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Quase um século e meio depois de seu falecimento, a Marquesa de San- tos (1797–1867) ainda provoca senti- mentos ambivalentes nos conterrâ- neos paulistas. Para uns, Domitila de Castro Canto e Melo, que recebeu o titulo de nobreza por ser amante de d. Pedro I, foi uma mulher libertina e oportunista. Tomou banho pelada na praia com o fogoso imperador do Bra- sil e usou o relacionamento com ele para subir na vida e beneficiar a famí- lia inteira. Para outros, foi uma pre- cursora da liberação sexual, que man- dava na própria vida, ao contrário das contemporâneas submissas. Na velhice, promoveu saraus literá- rios e bailes de máscaras em seu pala- cete de São Paulo, na atual Rua Rober- to Simonsen, onde fica o Museu da Cidade. Tornou-se dama caridosa, so- correu doentes e protegeu miserá- veis. Vários livros já trataram de sua bio- grafia. O mais substancioso, porém, acaba de ser lançado pelo historiador Paulo Rezzutti. Intitula-se Domitila – a Verdadeira História da Marquesa de Santos (Geração Editorial, São Paulo, SP, 2013). Ela conheceu d. Pedro em São Paulo no ano em que o príncipe regente proclamou a Independência do Brasil. Estava separada do primei- ro marido, que a esfaqueou por supos- ta infidelidade, e tinha já três filhos. Seu relacionamento com d. Pedro durou de 1822 a 1829. Resultou em ou- tros cinco rebentos. O imperador, en- viuvando da primeira mulher, d. Ma- ria Leopoldina de Áustria, casou-se com d. Amélia de Leuchtenberg. Além de a união ter frustrado a aman- te oficial, que sonhava ser rainha con- sorte, foi o principal motivo da separa- ção. Voltando para São Paulo, a Mar- quesa de Santos se casou em segun- das núpcias com o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar e foi morar no pala- cete da Rua Roberto Simonsen. Teve com o político e militar paulista ou- tros seis filhos e, como nos contos de fada, viveu feliz para sempre. Como mostram os móveis e os obje- tos domésticos expostos no Museu da Cidade de São Paulo, embora a Marquesa de Santos não se notabili- zasse pela beleza (tinha o rosto fino e comprido e propensão a engordar, até porque também seria boa de gar- fo), era dama requintada. Segundo Paulo Rezzutti, no jantar que organi- zou por ocasião da formatura em di- reito (pela Faculdade do Largo de São Francisco) de um dos seus filhos com Tobias de Aguiar, em 1858, usou um valioso faqueiro com seu monograma encimado pela coroa de marquesa. Importado da França, todo em ver- meil (prata de lei dourada), dava para 95 pessoas e pesava 22,9 kg, sem a cai- xa. A anfitriã ainda dispunha de lindas porcelanas inglesas e alemãs, de uma baixela completa em ouro e de um pre- cioso serviço de cristal bacará azul-co- balto. São escassas as pistas sobre os ali- mentos em sua mesa. Mas ajudam a reconstituir o que se comia em São Paulo no século 19. Segundo Paulo Rezzutti, na festa de seu primeiro ca- samento, com o alferes Felício Pinto Coelho de Mendonça, em 1813, os con- vidados teriam saboreado carnes cozi- das e assadas; e sobremesas como compota de figo, pamonha, bolinhos fritos, leite com farinha, canjica, além de doces de ovos portugueses e frutas da terra. Para beber, seguramente vi- nho português e a então famosa aguar- dente da Freguesia do Ó. O historiador diz que era comum haver na mesa da época pratos de fei- jão, toucinho fresco, linguiça defuma- da, torresmo, carne de porco, couve e farinha. Coincidentemente, eram os ingredientes de uma das receitas em- blemáticas da nossa cozinha popular: o virado à paulista. Não por acaso, ali- mentou d. Pedro I na viagem que fez a cavalo do Rio de Janeiro a São Paulo, quando proclamou a Independência do Brasil e se enamorou da Marquesa de Santos. Foi um dos pratos que uniu o casal? À mesa, é claro. Receita. Veja como fazer o virado à paulista no site estadao.com.br/paladar O prato que uniu Domitila e Pedro estadão.com.br [email protected] O MELHOR DE TUDO DIAS LOPES

