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AVALIAÇÃO DA AUSTEMPERABILIDADE DE UM FERRO FUNDIDO NODULAR DE CLASSE PERLÍTICA (FE-70002) EM CORPOS DE PROVA COM 50 mm DE ESPESSURA M. F. Hupalo, M. E. Balzer, G. Warmling Sociedade Educacional de Santa Catarina, Instituto Superior Tupy, Rua Albano Schmidt, 3333, CEP: 89227-700, Boa Vista, Joinville, SC, [email protected] RESUMO O presente trabalho visa o estudo de um ciclo térmico para obtenção de microestrutura ausferrítica em peças de paredes espessas, utilizando corpos de prova obtidos a partir de blocos-Y de 50 mm, sem a adição significativa de elementos de liga à composição base de um ferro nodular da classe FE-70002. Os corpos de prova foram austenitizados a 900ºC, por três horas, seguido de resfriamento até a temperatura de austêmpera, de 350ºC. Os tempos de austêmpera variaram de 30 a 120 minutos. A caracterização microestrutural foi realizada com auxílio das técnicas de microscopia óptica, microscopia eletrônica de varredura com difração de elétrons retroespalhados (MEV/EBSD) e análise de imagens. A microestrutura ausferrítica apresentou-se homogênea em todas as secções dos corpos de prova. As propriedades mecânicas apresentaram pequena variação em função do tempo de austêmpera. O corpo de prova austemperado durante 90 minutos foi o que apresentou a melhor combinação de resistência e alongamento (900MPa e 7,2%). Palavras-chave: Nodular austemperado, microestrutura, ausferrita, propriedades mecânicas. INTRODUÇÃO O ferro fundido nodular austemperado, também conhecido como ADI (Austempered Ductile Iron), passou a ser empregado industrialmente a partir da década de 70, ampliando o campo de aplicação dos ferros fundidos, devido à combinação de propriedades como elevada tenacidade, resistência à tração, ductilidade, resistência ao desgaste e à fadiga, tornando-se um material de engenharia competitivo, combinando propriedades antes encontradas somente nos aços (1) . O nodular austemperado possui uma microestrutura chamada de ausferrita, composta por austenita de alto carbono e ferrita acicular. O ciclo de tratamento térmico de austêmpera de um ferro fundido nodular é ilustrado no gráfico esquemático da figura 1. Este ciclo consiste em aquecer a peça (trecho A-B) até a temperatura de austenitização, que pode variar entre 840 e 950ºC, mantendo o material nesta temperatura (trecho B-C) por um tempo suficiente para causar 17º CBECIMat - Congresso Brasileiro de Engenharia e Ciência dos Materiais, 15 a 19 de Novembro de 2006, Foz do Iguaçu, PR, Brasil. 7334

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AVALIAÇÃO DA AUSTEMPERABILIDADE DE UM FERRO FUNDIDO NODULAR DE CLASSE PERLÍTICA (FE-70002) EM CORPOS DE PROVA

COM 50 mm DE ESPESSURA

M. F. Hupalo, M. E. Balzer, G. Warmling

Sociedade Educacional de Santa Catarina, Instituto Superior Tupy, Rua Albano Schmidt, 3333,

CEP: 89227-700, Boa Vista, Joinville, SC, [email protected]

RESUMO

O presente trabalho visa o estudo de um ciclo térmico para obtenção de microestrutura

ausferrítica em peças de paredes espessas, utilizando corpos de prova obtidos a partir de

blocos-Y de 50 mm, sem a adição significativa de elementos de liga à composição base de um

ferro nodular da classe FE-70002. Os corpos de prova foram austenitizados a 900ºC, por três

horas, seguido de resfriamento até a temperatura de austêmpera, de 350ºC. Os tempos de

austêmpera variaram de 30 a 120 minutos. A caracterização microestrutural foi realizada com

auxílio das técnicas de microscopia óptica, microscopia eletrônica de varredura com difração de

elétrons retroespalhados (MEV/EBSD) e análise de imagens. A microestrutura ausferrítica

apresentou-se homogênea em todas as secções dos corpos de prova. As propriedades

mecânicas apresentaram pequena variação em função do tempo de austêmpera. O corpo de

prova austemperado durante 90 minutos foi o que apresentou a melhor combinação de

resistência e alongamento (900MPa e 7,2%).

