos alcançar com a prática. A avaliação da prática revela acertos, erros e imprecisões. A avaliação corrige a prática, melhora a prática, aumenta a nossa eficiência. (...)Planejar a prática significa ter uma ideia clara dos objetivos que queremos alcançar com ela. Significa ter um conhecimento das condições em que vamos atuar, dos instrumentos e dos meios de que dispomos. (FREIRE, 2005, p.83-84)

Neste estudo, os princípios da TR são utilizados para a organização da

metodologia de ensino da língua a partir deles; metodologia que tem referência no

estudo do gênero, o qual busca uma aprendizagem que objetiva a compreensão e a

produção de cada gênero de acordo com sua função (para quê serve), de sua

estrutura (tempos verbais, organização, elementos coesivos) e de sua

intencionalidade ( o que se quer dizer e para quem). A seção seguinte explicita

outras teorias que também foram utilizadas na elaboração e aplicação do material

didático.

1.2 Abordagens relativas à produção textual em ambiente escolar

A linguagem é o meio pelo qual o homem se expressa no mundo e ao

mesmo tempo interage nele. Para a teoria sociointeracionista, aquisição da

linguagem é um processo pelo qual a criança se firma como sujeito da linguagem (e

não como aprendiz passivo) e pelo qual constrói, ao mesmo tempo, seu

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conhecimento do mundo, passando pelo outro, seu interlocutor. Tal aquisição se

constitui em apropriação do discurso verbal: tanto oral quanto escrito (GOMES,

2009, p.26).

Ao apropriar-se do discurso verbal, o aluno toma posse dos conhecimentos

linguísticos de forma a ter plenas condições de interagir na sociedade utilizando-se,

com competência, das habilidades de leitura, escrita e oralidade. Esta apropriação

só ocorre de fato quando o uso da língua torna o cidadão um ser ativo capaz de

utilizar com propriedade dos conhecimentos para interferir na realidade circundante.

Quando isto ocorre, ele se habilita a utilizar totalmente a potencialidade da

linguagem sobre a qual comenta Gomes:

As pessoas em geral não param para pensar no milagre que é a capacidade da linguagem. O ser humano tem o poder de “entrar na mente” de outro, despertando curiosidade, aguçando imaginação, manipulando ideias, mudando atitudes, gerando conflitos, tudo apenas com o poder da palavra. (GOMES, 2009, p.18,19.)

Neste contexto, escrever é um ato social, pois, no momento da construção

do discurso (do emissor), há a função de comunicar algo a alguém

(interlocutor/receptor). A linguagem verbal influência o homem e por meio dela as

relações sociais são influenciadas.

Para conseguir proporcionar ao aluno um uso mais profícuo da linguagem,

a ação pedagógica deve ser elaborada de modo a resultar numa efetiva apropriação

do discurso. É preciso compreender que

O ensino propicia a apropriação da cultura e o desenvolvimento do pensamento, dois processos articulados entre si, formando uma unidade. Podemos expressar essa idéia de duas maneiras: a) enquanto o aluno forma conceitos científicos, incorpora processos de pensamento e vice-versa; b) enquanto forma o pensamento teórico, desenvolve ações mentais, mediante a solução de problemas que suscitam a atividade mental do aluno. Com isso, o aluno assimila o conhecimento teórico e as capacidades e habilidades relacionadas a esse conhecimento. (LIBÂNEO 2012, p.10)

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Diante de tal afirmativa, é possível compreender a expressão “apropriação

do discurso” como uma competência desenvolvida no aluno que o torne capaz de

compreender a função de cada discurso, sua intencionalidade, seu destinatário e os

moldes lingüísticos a que ele se adéqua tanto na oralidade quanto na escrita. Essa

competência o torna hábil para ler, compreender, e construir gêneros discursivos

(orais e escritos) que circulam socialmente. Mais ainda, permite-lhe o uso da língua

para o exercício de sua cidadania. A compreensão e o uso adequado da língua

desenvolvem ações mentais importantes para esse exercício.

