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Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Ciências Biológicas Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre Avaliação taxonômica, distribuição e status do guigó-da-caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990 (Primates: Pitheciidae) Biólogo MSc. Rodrigo Cambará Printes Orientador: Prof. Dr. Anthony Brome Rylands Co-Orientador: Prof. Dr. Júlio César Bicca-Marques Tese apresentada ao Instituto de Ciências Biológicas como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de “Doutor em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre” pela Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 03 de agosto de 2007

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Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Ciências Biológicas Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre

Avaliação taxonômica, distribuição e status do guigó-da-caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990 (Primates: Pitheciidae)

Biólogo MSc. Rodrigo Cambará Printes Orientador: Prof. Dr. Anthony Brome Rylands Co-Orientador: Prof. Dr. Júlio César Bicca-Marques

Tese apresentada ao Instituto de Ciências Biológicas como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de “Doutor em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre” pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Belo Horizonte, 03 de agosto de 2007

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APOIO:

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A vida do Viajante

“Minha vida é andar por este país

Prá ver se um dia eu descanso feliz

Guardando recordações das terras onde passei

Andando pelos sertões, dos amigos que lá deixei

Chuva e sol, poeira e carvão

Longe de casa sigo o roteiro

Mais uma estação

E a saudade no coração

Mar e terra, inverno e verão

Mostro um sorriso, mostro alegria

Mas eu não mostro não

É a saudade no coração”.

Luiz Gonzaga e Hervé Cordovil (1953)

Dedico este trabalho ao povo sertanejo, exemplo de coragem e de fé na vida. Em especial

ofereço-o aos anônimos habitantes das caatingas que atuaram como informantes, sem os quais o

guigó continuaria sendo um ilustre desconhecido.

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Agradecimentos

• Ao prof. Dr. Anthony B. Rylands por sua inestimável contribuição à Primatologia no

Brasil e pela sua generosa orientação durante este trabalho.

• Ao prof. Dr. Júlio César Bicca-Marques (PUC-RS) pela co-orientação e apoio em Porto

Alegre.

• Aos financiadores das cinco expedições: Conservation International (Washington, USA),

Conservação Internacional do Brasil, Margot Marsh Biodiversity Foundation – the

Primate Action Fund (USA), Critical Ecosystem Partnership Fund (The Worl Bank +

Global Environmental Fund + Conservation International + MacArthur Fundation +

Governo do Japão) gerenciado pela Fundação Biodiversitas e Centro de Pesquisas

Ambientais do Nordeste, através do Programa de Proteção às Espécies Ameaçadas de

Extinção da Mata Atlântica Brasileira, Edital nº 01/2004.

• À Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior (CAPES).

• Aos amigos e ajudantes-de-campo das três expedições em que eu não estava só, os

biólogos: Roberto W. Groehs, Luisa X. Lokschin e André C. Alonso.

• Aos caminhoneiros e mecânicos da Bahia, Sergipe e Alagoas, pela solidariedade nas

estradas e postos de gasolina.

• À Polícia Militar da Bahia pela colaboração na busca de informantes.

• Ao Movimento dos Sem Terra (MST) do Recôncavo Baiano e da região de Coronel João

Sá (Bahia), por terem me recebido pacificamente, permitindo inclusive que eu acampasse

com eles e verificasse fragmentos de mata nas áreas em processo de desapropriação.

• Aos índios Kiriri por não terem me recebido à bala nas áreas ocupadas em Banzaê

(Bahia), contrariando as previsões dos moradores da região.

• Aos pistoleiros da região de Canudos e Monte Santo que garantiram minha vida na região

do “Polígono da Maconha”.

• Aos pioneiros da pesquisa na Caatinga: Johann Baptiste Von Spix (1771-1826), Euclides

da Cunha (1866-1909) e Teodoro Sampaio (1855-1937). Eu aproveitei seus mapas...

• Ao prof. Dr. André Hirsch, pelo apoio nas questões de SIG’s e pela sua amizade.

• Aos colegas do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais do Sul da Bahia (IESB), em

especial: Raquel Moura, Gabriel Rodrigues dos Santos, Carlos E. Guidorizzi, Cassiano

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Gatto, Camila Cassano, Priscila Suscke, Gustavo Canale, João Carlos Pádua e Luís Lima

Barbosa.

• Aos colegas da Fundação Biodiversitas, em especial: Gláucia Drumond, Rafael Thiago

Carmo (Belo Horizonte) e Tânia Maria Alves da Silva (gerente da Estação Biológica de

Canudos, Bahia).

• Ao prof. MSc. Marcelo Sousa (Universidade Tiradentes, Aracaju), pioneiro na luta pela

conservação do guigó-de-Sergipe (Callicebus coimbrai).

• Ao colega Leandro Jerusalinsky (Centro de Proteção de Primatas Brasileiros – IBAMA),

companheiro do tempo dos Macacos Urbanos, hoje lutando pela conservação do guigó-

de-Sergipe

• Ao prof. Dr. Jader Marinho-Filho, pela sua atenção durante visita ao Departamento de

Zoologia da Universidade Nacional de Brasília (UnB).

• À Dra. Maria Cecília Kierulff pelo apoio na busca de financiamento.

• À professora Dra. Jocélia Grazia (Departamento de Zoologia, UFRGS) pela revisão dos

aspectos taxonômicos do texto.

• Ao prof. Dr. Renato Silvano (Departamento de Ecologia, UFRGS) pela revisão dos

métodos, resultados e discussão no campo da etnoprimatologia.

• Á professora Dra. Maria Luiza Porto (Departamento de Botânica, UFRGS) pela

bibliografia sobre Fitogeografia do Brasil.

• Ao amigo Ayr Müller Gonçalves, mestre da orientação e cartografia digital, sem o qual

não teria sido possível elaborar os mapas de distribuição que ora apresento.

• Ao Dr. Stephen Nash, ilustrador científico da Conservation International, pelos desenhos

especialmente elaborados para esta tese.

• Aos professores, colegas de laboratório, alunos, ex-alunos e funcionários do Curso de

Pós-Graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre (UFMG), em

especial: Elena Charlotte Landau, Bárbara Costa, Ítalo Mourthé, Luiz Gustavo Dias,

Waldiney Martins e Marcos de Lima Figueiredo.

• Ao colega primatólogo e amigo Leonardo Oliveira (Rockfeller Blue).

• Aos amigos e colegas do Programa Macacos Urbanos (UFRGS) por tudo o que

construímos nestes 14 anos de luta em prol da conservação do bugio-ruivo (Aloautta

clamitans) em Porto Alegre.

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• À Sra. Nayr de Oliveira Patury e à Dra. Suzana Patury de Almeida pela acolhida em sua

casa em Ilhéus durante mais de 1 ano.

• Aos amigos do Lami (Porto Alegre) que cuidaram da minha casa quando eu estava no

sertão: Jaques Pinto Rangel e Carla Rangel.

• Ao amigo João Cláudio Godoy Fagundes, colaborador na luta pela conservação dos

bugios do Lami (Porto Alegre, RS).

• Aos colegas e amigos da MAIA – Meio Ambiente e Impacto Ambiental (Osório, RS).

• Aos amigos Waldyr José Maggi e Vera Kriegger, proprietários da futura RPPN Recanto

do Lago, pelo exemplo de determinação na luta por um mundo melhor.

• À Carolina Dal Magro Colombo, por compartilhar comigo os seus 20 anos.

• À minha família, pela paciência, compreensão e amor.

• Aos amigos Márcio Vanini, Cláudio Nogueira, Simone e Eduardo Veado (in memoriam),

pelos bons momentos que juntos passamos neste planeta e que até hoje me inspiram.

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Avaliação taxonômica, distribuição e status do guigó-da-caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990

1. Introdução geral da tese.............................................................................................................03

2. Objetivos....................................................................................................................................05

Capítulo 1: Avaliação taxonômica de Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,

1990...............................................................................................................................................06

1. Introdução: a classificação do gênero Callicebus..................................................................... 06

2. Métodos.............................................................................................................................................07

3. Resultados.........................................................................................................................................07

3.1 As espécies do Grupo Personatus..................................................................................................07

3.2 Principais revisões do gênero Callicebus com ênfase em C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990 e

Callicebus gigot (Spix, 1823)...............................................................................................................08

3.3 Histórico taxonômico de Callicebus gigot (Spix, 1823)..........................................................21

3.4 Descrição de Callicebus personatus barbarabrownae Hershkovitz, 1990.............................24

3.5 Considerações sobre Callicebus gigot (Spix, 1823) ...............................................................30

4. Discussão...................................................................................................................................33

4.1 O nome C. barbarabrownae é válido?....................................................................................33

4.2 Onde fica a localidade tipo da espécie? ..................................................................................33

Capítulo 2: Biogeografia do guigó-da-caatinga (C.

barbarabrownae)...........................................................................................................................40

1. Introdução: Prováveis origens do gênero Callicebus.................................................................40

2. Métodos......................................................................................................................................47

2.1 Definição do roteiro das

campanhas......................................................................................................................................47

2.2 Seleção de informantes............................................................................................................50

2.3 Localização dos animais..........................................................................................................50

2.4 Classificação das formações vegetais......................................................................................51

2.4.1 Caatingas arbóreas densas....................................................................................................55

2.4.2 Caatingas arbóreas abertas...................................................................................................55

2.4.3 Caatingas arbustivas esparsas..............................................................................................56

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2.4.4 Caatingas arbustivas densas.......................................................................................56

2.4.5 Matas de cipó, agrestes e matas mesófilas.................................................................56

2.4.6 Outras formações.......................................................................................................57

3. Resultados e discussão....................................................................................................58

3.1 Resposta ao playback....................................................................................................58

3.2 A vegetação e o guigó-da-caatinga................................................................................59

3.3 A fauna associada ao guigó-da-caatinga........................................................................64

3.4 Provável distribuição geográfica pretérita das espécies do Grupo Personatus..............70

3.5 Quais os limites atuais da distribuição da espécie?........................................................73

3.6 Qual a extensão de ocorrência do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)?................78

3.6.1 Variações de pelagem observadas ao longo da extensão de ocorrência .....................80

3.7 Qual a área de ocupação do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)?.........................85

3.8 Sobre os limites entre as espécies de Callicebus da Mata Atlântica e Caatinga (Grupo

Personatus)............................................................................................................................89

Capítulo 3: A conservação do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990)

.............................................................................................................................................. 99

1. Introdução: Os sertões de Euclides da Cunha não existem mais.......................................99

2. Métodos............................................................................................................................101

2.1 Seleção de informantes...................................................................................................101

2.2 Avaliação dos informantes selecionados........................................................................106

3. Resultados ........................................................................................................................109

3.1 Perfil dos informantes.....................................................................................................109

3.2 Padrões de uso da terra...................................................................................................111

3.3 Tamanho das propriedades.............................................................................................113

3.4 Acordos de caça e fiscalização.......................................................................................114

4. Discussão .........................................................................................................................116

4.1 Sobre o processo seletivo, o perfil dos informantes e o conhecimento ecológico

local......................................................................................................................................116

4.2 Considerações sobre os padrões de uso da terra............................................................118

4.3 Sobre o tamanho das propriedades, a presença do guigó e a dinâmica do uso do

solo.......................................................................................................................................120

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4.4 Sobre os acordos de caça e fiscalização.........................................................................121

4.5 O paradoxo sócio-ambiental da Caatinga......................................................................122

5. Reavaliação do status de conservação do guigó-da-caatinga ..........................................123

5.1 Contextualização do problema.......................................................................................123

5.2 Tipificação da ameaça (Quais as principais ameaças à espécie?)..................................125

5.2.1 As queimadas: passivo ambiental de um manejo primitivo........................................125

5.2.2 Desmatamento para o sistema agropastoril.................................................................126

5.2.3 Urbanização da zona rural dos municípios..................................................................127

5.2.4 O guigó-da-caatinga: uma espécie fora da malha de áreas protegidas........................129

5.3 Tamanho mínimo estimado da população......................................................................136

5.4 C. barbarabrownae deve permanecer na categoria “criticamente em perigo”?............ 138

6. Recomendações para o manejo e conservação.................................................................139

6.1 Esclarecimentos aos sem-terra........................................................................................139

6.2 Financiamento para a agricultura familiar......................................................................140

6.3 Manejo de unidades de conservação.............................................................................. 143

6.4 Incentivo à conservação da área rural dos municípios....................................................145

6.5 Alternativas protéicas à caça...........................................................................................147

7. Referências bibliográficas..............................................................................................148

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Tabelas

Tabela 1: Taxonomia do gênero Callicebus de acordo com Elliot (1913), Cabrera (1958), Hill

(1960) e Hershkovitz 1963)....................................................................................................09

Tabela 2: Taxonomia do gênero Callicebus segundo Hill (1960), (Hershkovitz, 1990 a), Van

Roosmalen et al. (2002), Groves (2001, 2005)………………………….......………...........11

Tabela 3: Características de pelagem de C. barbarabrwonae, C. melanochir e C. coimbrai

...............................................................................................................................................28

Tabela 4: Principais fósseis de primatas neotropicais (elaborada a partir de Defler,

2003).....................................................................................................................................42

Tabela 5: Expedições do projeto “Distribuição e status do guigó-da-caatinga Callicebus

barbarabrownae Hershkovitz, 1990” com seus respectivos períodos, duração, objetivos,

distâncias percorridas e agências financiadoras....................................................................48

Tabela 6: Classificações etnofitogeográfica e científica para as fitofisionomias da

Caatinga.................................................................................................................................54

Tabela 7: Número de localidades visitadas por expedição, espécie de guigó registrada,

tipo de registro e classificação da vegetação segundo Andrade-Lima (1966)......................63

Tabela 8: Nomes populares de animais silvestres citados nas áreas de ocorrência do guigó-

da-caatinga.............................................................................................................................67

Tabela 9: Nomes populares e científicos dos animais da Caatinga citados nas entrevistas,

quando foi possível identificá-los ao nível de espécie..........................................................68

Tabela 10: Animais silvestres mais freqüentemente citados durante as entrevistas nas áreas de

ocorrência do guigó-da-caatinga (n = 11 informantes).........................................................69

Tabela 11: Registros realizados durante o projeto: “Distribuição e status do guigó-da-

caatinga” (C. melanochir n = 1, C. coimbrai n = 5, C. barbarabrownae n = 7)..................75

Tabela 12: Distâncias do registro da espécie em linha reta até a unidade de conservação mais

próxima (média: 34,53 km; desvio padrão: 17,64). ...........................................................133

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Figuras

Figura 1: Prancha número XVI do livro “Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium Species

Novae” Spix (1823), representando Callithrix

gigot.......................................................................................................................................15

Figura 2: Texto original contendo a descrição de Callithrix gigot (Spix, 1823)..................16

Figura 3: Pele de C. p. barbarabrownae Hershkovitz, 1990 coletada pelo Prof. Jader S.

Marinho-Filho em 1990 na Fazenda Conceição (Mirorós,

Bahia)....................................................................................................................................26

Figura 4: Municípios ao longo da área de estudo (Fonte: SEI,

2003).....................................................................................................................................34

Figura 5: Registros anteriores da ocorrência de Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,

1990 segundo o BDGEOPIM - Banco de Dados Georreferenciados das Localidades de

Ocorrência de Primatas Neotropicais (Hirsch,

2005).....................................................................................................................................49

Figura 6: Classificação da vegetação do Brasil segundo Andrade-Lima

(1966)....................................................................................................................................52

Figura 7: Carta de vegetação do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos pretos vazados

correspondem às localidades onde foi registrado o guigó-da-caatinga..................................60

Figura 8: Extensão de ocorrência do guigó-da-caatinga (C.

barbarabrownae)....................................................................................................................79

Figura 9: Indivíduo de C. barbarabrownae (Hershkovitz, 1990) provavelmente capturado na

região da localidade tipo, que inclui Serrinha e municípios

próximos.................................................................................................................................81

Figura 10: Ilustrações das três formas de guigós avistadas dentro da área de distribuição

geográfica do guigó-da-caatinga (C.

barbarabrownae)....................................................................................................................82

Figura 11: Forma de C. barbarabrownae (Hershkovitz, 1990), restrita às matas orográficas do

leste da Chapada Diamantina, Contendas do Sincorá, Bahia

.................................................................................................................................................83

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Figura 12: Área de ocupação do guigó-da-caatinga calculada através do método da soma dos

quadrados (IUCN, 2001,

2006)......................................................................................................................................86

Figura 13: Plotagem de todos os registros de C. barbarabrowane ao longo do sistema de

coordenadas geográficas Gauss-

Krieger...................................................................................................................................88

Figura 14: Número de indivíduos por espécie registrados ao longo do projeto “Distribuição e

status do guigó-da-Caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,

1990”......................................................................................................................................89

Figura 15: Callicebus coimbrai, forma restrita a Sergipe e recôncavo baiano, reconhecida

como espécie por Kobayashi e Langguth em

1999........................................................................................................................................91

Figura 16: Carta de relevo do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos azuis correspondem

às localidades onde foi registrado o guigó-da-

caatinga...................................................................................................................................94

Figura 17: Callicebus coimbrai fotografado em ambiente de transição entre a Caatinga e a

Mata Atlântica, na divisa entre Sergipe e Bahia, Nossa Senhora da Glória

(Sergipe).................................................................................................................................96

Figura 18: Distribuição geográfica das espécies do Grupo Personatus, com base nas

observações de campo de quatro pesquisadores

...............................................................................................................................................98

Figura 19: Organograma demonstrativo do processo de seleção de informantes através do

método bola de neve............................................................................................................105

Figura 20: Ocupação profissional dos informantes nas áreas onde foi registrado o gugó-da-

caatiga (n=37).......................................................................................................................110

Figura 21: Uso da terra nas áreas onde não foi registrado o guigó-da-caatinga (n=75)......112

Figura 22: Uso da terra nas áreas onde foi registrado do guigó-da-caatinga ......................112

Figura 23: “Serrote” defendido por um caçador-fiscal próximo à Amargosa, Bahia..........115

Figura 24: Carta das unidades de conservação do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos

verdes correspondem às unidades próximas às quais houve registro do guigó-da-

caatinga..................................................................................................................................131

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Figura 25: Carta da flora ameaçada do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os ícones verdes

representam as espécies arbóreas ameaçadas ao longo da extensão de ocorrência do guigó-da-

caatinga...................................................................................................................................135

Figura 26: Sistema agro-florestal no entorno do Parque Estadual das Sete Passagens (Miguel

Calmon, Bahia): licuri, palma, mamona e abóboras cultivados em consórcio numa área de

meio hectare ...........................................................................................................................142

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Abstract

The blond titi monkey Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990 is considered to be Critically Endangered, but is very unknown. It lives in fragments of Caatinga—deciduous forests in northeastern Brazil. Since its description, however, its geographic range has been poorly known, based as it had been on just a few localities of museum specimens. Philip Hershkovitz described it as a subspecies of Callicebus personatus (E. Geoffroy, 1812). Since 2002 it has been considered a species. In this study I made a series of expeditions to Northeast Brazil in order to better clarify its geographic range and taxonomic status. I interviewed local people and surveyed for titi monkeys in areas where they were reported to occur. C. barbarabrownae replies to recordings of its vocalizations (playback), a technique I used to increase the chances of finding this rare species. I also recorded information on patterns of land use across the species’ distribution. In my taxonomic analysis I began with a review of the genus (Callicebus Thomas, 1903) with emphasis on C. barbarabrownae and the C. personatus group (sensu Herhshovitz, 1990) to which it belongs. A specimen in the Zoology Department of the University of Brasília and 51 sightings of titi monkeys during the surveys in the states Bahia and Sergipe provided the basis for my considerations. Survey locations were chosen on the basis of maps (1:1,650,000 and 1:10,000), and from interviews with local people. The animals were attracted using playback. Whenever possible I photographed the titi monkeys, but no specimens were collected. The vegetation of the regions surveyed was classified in six categories, and the land-use patterns use was evaluated through interviews. The conservation status of the species was assessed according to IUCN criteria. The name Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990 may prove to be a junior synonym of Callicebus gigot (Spix, 1823), according to the priority principle. The blond titi occurs only in Bahia, at elevations of 241 to 908 m. The geographic limits identified were: North – Minuim Mountains (09º49'36.18"S and 38º05'44.74"W, altitude 451 m); South – Sincorá Mountains (13º54'52.10"S and 41º10'23.70"W, altitude 712 m); East – municipality of Cel. João Sá (10º13'49.80"S and 38º02'0.13"W, altitude 268 m); West – Salitre Mountains (11º32'54.40"S and 42º22'58.70"W, altitude 908 m). The species prefers arboreal dense caatinga (65.7% of our records). The patterns of land use were significantly different on the farms where the blond titi was found or was absent (ANOVA one criteria, FD = 1; F = 7.24, p = 0.01). Blond titis were more likely to have disappeared from areas where rural agriculture was predominant, and were more commonly found in areas where cattle-farming was the main activity. Agriculture is consistently the most important activity in the region (50% and 56%, respectively for areas where titis were and were not found), but their presence was more likely in areas where cattle ranching (28%) were predominant than when not (15%). The average size of cattle ranches with the blond titi was 2,294.4 ha (± 3,106.5) as against 1,181.2 ha (±1, 594.03) for the ranches without them. The larger ranches were those where the principal activity is cattle-breeding and their Legal Reserves are larger than those on the smaller ranches. Cattle-ranching does not demand such a rapid turnover of land use (slash-and-burn). Crop farming is more destructive to the natural vegetation of the region, and there is no positive correlation between the farm’s size and the occurrence of titis (Pearson Correlation, r = 0.2, FD = 17, p<0.05) where crop-farming is predominant. The urbanization of rural areas is another important element threatening the blond titi. The species was not recorded in any protected areas, only in the Legal Reserves of the larger ranches. The extent of occurrence of C. barbarabrownae is 291,438 km², but its area of occupation is only 2,636 km². About 90% of all records are between 37º and 41ºW and 09º and 13ºS. The minimum population size estimate is 260 individuals. We suggest: 1) An environmental education program for the rural populations; b) the promotion of a family agriculture with emphasis on agroforestry systems; 3) the establishment of a park or public reserve in at least one of the three areas were we obtained most records; 4) provision of incentives for the creation of private reserves; and 5) the conservation of rural areas in the Caatinga’s cities. The blond titi is scarce and its populations highly fragmented. It should be maintained on the IUCN Red List of Threatened Species as Critically Endangered.

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Resumo

O guigó-da-caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990 é considerado criticamente em perigo, porém é uma espécie pouco conhecida. Vive em fragmentos no bioma Caatinga. Desde sua descrição, entretanto, sua distribuição geográfica tem sido pobremente conhecida, com base em poucas localidades e espécimes de musues. Philip Hershkovitz descreveu esta forma como uma subespécie de Callicebus personatus (E. Geoffroy, 1812). Desde 2002 ela tem sido considerada uma espécie. Neste estudo eu fiz uma série de expedições ao nordeste do Brasil, no sentido de eclarecer sua área de distribuição geográfica e status taxonômico. Entrevistei as comunidades locais e procurei pelos guigós nas áreas onde sua ocorrência foi reportada. C. barbarabrownae responde à gravação de sua própria vocalização (playback), técnica que usei para incrementar a chance de encontrar a espécie. Eu também registrei informações sobre padrões de uso da terra ao longo da sua área de distribuição. Na análise taxonômica, iniciei com uma revisão do gênero (Callicebus Thomas, 1903) mas mantive ênfase em C. barbarabrownae e no Grupo Personatus (sensu Herhshovitz, 1990). Um espécime do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília e 51 indivíduos vistos durante os trabalhos de campo na Bahia e Sergipe proveram a base para as minhas considerações. As localidades para busca foram selecionadas com base em mapas (1:1.650.000 e 1:10.000) e entrevistas com a comunidade local. Os animais foram atraídos usando o playback. Sempre que possível fotografei os guigós, mas nenhum espécime foi coletado. A vegetação foi classificada em seis categorias e os padrões de uso da terra foram avaliados através de entrevistas. O satatus de conservação da espécie foi avaliado de acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). O nome Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990 pode ser um sinônimo júnior de Callicebus gigot (Spix, 1823), de acordo com o princípio da prioridade. O guigó-da-caatinga ocorre na Bahia, entre 241 e 908 m. Os limites geográficos foram: norte – Serras de Minuim (09º49'36,18"S e 38º05'44,74"W, altitude 451 m); sul – Serra do Sincorá (13º54'52,10"S e 41º10'23,70"W, altitude 712 m); leste – município de Cel. João Sá (10º13'49,80"S e 38º02'0,13"W, altitude 268 m); oeste – Serras de Salitre (11º32'54,40"S e 42º22'58,70"W, altitude 908 m). A espécie prefere as caatingas arbóreas densas (65,7% dos registros). Os padrões de uso da terra foram significativamente diferentes nas fazendas onde o guigó ocorre e não ocorre (ANOVA um critério, FD = 1; F = 7.24, p = 0,01). O guigó-da-caatinga teve maior probabilidade de desaparecer nas areas onde o uso agrícola foi predominante. Sua presença foi mais provável em áreas onde a pecuária foi a atividade principal (28% dos registros de ocorrência), em comparação com áreas onde predomina a agricultura (15%). A agricultura é a atividade mais importante na região (50% e 56%, respectivamente, para areas onde os guigós foram e não foram encontrados). O tamanho médio das fazendas com guigós foi de 2.294,4 ha (± 3.106,5) contra 1.181,2 ha (±1.594,03) para as fazendas sem a espécie. Nas maiores fazendas predomina a pecuária; suas reservas legais são maiores do que em fazendas pequenas e podem sustentar populações de guigós. A pecuária requisita novas àreas mais lentamente do que a agricultura. Entretanto não houve correlação positive entre o tamanho das fazendas e a ocorrência do guigó (Correlação de Pearson, r = 0.2, FD = 17, p<0.05). A urbanização da zona rural dos municípios é outra força importante no cenário de ameaça do guigó. A espécie não foi registrada em áreas protegidas. A extensão de ocorrência de C. barbarabrownae é 291.438 km², mas sua área de ocupação é somente 2.636 km². Cerca de 90% de todos os registros estão entre 37º e 41ºW e 09º e 13ºS. O tamanho mínimo estimado da população é de 260 indivíduos. Sugiro: 1) um programa de educação ambiental para a população local; b) a promoção da agricultura familiar com ênfase em sistemas agroflorestais; 3) estabelecimento de uma unidade de conservação de proteção integral em pelo menos uma das três regiões onde obtive a maioria dos registros; 4) incentivar a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural a longo da extensão de ocorrência da espécie; 5) estabelecer políticas públicas visando conservar a zona rural dos municípios da caatinga baiana. O guigó-da-caatinga é uma espécie com poucos indivíduos distribuídos ao longo de um ambiente severamente fragmentado e deve ser mantido como criticamente em perigo, de acordo com os critérios da IUCN.

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Avaliação taxonômica, distribuiço e status do guigó-da-caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990

1. Introdução geral da tese

A questão central do presente trabalho é definir a distribuição geográfica do guigó-da-

caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990. Outra questão que abordarei envolve

sua instabilidade taxonômica. Callicebus barbarabrownae atualmente é reconhecido como

espécie (Roosmalen et al., 2002; Groves, 2005), mas foi descrito por Hershkovitz como uma

subespécie de C. personatus (Hershkovitz, 1990a). Seu histórico taxonômico é complexo,

envolvendo uma possível confusão de nomenclatura com a antiga espécie de Spix, Callithrix

gigot (Spix, 1823) e de localidade tipo com Callicebus melanochir (Wied-Neuwied, 1820),

espécie parapátrica.

O guigó-da-caatinga foi descrito a partir de peles de três localidades apenas: Lamarão,

Formosa e Bandeira de Melo, todas no Estado da Bahia (Hershkovitz, 1990a). Em 1989,

pesquisadores coletaram uma pele em Mirorós, município de Ibipeba, Bahia (Marinho-Filho &

Veríssimo, 1997). Essas são as quatro localidades onde a espécie havia sido registrada até o

presente trabalho. Nada além desta precária distribuição geográfica se sabia a respeito do guigó-

da-caatinga. Entretanto a destruição do bioma Caatinga vem preocupando os pesquisadores e

conservacionistas já há alguns anos (Coimbra-Filho & Câmara, 1996; Castelletti et al., 2004;

Sampaio & Batista, 2004).

Devido à perda, degradação e fragmentação das formações florestais da Caatinga, C.

barbarabrownae está entre os primatas neotropicais mais próximos da extinção, sendo

considerado Criticamente Ameaçado pela União Mundial para a Conservação da Natureza

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(IUCN, 1994; 2006). Essa categoria indica que a espécie tem 50% de chance de desaparecer

dentro de 10 anos (Hilton-Taylor, 2003). No Brasil, C. barbarabrownae é um dos 18 táxons de

primatas incluídos na categoria “criticamente em perigo” (Hilton-Taylor, 2003; Machado et al.,

2005) e uma das 93 espécies de mamíferos brasileiros oficialmente ameaçados de extinção

(Instrução Normativa n°3 do IBAMA, 27/05/2003).

Na busca de novos registros de C. barbarabrownae, ao longo do presente estudo,

observei em campo 51 indivíduos desta espécie e nove de C. coimbrai. Percebi mudanças na

coloração da pelagem o que, associado às variações do relevo e da vegetação, se demonstrou um

aspecto importante para uma melhor definição destas espécies parapátricas.

Após cinco expedições científicas, realizadas entre 2004 e 2005, percorri 21.168 km na

Caatinga e ecossistemas de transição. Uma distribuição geográfica bem maior do que a até então

conhecida para C. barbarabrownae foi revelada, embora o hábitat da espécie esteja severamente

frgamentado. Além disso, através de entrevistas com informantes selecionados, procurei

diagnosticar as principais forças que estão no cenário de ameaça da espécie e propor medidas

para mitigá-las.