Palavras-chave: Nodular austemperado, microestrutura, ausferrita, propriedades mecânicas.

INTRODUÇÃO

O ferro fundido nodular austemperado, também conhecido como ADI (Austempered

Ductile Iron), passou a ser empregado industrialmente a partir da década de 70, ampliando o

campo de aplicação dos ferros fundidos, devido à combinação de propriedades como elevada

tenacidade, resistência à tração, ductilidade, resistência ao desgaste e à fadiga, tornando-se um

material de engenharia competitivo, combinando propriedades antes encontradas somente nos

aços (1).

O nodular austemperado possui uma microestrutura chamada de ausferrita, composta por

austenita de alto carbono e ferrita acicular. O ciclo de tratamento térmico de austêmpera de um

ferro fundido nodular é ilustrado no gráfico esquemático da figura 1. Este ciclo consiste em

aquecer a peça (trecho A-B) até a temperatura de austenitização, que pode variar entre 840 e

950ºC, mantendo o material nesta temperatura (trecho B-C) por um tempo suficiente para causar

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a saturação da austenita em carbono. Logo após é feito o resfriamento rápido (trecho C-D) até a

temperatura de austêmpera, entre 230 e 400oC, evitando-se o campo de formação de perlita. O

material é mantido nesta temperatura durante o tempo necessário (trecho D-E) para

transformação da austenita rica em carbono em ausferrita. Nesta fase, recomenda-se que a

variação de temperatura não ultrapasse os 11ºC. A última etapa consiste em realizar o

resfriamento ao ar até a temperatura ambiente (E-F), terminando a reação antes do campo de

formação de bainita (2).

Figura 1. Representação esquemática do ciclo de tratamento térmico de austêmpera para

obtenção do nodular austemperado (2).

Os elevados teores de carbono e silício presentes nos ferros fundidos fazem com que

nestes materiais a reação de austêmpera ocorra de maneira diferente do que nos aços, para os

quais a estrutura formada é composta de ferrita acicular e carbonetos e é chamada de bainita.

Nos ferros fundidos nodulares se obtêm uma mistura de ferrita acicular e austenita com alto teor

de carbono (3).

A austemperabilidade de uma liga pode ser definida como a capacidade de ser resfriada a

partir do campo austenítico, permitindo a obtenção da estrutura ausferrítica. Este conceito difere

da temperabilidade, no sentido em que se objetiva justamente evitar a formação de estruturas

perlíticas e ferríticas durante o resfriamento, enquanto esta tem por objetivo evitar também a

formação da estrutura bainítica. A austemperabilidade depende não somente da composição

química da liga, como também das temperaturas e tempos de austenitização e austêmpera, do

meio em que o material é resfriado e da espessura da peça (4).

As austemperabilidades de 19 diferentes composições químicas de ferros fundidos

nodulares (com adições de cobre, manganês, molibdênio e níquel) foram determinadas por

Dorazil et al. (5), para diferentes temperaturas de austêmpera (300, 350 e 400ºC). Para todas as

composições estudadas, os autores determinaram, por meio de análises metalográficas, o

diâmetro máximo para o qual se evitava a formação de perlita. Voigt e Loper (6) realizaram um

Tem

pera

tura

Tempo A

B C

Patamar de austenitização (840 a 950oC)

D E

F

perlita

ferrita e austenita

bainita

Temperatura de austêmpera (230 a 400oC)

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tratamento matemático nos resultados de Dorazil (5), considerando os efeitos de sinergia dos

diversos elementos presentes na composição química, e propuseram a seguinte equação para o

cálculo do diâmetro crítico de austêmpera (DC):

AC TEMoNiMnSiCD 0468,1)(%25)(%16)(%22)(%27)(%124 −−++++= γ

+++++ ))(%(%11))(%(%88))(%(%62))(%(%12 CuMnMoNiMnCuNiCu (1) 137))(%(%20))(%(%127 −−+ NiMnMoMn

onde:

DC é o diâmetro crítico em mm;

Cγ é o teor de carbono da austenita; e

TA é a temperatura de austêmpera.