Portanto, para alcançar o objetivo de apropriação de um gênero discursivo

por parte do aluno, é fundamental que ele tenha conhecimentos prévios do gênero a

ser estudado para que ele possa interessar-se pela aprendizagem sobre ele. No

momento da ação pedagógica, é importante a compreensão do professor de que tal

ação se constitui num enunciado que deverá ser adicionado ao ambiente cognitivo

do aluno.

Uma vez que o objeto de ensino da intervenção na escola foi o gênero artigo

de opinião, é importante explicitar suas características, começando pela tipologia

que o caracteriza estruturalmente: a argumentativa.

A tipologia argumentativa, segundo Marcuschi (2008), é um enunciado de

atribuição de qualidade, juízo de valor, em que se faz uso, frequentemente do verbo

ser no presente. Alves Filho (2006, p.83) cita a tipologia argumentativa, na esfera

jornalística, compreendendo os gêneros: carta ao leitor, editorial e artigo de opinião,

gênero textual que tem sido introduzido nos conteúdos curriculares para o ensino de

Língua Portuguesa.

A tipologia argumentativa está presente nos gêneros textuais em que a

intenção do autor é a persuasão do leitor com relação a uma ideia. Para Marcuschi

(2011, p.7), gênero textual é a uma forma de referir-se aos “... textos materializados

que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-

comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição

característica. Em relação ao gênero Bakhtin (2003, p.261-262) afirma ainda “ ...

cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua

elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos

gêneros do discurso.”

Segundo Alves Filho (2006), para que um texto enquadre-se ao gênero

artigo de opinião, sua estrutura textual deve conter informações que dê respostas

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aos seguintes questionamentos: quem é o autor; qual o assunto do texto; se o autor

expressa alguma opinião; que argumentos usa; que proposta ele faz para

solucionar a problemática apresentada. Nesse gênero textual algumas

características, do ponto de vista de construção do pensamento, devem estar

presentes. Entre elas, a tomada de posição em relação ao tema (contra ou a favor);

justificativa da posição assumida, com base em argumentos; antecipação de

possíveis argumentos contrários ao seu ponto de vista, contestando-os; conclusão

do texto, reforçando-se a posição assumida.

O artigo de opinião tem uma estrutura própria. Ele apresenta os seguintes

elementos básicos: título, descrição da questão sobre a qual se vai opinar, opinião

sobre essa questão, argumentos para defender a opinião, e a conclusão: ênfase ou

retomada da tese ou posicionamento defendido.

Os argumentos podem ser construídos por meio de exemplos, citações de

especialistas, causas e conseqüências ou informações concretas. Tais argumentos

podem ser construídos a partir de leituras (de jornais, revistas, periódicos, textos da

web, reportagens televisivas, etc), entrevistas, constatação de fatos (observando

causas e consequências) e ainda de dados fornecidos por estatísticas publicadas

em livros e fontes do governo. Esses argumentos devem ser apresentados numa

sequência de raciocínio demonstrando a ideia que o autor pretende defender.

Além disso, para que o artigo de opinião torne-se coeso e exista ligação

entre as orações e entre os parágrafos é importante que haja expressões que os

articulem entre si. O uso de algumas expressões estabelece o elo entre as orações

e entre os parágrafos. Exemplo de expressões que ajudam a articular esse gênero:

a) Expressões que indicam posição: “indubitavelmente”, ”realmente”, “com certeza”,

“parece-me que”, “provavelmente”, “infelizmente; b) expressões que introduzem

argumentos, estabelecendo relações lógicas: “porque”, “pois”, “por isso”; c)

expressões que indicam posição: “indubitavelmente”, ”realmente”, “com certeza”,

“parece-me que”, “provavelmente”, “infelizmente”; d) expressões que introduzem

argumentos, estabelecendo relações lógicas: “porque”, “pois”, “por isso”, “embora”,

“apesar de”, “para”, “a fim de”, “logo”, “então”; “no entanto”, “portanto”, “porém”

embora”, “apesar de”, “para”, “a fim de”, “logo”, “então”;”no entanto”, “portanto”,

“porém”; e) expressões que apresentam o fechamento, a conclusão do texto:

“conseqüentemente”, “por conseguinte”, “assim”, “então”, “desse modo”; e f)

expressões que articulam o texto todo (grupos de períodos, parágrafos, partes

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maiores do texto): “em primeiro lugar (...)”, “em segundo lugar (...)”, “finalmente”, “por

um lado (...)”, “por outro lado”....