Sendo assim, os principais resultados desta tese se referem à reavaliação taxonômica,

distribuição geográfica e atualização do status de conservação do guigó-da-caatinga.

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2. Objetivos

O objetivo desa tese é responder às seguintes questões: A) O nome C. barbarabrownae é válido? B) Onde fica a localidade tipo da espécie? C) Quais os seus limites de distribuição? D) Qual sua extensão de ocorrência? E) Qual sua área de ocupação? F) Quais as principais ameaças à espécie? g) Callicebus barbarabrownae deve permanecer na categoria “criticamente em perigo”?

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Capítulo 1: Avaliação taxonômica de Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990

Questões:

• O nome C. barbarabrownae é válido?

• Onde fica a localidade tipo da espécie?

1. Introdução: A classificação do gênero Callicebus

Extremamente ágil e silencioso quando em deslocamento, o guigó, sauá ou zogue-zogue,

primata do gênero Callicebus, é um pequeno animal do tamanho de um coelho, pesando de 1 a 2

kg (Hershkovitz, 1988 a). Social, seus grupos são unidades familiares normalmente formadas por

quatro indivíduos: um casal, um filhote nascido no ano anterior e um filhote recente (Defler,

2003).

Os guigós já foram classificados como pertencentes aos gêneros Cebus (Hoffmannsegg,

1807), Simia (Humboldt, 1811), Callithrix (Geoffroy, 1812) e Saguinus (Lesson, 1827), até

finalmente serem colocados no gênero Callicebus, criado por O. Thomas em 1903, tendo como

espécie-tipo Callicebus personatus É. Geoffroy, 1812 (Cabrera, 1958). Muitas das espécies

atualmente reconhecidas já foram consideradas subespécies (Elliot, 1913; Cabrera, 1958; Hill,

1960; Hershkovitz, 1963; Hershkovitz, 1988 a; 1990 a).

Hoje com 29 espécies, Callicebus é um dos gêneros mais diversificados entre os primatas

neotropicais, juntamente com Cebus (33) e Saguinus (32 táxons) (Stallings, 1983, Hershkovitz,

1988a; Rylands et al., 1996/1997; Kinzey, 1997; Van Roosmalen et al., 2002; Groves, 2005;

Wallace et al., 2006). Os guigós habitam a Amazônia (Brasil, Venezuela, Colômbia, Equador,

Peru e Bolívia) e também podem ser encontrados na Mata Atlântica (incluindo Floresta

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Estacional Semi-decídua) e Caatinga, importantes biomas brasileiros. No Chaco, a espécie ocorre

no Paraguai e na Bolívia. As revisões mais recentes e completas da taxonomia do gênero foram

as de Hershkovitz (1988a, 1990a), Kobayashi (1995), Groves (2001, 2005), mas ainda estão

sendo descobertas novas espécies (Kobayashi e Langguth, 1999; Van Roosmalen et al., 2002;

Wallace et al. 2006) e as distribuições geográficas de muitas formas, fator fundamental para

entender a sistemática do gênero (Mayr, 1982), são pouco conhecidas.

2. Métodos

Realizei uma revisão do gênero Callicebus (Thomas, 1903) com base na literatura desde Elliot

(1913) até Groves (2005), com ênfase no Grupo Personatus criado por Hershkovitz (1988 a). Visitei

o Departamento de Zoologia da Univesidade Nacional de Brasília (Unb), onde está depositada a

única pele de C. barbarabrownae que existe nas coleções do Brasl. Procurei imagens de peles da

espécie disponíveis nos sites dos museus de Munique (Alemanha), Britânico (Inglaterra) e Field

Museum of Natural History (Chicago, USA).

3. Resultados

3.1 As espécies do Grupo Personatus

As espécies de Callicebus que ocorrem na Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga, de acordo

com o arranjo de Hershkovitz (1988a, 1990a), formam o Grupo Personatus, composto das

seguintes formas (em seqüência do sul ao norte): C. nigrifrons (Spix, 1823), C. personatus (É.

Geoffroy, 1812), C. melanochir (Wied-Neuwied, 1820) e C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990.

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Posteriormente, se adicionou a esse grupo C. coimbrai, descrito por Kobayashi e Langguth em

1999, que ocorre no nordeste do Brasil, nos Estados de Sergipe e Bahia.

Hoje o Grupo Personatus, o únco extra-amazônico do gênero Callicebus, se tornou estratégico

para a conservação. Todas as cinco espécies que compõe o clado se encontram em risco de extinção.

Três delas, C. nigrifrons, C. personatus, C. melanochir estão ameaçadas e duas, C.

barbarabrownae e C. coimbrai, criticamente ameaçadas (Machado et al., 2005).

3.2 Principais revisões do gênero Callicebus com ênfase em C. barbarabrownae Hershkovitz,

1990 e Callicebus gigot (Spix, 1823)

As principais revisões do gênero Calllicebus, de 1913 a 2005, foram sintetizadas nas tabelas 1

e 2. Somente a classificação das espécies do Grupo Personatus será discutida.

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Tabela 1: Taxonomia do gênero Callicebus de acordo com Elliot (1913), Cabrera (1958), Hill (1960) e Hershkovitz (1963)

Elliot (1913) Cabrera (1958) Hill (1960) Hershkovitz (1963) (bacias do Amazonas e

Orinoco) Callicebus Thomas, 1903

Amazônia (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela)

C. torquatus (Hoffmannsegg, 1807) C. torquatus torquatus (Hoffmannsegg, 1807)

C. torquatus torquatus (Hoffmannsegg, 1807)

C. torquatus torquatus (Hoffmannsegg, 1807)

Sinónimo júnior de C. t. lucifer

C. torquatus ignitus Thomas, 1927

Sinônimo júnior de C. t. torquatus

Sinónimo júnior de C. t. amictus

C. torquatus purinus Thomas 1927

Sinônimo júnior de C. t. torquatus

Sinónimo júnior de C. t. amictus

C. torquatus regulus Thomas 1927

Sinônimo júnior de C. t. torquatus

C. amictus (E. Geoffroy, 1812) C. torquatus amictus (E. Geoffroy, 1812)

Sinónimo júnior de C. torquatus lugens

Sinônimo júnior de C. t. torquatus

C. torquatus lucifer Thomas, 1914

C. torquatus lucifer Thomas, 1914

Sinônimo júnior de C. t. torquatus

[C. lugens] Sinónimo júnior de C. torquatus

C. torquatus lugens (Humboldt, 1812)

C. torquatus lugens (Humboldt, 1812)

C. torquatus lugens (Humboldt, 1812)

C. torquatus medemi Hershkovitz, 1963

C. brunneus (Wagner, 1842) C. brunneus (Wagner, 1842)

C. cupreus brunneus (Wagner, 1842)

C. moloch brunneus (Wagner, 1842)

C. cinerascens (Spix, 1823) C. cinerascens (Spix, 1823)

C. cinerascens (Spix, 1823)

Sinônimo júnior de C. m. donacophilus

C. cupreus (Spix, 1823) C. cupreus cupreus (Spix, 1823)

C. cupreus cupreus (Spix, 1823)

C. moloch cupreus (Spix, 1823)

Sinónimo júnior de C. cupreus toppini

C. cupreus acreanus Vieira, 1952

Sinônimo júnior de C. m. brunneus

C. ustofuscus Elliot, 1907 Sinônimo júnior de C. cupreus cupreus

C .cupreus ustofuscus Elliot, 1907

Sinônimo júnior de C. m. cupreus

C. caligatus (Wagner, 1842) C. cupreus caligatus (Wagner, 1842)

C. cupreus caligatus (Wagner, 1842)

Sinônimo júnior de C. m. cupreus

C. subrufus Elliot, 1907 C. cupreus subrufus Elliot. 1907

C. cupreus subrufus Elliot, 1907

Sinônimo júnior de C. m. discolor

C. cupreus toppini Thomas, 1904

C. cupreus toppini Thomas, 1914

Sinnimo júnior de C. m. brunneus

C. egeria Thomas, 1908 C. cupreus egeria Thomas, 1908

C. cupreus egeria Thomas, 1908

Sinônimo júnior de C. m. cupreus

C. leucometopa (Latorre, 1900) C. cupreus leucometopa Cabrera, 1900

C. cupreus leucometopus Cabrera, 1900

Sinônimo júnior de C. m. discolor

Sinônimo júnior de C. m. donacophilus

C. cupreus modestus Lönnberg, 1939

Sinônimo júnior de C. m. brunneus

Sinônimo júnior de C. c. leucometopa

C. cupreus napoleon Lönnberg, 1922

Sinônimo júnior de C. m. discolor

Sinônimo júnior de C. c. subrufus

C. cupreus rutteri Thomas, 1923

Sinônimo júnior de C. m. discolor

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Elliot (1913) Cabrera (1958) Hill (1960) Hershkovitz (1963)

(bacias do Amazonas e Orinoco)

Sinônimo júnior de C. brunneus

C. ollalae Lönnberg, 1939 Sinônimo júnior de C. m. brunneus

C. moloch (Hoffmannsegg, 1807) C. moloch moloch (Hoffmannsegg, 1807)

C. moloch moloch (Hoffmannsegg, 1807)

C. moloch moloch (Hoffmannsegg, 1807)

C. emiliae Thomas, 1911 Sinônimo júnior de C. m. moloch

C. moloch emiliae Thomas, 1911

Sinônimo júnior de C. m. moloch

C. moloch baptista Lönnberg, 1939

C. moloch baptista Lönnberg, 1939

Sinônimo júnior de C. m. hoffmannsi

C. hoffmannsi Thomas, 1908 C. moloch hoffmannsi Thomas, 1908

C. moloch hoffmannsi Thomas, 1908

C. moloch hoffmannsi Thomas, 1908

C. remulus Thomas, 1908 Sinônimo júnior de C. m. moloch

Sinônimo júnior de C. m. moloch

Sinônimo júnior de C. m. moloch

[C. discolor] Sinônimo júnior de C. cupreus

Sinônimo júnior de C. ornatus

Sinônimo júnior de C. c. cupreus

C. moloch discolor (I. Geoffroy and Deville, 1848)

C. moloch oenanthe Thomas, 1924

C. gigot oenanthe Thomas, 1924

Sinônimo júnior de C. m. discolor

C. ornatus (Gray, 1866) C. ornatus (Gray, 1866) C. cupreus ornatus (Gray, 1866)

C. moloch ornatus (Gray, 1866)

C. paenulatus Elliot, 1909 Sinônimo júnior de C. m. moloch

C. cupreus paenulatus Elliot, 1909

Sinônimo júnior de C. m. discolor

Chaco (Bolívia, Paraguai)

C. donacophilus (d’Orbigny, 1847) C. moloch donacophilus (d’Orbigny, 1847)

C. gigot donacophilus (d’Orbigny, 1847)

C. moloch donacophilus (d’Orbigny, 1847)

C. pallescens Thomas, 1907 C. moloch pallescens Thomas, 1907

C. gigot pallescens (Spix, 1823)

Sinônimo júnior de C. m. donacophilus

Mata Atlântica (Brasil) C. personatus (É. Geoffroy, 1812) C. personatus

personatus (É. Geoffroy, 1812)

C. personatus personatus (É. Geoffroy, 1812)

[C. personatus personatus (É. Geoffroy, 1812)]

C. personatus brunello Thomas 1913

C. personatus brunello Thomas 1913

[C. personatus brunello Thomas 1913]

C. melanochir (Kuhl, 1820) C. melanochir (Kuhl, 1820)

C. personatus melanochir (Kuhl, 1820)

[C. personatus melanochir (Kuhl, 1820)]

C. gigot (Spix, 1823) Sinônimo júnior de C. melanochir

C. gigot gigot (Spix, 1823)

[C. gigot gigot (Spix, 1823)]

C. nigrifrons (Spix, 1823) C. nigrifrons (Spix, 1823)

C.personatus nigrifrons (Spix, 1823)

[C.personatus nigrifrons (Spix, 1823)]

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Tabela 2: Taxonomia do gênero Callicebus segundo Hill (1960), (Hershkovitz, 1990 a), Van Roosmalen et al. (2002), Groves (2001, 2005)

Hill (1960) Hershkovitz (1963) (bacias do Amazonas e

Orinoco)

Hershkovitz (1990 a)

Van Roosmalen, Van Roosmalen and

Mittermeier (2002)

Groves (2001) Groves (2005)

C. torquatus torquatus (Hoffmannsegg, 1807)

C. torquatus torquatus (Hoffmannsegg, 1807)

C. torquatus torquatus (Hoffmannsegg, 1807)

C. torquatus (Hoffmannsegg, 1807)

C. torquatus torquatus (Hoffmannsegg, 1807)

C. torquatus (Hoffmannsegg, 1807)

C. torquatus ignitus Thomas, 1927

Sinônimo júnior de C. t. torquatus

Sinônimo júnior de C. t. lúcifer

- - -

C. torquatus purinus Thomas, 1927

Sinônimo júnior de C. t. torquatus

C. torquatus purinus Thomas, 1927

C. purinus Thomas, 1927 C. torquatus purinus Thomas, 1927

C. purinus Thomas, 1927

C. torquatus regulus Thomas, 1927

Sinônimo júnior de C. t. torquatus

C. torquatus regulus Thomas, 1927

C. regulus Thomas, 1927 C. torquatus regulus Thomas, 1927

C. regulus Thomas, 1927

[C. amictus] Sinónimo júnior de C. t. lugens

Sinônimo júnior de C. t. torquatus

Sinônimo júnior de C. t. torquatus

- Sinônimo júnior de C. t. torquatus

Sinônimo júnior de C. torquatus

C. torquatus lucifer Thomas, 1914

Sinônimo júnior de C. t. torquatus

C. torquatus lucifer Thomas, 1914

C. lucifer Thomas, 1914 C. torquatus lucifer Thomas, 1914

C. lucifer Thomas, 1914

[C. lugens] Sinônimo júnior de C. t. torquatus

C. torquatus lugens (Humboldt, 1812)

C. torquatus lugens (Humboldt, 1811)

C. lugens (Humboldt, 1811)

C. torquatus lugens (Humboldt, 1811)

C. lugens (Humboldt, 1811)

C. torquatus medemi Hershkovitz, 1963

C. torquatus medemi Hershkovitz, 1963

C. medemi Hershkovitz, 1963

C. medemi Hershkovitz, 1963

C. medemi Hershkovitz, 1963

C. cupreus brunneus (Wagner, 1842)

C. moloch brunneus (Wagner, 1842)

C. brunneus (Wagner, 1842)

C. brunneus (Wagner, 1842)

C. brunneus (Wagner, 1842) C. brunneus (Wagner, 1842)

C. cinerascens (Spix, 1823)

Sinônimo júnior de C. m. donacophilus

C. cinerascens (Spix, 1823)

C. cinerascens (Spix, 1823)

C. cinerascens (Spix, 1823) C. cinerascens (Spix, 1823)

C. cupreus cupreus (Spix, 1823)

C. moloch cupreus (Spix, 1823)

C. cupreus cupreus (Spix, 1823)

C. cupreus (Spix, 1823) C. cupreus (Spix, 1823) C. cupreus (Spix, 1823)

C. cupreus acreanus Vieira, 1952

Sinônimo júnior de C. m. brunneus

Sinônimo júnior de C. c. cupreus

- Sinônimo júnior de C. cupreus

Sinônimo júnior de C. cupreus

C. cupreus ustofuscus Elliot, 1907

Sinônimo júnior de C. m. cupreus

Sinônimo júnior de C. caligatus

- Sinônimo júnior de C. cupreus

Sinônimo júnior de C. caligatus

C. cupreus caligatus (Wagner, 1842)

Sinônimo júnior de C. m. cupreus

C. caligatus (Wagner, 1842)

C. caligatus (Wagner, 1842)

Sinônimo júnior de C. cupreus

C. caligatus (Wagner, 1842)

C. dubius Hershkovitz, 1988

C. dubius Hershkovitz, 1988

Sinônimo júnior de C. cupreus

C. dubius Hershkovitz, 1988

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12

Hill (1960) Hershkovitz (1963) (bacias do Amazonas e

Orinoco)

Hershkovitz (1990 a)

Van Roosmalen, Van Roosmalen and

Mittermeier (2002)

Groves (2001) Groves (2005)

C. cupreus subrufus Elliot, 1907

Sinônimo júnior de C. m. discolor

Sinônimo júnior de C. c. discolor

- Sinônimo júnior de C. cupreus

Sinônimo júnior de C.discolor

C. cupreus toppini Thomas, 1914

Sinônimo júnior de C. m. brunneus

Sinônimo júnior de C. c. cupreus

- Sinônimo júnior de C. cupreus

Sinônimo júnior de C. cupreus

C. cupreus egeria Thomas, 1908

Sinônimo júnior de C. m. cupreus

Sinônimo júnior de C. c. cupreus

- Sinônimo júnior de C. cupreus

Sinônimo júnior de C. cupreus

C. cupreus leucometopus Cabrera, 1900

Sinônimo júnior de C. m. discolor

Sinônimo júnior de C. c. discolor

- Sinônimo júnior de C. cupreus

Sinônimo júnior de C. discolor

C. cupreus modestus Lönnberg, 1939

Sinônimo júnior de C. m. brunneus

C. modestus Lönnberg, 1939

C. modestus Lönnberg, 1939

C. modestus Lönnberg, 1939

C. modestus Lönnberg, 1939

C. cupreus napoleon Lönnberg, 1922

Sinônimo júnior de C. m. discolor

Sinônimo júnior de C. c. discolor

- Sinônimo júnior de C. cupreus

Sinônimo júnior de C. discolor

C. cupreus rutteri Thomas, 1923

Sinônimo júnior de C. m. discolor

Sinônimo júnior de C. c. discolor

- Sinônimo júnior de C. cupreus

Sinônimo júnior de C. discolor

C. ollalae Lönnberg, 1939

Sinônimo júnior de C. m. brunneus

C. ollalae Lönnberg, 1939 C. ollalae Lönnberg, 1939 C. ollalae Lönnberg, 1939 C. ollalae Lönnberg, 1939

C. moloch moloch (Hoffmannsegg, 1807)

C. moloch moloch (Hoffmannsegg, 1807)

C. moloch (Hoffmannsegg, 1807)

C. moloch (Hoffmannsegg, 1807)

C. moloch (Hoffmannsegg, 1807)

C. moloch (Hoffmannsegg, 1807)

C. moloch emiliae Thomas, 1911

Sinônimo júnior de C. m. moloch

Sinônimo júnior de C. moloch

- Sinônimo júnior de C.moloch

Sinônimo júnior de C.moloch

C. moloch baptista Lönnberg, 1939

Sinônimo júnior de C. m. hoffmannsi

C. hoffmannsi baptista Lönnberg, 1939

C. baptista Lönnberg, 1939

C. baptista Lönnberg, 1939 C. baptista Lönnberg, 1939

C. moloch hoffmannsi Thomas, 1908

C. moloch hoffmannsi Thomas, 1908

C. hoffmannsi hoffmannsi Thomas, 1908

C. hoffmannsi Thomas, 1908

C. hoffmannsi Thomas, 1908

C. hoffmannsi Thomas, 1908

C. bernhardi Van Roosmalen et al., 2002

C. bernhardi Van Roosmalen et al., 2002

[C. remulus] Sinônimo júnior de C. m. moloch

Sinônimo júnior de C. m. moloch

Sinônimo júnior de C. moloch

- Sinônimo júnior de C. moloch

Sinônimo júnior de C. moloch

[C. discolor] Sinônimo júnior de C. c. cupreus

C. moloch discolor (I. Geoffroy and Deville, 1848)

C. cupreus discolor (I. Geoffroy and Deville, 1848)

C. discolor (I. Geoffroy and Deville, 1848)

Sinônimo júnior de C. cupreus

C. discolor (I. Geoffroy and Deville, 1848)

C. gigot oenanthe Thomas, 1924

Sinônimo júnior de C. m. discolor

C. oenanthe Thomas, 1924

C. oenanthe Thomas, 1924

C. oenanthe Thomas, 1924 C. oenanthe Thomas, 1924

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13

Hill (1960) Hershkovitz (1963) (bacias do Amazonas e

Orinoco)

Hershkovitz (1990 a)

Van Roosmalen, Van Roosmalen and

Mittermeier (2002)

Groves (2001) Groves (2005)

C. cupreus ornatus (Gray, 1866)

C. moloch ornatus (Gray, 1866)

C. cupreus ornatus (Gray, 1866)

C. ornatus (Gray, 1866) C. ornatus (Gray, 1866) C. ornatus (Gray, 1866)

C. stephennashi Van Roosmalen et al., 2002

C. stephennashi Van Roosmalen et al., 2002

C. cupreus paenulatus Elliot, 1909

Sinônimo júnior de C. m. Discolor

Sinônimo júnior de C. c. discolor

Sinônimo júnior de C. c. discolor

Sinônimo júnior de C. cupreus

Sinônimo júnior de C. discolor

C. gigot donacophilus (d’Orbigny, 1847)

C. moloch donacophilus (d’Orbigny, 1847)

C. donacophilus donacophilus (d’Orbigny, 1847)

C. donacophilus (d’Orbigny, 1847)

C. donacophilus (d’Orbigny, 1847)

C. donacophilus (d’Orbigny, 1847)

C. gigot pallescens (Spix, 1823)

Sinônimo júnior de C. m. donacophilus

C. donacophilus pallescens (Thomas, 1907)

C. pallescens (Thomas, 1907)

C. pallescens (Thomas, 1907)

C. pallescens (Thomas, 1907)

C. personatus personatus (É. Geoffroy, 1812)

[C. personatus personatus (É. Geoffroy, 1812)]

C. personatus personatus (É. Geoffroy, 1812)

C. personatus (É. Geoffroy, 1812)

C. personatus personatus (É. Geoffroy, 1812)

C. personatus (É. Geoffroy, 1812)

C. personatus brunello Thomas 1913

[C. personatus brunello Thomas 1913]

Sinônimo júnior de C. p. nigrifrons

- Sinônimo júnior de C. p. nigrifrons

Sinônimo júnior de C. nigrifrons

C. personatus melanochir (Kuhl, 1820)

[C. personatus melanochir (Kuhl,1820)]

C. personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820)

C. melanochir (Wied-Neuwied, 1820)

C. personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820)

C. melanochir (Wied-Neuwied, 1820)

C. gigot gigot (Spix, 1823)

[C. gigot gigot (Spix, 1823)]

Nomen nudum (ver texto) - Sinônimo júnior de C. p. melanochir

Sinônimo júnior de C. p. melanochir

C. personatus nigrifrons (Spix, 1823)

[C.personatus nigrifrons (Spix, 1823)]

C. personatus nigrifrons (Spix, 1823)

C. nigrifrons (Spix, 1823) C. personatus nigrifrons (Spix, 1823)

C. nigrifrons (Spix, 1823)

C. personatus barbarabrownae Hershkovitz, 1990

C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990

C. personatus barbarabrownae Hershkovitz, 1990

C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990

- - - C. coimbrai Kobayashi & Langguth, 1990

C. coimbrai Kobayashi & Langguth, 1990

C. coimbrai Kobayashi & Langguth, 1990

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A história taxonômica dos guigós atualmente conhecidos como C. barbarabrownae

Hershkovitz, 1990, é complexa, notavelmente pelas incertezas a respeito de localidades tipo de

várias formas e também por certas confusões nas descrições mais antigas, que envolvem uma

espécie de primata descrita por Spix (1823): Callithrix gigot.

Segundo Elliot (1913), a figura de Spix (Spix, 1823, p. 22, prancha 16) ao descrever

Callithrix gigot, não representa o tipo, porém a descrição escrita é razoavelmente correta

(Figuras 1 e 2). Ele indicou que a espécie ocorre perto de Ilhéus ao sul da Bahia (localidade tipo),

e cita Schlegel ao informar que a distribuição se estende ao sul até Nova Friburgo (RJ), entre o

rio Paraíba e as montanhas ao norte da baía do Rio de Janeiro. O holótipo está depositado no

museu de Munique (Elliot, 1913).

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Figura 1: Prancha número XVI do livro “Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium

Species Novae” Spix (1823), representando Callithrix gigot.

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Figura 2: Texto original contendo a descrição de Callithrix gigot (Spix, 1823)

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Tradução para o português da descrição de Callithrix gigot Spix, 1823 – (texto traduzido em negrito): “Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium Species Novae”, Johann Baptist Von Spix (1823, p.22): “Novas espécies de macacos e vespertilionídeos brasilienses (1823, p.22):”

Species 5 – Callithrix Gigot Corpore mediocri, villoso, brunneo – cinerascente; cauda rufescenti – brunnea; manibus, praesertim pedibus villosis, nigris; auriculis nec non malis pilosis, nigris; mento et gula imberbibus.

Espécie 5 – Callithrix Gigot De corpo mediano, peludo, acinzentado-pardo, de cauda avermelhada-parda, de mãos e pés especialmente peludos, negros; de orelhas um pouco peludas, de queixo e pescoço sem barba. Longitudo trunci 1´5´´ ulnae 3´´

capitis palmae 2 ½ ´´ faciei 2´´ femoris 4´´ caudae 1´8´´ tibiae 5´´ humeri 3´´ plantae 3 ¾ ´´

Medidas: tronco 1´5´´ antebraço 3´´ cabeça 3´´ palma 2 ½ ´´ face 2´´ fêmur 4´´ calda 1´8´´ tíbia 5´´ húmero 3´´ planta 3 ¾´´

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Descriptio1: Corpus robustius et magis villosum quam speciei praecedentis; pili corporis 2 ½ ´´ longi, ad radicem brunneo-nigri, in medio sordide fuscescenti-fasciati, versus apicem sordide albo nigroque annulati, capitis pilis dorsi breviores, longiores vero illis speciei praecedentis, ad radicem nigri, ad apicem albo-rufescentis, supra oculos usque as radicem nasi nigri, retrovergentes, caudae ad radicem ferruginei, versus apicem pallide ferrugineo nigroque maculati, abdominis nigro-cinerascentis lanuginosi, manuum pedumque villosi, nigerrimi; facies subcrassa, atra, nigro subpilosa; labia albo-pilosa; malae cinereo nigroque barbatae; regio supra oculos et ad radicem nasi uti et in labiis vibrissis nigris rarioribus obsita; digiti nigro-villosi, illi manuum subaequales; pollex pedis a reliquis digitis remotus; ungues nigri, subincurvi, ad apicem acuti, prominuli, pollicares planiusculi.

Descrição: corpo mais robusto e mais peludo que o da espécie precedente [C. nigrifrons, p.15, prancha XIII]; pêlos do corpo com 2 ½´´de comprimento, junto à base de um castanho-escuro, no meio, de aspecto sujo, uma faixa escura, na ponta, anelados de branco e preto, pêlos das costas da cabeça menores, porém, na verdade, maiores do que aqueles da espécie precedente, na raiz, negros, na ponta, branco-avermelhados, em cima dos olhos até a base do nariz, negros, voltados para trás, pêlos da cauda (cor de) ferrugem na base; na ponta, manchados palidamente (ou amareladamente) de ferrugem e negro, lanuginosos no abdômen (e) negro-acinzentados; de mãos e pés peludos, negríssimos; face um tanto espessa (gorda ou grossa) e um tanto peluda; lábios peludos e brancos; maçãs do rosto barbadas e negro-acinzentadas; região em cima dos olhos e na base do nariz, como também nos lábios, coberta de raras vibrissas negras; dedos peludos e negros, mãos aparentemente uniformes (da mesma grandeza, iguais); o polegar de pé distante do resto dos dedos; unhas negras, ligeiramente encurvadas, na ponta pontiagudas, um tanto salientes, polegares planos em forma de ganchinhos.

1 Tradução de Maria Cristina Martins: mestre e doutora em Lingüística (UNICAMP, 1996, 2002), na sub-área de teoria gramatical (latim clássico e latim vulgar), pós-doutora em Filologia Românica com ênfase em latim vulgar (USP, 2004). Professora adjunta de Língua e Literatura Latinas no Instituto de Letras/UFRGS.

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Elliot assim apontou para uma confusão quanto à identidade do tipo de C. gigot, sendo

que a descrição de Spix (1823) não estaria em conformidade com a ilustração:

“Spix’s figure of this species [Callicebus gigot], like that of C. nigrifrons, in no way represents the type, which is a darker animal and of quite a different color. Spix’s description however is fairly correct.” (Elliot, 1913, p.255)

A localidade tipo dada por Elliot (1913) está dentro da área de distribuição da forma hoje

reconhecido como de C. melanochir.

Cabrera (1958), provavelmente seguindo Elliot (1913), colocou Callithrix gigot Spix,

1823 e Callithrix gigo Gray, 1870 como sinônimos juniores de C. melanochir.

Callicebus gigot (Spix, 1823) foi uma das sete espécies reconhecidas por Hill (1960). A

espécie teria 4 subespécies, sendo que C. g. gigot (Spix, 1823) seria a forma da Mata Atlântica

brasileira. Hill (1960) registrou a localidade tipo de Callicebus gigot como “near Ilhéus, south of

Bahia, eastern of Brazil” (p.140). O tipo seria um macho depositado no Museu de Munique,

coletado por Spix. Ele indicou uma distribuição que se estenderia entre os rios Itapicuru, ao norte

de Salvador e Paraíba, no Rio de Janeiro. Sendo assim Hill (1960) colocou C. gigot como

simpátrico de C. personatus melanochir ao norte do rio São Matheus (Espírito Santo) e de C. p.

personatus ao sul do rio São Matheus até Nova Friburgo (Rio de Janeiro). Entretanto o mesmo

autor mencionou que o material coletado por A. Robert em Lamarão (Bahia) e depositado no

Museu Britânico pertenceria à subespécie Callicebus gigot gigot (Hill, 1960, p.140).