O cálculo do teor de carbono na austenita pode ser efetuado utilizando a equação (2), que,

segundo a literatura (4,6,7), apresenta boa correlação com os valores determinados

experimentalmente:

95,0)(%17,0420

% −−= SiTC (2)

onde T é a temperatura de austenitização.

A expressão de Voigt e Loper (6) foi aplicada por Darwish e Elliot (7) e mostrou boa

correlação com os valores determinados experimentalmente.

MATERIAIS E MÉTODOS

Neste trabalho buscou-se a obtenção de um ferro fundido nodular de classe perlítica (FE-

70002). A fusão foi programada de modo a se obter ligas com a composição química

apresentada na tabela 1. Esta composição foi definida a partir de levantamento bibliográfico,

objetivando-se a utilização de baixos teores de elementos de liga (0,15 a 0,20%Mo e 0,5 a

0,8%Cu) e a conseqüente redução dos custos de produção e dos efeitos associados à

segregação de elementos de liga.

Tabela 1. Composição química definida para estudo no presente trabalho. (% peso).

C Si Mn P S Mg Mo Cu

3,45-3,60 2,40-2,65 0,10-0,20 < 0,06 < 0,02 0,030-0,045 0,15-0,20 0,5-0,8

Para o tratamento de nodulização foi utilizada a liga nodulizante Fe-Si-Mg, seguido do

tratamento de inoculação, na panela de vazamento, usando inoculante à base de Fe-Si

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granulado. As composições químicas do nodulizante e do inoculante são apresentadas na tabela

2.

Tabela 2. Composições químicas do nodulizante e inoculante utilizados (% peso).

Liga nodulizante (Fe-Si-Mg) Liga inoculante (Fe-Si)

Mg 5 – 6,8 % Si 74 – 79%

Si 43 – 48 % S < 0,025%

Ca 0,9 –1,5% P < 0,05%

Terras Raras 0,8 – 1,5% Mn < 0,50%

Al 0,6 – 0,9% Fe Bal.

Fe Bal. Ca 1,02%

- - Al 0,91%

Para elaboração das ligas utilizou-se uma carga composta por ferro gusa (270 kg), sucata

de aço (30 kg), adições de cobre (2,2 kg), molibdênio (1,1 kg) e ferro-silício (75%) em pedra (4,1

kg). A fusão das ligas foi realizada em um forno de indução a cadinho de média freqüência com

capacidade de 350 kg. A partir da liberação do resultado da análise de composição química, o

metal líquido foi mantido à temperatura de 1485°C durante sete minutos.

O tratamento de nodularização foi realizado em panela de 60 kg, com adição de Fe-Si-Mg

na proporção de 1,6% (960 g). Após o tratamento de nodularização realizou-se o tratamento de

inoculação com Fe-Si, na proporção de 0,6% (360 g). Em seguida foi feito o vazamento dos

corpos de prova para obtenção das amostras. Corpos de prova do tipo bloco Y de 50 mm foram

confeccionados conforme norma NBR 6916. Para obtenção do número de corpos de prova

necessários à realização do trabalho foram vazadas quatro panelas. As temperaturas de

vazamento variaram entre 1360 e 1378°C. Para cada panela de vazamento foram obtidos quatro

blocos Y.

As composições químicas das panelas de vazamento foram determinadas com auxílio da

técnica de espectroscopia de emissão óptica. As amostras (moedas) para análise foram obtidas

por meio do vazamento em coquilha. Foi retirada uma amostra para cada panela de vazamento.

Utilizou-se um espectrômetro do tipo Spectro Lab-S, instalado no Laboratório de Materiais da

SOCIESC.

