19
MARINA ROMANELLO GIROUD JOAQUIM MARIA ANGELA TARDELLI Avaliação Pré-anestésica CAPÍTULO INTRODUÇÃO A avaliação pré-anestésica implica coleta de informações sobre as condições clínicas do paciente a ser operado. Obedece a uma metodologia sistemática para acessar todos os focos de alteração orgânica, anatômica ou funcional, responsáveis por implicações atuais ou por potencial risco para eventos futuros. As inadequações nas condições clínicas do paciente devem ser melhoradas, sempre que possível, antes da intervenção anestési- co-cirúrgica, garantindo ao paciente maior reserva fisiológica para manter a homeostase diante do estresse induzido pelo trauma anestésico-cirúrgico. Os objetivos da avaliação pré-anestésica visam a reduzir os riscos do paciente à morbidade associada ao procedimento cirúrgico e às doenças coexistentes e à sua pre- paração física e psicológica para a operação e a anestesia. Nesse contexto, a avaliação pré-anestésica inclui: determinar o estado físico; avaliar o estado psicológico; solicitar exames necessários; solicitar avaliação de médicos de outras especialidades;

Avaliacao Pre Anestesica

Embed Size (px)

DESCRIPTION

avaliacao preanestesica

Citation preview

Page 1: Avaliacao Pre Anestesica

M A R I N A R O M A N E L L O G I R O U D J O A Q U I M

M A R I A A N G E L A T A R D E L L I

Avaliação Pré-anestésica

CA

PÍT

ULO

INTRODUÇÃO

A avaliação pré-anestésica implica coleta de informações sobre as condições clínicas do paciente a ser operado. Obedece a uma metodologia sistemática para acessar todos os focos de alteração orgânica, anatômica ou funcional, responsáveis por implicações atuais ou por potencial risco para eventos futuros. As inadequações nas condições clínicas do paciente devem ser melhoradas, sempre que possível, antes da intervenção anestési-co-cirúrgica, garantindo ao paciente maior reserva fisiológica para manter a homeostase diante do estresse induzido pelo trauma anestésico-cirúrgico.

Os objetivos da avaliação pré-anestésica visam a reduzir os riscos do paciente à morbidade associada ao procedimento cirúrgico e às doenças coexistentes e à sua pre-paração física e psicológica para a operação e a anestesia. Nesse contexto, a avaliação pré-anestésica inclui:

determinar o estado físico;avaliar o estado psicológico;solicitar exames necessários;solicitar avaliação de médicos de outras especialidades;

Page 2: Avaliacao Pre Anestesica

GU

IA D

E A

NES

TES

IOLO

GIA

E M

EDIC

INA

IN

TEN

SIV

A estimar o risco anestésico-cirúrgico;orientar e tranquilizar o paciente;preparar o paciente para o procedimento cirúrgico; escolher a técnica anestésica e identificar a necessidade de cuidados especiais no pós-operatório;planejar o controle da dor pós-operatória;obter o consentimento pós-informado.

O Conselho Federal de Medicina estabelece as normativas do ato da avaliação pré--anestésica, na Resolução n. 1.802/2006. Dentre as determinações, recomenda-se que, nos procedimentos eletivos, a avaliação pré-anestésica seja realizada em consulta médica antes da admissão na unidade hospitalar.

AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA

A realização da avaliação pré-anestésica é obrigatória, exceto nas situações de urgên-cia, devendo ser registrada em ficha apropriada e incluir:

anamnese;exame físico;avaliação do prontuário;avaliação dos exames complementares;determinação do risco anestésico-cirúrgico;preparo do paciente.

Anamnese e exame físicoA história médica é o componente mais importante da avaliação pré-operatória.

Devem ser documentados problemas médicos do paciente, cirurgias anteriores, com-plicações relacionadas a anestesias prévias (inclusive de familiares), alergias e hábitos, como atividade física e uso de cigarro, álcool ou drogas ilícitas. Tão importante quanto identificar a presença das doenças, é estabelecer a sua gravidade, como está o controle e qual é o tratamento em curso.

A anamnese deve abordar os diferentes sistemas, a história pessoal ou familiar de eventos adversos relacionados à anestesia e os sintomas cardiovasculares, respiratórios, endócrinos, gastrintestinais e neurológicos. O conhecimento das atividades diárias do paciente, incluindo o nível de atividade máxima, pode ajudar a prever a evolução do perío-do perioperatório.

A determinação da capacidade cardiorrespiratória ou funcional é útil como guia para a necessidade de uma avaliação pré-anestésica adicional e para a previsão de complica-ções perioperatórias. É avaliada por meio da tolerância à atividade física, quantificada em equivalentes metabólicos (MET), que se referem ao volume de oxigênio consumido

Page 3: Avaliacao Pre Anestesica

AV

ALIA

ÇÃ

O P

RÉ-A

NES

TÉSIC

A

durante uma atividade (Tabela 1.1). Um MET é o consumo de oxigênio durante o repou-so e equivale a 3,5 mL.kg-1.min-1. Diversos estudos demonstraram que a incapacidade de realizar exercícios de média intensidade, equivalentes a 4 a 5 MET, identifica o paciente com risco de complicações perioperatórias.

As doenças coexistentes podem resultar em importantes eventos adversos no per-curso anestésico-cirúrgico, devendo ser avaliadas por meio de análise meticulosa dos diferentes sistemas, com ênfase nas alterações recentes de sintomas, sinais e tratamento.

É importante conhecer o tipo de procedimento cirúrgico que será realizado, pois isso auxilia no direcionamento da condução da avaliação pré-anestésica (avaliação neuroló-gica mais detalhada e pesquisa de doença coronariana na endarterectomia de carótida) e do planejamento da anestesia (entubação em sequência rápida no abdome agudo obs-trutivo), bem como na quantificação do risco específico do procedimento cirúrgico.

SISTEMA CARDIOVASCULAR

Na avaliação do sistema cardiovascular, o anestesiologista procura reconhecer sinais e sintomas de hipertensão descontrolada, isquemia miocárdica, insuficiência cardíaca con-gestiva, doenças valvulares e alterações do ritmo cardíaco. A avaliação das extremidades adquire importância para descartar doença vascular periférica ou cardiovascular congê-nita. História de prolapso da válvula mitral é indicativo da necessidade da realização de profilaxia para endocardite bacteriana.