Ter conhecimento das características do gênero discursivo que se quer

ensinar é importantíssimo, porém, não é suficiente, pois o professor também deve

levar em conta o que está implicado quando se ensina alguém a lidar com textos.

Conforme adverte Marcuschi (2008.p.90) ensina-se mais do que usos linguísticos.

Ensinam-se as operações discursivas de produção de sentidos dentro de uma

cultura com determinados gêneros como formas de ação linguística. As diretrizes de

Língua Portuguesa dão o seguinte norteamento em relação ao ensino da linguagem:

No processo de ensino-aprendizagem, é importante ter claro que, quanto maior o contato com a linguagem, nas diferentes esferas sociais, mais possibilidades se tem de entender o texto, seus sentidos, suas intenções e visões de mundo. A ação pedagógica referente à linguagem, portanto, precisa pautar-se na interlocução, em atividades planejadas que possibilitem ao aluno a leitura e a produção oral e escrita, bem como a reflexão e o uso da linguagem em diferentes situações. (PARANÁ, 2008, p. 55)

Embora os professores, em suas atividades de ensino da linguagem,

procurem se pautar por este norteamento, a atividade de produção textual do gênero

argumentativo é uma constante frustração para os docentes. Eles afirmam que os

alunos participam ativamente em atividades orais, porém não conseguem adequar-

se ao gênero quando em situação de escrita. Com relação a textos argumentativos,

muitas vezes, o máximo que se consegue é a elaboração de opiniões que não se

firmam em argumentos fundamentados e isso impede que a opinião ultrapasse o

senso comum.

Neste sentido, a prática pedagógica que seria ideal é aquela capaz de fazer

com que

o aluno se envolva com os textos que produz e assuma a autoria do que escreve, visto que ele é um sujeito que tem o que dizer. Quando escreve, ele diz de si, de sua leitura de mundo. Bakhtin (1992, p. 289) afirma que “todo enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva. É a posição do falante nesse ou naquele campo do objeto de sentido.” A produção escrita possibilita que o sujeito se posicione, tenha voz em seu texto, interagindo com as práticas de linguagem da sociedade. (PARANÁ, 2008, p.56)

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Cumpre ressaltar que o processamento de dados e informações para a

escrita não é cognitivamente diferente daquele utilizado para a leitura. Em ambos os

casos pode-se aumentar a relevância da tarefa (seja de escrita ou de leitura)

diminuindo-se os esforços e aumentando-se os ganhos com o uso de recursos

facilitadores da aprendizagem. Aliam-se assim atividades de produção textual e de

leitura.

Trabalhar o ensino da linguagem, nesta perspectiva, exige uma prática

pedagógica que leve o aluno a compreensão de que

Praticar a leitura em diferentes contextos requer que se compreendam as esferas discursivas em que os textos são produzidos e circulam, bem como se reconheçam as intenções e os interlocutores do discurso. É nessa dimensão dialógica, discursiva que a leitura deve ser experienciada, desde a alfabetização. O reconhecimento das vozes sociais e das ideologias presentes no discurso, tomadas nas teorizações de Bakhtin, ajudam na construção de sentido de um texto e na compreensão das relações de poder a ele inerentes. (PARANÁ, 2008, p.57)

É possível perceber que há, nessas diretrizes, uma explicitação daquilo que

deve ser feito. Entretanto, as diretrizes não deixam claro o que e como produzir uma

metodologia para atendê-lo. Afirma-se, no documento, que o aluno “ é um sujeito o

qual tem o que dizer” (Paraná, 2008, p 56), a afirmação pressupõe que o aluno é um

indivíduo que já tem, em si, as informações, os conteúdos e os conhecimentos

necessários para toda e qualquer produção textual. Na verdade, é necessário, por

parte do professor, todo um trabalho pedagógico prévio para que o aluno tenha o

que dizer, algo a ser feito concomitantemente ao ensino dos gêneros textuais.