Na revisão de 1988, Hershkovitz listou somente C. personatus personatus, C. p.

melanochir e C. p. nigrifrons, não fazendo menção à forma gigot (Spix, 1823) (ver Tabela 2)

(Hershkovitz, 1988 a). Somente na revisão subseqüente (Hershkovitz, 1990a) o autor abordou

especificamente a validade dessa forma. Em 1988, Hershkovitz propôs o arranjo do gênero em

quatro clados ou grupos baseado em caracteres morfológicos, inaugurando uma tendência que

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mais tarde seria seguida por outros sistematas do gênero: o Grupo de Callicebus modestus, o

Grupo de Callicebus donacophilus, o Grupo de Callicebus moloch e o Grupo de Callicebus

torquatus.

Em 1990 Hershkovitz fez nova revisão do gênero. Para o presente estudo, o mais relevante

daquela contribuição são as subespécies de Callicebus personatus (É. Geoffroy, 1812) que ele

reconheceu: C. p. melanochir (Wied-Neuwied, 1820), C. p. nigrifrons (Spix, 1823), C. p.

personatus (É. Geoffroy, 1812) e C. p. barbarabrownae Hershkovitz, 1990. Callicebus p.

barbarabrownae Hershkovitz, 1990 foi apresentada como uma nova subespécie. Os seguintes

nomes foram colocados como sinônimos de barbarabrownae: Callithrix gigot em Wagner

(1833), Callithrix gigot em Reichenbach (1862), Callithrix gigo em Gray, (1870), Callithrix

gigot em Kraft (1883), Callicebus gigot em Elliot (1913), Callicebus gigot gigot em Hill (1960),

Callicebus personatus em Napier (1976) e Callicebus personatus melanochir em Kinzey (1982).

Van Roosmalen et al. (2002) fizeram uma revisão ao descreverem duas novas espécies

para a Amazônia, Callicebus bernhardi e C. stephennashi. Eles consideraram todas as formas de

Callicebus espécies, incluindo barbarabrownae.

As mais recentes revisões do gênero Callicebus foram feitas por Groves (2001, 2005).

Groves (2001) reconheceu 13 espécies, e manteve subespécies somente para C. torquatus e C.

personatus (Tabela 2). Na revisão de 2001, embora este autor tenha aceitado C. coimbrai

Kobayashi e Langguth, 1999 como espécie, manteve as outras formas da Mata Atlântica

(melanochir e nigrifrons) como subespécies de C. personatus. Entretanto, na lista taxonômica

publicada na terceira edição do livro Mammal Species of the World, Groves (2005) colocou todas

as formas da Mata Atlântica como espécies distintas (Tabela 2).

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Em relação à Callicebus gigot (Spix, 1823), Groves (2001), provavelmente seguindo a

tendência de Cabrera (1958) e Hershkovitz (1963), citou apenas que Callithrix gigot Spix, 1823

seria sinônimo júnior de Callicebus personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820).

Uma nova espécie de guigó, C. aureipalatii Wallace et al. 2006 aumentou para vinte e

nove o número de espécies de Callicebus. Este primata habita a região de Madidi, ao norte da

Bolívia (Wallace et al., 2006) e foi a mais recente espécie descrita no gênero.

3.3 Histórico taxonômico de Callicebus gigot (Spix, 1823)

Descrevo, a seguir, o histórico do uso do nome Callithrix gigot Spix (1823) e procuro

reconstituir o raciocínio que levou Hershkovitz (1990a) a desqualificar este nome:

1823 – Spix descreveu Callithrix gigot (p.22, prancha 16, do livro “Simiarum et

Vespertilionum Brasiliensium Species Novae”) (ver tradução da descrição no Anexo 1 e a Figura

2).

1833 – Wagner reconheceu Callithrix gigot com referência à prancha colorida original

(p.994).

1848 – Wagner decidiu que Callithrix gigot Spix, 1823 seria uma variedade boreal de

Callithrix nigrifrons Spix, 1823 ou de Callithrix melanochir Wied-Neuwied, 1820 (p. 450).

1862 – Reichenbach reconheceu Callithrix gigot Spix, 1823 (Prancha 5, Fgura 68) como

um animal “ex Spix”.

1866 – Gray reconheceu Callithrix gigo como espécie válida com base em Spix 1823,

mas escreveu, lapsus calami, “gigo” e não “gigot” (p.57).

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1870 – Gray manteve Callithrix gigo em nova revisão do gênero (p.57).

1883 – Kraft reconheceu Callithrix gigot (p.432), sem holótipo, com referência ao

trabalho de Spix, 1823 (p.22, Prancha 16).

1903 – O. Thomas criou o gênero Callicebus, usando como espécie tipo Callicebus

personatus (E. Geoffroy, 1812).

1903 – 25 de junho, Lamarão, Bahia: o coletor francês Alphonse Robert obteve oito

indivíduos de Callithrix gigot Spix, 1823, durante a Percy Sladen Expedition to Central Brazil

(1901 a 1904). Esta expedição buscava insetos, répteis, aves e mamíferos em oito estados

brasileiros. Os mamíferos foram enviados ao British Museum, tendo sido recebidos por O.

Thomas (Silva et al., 2004).

1913 – Elliot reconheceu Callicebus gigot (Spix, 1823) - caracteres ex figura colorida

original [de Spix, 1823] (p.254).

1958 – Cabrera considerou Callithrix gigot Spix, 1823 (p.22, Prancha 16) e Callithrix

gigo em Gray, 1870, como sinônimos de Callicebus melanochir (Kuhl, 1820) (p.139).

1960 – Hill (1960) reconheceu C. personatus (E. Geoffroy, 1812) com três subespécies e

C. gigot (Spix, 1823), com quatro, dentre elas C. gigot gigot. Segundo o autor, a série de peles

coletadas por A. Robert em 1903 e Lamarão, Bahia, e depositadas no Museu Britânico

pertenceria a esta subespécie (pp.140, 143, 146).

1963 – Embora não tenha feito estudo taxonômico e geográfico dos guigós da Mata

Atlântica neste trabalho (dedicado aos membros do gênero Callicebus nas bacias do Amazonas e

do Orinoco), Hershkovitz reconheceu C. personatus (É. Geoffroy, 1812) e mencionou C. gigot

(Spix, 1823).

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1976 – Napier colocou C. gigot (Spix, 1823) como sinônimo júnior de C. personatus (É.

Geoffroy, 1812); locais de coleta: Lamarão e Formosa (ambos na Bahia, coordenadas

geográficas não fornecidas) (pp.53–54).

1982 – Kinzey não reconheceu C. gigot (Spix, 1823), colocando esta forma junto com

Callicebus personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820). Mesmo assim o pesquisador descreve

com detalhes a forma típica de C. barbarabrownae e afirma que ela já havia sido classificada

como C. gigot:

“C. p. melanochir is the only subespecies found in Bahia and occurs as far south as the Rio Itaúnas at the northern border of Espírito Santo. This is a dark-brown to steel-grey subspecies (the greyish form previously having been referred to as Callicebus gigot) with dark reddish-brown tail, a narrow black band between the forehead and the crown, and a gradual transition between the black hands and feet and the gray-to-brown forearms and legs”. (Kinzey, 1982, p.462) Os locais de coleta indicados são: Lamarão, Rio Itapicuru; Bandeira de Melo, Rio

Paraguaçu e Formosa (p.462–463, com mapa). É interessante que o mapa de distribuição das

subespécies de C. personatus feito por Kinzey apresenta estas três localidades, situadas na região

onde registrei C. barbarabrownae, e outras três no sul da Bahia, onde habita C. melanochir,

como sendo dentro da distribuição de C. p. melanochir.

1988 – Hershkovitz (1988a) passou a reconhecer 13 espécies e 16 subespécies, sem,

entretanto, mencionar Callicebus gigot (Spix, 1823) (p.1).

1990 – Hershkovitz (1990a, p.77) descreveu Callicebus personatus barbarabrownae

aumentando sua lista para 25 táxons. O autor considerou Callithrix gigot Spix, 1823 como

sinônimo sênior da nova subespécie (com referência a ilustração de Spix, Prancha 16), mas

também como sinônimo júnior de C. personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820) (com

referência a descrição escrita de Spix).

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2001 – Groves considerou Callithrix gigot Spix, 1823 como sinônimo júnior de

Callicebus personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820) e manteve Callicebus personatus

barbarabrownae Hershkovitz, 1990 como subespécie, embora tenha considerado Callicebus

coimbrai Kobayashi e Langguth, 1999 como espécie.

2002 – Van Roosmalen et al. reconheceram Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,

1990 como espécie, sem referência a Callicebus gigot (Spix, 1823) (p.40).

2005 – Groves reconheceu como espécies todas as formas do Grupo Personatus.

3.4 Descrição de Callicebus personatus barbarabrownae Hershkovitz, 1990

Callicebus personatus barbarabrownae foi uma subespécie descrita por

Hershkovitz (1990a) a partir de espécimes de guigós que antes haviam sido atribuídos a

Callithrix gigot Spix, 1823. A partir da revisão de Van Roosmalen et al. (2002), esta forma

passou a ser considerada uma espécie. Os novos conhecimentos adquiridos através dos

estudos de Kobayashi e Langguth (1999) na descrição de Callicebus coimbrai, cuja

distribuição geográfica se encontra dentro daquela suposta por Hershkovitz para C.

barbarabrownae, e as novas informações adquiridas ao longo do presente estudo,

demandaram uma reavaliação da posição taxonômica adotada por Hershkovitz a esse

respeito.

O holótipo de Callicebus personatus barbarabrownae é uma fêmea adulta (pele e

crânio) depositada no British Museum (Natural History), número 1903.9.5.7, coletado no

dia 25 de junho de 1903 por Alphonse Robert em Lamarão, Bahia, Brasil, altitude

aproximadamente 300 m (Napier, 1976; Herhskvoitz, 1990a). Além da localidade tipo,

Hershkovitz (1990a) listou Bandeira de Melo, Rio Paraguaçu (um espécime do Field

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Musuem of Natural History, Chicago) e Formosa (um espécime do British Museum). Ele

descreveu a distribuição como terras altas no litoral centro-norte da Bahia, Brasil, entre o

rio Paraguaçu ao sul e o rio Itapicuru ao norte. Hershkovitz (1990a) afirma ainda que o

gênero não havia sido registrado ao norte do Itapicuru, oeste do rio São Francisco ou entre

os rios Paraguaçu e de Contas; os guigós ao sul do rio de Contas seriam Callicebus

personatus melanochir (Wied-Neuwied, 1820). A descrição da pelagem fornecida por

Hershkovitz é a seguinte:

“(...) tail dominantly orange, upper surface of base paler, or yellowish, hair bases eumelanin, remainder of tail entirely pheomelanin; scattering of fine short pheomelanic facial hairs not concealing blackish skin; ear tufts and skin blackish”. Hershkovitz (1990 a, p.77) Marinho-Filho e Veríssimo obtiveram uma pele de guigó em 1990 durante um

inventário de fauna em Mirorós, Bahia (11°24'S, 42°17'W), por ocasião da construção da

barragem que abastece o município de Ibipeba (ex Guigós) (11°26'S, 42°18'W). O animal

coletado seria mais tarde classificado como C. personatus barbarabrownae (Marinho-Filho

& Veríssimo, 1997). Esta coleta foi considerada uma redescoberta da subespécie,

colocando fim a um intervalo de 68 anos sem registros, uma vez que a coleta anterior havia

sido realizada em 1929 em Formosa, Bahia (Hershkovitz, 1988a; Marinho-Filho &

Veríssimo, 1997). O espécime coletado em 1929 foi depositado no Field Museum of

Natural History (Chicago, USA). Desaparecido por quase 70 anos, o guigó-da-caatinga

chegou a ser considerado extinto (Coimbra-Filho, 1991/1992). A pele coletada por

Marinho-Filho e Veríssimo em setembro de 1990 é a única existente no Brasil e hoje se

encontra no Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (Figura 3).

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a) patas negras b) coloração da pele

c) detalhe da cauda laranja d) etiqueta com dados de coleta

Figura 3: Pele de C. p. barbarabrownae Hershkovitz, 1990 coletada pelo Prof.

Jader S. Marinho-Filho em 1990 na Fazenda Conceição (Mirorós, Bahia)

Hershkovitz fez comparações entre C. p. barbarabrownae Hershkovitz, 1990 e

outras três formas de Callicebus:

“Distinguished from geographic nearest Callicebus personatus melanochir by dominantly buffy (pheomelanic) crown, side of head, throat, trunk, and limbs with the subterminal pheomelanic bands of hairs paler; from nigrifrons and personatus by forehead not blackish”. (Hershkovitz, 1990a, p.77)

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Segundo Hershkovitz (1990a) uma fêmea de C. p. barbarabrownae de procedência

desconhecida sobreviveu durante seis meses no Zoológico de Londres. Suas características

gerais estavam de acordo com o holótipo, porém seu dorso e partes inferiores eram pálidos,

assim como a pele da face e das orelhas, e possuía pêlos inteiramente feomelânicos

(avermelhados).

A Tabela 3 compara características de pelagem de três formas de Calliiebus com

distribuição geográfica muito próxima.

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Tabela 3: Características de pelagem de C. barbarabrwonae, C. melanochir e C. coimbrai

C. barbarabrownae1

foto ou desenho

C. melanochir2

foto ou desenho

C. coimbrai 3

foto ou desenho

cauda laranja, superfície superior da base pálida ou amarelada; pêlos da base negros

figuras 9 e 10 a deste trabalho

marrom-acizentada, mais marrom do que cinza na parte basal

Van Roosmalen et al., p.38, (como a de nigrifrons)

laranja com marrom

figura 15 deste trabalho

Printes, 2007 4

laranja, base pálida

figuras 9 e 10 a deste trabalho

cinza, podendo se marrom na base (variegata)

figura 10 b avermelhada figura 15

diadema amarelo-cor-de-couro (feomelânico)

figura 9 negro Van Roosmalen et al., p.38

negro, formato bem definido

figura 17

Printes, 2007 4

negro figura 9 negro Van Roosmalen et al., p.38

negro, formato bem definido

figuras 15 e 17

tronco amarelo-cor-de-couro, com bandas subterminais de feomelanina

figura 10

cinza, ventre ferrugíneo

Van Roosmalen et al., p.52

amarelo-cor-de-couro, com pêlos mais longos e negros

figuras 15 e 17

Printes, 2007 4

branco sujo (cor de couro cru)

figura 3 b

cinza Van Roosmalen et al., p.52

grisalho, com pêlos negros na extremidade

figuras 15 e 17

testa não é negra como em nigrifrons e personatus

figuras 9 e 10 a

cinza Van Roosmalen et al., p.52

negra figura 17

Printes, 2007 4

faixa branca menos definida do que em coimbrai

figuras 9 e 10 a

cinza Van Roosmalen et al., p.52

negra com diadema branco bem definido

figura 15

orelha com tufos de pêlos negros

figuras 9e 10 a

- Van Roosmalen et al., p.52

negra figura 17

Printes, 2007 4

tufos de pêlos negros menores do que em coimbrai

figuras 9e 10 a

negra, mais escura do que

o tronco

Van Roosmalen et al., p.52

tufos de pêlos negros longos

figura 15

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C.

barbarabrownae1 foto ou desenho

C. melanochir2

foto ou desenho

C. coimbrai 3

foto ou desenho

membros amarelo-cor-de-couro, com extremidades negras

figuras 9 e 10 a

mãos marrom-avermelhadas;pés negros

- extremidades negras

figura 15

Printes, 2007 4

da cor do tronco com extremidades negras

figura 3 a

negros Van Roosmalen et al., p.52

negros figura 15

Referências: 1 - Hershkovitz (1990 a); 2 - Hill, 1960; 3 - Kobayashi & Langguth, (1999); 4 - Printes (este estudo)

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3.5 Considerações sobre Callicebus gigot (Spix, 1823)

Elliot (1913) apontou pela primeira vez a discrepância entre a figura de Spix (Spix,

1823, p.22, Prancha 16) e a descrição escrita do holótipo, que ele mesmo (Elliot, 1913)

havia examinado no Zoologische Staatsammlung, Munique. O autor julgou que a descrição

era razoavelmente correta (“fairly correct”: p. 255) e assim descreveu o tipo (ver fotografia

em Hershkovitz [1990a; Fig. 43, p.76]):

“Color: Male. Face naked, black; narrow line on forehead and side of face; ears, hands and feet black; hairs on top of head short, black, with grayish white tips; hairs on upper parts long, woolly, blackish brown at base, remainder reddish brown; limbs and flanks like back but darker, and blackish on outer side, under parts yellowish gray; tail cinnamon rufous, with many black hairs intermingled. Ex: type Munich Museum. Female. Has the lower back decidedly reddish, otherwsie like the male”. (Elliot, 1913, p.255)

Elliot (1913) manteve a validade da espécie Callicebus gigot (Spix, 1823), com a

localidade tipo sendo Ilhéus, Bahia, baseado nessa descrição escrita. Porém ele também

reconheceu C. melanochir, embora Cabrera (1958) e Hershkovitz (1990a) tenham colocado

C. gigot como sinônimo júnior de C. melanochir, baseado nesse mesmo holótipo. Hill

(1960) não mencionou as observações de Elliot (1913) a respeito da diferença entre a

descrição do holótipo e a ilustração de Spix (1823), posteriormente confirmadas por

Hershkovitz (1990a, 1990b). A descrição de Callicebus gigot fornecida por Hill (1960),

porém é a de Elliot (1913). Hill (1960) usou os mesmos termos e descrições. Os dois

autores, por exemplo, descreveram a cauda como cinnamon-rufous. Hill (1960) listou

também quatro espécimes no Museu Britânico, todos procedentes de “Bahia, Lamarão, 300

m”. O número BM 1903.9.5.1 (crânio e pele) ele listou como fêmea, enquanto Napier

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(1976) listou como macho juvenil. Hill (1960) não informou o sexo do número BM

1903.9.5.5 (crânio e pele), embora Napier (1976) tenha informado que era outro macho

juvenil. Os números BM 1903.9.5.6 e BM 1903.9.5.7 (crânios e peles), eram fêmeas

adultas (Hill, 1960; Napier, 1976).

Hershkovitz (1990b) afirmou que na descrição de Callithrix gigot, Spix (1823)

utilizou uma gravura que não corresponde ao texto. Como Elliot (1913), ele concluiu que a

descrição escrita do tipo não era realmente de um espécime de C. melanochir (Hershkovitz,

1990a, 1990b). O autor argumentou que a gravura de Spix (1823) era de um animal distinto

do nordeste do Brasil e o descreveu formalmente como Callicebus personatus

barbarabrownae (Hershkovitz, 1990a). Ao descrever esta subespécie, Hershkovitz

novamente narrou o episódio da descrição de Callithrix gigot Spix, 1823:

“The color plate of Callithrix gigot Spix 1823 (1823, pl.16) (fig.43) indicates an animal distinct from the one named melanochir three years earlier by Wied-Neuwied (1820, p.114) regarded the two forms as identical but likely had mind the description in text. Few authors followed this decision, although Cabrera (1958, p. 139) includes gigot in the synonymy of melanochir. Judged by the original color plates only, Callithrix melonochir and C. gigot are indeed distinct, as noted earlier by Wagner (1833, 1848). Callicebus personatus melanochir is figured as a basically grayish, crown in front blackish, tail variegated. The figured Callithrix gigot is the entirely buffy-bodied with browline blackish, crown buffy, tail buffy like trunk. Spix (1823, p. 22) original description of the holotype of gigot (fig. 43), however, is of a very different animal. Elliot (1913, p. 255) had already noted that ‘Spix’s figure [of gigot] …in no way represents the type, which is a darker animal and of quite a different color. Spix’s description, however, is fairly accurate’. The type specimen of gigot I examined in the Munich Museum, and that of a topotype in the Rio Museum (MNR 11201) from Ilhéus, conform fairly well to that of Wied-Neuwied’s melanochir. On the other hand, the trunk of a specimen (FMNH 20444) from Bandeira de Melo, rio Paraguaçu, NW of Ilhéus, is dominantly buffy as figured for gigot, its tail deep reddish as describe for gigot. The series of BM specimens from Formosa

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(2) and Lamarão (6) in the same region NW of Ilhéus, exhibit the same figured characters of gigot. If Ilhéus is indeed the type locality of gigot, and nothing in Spix’s text indicates otherwise, then gigot as originally described and represented by the mounted type specimen in the Munich Museum is indistinguishable form Wied-Neuwied’s C. p. melanochir. On the other hand, the FMNH skin only from Bandeira de Melo, the BM material from Formosa and Lamarão, together with Spix’s figure of a titi mistakenly labeled gigot, represent the distinct population on the northernmost known geographic limits of the species, here named C. p. barbarabrownae”. Hershkovitz (1990 a, p. 78)

Aqui Hershkovitz deixa claro que: 1) O holótito de Callicebus gigot que ele

examinou no Museu de Munique pertence de fato a Callicebus melanochir; 2) A descrição

do Callithrix gigot de spix (1823) corresponde ao material coletado pro Robert em

Lamarão, Bahia (1903) e por Becker (1913) em Bandeira de Melo e depositado no Museu

de Chicago.

A tradução do texto original do livro Simiarum et Vespertilionum Brasiliensium

Species Novae de Spix (1823), do latim para o português, revela que a descrição do autor é

de um animal de coloração branco-sujo, com cauda alaranjada, como C. barbarabrownae e

não de um animal cinza com cauda de coloração semelhante a do corpo (concolor) como C.

melanochir.

Finalmente, Hershkovitz (1990 b, p. 11), observa que o verdadeiro holótipo de Callicebus

gigot (Spix, 1823), usado para fazer a prancha 16 do livro de Spix, está desaparecido:

“In a classic monograph on the bats and monkeys he collected in Brazil between 1817 and 1820, the German zoologist Johann von Spix of the Munich Natural History Museum described a blackish titi monkey, the size of a large house cat, and named it Callithrix gigot. The artist commissioned to make a portrait of the mounted individual mistakenly used for a model an unknown blond titi, and carelessly captioned the painting Callithrix gigot. The dark titi, originally from the coast of southern Bahia, is still preserved in the Munich Museum. The mislabeled blond titi was not mentioned by Spix and the

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whereabouts of the mounted specimen is unknown”. (Hershkovitz, 1990b, p.11)

4. Discussão

4.1 O nome C. barbarabrownae é válido?

Provavelmente não, devido ao princípio da prioridade (ICZN, 1999; Groves, 2001).

O animal descrito por Spix em 1823 como sendo Callithrix gigot corresponde ao que hoje

chamamos de Callicebus barbarabrownae.

Elliot (1913) e Hershkovitz (1990 a,b) observaram que o texto de Spix não está de

acordo com a gravura. Hershkovitz (1990 a) admite que o texto de Spix descreve um

animal correspondente ao que foi coletadao em Lamarão, Bahia e que ele (Hershkovitz)

descreveu como sendo C. barbarabrownae.

Entretanto, o holótipo de Callicebus gigot (Spix, 1823) provavelmente desapareceu

(Hershkovitz, 1990b). Para que o nome C. gigot (Spix, 1823) possa substituir C.

barbarabrownae Hershkovitz, 1990 deverá ser definido um neótipo, que pode ser escolhido

dentro da série coletada por A. Robert em Lamarão, Bahia (1903), já utilizado para

descrever C. barbarabrownae.

4.2 Onde fica a localidade tipo da espécie?

Os nomes de várias localidades da Bahia mudaram desde a época da descrição do

guigó-da-caatinga (Vanzolini & Papávero, 1968). Um mapa atual dos municípios da Bahia

é apresentado a seguir para facilitar o entendimento do texto (Figura 4).

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Figura 4: Municípios ao longo da área de estudo (Fonte: SEI, 2003)

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Uma série de espécimes que Hershkovitz (1990a) usou para descrever C. p.

barbarabrownae, está depositada no Field Museum of Natural History (Chicago),

etiquetada como proveniente de “Bandeira de Melo, Rio Paraguaçu, NW de Ilhéus”.

Localizar Bandeira de Melo foi um dos objetivos das expedições realizadas entre janeiro e

maio de 2005. Entretanto, Bandeira de Melo não consta nos mapas atuais do Estado da

Bahia e nem no site de municípios do Brasil (IBGE, 2005). Em carta enviada a Anthony

Rylands em 27/01/1988, Hershkovitz afirma que o local conhecido como Bandeira de

Melo, onde R. H. Becker coletou algumas peles em 1913, teria como coordenadas: 13°03'S,

40°50'W (Hershkovitz, 1988b). Marinho-Filho e Veríssimo (1997) dão para aquela

localidade coordenadas semelhantes: 13°03'S, 41°49'W. Quando plotadas no programa

MapSource-Garmin® as coordenadas fornecidas por Hershkovitz (1988b) e por Marinho-

Filho e Veríssimo (1997), localiza-se um sítio a noroeste de Piatã, distante 10,7 km da sede

do município, próximo a BA 148 e a 24 km de Inúbia. Durante a expedição realizada em

janeiro de 2005 visitei aquela região. Não encontrei, entretanto, qualquer povoado nas

coordenadas citadas. Mais interessante ainda é que Piatã e Inúbia ficam a SW da Chapada

Diamantina, onde não foi obtido nenhum registro de guigó, nem mesmo através de relatos

de antigos moradores, confirmando que o relevo, ou a mudança fitogeográfica a ele

associada, podem ter barrado a distribuição de Callicebus naquela região, como defendia

Hershkovitz (1988a, 1990a). Para saber de onde veio a série de peles de guigó que está no

Field Museum of Natural History, utilizei, então, o seguinte procedimento: num mapa

antigo (Cunha, 1901) identifiquei o trajeto da linha de trem de passageiros (hoje desativada)

que partia de Salvador no tempo em que Salvador se chamava Bahia (Cunha, op. cit.;

Sampaio, 2002). Esta linha de trens era o único meio de acesso à Caatinga baiana no início

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do século XX e foi utilizada pelos naturalistas para fazer suas viagens de coleta. Depois de

passar por Lamarão, o trem seguia em direção ao Rio Paraguaçu, parando em três estações,

todas na região de Marcionílio Souza (ex Tamburi). As coordenadas das estações de trem

são: Marcionílio Souza – 13°00'20,9"S, 40°32'23,4"W; Queimadinhas – 13°02'54,2"S,

40°44'54,1"W e Bandeira de Melo – 13°01'53,3”S, 40°25'38,0”W. A busca do guigó foi

iniciada em Marcionílio Souza. Lá, com o apoio da prefeitura, encontrei um fragmento com

uma pequena população, a cerca de 15 km da cidade (13°02' 07,9"S; 40°25'38,0"W;

altitude 598 m). Os animais foram identificados como sendo Callicebus barbarabrownae

Hershkovitz, 1990. Moradores disseram que Bandeira de Melo seria um povoado não muito

longe dali, pertencente à Itaetê. Depois de chegar na localidade, encontrei a estação de

trens, às margens do rio Paraguaçu (13°01'53,3"S, 40°48'52,0"W; altitude 286 m), hoje

uma ruína utilizada como chiqueiro de porcos. Em Bandeira de Melo selecionei o

informante A. M., 73 anos, nascido no local e lá residente por toda a sua vida. A. M. foi

tirador de mel e caçador, tendo inclusive comido guigós. Ele afirmou que os primatas não

são ouvidos há muitos anos naquelas matas. Num fragmento de caatinga arbórea localizado

no Morro do Bandeira, às margens do Paraguaçu e bem perto da antiga estação de trens,

realizei algumas seções de play-back sem sucesso (13°03'17,6"S, 40°47'38,1"W; altitude

314 m). Considerei o guigó extinto em Bandeira de Melo. A pequena população de guigós

de Marcionílio Souza, localizada a 16,2 km a sudeste, passou a ser estratégica para a

conservação da espécie.

Não obtive o mesmo sucesso na localização de Formosa, outro sítio onde foram

coletados espécimes de Callicebus postriormente utilizados por Hershkovitz para descrever

C. personatus barbarabrownae (Hershkovitz, 1990, a), material hoje depositado no Museu

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Britânico. Identifiquei três localidades com o nome de Formosa na Bahia: uma a oeste do

Raso da Catarina, a 48,2 km de Macururé (14°59'28,4"S, 41°03'11,7"W; altitude 300 m);

outra a 28,2 km de Vitória da Conquista, conhecida como Lagoa Formosa (09°36'01,6"S,

39°05'26,3"W; altitude 358 m) e a terceira ao norte da Chapada Diamantina, a 30,3 km de

Miguel Calmon (11°16'18,3"S, 41°04'30,9"W; altitude 746 m). Em junho de 2004 realizei

uma expedição à região de Macururé e não obtive qualquer relato de guigós. A vegetação é

do tipo caatinga arbustiva densa (o “carrasco”), que não suporta populações daquela

espécie. Em janeiro de 2005 visitei a região de Vitória da Conquista. Lá a pecuária e a

urbanização causaram grande desfiguração paisagística, justamente na região de transição

entre a Mata Atlântica e a Caatinga. Hoje é impossível saber se naquela área ocorreu C.

melanochir (Wied-Neuwied, 1820) ou C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990. É bem

possível que C. barbarabrownae algum dia tenha ocupado o Planalto de Conquista, mas

seu limite sul atual é a Serra de Contendas do Sincorá (13°54'21,4"S, 41°09'55,1"W;

altitude 603 m). Segundo Hershkovitz (1990a), Formosa seria uma localidade a 700 m de

altitude, anotada no seu gazetteer sob n° 211 (coordenadas geográficas não fornecidas), a

noroeste de Lamarão, localidade tipo, e ao norte do rio Jacuípe, aparentemente na região da

Chapada Diamantina. Por isso em abril de 2005 realizei uma expedição a um distrito de

Morro do Chapéu conhecido como Formosa, com altitude próxima àquela fornecida por

Hershkovitz (1990a), mas lá não obtive qualquer relato de guigós e novamente encontrei

vegetação do tipo caatinga arbustiva densa.