Hipertensão arterialA hipertensão arterial (HA) é a doença mais prevalente na população geral e nos

pacientes em avaliação pré-anestésica. Em algumas cidades brasileiras, entre 1990 e 2004, a prevalência ou incidência variou entre 22 e 44%.

São classificados como hipertensos os adultos com pressão sistólica superior a 140 mmHg e pressão diastólica superior a 90 mmHg. Os procedimentos cirúrgicos, quando possível, devem ser adiados se o paciente apresentar hipertensão em estágio 3 (Tabela 1.2).1

TABELA 1.1 GASTO METABÓLICO E CAPACIDADE FUNCIONAL ESTIMADA

MET Atividade

< 4 Comer, vestir-se, usar o banheiro, caminhar dentro de casa, caminhar a 3,2 a 4,8 km/h, realizar pequenas atividades domésticas

4 a 10 Subir um andar ou andar em aclive, caminhar a 6,4 km/h, correr pequenas distâncias, limpar assoalhos, realizar atividades físicas moderadas como dançar ou jogar tênis em dupla

> 10 Atividades físicas extenuantes: natação, tênis, futebol ou basqueteMET: equivalentes metabólicos.

Page 4: Avaliacao Pre Anestesica

GU

IA D

E A

NES

TES

IOLO

GIA

E M

EDIC

INA

IN

TEN

SIV

A O paciente com HA deve ser minuciosa e cuidadosamente avaliado no pré-operatório. Além da doença de base, devem ser pesquisadas comorbidades e possíveis lesões em órgãos-alvo, principalmente isquemia coronariana e disfunção ventricular. A presença de fatores de risco (Quadro 1.1), lesões em órgãos-alvo e doenças cardiovasculares (Quadro 1.2) deve ser sempre considerada para a adequada estratificação do risco (Tabela 1.3). As lesões em órgãos-alvo estão relacionadas com maiores índices de morbidade e mortalida-de perioperatória.

Exames como eletrocardiograma, ureia, creatinina e eletrólitos são necessários para com-plementar a avaliação.2 Pacientes com hipertensão arterial descontrolada devem ser orienta-dos quanto à melhor opção terapêutica ou devem ser encaminhados ao especialista.

TABELA 1.2 CLASSIFICAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL EM ADULTOS

Pressão arterial Sistólica (mmHg) Diastólica (mmHg)

Normal 120 a 129 80 a 84

Limítrofe 130 a 139 85 a 89

Hipertensão estágio 1 (leve) 140 a 159 90 a 99

Hipertensão estágio 2 (moderada) 160 a 179 100 a 109

Hipertensão estágio 3 (grave) 180 110

Hipertensão sistólica isolada 140 < 90

QUADRO 1.1 FATORES DE RISCO NA HIPERTENSÃO ARTERIAL

Maiores

Tabagismo

Dislipidemias

Diabete melito

Nefropatia

Idade > 60 anos

História familiar de doença cardiovascular em mulheres com menos de 65 anos e homens com menos de 55 anos

Outros fatores

Relação cintura/quadril aumentada (M = 0,85 e H = 0,95)

Circunferência da cintura aumentada (M = 88 cm e H = 102 cm)

Microalbuminúria

Tolerância à glicose diminuída/glicemia de jejum alterada

Hiperuricemia

Proteína C reativa ultrassensível aumentada

Page 5: Avaliacao Pre Anestesica

AV

ALIA

ÇÃ

O P

RÉ-A

NES

TÉSIC

A

O anestesiologista deve ter conhecimento das medicações anti-hipertensivas em uso para prevenir as possíveis interações medicamentosas indesejáveis. Diuréticos têm efeito anti-hipertensivo pela ação diurética e natriurética, diminuindo o volume intra- -vascular e podendo causar hipopotassemia, hipomagnesemia e hiperuricemia. Agonistas alfa-2-adrenérgicos, como a alfametildopa, podem causar hipotensão postural, anemia hemolítica e lesão hepática. Bloqueadores alfa-adrenérgicos podem levar à tolerância medicamentosa, quando usados prolongadamente, e à hipotensão postural.

Os bloqueadores beta-adrenérgicos têm efeito anti-hipertensivo por suas ações de inotropismo negativo, diminuição da secreção de renina, readaptação dos barorrecep-tores e diminuição de catecolaminas nas sinapses nervosas. Podem causar broncoespas-mo, bradicardia excessiva, distúrbio de condução intraventricular, insônia e depressão. Devem ser mantidos até a manhã do dia da operação. Sua interrupção abrupta pode provocar hiperatividade simpática com hipertensão rebote.

QUADRO 1.2 LESÕES EM ÓRGÃOS-ALVO E DOENÇAS CARDIOVASCULARES

Hipertrofia do ventrículo esquerdo

Angina ou infarto agudo do miocárdio prévio

Revascularização miocárdica prévia

Insuficiência cardíaca congestiva

Isquemia cerebral transitória

Alterações cognitivas ou demência vascular

Nefropatia

Doença vascular arterial de extremidades

Retinopatia hipertensiva

TABELA 1.3 ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO CARDIOVASCULAR CONSIDERANDO OS NÍVEIS DE PRESSÃO ARTERIAL

Pressão arterial/fatores de risco

Normal Limítrofe Estágio 1 (leve)

Estágio 2 (moderada)

Estágio 3 (grave)

Sem fator de risco Sem risco adicional

Sem risco adicional

Risco baixo

Risco médio Risco alto

1 a 2 fatores de risco Risco baixo

Risco baixo

Risco médio

Risco médio Risco muito alto

3 ou mais fatores de risco ou lesão em órgãos-alvo ou diabete melito

Risco médio

Risco alto Risco alto Risco alto Risco muito alto

Doença cardiovascular Risco alto Risco muito alto

Risco muito alto

Risco muito alto

Risco muito alto

Page 6: Avaliacao Pre Anestesica

GU

IA D

E A

NES

TES

IOLO

GIA

E M

EDIC

INA

IN

TEN

SIV

A Os bloqueadores de canal de cálcio reduzem a resistência vascular periférica por diminuírem a concentração de cálcio nas células musculares lisas. Verapamil e diltiazem podem provocar depressão miocárdica e bloqueio atrioventricular.

Os inibidores de enzima conversora de angiotensina (IECA) bloqueiam a transforma-ção da angiotensina I em II e a degradação da bradicinina. Já os bloqueadores do receptor de angiotensina II antagonizam sua ação por bloqueio específico de receptores AT1.