Quando o aluno “tem o que dizer”, há informações em sua memória de curto

prazo, elas são acionadas sem que haja um esforço desestimulante e utilizadas em

sua produção textual. Em outras palavras, elas passam a fazer parte de seu

ambiente cognitivo. Para isto ocorrer é necessário expandir o conhecimento

enciclopédico do aluno gradualmente, de modo a motivar e manter seu interesse

pelo assunto que será tratado na produção textual. A seção seguinte procura

descrever e avaliar uma tentativa de aplicação desta metodologia baseada na Teoria

da Relevância, experiência levada a cabo numa sala de aula da 8ª série, atual 9º

ano, do Ensino Fundamental.

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É importante informar que além da Teoria da Relevância e das Diretrizes

Curriculares, também fez parte da fundamentação teórica o pressuposto de que o

uso de recursos tecnológicos é capaz de promover práticas de ensino mais

adequadas à contemporaneidade permeada pela tecnologia.

Assim, o uso de recursos mediáticos pode tornar qualquer objeto de

aprendizagem mais atrativo. Para tanto, para uma parte das aulas houve elaboração

de atividades em que foram utilizadas ferramentas como apresentações em

PowerPoint, vídeos curtos, leituras disponíveis em páginas da internet (sites de

jornais, revistas, etc). Ferramentas que despertam o encanto dos alunos pela ação

de buscar conhecimento atraindo mais facilmente a atenção à aula.

Tanto a leitura quanto a escrita foi planejada nesta nova perspectiva, para o

homem novo que esta geração deve educar. Este homem vive numa realidade muito

diferente da década anterior, por isso, sua formação deve passar por um processo

de mudanças em relação aos meios (recursos didáticos) utilizados. Os enunciados

se concretizam pelos diversos meios pelos quais a comunicação social circula

(rádios, jornais, televisão, web,...). Motivo pelo qual a organização da prática

pedagógica se ancorou nestes recursos.

Na seção seguinte são descritos alguns dos resultados alcançados com a

implementação desta metodologia em sala de aula, ao leitor interessado no passo a

passo seguido durante as aulas e/ou no material utilizado recomenda-se a leitura do

Material Didático publicado à parte. Cumpre, por fim, ressaltar que a seção abaixo

apresenta um recorte da experiência didática que foca os resultados mais

importantes.

1.3 A implementação da metodologia aumentou o interesse dos alunos pela

leitura.

A prática pedagógica, planejada para a implementação, manteve o foco na

expansão dos conhecimentos enciclopédicos dos alunos de forma gradativa. Para

tanto, a prática da leitura, da oralidade e da escrita concretizou o estudo de gêneros

discursivos sobre a temática.

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A sequência de expansão dos conhecimentos enciclopédicos deu-se de

forma que: primeiro o aluno conhece o gênero a ser estudado; em seguida

reconhece as características do gênero em textos, que já circulam socialmente (de

outros autores) e posteriormente inicia-se a expansão de conhecimento em relação

a temática para a produção escrita.

A cada etapa da aprendizagem, o maior aliado pra manter o foco da atenção

deles foram os recursos mediáticos. As ferramentas utilizadas pelos recursos

planejados foram indubitavelmente essenciais para o sucesso das atividades.

Porém, a sequência de aprendizagem gradativa, cujos inputs acionavam o ambiente

cognitivo deles funcionava como um constante estimulo a aprendizagem, uma vez

que o esforço exigido para execução das propostas de trabalho apresentavam uma

conexão frequente entre o que já se sabia e o novo conhecimento.

