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57 Saúde, Batatais, v. 5, n. 1, p. 57-71, jan./jun. 2016 Avaliação do consumo alimentar de idosos acamados pertencentes a duas estratégias de saúde da família em Batatais-SP Halayne Silva MENDES 1 Giseli Cristina Galati TOLEDO 2 Resumo: O consumo alimentar de idosos apresenta importantes relações com o perfil nutricional e de morbimortalidade nessa população; por isso, a avaliação do consumo alimentar é fundamental para prevenção de agravos de saúde. O presente estudo teve como objetivo avaliar o consumo alimentar de idosos aca- mados, pertencentes às Estratégias de Saúde da Família III e IV de Batatais- SP. Participaram do estudo todos idosos acamados (n=17) acompanhados pelas es- tratégias de saúde da família. O consumo alimentar foi avaliado no domicílio por meio do preenchimento de Registro Alimentar de três dias feito pelo cuidador. Foram analisados dados qualitativos em relação aos grupos de alimentos e por- ções diárias consumidas e dados quantitativos em relação à ingestão de energia (Kcal), macronutrientes e micronutrientes (Cálcio, Ferro, Vitamina B12, Vitami- na D). A análise do consumo foi realizada com a utilização do software Diet Pro 5.1, e os resultados foram comparados com as recomendações do Guia Alimentar para a população Brasileira (2014) e com as Dietary References Intakes. Doze idosos finalizaram o estudo. A análise da qualidade da dieta dos idosos acamados evidenciou que o consumo médio de porções de frutas (0,8 porção) e leite (1,33 porções) ficou abaixo do mínimo recomendado pelo Guia Alimentar para popu- lação brasileira (2006). A média de ingestão de energia (1380,69 Kcal ± 430,96), carboidrato (57,9% ± 11,14), proteína (18,65% ± 5,21) e lipídeos (26,96% ± 7,36) esteve adequada às recomendações percentuais das DRIs, mas a ingestão de micronutrientes como Ca, Vit B12 e Vit D ficaram abaixo dos valores reco- mendados. Portanto, torna-se necessário estabelecer estratégias de intervenção nutricional para melhorar as condições nutricionais e prevenir complicações e agravos na saúde desses idosos, que podem estar relacionados a má alimentação. Palavras-chave: Consumo Alimentar. Estado Nutricional do Idoso. Qualidade da Dieta. 1 Halayne Silva Mendes. Bacharel em Nutrição pelo Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>. 2 Giseli Cristina Galati Toledo. Doutora e Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de São Paulo (USP). Docente dos cursos de Nutrição da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) e do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

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Avaliação do consumo alimentar de idosos acamados pertencentes a duas estratégias de saúde da família em Batatais-SP

Halayne Silva MENDES1

Giseli Cristina Galati TOLEDO2

Resumo: O consumo alimentar de idosos apresenta importantes relações com o perfil nutricional e de morbimortalidade nessa população; por isso, a avaliação do consumo alimentar é fundamental para prevenção de agravos de saúde. O presente estudo teve como objetivo avaliar o consumo alimentar de idosos aca-mados, pertencentes às Estratégias de Saúde da Família III e IV de Batatais- SP. Participaram do estudo todos idosos acamados (n=17) acompanhados pelas es-tratégias de saúde da família. O consumo alimentar foi avaliado no domicílio por meio do preenchimento de Registro Alimentar de três dias feito pelo cuidador. Foram analisados dados qualitativos em relação aos grupos de alimentos e por-ções diárias consumidas e dados quantitativos em relação à ingestão de energia (Kcal), macronutrientes e micronutrientes (Cálcio, Ferro, Vitamina B12, Vitami-na D). A análise do consumo foi realizada com a utilização do software Diet Pro 5.1, e os resultados foram comparados com as recomendações do Guia Alimentar para a população Brasileira (2014) e com as Dietary References Intakes. Doze idosos finalizaram o estudo. A análise da qualidade da dieta dos idosos acamados evidenciou que o consumo médio de porções de frutas (0,8 porção) e leite (1,33 porções) ficou abaixo do mínimo recomendado pelo Guia Alimentar para popu-lação brasileira (2006). A média de ingestão de energia (1380,69 Kcal ± 430,96), carboidrato (57,9% ± 11,14), proteína (18,65% ± 5,21) e lipídeos (26,96% ± 7,36) esteve adequada às recomendações percentuais das DRIs, mas a ingestão de micronutrientes como Ca, Vit B12 e Vit D ficaram abaixo dos valores reco-mendados. Portanto, torna-se necessário estabelecer estratégias de intervenção nutricional para melhorar as condições nutricionais e prevenir complicações e agravos na saúde desses idosos, que podem estar relacionados a má alimentação.