As medicações anti-hipertensivas utilizadas pelo paciente devem ser mantidas até a manhã do dia da cirurgia, exceto os IECA e/ou os antagonistas de receptores de angio-tensina II, que devem ser suspensos 24 horas antes do procedimento cirúrgico, para evitar episódios de hipotensão grave.3

No intraoperatório, as flutuações hemodinâmicas são mais frequentes em pacientes não tratados e estão associadas à maior morbidade perioperatória.4,5 Durante a anestesia, os eventos isquêmicos são 10 vezes mais frequentes no paciente hipertenso não contro-lado.

Doença isquêmica do miocárdioA história de coronariopatia é considerada positiva quando há referência de infarto

agudo do miocárdio (IAM) prévio e é sugestiva na presença de sintomas e/ou fatores de risco para doença coronariana.

Os objetivos na avaliação pré-operatória desses pacientes incluem identificar a gravi-dade da doença cardíaca a partir dos sintomas, do exame físico e dos testes diagnósticos, determinar a necessidade de intervenção pré-operatória e modificar os riscos de eventos adversos perioperatórios.

Vários estudos têm demonstrado a associação de doença arterial periférica com doença coronariana. O diabete melito é uma doença comum em idosos e representa um processo que afeta múltiplos órgãos. Suas complicações são causas frequentes de procedimentos de emergência e, considerando-se que o diabete acelera a progressão da aterosclerose, não é surpresa a alta incidência de doença coronariana nesses pacientes.

Pacientes com doença coronariana sintomática devem ser avaliados para a identifica-ção de alterações na frequência ou no padrão dos sintomas. A presença de angina instável está associada ao alto risco de infarto no perioperatório. Em adultos com história prévia de infarto do miocárdio, a reincidência de eventos coronarianos perioperatórios é maior durante os primeiros 6 meses, após o episódio de IAM e sua ocorrência é mais provável quanto maior for a gravidade da doença coronariana.

Pacientes com doença cardiovascular devem ser avaliados sob a perspectiva do risco de desenvolverem evento cardíaco no perioperatório. A American Heart Association definiu três grupos de risco entre os pacientes com doença cardíaca a serem submetidos a procedimentos não cardíacos, considerando a história do paciente (Quadro 1.3) e o procedimento cirúrgico (Quadro 1.4). O Índice de Goldman correlaciona os fatores clínicos e cirúrgicos (Tabela 1.4).

Os dados da anamnese e o exame físico orientam a solicitação dos exames com-plementares. Nas situações em que a avaliação pré-anestésica indica a necessidade de revascularização do miocárdio ou angioplastia, prévios ao procedimento operatório, o

Page 7: Avaliacao Pre Anestesica

AV

ALIA

ÇÃ

O P

RÉ-A

NES

TÉSIC

A

QUADRO 1.3 PREDITORES CLÍNICOS DE AUMENTO DO RISCO CARDIOVASCULAR PERIOPERATÓRIO (INFARTO, INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA, MORTE)

MaiorSíndromes coronarianas instáveis

Infarto do miocárdio recente (> 7 dias e 30 dias) com evidência de risco isquêmico importante pelos sintomas ou estudos não invasivosAngina grave ou instável. Angina estável em pacientes muito sedentários

Insuficiência cardíaca congestiva descompensadaAlterações significativas do ritmo

Bloqueio atrioventricular de alto grauArritmias ventriculares sintomáticas na presença de doença cardíaca subjacenteArritmias supraventriculares com frequência ventricular não controlada

Doença valvular graveIntermediárioAngina pectoris leveInfarto do miocárdio prévio ou onda Q patológicaInsuficiência cardíaca congestiva prévia ou compensadaDiabete melitoMenorIdade avançadaEletrocardiograma anormal (hipertrofia de ventrículo esquerdo, bloqueio de ramo esquerdo, anormalidades de ST e T)Ritmo não sinusalBaixa capacidade funcional (incapacidade de subir um lance de escada com uma sacola)História de acidente vascular cerebralHipertensão arterial não controlada

QUADRO 1.4 ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO CARDÍACO PARA PROCEDIMENTOS NÃO CARDÍACOS EM PACIENTES COM DOENÇA CORONARIANA CONHECIDA

Alto: frequentemente > 5%Cirurgias de emergência de grande porte, particularmente no idosoProcedimentos na aorta e em outros grandes vasosProcedimentos associados a grandes alterações de fluidos e/ou perdas sanguíneasIntermediário: geralmente < 5%Procedimentos intratorácicos e intraperitoneais não complicadosEndarterectomia de carótidaCirurgia de cabeça e pescoçoProcedimento ortopédicoCirurgia de próstataBaixo: geralmente < 1%Procedimentos endoscópicosProcedimentos superficiaisCirurgias de mama e de catarata

Page 8: Avaliacao Pre Anestesica

GU

IA D

E A

NES

TES

IOLO

GIA

E M

EDIC

INA

IN

TEN

SIV

A

intervalo ideal para realizar a cirurgia após a revascularização é de 30 dias; após a angio-plastia sem stent, é de 14 dias; após a angioplastia com stent de metal, é de 3 a 4 semanas e, com stent com eluição de fármacos, é de 6 a 12 meses.6,7

Arritmias cardíacasPacientes com queixa de síncopes ou outros sintomas de baixo débito também neces-

sitam de investigação.Aqueles que apresentam história de disritmias devem ser investigados quanto à uti-

lização de marca-passo ou cardioversor interno. O anestesiologista deve conhecer o tipo do marca-passo de seu paciente por meio do cartão de identificação, já que os aparelhos multissítios são mais suscetíveis à interferência elétrica. O prazo de validade da bateria do marca-passo também deve ser verificado.