O uso de hipertexto em apresentações no PowerPoint permitiram a eles a

percepção dos elos existentes entre a explicação em relação a estrutura do gênero e

o gênero materializado textualmente. Enquanto se falava da forma do texto, era

possível trazer trecho do texto que exemplificava. Isso os fascinava e mantinha-os

atentos.

O estudo e análise do gênero e suas características ancorou-se em artigos

de opinião produzidos por alunos vencedores das Olimpíadas de Língua Portuguesa

no ano de 2010.

Cumpre ressaltar que todos os textos escolhidos proporcionaram a

possibilidade de atividades que atendiam aos princípios da Teoria da Relevância,

pois apresentam as características e elementos estudados; além de ser de fácil

leitura, versavam sobre temas e problemas presentes no cotidiano da sociedade

atual e ainda utilizam de vocabulário acessível e adequado para a série em estudo

(8 ª série/9º ano).

Conforme afirma os estudos feitos pelos autores da Teoria da Relevância

No processamento de informações existe esforço; só será feito esse esforço na expectativa de alguma recompensa. Por isso, não interessa chamar a atenção de alguém para qualquer fenômeno, a não ser que pareça suficientemente relevante a essa pessoa para valer a pena prestar-lhe a sua atenção. (SPERBER, WILSON, 2001, p.94)

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O processamento das informações exigiu pouco esforço de processamento,

porém maiores ganhos cognitivos devido ao trabalho desenvolvido com

antecedência sobre a estrutura do gênero e a seleção de textos com possibilidade

de escolha para leitura. Eles faziam a escolha de três textos entre um total de cinco

sugeridos, de acordo com o interesse que o assunto lhes despertasse.

Consequentemente, leram os textos cujos títulos lhes proporcionavam acesso a

algum conhecimento enciclopédico já adquirido e essa escolha funcionava como

uma estratégia estimulante.

É importante lembrar que a atividade prática da leitura inicial dos textos se

deu em laboratório de informática. Os textos foram disponibilizados num blog para

que eles fizessem a leitura. No blog, no momento da atividade, disponibilizou-se

também um link para a página da web de onde foram copiados. Vários deles leram

outros textos não solicitados, o que se pode considerar como resultado positivo. A

flexibilidade ofertada pela web contribuiu muito para ampliação das leituras, devido

ao estudo de texto não ser restringido a material impresso.

Estas atividades de leitura proporcionaram ao aluno a oportunidade de

averiguar se conseguiam perceber os elementos argumentativos e os recursos

coesivos utilizados pelos autores. Assim como lhes permitiu fazer a leitura de

sentidos que os textos podiam sugerir. A leitura dos textos propiciou aos alunos o

contato com textos argumentativos, que exemplificaram a estrutura textual de um

artigo de opinião. Nesta etapa, deu-se ênfase à oralidade, embora as atividades

pudessem ser registradas em caderno, a expressão dos alunos, em sala de aula foi

oral.

É importante observar que, quando se pretende levar em consideração as

situações de enunciação contemporânea, é fundamental atrelá-las aos conteúdos

curriculares considerando que:

Sendo a linguagem provavelmente a nossa prática cultural mais radical, não é impróprio admitir que é nela e em seu funcionamento que nos tomamos propriamente humanos; se podemos nos considerar "sujeitos" de nossas ações na relação com os outros e em relação aos outros, isso é possível em boa parte pela apreensão sócio-cognitiva da realidade levada a cabo pela linguagem e processos - verbais e não-verbais - afeitos a ela. (MORATO, 2006, p.117)

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A temática da discriminação racial foi estudada mediante leitura,

interpretação e discussão de textos pertencentes a vários gêneros textuais: tirinha

da Mafalda (leitura de fácil compreensão-texto visual e verbal), vídeos:

Conscientização sobre o racismo e O xadrez das cores (o primeiro em texto visual e

o segundo contendo texto visual e verbal ), depoimentos e dados estatísticos do

IBGE disponíveis na web e de uso do blog para interagir com os alunos. O

encantamento pela linguagem imagética é muito favorável a aprendizagem, pois

funciona como um elemento facilitador para a recepção dos inputs e para o

julgamento da relevância no processamento da informação recebida, devido a ter

uma recepção, pelo aluno, como se fosse uma atividade lúdica.