Para localizar a localidade tipo de C. barbarabrownae era necessário encontrar um

local chamado Lamarão, onde, em 1903, foi coletada a série de peles utilizada por

Hershkovitz, em 1990, para descrever a espécie. Hill (1960) cita como localidade tipo de C.

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gigot gigot algum lugar “próximo a Ilhéus, sul da Bahia, Brasil”, provavelmente com base

em Spix (1823), mas também registra que há uma pele no Museu Britânico, coletada por A.

Robert em Lamarão, Bahia, 300 m de altitude (coordenadas geográficas não fornecidas).

Isto deixa claro que Hill (1960) e Hershkovitz (1990 a) se referiam ao mesmo local e aos

mesmos espéciemens, embora utilzassem nomenclatura diferente. Por isso, encontrar

Lamarão, saber se lá ainda há guigós e vê-los, se tornaram questões cruciais para este

trabalho.

É possível localizar nos mapas da Bahia uma localidade com o nome “Lamarão”,

uma chamada “Lamarão do Passé” e ainda uma outra conhecida como “Lameirão” (IBGE,

2005). Esta última foi desconsiderada por estar na margem esquerda do rio São Francisco,

fora da área de distribuição dos guigós. Havia também a informação, registrada pelo coletor

A. Robert, de que a localidade tipo ficava próxima à linha do trem entre as vilas de Água

Fria (sul) e Serrinha (norte), 11°45'S, 38°53'W, a 300 m de altitude, aproximadamente 140

km e a noroeste da Bahia (Vanzolini & Papávero 1968; IBGE 1972). Bahia, segundo

Sampaio (2002), é como se chamava Salvador há cerca de 100 anos. A propósito, existe

ainda no Museu Britânico o mapa utilizada por Oldfield Thomas (que recebeu os espécimes

de Robert): Stieler’s Hand-Atlas, Gotha: Justus Perthes, 1905. Thomas fez inúmeras

anotações no mapa em lápis. D. Brandon-Jones (ex-funcionário do Museu Britânico)

informou que no mapa está sublinhado Lamarão próximo a Salvador. Paynter and Traylor

(1991) também informaram que, em 1903, para fins de coleta de espécimes zoológicos,

Alphonse Robert visitou “Lamarão, Bahia, 291 m, on railroad 140 km NW of Salvador,

eastern Bahia”.

Durante expedição realizada entre maio e junho de 2004, em Lamarão do Passé,

através do informante L.A.G., 51 anos, agricultor, localizei um fragmento de mata dentro

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de uma fazenda ocupada pelo Movimento dos Sem Terra (MST). Após dois dias de

negociações com as lideranças, as matas puderam ser percorridas em busca dos guigós. Ali

registrei Callicebus coimbrai Kobayashi & Langguth, 1999, ampliando o limite sul de

distribuição desta espécie, que era o rio Itapicuru, até o recôncavo baiano. As coordenadas

são: 12°29'51"S, 38°22'35"W; altitude 53 m.

Porém, persistia o problema de encontrar o local onde o francês Alphonse Robert

havia coletado oito guigós em 1903 e enviado para O. Thomas do British Museum. Sendo

assim, durante outra expedição, realizada entre setembro e outubro de 2004, visitei uma

segunda localidade chamada Lamarão, desta vez um município a 170 km de Salvador.

Selecionei o informante Z. S., nascido em 1911 (oito anos após a coleta de A. Robert) e que

passou toda a sua vida ao lado da linha do trem de Lamarão. Ele reconheceu a vocalização

dos animais, porém afirmou que a espécie provavelmente estaria extinta naquela região.

Como Lamarão é um município com 30 localidades e o informante, devido a sua avançada

idade, já não freqüentava as matas, continuei o processo seletivo. Através do informante J.

S., 42 anos, caçador, localizei um fragmento de caatinga arbórea de cerca de 240 ha na

fazenda Marruais (11°49'55,3"S, 38°54'14,6"W; altitude 270 m). Lá vimos quatro

indivíduos do guigó que Spix (1823) classificou como Callithrix gigot, Hill (1960)

classificou como Callicebus gigot gigot e Hershkovitz (1990a) como Callicebus personatus

barbarabrownae. Estava finalmente encontrada a localidade tipo.

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Capítulo 2: Biogeografia do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)

Questões:

• Quais os limites de distribuição da espécie?

• Qual sua extensão de ocorrência?

• Qual sua área de ocupação?

1. Introdução: Prováveis origens do gênero Callicebus

Definir a origem do gênero Callicebus no tempo e no espaço é tão complexo quanto

estabelecer a origem de todos os primatas neotropicais. A grande dificuldade reside na

ausência de seqüências fósseis completas, ficando as evidências muito aquém dos

pressupostos.

Entretanto, Defler (2003) fez uma boa revisão sobre os registros fósseis de primatas

neotropicais, visando elaborar um guia de campo para os primatas da Colômbia. Segundo

ele o número de fósseis é insuficiente para definir suas posições filogenéticas. Além disso,

todo o material disponível corresponde aos últimos 26 milhões de anos e provêm de seis

lugares apenas: 1) sítio fóssil de Salla, na Bolívia (Oligoceno tardio/início do Mioceno); 2)

afloramentos na Argentina (Mioceno, do início ao médio); 3) agrupamentos rochosos de

Honda, Colômbia (Mioceno médio); 4) rochas do rio Acre, Brasil (Mioceno tardio); 5)

Depósitos em cavernas do Brasil e Caribe (Pleistosceno recente); 6) Depósitos vulcânicos

no Chile. O fóssil neotropical mais antigo conhecido é uma mandíbula de Branisella

boliviana, do Baixo Oligoceno (cerca de 25 m.a.), encontrado na Bolívia (Defler, 2003). No

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Chile, há mais ou menos 20 milhões de anos, viveu Chilecebus carrascoensis, do qual foi

obtido o crânio completo em depósitos vulcânicos; este é um dos mais importantes fósseis

de primatas neotropicais já descobertos, pois tem características que conectam os platirrinos

aos primatas africanos (Defler 2003). Descoberto na Argentina, Dolicocebus gaimensis

Kraglievich, 1951, do Mioceno (16 a 23 m.a.), é o primeiro primata algo semelhante a um

Callicebus de que dispomos. A Tabela 4 resume as principais informações acerca do

registro fóssil de primatas neotropicais e do gênero Callicebus.

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Tabela 4: Principais fósseis de primatas neotropicais (elaborada a partir de Defler,

2003)

Espécie Período Local de Coleta Características principais Autor

Branisella boliviana

Baixo Oligoceno

Bolívia Dentes semelhantes a Saimiri, afinidade com calitriquídeos; peso ≅ 1 kg; não habitava bosques úmidos

Hoffstetter, 1968, 1969

Chilecebus carrascoensis

Início do Mioceno (16 m.a.)

Andes chilenos Fórmula dental 2/2,1/1,3/3,3/3; peso ≅ 1 – 1,2 Kg

Flynn, Wyss, Charrier &

Swisher, 1995Dolicocebus gaimensis

Mioceno (16 a 23 m.a.)

Argentina Peso ≅ 3 kg; dentes semelhantes aos de fósseis do Egito; semelhanças com Saimiri, Callicebus, Cebus e Aotus

Kraglievich, 1951

Tremacebus harringtoni

Mioceno Superior

Argentina Provável ancestral dos calitriquídeos, para Hershkovitz e de Aotus ou Callicebus, para Rosenberger; peso ≅ 1 – 2kg; órbitas oculares grandes

Rusconi, 1933,1935

Soriacebus ameghinorum e S. adrianae

Mioceno Tardio (17,5 a 16,5 m.a.)

Argentina Fórmula dental 2/2,1/1,3/3,3/3; peso ≅ 2kg; molares similares aos de Saguinus

Fleagle, 1990

Carlocebus carmensis e C. intermedius

Do início ao médio Mioceno

Argentina Fórmula dental 2/2,1/1,3/3,3/3; grandes semelhanças com Callicebus

Fleagle, 1990

Homunculus patagonicus

Início do Mioceno (16 m.a.)

Argentina Fórmula dental 2/2,1/1,3/3,3/3; peso ≅ 3kg; provável ancestral de Aotus ou Callicebus; membros semelhantes aos de Callicebus; saltador, diurno, foli-frugívoro

Ameghino, 1891

Neosaimiri fidelsi (= Saimiri fidelsi)

Mioceno (11,8 a 13,5 m.a.)

La Venta, Colombia

Provável ancestral de Saimiri, porém mais robusto; quadrúpede, arbóreo

Stirton, 1951

Laventiana annectens

Mioceno (11,8 a 13,5 m.a.)

La Venta, Colombia

Intermediário entre Saimiri e os calitriquídeos

Rosenberger, Hartweg & Wolff, 1991

Patasola magdalenae

Mioceno (11,8 a 13,5 m.a.)

La Venta e Villavieja, Colombia

Peso ≅ 400 – 600g; talvez a meio caminho entre os calitriquídeos e Callimico

Kay, 1989

Lagonimico conculatus

Mioceno (13,5 a 12,9 m.a.)

La Venta e La Victoria, Colombia

Ancestral direto dos calitriquídeos modernos, Peso ≅ 1 – 2kg

Kay, 1994

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Espécie Período Local de Coleta Características principais Autor

Micodon kiotensis

Mioceno (11,8 a 13,5 m.a.)

La Venta, Colombia

Possível ancestral dos calitriquídeos ou dos pithecinos.

Sertoguchi & Rosenberger, 1985

Cebupithecia sarmientoi

Mioceno Superior

La Venta, Colombia

Peso ≅ 2 – 3 kg; provável ancestral de Pithecia

Stirton, 1951

Stirtonia tatacoensis

Mioceno (11,8 a 13,5 m.a.)

La Venta, Colombia

Maior fóssil de cebídeo conhecido; peso ≅ 6kg; provável ancestral de Alouatta

Stirton, 1951

Mohamico hershkovitzi

Mioceno (11,8 a 13,5 m.a.)

La Venta, Colombia

Peso ≅ 1kg; possível ancestral de Callimico

Defler, 2003

Nuciruptor rubricae

Mioceno (11,8 a 13,5 m.a.)

La Venta, Colombia

Peso ≅ 2kg; ancestral dos pithecineos; provável predador de sementes.

Meldrum & Kay, 1997

Aotus dindensis Mioceno (11,8 a 13,5 m.a.)

La Venta, Colombia

Ancestral de Aotus; provavelmente noturno

Sertoguchi & Rosenberger, 1987

Protopithecus brasiliensis

Mioceno Tardio (6 a 9 m.a.)

Lagoa Santa, Brasil

Peso ≅ 21kg (40% > Brachyteles); parcialmente terrestre

Lund, 1837

Xenothrix mcgregori

Pleistoceno Recente

Jamaica Análises cladísticas demonstram afinidades com Callicebus; espécie gigante de ilha provavelmente extinta pela caça

Defler, 2003

Antillothrix bernensis

Depósitos recentes (3800 anos)

República Dominicana

Mandíbula ≅ 2 o dobro de Saimiri; espécie gigante, provavelmente extinta pela caça

Rimoli, 1977

Caipora bambuiorum

Pleistoceno Bahia, Brasil Peso ≅ 20kg; semelhante a Ateles; parcialmente terrestre

Hartwig & Cartelle, 1996

Paralouatta varoni

Pleistoceno Cuba Crânio semelhante ao de Alouatta, porém mais relacionado a Antillothrix bernensis

Rivero & Arredondo, 1991

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Hershkovitz (1963, 1977, 1988a, 1990a) acreditava que a origem do gênero

Callicebus fosse na região do alto Amazonas, tendo os primatas posteriormente dispersado

para as terras mais baixas através das florestas de galeria dos cursos dos rios. Esta dispersão

teria ocorrido principalmente durante as mudanças climáticas do período quaternário.

Fragmentações e interrupções das rotas de dispersão provocadas pela gênese dos rios teriam

isolado populações, resultando padrões de simpatria e especiação gradativa. Estas idéias

formam a Teoria da Dispersão Centrípeta.

Entretanto, Kinzey (1982, 1997) não concordava com ela. A existência de

subespécies próximas com distribuição disjunta na bacia de um mesmo rio, a ocorrência de

duas ou mais subespécies entre dois ou mais rios e de hibridização alopátrica ou integração

secundária entre bem definidas subespécies adjacentes são situações que ocorrem com os

primatas neotropicais e, segundo o autor, não podem ser explicadas através da teoria da

dispersão centrípeta (Kinzey, 1982). Para explicar a especiação do gênero Callicebus,

Kinzey (1982, 1997) utilizava a Teoria dos Refúgios do Pleistoceno, segundo a qual

mudanças climáticas nos últimos milhões de anos do quaternário, tais como uma marcada

diminuição da precipitação durante períodos frios e secos, teriam causado a fragmentação

de regiões de florestas e de outros tipos de vegetação, restando refúgios nos quais os

primatas e outros organismos teriam escapado (Ab’Saber, 1977; Defler, 2003). Tais

refúgios teriam inclusive originado gêneros de primatas endêmicos da Mata Atlântica,

como Brachyteles e Leontopithecus (Kinzey, 1982). Para Kinzey (1997), os fósseis de

Callicebus encontrados por Lund em 1839, numa caverna em Lagoa Santa (Minas Gerais),

estariam dentro da extensão oeste da distribuição de Callicebus personatus melanochir, a

partir do refúgio central da Bahia. Seguindo esta lógica as origens de C. barbarabrownae

Hershkovitz, 1990 estariam na Mata Atlântica e não na Amazônia.

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O debate entre Kinzey e Hershkovitz dominou a discussão sobre as origens do

gênero Callicebus durante muitos anos. Até hoje não há um consenso sobre isto, embora a

Teoria dos Refúgios do Pleistosceno seja atualmente mais aceita para os primatas em geral

(Futuyma, 1996; Strier, 1992).

Tenha o gênero Callicebus surgido na Amazônia, como defendia Hershkovitz, ou na

Mata Atlântica, como pensava Kinzey, ainda deve haver evidências biológicas das relações

entre estes importantes biomas, considerando que até hoje há espécies de Callicebus em

ambos. Deve haver espécies arbóreas que demonstrem as complexas conexões entre a

Amazônia, a Mata Atlântica e a Caatinga, onde vive C. barbarabrownae. Caso contrário,

como explicar que um primata arborícola tenha colonizado as caatingas mais continentais

do Brasil?

Para Rizzini (1967) apud Coimbra-Filho e Câmara (1996), a flora brasileira

pertence à Região Tropical Americana de Engler, podendo ser dividida em três províncias:

Amazônica, Atlântica e Central, com suas respectivas comunidades vegetais peculiares e

fitofisionomias características, embora mantenham relações florísticas e possuam

numerosos táxons filogeneticamente próximos. Ainda segundo aqueles autores, a vegetação

da Caatinga demonstra elementos das três províncias, que podem ter se dispersado através

das matas ripárias dos grandes rios, como o São Francisco, o Itapicuru e o Vaza-Barris, os

maiores e mais perenes da Caatinga baiana.

Considerando tais interconexões pretéritas, às quais também fez referência

Hershkovitz (1988a), garantidas por grandes corredores naturais de matas ripárias, a

vegetação da Caatinga apresenta:

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“Inegável mistura de táxons das floras hiléianas e atlânticas, acrescidas de numerosas vicariâncias, elementos hamadriáticos peculiares, formas do cerrado e espécies de indiscutível origem chaquenha e pantaneira” Coimbra-Filho e Câmara (1996, p.10–11).

Rizzini (1967) incluía na Província Atlântica o domínio das caatingas, que chamava

hamadríades; segundo ele suas relações se aproximam das floras atlântica e chaquenho-

pantaneira mais do que da amazônica, como se constata através da presença dos gêneros

Aspidosperma, Astronium, Bumelia, Copernica, Schinopsis e Ziziphus. O autor afirma que

mais de 50% das espécies da flora da Caatinga provêm da cordilheira marítima. Observa,

entretanto, que as matas do sudeste baiano possuem elevado contingente de espécies

amazônicas e que na Caatinga são encontrados ainda elementos da vegetação do Cerrado e

do Chaco (argentino, boliviano e paraguaio).

Além das espécies da flora, há também entre os elementos da fauna florestal

evidências de influência hiléianas e atlântica na região da Caatinga:

“Apesar da devastação que eliminou a quase totalidade das formações silvestres do nordeste, muitos animais de procedência amazônica ainda sobrevivem em remanescentes (= brejos, refúgios ou enclaves) do outrora vasto continuum formado pelas anastomoses e coalescências de diversos tipos de formações florestais no nordeste, como matas orográficas, matas ripárias, e matas secas decíduas (= caatingas), as quais ainda no século XVI deviam manter certa continuidade com ecossistemas silvestres de outras províncias, permitindo o trânsito faunístico entre a hiléia e o nordeste, tanto pela costa como pelo interior”. Coimbra-Filho e Câmara (1996, p.19)

Infelizmente, dado o atual estágio de devastação da Caatinga, lucubrações acerca da

distribuição das espécies e das suas relações filogenéticas são imprecisas e provisórias. A

biogeografia se fez refém da história do uso da terra e as hipóteses, nem sempre testáveis,

ficaram à mercê de evidências pontuais e esparsas.

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2. Métodos

2.1 Definição do roteiro das campanhas

A grande área geográfica a ser coberta pelo presente projeto foi o seu primeiro

desafio. A região verificada compreende o Estado da Bahia, entre os rios São Francisco e

Jequitinhonha, o Estado de Sergipe, na região de transição entre a Mata Atlântica e a

Caatinga, e ainda uma parte do Estado de Alagoas, entre os municípios de Delmiro Gouveia

Olhos D’água do Casado. Ao longo de um ano e dois meses foram percorridos 21.168 km

em cinco campanhas, compreendendo uma superfície de 353.925 km2.

Tendo em vista o objetivo de cada campanha ou expedição, defini cinco setores

arbitrários de investigação, utilizando imagens de satélite disponíveis no sítio da Fundação

SOS Mata Atlântica e cartas em escala 1:1.650.000 e 1:10.000. Levei em consideração para

esta definição: a) o objetivo específico da campanha; b) a provável existência de matas

orográficas e/ou caatingas arbóreas nas localidades; c) a presença de rodovias e/ou estradas;

d) relatos sobre a possível presença de guigó feitos ao longo do projeto “Avaliação das

populações do macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus xanthosternos Wied-Neuwied,

1826) e proposta de estratégia para manejo e conservação da espécie” (Gabriel dos Santos

Rodrigues, com. pess.); e) registros anteriores arquivados no BDGEOPRIM (Hirsch, 2005)

(Fig. 05); f) áreas apontadas no documento: “Avaliação e ações prioritárias para a

conservação da biodiversidade da Caatinga” (Ministério do Meio Ambiente, 2002), como

sendo de importância biológica extrema, muito alta, alta ou de informação insuficiente,

para mamíferos, aves e flora; g) disponibilidade de combustível para percorrer no máximo

5.000 km por campanha, num período de cerca de 30 dias. A Tabela 5 resume as

campanhas do projeto “Distribuição e status do guigó-da-caatinga Callicebus

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barbarabrownae Hershkovitz, 1990” com seus respectivos períodos, duração, objetivos,

distâncias percorridas e agências financiadoras.

Tabela 5: Expedições do projeto “Distribuição e status do guigó-da-caatinga Callicebus

barbarabrownae Hershkovitz, 1990” com seus respectivos períodos, duração, objetivos,

distâncias percorridas e agências financiadoras

Expedição Período Duração(dias)

Objetivo Distância percorrida

(km)

Financiamento

Lampião

06.06.04 09.07.04

34 Limite E; levantamento

5661 Fund. Margot Marsh, CI, Capes

Hamadryades 14.09.04 12.10.04

29 Encontrar a localidade

tipo; levantamento

4237 CI, CEPF, Capes

Juazeiro 02.12.04 19.12.04

17 Limite N; levantamento

3485 CI, CEPF, Capes

Chapada Diamantina

12.01.05 31.01.05

20 Limite S; Levantamento

3047 CI, CEPF, Capes

Spix 04.04.05 03.05.05

30 Limite W; Levantamento

4738 CI, CEPF, Capes

Total - 130 - 21168 -

Dentro de cada setor de investigação, as localidades foram sendo sugeridas por

informantes selecionados em entrevistas realizadas nas comunidades visitadas.

As expedições foram realizadas utilizando um veículo Toyota 4 x 4 ano 1998, um

GPS Garmin ® modelo Etrex Venture com acurácia máxima de 6 m, duas bússolas Recta ®

com sistema universal, um mapa rodoviário em escala 1: 1.650.000

(www.guia4rodas.com.br), além de cartas elaboradas pela extinta Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), quando disponíveis (escala 1:10.000). Também

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foram percorridos trechos não mapeados, como aqueles entre Canudos e Monte Santo e na

região do Vale do Rio Salitre (oeste da Bahia), por exemplo.

Figura 5: Registros anteriores da ocorrência de Callicebus barbarabrownae Hershkovitz,

1990 segundo o BDGEOPIM - Banco de Dados Georreferenciados das Localidades de

Ocorrência de Primatas Neotropicais (Hirsch, 2005) (s.n. = espécie nova)

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2.2 Seleção de informantes

Foi utilzado o método de seleção de informantes através de grupos de referência

também cohecido como “bola de neve” (Davis & Wagner, 2003). A descrição detalhada de

como se deu o processo será apresentada no Capítulo 3 desta tese.

2.3 Localização dos animais

Quanto aos animais, procurei-os nas áreas indicadas pelos informantes,

normalmente no período da manhã. Observei que do meio dia até às 14h os guigós ficavam

letárgicos e raramente vocalizam. Das 14h às 17h eles voltam a vocalizar, provavelmente

demarcando territórios e procurando sítios-dormitório. Em alguns casos procurei os animais

neste horário, mas foi dada preferência ao período da manhã, entre as 7h e às 12h, quando

eles estavam mais ativos. O período da tarde, especialmente após as 17 h, se revelou

adequado para a busca de informantes.

Para atrair os guigós utilizei um equipamento de playback, com uma gravação feita

a partir do CD “Sounds of Neotropical Rainforest Mammals” (Emmons et al., 1997). O

áudio reproduz as vocalizações de Callicebus personatus (E. Geoffroy, 1812), mas foi

respondido por C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990, C. coimbrai Kobayashi &

Langguth, 1999 e C. melanochir (Wied-Neuwied, 1820). Foi realizada uma gravação da

vocalização de C. barbarabrownae juntamente com o pesquisador Marcelo Sousa

(Universidade Tiradentes, Sergipe), utilizando equipamento ornitológico com gravador

direcional, nos municípios de Sítio do Quinto e Cel. João Sá (Bahia). Tentamos utilizar esta

gravação em substituição àquela de Callicebus personatus, para localizar C.

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barbarabrownae, mas observamos que os animais respondiam melhor à segunda do que à

primeira. Isto provavelmente se deu devido à qualidade superior da gravação de C.

personatus, que foi editada em estúdio, tendo sido eliminados os ruídos de fundo

(principalmente vocalizações de aves). Seguimos, então, utilizando a gravação de C.

personatus durante o projeto.

Uma vez atraídos pelo playback, os animais eram seguidos e identificados com o

auxílio de um binóculo 10 x 50 mm. Quando possível, também eram fotografados. Os

avistamentos foram em geral breves (de 1 a 5 minutos).

Em algumas áreas onde não foi possível visualizar os animais foram realizados

registros por vocalização. Das três espécies de Callicebus em questão, somente C.

barbarabrownae foi registrado desta maneira. Estes registros foram feitos apenas em

situações de levantamento populacional, jamais para a definição de limites entre espécies.

Somente quando não havia nenhuma dúvida acerca dos limites de distribuição em relação a

C. coimbrai ou C. melanochir, na região em questão, e quando realmente não era possível

penetrar a Caatinga para ver os animais, o registro auditivo foi considerado válido. Para

esta validação também foi levada em conta à identificação feita pelo informante a partir de

fotografias e pranchas. Ao todo, 37% dos registros foram auditivos.

2.4 Classificação das formações vegetais

A vegetação das regiões percorridas em busca do guigó-da-caatinga foi classificada

de acordo com Andrade-Lima (1966) (Fig. 06) visando estabelecer qual (is) o(s) hábitat(s)

preferencial (is) da espécie, ou pelo menos, qual o(s) ambiente (s) onde hoje, depois de 400

anos de agricultura e pecuária, seria mais provável encontrá-la.

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Figura 6: Classificação da vegetação do Brasil segundo Andrade-Lima (1966)

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Devido à grande área a ser percorrida e ao exíguo tempo de permanência em cada

localidade, não foram realizados levantamentos fitossociológicos, sendo a vegetação

classificada fisionomicamente. O conhecimento das comunidades locais sobre a

fitofisionomia das suas regiões foi crucial. A propósito, verifiquei uma estreita relação entre

as classificações populares, obtidas através de relatos de informantes, aqui chamadas

etnofitogeográficas, e algumas classificações científicas. Essa relação foi resumida na

Tabela 6.

Além dos autores citados na Tabela 6, Ferri (1980) reconheceu grande diversidade

de formações vegetacionais na Caatinga, utilizando, para denominá-las, uma adaptação da

nomenclatura regional. São exemplos da sua classificação: agreste, carrasco, sertão, cariri e

seridó. Entretanto, Velloso et al. (1991), em busca de um sistema de classificação mais

universal, definem a vegetação da Caatinga como savana estépica, sudividindo-a em quatro

outras categorias: savana estépica florestada, arborizada, parque e gramíneo-lenhosa. Em

1993, o IBGE publicou um mapa, escala 1:5.000.000, no qual a Caatinga ocupa uma área

de 777.915,08 km2. No referido mapa são apontados 19 tipos de Caatinga (IBGE, 1993;

Tabarelli & Vicente, 2004). A diversidade de espécies e o endemismo acompanham essa

diversidade fisionômica. Giulietti et al. (2002) listaram 318 espécies de plantas endêmicas

da Caatinga, distribuídas em 18 gêneros. Entretanto em recente revisão sobre as

classificações da Caatinga, Giulietti et al. (2004), optaram por seguir as mesmas seis

grandes unidades propostas por Andrade-Lima (1981). Andrade-Lima foi o pesquisador

que mais se dedicou a identificar e compreender as comunidades vegetais que formam a

Caatinga (Giulietti et al., 2004; Maria Luiza Porto, com. pess.). Suas classificações são

muito úteis no campo, por serem simultaneamente descritivas e ecológicas.

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Tabela 6: Classificações etnofitogeográfica e científica para as fitofisionomias da Caatinga

Etnofitogeográfica Segundo Andrade-Lima (1966)

Segundo IBGE (1993)

Segundo Coimbra-Filho e Câmara (1996)

Caatinga (Bahia e Sergipe)

Caatingas arbóreas densas, florestas serranas

Estepe/ Estepe Arborizada/ Floresta Estacional Semidecidual

Caatingas secas arbóreas

Caatinga (Bahia e Sergipe)

Caatingas arbustivas esparsas

Estepe/ Estepe Florestada/ Floresta Estacional Semidecidual

Caatingas secas não-arbóreas

Carrasco (Canudos, Monte Santo, N e W da Chapada Diamantina)

Caatingas arbustivas densas

Savana, Estepe Arborizada, Floresta Estacional

Caatingas arbustivas densas

Japão (Cícero Dantas); Matas de cipó (Planalto de Conquista)

Matas secas, Matas de cipó, agrestes

Estepe/ Floresta Estacional Semidecidual

Matas orográficas e agrestes

Encosto das Gerais (Serra de Sincorá e Chapada Diamantina)

Matas mesófilas Estepe/ Floresta Estacional Semidecidual

Matas orográficas e agrestes

Caatinga de altitude, Caatinga de cerrado (Abaíra); Mata rupestre (Miguel Calmon)

Caatingas arbóreas abertas

Savana Caatingas secas arbóreas

Mata-de-cabeceira, mata-de-beira-de-rio

- Savana/Estepe/Floresta Estacional Semidecidual

Matas ripárias

Devido à necessidade de identificar as formações da Caatinga in situ, com vistas a

apontar aquelas de maior importância para o guigó e também tendo em consideração a

necessidade de um viés arbóreo na classificação a ser utilizada, optei por uma das

primeiras propostas de Andrade-Lima, publicada pelo IBGE em mapa de 1966 (Andrade-

Lima, 1966) (Fig. 06). Para este autor, a classificação geral da Caatinga seria “floresta

megatérmica xerofítica do nordeste caducifólia espinhosa”. As subcategorias utilizadas

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para a classificação fisionômica da Caatinga no presente trabalho foram as seguintes

(nomenclatura científica atualizada a partir de Giulietti et al., 2002):

2.4.1 Caatingas arbóreas densas

Fisionomicamente são os ambientes mais florestais da Caatinga. A Caatinga arbórea

densa pode atingir 20 m de altura e formar dossel contínuo. As bromélias, entretanto,

ocorrem ao nível do solo.

Predominam o pau-pereiro Aspidosperma pirifolium Mart., os juazeiros Zizyphus

joazeiro Mart. e Z. cotinifolia Reiss, os angicos Piptadenia irwinii G.P. Lewis var. irwinii,

P. moniliformis Benth., P. obliqua (Pers.) J.F. Macb., P. stipulacea (Benth.) Ducke, P.

viridiflora (Kunth) Benth., o pau-ferro Caesalpinia ferrea Mart. ex Tul., a barriguda

Chorisia cf. ventricosa, o licuri Syagrus coronata (Mart.) Becc., a imburana Amburana

cearensis (Allemão) A.C. Smith e arbustos isolados.

2.4.2 Caatingas arbóreas abertas

Sua composição específica é muito semelhante àquela das caatingas arbóreas

densas, porém as árvores estão distribuídas esparsamente, sem formar dossel. Seu aspecto

geral lembra o Cerrado. Estão localizadas em terras altas, sendo comuns na Serra do

Espinhaço baiana.