TABELA 1.4 ÍNDICE DE RISCO CARDÍACO DE GOLDMAN

Critérios Pontos

HistóriaIdade > 70 anosInfarto do miocárdio < 6 meses

510

Exame físicoB3 ou distensão jugularEstenose importante da válvula aórtica

113

EletrocardiogramaRitmo não sinusal ou contrações atriais prematuras> 5 contrações ventriculares prematuras

77

Estado geralPO2 < 60 mmHg ou PCO2 > 50 mmHg, K < 3 mmol/L ou HCO3 < 20 mmol/L, ureia > 50 mg/dL ou Cr > 3 mg/dL, TGO anormal, sinais de doença hepática crônica ou paciente acamado por causas não cardíacas

3

CirurgiaIntraperitoneal, intratorácica ou cirurgia aórtica Emergência

34

Total máximo possível 53Goldman I 0 a 5 pontos Risco muito baixo

Goldman II 6 a 12 pontos Risco baixo

Goldman III 13 a 25 pontos Risco alto

Goldman IV 26 a 53 pontos Risco excessivoTGO: transaminase glutâmico-oxalacética (ou aminotransferase de aspartato – AST)

Page 9: Avaliacao Pre Anestesica

AV

ALIA

ÇÃ

O P

RÉ-A

NES

TÉSIC

A

SISTEMA RESPIRATÓRIO

As complicações do sistema respiratório são a principal causa de morbidade e mor-talidade do paciente submetido ao procedimento cirúrgico. As complicações pulmonares perioperatórias são mais frequentes do que as cardíacas e incluem atelectasia, pneumo-nia, bronquite, broncoespasmo, hipoxemia, exacerbação da doença pulmonar obstrutiva crônica e insuficiência respiratória com necessidade de ventilação mecânica. Os fatores de risco que aumentam a incidência de complicações pulmonares no pós-operatório estão listados no Quadro 1.5.8

A avaliação do sistema respiratório deve incluir questões sobre a história de fumo, tosse, chiado, estridor, ronco e apneia do sono. O paciente deve ser questionado sobre presença ou história recente de infecção do trato respiratório, assim como anteceden-te de via aérea difícil. O local e o tipo de procedimento cirúrgico também devem ser avaliados, pois são os principais preditores de complicações pulmonares. O risco está aumentado em procedimentos torácicos, de abdome superior e naqueles com incisão próxima ao diafragma. As cirurgias de cabeça e de pescoço estão associadas à pneumonia aspirativa perioperatória.

Nos pacientes com doença pulmonar preexistente, a avaliação deve incluir o tipo e a gravidade da doença, bem como sua reversibilidade. Doenças obstrutivas têm implica-ções anestésicas, de modo que o paciente deve ser questionado sobre história de asma brônquica, tosses matinais, presença de muco, chiado, pneumonias de repetição, uso de broncodilatadores e necessidade de inalações em pronto-socorro.

A apneia obstrutiva do sono (AOS), dependendo da frequência e da gravidade dos eventos, pode resultar em alterações como hipertensão pulmonar crônica e insuficiên-cia de ventrículo direito. Durante a avaliação pré-anestésica, questionamentos especí-ficos devem ser feitos ao paciente e aos seus familiares para identificar a presença de AOS, como:

QUADRO 1.5 FATORES DE RISCO PARA COMPLICAÇÕES PULMONARES PÓS-OPERATÓRIAS

Fumante (atual ou > 40 maços/ano)

ASA > 2

Idade > 70 anos

Doença pulmonar obstrutiva crônica

Cirurgia de pescoço, tórax, abdominal superior, aórtica, neurológica

Procedimentos com duração > 2 h

Entubação traqueal

Albumina < 3 g/dL

Reserva funcional < 4 MET

IMC > 30 kg/m2

ASA: American Society of Anesthesiologists; MET: equivalentes metabólicos; IMC: índice de massa corpórea.

Page 10: Avaliacao Pre Anestesica

GU

IA D

E A

NES

TES

IOLO

GIA

E M

EDIC

INA

IN

TEN

SIV

A o paciente ronca tão alto que é possível ouvir através da porta ou ronca frequente-mente?são observadas pausas respiratórias durante o sono?o paciente desperta frequentemente durante o sono ou desperta com sensação de engasgo?durante o dia, ocorrem sonolência, cansaço ou o paciente adormece facilmente?

Quando o paciente é criança:

os pais observam sono agitado e/ou dificuldade para respirar?a criança é agressiva e/ou tem problema de concentração?

O risco de complicações perioperatórias no paciente com AOS aumenta com a gravi-dade da apneia, o tipo de procedimento cirúrgico, a anestesia e a quantidade de opioide necessária no pós-operatório. É importante, também, ressaltar que a AOS está associada à dificuldade de manejo das vias aéreas.

O exame físico do sistema respiratório deve ser iniciado pela avaliação das vias aéreas, o que inclui verificar a capacidade de fazer flexão da base do pescoço e extensão da cabeça e de avançar a mandíbula de modo que os dentes incisivos inferiores ultrapassem os superiores. Deve-se pesquisar sinais indicativos de dificuldade de entubação traqueal, que incluem:

pescoço curto e grosso;distância tireomentoniana menor que 6 cm ou distância mentoesterno igual ou menor que 12,5 cm, com cabeça totalmente extendida;distância entre os incisivos menor que 3 cm;dentes incisivos superiores longos;palato estreito ou arqueado;dificuldade de visibilização da úvula com abertura total da boca e língua protruída no paciente sentado (classificação de Mallampati III ou IV).

A avaliação e a mobilização da coluna cervical devem ser muito cuidadosas no paciente politraumatizado, com artrite reumatoide grave e na síndrome de Down. Na ausculta, achados como chiado, roncos, diminuição dos ruídos e fase expiratória pro-longada são importantes.

SISTEMA ENDÓCRINO

Os distúrbios endócrinos devem ser minuciosamente rastreados por meio da anamnese, devem-se investigar poliúria, polidipsia, fraqueza, apatia, ganho ou perda de peso, tontura, nervosismo, tremor e fraturas patológicas. Isto é, na anamnese, devem ser incluídas pergun-tas sugestivas de diabete e distúrbios da tireoide, da paratireoide e da suprarrenal.

Page 11: Avaliacao Pre Anestesica

AV

ALIA

ÇÃ

O P

RÉ-A

NES

TÉSIC

A

Diabete melito É a doença endócrina mais comum, com incidência de 0,4%, para o tipo I, e de 8 a

10%, para o tipo II. Os pacientes diabéticos apresentam risco aumentado de desenvolver todos os tipos de doenças vasculares. As doenças macrovasculares (coronariana, cerebral e vascular periférica) e microvasculares (retinopatia e nefropatia) ocorrem mais frequen-te e extensivamente na população geral. Nesses pacientes, a doença cardíaca isquêmica é a causa mais comum de morbidade perioperatória.