Av. North California, 3.324, Hot Doug’sjadiaslopes@gmail ... · Receita.Vejacomofazer ... molho de linguiça caseira e a rabada ... artesanal. Pães, coalhada, embutidos, massas,sorvetes...Éoapreçopeloofí-

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COMIDA DE VIAGEM

Quase um século e meio depois deseu falecimento, a Marquesa de San-tos (1797–1867) ainda provoca senti-mentos ambivalentes nos conterrâ-neos paulistas. Para uns, Domitila deCastro Canto e Melo, que recebeu otitulo de nobreza por ser amante de d.Pedro I, foi uma mulher libertina eoportunista. Tomou banho pelada napraia com o fogoso imperador do Bra-sil e usou o relacionamento com elepara subir na vida e beneficiar a famí-lia inteira. Para outros, foi uma pre-cursora da liberação sexual, que man-dava na própria vida, ao contrário dascontemporâneas submissas.

Na velhice, promoveu saraus literá-

rios e bailes de máscaras em seu pala-cete de São Paulo, na atual Rua Rober-to Simonsen, onde fica o Museu daCidade. Tornou-se dama caridosa, so-correu doentes e protegeu miserá-veis.

Vários livros já trataram de sua bio-grafia. O mais substancioso, porém,acaba de ser lançado pelo historiadorPaulo Rezzutti. Intitula-se Domitila –a Verdadeira História da Marquesa deSantos (Geração Editorial, São Paulo,SP, 2013). Ela conheceu d. Pedro emSão Paulo no ano em que o prínciperegente proclamou a Independênciado Brasil. Estava separada do primei-ro marido, que a esfaqueou por supos-

ta infidelidade, e tinha já três filhos.Seu relacionamento com d. Pedro

durou de 1822 a 1829. Resultou em ou-tros cinco rebentos. O imperador, en-viuvando da primeira mulher, d. Ma-ria Leopoldina de Áustria, casou-secom d. Amélia de Leuchtenberg.Além de a união ter frustrado a aman-te oficial, que sonhava ser rainha con-sorte, foi o principal motivo da separa-ção. Voltando para São Paulo, a Mar-quesa de Santos se casou em segun-das núpcias com o brigadeiro RafaelTobias de Aguiar e foi morar no pala-cete da Rua Roberto Simonsen. Tevecom o político e militar paulista ou-tros seis filhos e, como nos contos defada, viveu feliz para sempre.

Como mostram os móveis e os obje-tos domésticos expostos no Museuda Cidade de São Paulo, embora aMarquesa de Santos não se notabili-zasse pela beleza (tinha o rosto fino ecomprido e propensão a engordar,até porque também seria boa de gar-fo), era dama requintada. Segundo

Paulo Rezzutti, no jantar que organi-zou por ocasião da formatura em di-reito (pela Faculdade do Largo de SãoFrancisco) de um dos seus filhos comTobias de Aguiar, em 1858, usou umvalioso faqueiro com seu monogramaencimado pela coroa de marquesa.Importado da França, todo em ver-meil (prata de lei dourada), dava para95 pessoas e pesava 22,9 kg, sem a cai-xa. A anfitriã ainda dispunha de lindasporcelanas inglesas e alemãs, de umabaixela completa em ouro e de um pre-cioso serviço de cristal bacará azul-co-balto.

São escassas as pistas sobre os ali-mentos em sua mesa. Mas ajudam areconstituir o que se comia em SãoPaulo no século 19. Segundo PauloRezzutti, na festa de seu primeiro ca-samento, com o alferes Felício PintoCoelho de Mendonça, em 1813, os con-vidados teriam saboreado carnes cozi-das e assadas; e sobremesas comocompota de figo, pamonha, bolinhosfritos, leite com farinha, canjica, além

de doces de ovos portugueses e frutasda terra. Para beber, seguramente vi-nho português e a então famosa aguar-dente da Freguesia do Ó.

O historiador diz que era comumhaver na mesa da época pratos de fei-jão, toucinho fresco, linguiça defuma-da, torresmo, carne de porco, couve efarinha. Coincidentemente, eram osingredientes de uma das receitas em-blemáticas da nossa cozinha popular:o virado à paulista. Não por acaso, ali-mentou d. Pedro I na viagem que fez acavalo do Rio de Janeiro a São Paulo,quando proclamou a Independênciado Brasil e se enamorou da Marquesade Santos. Foi um dos pratos que uniuo casal? À mesa, é claro.