Os tratamentos térmicos de austêmpera foram realizados na área útil dos blocos Y, em

fornos tipo poço. O controle de temperatura dos banhos foi realizado com auxílio de um

termopar. O procedimento adotado consistiu das seguintes etapas:

i) pré-aquecimento entre 450 e 500ºC durante uma hora, sem banho de sais;

ii) pré-aquecimento até 800ºC durante 20 minutos, em banho de sais;

iii) austenitização a 900ºC durante três horas.;

iv) austêmpera a 350ºC durante 30, 60, 90 e 120 minutos, em banho de sais, com

posterior resfriamento ao ar.

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As amostras para análises macrográficas e micrográficas foram retiradas da área útil dos

blocos Y, a uma distância de 50 mm da extremidade. Foram analisadas amostras brutas de

fundição e austemperadas. A preparação metalográfica foi feita de acordo com procedimentos

convencionais. Realizou-se o lixamento até a grana 1200, seguido do polimento com pasta de

diamante de 1 µm. O ataque metalográfico foi realizado utilizando-se solução de Nital a 4%. Para

a identificação da presença de martensita na microestrutura das ligas foi utilizado o reagente de

Le Pera (8), constituído de 50% de solução de 2g de metabissulfito de sódio em 100 ml de água 4

g e 50% de solução de 4 g de ácido pícrico em 100 ml de etanol.

As microestruturas das amostras foram analisadas com auxílio da técnica de microscopia

óptica (MO). Medidas de metalografia quantitativa foram realizadas em amostras no estado bruto

de fusão, nas quais se determinou o grau de nodularização e o número de nódulos. Todas as

medidas foram realizadas na região central da parte útil do bloco Y (meio raio). Utilizou-se o

analisador de imagens Image ProPlus™ acoplado a um microscópio óptico Olympus BX-51. Em

média foram analisados oito campos por amostra.

Ensaios mecânicos foram realizados em corpos de prova retirados da parte útil dos blocos

Y, antes (bruto de fusão) e após os tratamentos térmicos de austêmpera. Os corpos de prova

para ensaio de tração foram confeccionados com comprimento útil de 60 mm e diâmetro de 10

mm, segundo a norma NBR 6916. Utilizou-se uma máquina universal de ensaios, da marca

Kratos, modelo ECC, com capacidade para 50.000 kgf. Foram utilizados dispositivos adequados

para garantir a fixação dos corpos de prova. A velocidade de ensaio utilizada foi de

aproximadamente 10 mm/min. Os corpos de prova para ensaio de impacto foram do tipo Charpy

(sem entalhe), com dimensões de 10 x 10 x 55 mm, segundo a norma NBR 6157. Os ensaios

foram realizados à temperatura ambiente, utilizando um pêndulo da marca Wolpert, modelo PW-

15K, com carga aplicada de 15 kg. Ensaios de dureza Brinell (HB) foram realizados em amostras

retiradas dos corpos de prova de tração. Utilizou-se um durômetro Brinell da marca Roell &

Korthaus, com esfera de 5 mm de diâmetro e carga de 750 kgf. Foram realizadas medidas de

dureza na superfície e no núcleo (região central) da parte útil dos blocos Y, antes e após

tratamentos térmicos de austêmpera. A determinação do diâmetro de impressão foi realizada

com auxílio de um leitor óptico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

ANÁLISE QUÍMICA

As composições químicas analisadas das amostras retiradas das quatro panelas de

vazamento são apresentadas na tabela 3. As ligas fundidas apresentaram composição química

próxima ao recomendado pela literatura (9) para secções espessas, em termos de teores de

carbono e silício. Observa-se que há uma variação muito pequena nos teores de elementos de

liga, principalmente cobre e molibdênio, que foram utilizados com o objetivo de aumentar a

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austemperabilidade da liga. De uma maneira geral, as ligas apresentam composição levemente

hipereutética, com teores de silício abaixo do proposto inicialmente. Vale destacar que apesar

dos baixos teores de silício encontrados, o carbono equivalente das ligas apresenta valores

próximos ao planejado inicialmente, variando entre 4,32 e 4,38. O silício pode ser considerado o

mais importante dos elementos encontrados nos ferros nodulares austemperados (4), não só por

seu efeito grafitizante na solidificação, como também por seu efeito no estado sólido durante o

tratamento térmico de austêmpera. Neste caso, o silício aumenta a atividade do carbono na

austenita, acelerando a sua difusão e favorecendo a nucleação da ferrita acicular.