Pacientes diabéticos com idade maior que 65 anos apresentam doença coronaria-na significativa, com isquemia silenciosa em decorrência da neuropatia autonômica. A neuropatia periférica e a doença vascular tornam esses pacientes mais suscetíveis a lesões decorrentes do posicionamento. A neuropatia autonômica está presente em 20 a 40% dos pacientes. Além da isquemia cardíaca silenciosa, pode resultar em diminuição do tônus do esfíncter esofágico inferior, gastroparesia, atonia de bexiga e labilidade da pressão arterial. Idealmente, o paciente diabético deve ser avaliado 1 a 2 semanas antes do procedimento cirúrgico.

Distúrbios da tireoide, paratireoide e suprarrenal A Tabela 1.5 resume as manifestações clínicas das doenças da tireoide, da paratireoi-

de, da insuficiência suprarrenal e do feocromocitoma.9

OUTROS SISTEMAS

As doenças renais têm implicações importantes no controle hidroeletrolítico e na eliminação de medicações utilizadas em anestesia.

As doenças hepáticas estão associadas a distúrbios de coagulação, alteração de ligação proteica e ao volume de distribuição dos fármacos.

As alterações da coagulação influenciam a escolha da técnica anestésica, devendo-se perguntar sobre sangramentos, hematomas e uso de medicações que influenciam a fun-ção plaquetária, como aspirina, anti-inflamatórios não esteroidais e anticoagulantes.

Quando há antecedente de acidente vascular cerebral, é necessária a avaliação da etio-logia para prevenção de recorrências no perioperatório. Deve-se considerar a necessidade de ultrassonografia de carótidas e as sequelas devem ser documentadas. O paciente deve ser questionado quanto à presença de cefaleias, convulsões, tremores ou movimentos musculares involuntários, neuropatias periféricas e deficiências neurológicas periféricas. É muito importante listar os medicamentos utilizados para tratamento ou controle de doenças neurológicas, dor crônica ou emagrecimento.4

Atenção especial deve ser dada para usuários de medicações com efeito neurológico. Inibidores da monoaminoxidase devem ser suspensos 2 semanas antes da cirurgia. Anti-depressivos tricíclicos produzem efeitos similares ao da atropina, como boca seca, taqui-cardia, alucinação e retenção urinária, além de alterações eletrocardiográficas, como alargamento do QRS ou bloqueios de ramo. Podem interagir com halotano e pancurônio e causar disritmias.

Page 12: Avaliacao Pre Anestesica

GU

IA D

E A

NES

TES

IOLO

GIA

E M

EDIC

INA

IN

TEN

SIV

A

TABE

LA 1

.5

MAN

IFES

TAÇÕ

ES C

LÍN

ICAS

DE

DOEN

ÇAS

ENDÓ

CRIN

AS9

Hipe

rtire

oidi

smo

Hipo

tireo

idism

oHi

perp

arat

ireoi

dism

oHi

popa

ratir

eoid

ismo

Insu

ficiê

ncia

su

prar

rena

lFe

ocro

moc

itom

a

Gera

lPe

rda

de p

eso

Into

lerân

cia a

o ca

lor

Pele

úmid

a

Into

lerân

cia a

o fri

oPe

rda

de p

eso

Polid

ipsia

Ansie

dade

Depr

essã

o Irr

itabi

lidad

ePa

rest

esia

Pele

seca

e á

sper

a

Perd

a de

pes

oFr

aque

zaPi

gmen

taçã

o da

pe

le e

da lí

ngua

Sudo

rese

exc

essiv

aPe

rda

de p

eso

Fadi

ga

Card

iova

scul

arTa

quiar

ritm

iasIC

CBr

adica

rdia

ICC

Card

iom

egali

a

Hipe

rtens

ãoBl

oque

ioQT

enc

urta

do

Hipo

tens

ãoBr

adica

rdia

QT e

ST p

rolo

ngad

os

Hipo

tens

ãoPa

lpita

ção

com

ou

sem

taqu

icard

iaHi

perte

nsão

Neur

ológ

icoNe

rvos

ismo

Trem

orRe

flexo

s hip

erat

ivos

Lent

idão

men

tal

Refle

xos

lentif

icado

s

Fraq

ueza

, cef

aleia

Leta

rgia,

apa

tiaIn

sôni

aDe

pres

são

Apne

ia Co

nvul

sões

Fraq

ueza

Man

ifest

açõe

s ex

trapi

ram

idais

Leta

rgia

Deso

rient

ação

Tont

ura

Sínc

ope

Cefa

leia

Ansie

dade

Nerv

osism

oHi

per-

hidr

ose

Mus

culo

es-

quelé

tico

Fraq

ueza

mus

cular

Reab

sorç

ão ó

ssea

Língu

a "g

rand

e"Am

iloid

ose

Dore

s óss

eas

Artri

teFr

atur

as p

atol

ógica

s

Espa

smo

mus

cular

Sina

is de

Chv

oste

k e

Trou

ssea

u

Dor m

uscu

larPa

rest

esia

ou d

or

nos b

raço

s

Gastr

inte

stina

lDi

arre

iaRe

tard

o no

es

vazia

men

to

gást

rico

Anor

exia

Náus

ea

Vôm

ito

Cons

tipaç

ãoDo

r epi

gást

rica

Anor

exia

Náus

eaVô

mito

Dor a

bdom

inal

Diar

reia

Náus

ea e

vôm

itos

Cons

tipaç

ão

Hem

atol

ógico

Anem

iaTr

ombo

citop

enia

Rena

lPi

ora

da d

epur

ação

de

águ

a liv

rePo

liúria

Hem

atúr

iaAu

men

to d

a ur

eia

e da

crea

tinin

aIC

C: in

sufic

iência

card

íaca

cong

estiv

a.

Page 13: Avaliacao Pre Anestesica

AV

ALIA

ÇÃ

O P

RÉ-A

NES

TÉSIC

A

Os bloqueadores da recaptação de serotonina podem causar náuseas, vômitos, cefaleias, distúrbios do comportamento ou alterações no eletrocardiograma. Drogas psicoativas, como anfetaminas e cocaína, podem induzir liberação aguda de catecola-minas, com efeitos cardiovasculares diversos. Inibidores do apetite, como fentermina, anfepramona e sibutramina, têm efeitos simpatomiméticos por inibição da recaptação da noradrenalina e da serotonina e devem ser suspensos uma semana antes da anestesia. O fármaco orlistat, que inibe a lipase gastrintestinal, pode promover deficiência das vita-minas lipossolúveis (A, D, E e K), causando alterações na coagulação.10

Doenças musculoesqueléticas têm sido associadas ao risco aumentado de hiperter-mia maligna. As osteoartrites estão relacionadas à dificuldade de entubação e de posicio-namento para anestesia regional.