Palavras-chave: Consumo Alimentar. Estado Nutricional do Idoso. Qualidade da Dieta.

1 Halayne Silva Mendes. Bacharel em Nutrição pelo Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>. 2 Giseli Cristina Galati Toledo. Doutora e Mestre em Ciências Médicas pela Universidade de São Paulo (USP). Docente dos cursos de Nutrição da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) e do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

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Assessment of dietary intake in elderly bedridden patients assisted by the “family health strategy” in Batatais-SP, Brazil

Halayne Silva MENDESGiseli Cristina Galati TOLEDO

Abstract: Food intake is closely related to nutritional status, morbidity and mortality in the elderly and assessment of dietary intake is essential for preventing impairment of health. This study aimed to assess dietary intake in elderly bedridden patients assisted by the “Family Health Strategy” programs III and IV in Batatais, SP, Brazil. The study included all bedridden elderly (n = 17) followed by the family health strategies. Food intake was assessed by a three-day food record, completed by their caregivers at patients’ homes. Qualitative data of food groups and servings consumed per day, and quantitative data of energy (kcal), macronutrient and micronutrient (calcium, iron, vitamin B12 and vitamin D) intake were assessed using the software Diet Pro 5.1. The results were compared with the Brazilian Dietary Guidelines for the Brazilian population (2014) and the Dietary Reference Intakes recommendations. Twelve seniors finished the study. The mean number of servings of fruits (0.8 serving) and milk (1.3 serving) were lower than those recommended for the Brazilian population. Although the mean intake of energy (1380.7 Kcal ± 431.0), carbohydrates (57.9 ± 11.1%), proteins (18.7 ± 5.2%) and lipids (27.0 ± 7.4%) met the DRI values, the intake of micronutrients was lower than recommended levels. Therefore, nutritional intervention strategies are needed to improve nutritional status and prevent poor diet-related health concerns and complications.

Keywords: Food Intake. Nutritional Status. Elderly. Diet Quality.

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1. INTRODUÇÃO

A alimentação saudável para a população idosa tem sido umas das atuais preocupações de saúde pública e deve ser uma das principais medidas para a garantia da qualidade de vida dos idosos, sendo para isso necessário que orientações nutricionais sejam tra-balhadas pelos profissionais da saúde com as famílias desses idosos (BRASIL, 2010).

No entanto, a garantia de uma alimentação saudável depende que os profissionais da saúde responsáveis por sua assistência te-nham conhecimento sobre os diversos fatores que podem interferir em uma alimentação adequada. Com o avanço da idade, ocorrem alterações no funcionamento do sistema gastrointestinal, com redu-ção da capacidade de mastigação, deglutição e absorção de nutrien-tes, redução da percepção sensorial e diminuição da sensibilidade à sede e utilização de medicamentos a longo prazo, o que com-promete a ingestão adequada de alimentos, assim como digestão e metabolismo de diversos nutrientes (CAMPOS; MONTEIRO; OR-GANELAS, 2000; PFRIMER; FERRIOLI, 2008; MAIA, 2005).

Além dessas alterações fisiológicas, é importante que os pro-fissionais da saúde também conheçam os aspectos qualitativos e quantitativos da dieta de idosos, pois, segundo dados do Inquérito Nacional de Alimentação (2008-2009), que avaliou o consumo ali-mentar de 4.322 idosos com 60 anos ou mais com registro alimentar de dois dias, foi evidenciado que os idosos brasileiros apresentam elevada inadequação da ingestão de nutrientes, reconhecidos como protetores contra doenças crônicas (FISBERG et al., 2013).

Portanto, considerando a importância da alimentação do ido-so como determinante nas suas condições de saúde, o objetivo deste artigo é apresentar dados qualitativos e quantitativos do consumo alimentar de idosos acamados assistidos por duas Estratégias de Saúde da Família no município de Batatais-SP.

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2. METODOLOGIA

O presente trabalho é um estudo transversal e descritivo, no qual foi avaliado o consumo alimentar de todos os idosos acamados (n=17), pertencentes às Estratégias de Saúde da Família (ESF) III e IV, nas Unidades Básicas de Saúde João de Souza Marques e Luís Cândido Alves, localizadas na cidade de Batatais (SP). O estudo consolidou-se dentro de um ano, de outubro de 2013 até outubro de 2014. A coleta de dados foi realizada após a apreciação e auto-rização do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Claretiano de Batatais, nº 24481613500005831.