Tabela 3. Composição química das amostras retiradas das panelas de vazamento (% em peso).

Elemento Panela 1 Panela 2 Panela 3 Panela 4 Média

C.E. 4,38 4,37 4,35 4,32 4,36

C 3,60 3,61 3,61 3,57 3,60

Si 2,27 2,23 2,17 2,19 2,22

P 0,060 0,060 0,061 0,059 0,060

S 0,009 0,008 0,009 0,009 0,0088

Mn 0,114 0,118 0,112 0,109 0,113

Cu 0,631 0,627 0,634 0,632 0,631

Mo 0,140 0,142 0,142 0,143 0,142

Cr 0,021 0,021 0,021 0,021 0,021

Mg 0,048 0,047 0,048 0,044 0,0468

Ti 0,003 0,003 0,003 0,003 0,003

Sn 0,002 0,002 0,002 0,002 0,002

Al 0,014 0,014 0,013 0,013 0,0135

Ni 0,005 0,004 0,004 0,004 0,0043

Nb 0,001 0,001 0,001 0,001 0,001

Pb 0,0003 0,0003 0,0003 0,0003 0,0003

Os resultados das análises químicas foram utilizados para avaliar a austemperabilidade da

liga por meio do cálculo do diâmetro crítico (DC) de austêmpera, utilizando a expressão proposta

por Voigt e Loper (6), definida na equação (1). Como descrito anteriormente, esta equação leva

em consideração o efeito sinergístico dos elementos de liga presentes na composição química

da liga (4), além do teor de carbono presente na austenita, que pode ser obtido com auxílio da

equação (2), sendo influenciado principalmente pela temperatura de austenitização e pelo teor

de silício da liga. Para a temperatura de austenitização de 900°C, o teor de carbono na austenita

foi de 0,82%. Finalmente, o diâmetro crítico calculado para a liga em estudo é de 37,5 mm, para

uma temperatura de austêmpera de 350°C.

Guedes (4), estudando a austemperabilidade de um ferro fundido nodular com adições de

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0,60% de cobre e 0,30% de molibdênio (teores médios), obteve diâmetros críticos de 33,2 e 24,7

mm, para temperaturas de austêmpera de 300 e 375°C, respectivamente. Estes diâmetros

críticos são inferiores ao encontrado no presente trabalho (37,5 mm), onde foi utilizado teor

similar de cobre e teor mais baixo de molibdênio, de 0,14%. Uma provável explicação para este

fato reside no menor teor de silício presente na liga em estudo, de 2,22% contra 2,44% (em

média) no material estudado por Guedes, o que proporcionou maior teor de carbono na

austenita, de 0,82%, contra os 0,77% encontrados pelo referido autor (4).

ANÁLISE METALOGRÁFICA

Estado bruto de fusão

Imagens obtidas pela técnica de microscopia óptica (MO) em amostra no estado bruto de

fusão são apresentadas nas figuras 17a e 17b.

(a) (b)

Figura 2. Microestrutura de amostra bruta de fundição: a) 200X, b) 500X. MO, região central

(núcleo). Ataque com Nital a 4%.

Observa-se uma microestrutura predominante perlítica, com uma fração volumétrica de

perlita de aproximadamente 98%. A liga apresenta grau de nodularização de aproximadamente

90%. O número de nódulos foi determinado em uma área compreendida entre o núcleo e a

superfície da área útil da secção estudada. Foram analisados ao todo oito campos, encontrando-

se um valor médio de 112 nódulos/mm2.

Macroestruturas após austêmpera

As amostras tratadas termicamente foram cortadas transversalmente, a uma distância de

50 mm da extremidade da parte útil do bloco Y, com o objetivo de desconsiderar o efeito da

maior velocidade de extração de calor nestas regiões. Os corpos de prova com 50 x 50 mm

foram preparados integralmente, com o objetivo de permitir a avaliação de possíveis mudanças

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microestruturais ao longo de toda a secção.