A tirinha da Mafalda (apresentada em quadros) e os vídeos criaram uma

expectativa de leitura muito maior depois da compreensão, pelos alunos, de que

estes são também gêneros textuais os quais o leitor deve ater-se em sua leitura,

pois são carregados de mensagens e valores culturas em sua expressão. A

contextualização destes textos ao seu contexto de produção proporcionou aos

alunos a compreensão dos discursos transmitidos culturalmente em diferentes

épocas evidenciando suas intencionalidades (evocar a atenção de leitor para a

temática).

Durante as atividades, eles demonstravam interesse tanto em falar sobre o

tema, quanto em registrar as informações debatidas. Alguns alunos, mesmo depois

de encerradas as atividades com a produção de texto, durante as aulas de leitura

livre (literatura) procuraram por obras relacionadas à temática da discriminação

racial. Outro fator que chamou a atenção foi o fato de que alunos que já passaram

por situações de discriminação demonstraram maior interesse pelo tema.

2. Efeito das atividades de leitura na produção escrita dos alunos

As práticas de leitura desenvolvidas permitiram a construção de importantes

inferências para a escrita dos textos. Constatou-se, o que pode ser observado nos

textos em anexo, que os debates e discussões proporcionados pelas leituras dos

diversos gêneros estudados possibilitaram a construção de argumentos coerentes

pelos alunos. Por outro lado, os estudos das características do gênero e dos seus

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recursos coesivos permitiram-lhes uma produção textual mais clara e adequada ao

gênero discursivo proposto para a escrita.

Foi possível perceber que a maioria dos alunos conseguiram redigir seus

artigos de opinião atendendo a estrutura do gênero e compreendendo a

intencionalidade presente nesta tipologia, apresentaram argumentos e possíveis

sugestões para a problemática apresentada em relação ao assunto abordado. Tal

resultado foi apontado em artigos de opinião mais consistentes cujo teor

argumentativo fez as redações transcenderam o senso-comum, conforme

evidenciam os textos 01 e 02 em anexo. Nos referidos textos, os autores tentam

sair do senso comum e utilizaram informações obtidas nas leituras disponibilizadas

anteriormente. A autora do texto 1, por exemplo, reforça seu ponto de vista em

dados do IBGE (informação contida entre as leituras efetuadas na prática) e a autora

do texto 2 reforça seu argumento em Nelson Mandela ( discurso contido nas leituras

proporcionadas aos alunos).

Numa leitura atenta do material produzido pelos alunos, depois da prática,

nota-se o uso de expressões que estabelecem relação entre períodos e parágrafos,

tais como: no texto 1 (“Segundo dados...” ;”Tudo isso...”; “Para isso acabar...”); e no

texto 2 (“Conforme..”; “Para melhorar...”).

Assim como é possível perceber a intencionalidade deles, tanto em

conscientizar sobre o respeito às diferenças, quanto a preocupação em, diante da

problemática apresentada, apontar possíveis alternativas de convencer o leitor em

relação ao direito de igualdade para todos quanto ao acesso as garantias de viver

com dignidade. O uso dos tempos verbais foi outro avanço obtido. A maioria dos

alunos conseguiram compreender e utilizá-los de forma correta (presente), uma das

características do gênero, assim como os autores disponibilizados em anexo.