A avaliação do consumo alimentar foi realizada no domicílio dos idosos, a partir de uma visita agendada com o agente de saúde comunitário. Foram coletados dados qualitativos e quantitativos do consumo alimentar utilizando-se o Registro Alimentar de Três Dias (FISBERG; MARTINI; SLATER, 2005).

O método consistiu na anotação diária de tudo o que foi con-sumido de forma prospectiva. Foram realizadas orientações ao cui-dador ou responsável pelo idoso sobre o modo correto de registrar os alimentos e as quantidades ingeridas, sendo instruídos a determi-nar o tamanho das porções dos alimentos consumidos para que as informações coletadas fossem mais fidedignas (FISBERG; MAR-TINI; SLATER, 2005).

O cuidador ou responsável pelo idoso foi treinado para fa-zer o registro dos horários e da quantidade dos alimentos ingeridos logo após o término das refeições, diminuindo, assim, os erros as-sociados à deficiência de memória. Após uma semana da primeira visita, foi realizada uma nova visita, em que os registros foram co-letados para análise.

A análise quantitativa do consumo alimentar foi realizada com o software Diet Pro 5.1., sendo calculada a ingestão de energia, macronutrientes e comparada com as AMDRs – Acceptable Macronutrient Distribution Ranges (INSTITUTE OF MEDICINE, 2002), que recomendam ingestão calórica, proveniente de carboidrato entre 45 e 65%; de proteínas entre 10 e 35%; e de lipídeos entre 20 e 35%. Os dados de ingestão

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de micronutrientes foram comparados com as recomendações das DRIs Dietary Reference Intakes (2005) de EAR Estimated Average Requirements, que recomendam, para indivíduos com as idades e sexos analisados, as seguintes quantidades de nutrientes: Cálcio (800-100mg/dia), Ferro (5-6mg/dia), Vitamina D (10mcg), Vitamina B12 (2mcg) (INSTITUTE OF MEDICINE, 2002). O cálculo das necessidades de energia foi realizado com EER – Necessidade Energética Estimada (INSTITUTE OF MEDICINE, 2002).

A análise qualitativa foi feita a partir de um comparativo en-tre as porções consumidas e as porções recomendadas pelo Guia Alimentar para a População Brasileira (2006) (BRASIL, 2008). As quantidades foram comparadas com as seguintes porções recomen-dadas: cereais (6 porções), leite e derivados (3 porções), carnes, peixes e ovos (1 porção), leguminosas (1 porção), frutas (3 por-ções), hortaliças (3 porções), açúcares e doces (1 porção) e óleos e gorduras (1 porção).

3. RESULTADOS

Caracterização da população estudada

A pesquisa iniciou-se com dezessete (n=17) idosos e finali-zou com doze (n=12), sendo oito (n=8) mulheres (67%) e quatro (n=4) homens (33%). Três (n=3) participantes foram excluídos por não haver preenchimento do registro alimentar por parte dos cui-dadores, e outros dois (n=2) faleceram antes da coleta de dados. A idade média dos idosos avaliados foi de 77 anos (DP±6,48).

Os idosos participantes da pesquisa apresentavam como do-enças mais frequentes: enfisema pulmonar, chagas, doenças cardio-vasculares, câncer de próstata e pele, hiperuricemia, infecção renal, hipertireoidismo, Alzheimer, fratura do fêmur, AVC, derrame, dia-betes mellitus tipo II, artrite, artrose, hipertensão arterial sistêmica.

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Análise qualitativa da dieta

A análise da qualidade da dieta dos idosos acamados eviden-ciou que o número de porções de frutas, hortaliças, leite e derivados e cereais avaliados no pelo registro alimentar (Gráfico 1) estava abaixo do mínimo de porções recomendadas para cada um desses grupos de alimentos conforme o Guia Alimentar para População Brasileira (2006); já o consumo de alimentos do grupo dos açúca-res, óleos e gorduras estava acima das recomendações.

Gráfico 1. Médias de ingestão de porções de grupos de alimentos e comparação com as quantidades recomendadas pelo Guia Ali-mentar para a População Brasileira (2006) avaliada pelo registro alimentar de três dias de idosos acamados das Estratégias de Saúde da Família III e IV do município de Batatais-SP, 2014.

Fonte: elaborado pelos autores.