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2.4.3 Caatingas arbustivas esparsas

As associações vegetais crescem em grupos, mas não formam dossel. Há

predomínio de cactáceas como o facheiro Cereus cf. squamatus, o mandacaru Cereus

jamacaru DC. spp. jamacaru, o xiquexique Pilosocereus gounellei (Weber) Byles &

Rowley spp. gounellei, não ocorrendo árvores (Exemplo: vegetação ao norte do Raso da

Catarina, Bahia).

2.4.4 Caatingas arbustivas densas

As cactáceas e euforbiáceas (gêneros Euphorbia, Jatropha e Cnidoscolus) são

abundantes em meio a árvores isoladas. São comuns ainda os marmeleiros (Croton sp.).

Apresenta formações que a aproximam da vegetação de campos. São popularmente

conhecidas como “carrasco” em várias regiões da Bahia.

2.4.5 Matas de cipó, agrestes e matas mesófilas

Matas de cipó são as florestas pluviais costeiras de elevação, localizadas nas

encostas das montanhas e, por isso, com pluviosidade mais elevada do que nas hamadríades

propriamente ditas. Entretanto são igualmente decíduas. Há designações populares

regionais para este tipo de vegetação, tais como “japão” (provável corruptela de jalapão),

na região de Cícero Dantas (Bahia).

Outras florestas pluviais costeiras de elevação, porém com maior influência da

altitude, são encontradas nas escarpas da Chapada Diamantina, onde são chamadas

popularmente de “encosto das gerais” ou simplesmente “gerais”. Andrade-Lima (1966)

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chamava essas matas de mesófilas, atribuindo-lhes composição florística algo diferente das

matas de cipó. Giulietti et al. (2004) observam que a altitude pode ter colaborado para o

enriquecimento de espécies daquelas comunidades, por ter propiciado um isolamento

durante as oscilações climáticas do Pleistosceno e do Quaternário.

Matas com composição específica semelhante às matas de cipó, porém localizadas

em áreas mais planas e, por isso, mais secas, com distribuição esparsa das árvores, são

chamadas agrestes (Andrade-Lima, 1966, 1981; Giulietti et al., 2004). No agreste pode

haver palmeiras e cactáceas arbóreas. Esta formação se comunica com as matas de cipó

(Andrade-Lima, 1966). Na região de Jeremoabo, por exemplo, ainda são encontrados

agrestes.

Nas matas de cipó, agrestes e matas mesófilas estão presentes os gêneros:

Aspidosperma, Tecoma, Jacaranda, Terminalia, Luehea, Brsasiloxylon, Plathymenia,

Dialium, Hymenaea, Anacardium, Inga, Pithecolobium, Erythrina, Machaerium,

Caesalpina e Bowdichia, entre outros (Andrade-Lima, 1966). As bromélias são de hábito

epifítico e não de solo, como aquelas que ocorrem nas caatingas arbóreas densas e abertas.

2.4.6 Outras formações

Foram encontrados relictos de matas ripárias (Andrade-Lima, 1966) acompanhando

o delta dos grandes rios perenes da Caatinga baiana, ou seja, o Itapicuru, o Vaza-barris e o

Verde. Aquelas matas são caatingas arbóreas com dossel, localizadas em planícies

alagáveis, provavelmente com grande influência atlântica. Formações raras, hoje destruídas

pelas pastagens, apresentam grande presença de lianas e cipós.

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Foram visitados ainda fragmentos da floresta ombrófila densa strictu sensu,

localizados ao leste da Bahia e em Sergipe.

3. Resultados e discussão

3.1 Resposta ao playback

Todas as três espécies de Callicebus que foram objeto do presente estudo (C.

barbarabrownae, C. coimbrai e C. melanochir) responderam ao playback, que utilizou

vocalizações de C. personatus. Entretanto cabe observar que o guigó-da-caatinga (C.

barbarabrownae) não respondeu durante o mês de novembro, período em que, segundo os

informantes, as fêmeas estariam com filhotes lactantes. Também vale registrar que foi

obtido somente um registro de C. melanochir e que estes animais pareceram perturbados

com as vocalizações de C. personatus, respondendo agressivamente e fugindo, ao invés de

serem atraídos, como ocorre com C. barbarabrownae e C. coimbrai.

Alguns aspectos da história natural dos animais, observados ao longo do projeto,

foram úteis na tentativa de maximizar a resposta aos playbacks, como, por exemplo,

reproduzir seqüências de vocalizações cada vez mais curtas, reduzindo o volume ao final de

cada seqüência. Outra estratégia importante foi executar “frases” completas, jamais

interrompendo uma série de vocalizações durante a execução. Quando a frase era

interrompida os animais não respondiam ou fugiam. Foi preciso utilizar o playback com

muito cuidado, em situações favoráveis ao avistamento, pois quando a gravação era usada

repetidamente, os guigós deiavam de responder.

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3.2 A vegetação e o guigó-da-caatinga

A Figura 07 apresenta a carta de vegetação da Bahia (SEI, 2003) com os registros

de C. barbarabrownae georeferenciados. Este mapa de vegetação foi escolhido para a

plotagem dos dados de distribuição da espécie por ser esta a classificação oficialmente

aceita no Estado da Bahia.

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Figura 7: Carta de vegetação do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos pretos vazados

correspondem às localidades onde foi registrado o guigó-da-caatinga.

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De acordo com a classificação de Andrade-Lima (1966), o guigó-da-caatinga foi

encontrado predominantemente na caatinga arbórea densa (65,7% dos registros), seguida

pelas matas de cipó, agrestes e matas mesófilas (28,9%) e pela caatinga arbustiva esparsa

(5,2%). Entretanto deve-se observar que as caatingas arbóreas densas e arbustivas esparsas

foram as formações vegetais mais visitadas durante as expedições, justamente por terem

sido apontadas pelos informantes como de possível ocorrência da espécie. Embora escassas

estas formações vegetais são visivelmente mais abundantes do que as matas de cipó e

florestas mesófilas, localisadas nas encostas da Serra Geral, principalmente na região da

Chapada Diamantina. A ausência de registros em matas ripárias possivelmente reflete mais

a destruição daqueles ecossistemas do que uma questão de não preferência pelo guigó. A

propósito, o mais importante fragmento de mata ripária encontrado foi no município de

Itapicuru (BA), às margem do rio de mesmo nome (Mata do Bode: 11°20'52"S,

38°11'57"W; altitude 100 m). Trata-se de uma grande floresta com dossel entre 18 e 20 m,

com solos escuros constantemente alagados pelos movimentos de vazão e cheia do rio,

contendo elementos da Caatinga e da Mata Atlântica. Naquele local selecionei um

informante que atua como traficante de animais silvestres na região. Ele relatou o

desaparecimento recente do guigó-da-caatinga (há cerca de cinco anos), tendo me

conduzido aos locais onde o animal havia sido visto pela última vez. Realizei execuções da

vocalização dos animais durante um dia inteiro utilizando o equipamento de playback,

porém não obtive resposta. Ali, como em Caldas do Jorro (BA), outro município às

margens do Itapicuru, as pastagens substituíram a vegetação original, justamente devido

aos solos da mata ripária serem os mais produtivos da Caatinga. A Tabela 7 resume os

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resultados de todas as expedições, em termos da relação entre os registros de espécies de

guigó e a classificação da vegetação.

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Tabela 7: Número de localidades visitadas por expedição, espécie de guigó registrada, tipo de registro e classificação da vegetação segundo Andrade-Lima (1966) Expedições

Categorias 1 - Lampião 2 - Hamadríades 3 – Juazeiro 4 - Diamantina 5 - Spix Total n % n % n % n % n % n % N ° de localidades 39 100,0 36 100,0 19 100,0 23 100,0 31 100 148 100,0 Espécie C. barbarabrownae 10 25,6 10 27,8 3 15,8 5 21,7 10 32,2 38 25,7 C. coimbrai 4 10,3 0 - 0 - 0 - 0 0 4 2,7 C.melanochir 0 - 0 - 0 - 0 - 1 3,2 1 0,7 Sem registro 25 64,1 26 72,2 16 84,2 18 78,3 20 64,5 105 70,9 Registro sem registro 25 64,1 26 72,2 16 84,2 18 94,7 20 64,5 105 70,9 Auditivo 4 10,3 7 19,4 3 15,8 1 5,3 6 19,4 21 14,2 Visual 10 25,6 3 8,3 0 - 4 21,1 5 16,1 22 14,9 Vegetação (C.barbarabrownae) Caatinga arbórea densa 8 80,0 6 60,0 2 66,6 0 - 9 90 25 65,7 Caatinga arbustiva esparsa 0 - 1 10,0 1 33,3 0 - 0 - 2 5,2 Caatinga arbustiva densa 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - Mata ripária 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - 0 - Mata de cipó e mata mesófila 2 20,0 3 30,0 0 - 5 100,0 1 10 11 28,9 Mata atlântica 0 - 0 - 0 - 0 - 0 0 - Cerrado 0 - 0 - 0 - 0 - 0 0 - Vegetação em geral Caatinga arbórea densa 13 33,3 22 61,1 5 26,3 0 - 21 67,7 61 41,2 Caatinga arbustiva esparsa 9 23,1 10 27,8 14 73,7 10 43,4 2 6,4 39 26,4 Caatinga arbustiva densa 1 2,6 1 2,8 0 - 0 - 5 16,1 7 4,7 Mata ripária 5 12,8 0 - 0 - 0 - 0 0 5 3,4 Mata de cipó e mata mesófila 2 5,1 3 8,3 0 - 8 34,7 1 3,2 10 6,8 Mata atlântica 9 23,1 0 - 0 - 5 21,7 1 3,2 15 10,1 Cerrado 0 - 0 - 0 - 0 - 1 3,2 1 0,7

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O guigó jamais foi registrado nas caatingas arbustivas densas, fisionomia arbustiva

popularmente conhecida como carrasco. Poucas vezes a espécie foi encontrada nas

caatingas arbustivas esparsas (5,2% dos registros). Entretanto estes dois ecossistemas

provavelmente desempenham importante papel para a sobrevivência da espécie, dentro de

uma perspectiva de ecologia da paisagem. Em muitos locais eles formam a matriz, ao passo

que as caatingas arbóreas densas, matas de cipó e florestas mesófilas, formam o grão, num

ambiente em mosaico. Atualmente, entretanto, há poucos locais com matas ripárias que

possam atuar como corredores, o que provavelmente compromete a sustentabilidade

ambiental do sistema.

Em geral o guigó-da-caatinga demonstrou adaptação às caatingas arbóreas densas e

às matas de cipó. Nas áreas de caatinga arbórea densa onde não ocorre o guigó, seu

desaparecimento local foi relatado por informantes.

3.3 A fauna associada ao guigó-da-caatinga

Quatro outras espécies de primatas ocorrem em associação com o guigó-da-

Caatinga: o macaco-prego-do-peito-amarelo, Cebus xanthosternus Wied-Neuwied, 1826, o

guariba, Alouatta caraya (Humboldt, 1812) e os sagüis, que na Bahia são chamados de

nicos ou sóins, Callithrix penicillata (É. Geoffroy, 1812) e Callithrix jachus (Linnaeus,

1758). O macaco-prego, assim como o guigó-da-Caatinga é considerado Criticamente

Ameaçado (Hilton-Taylor, 2003), tendo sido espécie simpátrica nas matas orográficas a

leste da Chapada Diamantina (Andaraí - Morro do Viola: 12°57'56"S; 41°14'27"W, altitude

780 m / Lençóis, estrada para Remanso: 12°33'17"S, 41°21'52"W; altitude 490 m). Porém

em áreas de transição entre a Caatinga e a Mata Atlântica, como na região de Senhor do

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Bom Fim, Cebus xanthosternos é a única espécie de primata de grande porte a sobreviver.

É difícil saber se Alouatta caraya e Callicebus barbarabrownae nunca ocorreram naqueles

ambientes ou se já foram extintos. Perto de Senhor do Bom Fim, no município de

Andorinha, na localidade conhecida como Serrote do Macaco (10°20'41"S, 39°49'58"W;

altitude 419 m) encontrei uma relevante população de macaco-prego-do-peito-amarelo.

Observei uma fêmea adulta com um filhote no dorso sair de dentro de uma caverna e nas

rochas encontrei vários sítios com coquinhos partidos ao lado de pedaços de rocha.

Segundo o informante selecionado, os macacos, utilizando as pedras, quebram o fruto do

licuri (Syagrus coronata) para comer. No mesmo local também observei uma cópula de

Cebus xanthosternos. No Serrote do Macaco predomina a caatinga seca não arbórea, porém

com muitos licuris no estrato emergente, o que pode ser resultante do manejo realizado

pelos sertanejos.

Enquanto nas regiões de transição entre a Caatinga e a Mata Atlântica sobreviveu

Cebus xanthosternos, nas regiões de transição entre a Caatinga e o Cerrado, próximo ao

limite oeste de distribuição do guigó-da-caatinga, o grande primata residente é Alouatta

caraya. Não registrei simpatria desta espécie com Callicebus barbarabrownae, nem com

Cebus xanthosternos. Em Brotas de Macaúbas (Fazenda São Pedro: 11°29'15"S,

40°42'46"W; altitude 656 m), por exemplo, encontrei uma população de guaribas vivendo

numa típica mata ciliar de cerrado (Veloso et al., 1991), que acompanha a margem de um

córrego, numa paisagem cuja matriz é a caatinga seca arbórea alterada pela pecuária.

Nas caatingas arbóreas e matas orográficas onde ainda vive o guigó-da-caatinga

também são encontradas aves ameaçadas de extinção, como a zabelê (Crypturellus

noctivagus zabele) e a arara-azul-de-lear (Anodorhyncus leari) (observações desta tese). Os

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guigós provavelmente são indicadores de matas bem conservadas no bioma Caatinga,

ocorrendo também em associação com outras espécies de mamíferos, algumas ameaçadas,

tais como (registros de pegadas, fezes, visualizações e entrevistas): o tatu-bola (Tolypeutes

tricinctus), o gato mamoninha ou gato-do-mato (Leopardus tigrinus), o gato-mourisco

(Leopardus yaguarundi), a jaguatirica (Leopardus pardalis mitis), a onça parda (Puma

concolor greeni), a onça pintada e a preta (Panthera onca), o tamanduá (Tamandua

tetradactyla), os veados (Mazama americana e M. gouazoubira), o cachorro-do-mato

(Cerdocyon thous), a irara (Eira barbara) e o coati (Nasua nasua).

Os prováveis predadores dos guigós são os grandes felinos e as iraras. Em

10/11/2004, atrai uma onça pintada durante a realização de uma seção de playback de

guigó, na localidade conhecida como Riacho da Onça, município de Queimadas, Bahia

(Fazenda Pindobeira: 11°14'24"; 39°44'26"; altitude 377 m).

As Tabelas de 8 a 10 apresentam os animais silvestres mais freqüentemente citados

em simpatria com o guigó-da-caatinga.

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Tabela 8: Nomes populares de animais silvestres citados nas áreas de ocorrência do guigó- da-caatinga Localidade Coordenadas Animais silvestres

Fazenda Floresta, Jeremoabo (BA)

09°58’57.00”S 38°15’09.79”W

veado, mocó, tatu, cutia, peba, ema, siriema,arara-azul, gavião

Fazenda Mineiro, Jeremoabo (BA)

10°03’19,80”S 38°15’33,55”W

nico (Callithix jacchus visto)

Lagoa do Nolasco, Cícero Dantas (BA)

10°27’54.02”S 38°21’19.35”W

jaguatirica, raposa, peba, gambá, tatu, juriti, rolinha,cardeal, inhambu

Cícero Dantas(BA), sede 10°31’18.56”S 38°20’50.10”W

tamanduá, nico, canário-da-terra

Antas (BA) 10°26’43.80”S 38°18’43.42”W

raposa, nico, gambá, guaxinim, tatu, peba

Coronel João Sá (BA) 10°13’49.80”S 38°02’00.23”W

onça-vermelha, veado, capivara, lontra, tatu, peba, mocó

Pedro Alexandre (BA), sede 09°59’48.40”S 37°58’35.57”W

codorna, inhambu, veado, catitu, tatu, sóim

Minuim, Santa Brígida (BA)

09°49’36.18”S 38°05’44.74”W

veado, mocó, preá

Serra Branca, Canudos (BA)

10°18’18.90”S 38°57’44.30”W

raposa, gato-do-mato, nico, gato-vermelho, peba, tatuí, mocó,veado, inhambu, cor-de-niz, arara-azul, jibóia

Faz. Lagoa Funda, Campo Formoso (BA)

10°26’36.10”S 40°22’21.70”W

raposa, nico, gato vermelho, jaguatirica, veado, peba, tatu, tamaduá-mirim, ouriço, inhambu, zabelê, codorna, perdiz

Marcionílio Souza (BA), sede

13°02’07.90”S 40°25’38.00”W

macaco-prego, nico, onça-vermelha, onça preta, gato-mamoninha, papa-mel, coati, catitu, caminhador, tatu, peba, tatu-rabo-de-sola, tatuí, quebra-coco, ouriço, mocó, preá, rato-cabudo, raposa, tamanduá-mirim, saruê, gambá, cutia, paca, capivara, jacaré, teiú, camaleão, aracuã, zabelê, jacu, inhambu, siriema, perdiz, juriti, saracura, jibóia

Faz. De Garcia, Rui Barbosa (BA)

12°23’35.90”S 40°31’56.20”W

nico, veado, cachorro-do-mato, guará, raposa, gato-mamoninha, sussuarana, jaguatirica, paca, cutia, tatu, peba, zabelê, araponga

Faz. Junco, Povoado Maxixi, Miguel Calmon (BA)

11°29’28.00”S 40°41’45.50”W

codorna, perdiz, cangula, raposa, veado, peba, tatu-verdadeiro, gato-mamoninha

Faz. Bastião, Saúde (BA) 10° 57’ 38.70”S 40° 21’ 08.30”W

gato-vermelho, jacu, veado, nico

Fazs.Nova Esperança e Passagem, Morro do Chapéu (BA)

11° 53’ 21.90”S 41° 04’ 36.50”W

onça-vermelha, onça preta, irara, cachorro-do-mato, raposa, nico

Salitre, Gentio do Ouro (BA)

11° 32’ 54.40”S 42° 22’ 58.70”W

nico (C.penicilatta, reconhecido em prancha), raposa, anda-só, guará, veado, caititu, jaguatirica, gato-mamoninha, gato-mourisco, onça, mocó, cutia, preá, mexila, tamduá-bandeira, tatu-verdadeiro, peba, zabelê, perdiz, codorna, siriema

Fazenda J. Viana, Wagner (BA)

12° 15’ 35.50” 41° 12’ 41.50”

cutia, raposa, tatu, papa-mel, coati, veado, gato-momoninha, onça vermelha, onça-lombo-preto, jaguatirica, cachorro-do-mato, guará, caititu, nico, siriema, inhambu, zabelê, jacu, aracuã, papagaio, maracanã, ribaçã (pomba verdadeira), pica-pau, periquito

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Tabela 9: Nomes populares e científicos dos animais da Caatinga citados nas entrevistas, quando foi possível identificá-los ao nível de espécie Nome científico Nome popular Agouti paca Linneaus,1758 paca Alouatta caraya Humboldt, 1815 guariba Anadorhyncus leari Bonaparte, 1856 arara-azul Tolypeutes tricinctus Illiger, 1811 tatu-bola Callithrix jacchus Linneaus, 1758 nico, sóim Callithrix penicillata É. Geoffroy, 1815

nico, sóim

Caluromys philander Linneaus,1758 saruê Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990

guigó, guigó-da-caatinga, grigó, pangola

Cebus xanthosternos Wied-Neuwied, 1826 macaco Cerdocyon thous Linneaus,1766 cachorro-do-mato Coendou prehensilis Linneaus,1758 luis caixeiro Crypturellus noctivagus zabelê Spix, 1825 zabelê Dasypus novemcinctus Linneaus, 1758 tatu verdadeiro, tatu Dasypus septemcinctus Linneaus, 1758 tatu-rabo-de-sola, tatuí Dasyprocta prymnolopha Wagler, 1831 Dasyprocta sp.n. (Jeremoabo)

cutia

Dusicyon gymnocercus guará, guaxinim Didelphis albiventris Lund, 1840 gambá Eira barbara Linnaeus, 1758 papa-mel, meia-noite Euphractus sexcinctus Linneaus, 1758 peba Herpailurus yaguarund Lacépède, 1809 gato-marisco, gato-raposo Kerodon rupestris Wied,1820 mocó Leopardus pardalis Linneaus, 1758 gato-pintado, gato-do-mato, jaguatirica,

jaguatiri Leopardus tigrinus Schreber, 1775 gato-mamoninha, gato- verdadeiro Mazama americana Erxleben, 1777 veado-bode Mazama gouazobira G.Fischer, 1814 veado Myrmecophaga tridactyla Linneaus, 1758 camanduá, cangula, tamanduá Nasua nasua Linneaus, 1766 coati Panthera onca Linneaus, 1758 onça-pintada, pintada Puma concolor Linneaus, 1771 onça-vermelha, gato-vermelho, onça-parda,

onça-pega-bode, sussuarana, lombo-preto Procyon cancrivorus Cuvier, 1798 anda-só, caminhador Pseudalopex vetulus raposinha Rhea americana ema Sylvilagus brasiliensis Linneaus, 1758 coelho Tamandua tetradactyla Linneaus, 1758 mexila, melete, mirim, tamaduá-mirim Tayassu sp. catitu, caititu

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Tabela 10: Animais silvestres mais freqüentemente citados durante as entrevistas nas áreas de ocorrência do guigó-da-caatinga (n = 11 informantes) Nome (s) popular (es) na caatinga

baiana Nome científico Quantidade de citações

nicos, sóins Callithrix penicillata É. Geoffroy, 1815 e Callithrix jacchus

Linneaus,1758

13

tatu verdadeiro Dasypus novemcinctus Linneaus, 1758

12

veados Mazama americana Erxleben, 1777

Mazama gouazobira G.Fischer, 1814

11

raposa, raposinha Pseudalopex vetulus 11

Peba Euphractus sexcinctus Linneaus, 1758

10

onça-vermelha, gato-vermelho, onça-parda, onça-pega-bode,

sussuarana

Puma concolor Linneaus, 1771

08

gato-pintado, gato-do-mato, jaguatirica, jaguatiri

Leopardus pardalis Linneaus, 1758

06

gato-mamoninha, gato- verdadeiro Leopardus tigrinus Schreber, 1775

06

Mocó Kerodon rupestris Wied,1820

06

Inhambu Crypturellus sp. 06

Zabelê Crypturellus noctivagus zabele Spix, 1825

05

Siriema Cariama cristata 04

papa-mel, meia-noite, anda-só, caminhador

Eira barbara Linnaeus, 1758

04

onça, onça-pintada, onça-do- lombo-preto, lombo-preto

Panthera onca Linneaus, 1758

04

mexila, melete, mirim, tamaduá-mirim

Tamandua tetradactyla Linneaus, 1758

04

guará, guaxinim Dusicyon gymnocercus 04

Cutia Dasyprocta prymnolopha Wagler, 1831

Dasyprocta sp.n. (Jeremoabo)

04

catitu, caititu Tayassu sp. 04

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3.4 Provável distribuição geográfica pretérita das espécies do Grupo Personatus

“A entrada do sertão está sobre um socalco do maciço continental, ao norte. Demarca-o, de uma banda, abrangendo dois quadrantes, em semicírculo, o rio São Francisco; e de outra, encurvando também para sudeste, numa normal à direção primitiva, o curso flexuoso do Itapicuru-açu. Segundo a mediana, correndo quase paralelo entre aqueles, com o mesmo descambar expressivo para a costa, vê-se o traço de um outro rio, o Vasa-Barris, o Irapiranga dos tapuias, cujo trecho de Geremoabo para as cabeceiras é uma fantasia de cartógrafo. De fato, no estupendo degrau, por onde descem para o mar ou para jusante de Paulo Afonso as rampas esbarrancadas do planalto, não há situações de equilíbrio para uma rede hidrográfica normal. Ali reina a drenagem caótica das torrentes, imprimindo naquele recanto da Bahia fáceis excepcional e selvagem”. Cunha (1901, p. 10)

Dado o atual estado de destruição da Caatinga e dos ecossistemas de transição entre

ela e a Mata Atlântica, tentar reconstituir a distribuição geográfica original de Callicebus

barbarabrownae é algo como descrever uma cidade após um bombardeio.

Próximo ao atual limite sul da distribuição de C. barbarabrownae, na região de

Vitória da Conquista, a introdução de espécies invasoras de capins e a urbanização

causaram grande desfiguração paisagística, justamente no ecótono entre a Mata Atlântica e

a Caatinga. Hoje é difícil saber se a área em questão foi de ocorrência de C. melanochir ou

de C. barbarabrownae, mas considerando a brusca variação altitudinal na região da Serra

do Marçal, é possível que o guigó-da-Caatinga algum dia tenha tido como limite sul o

Planalto de Conquista, um pouco mais ao sul do que a Serra do Sincorá, seu atual limite

meridional. Abaixo, nas terras planas da região de Itambé (15°11'42,5"S, 40°43'8,4"W,

altitude 377 m), ficou a Mata Atlântica, e acima, no planalto, desde Vitória da Conquista

até o oeste, há uma região de transição entre a Caatinga e o Cerrado. Consoante à

vegetação, abaixo do Planalto de Conquista, em direção ao litoral, deve ter habitado C.

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melanochir e a oeste, vencido o hiato demarcado pelos cerrados e caatingas de altitude do

sudoeste da Chapada Diamantina, C. nigrifrons.

Desperta a atenção de qualquer biogeógrafo o fato de que a distribuição de C.

melanochir não foi barrada totalmente pela intrincada hidrografia dos rios que nascem na

Chapada Diamantina e drenam para o oceano. Ao norte a grande barreira parece ter sido a

foz do rio Paraguaçu, onde fica o recôncavo baiano. Seguindo para o sul pelo litoral, a

distribuição de C. melanochir novamente não foi barrada pela rede hidrográfica, tendo os

guigós ocupado o interflúvio entre o rio de Contas e o Pardo, onde fica Ilhéus, região de sua

localidade tipo, bem como a Reserva Biológica de Una, unidade de conservação federal na

qual sua presença tem sido registrada (Printes et al., no prelo). Callicebus melanochir

também deve ter habitado o interflúvio seguinte, entre os rios Pardo e Jequitinhonha, região

hoje extremamente destruída pela pecuária, que percorri em janeiro de 2005, sem conseguir

registrar a espécie. É possível que C. melanochir tenha habitado aquela região

recentemente, pois atravessou o Jequitinhonha, sendo encontrada bem mais ao sul, no

Parque Nacional do Pau Brasil. A partir dali seu limite sul precisa ser mais bem

investigado. Entretanto, é possível que tenha chegado até o rio Doce, considerando que no

litoral do Espírito Santo a espécie de guigó registrada é C. personatus (ver Van Roosmalen

et al., 2002). A distribuição de C. personatus, porém, é mais restrita do que se supunha. Em

parte da região apontada como dentro da sua extensão de ocorrência (Van Roosmalen et al.,

2002), na divisa entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, recentemente foi

registrado C. nigrifrons (André Hirsch, com. pess.). A distribuição deste, vindo do oeste,

desde os rios Tietê e Paraná-Parnaíba (Hershkovitz, 1988a), vai hoje até o rio Manhuaçu, a

partir do qual inicia a distribuição de C. personatus, espécie que, como vimos

anteriormente, ocupou a região litorânea capixaba.

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Considerando novamente C. barbarabrownae e tendo como setor de análise o norte

da Bahia, observa-se que, de Juazeiro em direção ao leste, há grandes áreas de caatinga

arbustiva densa (o “carrasco”) que podem ter barrado sua distribuição. Nos municípios de

Curaçá, Macururé e Paulo Afonso o guigó não subsiste, nem sequer na memória dos

sertanejos. Entretanto, o rio São Francisco foi tradicionalmente apontado como o limite

norte para a espécie (Hershkovitz, 1988a; Van Roosmalen et al., 2002). Talvez as matas

ripárias que outrora desenhavam as curvas do São Francisco, região antigamente conhecida

como “Sertão de Rodelas” (Cunha, 1901), tenham sido os hábitats mais setentrionais e

ocidentais para a espécie no passado, mas hoje foram substituídas pela pastagem, pelos

cultivos e pelo carrasco (caatinga arbustiva densa). Mas também é possível que o guigó-da-

Caatinga jamais tenha chegado tão perto das margens do São Francisco, tendo encontrado

como limite norte a Serra Branca, na região que separa Canudos de Monte Santo, bem

como as serras que separam Jeremoabo de Santa Brígida. Entre estas serras em que o

guigó-da-Caatinga ainda habita e o São Francisco, onde não foi registrado, há todo o Raso

do Catarina, grande planalto dominado pela caatinga arbustiva densa, na qual somente os

calitriquídeos conseguiram sobreviver. Lá registramos simpatria entre Callithrix penicillata

e Callithrix jacchus.

A Chapada Diamantina, na sua porção mais meridional (região de Lençóis)

provavelmente barrou a distribuição de C. barbarabrownae para o oeste, devido a uma

alteração brusca da vegetação provocada pela topografia. A flora abruptamente ganha

aspectos de Cerrado e de campos rupestres, lembrando os ambientes da Serra do Espinhaço

em Minas Gerais. Porém a Chapada não teve o mesmo efeito na sua porção norte, na região

de Wagner e Utinga, onde ainda vicejam remanescentes de matas orográficas e subsistem

alguns indivíduos do guigó-da-caatinga nas esparsas reservas legais das fazendas.