No tocante a estrutura do gênero: descrição sobre o tema, opinião,

argumentos e conclusão, os resultados apresentados durante a avaliação dos textos

superaram as expectativas. Os autores fazem a descrição do tema a ser abordado já

no primeiro parágrafo. Traçam seus argumentos em relação a causas e efeitos da

discriminação racial para aqueles que dela são alvo nos parágrafos seguintes e no

ultimo apontam, suas perspectivas para a melhoria na qualidade de vida dos

discriminados. Em seus textos eles se firmam como autores dos discursos, usam

verbos em 1ª pessoa e se posicionam em relação à temática da discriminação. A

inclusão social é apontada em suas conclusões de forma explicita o que denota a

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posição favorável deles numa tentativa de convencimento do leitor para que efetue

práticas inclusivas.

De modo geral, os textos produzidos pelos alunos corresponderam às

expectativas geradas durante a organização da prática. Considerando que essa era

a primeira experiência deles na produção do gênero artigo de opinião, há de se

ponderar que dificuldades fariam parte do processo de escrita. Porém, a avaliação

geral dos resultados permite que se perceba a existência de um grande avanço de

aprendizagem na aquisição da compreensão e escrita do gênero discursivo.

No entanto, há de se reconhecer que o grande facilitador da aprendizagem

foi, sem dúvida, a organização da metodologia (fundamentada na TR) e a seleção

dos recursos a serem utilizados.

Considerações finais

A Teoria da Relevância, teoria da comunicação, traz a tona como se dá o

processamento de informações durante a transmissão de uma mensagem.

Segundo a TR, os inputs proporcionados pelo falante necessitam acessar o

conhecimento enciclopédico do ouvinte para que a mensagem possa surtir o efeito

desejado pelo emissor sem gerar possíveis equívocos, assim como conduzir o

receptor para a relevância do contido na mensagem. Isto porque é a partir da

relevância que ele esforça-se para processar a informação nova contida na

mensagem recebida. Tal esforço será feito à medida que a nova informação acessar

algum tipo de inferência que ele já tenha em sua memória de curto prazo.

A linguagem é o meio pelo qual o homem se torna um ser social, pois é

através dela que ele transmite seus pensamentos, usos, costumes valores humanos,

constrói e reproduz o conhecimento cientifico. Comunicar-se é uma constante ação

humana. Porém, os avanços tecnológicos efetuaram importantes mudanças no

processo de transmissão e assimilação da linguagem. Os meios pelos quais a

linguagem se efetiva são recriados frequentemente pelas diversas mídias:

impressas, audiovisuais e digitais. Por isso, o processo de ensino aprendizagem

deve fornecer ao aprendiz inferências necessárias para que todo novo conteúdo a

ser apreendido se identifique com algo já contido no conhecimento enciclopédico

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para que o aluno possa fazer suposições possíveis de atribuir o principio da TR: ele

absorverá um conhecimento novo, com ganhos significativos, porém sem que isso

lhe imponha grandes esforços de processamento da informação.

Portanto é muito importante que o professor entenda que o ensino da Língua

Portuguesa se constitui no processo de comunicação onde a aprendizagem se dá

via enunciados contidos nos diferentes discursos pelos quais a linguagem verbal e

não verbal se concretiza. Neste contexto, o professor é o emissor de mensagens

(aprendizagens novas) as quais os alunos devem atribuir relevância para que a

aprendizagem ocorra de fato.

Em Língua Portuguesa o ensino só cumpre o seu papel quando o aluno se

apropria do discurso em seus três eixos norteadores: leitura, oralidade e escrita. A

apropriação do discurso acontece quando o aluno compreende que cada gênero

discursivo tem funcionalidade especifica e materialização diferenciada devido a sua

intencionalidade. Essa compreensão torna o aluno capaz de compreender e produzir

discursos capazes de interferir na realidade em que vive. Um cidadão, com

habilidades para expressar-se e interferir na realidade exercendo sua cidadania,

apropriou-se do discurso.

A tipologia argumentativa, em relação ao gênero artigo de opinião,

proporciona relevante papel neste processo de apropriação do discurso. Neste

gênero, o autor do discurso, necessita organizar seus argumentos de forma lógica

para conseguir persuadir seu interlocutor. Ele terá preocupação em fazer tal

persuasão se ele tem competência para ler a realidade circundante e sentir-se

responsável para interferir nela. Para tanto, ele deve fazer uso da linguagem de

forma coesa e concisa.