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Análise quantitativa da dieta

A análise quantitativa da dieta evidenciou que a média de in-gestão de energia (1380,69 Kcal ± 430,96), carboidrato (57,9% ± 11,14), proteína (18,65% ± 5,21) e lipídeos (26,96% ± 7,36) esteve adequada às recomendações percentuais das DRIs, mas a ingestão de micronutrientes como Ca, Vitamina D e Vitamina B12 estavam abaixo dos valores recomendados. A baixa ingestão de cálcio pode estar associada ao baixo consumo de porções de leite e derivados, conforme verificado na avaliação qualitativa (Figura 1).

O consumo médio de Cálcio e Vitamina D ficaram abaixo dos valores de Estimativas Adequadas de Ingestão (EAR) na dieta de todos os idosos avaliados; além disso, 50% apresentaram ingestão insuficiente de Vitamina B12, e 83% consumiam Ferro acima da quantidade recomendada (RDA = 8mg/dia) para a população idosa (INSTITUTE OF MEDICINE, 2001) (Tabela 1 e Gráfico 2).

Tabela 1. Ingestão alimentar média de macro e micronutrientes e comparação com os as recomendações das DRIs, avaliada pelo registro alimentar de três dias de idosos acamados na Estratégias de Saúde da Família III e IV do município de Batatais-SP, 2014.

NUTRIENTES % RECOMENDADA AMDR MACRO/ EAR MICRO (mg/ mcg)MÉDIA(±) DP

CARBOIDRATO (%) 58 12 (45-65%)

PROTEÍNA (%) 19 5 (10-35%)

LIPÍDEO (%) 27 8 (20-35%)

CÁLCIO (mg) 472 277 800-1000mg

FERRO (mg) 9 4 5-6 mg

VITAMINA D (ucg) 3 2 10 mcg

VITAMINA B12(mg) 2 1 2 mcg

Fonte: elaborado pelos autores.

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Gráfico 2. Adequação de ingestão de macro e micronutrientes ava-liada pelo registro alimentar de três dias de idosos acamados na Estratégias de Saúde da Família III e IV do município de Batatais--SP, 2014.

Fonte: elaborado pelos autores.

Com relação à ingestão de energia (Kcal) nas dietas dos ido-sos acamados, verificou-se que a maioria dos avaliados 42% (n=5) apresentou baixa ingestão energética (EER), 33% (n= 4) consumia mais quilocalorias do que as necessidades e 25% (n=3) apresenta-ram adequada ingestão de energia (Gráfico 3).

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Gráfico 3. Comparação das necessidades nutricionais estimada pelo gasto energético total com a da média de ingestão de energia (Kcal) avaliada pelo registro alimentar de três dias dos idosos aca-mados na Estratégias de Saúde da Família III e IV do município de Batatais-SP, 2014.

Fonte: elaborado pelos autores.

4. DISCUSSÃO

Caracterização da população estudada

A renda média dos idosos somada à dos familiares (residentes na mesma moradia) foi de 2,29 salários mínimos (±6,48). Segundo o Ministério da Previdência Social (BRASIL, 2014), para ser con-siderada baixa renda familiar, os rendimentos mensais não podem ultrapassar do limite estabelecido de até dois salários mínimos vi-gentes (R$1148,00), e o per capita da renda mensal deve ser até R$441,00, de acordo com a classificação da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS, 2013). No entanto, considerando os regulamentos descritos, apenas na residência de um (n=1) idoso foi caracterizada uma renda fami-

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liar baixa, e os outros onze (n11) pesquisados apresentavam renda familiar média.

Análise qualitativa da dieta

Assim como no presente estudo, uma pesquisa realizada na Espanha com 190 idosos institucionalizados em centros de cuida-dos ao idoso na Espanha verificou que o número de porções de alimentos como cereais, frutas e vegetais estava abaixo das reco-mendações necessárias (FERNANDES-BARRÉS, 2015).

No estudo de Papini, Malta e Corrente (2013), o consumo médio das porções de frutas e hortaliças também esteve abaixo do recomendado pelo Guia Alimentar para a População Brasileira (2006); o mesmo foi observado para o consumo diário de porções de leite e derivados. Os autores ainda destacam a importância desse grupo de alimento para os idosos, visto que são importantes fonte de cálcio.

Viebig et al. (2009), em um estudo de base populacional com 2066 idosos de baixa renda na cidade de São Paulo, avalia-ram o consumo de frutas e hortaliças dessa população e também identificaram que cerca de um terço dos idosos (n=723; 35,0%) não consumiam diariamente nenhum tipo de fruta ou hortaliça, e que esse baixo consumo esteve positivamente associado à renda e à escolaridade. Outros fatores também foram identificados, como fatores para o consumo inadequado de frutas e hortaliças, como dificuldades de locomoção, problemas de mastigação e deglutição, bem como depressão e demência, que influenciam diretamente no consumo adequado de frutas e hortaliças e na qualidade da dieta. Esses achados talvez possam justificar o baixo consumo de porções desses alimentos no presente estudo.