Hot-dogcom pedigree

Receita. Veja como fazero virado à paulista no site

Uma lanchonetede Chicago dizque faz ‘o melhorcachorro-quentedos EUA’. As filasparecem confirmar

● Hot Doug’sAv. North California, 3.324,Chicago, Estados Unidos,+1 (773)279-9550

José Orenstein / CHICAGO

Numa esquina pacatana parte norte de Chi-cago, um burburi-nho de pessoas enfi-leiradas forma-sereligiosamente desegunda a sábadoperto da hora do al-moço. Mas não é algumtipo de bênção que elas espe-ram: é o hot-dog do Hot Doug’s.

A pequena e colorida lancho-nete ostenta o título informalde melhor cachorro-quentedos Estados Unidos. É figuri-nha repetida nas listas de musteat que pululam pela rede. Nomês passado, ela virou até livro:Hot Doug’s – The Book, referen-dado por gente como AnthonyBourdain, o chef globetrotter.Mas o falatório não é à toa.

A honestidade, o olho do do-no e a ótima matéria-prima que

compõem areceita do Hot Doug’s relem-bram-nos de que não há nada denovo sob o sol da gastronomia –ainda que tão poucos pelo mun-do equilibrem esses princípiosbásicos.

No Hot Doug's, o cardápio gi-ra em torno de variações sobreo tema da salsicha acolchoadaem um pão. E, claro, os incontor-náveis refrigerante e batatas fri-tas estão lá.

A coisa toda funciona sob abatuta do sempre atento e sim-pático Douglas Sohn (foto) – opresidente do Hot Doug’s, co-mo atesta seu cartão de visitas.Ex-estudante de gastronomia eeditor de livros culinários, eleachava que os cachorros quen-tes que comia em Chicago eramapenas medianos. Resolveu en-tão fazer do jeito dele.

E ele está sempre lá: Doug re-cebe pacientemente cada umdos clientes de trás de seu bal-cão. Faz sugestões de que acom-

panhamentos vão melhor comque tipo de salsicha e, às vezes,até freia o impulso quase instin-tivo para um marinheiro de pri-meira viagem de pedir tudo oque está no menu.

A oferta é vasta: são 11 cachor-ros-quentes fixos no cardápio –do clássico Chicago style (pãocom sementes de papoula, mos-tarda, relish de pepino verde fos-forescente, picles, cebola pica-da caramelizada e tomate) aoElvis (feito com salsicha debratwurst e repolho).

Tem ainda uma oferta variá-vel de cachorros-quentes maiscaprichados, que muda de tem-pos em tempos. Um dos maisconcorridos,que volta emeiaapa-

rece no quadro negro de espe-ciais do dia, é o politicamenteincorreto e corretamente deli-cioso cachorro-quente de salsi-cha de carne de pato banhadaem sauterne, adornada por far-tos nacos de foie gras. É o ladochef de Doug, que inventa salsi-chas de cordeiro, ou coelho,acompanhadas por queijo fetaou roquefort. A quem o acusade conspurcar a pureza do ca-chorro-quente, responde: “Nãoacredito em regras na cozinha.O importante é dar prazer”.

Triunfar com cachorros quen-tes no Estados Unidos, terraque popularizou o sanduíche,não é para neófitos. Ainda maisem Chicago: a cidade é talvez oepicentro da cultura hotdoguea-na no país, fato explicado ao me-nos em parte pela história, jáque grandes levas de imigran-tes do leste europeu aportarampor lá, no século 19, trazendo namala a tradição de embutir.

Mas a melhor notícia sobre oHot Doug's é que, embora sejajá um destino turístico, mapea-do pelos gastrônomos, foodiese que tais, permanece honesto.Abre de segunda a sábado das10h30 às 16, não tem filiais, e ébarato: os hot-dogs do cardápiofixo vão de 1,50 a 4 dólares. E,enquanto está aberto, o dononunca tira a barriga do balcão.