Nos pacientes com artrite reumatoide, devem-se pesquisar sintomas e sinais de derrame pleural, pericardite, anemia e instabilidade atlanto-occipital. Pacientes com anemia devem ser avaliados quanto à sobrecarga do sistema circulatório, pois a anemia é um estresse para o sistema cardiovascular que pode exacerbar a isquemia miocárdica e agravar a insuficiência cardíaca.

A irradiação do mediastino, da parede torácica ou da mama esquerda pode causar pericardite, anormalidades de condução e valvulares, cardiomiopatia e doença coro-nariana prematura, mesmo sem os fatores de risco tradicionais. Portanto, a história de irradiação, mesmo no paciente jovem, implica pesquisa de doença cardíaca na avaliação pré-operatória e solicitação de eletrocardiograma.

Risco anestésicoO estudo dos riscos relacionados ao ato anestésico e cirúrgico deve levar em consi-

deração a relevância da complicação. Assim, é importante diferenciar os trabalhos que compilam os riscos de mortalidade e morbidade graves, como infarto do miocárdio, pneumonias, trombose pulmonar ou insuficiência renal, daqueles que consideram outros fatores, como vômitos ou cefaleia pós-raquianestesia. Complicações menos graves podem ter impacto por causar grande desconforto ou ter implicações socioeconômicas, como o atraso da alta hospitalar. Portanto, devem ser consideradas em um contexto específico.

Há diferentes causas das complicações relacionadas ao ato anestésico cirúrgico, sendo três fatores responsáveis pelas complicações perioperatórias: as doenças preexistentes, as características do procedimento cirúrgico e as características da anestesia.11

O objetivo da avaliação e do preparo pré-anestésico é a diminuição dos riscos relacio-nados ao estado clínico do paciente. Utiliza-se a classificação do estado físico proposta pela American Society of Anesthesiologists (ASA), para estratificação do risco com base no estado clínico (Tabela 1.6).12

Page 14: Avaliacao Pre Anestesica

GU

IA D

E A

NES

TES

IOLO

GIA

E M

EDIC

INA

IN

TEN

SIV

A

EXAMES COMPLEMENTARES E PREPARO DO PACIENTESistema cardiovascular

O algoritmo para determinar a necessidade de testes, proposto pela American College of Cardiology/American Heart Association Task Force, integra a história clínica, o risco específico do procedimento cirúrgico e a tolerância ao exercício. Inicialmente, é avaliada a urgência do procedimento cirúrgico e a necessidade de uma avaliação pré-operatória completa. Depois, é investigado se o paciente foi submetido recentemente à revasculari-zação ou à avaliação da doença coronariana. Os pacientes com angina instável devem ser identificados e o tratamento adequado deve ser instituído. A decisão de solicitar exames depende da interação entre os fatores clínicos e cirúrgicos de risco, e da capacidade fun-cional. Nenhum exame pré-operatório do sistema cardiovascular deve ser realizado se os resultados não forem alterar a conduta perioperatória.13

O eletrocardiograma é recomendado para os pacientes com pelo menos um fator clí-nico de risco e que serão submetidos a procedimento cirúrgico vascular ou com doença coronariana conhecida, doença arterial periférica ou doença cerebrovascular e que serão submetidos a procedimentos de risco cirúrgico intermediário. A confirmação de isque-mia ativa, geralmente necessita da presença de alterações em pelo menos duas derivações no eletrocardiograma. A presença de onda Q no eletrocardiograma de paciente de alto risco, independentemente dos sintomas, deve alertar o anestesiologista para aumento de risco perioperatório e possibilidade de isquemia ativa.

O Holter é útil na detecção de coronariopatia silenciosa em pacientes de risco inter-mediário, principalmente quando associada à disritmia.

A ecocardiografia de estresse com dobutamina pode ser indicada em substituição à cintilografia e tem alto valor preditivo para evento coronariano. A ecocardiografia tem

TABELA 1.6 CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO FÍSICO SEGUNDO A AMERICAN SOCIETY OF ANESTHESIO-LOGISTS (ASA)

Classe* Descrição Exemplo

ASA 1 Paciente sem doenças Paciente sadio

ASA 2 Paciente com doença sistêmica leve Hipertensão controlada

ASA 3 Paciente com doença sistêmica grave Angina, diabete mal controlada, insuficiência renal em diálise

ASA 4 Paciente com doença sistêmica grave que é ameaça constante à vida ou que necessita de terapia intensiva

Angina instável, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência hepatorrenal

ASA 5 Paciente moribundo com pouca chance de sobrevida nas próximas 24 h sem cirurgia

Paciente séptico com falência múltipla de órgãos, trombose da artéria mesentérica

ASA 6 Paciente com morte cerebral cujos órgãos serão removidos para doação*Acrescenta-se a letra E em casos de emergência.

Page 15: Avaliacao Pre Anestesica

AV

ALIA

ÇÃ

O P

RÉ-A

NES

TÉSIC

A

como vantagem a possibilidade de avaliação dinâmica da função ventricular. Geralmen-te, aceita-se como grupo de risco aqueles que demonstram anormalidades na mobilidade regional da parede, na vigência de frequência cardíaca baixa.

As disritmias devem ser investigadas e tratadas previamente ao procedimento anes-tésico. Bradiarritmias inferiores a 50 bpm com baixo débito podem necessitar de insta-lação de marca-passo. Nos pacientes portadores de marca-passo, sempre que possível, deve-se aguardar o período de 60 dias entre a instalação do aparelho e o procedimento cirúrgico. Aparelhos cujas baterias estão por vencer devem ser substituídos para se adequarem ao maior consumo de energia que pode ocorrer no período perioperatório. Devem ser registrados os parâmetros de programação do aparelho: câmara(s) onde se insere, câmara(s) que é(são) sentida(s), padrão de sensibilidade e resposta. Portadores de cardioversor interno merecem atenção redobrada; a função antitaquicardia deve ser desligada e o desfibrilador externo deve estar preparado para uso.7

Pacientes com doença coronariana têm melhor evolução perioperatória quando prepa-rados com betabloqueadores, os quais têm sido indicados para prevenção de eventos isquê-micos no perioperatório em pacientes com alto risco, com o objetivo de manter a frequên-cia cardíaca próxima de 60 bpm. O uso de estatinas também está associado à diminuição do risco cardiológico perioperatório e deve ser mantido até a véspera da operação.7

Pacientes portadores de valvopatias ou alterações estruturais do coração devem rece-ber profilaxia antibiótica para prevenção de endocardite. O tratamento deve ser iniciado entre 30 min e 1 hora antes do evento bacterêmico.