Análise quantitativa da dieta

Diversos estudos que avaliaram o consumo alimentar de ido-sos mostram que a ingestão alimentar de diversos micronutrientes,

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principalmente como o cálcio e a vitamina D, estão abaixo das re-comendações estabelecidas.

Os dados encontrados no presente estudo corroboram com os achados de Fisberg et al. (2013) no Inquérito Nacional de Alimen-tação (2008-2009), em que se mostra que existem elevadas preva-lências de ingestão insuficiente de vitamina D e cálcio na popula-ção idosa. A inadequação da ingestão de Vitamina D é próxima de 100% em todas as regiões do Brasil, exceto para a região Norte; já para o Cálcio, a ingestão inadequada é maior que 80% em todas as regiões. Segundo os autores, o consumo insuficiente de micronu-trientes pode estar ligado ao baixo consumo de leite e derivados, frutas, verduras, legumes, pescados e devido à pouca variedade nas refeições habituais dos idosos (FISBERG et al., 2013).

É de grande importância que os grupos dos alimentos sejam consumidos nas porções corretas, pois estes fornecem os nutrientes essenciais (Vit. D, Vit. B12, Cálcio e Ferro) para um envelhecimen-to saudável.

Um outro estudo realizado em Viçosa (MG) que avaliou o consumo alimentar de idosos participantes de um programa mu-nicipal para a terceira idade evidenciou que o consumo mediano de cálcio foi cerca de 1/3 do valor recomendado (ABREU et al., 2008). Lopes et al. (2005) também encontraram ingestão insufi-ciente de cálcio, chegando a 98% de inadequação; dessa forma, há um risco elevado de osteoporose e fraturas. No estudo de Schmaltz (2011), a ingestão de vitamina D também estava bem abaixo da re-comendação; essa inadequação de cálcio é agravada principalmen-te em mulheres acima de 80 anos, devido a alterações hormonais que reduzem a absorção desse nutriente para 26%. Nesse estudo de ambos os sexos, apenas 12% dos idosos atingiram os valores recomendados.

A baixa ingestão de Vitamina B12 merece atenção neste es-tudo, pois, segundo Park e Johnson (2006), com o envelhecimento, há associações que podem causar a deficiência de Vitamina B12, como atrofia gástrica, o uso de alguns medicamentos e a anemia perniciosa, podendo, assim, influenciar na redução da cognição e

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na doença de Alzheimer (PFRIMER, 2008). Sendo assim, o baixo consumo pode agravar ainda mais as condições clínicas do idoso.

No estudo de Tinôco (2007), a porcentagem foi separada de acordo com o sexo, sendo que 94,2% das idosas ingeriam energia abaixo da EER, e todos os idosos ingeriam quantidade abaixo do recomendado. Já no estudo de Costa, Fonseca e Lopes (2010), a inadequação da ingestão energética das idosas chegaram a 100%. Os resultados de Galesi et al. (2008) também não foram diferen-tes: a ingestão de energia não atingiu a recomendação. Abreu et al. (2008) afirmam que a ingestão de energia dos idosos pode ser afetada pelo fato de eles serem edêntulos, por utilizarem algum me-dicamento e por viverem sozinhos.

No presente estudo, os principais fatores associados foram: baixa ingestão de energia, podendo estar associada à baixa condi-ção socioeconômica; às poucas refeições diárias, devido à anorexia; e à dependência por parte dos idosos debilitados de seus familiares para realizar a aquisição e preparações de alimentos.

5. CONCLUSÃO

A avaliação do consumo alimentar dos idosos acamados evi-denciou ingestão insuficiente de porções de frutas, hortaliças, leite e derivados e cereais, fatores esses que podem estar associados aos déficits de energia e micronutrientes como Ca, vitamina D e vita-mina B12. Esses achados talvez possam estar associados ao uso de medicamentos, à dependência familiar para aquisição e preparo dos alimentos, à preferência por alimentos de fácil preparo e mastiga-ção, aliados, ainda, à baixa condição socioeconômica dos idosos do presente estudo.

Os resultados sugerem que a população idosa acamada as-sistida em Estratégias de Saúde da Família requer uma assistência maior de ações preventivas e promoção da alimentação saudável, para manutenção de boas condições de saúde e prevenção de doen-ças, de maneira que contribua efetivamente para uma melhor qua-lidade de vida.

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REFERÊNCIAS

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