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O atual limite leste de C. barbarabrownae, na divisa entre os Estados da Bahia e

Sergipe, provavelmente está próximo ao que foi o limite original, antes da ocupação

humana. Em que pese à transformação da paisagem provocada pela pecuária, ainda é

possível perceber, de oeste para leste, a Caatinga transformar-se abruptamente em Mata

Atlântica, como foi observado por Cunha (1901).

3.5 Quais os limites atuais da distribuição da espécie?

O limite norte da distribuição corresponde às serras de Minuim (Santa Brígida:

09º49'36,18"S, 38º05'44,74"W, altitude 451 m). O limite sul é a Serra do Sincorá,

município de Contendas do Sincorá (Fazenda Corcovado: 13º 54'52,10"S, 41º10'23,70"W,

altitude 712 m). O limite leste está na divisa entre os Estados da Bahia e Sergipe, no

município de Cel. João Sá (10º13' 49,80"S, 38º02'0,13"W; altitude 268 m). O limite oeste

localiza-se a 107 km do rio São Francisco, no município de Gentio do Ouro (Salitre:

11º32'54,40"S, 42º22'58,70"W; altitude 908 m).

Três registros foram obtidos na região de Serrinha, próximo à localidade tipo. São

eles: Tanquinho, Lamarão (localidade tipo) e Casa Nova. A leste de Araci surge uma

grande mancha de Cerrado que se estende até Nova Soure; lá nenhum registro foi obtido.

Entretanto a nordeste de Araci as caatingas arbóreas voltam a aparecer, escapando da

pecuária graças ao relevo acidentado. Naquela região foram obtidos novos registros de C.

barbarabrownae em Mandacaru e Monte Cruzeiro (que pertencem a Quijingue), em

Banzaê, Euclides da Cunha e Monte Santo. O registro para Canudos foi obtido na Serra

Branca, que faz a divisa entre este município e Monte Santo. Canudos e Minuim estão

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quase na mesma latitude, correspondendo ao limite norte da espécie, cuja distribuição não

chega ao rio São Francisco, como até então se pensava (coordenadas geográficas das

localidades citadas na Tabela 11).

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Tabela 11: Registros realizados durante o projeto: “Distribuição e status do guigó-da- caatinga” (C. melanochir n = 1, C. coimbrai n = 5, C. barbarabrownae n = 37)

Localidade Coordenadas Altitude (m)

Espécie

Lamarão do Passe, S. Sebastião do Passé (BA)

12° 29’ 50,10” S 38° 22’ 34,50” W

52 Callicebus coimbrai

Boa União, Alagoinhas (BA)

12° 11’ 03,80” S 38° 32’ 16,00” W

159 Callicebus coimbrai

Carira, N. Sra. Da Glória (SE) 10° 12’ 18,39” S 37° 29’ 36,69” W

368 Callicebus coimbrai

Faz. Venturosa, N. Sra. Da Glória (SE)

10° 09’ 35,09” S 37° 43’ 37,39” W

- Callicebus coimbrai

Faz. Pioneira, Itabaianhinha (SE) 11° 11’ 37,90” S 37° 43’ 12,24” W

316 Callicebus coimbrai

Faz. Da Michelin, Igrapiúna (BA) 13° 48’ 51,30” S 39° 12’ 03,00” W

53 Callicebus melanochir

Fazenda Floresta, Jeremoabo (BA)

09° 58’ 57,00” S 38° 15’ 09,79” W

336 Callicebus barbarabrownae

Fazenda Mineiro, Jeremoabo (BA)

10° 03’ 19,80” S 38° 15’ 33,55” W

287 Callicebus barbarabrownae

Lagoa do Nolasco, Cícero Dantas (BA)

10° 27’ 54,02” S 38° 21’ 19,35” W

424 Callicebus barbarabrownae

Cícero Dantas(BA), sede 10° 31’ 18,56” S 38° 20’ 50,10” W

390 Callicebus barbarabrownae

Raso do Santo, Cícero Dantas (BA) 10° 29’ 06,50” S 38° 18’ 13,50” W

432 Callicebus barbarabrownae

Antas (BA) 10° 26’ 43,80” S 38° 18’ 43,42” W

330 Callicebus barbarabrownae

Sítio do Quinto (BA) 10° 14’ 53,99” S 38° 15’ 04,54” W

268 Callicebus barbarabrownae

Coronel João Sá (BA) 10° 13’ 53,30” S 38° 02’ 05,04” W

245 Callicebus barbarabrownae

Pedro Alexandre (BA), sede 09° 59’ 48,40” S 37° 58’ 35,57” W

339 Callicebus barbarabrownae

Minuim, Santa Brígida (BA) 09° 49’ 36,18” S 38° 05’ 44,74” W

451 Callicebus barbarabrownae

Bela Vista ou Boa Vista, Tanquinho (BA)

11° 56’ 32,90” S 39° 04’ 05,90” W

477 Callicebus barbarabrownae

Lamarão (BA), sede 11° 49’ 55,30” S 38° 54’ 14,60” W

270 Callicebus barbarabrownae

Casa Nova, Candeal (BA) 11° 46’ 58,10” S 39° 13’ 50,90” W

241 Callicebus barbarabrownae

Mandacaru, Quijingue (BA) 10° 57’ 19,40” S 39° 05’ 11,80” W

450 Callicebus barbarabrownae

Monte Cruzeiro, Quijingue (BA) 10° 57’ 19,90” S 39° 04’ 50,50” W

346 Callicebus barbarabrownae

Mirandela, Banzaê (BA) 10° 39’ 39,60” S 38° 37’ 53,10” W

300 Callicebus barbarabrownae

Faz. Soturno, Banzaê (BA)

10° 35’ 25,90” S 38° 35’ 23,10” W

415 Callicebus barbarabrownae

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Localidade Coordenadas Altitude (m)

Espécie

Contendas, Monte Santo (BA) 10° 26’ 44,60” S 39° 10’ 11,70” W

626 Callicebus barbarabrownae

Serra Branca, Monte Santo (BA)

10° 24’ 32,40” S 39° 20’ 27,80” W

587 Callicebus barbarabrownae

Itiúba (BA), sede 10° 41’ 53,20” S 39° 49’ 34,80” W

711 Callicebus barbarabrownae

Serra Branca, Canudos (BA) 10° 18’ 18,90” S 38° 57’ 44,30” W

551 Callicebus barbarabrownae

Faz. Lagoa Funda, Campo Formoso (BA)

10° 26’ 36,10” S 40° 22’ 21,70” W

768 Callicebus barbarabrownae

Faz. Corcovado, Contendas do Sincorá (BA)

13° 54’ 21,40” S 41° 09’ 55,10” W

603 Callicebus barbarabrownae

Faz. Corcovado, Contendas do Sincorá (BA)

13° 54’ 52,10” S 41° 10’ 23,70” W

712 Callicebus barbarabrownae

Faz. Trancada II, Andaraí (BA) 12° 57’ 56,30” S 41° 14’ 27,80” W

708 Callicebus barbarabrownae

Estrada para Remanso, Lençóis (BA) 12° 33’ 17,10” S 41° 21’52,40” W

490 Callicebus barbarabrownae

Faz. Morro Redondo, Itaberaba (BA) 12° 24’ 09,00” S 41° 24’ 56,50” W

341 Callicebus barbarabrownae

Marcionílio Souza (BA), sede 13° 02’ 07,90” S 40° 25’ 38,00” W

598 Callicebus barbarabrownae

Faz. De Garcia, Rui Barbosa (BA) 12° 23’ 35,90” S 40° 31’ 56,20” W

464 Callicebus barbarabrownae

Faz. Serra Azul, Mandacaru, Baixa Grande (BA)

11° 52’ 40,40” S 40° 04’ 36,80” W

357 Callicebus barbarabrownae

Faz. Deus Dará, Povoado Madacaru, Baixa Grande (BA)

11° 52’ 40,20” S 40° 05’ 46,90” W

424 Callicebus barbarabrownae

Faz. Junco, Povoado Maxixi, Miguel Calmon (BA)

11° 29’ 28,00” S 40° 41’ 45,50” W

656 Callicebus barbarabrownae

Faz. Bastião, Saúde (BA) 10° 57’ 38,70” S 40° 21’ 08,30” W

524 Callicebus barbarabrownae

Fazs. Nova Esperança e Passagem, Morro do Chapéu (BA)

11° 53’ 21,90” S 41° 04’ 36,50” W

776 Callicebus barbarabrownae

Faz. Roça Grande, Morro do Chapéu (BA)

11° 53’ 33,00” S 41° 04’ 28,07” W

766 Callicebus barbarabrownae

Salitre, Gentio do Ouro (BA) 11° 32’ 54,40” S 42° 22’ 58,70” W

908 Callicebus barbarabrownae

Fazenda J. Viana, Wagner (BA) 12° 15’ 35,50” S 41° 12’ 41,50” W

609 Callicebus barbarabrownae

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A oeste da Chapada Diamantina não foi obtido qualquer registro de guigó, nem

mesmo através de relatos de antigos moradores, corroborando a hipótese de que o relevo,

ou a mudança fitogeográfica a ele associada, possa ter barrado a distribuição de Callicebus

naquela região, como defendia Hershkovitz (1988a, 1990a). Entretanto, a leste da Chapada,

obtive importantes registros na região de Andaraí e Lençóis. Dali seguindo para o norte, os

registros de C. barbarabrownae se multiplicam, aparecendo em Wagner, Morro do Chapéu,

Miguel Calmon, Saúde, Itiúba e Campo Formoso, sempre acompanhando as serras daqueles

municípios. Entretanto, desapareceram no vale do rio Salitre, já na região de Juazeiro.

A leste da Bahia, na região do agreste, onde as matas orográficas hoje escassas

podem ter abrigado relevante população no passado, foram obtidos registros em Cícero

Dantas, Antas, Sítio do Quinto, Jeremoabo, Minuim (Santa Brígida), Pedro Alexandre e

Coronel João Sá.

A oeste, o registro feito em Gentio do Ouro, no vale do rio Verde, está curiosamente

isolado, o que pode levantar a seguinte questão: o guigó-da-caatinga algum dia foi

abundante no noroeste da Chapada Diamantina? Sua presença rarefeita naquela região

talvez possa ser explicada pela rígida aridez ou pelos antigos impactos antrópicos

relacionados à mineração. Gentio do Ouro chamava-se “Santo Inácio do Açuruá” quando

Teodoro Sampaio por lá passou, entre 1879 e 1880. Sobre aqueles sertões da Bahia

escreveu o primeiro geógrafo brasileiro:

“O rio Verde, apelidado De Baixo, para se distinguir de seu homônimo superior, que faz as divisas dos territórios da Bahia e Minas, nasce na Chapada Velha, corre ao norte, através de uma região deserta e sem água, e entra no rio São Francisco abaixo de Xiquexique. Conquanto não seja pequeno seu vale, a escassez das suas águas é tão grande que torna difíceis os trabalhos da mineração” Sampaio (2002, p.250).

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Ainda de acordo com Sampaio (2002), as lavras de Santo Inácio do Açuruá já eram

muito antigas e haviam sido abandonados à época da sua expedição. Daí pode-se supor que

a mineração tenha contribuído para a alteração da paisagem e dos padrões de distribuição

da fauna. Informantes que trabalhavam como garimpeiros relataram que nos garimpos o

desmatamento para a obtenção de lenha e a caça para alimentação são práticas comuns até

os dias de hoje.

3.6 Qual a extensão de ocorrência do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)?

Extensão de ocorrência é definida como a área contida dentro da menor fronteira

contínua imaginária que pode ser desenhada incluindo todos os sítios conhecidos, inferidos

ou projetados da ocorrência atual do táxon, excluindo os casos de vagância (IUCN, 2001).

No presente estudo, considerei somente os sítios conhecidos. A extensão de ocorrência foi

definida de acordo com o método do mínimo polígono convexo (IUCN, 2001). Para tanto,

um polígono sem qualquer ângulo >180º incluindo todos os sítios de ocorrência da espécie

foi desenhado (Fig. 08) e sua área foi calculada através de geometria plana.

Fitogeograficamente, o bioma Caatinga ocupa 11% do território nacional,

abrangendo 800.000 km2 entre os estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco,

Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Minas Gerais (Drumond et. al., 2004). Bem

mais restrita, entretanto, é a área ocupada pelo guigó-da-caatinga, C. barbarabrownae. A

espécie tem sua distribuição geográfica totalmente situada no território da Bahia, com uma

extensão de ocorrência aproximada de 291.438 km2, entre altitudes que variam de 241 a

908m.

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Figura 8: Extensão de ocorrência do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)

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A julgar pelos presentes resultados, o guigó-da-caatinga tem sua distribuição

geográfica restrita ao território da Bahia, estando sua extensão de ocorrência atualmente

situada entre cinco paralelos e seis meridianos, o que totaliza uma área de 252.546 km2.

Para a definição desta área foi utilizado um mapa em escala 1:1.650.000, no qual foram

plotados os registros de campo e depois definido o mínimo polígono convexo, ou seja, “o

menor polígono no qual nenhum ângulo interno exceda 180° e que contenha todos os sítios

de ocorrência” (IUCN, 1994). A espécie ocorre em altitudes que variam de 241 m (Casa

Nova: 11º46'58"S, 39º13'50,9"W) a 908 m (Salitre: 11º32'54,40"S, 42º22'58,70"W).

3.6.1 Variações de pelagem observadas ao longo da extensão de ocorrência

Através da morfologia externa (padrão de coloração da pelagem) identifiquei mais

duas formas de guigós ao longo da distribuição geográfica de C. barbarabrownae, além

daquela da localidade tipo (Figuras 9 e 10).

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Figura 9: Indivíduo de C. barbarabrownae (Hershkovitz, 1990) provavelmente capturado

na região da localidade tipo, que inclui Serrinha e municípios próximos (foto: Alcides

Pissinati)

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Figura 10: Ilustrações das três formas de guigós avistadas dentro da área de

distribuição geográfica do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae).

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Descrição das formas: a) Uma forma com o tronco cinza semelhante ao desenhado

para C. melanochir (Wied-Neuwied, 1820) na figura número 52, pág. 52, revista

Neotropical Primates vol. 10 (2002), com a cauda podendo ser laranja ou da cor do tronco

e a face negra, com diadema branco, pequeno ou ausente (Figs. 10 b e 11). Esta forma está

restrita a região leste da Chapada Diamantina, limite sul da distribuição da espécie,

habitando o que Rizzini (1967) apud Coimbra-Filho e Câmara (1996) chama de matas

orográficas (e.g., Fazenda Corcovado, Contendas do Sincorá 13º54'21"S; 41º09'55"W;

altitude 603 m);

Figura 11: Forma de C. barbarabrownae (Hershkovitz, 1990), restrita às matas

orográficas do leste da Chapada Diamantina, Contendas do Sincorá, Bahia (foto:

Carlos Guidorizzi).

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b) Uma forma de cauda laranja como aquela apresentada para C. barbarabrownae

Hershkovitz, 1990 na figura número 52, pág. 52, revista Neotropical Primates, vol. 10

(2002), porém com o tronco avermelhado e a cabeça negra, como representado na mesma

prancha para C. personatus 1 (Figura 10 c). Infelizmente não foi possível fotografá-la. Esta

forma foi vista pela primeira vez na Fazenda Cafula, em Cel. João Sá, Bahia (10º13'49,8"S,

38º02'03"W; altitude 268 m). A população se restringe a ambientes de transição entre a

Mata Atlântica e a Caatinga, na divisa entre os Estados de Sergipe e Bahia, indo até a

Jeremoabo (Bahia). Tais formas, embora dignas de nota, precisam ser mais bem

compreendidas antes de serem consideradas como espécies ou subespécies. Os padrões de

coloração da pelagem, embora historicamente uitilizados para definir as espécies de

Callicebus, têm se revelado um tanto subjetivos e dependentes de fatores tais como a classe

etário-sexual e a dieta dos animais.

Neste sentido, deve ser realizado um projeto de pesquisa envolvendo estudos

genéticos das populações de Callicebus do grupo personatus: C. barbarabrownae, C.

coimbrai, C. melanochir, C. personatus e C. nigrifrons. As pesquisas até agora já

demonstrarm que C. nigrifrons apresenta cariótipo 2n = 42 enquanto C. personatus e C.

coimbrai são 2n = 42 cromossomos (Printes et. al., no prelo). Entretanto, este estudo deve

ser conduzido paralelamente a um esforço de campo visando atualizar os dados de

distribuição geográfica das espécies (principalmente as três últimas). O número de

indivíduos, bem como a quantidade de lócus, devem ser maximizados, tendo em vista o

conhecido polimorfismo do gênero.

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3.7 Qual a área de ocupação do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae)?

Área de ocupação é definida como a área dentro da extensão de ocorrência que é

realmente ocupada pelo táxon, excluindo os casos de vagância. A medida reflete o fato de

que um táxon usualmente não ocorre ao longo de toda a sua extensão de ocorrência, a qual

pode conter muitos hábitats inadequados ou não ocupados (IUCN, 2001, 2006). O tamanho

da área de ocupação será uma função da escala, que deve ser apropriada aos aspectos

biológicos relevantes do táxon, à natureza das ameaças e à disponibilidade dos dados

(IUCN, 2001, 2006).

A área de ocupação do guigó-da-caatinga foi calculada através do método da soma

dos quadrados (IUCN, 2001, 2006). Utilizando-se uma grade de malha 0,1 cm, foi obtida a

superfície de 2.636 km2, que corresponde à região efetivamente ocupada pela espécie

(Figura 12).

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Figura 12: Área de ocupação do guigó-da-caatinga calculada através do método da soma

dos quadrados (IUCN, 2001, 2006)

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Os registros do guigó-da-caatinga se concentraram em três regiões: 1) Do agreste,

nas matas orográficas de Cícero Dantas, Antas, Jeremoabo, Minuim (Santa Brígida), Pedro

Alexandre e Coronel João Sá; 2) Da localidade-tipo, que além de Lamarão inclui Casa

Nova, Tanquinho, Mandacaru, Monte Cruzeiro, Banzaê, Canudos e Monte Santo; 3) Do

norte da Chapada Diamantina, nas caatingas arbóreas e matas orográficas de Wagner, Rui

Barbosa, Itaberaba, Morro do Chapéu, Miguel Calmon, Saúde, Itiúba e Campo Formoso,

sempre acompanhando as serras dos municípios. A importância destas três regiões fica

mais evidente quando todos os registros são plotados num gráfico cujo eixo das abscissas

corresponde às longitudes e o eixo das ordenadas às latitudes e surgem três nuvens de

pontos (Figura 13).

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-16

-15

-14

-13

-12

-11

-10

-9

-8

-47 -46 -45 -44 -43 -42 -41 -40 -39 -38 -37 -36 -35 -34 -33

Longitude W

Latit

ude

S

Figura 13: Plotagem de todos os registros de C. barbarabrowane ao longo do sistema de

coordenadas geográficas Gauss-Krieger.

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3.8 Sobre os limites entre as espécies de Callicebus da Mata Atlântica e Caatinga

(Grupo Personatus)

O número de registros por espécie de Callicebus que obtive ao longo deste estudo é

demonstrado na Figura 14.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

C. coimbrai C. melanochir C. barbarabrownae

Figura 14: Número de indivíduos por espécie registrados ao longo do projeto “Distribuição

e status do guigó-da-Caatinga Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990” (C.

coimbrai n = 9, C. melanochir n = 2, C. barbarabrownae n = 51)

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Em viagem para Canudos, Euclides da Cunha se impressionou com a transformação

da Mata Atlântica em Caatinga e descreveu com maestria o que estava vendo. Esta

descrição faz pensar que não apenas pode haver um guigó para cada formação

fitogeográfica, mas também que o guigó pode ser considerado um indicador remoto do tipo

de solo, tamanha a relação de interdependência entre o solo, a vegetação e a fauna:

“(...) Logo a partir de Camaçari as formações antigas cobrem-se de escassas manchas terciárias, alternando com exíguas bacias cretáceas, revestidas do terreno arenoso de Alagoinhas que mal esgarçam a leste, as emersões calcárias de Inhambupe. A vegetação em roda transmuda-se, copiando estas alternativas com a precisão de um decalque. Rarefazem-se as matas, ou empobrecem. Extinguem-se, por fim, depois de lançarem rebentos esparsos pelo topo das serranias; e estas mesmo, aqui e ali, cada vez mais raras, ilham-se ou avançam em promontório nas planuras desnudas dos campos, onde uma flora característica – arbustos flexuosos entressachados de bromélias rubras – prepondera exclusiva em largas áreas, mal dominada pela vegetação vigorosa irradiante da Pojuca sobre o massapê feraz das camadas cretáceas decompostas”. (Cunha, 1901, p.24)

Entre junho e julho de 2004, na tentativa de reencontrar a localidade tipo de C.

barbarabrownae, investiguei a região do recôncavo baiano, incluindo Camaçari,

Alagoinhas e Pojuca. Lá registrei C. coimbrai, espécie cujo limite sul de distribuição até

então era o rio Itapicuru, na divisa entre os Estados da Bahia e Sergipe (Kobayashi &

Langguth, 1999) (Figura 15). A localidade conhecida como Lamarão do Passé (12º29'51"S,

38º22'35"W, altitude 52 m) passou então a ser a mais meridional dentro da área de

distribuição desta espécie. Callicebus coimbrai Kobayashi & Langguth, 1999 se

demonstrou uma forma realmente restrita ao litoral, tendo o recôncavo baiano como seu

limite sul.

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Figura 15: Callicebus coimbrai, forma restrita a Sergipe e recôncavo baiano, reconhecida

como espécie por Kobayashi e Langguth em 1999 (foto: Marcelo Sousa)

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Entre abril e maio de 2005, na região de Igrapiúna, investiguei se a extensão de

ocorrência de C. barbarabrownae realmente teria atingido o litoral ao sul do Recôncavo

Baiano, conforme sugerido pelo mapa da revisão taxonômica de Callicebus feita por Van

Roosmalen et al. (2002, p.39), a mais recente naquela época. A espécie encontrada na

região citada, porém, foi Callicebus melanochir, numa fazenda de plantio de seringueiras

da multinacional Michelin (13º48'51"S, 39º 12' 03"W, altitude 53 m). Os animais vistos

tinham a corpo de coloração uniforme (concolor), porém com a cauda em tom castanho

(variegata), o que foi observado nesta espécie desde a sua descrição (Kuhl, 1820 apud

Elliot, 1913). O rio Paraguaçu deixou na margem norte C. coimbrai e na margem sul C.

melanochir. Para o oeste, já na região de Feira de Santana, aparece C. barbarabrownae de

ambos os lados do Paraguaçu, sugerindo que a separação desta espécie das outras duas

tenha sido anterior à formação daquele rio e que tenha ocorrido por razões fitogeográficas e

não através de vicariância.

Em relação ao limite leste de C. barbarabrownae, que corresponde ao oeste de C.

coimbrai, encontrei dificuldades em determiná-lo. Aparentemente não há uma barreira

específica que o demarque. Entretanto, observei que C. coimbrai hoje se restringe a

florestas localizadas em regiões de altitudes que variam entre 100 e 300 m (o que num

passado recente pode ter sido entre 0 e 300 m) com maior influência da pluviosidade do que

aquelas onde vive C. barbarabrownae. Na fronteira norte entre os Estados da Bahia e

Sergipe se eleva um platô cuja borda é formada por amplo cinturão orogênico, localizado

na região de Minuim (Santa Brígida), Pedro Alexandre e Coronel João Sá (municípios da

Bahia). A rodovia federal BR 110 deixa a leste a Serra Grande (523 m), da Canastra (571

m), do Juazeiro (618 m), da Formiga (559 m), do Coité (701 m), da Velhacaria (500 m), do

Marancó (688 m), do Retiro (566 m), Rompe Gibão (529 m) e do Poção (517 m); a oeste a

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Serra de São Domingos (511 m), do Lobisomem (541 m), do Manezinho (506 m), do

Brejinho (698 m) e dos Coxos (686 m), até começar a região do Raso da Catarina. Estas

serras, entre outras menores (localmente conhecidas como “serrotes”), aparentemente não

atuaram como barreira ao fluxo gênico entre as duas formas de Callicebus, mas podem ter

retido a precipitação a leste, onde as florestas têm uma influência visivelmente atlântica,

originando a oeste uma região mais árida, na qual hoje predominam as caatingas (ver carta

de relevo da Bahia na Figura 16) .

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Figura 16: Carta de relevo do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos azuis

correspondem às localidades onde foi registrado o guigó-da-caatinga.

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Ao norte do Raso da Catarina, entre Paulo Afonso e Macururé, se ergue um grande

platô dominado por caatingas secas não arbóreas e caatingas arbustivas densas, paralelo ao

qual há uma estrada de cerca de 100 km em linha reta, cortando-o à moda de um transecto

no sentido leste-oeste. Não registrei os guigós naquela região, porém eles voltaram a surgir

mais ao sul, nas serras entre Canudos e Jeremoabo, quando as caatingas arbóreas

reapareceram.

A relação topografia/especiação neste caso é provavelmente indireta, se dando

através da vegetação: nas matas com influência pluvial e atlântica ficou C. coimbrai e nas

caatingas continentais, C. barbarabrownae. Entretanto, como não há uma barreira física,

pode haver áreas de transição quanto à vegetação. De fato encontrei C. coimbrai em

ambiente de caatinga arbórea com influência da Mata Atlântica, na região de Nossa

Senhora da Glória (Sergipe) (Figura 17). Porém, a recíproca não se fez verificada: não

registrei C. barbarabrownae em região que lembrasse a Mata Atlântica. A propósito

observam Coimbra-Filho & Câmara (1996, p.25):

“A destruição das pontes faunísticas silvestres entre os resíduos de matas hoje existentes fez mudar radicalmente a fácies vegetacional e ambiental da região, favorecendo condições para a ampliação de ecossistemas antrópicos heliófilos, embora restassem espalhados pela região alguns remanescentes muito degradados das antigas formações florestais [...] As espécies próprias dos ecossistemas primários nordestinos, de hábitos silvestres, são agora extremamente escassas porque a lógica indica terem sido eliminadas ou reduzidas no curso da destruição dos ecossistemas originais, quando vultuoso número de espécies certamente foi exterminado sem deixar vestígios”.

Se a vegetação heliófila avançou nas regiões alteradas pela mão humana nos últimos

450 anos, então é provável que a distribuição de C. coimbrai, no sentido oeste tenha sido

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mais ampla no passado. Da mesma forma isto poderia explicar porque C. coimbrai e não C.

barbarabrownae foi encontrado nas regiões de transição entre a Caatinga e a Mata

Atlântica.

Figura 17: Callicebus coimbrai fotografado em ambiente de transição entre a Caatinga e a

Mata Atlântica, na divisa entre Sergipe e Bahia, Nossa Senhora da Glória (Sergipe) (foto:

Marcelo Sousa)

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Não obtive nenhum registro de simpatria entre essas duas formas de Callicebus, fato

interessante, uma vez que elas são consideradas espécies e não subespécies. O elevado grau

de antropização da região é um fator a ser considerado nesta discussão. Porém torna-se

difícil afirmar com certeza se tais formas derivam realmente de linhagens filogenéticas

distintas, uma vez que carecemos de um estudo cladístico com bases genéticas.

A Figura 18 apresenta a distribuição geográfica das espécies do Grupo Personatus

com base na literatura e nas observações de campo do presente trabalho e de outros

pesquisadores (Printes et al., no prelo).

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Figura 18: Distribuição geográfica das espécies do Grupo Personatus, com base nas

observações de campo de quatro pesquisadores (Printes et al., no prelo).

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Capítulo 3: A conservação do guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae Hershkovitz, 1990)

Questões

• Quais as principais ameaças à espécie?

• Callicebus barbarabrownae deve permanecer na categoria “criticamente em

perigo”?

1. Introdução: Os sertões de Euclides da Cunha não existem mais

A ocupação humana da Caatinga baiana, região estudada por Euclides da Cunha

(1866-1909), o primeiro sociólogo rural brasileiro, ocorreu de modo intensivo após a sua

morte, isto é, nos últimos 100 anos. Visitei muitos locais por ele mencionados no livro “Os

Sertões” (Cunha, 1901) como sendo áreas de vazio demográfico, ao longo do presente

estudo, e verifiquei que hoje são núcleos urbanos em expansão. São exemplos: Monte

Santo, com 56.602 habitantes e Jeremoabo, com 32.703 (Campos et al., 2004; IBGE,

2005). Há uma extensa malha viária (em péssimo estado de conservação) transpassando o

que Cunha (1901) chamava de “sertão”, isto é, o interior do nordeste brasileiro. Estradas

oficiais e clandestinas dão amplo acesso à região, desde as margens das rodovias federais e

estaduais até os locais mais ermos da Caatinga, entre Monte Santo, Canudos e Uauá; entre

Barro Vermelho e Curaçá; entre Curaçá e Juazeiro; entre o Raso da Catarina e o inóspito

vale do Rio Salitre. Estas estradas e rodovias trouxeram povoações e vilas, pequenas

civilizações recônditas de um Brasil, para muitos, ignorado. Um pequeno povoado surgiu

há cerca de 40 anos às margens da rodovia federal BR 116 e se emancipou de Monte Santo.

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Hoje, com 55.184 habitantes (IBGE, 2005), a antiga vila é uma das maiores cidades da

Caatinga e ironicamente se chama Euclides da Cunha.