Macrografias das secções austemperadas são apresentadas na figura 2. Observa-se que

os corpos de prova apresentam grande homogeneidade ao longo da espessura, não sendo

evidenciados centros térmicos associados à formação de grandes frações volumétricas de

perlita. Analisando as secções da figura 2 ao microscópio óptico, observa-se que as mesmas

apresentam microestrutura ausferrítica ao longo de toda a espessura. Estas afirmações serão

corroboradas pelos resultados das análises micrográficas, apresentados a seguir.

Figura 3. Análise macrográfica dos corpos de prova após tratamento térmico de austêmpera por

30, 60, 90 e 120 minutos.

Microestruturas após austêmpera

As microestruturas resultantes dos tratamentos térmicos de austêmpera a 350ºC são

apresentadas nas figuras 4 e 5, respectivamente para 500 e 1000X de aumento. As imagens

foram feitas pela técnica de microscopia óptica na região central (núcleo) dos corpos de prova

mostrados na figura 3. Todas as amostras foram atacadas com reagente de Le Pera, que ataca

diferencialmente a martensita e as agulhas de ferrita acicular. Verifica-se que já com 30 min de

austêmpera (figuras 4a e 5a), a microestrutura é composta predominantemente por uma mistura

de ferrita acicular e austenita estabilizada. De uma maneira geral, pode-se dizer que as amostras

apresentam características microestruturais muito semelhantes. Entretanto, a análise cuidadosa

ao microscópio óptico permitiu identificar algumas particularidades, descritas a seguir.

Todas as amostras apresentaram pequenas quantidades de martensita, localizadas em

regiões intercelulares, nas proximidades dos nódulos de grafita e/ou em ilhas de austenita

localizadas entre agulhas de ferrita acicular. Estes são indícios de ocorrência do fenômeno de

segregação de elementos de liga, tanto para os nódulos como para os contornos de células

eutéticas, e de que a austenita nestas regiões ainda não estava estabilizada. Um exemplo do

que foi descrito pode ser encontrado na figura 4b, em amostra austemperada durante 60 min.

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(a) (b)

(c) (d)

Figura 4. Microestruturas de amostras austemperadas a 350ºC durante: a) 30 min., b) 60 min., c)

90 min., e d) 120 min. MO, 500X, região central (núcleo). Ataque com reagente de Le Pera.

(a) (b)

Figura 5. Microestruturas de amostras austemperadas a 350ºC durante: a) 30 min., e b) 90 min.

MO, 1000X, região central (núcleo). Ataque com reagente de Le Pera.

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Na região central da micrografia da figura 4b existem ripas de martensita (cor

alaranjada e contornos mais retilíneos) em meio a ilhas de austenita retida. Vale mencionar que

nada se pode afirmar sobre a variação nas quantidades de austenita retida e de martensita e/ou

ferrita acicular, em função do tempo de austêmpera. A determinação precisa das quantidades

destas fases só poderia ser realizada pela técnica de difração de raios-x.

Nas microestruturas após austêmpera também foram identificadas pequenas quantidades

de carbonetos intercelulares, presentes já no estado bruto de fundição. Exemplos podem ser

vistos na micrografia da figura 4d (regiões mais claras no centro à esquerda da micrografia), em

amostra austemperada durante 120 min.

PROPRIEDADES MECÂNICAS

Os resultados dos ensaios de tração, dureza e impacto, em função dos tempos de

austêmpera, encontram-se listados na tabela 4. Os resultados de propriedades mecânicas são

coerentes com as observações feitas em relação às microestruturas obtidas. Verifica-se

pequena modificação de propriedades em função do tempo de austêmpera. Este comportamento

pode ser atribuído à relativa homogeneidade microestrutural apresentada pelos corpos de prova,

alcançada já para a amostra austemperada durante 30 minutos, resultando em pequena

variação nas propriedades mecânicas (2).

Tabela 4. Resultados dos ensaios mecânicos para o estado bruto de fundição e após

tratamentos térmicos de austêmpera durante 30, 60 90 e 120 minutos. LRT - limite de resistência

à tração; A - alongamento (%); EAI - energia absorvida em impacto (J); DN - dureza no núcleo

(HB); DS – dureza superficial (HB).