Para que o processo de aquisição da linguagem proporcione esta

apropriação do discurso, as práticas pedagógicas para o ensino da Língua

Portuguesa precisam, assim como os meios de comunicação, renovar-se e

adequar-se constantemente atentas às necessidades dos novos sujeitos sociais. A

TR fundamenta, enquanto teoria da comunicação, a construção de novas práticas

pedagógicas a partir dos gêneros discursivos.

Portanto, para que o aluno tenha o que dizer, é fundamental que a

metodologia planeje práticas capazes de expandir o conhecimento enciclopédico

dos alunos com inputs capazes de despertar-lhes a atenção e a necessidade de

apropriar-se do discurso.

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ANEXO Texto 1: Discriminação racial

Vitória Saatkamp A discriminação racial acontece freqüentemente em no nosso dia- a- dia.

Excluí pessoas da raça negra principalmente. Racismo é discriminar uma pessoa pela sua raça, cor, origem.

Acredito que o racismo seja um ato de pessoas que não conhecem as qualidades, a cultura, inteligência da pessoa, e a julgam excluindo- as de seu cotidiano, achando que são superiores às pessoas que discriminam.

Já vi muitas pessoas discriminarem os negros sem antes conhecê-los, e julga- los pelo o que pensam. É muito difícil ver isso acontecer, pois nós somos todos iguais. Muitas pesquisas confirmam que negros são excluídos, na justiça, em sua dignidade, no trabalho, no lazer, em escolas, educação e saúde, e que a exclusão ainda é grande.

Segundo uma pesquisa do IBGE, o número de pessoas com mais de 25 anos, que possuem superior concluído, e que são negros, é de apenas 4,7%, quanto que aos brancos são 15%, e isso mostra a diferença enorme imposta entre negros e brancos. Por isso há tantos negros nas ruas que praticam crimes para se sustentar. Os brancos criaram uma espécie de muro na sociedade, em que brancos não se comunicam com negros.

Tudo isso mostra que, discriminação não leva a nada, e que não tem fundamento. Racismo é uma coisa que as pessoas colocam em suas cabeças porque viram outras fazerem, e acham que está certo, fazendo o mesmo e acreditando que estão corretos. A cor não importa, e sim o caráter.

Para isso acabar, as pessoas poderiam promover debates, reuniões, programas de inclusão social, para conseguir fazer com que negros sejam incluídos na sociedade e respeitados.

Texto 2: Um lugar na sociedade para os negros Carla Jaqueline Botura

A descriminação racial é julgar uma pessoa pela cor. As pessoas da raça negra sofrem constantemente com o racismo nas escolas, no trabalho, pois são desvalorizadas na sociedade em que vivem.

O racismo é irracional, pois é difícil de entender como as outras pessoas discriminam o outro pela cor, sem conhecer o seu caráter. Discriminação é um crime inafiançável, cuja pessoa racista pode ser presa. Os negros que são discriminados sofrem com a melancolia, depressão, muitas crianças negras param de estudar, pois sentem vergonha de sua cor.

Conforme Nelson Mandela, “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor, por sua origem ou religião...”. Todas as pessoas nascem ingênuas. Essas pessoas aprendem a odiar, dependendo da educação que recebem de seus pais em casa. Do mesmo modo que elas podem odiar o próximo pela cor, elas podem amar, melhorando a sociedade em que vivem.

Para poder melhorar a sociedade, diminuindo o racismo, é preciso fazer novas leis para punir as pessoas racistas e projetos nas escolas, mostrando para as crianças que os negros merecem respeito e espaço na sociedade. Eles são dignos de ter um bom emprego, fazer um curso superior, receber salários com igualdade em relação aos brancos, pois eles são iguais a qualquer outra pessoa.