Pacientes portadores de prótese valvar devem ser avaliados quanto à possibilidade de interrupção do uso de anticoagulantes orais 3 dias antes do procedimento cirúrgico, com o objetivo de atingir níveis de relação normalizada internacional (RNI) de cerca de 1,5 vez o normal. Aqueles com alto risco de tromboembolismos, como história de trombose ou êmbolo no último ano, presença de fibrilação atrial, estados de hipercoagulabilidade ou portadores de prótese metálica, devem ser avaliados quanto à necessidade de intro-dução de heparina depois da retirada do anticoagulante oral, até 4 a 6 horas antes do procedimento cirúrgico.

Sistema respiratório A espirometria é útil na avaliação de pacientes que serão submetidos ao procedimen-

to toracopulmonar. Os parâmetros mais importantes para definir a viabilidade de uma cirurgia pulmonar são:

capacidade vital forçada maior que 50% (1,75 a 2 L); volume expiratório forçado em 1 segundo maior que 1,5 L; ventilação voluntária máxima maior que 50%.

Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica devem ser avaliados por meio de prova de função pulmonar quanto ao efeito de medicações broncodilatadoras.

Page 16: Avaliacao Pre Anestesica

GU

IA D

E A

NES

TES

IOLO

GIA

E M

EDIC

INA

IN

TEN

SIV

A Sistema endócrinoDiabete melito

Os exames subsidiários úteis incluem glicemia de jejum, eletrólitos, ureia ou creati-nina, eletrocardiograma e hemoglobina glicada. Quando a urgência cirúrgica permitir, a hiperglicemia deve ser corrigida antes do procedimento. Recomenda-se manter a gli-cemia entre 100 e 200 mg/dL para procedimentos eletivos, embora alguns autores reco-mendem um controle mais rígido e considerem 120 mg/dL o limite máximo.14

No paciente diabético, como regra geral, deve-se planejar o procedimento para o primeiro período da manhã, evitando jejum prolongado, e não administrar o hipoglice-miante oral no dia da cirurgia, sendo que a metformina deve ser suspensa pelo menos 24 horas antes para evitar o risco de acidose láctica. Os pacientes diabéticos insulinodepen-dentes devem receber de 1/3 a 1/2 da dose habitual de insulina na manhã da cirurgia.

Outros sistemas Pacientes em tratamento com diálise devem ser submetidos a uma sessão previamente

à cirurgia para a correção de distúrbios eletrolíticos e o controle de volemia e uremia. A uremia pode potencializar efeitos farmacológicos de alguns agentes por diminuir a con-centração de proteínas de ligação e provocar disfunção da barreira hematoencefálica.2

Pacientes com insuficiência hepática podem ter deficiência de vitamina K, que deve ser reposta na fase pré-anestésica.

Os exames laboratoriais que devem ser solicitados no pré-operatório dependem do quadro clínico do paciente. A Tabela 1.7 descreve um padrão mínimo de exames de

TABELA 1.7 EXAMES PRÉ-OPERATÓRIOS MÍNIMOS RECOMENDADOS15

ASA 1

60 anos Hb/Htc

> 60 anos Hb/Htc, ECG, creatinina, glicemia

> 75 anos Hb/Htc, ECG, creatinina, glicemia, RX de tórax

ASA 2

Qualquer idade Hb/Htc mais exames de acordo com a doença

Com doença cardiovascular Hb/Htc, ECG, RX de tórax, creatinina, Na+, K+ (se usar diurético)

Com diabete Hb/Htc, ECG, creatinina, glicemia, Na+, K+

ASA 3, 4, 5

Hb/Htc, ECG, RX de tórax, creatinina, glicemia, Na+, K+ e exames de acordo com a doença

Hb: hemoglobina; Htc: hematócrito, ECG: eletrocardiograma; RX: radiografia; Na: sódio; K: potássio.

Page 17: Avaliacao Pre Anestesica

AV

ALIA

ÇÃ

O P

RÉ-A

NES

TÉSIC

A

acordo com a classificação da ASA. A validade destes exames é de 1 ano para os pacientes ASA 1 e 2, com exceção dos exames que podem sofrer alterações mais frequentes devido à doença e/ou ao tratamento.15

Jejum pré-operatórioA orientação sobre o jejum deve ser clara. Pacientes adultos, sem fatores que alterem o esva-

ziamento gástrico, devem seguir as seguintes orientações: jejum de 8 horas após refeição com-pleta, 6 horas após refeição leve e 2 horas após ingestão de água ou líquidos sem resíduos.16

Medicação pré-anestésicaA medicação pré-anestésica ideal deve proporcionar diminuição da apreensão e da

ansiedade, tornando o paciente capaz de enfrentar o estresse anestésico-cirúrgico com calma e confiança. Também deve reduzir a atividade reflexa e produzir amnésia, para que a recuperação seja suave e sem lembranças desagradáveis.

A indicação de medicação pré-anestésica pode ser opcional, porém, uma vez indicada, deve ser utilizada de forma criteriosa, em função do estado físico do paciente, do procedi-mento a ser realizado e das características farmacológicas dos medicamentos. Atualmente, os benzodiazepínicos representam o grupo farmacológico mais utilizado como medicação pré-anestésica. Diminuem a ansiedade, produzem amnésia anterógrada e sedação. O mida-zolam e o diazepam são os mais empregados como medicação pré-anestésica. Quando há necessidade de analgesia no período pré-operatório, os opioides são indicados .4,17

Os antagonistas de H2 são indicados no preparo de pacientes com história de alergia,

candidatos a procedimentos com risco de reações alérgicas. Para a profilaxia dessas com-plicações, recomenda-se, além do tratamento com corticosteroides e antagonistas de H

1,

o uso de cimetidina (4 mg/kg), a cada 6 horas, por via oral, durante as 12 ou 24 horas que antecedem a cirurgia.17

Profilaxia para tromboembolismosDeterminadas condições clínicas, como fumantes, idade avançada, câncer, uso de qui-

mioterápicos, imobilidade, obesidade, insuficiência venosa periférica, disfunção cardíaca, diabete, doença inflamatória gastrintestinal, gravidez e uso de estrógenos, estão associadas a maior risco de tromboembolismo venoso no período pós-operatório. Esse risco também depende do tipo do procedimento (alto grau de invasão, trauma e imobilização). Nessas situações, esquemas de profilaxia farmacológica são necessários (Tabela 1.8).18

Após um episódio de tromboembolismo arterial ou venoso, os procedimentos eletivos devem ser adiados por 1 mês. Se o adiamento não for possível, o paciente deve receber heparina no pré-operatório, enquanto o RNI for menor que 2. Idealmente, recomenda-se realizar anticoagulação por 3 meses, antes de um procedimento eletivo.