Propriedade LRT (MPa) A (%) EAI (J) DN (HB) DS (HB)

Bruto 725 4,5 25,4 242 208

30 min. 905 5,2 112,6 293 307

60 min 905 5,0 104,2 306 324

90 min 897 7,2 112,6 293 304

120 min. 880 6,3 120,9 293 305

Em comparação com os requisitos mínimos de propriedades mecânicas estabelecidos

pelas Normas, as seguintes observações podem ser feitas a respeito dos nodulares

austemperados obtidos neste trabalho:

i) os materiais apresentam limites de resistência em torno de 900 MPa, o que os aproxima

das classes 1 (norma ASTM), FCD900-4 e FCD900-8 (norma JIS) e GGG90B (norma VDG).

Entretanto, os alongamentos obtidos encontram-se, de uma maneira geral, abaixo dos limites

mínimos recomendados. Este resultado pode ser atribuído, principalmente, à presença de

martensita e carbonetos na microestrutura dos corpos de prova, que reduzem

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consideravelmente a ductilidade;

ii) o corpo de prova austemperado durante 90 minutos foi o que apresentou a melhor

combinação de resistência e alongamento (900MPa/7,2%), enquadrando-se nas classes

FCD900-4 (norma JIS) e GGG90B (norma VDG) e aproximando-se da classe FCD900-8 (norma

JIS); e

iii) os valores de dureza obtidos enquadram-se nas faixas recomendadas pelas normas

supracitadas.

CONCLUSÕES

Com base nos resultados apresentados, as principais conclusões do presente trabalho são

as seguintes:

1) As ligas fundidas apresentaram composição química próxima ao especificado para secções

espessas, em termos de teores de carbono e silício;

2) As ligas apresentaram microestrutura predominantemente perlítica no estado bruto de

fundição. Apesar do número de nódulos ligeiramente abaixo do recomendado pela literatura, não

se observou a presença de grandes quantidades de carbonetos intercelulares;

3) Os corpos de prova austemperados apresentaram grande homogeneidade ao longo da

secção de 50 mm de espessura, não sendo evidenciados centros térmicos associados à

formação de grandes frações volumétricas de perlita. O diâmetro austemperado obtido no

presente trabalho foi superior ao diâmetro crítico teórico calculado, que foi de 37, 5 mm;

4) A estrutura ausferrítica apresentou-se homogênea em toda secção dos corpos de prova, para

os quatro tempos de austêmpera estudados. Este resultado foi corroborado pelas propriedades

mecânicas, que apresentaram pequena variação em função do tempo de austêmpera;

6) Os materiais apresentaram limites de resistência em torno de 900 MPa. Os alongamentos

obtidos foram menores do que os esperados para as respectivas classes de resistência

especificadas pelas Normas. A redução na ductilidade pode ser atribuída à presença de

martensita e carbonetos eutéticos na microestrutura dos corpos de prova;

REFERÊNCIAS

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and ductility. Metal Progress, v.28, n.2, p. 19, 1985.

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austempered ductile irons. Pergamon Press, Canada, 1997.

AUSTEMPERING STUDY OF A PERLITIC DUCTILE IRON (FE-70002) IN 50 mm THICK Y-BLOCKS

ABSTRACT

The main objective of the present work is the study of an austempering heat treatment cycle in

large sections, using Y-blocks of 50 mm thick with no significant addition of alloying elements to

an as-cast perlitic ductile iron. The Y-blocks were austenitized at 900oC for three hours, following

by subsequent cooling to the austempering temperature of 350oC. Austempering times of 30, 60,

90 and 120 minutes were used. Microstructural characterization was conducted by optical

microscopy and image analysis. Mechanical properties were studied by tensile, hardness and

Charpy impact tests. Results show that all samples present homogeneous ausferritic

microstructures. Mechanical properties have presented slight variations with austempering times.

The Y-block austempered during 90 minutes have showed the best combination of strength and

ductility (900 MPa/7.2%).

Key-words: austempered ductile iron, microstructure, ausferrite, mechanical properties.

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