A urbanização do meio rural baiano foi impulsionada pela concepção

desenvolvimentista de sucessivos governantes. Especialmente a partir da Constituição

Federal de 1988, novos municípios foram criados. Segundo o IBGE, entre 1970 e 2000 o

Estado da Bahia ganhou 115 novos municípios (IBGE, 2005). A população urbana, que em

1970 era de 41%, em 2000 já totalizava 67%; a população rural, entretanto, no mesmo

período decaiu de 59% para 33% (IBGE, 2005). Entretanto, o IBGE constatou

recentemente uma mudança no processo de urbanização brasileiro, antes concentrado nas

metrópolis: a partir dos anos 1990 as cidades de porte médio, entre 100 mil e 500 mil

habitantes, é que passaram a crescer; as metrópolis não detêm mais as maiores taxas de

crescimento urbano (Maricato & Tanaka, 2006). Em termos ambientais isto é bastante

preocupante, considerando a falta de políticas habitacionais por parte do poder público e a

especulação imobiliária do setor privado, que levam à ocupação irregular de áreas naturais

em todo o país (Maricato & Tanaka, 2006).

Cada núcleo urbano tem sua própria marca ou pegada ecológica, ou seja, a área

funcional, em termos de ecossistemas, que necessita para existir (Folke et al., 1997).

Alguns exemplos de serviços prestados pelos ecossistemas naturais próximos às cidades

são: receber os dejetos jogados na água, despoluir o seu ar, produzir alimentos, madeira,

papel, lenha, água potável (Ehrlich & Mooney, 1983). Num estudo realizado em 29 cidades

da Europa báltica, ficou demonstrado que um município com mais de 250.000 habitantes

requisita uma área 200 vezes maior do que o seu tamanho, em termos de impacto ambiental

(Folke et. al., 1997). Faltam estudos acerca do tamanho da pegada ecológica nas cidades

brasileiras e devem ser guardas as proporções residentes na diferença entre o padrão de

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consumo dos europeus e dos sertanejos. Mas de qualquer maneira, num sentido ecológico,

as cidades não produzem quase nada e seu impacto negativo sobre os ecossistemas ainda

não foi dimensionado. Um exemplo disso é a demanda por alimentos que levou a

agricultura e a pecuária a transfigurarem a paisagem de modo irreversível na Caatinga

baiana nos últimos 400 anos (Coimbra-Filho & Câmara, 1996).

O impacto do uso da terra sobre a população do guigó-da-caatinga (Callicebus

barbarabrownae) precisa ser analisado como um fenômeno global com características

regionais. Apesar dos esforços para a conservação de florestas e a manutenção da

biodiversidade serem geralmente definidos e implementados em escala nacional ou

internacional (Rio 92, COP 8, por exemplo) a conservação depende do que fazem as

comunidades locais. Por isso, conhecer o que pensam estas comunidades e como utilizam

seus recursos naturais é crucial para que a conservação seja efetiva (Silvano & Begossi,

2005).

2. Métodos

2.1 Selção de informantes

No presente estudo realizei entrevistas com informantes selecionados (Richardson et

al., 1965; Lódi, 1981; Davis & Wagner, 2003), complementadas pela documentação através

de registro fotográfico e gravação de depoimentos (Lódi, 1981).

A seleção de informantes parte de um pressuposto qualitativo e busca identificar

pessoas que tenham maior conhecimento, em relação aos outros da sua comunidade, acerca

de uma questão específica (por exemplo: caça, pesca, uso de plantas medicinais). O

processo de seleção de informantes assume que o conhecimento em questão não está

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homogeneamente distribuído na comunidade, de modo que a aplicação de questionários

aleatoriamente não trará um resultado satisfatório (ver Davis & Wagner, 2003). Além de

concentrarem a informação sobre determinado tema, informantes devem ser pessoas com

boa memória e alta capacidade de comunicação.

Utilizei o método de seleção de informantes através de grupos de referência,

também conhecido como “bola de neve” (Olsson & Folke, 2001; Davis & Wagner, 2003).

Este método tem sido largamente empregado para documentar o conhecimento ecológico

local. Olsson & Folke (2001) o aplicaram para selecionar 10 informantes-chave a partir de

73 associações de catadores de lagosta na Suíça. Neiss et al. (1999) usaram “bola de neve”

para selecionar experts em pesca no norte do Canadá. Visando documentar o conhecimento

do povo Inuit do Ártico sobre a caça de grandes mamíferos marinhos, Ferguson & Messier

(1997) selecionaram seus informantes a partir de associações de caçadores locais. O

método de seleção de informantes através de grupos de referência, porém, requer

adaptações aos contextos locais, porque os grupos de referência a serem utilizados

dependem do sistema de conhecimento ecológico local sob investigação. Isto foi bastante

discutido numa revisão sobre o método feita por Davis & Wagner (2003).

Os grupos de referência para seleção de informantes que utilizei no presente estudo

foram os seguintes: 1) policiais civis e militares; 2) freqüentadores de bares; 3) agricultores

filiados ao sindicato rural; 4) agricultores envolvidos com a feira local. A seguir são

apresentados os cinco contextos nos quais os informantes foram selecionados:

Contexto A: Município ou localidade de médio porte (de 25.000 a 50.000 habitantes, de

acordo com o Guia Quatro Rodas, 2004), com delegacia de polícia civil ou posto da polícia

militar. Neste caso, procurei as autoridades policiais locais, me apresentei e solicitei a

indicação de um informante. Isto foi feito porque normalmente em municípios pequenos e

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médios, onde não há atuação da polícia ambiental ou do Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a polícia civil ou militar

centraliza as ocorrências envolvendo caça e tráfico de animais silvestres (de acordo com a

Lei Federal nº 9605/98, “Lei de Crimes Ambientais”).

Contexto B: Localidade pequena (até 25.000 habitantes), sem posto policial. Nesta situação

procurei um bar bastante freqüentado pela comunidade local, me apresentei e solicitei a

indicação de um informante, utilizando entrevista preliminar com os presentes, através de

fotografias e execução de vocalizações com equipamento de play-back.

Contexto C: Localidade pequena (até 25.000 habitantes), posto policial ausente, bar (es) por

algum motivo sem condições para a seleção de informantes (vazios ou cheios demais no

momento da abordagem, horário inadequado, sem condições de segurança, etc.). Dia útil,

horário comercial. Procurei o sindicato rural ou a secretaria da agricultura do município, me

apresentei e solicitei a indicação de um informante.

Contexto D: Localidade pequena ou média (até 50.000 habitantes), dia de feira (sexta a

domingo). Procurei bancas que vendiam frutas silvestres, ervas, raízes e cascas medicinais,

tomates, amendoins e maxixes, por serem estes produtos cultivados ou extraídos em regiões

de difícil acesso na Caatinga. Conversei com os agricultores feirantes sobre a fauna da

região, procurando informantes. Utilizei fotografias e reproduzi as vocalizações dos guigós

e de outros mamíferos com o equipamento de playback.

Contexto E: Independente do tamanho da localidade e do número de habitantes procurei

deixar registrado na polícia, no sindicato rural ou nos bares onde passaria a noite,

normalmente um hotel, pousada ou posto de gasolina, local bem conhecido na cidade.

Solicitei ser avisado, a qualquer momento, de informações que pudessem levar ao guigó.

Esta estratégia foi utilizada simultaneamente a todas as outras e foi especialmente útil em

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situações nas quais não havia informação prontamente disponível sobre os animais,

considerando o curto período de permanência nas localidades.

Uma pessoa foi considerada informante quando, após o processo seletivo,

demonstrou conhecimentos acerca da composição específica da fauna silvestre da sua

região e, em alguns casos, a respeito da ocorrência ou desaparecimento do guigó-da-

Caatinga (C. barbarabrownae).

O informante não foi localizado de modo imediato e direto numa comunidade.

Cheguei até ele através de, no mínimo, um intermediário, usualmente chamado de referee

(Davis & Wagner, 2003). Muitas vezes um primeiro referee levava a um segundo ou

terceiro antes de chegar ao informante (Figura 19). Quando o informante selecionado era

caçador, traficante de animais silvestres, madeireiro, sem-terra ou matador de aluguel

(pistoleiro), foi necessária a intermediação de um tipo especial de referee, aqui chamado

paraninfo. O paraninfo era uma pessoa da comunidade que atuava garantindo ao

informante que o pesquisador não trabalhava para a polícia e nem para o IBAMA.

Paraninfos também ajudavam a combinar o preço dos serviços dos informantes,

principalmente quando estes atuariam como mateiros (guia local para a realização de trilhas

na mata). Foi considerado mateiro somente aquele colaborador que levava o pesquisador

até os animais ou até os locais de possível ocorrência dos mesmos. A maior parte dos

informantes foi contratada como mateiros, entretanto algumas vezes o informante não se

colocava à disposição para acompanhar o pesquisador na mata, indicando outra pessoa da

comunidade. É importante ressaltar que um informante podia ou não ser mateiro, porém um

referee jamais atuava como mateiro.

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Guigó

Mateiro Guigó

Não tinha guigó

Informante

Guigó

Mateiro Guigó

Não tinha guigó

Informante

Guigó

Mateiro Guigó

Não tinha guigó

Informante

Paraninfo

Referee 3, etc...

Referee 2

Referee 1

Guigó Não tinha guigó

Guigó

Mateiro

Informante

Figura 19: Organograma demonstrativo do processo de seleção de informantes através do método bola de neve

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Somente na região do polígono da maconha (Cannabis sativa, cultivada ilegalmente

na Caatinga visando à produção para o narcotráfico), cerca de 600 km2 entre Canudos e

Monte Santo, selecionei e contratei dois pistoleiros, que atuaram como seguranças e

referees. Naquela área percorri trechos não mapeados, utilizando estradas clandestinas,

construídas para o tráfico de drogas e de animais silvestres. Outra dificuldade no polígono

da maconha foi a localização de informantes, tendo em vista a baixa densidade

populacional da região.

2.2 Avaliação dos informantes selecionados

Utilizei três indicadores para saber se uma pessoa apontada pelo(s) referee(s) podia

ou não ser um informante. Foram eles: 1) O curto circuito: situações em que algumas ou

várias indicações recaíam sobre a mesma pessoa da comunidade. Em alguns casos, este

pode ser um indicador de suficiência amostral, pois se todos ou a maior parte dos referees

mencionou as mesmas pessoas, significa que já se tem a relação completa (ou quase

completa) dos potenciais informantes (Davis & Wagner, 2003). 2) O filtro: utilizei um

trecho especial do roteiro semi-estruturado elaborado para informantes (perguntas de nº 5 a

8 do roteiro em anexo), buscando testar seus conhecimentos a priori. Em alguns casos o

equipamento de playback foi utilizado para verificar se o possível informante reconhecia a

vocalização do guigó-da-caatinga e de outros animais silvestres. Imagens dos animais

foram mostradas aos possíveis informantes em associação com suas vocalizações. Alguns

candidatos a informantes não passaram pela filtragem e foram dispensados. 3) O teste do

informante: consistia em perguntar ao possível informante, depois da filtragem, se ele

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recomendaria uma outra pessoa da comunidade como informante, de onde decorriam duas

situações: a) O possível informante recomendava uma outra pessoa que se revelava melhor

do que ele mesmo em termos do conhecimento esperado. Neste caso, o possível informante

passava a ser referee e a pessoa por ele indicada era selecionada como informante. b) O

possível informante dizia não ter conhecimento de outra pessoa na comunidade que pudesse

atuar como informante ou fazia referência a uma pessoa já falecida. Neste caso, o possível

informante era selecionado como informante para aquela localidade. O conjunto destes três

indicadores, e não apenas um isoladamente, foi aplicado para decidir se uma pessoa

indicada pelo(s) referee(s) podia ou não atuar como informante.

A possibilidade de pagamento foi mencionada somente após o processo seletivo,

visando evitar a inclusão de pessoas oportunistas no processo. Os valores destes serviços

foram negociados numa faixa que variou entre R$ 10,00 e R$ 30,00/dia. Os referees e

paraninfos, via de regra atuaram voluntariamente no processo. Para cada localidade

estudada foram utilizados no mínimo um e no máximo três informantes (Davis & Wagner,

2003).

Após a seleção entrevistei os informantes seguindo o seguinte roteiro semi-

estruturado (as questões de 5 a 8 foram utilizadas como filtro durante o processo seletivo):

1) Primeiro nome ou apelido do informante

2) Idade

3) Tempo de residência no local

4) Profissão ou ofício

5) Quais os animais silvestres que habitam a região?

6) Qual o tamanho da propriedade em que ocorre o guigó e qual o tamanho da área de

mata da propriedade?

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7) Qual o uso da terra da propriedade onde vive o guigó?

8) Quais os maiores problemas enfrentados pelos animais?

9) O que se pode fazer para melhorar a situação dos animais?

Tendo em vista a necessidade de padronização do esforço amostral, considerei

válida apenas uma entrevista, com um informante, para cada localidade. Sendo assim, ao

todo selecionei 147 entrevistas com informantes. Destas desprezei aquelas feitas no início

do trabalho, quando o processo seletivo e o roteiro semi-estruturado ainda estavam em

construção. Todas as entrevistas desprezadas foram realizadas em áreas sem o guigó-da-

Caatinga (n=26). Desta forma, 124 entrevistas foram consideradas para a análise, sendo 37

nas localidades onde foi posteriormente encontrado o guigó e 87 nas áreas sem guigó.

Quando o informante selecionado não relatava a presença do guigó, eu perguntava

sobre a existência de fragmentos de caatinga arbórea densa ou esparsa e também observava

se havia algum tipo de formação florestal relevante na região. Havendo algum fragmento

interessante ele era visitado para a realização de playback. No início do projeto foram

analisadas, a priori, imagens de satélite visando localizar fragmentos de vegetação, mas

este método foi abandonado por não ser possível distinguir os diferentes tipos de Caatinga

através de sensoriamento remoto.

A seguir apresento dois exemplos de aplicação do método bola de neve

(convenções: ⇒ indicação de local; → indicação de pessoa; ↔ indicação de guigó ou

informação sobre os animais):

Exemplo 1: Processo de seleção de informantes em Banzaê, Bahia, 27/09 a

01/10/2004. Plano A: Aldeia indígena Kiriri, posto da FUNASA → cacique da tribo Kiriri

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(referee 1) ⇒ localidade conhecida como Mirandela → índio kiriri (referee 2) ⇒ Fazenda

Soturno (Banzaê) → agricultor (informante e mateiro) ↔ novo registro de guigó.

Exemplo 2: Processo de seleção de informantes em Itambé, Bahia, 15/01/2005.

Plano E: Hotel Rio Pardo, Município de Itambé → comerciante (referee 1) ⇒ localidade

conhecida como Jussara → agricultora (referee 2) ⇒ interior de Jussara → agricultor

(referee 3 = paraninfo) ⇒ ainda no interior de Jussara → caçador e madeireiro

(informante) ↔ relatou com detalhes o desaparecimento local do guigó-da-caatinga,

ocorrida há cerca de 30 anos.

3. Resultados

3.1 Perfil dos informantes

Os resultados apresentados a seguir se referem exclusivamente aos informantes, não

tendo sido analisadas informações sobre referees e paraninfos. Para a realização dos testes

estatísticos os dados absolutos foram transformados em arco-seno da raiz quadrada, visando

aproximar a distribuição da normalidade. O nível de significância utilizado foi de 0,05.

Em geral, os informantes selecionados consistiram de homens (96%), agricultores

(77%), tendo, em média 55 anos (idade mínima = 18; máxima = 73). A maior parte residia

por toda a vida nas localidades onde viviam e a respeito das quais foram entrevistados

(76%). Os demais (24%) vieram de localidades próximas àquelas sobre as quais foram

entrevistados (no mesmo município) e já estavam ali em média há 24,12 anos (tempo

mínimo = 7; tempo máximo = 73 anos).

Nas áreas com guigó foram selecionados 37 informantes, sendo 97% homens, com

idade média de 49 anos, dos quais 46% eram agricultores e 83% passaram toda a sua vida

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nas localidades em que nasceram. Já nas áreas sem guigó foram selecionados 87

informantes, sendo 95% homens, com idade média de 53 anos, sendo 44% agricultores e

64% passaram toda a sua vida nas localidades de nascimento. O perfil dos informantes nas

áreas com e sem guigó foi semelhante, quanto à idade (ANOVA um critério, GL = 1; F =

1,49; p < 0,5) e ao tempo de residência (ANOVA um critério, GL = 1; F = 1,29; p < 0,5),

não tendo diferido significativamente.

As principais ocupações profissionais dos informantes são demonstradas na Figura

20.

agricultor não informado vaqueiro caçadorfazendeiro outros cacique pistoleiro

Figura 20: Ocupação profissional dos informantes nas áreas onde foi registrado o

gugó-da-caatiga (n=37)

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3.2 Padrões de uso da terra

Os dados que apresentarei a seguir foram obtidos através de entrevistas com

fazendeiros ou capatazes das fazendas visitadas. Analisei um questionário para cada

propriedade (N = 112). As percentagens apresentadas se referem a este total. Houve

propriedades visitadas sobre as quais não foi possível obter informações acerca do uso da

terra (N = 15). As categorias de manejo não são mutuamente exclusivas, isto é, numa

mesma propriedade pode ser realizado pecuária e cultivo de feijão, por exemplo.

Nas fazendas sem guigó a agricultura é a forma mais freqüente de uso da terra (N =

75). Somando-se as percentagens de propriedades em que se cultiva feijão, milho e

mandioca, se chega a 50%, contra 15% daquelas onde a pecuária foi a atividade

predominante. Nas outras propriedades (35%) predominam manejos diversos como a

fruticultura (melancia, melão, manga), o cultivo de mamona, as plantações de cizal, a

mineração e a criação de caprinos ou ovinos (Figura 21).

Nas áreas com guigó (N = 37) a agricultura também foi à atividade predominante

(56%), porém a pecuária passou a ter maior importância, chegando a 28%. Em 16% das

propriedades os usos são diversos, tais como cultivo de palma (uma cactácea), criação de

bode e ovelha, plantio de mamona, cultivos de café, floricultura e de avelós (Figura 22).

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feijão milho cultivos diversospecuária fruticultura outros animaismandioca mamona não agrícolacizal

Figura 21: Uso da terra nas áreas onde não foi registrado o guigó-da-caatinga (n=75)

pecuária milho feijãomandioca cultivos diversos outros animaissem uso mamona

Figura 22: Uso da terra nas áreas onde foi registrado do guigó-da-caatinga (n=37)

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Enquanto a mandioca normalmente é plantada para a subsistência, o milho e a

palma são cultivados em função da pecuária. O feijão, por sua vez, é plantado visando à

venda, embora também seja consumido pelos agricultores. O óleo de licuri (Syagrus

coronata (Mart.) Becc., Palmae) é obtido de modo extrativista e tem valor como

mercadoria de troca, além de ser vendido nas feiras locais.

Segundo os informantes, é comum haver contato entre as plantações e as áreas onde

os guigós vivem, entretanto não houve relatos de que os primatas se alimentem dos

cultivos.

Os padrões de uso da terra nas fazendas em que o guigó-da-caatinga ocorre e não

ocorre foram significativamente diferentes (ANOVA um critério, GL = 1; F = 7,24;

p=0,01). Esta diferença está associada principalmente a: 1) Predomínio dos cultivos de

feijão, milho e mandioca nas propriedades sem guigó; 2) Maior diversificação dos tipos de

uso da terra nas áreas sem guigó (mineração, cultivo de sisal, fruticultura); 3) Maior

importância da atividade pecuária nas propriedades com guigó do que nas áreas onde o

primata já desapareceu.

3.3 Tamanho das propriedades

As informações sobre tamanho de área do presente trabalho foram obtidas através

de entrevistas. Para a análise utilizei somente os dados de propriedades sobre as quais os

proprietários ou informantes alegaram ter certeza do tamanho. De acordo com este critério,

de 124 entrevistas analisadas, avaliei o tamanho de 44 (N = 25 áreas com guigó e N = 19

áreas sem guigó).

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Como o tamanho das áreas de reserva legal muitas vezes era desconhecido pelos

proprietários ou informantes, utilizei o tamanho total das fazendas. Na grande maioria das

vezes, quando o informante não relatava a presença do guigó também não havia fragmento

a ser verificado. Não houve registro de guigó nas áreas em que os informantes disseram não

haver os animais.

O tamanho médio das propriedades com guigó foi de 2.294,4 ha (±3.106,5) e o das

propriedades sem guigó foi de 1.181,2 ha (±1.594,03). Não houve correlação positiva entre

o tamanho das fazendas (ha) e a presença do guigó (Correlação Linear de Pearson, r = 0,2,

GL = 17, p<0,05).

3.4 Acordos de caça e fiscalização

Observei na região da área de estudo que os próprios caçadores fazem a fiscalização

das áreas onde caçam, contando para isso com o apoio dos proprietários. Quando há na

propriedade uma pequena serra, por eles chamada “serrote” (Figura 23), pode haver um

acordo oral entre o proprietário e o caçador, no sentido de que o caçador utilizará o serrote

como seu território, visando satisfazer as necessidades alimentares da sua família, mas, em

contra partida, zelará pela área, evitando que o recurso seja levado ao esgotamento por

outros caçadores, posseiros ou madeireiros.

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Figura 23: “Serrote” defendido por um caçador-fiscal próximo à Amargosa, Bahia,

06/04/2005

Registrei acordos dessa natureza nas seguintes localidades: Serra de Minuim

(09º50'07,8"S, 38º04'36,9"W; altitude 299 m), Serra de Casa Nova de Ichu (11º46'24,4"S,

39º13'36,3"W; altitude 241 m), Serra de Boa Vista do Tupim (11º56'10,0"S, 39º02'07,2";

altitude 237 m), Serra de Itiúba (10º41'45,2"S, 39º51'12,6"W; altitude 379 m) e Serra da

Cana Brava (09º44'24,6"S, 39º37'47,7"W; altitude 568 m).

Os animais mais caçados, segundo os caçadores-fiscais entrevistados (N = 5), são os

seguintes mamíferos: o mocó (Kerodon rupestris) os veados (Mazama americana e M.

gouazoubira), os tatus (Dasypus novemcinctus, Dasypus septemcinctus), o peba

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(Euphractus septicinctus), a paca (Agouti paca) as cutias (Dasyprocta prymnolopha e

Dasyprocta sp.), o tapiti (Sylvilagus brasiliensis) e o catitu (Tayassu pecari).

Segundo os caçadores, entre os primatas, o guariba (Alouatta caraya), que ocorre

nas áreas de transição entre a Caatinga e o Cerrado, em matas de galeria, foi amplamente

caçado no passado para a alimentação. Hoje é muito difícil encontrar grupos de guaribas

naquela região. Já o guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae), o macaco prego (Cebus

xanthosternos) e os micos (Callithrix penicillata e Callithrix jacchus) não são espécies

perseguidas pelos caçadores, segundo os informantes.

4. Discussão

4.1 Sobre o processo seletivo, o perfil dos informantes e o conhecimento ecológico local

Segundo Davis e Wagner (2003), informantes em geral são pessoas com

conhecimento acima da média no assunto que se deseja abordar (em relação aos membros

da sua comunidade), com boa memória e razoável capacidade de comunicação. Ainda de

acordo com estes autores, informantes muitas vezes também podem ser pessoas bem

relacionadas nas comunidades, devido a sua experiência, ao prestígio decorrente do

conhecimento que detêm, ou ambos. No presente estudo observei, porém, que durante o

processo seletivo é importante estar atento para não confundir prestígio com conhecimento.

Por exemplo, nas tribos Indígenas Kiriri (em Banzaê, Bahia) e Caimbé (em Massacará,

Bahia), os caciques foram apontados como informantes devido a sua influência nas

comunidades, embora os pagés detivessem mais conhecimento sobre a fauna do que eles.

Vaqueiros são bons informantes, conhecem bem suas regiões, têm boa capacidade

de identificação de fitofisionomias e conservam um sistema de conhecimento ecológico

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local a respeito da caça e medicina tradicional (esta última compreende o uso de plantas e

animais medicinais). Entre os animais medicinais está o guigó-da-caatinga (C.

barbarabrownae), cuja carne foi utilizada para o tratamento do sistema nervoso num

passado recente (até a década de 1970, segundo os informantes). A grande quantidade de

comerciantes entre os entrevistados se deve aos donos de bares, que centralizam

informações e atuaram indicando informantes. Os caçadores e traficantes de animais

silvestres são informantes e mateiros altamente qualificados, porém, devido ao caráter

ilegal das suas atividades, é difícil convencê-los a atuarem como colaboradores. Os

caçadores são também madeireiros e pelo exercício desta segunda atividade, mais do que

pela primeira, temem ser punidos.

Assim como o conhecimento acadêmico, o conhecimento ecológico local (CEL)

deve formar um sistema de aprendizados e know-how que surge através do tempo, de

experiências individuais compartilhadas, de observações mediadas pela cultura, pelos

fatores ambientais, atributos comportamentais e dinâmicas ecológicas (Davis & Wagner,

2003). Por ser um sistema, o CEL deve estar na mente e surgir das experiências e

observações de mais de uma pessoa, além do informante selecionado (Davis & Wagner,

2003). Dentro desta abordagem, o saber tradicional a respeito da fauna local, entre os

sertanejos, demonstrou ser um caso de CEL, principalmente no que tange à caça e ao uso

medicinal das plantas e animais. Este conhecimento pertence a uma tradição oral masculina

e tem implicações diretas e indiretas sobre a conservação de várias espécies ameaçadas,

incluindo o guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae).

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4.2 Considerações sobre os padrões de uso da terra

A superexploração da pecuária tem levado à descaracterização paisagística e ao

esgotamento do solo, que resulta erosão. Segundo os informantes entrevistados na região de

Cícero Dantas (n = 4), entre 1970 e 1990, mais de 10 espécies de capim, a maioria de

origem africana, foram introduzidas na Caatinga visando aumentar a produtividade dos

campos.

Segundo Drumond et al. (2004) a pecuária atualmente desenvolvida na Caatinga é

insustentável e os fatores que limitam sua sustentabilidade, considerando aspectos

ecológicos e econômicos são: a) baixo nível de capacitação gerencial dos produtores rurais,

debilidade organizativa e acesso limitado ao crédito e aos serviços de assistência técnica e

de extensão rural; b) condições de semi-aridez predominante nas áreas de Caatinga,

associadas às irregularidades das chuvas; c) baixa produtividade devido à qualidade

genética inferior dos rebanhos. Inclua-se aqui ainda o superpastoreio, causado pela ausência

de práticas de rotação de piquetes.

Ainda segundo Drumond et al. (2004), a agricultura na Caatinga vem de uma

ocupação territorial desordenada e impactante em razão da falta de tradição e planejamento,

o que dificulta a reordenação dos espaços. Tal uso da terra é uma ameaça à biodiversidade

regional devido aos seguintes fatores: a) agricultura migratória; b) sistemas de produção de

limitada eficiência, apresentando níveis de produtividade aquém dos seus potenciais; c)

baixo nível de capacitação gerencial e tecnológica do produtor; d) debilidade acentuada na

organização profissional e social do produtor; e) acesso precário aos meios de produção,

especialmente ao crédito; f) assistência técnica quanti-qualitativamente deficientes; g)

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pouca ou nenhuma integração entre os distintos segmentos da cadeia produtiva; h) políticas

públicas ausentes ou pouco adequadas para os diversos segmentos.

De acordo com as observações de campo do presente trabalho e dados sócio-

econômicos publicados (Campos et al., 2004; IBGE, 2005), a agricultura e a pecuária na

Caatinga baiana, ao longo da extensão de ocorrência do guigó, provavelmente são sistemas

de produção sem regulação externa e auto-regulação. Sinaliza para esta direção o fato de

que os três fatores de auto-regulação propostos por Berkes (1985) foram violados: 1) a

produção em grande escala é priorizada em detrimento da produção para a sobrevivência;

2) a população da Caatinga cresce devido à urbanização das zonas rurais, que acarreta

queda na mortalidade infantil e aumento na expectativa de vida (Maricato & Tanaka, 2006);

3) a tecnologia (insumos, inseminação artificial) permite aumentar a capacidade de carga

dos campos (cabeças de gado por hectare) e a produtividade (grãos por hectare).

Há muito tempo a paisagem da Caatinga vem sendo convertida em pastagens e

cultivos (Cunha, 1901; Coimbra-Filho & Câmara, 1996), o que está levando ao

esgotamento os recursos naturais de uso comum, tais como a água, o solo e as caatingas

arbóreas. Em 1996 as pastagens plantadas na Bahia já ocupavam 6.652.954,58 ha,

envolvendo a mão de obra de 2.112.303 pessoas maiores de 14 anos (IBGE, 2005). A

tecnologia visando o incremento da produtividade tem levado à rápida ampliação da

fronteira agro-pecuária ao longo da extensão de ocorrência do guigó-da-caatinga.

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4.3 Sobre o tamanho das propriedades, a presença do guigó e a dinâmica do uso do

solo

Em que pese seu efeito deletério sobre a paisagem, a pecuária provavelmente é mais

compatível com a presença do guigó-da-caatinga do que a agricultura. Uma explicação

possível para isto é a seguinte: fazendas com guigós tendem a ser maiores do que aquelas

sem guigós e nas grandes fazendas a atividade econômica predominante é a pecuária.

Provavelmente as grandes fazendas possuem reservas legais maiores do que as pequenas e

a pecuária requisita novas áreas mais lentamente do que a agricultura.

Nas áreas onde o guigó-da-caatinga já desapareceu, entretanto, predominam

fazendas menores e com cultivos, principalmente de feijão, milho e mandioca, indicando

que o atual sistema de produção agrícola está levando à derrubada de caatingas arbóreas

para o plantio. Corrobora esta idéia o fato de que nas fazendas sem guigós o uso da terra é

mais diversificado do que nas fazendas onde a espécie ocorre.

Porém, nas mesmas fazendas onde se cria gado se realiza agricultura. O sistema é

dinâmico e a tendência é de que as grandes fazendas sejam desmembradas entre herdeiros

(minifundização) ou ocupadas pelos movimentos sociais de sem-terra e depois divididas em

pequenos lotes. Como o modelo de pecuária da Caatinga é dependente do latifúndio, a

divisão da terra pode levar à priorização da agricultura, o que acarretaria o desaparecimento

das caatingas arbóreas e a extinção do guigó-da-caatinga.