● ArturitoR. Artur de Azevedo, 542, Pinheiros,3063-4951. Almoço: 12h/15h (sáb. edom. 12h30/16h. Fecha 2ª). Jantar:19h/23h30 (6ª e sáb. 19h/0h.Fecha dom.). Cc.: todos

Há mais luz no Arturito. Tanto nosentido literal, com o fim da quasepenumbra que predominava no sa-lão, particularmente nos primeirostempos, como no cardápio, no servi-ço, no estado de espírito, na revisãode preços (para baixo). Sempre co-mi bem no restaurante de Paola Ca-rosella. Entretanto, agora o progra-ma é mais agradável.

Escrevi sobre a casa há coisa deum ano, depois de uma troca de car-dápio bastante profunda. Havia me-lhorado, mas eu ainda sentia faltadas receitas vibrantes dos temposdo Julia Cocina, onde a chef real-mente se projetou. E não tinha co-mo não se incomodar com o servi-ço, que oscilava entre uma quase to-tal ausência e uma presença quasetotalmente blasé. Mudou.

Paola Carosella deixou as funçõesexecutivas no Grupo Rubaiyat e vol-tou a supervisionar a cozinha, sob ocomando do chef Thiago Bañares.

Assumiu o estabelecimento como úni-ca dona e descomplicou as dinâmicasinternas do restaurante. O atendimen-to é simples e cordial, sem salamale-ques e afetações – embora eficiente ebem informado sobre o cardápio. Nãose cobra mais taxa de rolha para o vi-nho levado pelo cliente. A iluminaçãoagora é confortável.

Mas as mudanças no menu, princi-palmente, valeram as revisitas. Pratosnovos, como o nhoque de ricota commolho de linguiça caseira e a rabadabraseada com ravióli de espinafre (am-bos a R$ 49) unem potência e delicade-za. Os mexilhões à provençal (R$ 24 eR$ 48, conforme o tamanho) e o peixedo dia na caixa de ferro com gratin deabóbora (era anchova, R$ 62,50) se-guem frescos e bem executados, comcocções precisas. E há opções inclusi-ve como os ovos estalados com lingui-ça feita na casa, de copa e pernil, maissalada e torrada de brioche, por admirá-veis R$ 24.

A lista de itens recomendáveis é lon-ga. Entradas como o quiabo tostado,cebolas doces e ajo blanco (R$ 13 e R$22), sobremesas como o crème cara-mel de laranja (R$ 19) e a torta rústicade ameixa e blueberries (R$ 18). Con-tando tudo que provei, só tenho umaressalva. Ainda que a carbonara da ca-sa (R$ 49) seja respeitável, penso queesse molho não funciona bem com ta-gliatelle: a massa é fina e vai se quebran-do, à medida que o prato esfria.

Acho que o Arturito agora combinamelhor com o próprio nome. Antes,talvez ele estivesse mais para Sr. Artur(eu sei, escrevi isso em 2012). E, tantoquanto chamar a atenção para a novafase, quero louvar o zelo da chef peloartesanal. Pães, coalhada, embutidos,massas, sorvetes... É o apreço pelo ofí-cio, enfim.Por que este restaurante?Porque sua nova fase é muito alentado-ra, com ambiente mais agradável, pre-ços melhores e pratos muito bons.

Vale?O executivo custa R$ 44. O couvert ébásico e na medida (R$ 7,50). Há pratoscaros, como o polvo na chapa (R$ 98), evários abaixo dos R$ 50; alguns por me-nos de R$ 30. Embora várias sugestõescoincidam, existe um cardápio para oalmoço, outro para o jantar, um tercei-ro para o fim de semana. Vale.

estadao.com.br/paladar

O prato que uniuDomitila e Pedro

estadão.com.br

Chicago style. O clássico do Hot Doug’s, templo do cachorro-quente norte-americano

FOTOS: JULIA RETTMANN/ESTADÃO

Arturito. Pratos novos e atendimento simples, cordial e bem informado

ALEX SILVA/ESTADÃO

Arturito ilumina salão e menu

Onde

[email protected]

Onde fica

EU SÓ QUERIA JANTARLUIZ AMÉRICO CAMARGO

O MELHOR DE TUDODIAS LOPES

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D2 paladar 18 A 24 DE JULHO DE 2013 O ESTADO DE S. PAULO