Page 18: Avaliacao Pre Anestesica

GU

IA D

E A

NES

TES

IOLO

GIA

E M

EDIC

INA

IN

TEN

SIV

A

TRANSFUSÃO DE CONCENTRADO DE HEMÁCIAS

Há indicação quando o nível de hemoglobina no pré-operatório:7

for inferior a 10 g/dL, em pacientes com anemia falciforme; for inferior a 7 g/dL, na anemia aguda; nos portadores de insuficiência coronariana para manter hemoglobina em torno de 9 a 10 g/dL.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Silva GV, Mion Jr D, Gomes MAM, Machado CA, Praxedes JN, Amodeo C et al. Qual a 1. diretriz de hipertensão arterial os médicos brasileiros devem seguir? Análise comparativa das diretrizes brasileiras, européias e norte-americanas (JNC VII). Arq Bras Cardiol 2004; 83(2).Morgan Jr GE, Mikhail MS, Murray MJ. Clinical anesthesiology. 4.ed. Nova York: McGraw-2. Hill, 2006.Bertrand M, Godet G, Meersschaert K, Brun L, Salcedo E, Coriat P. Should the angiotensin II 3. antagonists be discontinued before surgery? Anesth Analg 2001; 92:26-30.Roizen MF, Fleisher LA. Anesthetic implications of concurrent diseases. In: Miller RD (ed.). 4. Miller’s anesthesia. 6.ed. Filadélfia: Elsevier Churchill Livingstone, 2005.Laslett L. Hipertension. Preoperative assessment and perioperative management. West J Med 5. 1995; 162(3):215-9.

TABELA 1.8 EVIDÊNCIA E RECOMENDAÇÕES ESPECÍFICAS DE PROFILAXIA CONTRA TEV EM PACIENTES COM CONDIÇÕES CLÍNICAS DIVERSAS

Condição Método Dose

História prévia de TEV + situações de risco

HNF (D)HBPM (D)

5.000 UI a cada 8 hDalteparina (5.000 UI/dia) ou enoxaparina (40 mg/dia)

Insuficiência venosa crônica/varizes

Enoxaparina (C)Dalteparina (D)

40 mg/dia5.000 UI/dia

Obesidade + situações de risco

Enoxaparina (C)Dalteparina (D)

40 mg/dia5.000 UI/dia

Trombofilias + situações de risco

HNF, HBPM ou varfarina (C)

5.000 UI a cada 8 h ou dalteparina 5.000 UI/dia ouenoxaparina 40 mg/dia ouvarfarina (RNI 2-3)

TEV: tromboembolismo venoso; HBPM: heparina de baixo peso molecular; HNF: heparina não fracionada; RNI: razão normali-zada internacional.

Page 19: Avaliacao Pre Anestesica

AV

ALIA

ÇÃ

O P

RÉ-A

NES

TÉSIC

A

Fleisher LA, Beckman JA, Brown KA, Calkins H, Chaikof EL, Fleischmann KE. ACC/AHA 2007 6. Guidelines on perioperative cardiovascular evaluation and care for noncardiac surgey. Journal of American College of Cardiology 2007; e164-211.Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz de Avaliação Perioperatória. 2007; 139-78.7. Adesanya A. Preventing postoperative pulmonary complications. American Society of Anes-8. thesiologis Newsletter 2008; 72(4):11-4.Hata TM. Preoperative patient assessment and management. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelt-9. ing RK, Cahalan MK, Stock MC. Filadélfia: Lippincott Williams & Wilkins, 2009.Stephens LC, Katz SG. Phentermine and anaesthesia. Anaesth Intensive Care 2005; 10. 33(4):525-7.Roizen MF, Preoperative evaluation. In: Miller RD (ed.). Miller’s anesthesia. 6.ed. Filadélfia: 11. Elsevier Churchill Livingstone, 2005.American Society of Anesthesiologis. Task force on preanesthesia evaluation – practice advi-12. sory for preanesthesia evaluation. A report by the American Society of Anesthesiologists Task Force for Preanesthesia Evaluation. Anesthesiology 2002; 96:485-96.Fleisher LA, Beckman JA, Brown KA, Calkins H, Chaikof E, Fleischmann KE et al. ACC/AHA 13. 2007 guidelines on perioperative cardiovascular evaluation and care for noncardiac surgery. Executive summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Associa-tion Task Force on Practice Guidelines (writing committee to revise the 2002 guidelines on perioperative cardiovascular evaluation for noncardiac surgery). Anesth Analg 2008; 106:685.Bagry HS, Raghavendran S, Carli F. Metabolic syndrome and insulin resistance – preoperative 14. considerations. Anesthesiology 2008; 108:506-23.Mathias LAST, Guaratini AA. Avaliação pré-anestésica. In: Curso de educação à distância em 15. anestesiologia. v.5. São Paulo: Segmento Farma, 2005.Ortenzi AV, Sousa AM, Misawa AK, D’Otaviano,CR, Vieira EM, Hirata ES et al. Recomenda-16. ções para jejum pré-anestésico. In: Ferez D, Vane LA. Atualizações em anestesiologia. v.8. Rio de Janeiro: Office, 2003.Potério GM, Braga AS, Braga FS, Pereira RICP. Visita pré-anestésica. In: Cavalcanti IL. Medi-17. cina perioperatória. 1.ed. Sociedade Brasileira de Anestesiologia 2005; 71-111.Rocha AT, Paiva EF, Lichtenstein A, Milani Jr R, Cavalheiro-Filho C, Maffei FH et al. Trom-18. boembolismo venoso: profilaxia em pacientes clínicos – parte I. Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. Projeto Diretrizes, 2005.