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4.4 Sobre os acordos de caça e fiscalização

A caça na Caatinga provavelmente desempenha um importante papel na

complementação alimentar protéica das famílias. A caça é proibida no Brasil, exceto àquela

para a subsistência (Lei Federal 9605/98). Mesmo sendo sua atividade de caça diretamente

ligada à sobrevivência, os sertanejos têm receio de falar sobre este assunto com pessoas de

fora das comunidades. Resulta que as informações acerca desta importante atividade são de

difícil obtenção, sendo necessário adquiri-las mais através da observação do que de

entrevistas formais.

Os acordos de caça e fiscalização podem estar garantindo uma auto-regulação da

caça em algumas regiões da Caatinga, ou seja, uma regulação da exploração do recurso

feita pela comunidade local, através de práticas de manejo culturalmente enraizadas

(Berkes, 1985). Um sistema de auto-regulação pode evitar a situação conhecida como

tragédia dos comuns (Hardin, 1968). A tragédia dos comuns ocorre quando, num contexto

de liberdade total de acesso aos recursos, o crescimento demográfico e a falta de

planejamento levam ao esgotamento dos estoques (Hardin, 1968; Burke, 2001).

Porém os acordos de caça e fiscalização só podem funcionar em condições de baixa

densidade demográfica, como é o caso da zona rural baiana, que tem valores abaixo de 50

hab/km2 (Sampaio & Batista, 2004). O guigó-da-Caatinga é uma espécie que pode estar

sendo beneficiada por tais acordos, por não ser atualmente perseguida por caçadores.

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4.5 O paradoxo sócio-ambiental da Caatinga

A Caatinga é um dos biomas mais ameaçados do Brasil (TNC do Brasil, 2004;

Castelletti et al., 2004); esta degradação, entretanto, feita em nome do desenvolvimento,

não trouxe bem estar ao seu povo, que é um dos mais miseráveis do planeta (Sampaio,

2002).

O Índice Municipal de Desenvolvimento Humano (IDH-M) é um meta índice que

relaciona outros três: longevidade (com base na esperança de vida ao nascer); educação

(baseado na taxa de analfabetismo e número médio de anos de estudo) e renda (a partir da

renda familiar per capta média). Os municípios são considerados como de baixo

desenvolvimento humano quando IDH <0,5; médio quando os valores se encontram entre

0,5 e 0,8 e alto quando IDH >0,8 (IBGE, 1996). Exceção feita a Feira de Santana (IDH =

0,644), todos os municípios da caatinga baiana têm IDH inferior a 0,5 (Sampaio & Batista,

2004). Ou seja, apesar de todo o impacto ambiental gerado pelos modos de produção na

Caatinga baiana nos últimos cinco séculos, a população local não foi beneficiada. Dito de

outra maneira, o custo ambiental do modelo atual, que inclui o desaparecimento do guigó-

da-caatinga em diversas localidades, não foi compensado por um benefício social.

Os sistemas de auto-regulação são vulneráveis a três fatores (Berkes, 1985): 1)

perda do controle comunitário dos recursos; 2) rápido crescimento populacional; 3) rápida

mudança tecnológica na forma de exploração. Por sua vez, três premissas são necessárias

para que a tragédia dos comuns ocorra (Hardin, 1968; Redclift, 1987; Martinez-Alier,

1994): 1) os usuários devem colocar os interesses pessoais acima dos coletivos; 2) a taxa de

exploração do recurso deve ser superior à taxa de reposição (ou: o impacto sobre o

ecossistema deve ser maior do que a sua capacidade de resiliência); 3) o recurso deve ser de

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livre acesso aos interessados. Na Caatinga baiana a sustentabilidade do processo econômico

foi perdida porque além dos fatores de auto-regulação terem sido violados, as premissas

para que a agricultura e a pecuária sejam enquadradas no modelo tragédia dos comuns já

foram satisfeitas. São indicadores deste processo os seguintes fatos: 1) cada proprietário

procura aumentar seus ganhos exponencialmente; 2) não se leva em conta a capacidade de

suporte das pastagens e não se busca prolongar a produtividade das terras aradas; 3) não há

qualquer tipo de planejamento ou de controle do governo no sentido de garantir que as

áreas de pastagens tenham um período de recuperação, nem políticas de financiamento para

a correção dos solos arados; 4) não há fiscalização sobre as áreas de caatinga arbórea que

estão sendo queimadas ou derrubadas para dar lugar a novas pastagens e cultivos.

Sendo assim, do ponto de vista da sustentabilidade econômica, social e ecológica, o

modelo de uso da terra atualmente praticado na Caatinga baiana está comprometido.

Somente com planejamento de longo prazo e grandes investimentos financeiros poderia

haver a conversão para outro modelo, dentro de 15 ou 30 anos. Estas mudanças são cruciais

para a conservação de espécies criticamente ameaçadas de extinção, em especial para o

guigó-da-Caatinga, cuja presença não foi registrada em unidades de conservação.

5. Reavaliação do status de conservação do guigó-da-caatinga

5.1 Contextualização do problema

Apesar da mastofauna da Caatinga ter sido tradicionalmente vista como

depauperada ou como um subconjunto da fauna do Cerrado, um levantamento feito a partir

de referências bibliográficas com informações geográficas e de espécimes depositados em

museus apontou a existência de 148 mamíferos naquele bioma, sendo dez destas espécies

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endêmicas (Ministério do Meio Ambiente, 2002). Entretanto, a Caatinga carece de um

planejamento estratégico permanente e dinâmico, com o qual se possa evitar a perda da

biodiversidade do bioma (Drumond et al., 2004).

Subpopulações são definidas como grupos geograficamente ou de alguma forma

distintos na população, entre os quais há pouca troca genética ou demográfica (IUCN,

2001). A conservação de subpopulações de espécies em situação tais como a que se

encontra o guigó-da-caatinga (C. barbarabrownae) depende da produção de informação

científica básica, principalmente quanto ao seu mapeamento, e também da participação

efetiva de diferentes setores da sociedade.

Quanto mais os problemas adquirem uma dimensão técnica, tanto mais escapam à

competência dos cidadãos em proveito dos experts; quanto mais os problemas de

civilização se tornam políticos, tanto menos os políticos conseguem integrá-los em sua

linguagem e em seus programas (Morin & Kern, 1995). Enquanto especialistas, precisamos

produzir conhecimento sobre os grandes problemas (tais como a perda da diversidade

biológica) e, simultaneamente, torná-lo acessível aos tomadores de decisão e ao maior

número possível de cidadãos, visando estimular as mudanças necessárias no quadro atual.

Este é um dos maiores desafios da Ciência para o século XXI.

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5.2 Tipificação da ameaça (Quais as principais ameaças à espécie?)

5.2.1 As queimadas: passivo ambiental de um manejo primitivo

As queimadas não são mais uma prática tão comum na Caatinga quanto o foram no

passado. A razão para isso é simples: não há mais o que queimar. Caatingas arbóreas e

matas orográficas estão sendo carbonizadas há mais de 400 anos. Segundo Cunha (1901), o

hábito de queimar o mato para produzir novas áreas de roça foi herdado dos silvícolas pelos

colonizadores, do que não deixa dúvidas a etimologia da palavra caapuera, que em Tupi

significa “mato extinto”. Segundo o mesmo autor, em 1713 o governo colonial já tentava,

através de sucessivos decretos, colocar fim às queimadas. Mais de 80 anos depois, uma

carta régia de 1796 nomeou um juiz conservador de matas e um decreto de 11/06/1799

coibia “a indiscreta e desordenada ambição dos habitantes (da Bahia e Pernambuco) que

têm assolado a ferro e fogo preciosas matas que tanto abundavam e já hoje ficam a

distâncias consideráveis” (Cunha, 1901, p.81). Ainda mais antigas são as referências sobre

o início da pecuária no nordeste, que datam de 1559, por iniciativa de Tomé de Souza

(Coimbra-Filho & Câmara, 1996). Desde aquela época florestas vem sendo queimadas para

dar origem às pastagens. Segundo Drumond et al. (2004), toda a ocupação do bioma

Caatinga se deu através da formação de currais de gado em torno das margens do rio São

Francisco e seus afluentes, de onde se conclui que as matas ciliares da Caatinga estão sendo

derrubadas desde os períodos mais remotos da história do Brasil.

Embora não sejam mais prática recorrente, as queimadas em pequena escala ainda

são realizadas visando conquistar novas áreas para a pecuária e a agricultura. Além disso,

ao longo de toda a Caatinga baiana é evidente o passivo ambiental gerado pelo fogo, que

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alterou para sempre os padrões de distribuição de C. barbarabrownae e de muitas outras

espécies da fauna e da flora.

5.2.2 Desmatamento para o sistema agropastoril

O desmatamento associado ao sistema agropastoril é o principal problema

enfrentado pelo guigó-da-caatinga. A agricultura é a atividade econômica mais importante

nas áreas nas quais o guigó desapareceu recentemente. As propriedades com predomínio da

pecuária são maiores e têm, provavelmente, maiores reservas legais, favorecendo a

sobrevivência da espécie. Entretanto, isto não é uma regra para toda a extensão de

ocorrência do guigó. Na região de Jeremoabo, Cícero Dantas, Antas, Sitio do Quinto, as

caatingas arbóreas ainda hoje estão sendo derrubadas para dar lugar a pastagens.

O ciclo de produção de uma gramínea africana introduzida na Caatinga é um bom

exemplo de manejo insustentável de pastagens. Trata-se de um capim ironicamente

conhecido como “sempre-verde” ou colonião (Panicum maximum Jacq.). Ele rapidamente

origina um pasto verdejante e de alta produtividade. Porém, em dois ou três anos o solo se

esgota e o sempre-verde fica amarelo. Os vaqueiros são forçados a queimar novas áreas de

caatingas arbóreas ou as derrubam para plantá-lo novamente. Observe-se que o problema

está mais ligado ao manejo inadequado do que à introdução da espécie em si.

Como afirmam Coimbra-Filho e Câmara (1996), a associação entre desmatamento e

seca é tão estreita que a destruição das matas ripárias ao longo dos sucessivos séculos

provavelmente mudou o regime hídrico de muitos corpos d’água, passando-os de perenes a

sazonais.

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Hoje o desmatamento está localizado principalmente em áreas ocupadas pelo

Movimento dos Sem Terra (MST) e outras organizações associadas à reforma agrária (um

informante ligado ao MST relatou que pelo menos cinco grupos diferentes de agricultores

disputam a posse da terra na Caatinga baiana). Grandes latifúndios tinham grandes reservas

legais e, uma vez desapropriados, passam a ser divididos em pequenos lotes (de 15 ou 20

ha), o que acarreta fragmentação florestal. Mesmo que cada família cumpra a legislação e

conserve uma área de reserva legal, ela será pequena, proporcional ao tamanho dos lotes.

Além disso, antes de serem assentados (o assentamento pode levar anos), os agricultores,

que vivem em precários acampamentos, caçam para comer e desmatam para construir e

obter lenha.

5.2.3 Urbanização da zona rural dos municípios

A urbanização da zona rural dos municípios é outra força poderosa no cenário da

extinção do guigó-da-caatinga. Aglomerações de moradias surgiram em fazendas,

originando arraiais e vilas, que se tornaram distritos de municípios e posteriormente se

emanciparam. Os principais incentivos para a urbanização do meio rural baiano são: 1) o

aumento da arrecadação municipal que surge após a mudança do regime de ocupação do

solo de rural para urbano, através da cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano

(IPTU) e 2) a possibilidade de criar novos empregos públicos em prefeituras, câmaras de

vereadores, etc. Em termos ambientais, entretanto, a urbanização da Caatinga tem sido um

desastre. A perda da área rural dos municípios é hoje um dos principais fatores no cenário

de extinção do guigó-da-caatinga (Printes & Rylands, no prelo). Ela leva à degradação do

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solo disponível para as atividades primárias e ao desaparecimento das caatingas arbóreas,

normalmente localizadas nas reservas legais das propriedades. O desmatamento associado

ao processo de urbanização do solo rural inclui suprir à demanda por moradia. Outros

efeitos da urbanização sobre os primatas são os atropelamentos, a predação por cães e os

choques elétricos (Printes, 1999; Lokschin et al., no prelo).

Grandes municípios tinham grandes áreas rurais que estão sendo sucessivamente

fragmentadas para a criação de pequenos municípios. Lamarão, a localidade tipo do guigó-

da-caatinga, é um bom exemplo: emancipou-se de Serrinha em 1962 e em 2000 tinha 9523

habitantes. A prefeitura é o maior empregador do município, que não possui hospital e tem

apenas uma escola de nível médio. Além de Lamarão, em menos de 40 anos, Serrinha teve

seu território fragmentado em mais quatro municípios: Barrocas, Biritinga, Teofilândia e

Araci. A região metropolitana de Serrinha já tinha, em 2005, cerca de 300.000 habitantes

(IBGE, 2005).

Assim como as espécies diferem grandemente em relação à sua inerente

suscetibilidade à extinção, a densidade humana ao longo da sua área geográfica também

pode influenciar seu grau de ameaça e deveria ser levada em conta quando se avalia o seu

status de conservação (Harcourt & Parks, 2003). No caso do guigó-da-caatinga as regiões

de maior densidade humana ao longo de sua extensão de ocorrência coincidem com regiões

onde a espécie se encontra em processo de desaparecimento ou desapareceu recentemente.

São exemplos Feira de Santana e Serrinha, este último o maior município próximo à

localidade tipo. Harcourt e Parks (2003) sugerem que a densidade humana na área

geográfica de espécies de primatas seja levada em conta pela IUCN (União Mundial de

Conservação) na avaliação do grau de ameaça das espécies. Em Porto Alegre, por exemplo,

os efeitos diretos da presença humana (tais como desmatamento e caça) ou indiretos

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(atropelamento, predação por cães e choques na rede elétrica) estão levando ao rápido

declínio a população local do bugio-ruivo (Alouatta clamitans Cabrera, 1940)

(Romanowski et al., 1998; Printes, 1999). Este primata, entretanto, não é uma espécie

ameaçada nacionalmente (Machado et al., 2005).

5.2.4 O guigó-da-caatinga: uma espécie fora da malha de áreas protegidas

Apesar de a Caatinga ser um bioma exclusivamente brasileiro que ocupa 11,67% do

território nacional (incluindo áreas de transição para outros biomas), apenas 3,56% estão

protegidos por unidades de conservação e destes somente 0,87% são de proteção integral

(TNC do Brasil, 2004).

O guigó-da-caatinga normalmente está localizado em reservas legais de fazendas e

“matas de cabeceira”, conservadas para proteger as nascentes, muito antes da existência do

Código Florestal (Lei Federal 4771/65) e do Sistema Nacional de Unidades de Conservação

(Lei Federal 9985/2000).

A espécie não foi registrada dentro de unidades de conservação. Entretanto, foi

encontrada numa propriedade confrontante ao Parque Nacional da Chapada Diamantina

(distante 10 km do Parque), em simpatria com outro primata criticamente ameaçado de

extinção, o macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus xanthosternos) (Fazenda Trancada II,

Andaraí, 12º57'56,30", 41º14'27,90"W; altitude 708 m). Naquela mesma região, ao norte da

Chapada Diamantina, perto de Morro do Chapéu, ficam a Área de Proteção Ambiental

Marimbus/Iraquara e a Área de Proteção Ambiental Gruta dos Brejões/Vereda do Romão

Gramacho (tabela 12, Figura 24). Os guigós também foram registrados a 15 km dos limites

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do Parque Estadual das Sete Passagens (Fazenda Junco, localidade de Maxixi, Miguel

Calmon, 11º29'28"S, 40º41'45"W; altitude 656 m).

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Figura 24: Carta das unidades de conservação do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os círculos verdes correspondem às unidades próximas às quais houve registro do guigó-da-caatinga

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Houve relatos de ocorrência de guigós a menos de 10 km dos limites deste parque

estadual, porém a presença da espécie não foi confirmada através de play-backs ou

visualização. A espécie foi registrada em território indígena Kiriri (localidade de

Mirandela, Banzaê, 10º39'39,60"S, 38º37'53,10"W; altitude 300 m), numa área de cerca de

12.000 ha.

A distância média dos registros de C. barbarabrownae, em linha reta, até a unidade

de conservação mais próxima, foi de 34,53 km (desvio padrão: 17,63). As distâncias foram

medidas por satélite, utilizando os programas Track Macker e Google Earth, a partir dos

registros obtidos em campo com um GPS modelo Etrex venture® (datum: SAD 69). Isto

evidencia uma situação difícil em termos de conservação, por que além de a espécie estar

criticamente ameaçada não foi contemplada pelo sistema brasileiro de áreas protegidas.

A grande maioria das unidades de conservação citadas na tabela 12 não foram

encontradas de fato, pois não passaram do decreto de criação. A única realmente

implementada, com uma gerência e um plano de manejo em construção, é o Parque

Estadual das Sete Passagens.

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Tabela 12: Distâncias do registro da espécie em linha reta até a unidade de conservação

mais próxima (média: 34,53 km; desvio padrão: 17,64).

Unidade de conservação Distância em km Registro mais próximo

REBIO Maracás 45 Marcionílio Souza PARNA Chapada Diamantina 10 Lençóis PARNA Chapada Diamantina 30 Wagner PE Morro do Chapéu 36 Miguel Calmon PE Sete Passagens 15 Miguel Calmon PM Mucugê 22 Andaraí

MN Cachoeira do Ferro Doido 32 Morro do Chapéu

FLONA Contendas do Sincorá 55 Contendas

RPPN Faz. Córrego dos Bois 20 Lençóis

RPPN Faz. Pouso das Garças 27 Cícero Dantas

RPPN Faz. Adílio P. Batista 81 Marcionílio Souza

APA Lagoa Itaparica 53 Gentio do Ouro

APA Gruta dos Brejões 25 Saúde

APA Marimbus/Iraquara 26 Morro do Chapéu

ARIE Serra do Orobó 41 Baixa Grande

Siglas: Unidades de conservação de proteção integral: REBIO = Reserva Biológica; PARNA = Parque Nacional; PE = Parque Estadual; PM = Parque Municipal. Unidades de conservação de uso sustentável: MN = Monumento Natural; FLONA = Floresta Nacional; RPPN = Reserva Particular do Patrimônio Natural; APA = Área de Proteção Ambiental; ARIE = Área de Relevante Interesse Ecológico (categorias de acordo com a Lei Federal nº 9985/2000, artigos 7º a 21, regulamentada pelo Decreto nº 4340/02).

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Em relação à flora oficialmente ameaçada do Estado da Bahia (Portaria Normativa

do IBAMA nº 37/1992 e Resolução nº 1009/1994 do CEPRAM), observa-se que os

registros de ocorrência do guigó-da-Caatinga coincidem com a distribuição atual de seis

espécies arbóreas (Figura 25): braúna (Schinopsis brasilensis), angico (Anadenanthera

macrocarpa), aroeira (Astronium arundeuva), gonçalo alves (Astronium fraxnifolium),

quixabeira (Burnelia obtusifolia) e lelia-da-Bahia (Laelia grandis).

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Figura 25: Carta da flora ameaçada do Estado da Bahia (SEI, 2003). Os ícones verdes

representam as espécies arbóreas ameaçadas ao longo da extensão de ocorrência do guigó-

da-caatinga.

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5.3 Tamanho mínimo estimado da população

O tamanho estimado da população leva em conta o número de indivíduos

conhecidos, estimados ou inferidos que estão maduros e aptos à reprodução (IUCN, 2001).

No presente estudo foi considerado somente o número de indivíduos conhecidos.

Ao todo foram feitos 38 novos registros da espécie e o número total de indivíduos

vistos foi 51. Considerando que os grupos de Callicebus são unidades familiares

normalmente formadas por 4 indivíduos (um casal, um filhote nascido no ano anterior e um

filhote recente) (Hershkovitz, 1988a; Defler, 2003), se cada indivíduo visto corresponder a

um grupo, teremos 51 × 4 = 204 indivíduos. Este é o tamanho estimado da população

somente a partir do número de indivíduos vistos.

O total de registros auditivos foi 14. Considerando que cada registro auditivo

corresponda a pelo menos um grupo, e utilizando a mesma média de quatro indivíduos por

grupo, teremos 14 × 4 = 56 indivíduos. Somando esta estimativa de indivíduos ouvidos

àquela de indivíduos vistos, teremos: 204 + 56 = 260 indivíduos. Este é o tamanho total

estimado da população.

Provavelmente essa é uma subestimativa, pois havia mais indivíduos do que aqueles

avistados e, muitas vezes, mais de um grupo vocalizava simultaneamente num fragmento,

embora não fosse possível determinar quantos. Também deve ser assumida uma margem de

erro para o método de seleção de informantes e para a localização dos animais através de

play-back. Outro ponto a ser considerado é que um levantamento desenvolvido numa escala

menos ampla poderia ter aumentado o número de registros em algumas regiões dentro da

extensão de ocorrência.

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O tamanho efetivo da população (Ne) é o número de indivíduos aptos a conservar a

espécie através da reprodução (Chepko-Sade et al., 1987). Da mesma forma, o conceito de

tamanho estimado da população da IUCN (2001) leva em conta apenas o número de

indivíduos sexualmente maduros. No caso do guigó-da-caatinga, há apenas um casal

reprodutivo por grupo (Hershkovitz, 1988 a). Pode-se, então, inferir que são 260/4 = 65

grupos; considerando um casal por grupo, serão 65 × 2 = 130 indivíduos. Este é o tamanho

efetivo da população. Entretanto, não há uma população efetiva devido a distribuição

espacial dos animais, que estão dispersos ao longo de 291.438 km2 de hábitats severamente

fragmentados. A expressão severamente fragmentado se refere à situação na qual o risco de

extinção do táxon aumenta como resultado do fato de que a maioria dos seus indivíduos são

encontrados em pequenas e relativamente isoladas subpopulações, que podem se extinguir

com reduzida probabilidade de recolonização (IUCN, 2001).

Além de ser remota a probabilidade dos indivíduos de diferentes subpopulações de

C. barbarabrownae se encontrarem para a reprodução, o potencial reprodutivo dentro de

cada subpopulação também é preocupante, pois: 1) Segundo Defler (2003), o afeto entre os

membros dos grupos de Callicebus, especialmente o casal, pode ser um dos mecanismos

que permitem manter unida a identidade grupal, aparentemente até a morte de um dos

membros. Considerando que a espécie é monógama, naquelas subpopulações em que a

proporção entre machos e fêmeas se tornar desigual, o sistema social pode impedir que

alguns indivíduos fisiologicamente capazes se reproduzam. O efeito do número desigual na

razão sexual de espécies monógamas pode ser simulado trocando os valores da equação Ne

= 4NmNf/Nm+Nf, onde Nm = nº de machos e Nf = nº de fêmeas (Primack & Rodrigues,

2001). 2) Se ocorrer com Callicebus que ambos os sexos dispersem dos grupos de

nascimento na época reprodutiva, como é observado entre outros primatas monógamos e

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com cuidado parental paterno (Wrangham, 1980; Moore, 1983; Strier, 1997), então a razão

sexual nos grupos será próxima de 1:1, corroborando a importância da proporção sexual

sobre o comportamento reprodutivo; 3) os guigós se reproduzem somente uma vez por ano

(Hershkovitz, 1988a; Defler, 2003; este estudo). Flutuações ao acaso da densidade

demográfica ao longo das gerações podem levar as subpopulações à extinção, pois em um

único ano em que a subpopulação for drasticamente reduzida o valor de Ne poderá ser

substancialmente diminuído (Primack & Rodrigues, 2001).

5.4 C. barbarabrownae deve permanecer na categoria “criticamente em perigo”?

Das três regiões com o maior número de registros de guigó-da-caatinga, uma é

considerada de prioridade extrema para a conservação, a região do agreste, e outra de

informação insuficiente, a região da localidade tipo, de acordo com os critérios do

Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2002; Silva et al., 2004). A ocorrência da espécie

nesta segunda região corrobora a importância de incrementar o conhecimento atual sobre a

biodiversidade da Caatinga.

De acordo com os parâmetros aqui estimados (extensão de ocorrência, área de

ocupação, tamanho populacional mínimo e principais amaças à espécie) recomendo a

manutenção do guigó-da-caatinga na categoria criticamente em perigo.

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6. Recomendações para o manejo e conservação

Segundo Diegues (1996), há necessidade de se pensar vários tipos de sociedades

sustentáveis, ancoradas em modos particulares, históricos e culturais de relações com os

vários ecossistemas existentes na biosfera e dos seres humanos entre si. Sendo assim, se faz

urgente um projeto de desenvolvimento bioregional, adaptado à realidade da Caatinga, que

leve em conta suas vocações e limitações naturais. O desenvolvimento do semi-árido dentro

dos mesmos padrões de consumo dos grandes centros é uma falsa promessa que está

levando à destruição das caatingas arbóreas, ao desaparecimento do guigó-da-caatinga e de

toda a biodiversidade daquele importante bioma brasileiro.

A seguir apresent algumas recomendações no sentido de garantir a conservação do

guigó-da-caatinga.

6.1 Esclarecimentos aos sem-terra

Contatei algumas lideranças do Movimento dos Sem Terra (MST) na região do

recôncavo baiano, visando solicitar permissão para a realização da presente pesquisa nos

fragmentos ocupados. Após uma conversa a respeito dos problemas de conservação, os

líderes alegaram que a maior parte dos danos ambientais se deve ao desconhecimento da

legislação ambiental brasileira, por parte dos trabalhadores rurais. Quando questionados

sobre a possibilidade de ser realizado um trabalho de esclarecimento junto às comunidades

assentadas, as lideranças demonstraram interesse e se colocaram à disposição para o

detalhamento do projeto. Além do esclarecimento aos agricultores, que pode ser feito por

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estudantes universitários via projetos de extensão, pode haver um planejamento do desenho

dos lotes na planta do terreno, visando manter a conexão entre as áreas de reserva legal.

Para tanto, seria necessária uma parceria entre o INCRA (Instituto Nacional da Colonização

e Reforma Agrária) e o IBAMA.

6.2 Financiamento para a agricultura familiar

Caatingas arbóreas de várias regiões da Bahia poderiam ter sido conservadas se o

sertanejo soubesse fazer rotação de pastagens, calagem de solo e se tivesse apoio técnico-

financeiro para isso. O desenvolvimento da agricultura familiar na Caatinga ainda poderá

ocorrer se houver apoio dos governos federal e estadual. A conversão do sistema

agropastoril tradicional para um sistema de manejo de menor impacto é um processo lento,

que só terá sustentabilidade econômica em médio prazo.

Há regiões na Caatinga com lençol freático a menos de 40 metros de profundidade,

mas falta financiamento para o mapeamento e perfuração dos poços. Com irrigação muitas

propriedades poderiam até mesmo trocar a pecuária e a agricultura de alto impacto por

outras formas de manejo mais compatíveis com a conservação de caatingas arbóreas, tais

como os sistemas agro-florestais.

Outras sugestões são (Drumond et al., 2004): a) incentivo à captação de águas

pluviais para uso múltiplo; b) adotar manejo adequado da apicultura e estimular a utilização

sustentável de abelhas nativas; c) em relação ao desmatamento e à retirada de lenha:

incentivar o uso de outras formas de energia (solar, eólica, biodigestora, gás) e implantar os

planos de manejo em Florestas Nacionais e Áreas de Preservação Ambiental; f) estimular à

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implantação de criadouros de animais silvestres e de viveiros de plantas nativas para

consumo e comercialização.

Segundo Sampaio e Batista (2004), a exploração de recursos florestais atualmente

realizada na Caatinga não é sustentável por duas razões: 1) falta de desenvolvimento de

sistemas agroflorestais (SAFs) na região; 2) não cumprimento, por parte da população, da

reposição florestal obrigatória. Segundo os mesmos autores, a população desconhece o

benefício dos SAFs, o ensino das técnicas de produção no campo é voltado para o

monocultivo e faltam pesquisas que quantifiquem e qualifiquem as melhores alternativas

agroflorestais, por zona ecológica. Mesmo assim observei SAFs na caatinga (Fig. 26),

sugerindo que a partir de um maior estímulo esta possa se tornar uma alternativa para uso

sustentável do solo na região.

O objetivo a ser buscado é a conversão dos sistemas predatórios de produção em

sistemas agroecológicos, visando melhorar a qualidade da matriz.

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Figura 26: Sistema agro-florestal no entorno do Parque Estadual das Sete Passagens

(Miguel Calmon, Bahia): licuri, palma, mamona e abóboras cultivados em consórcio numa

área de meio hectare

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6.3 Manejo de unidades de conservação

Todas as unidades de conservação, estaduais ou federais, dentro da extensão de

ocorrência do guigó-da-caatinga, necessitam de intervenção urgente do governo do Estado

da Bahia e do governo federal. Apesar da espécie não ter sido registrada dentro de nenhuma

unidade de conservação, é necessário resolver sua situação fundiária e implementar seus

planos de manejo, considerando sua importância para outras espécies e para o bioma

Caatinga como um todo. Além disso, a espécie foi registrada na zona de amortecimento de

duas unidades de conservação (o Parque Nacional da Chapada Diamantina e a Floresta

Nacional de Contendas do Sincorá) e próxima ao Parque Estadual das Sete Passagens. A

zona de amortecimento das unidades de conservação está sujeita a regime especial de

ocupação do solo, a ser regulamentado via plano de manejo, de acordo com o Sistema

Nacional de Unidades de Conservação (Lei Federal 9985/2000).

A implementação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) pode,

em muitos casos, ser mais adequada do que a criação de unidades de conservação de

domínio público, principalmente quando já existe uma unidade de conservação pública na

região e é necessário intervir no seu entorno (Mesquita & Vieira, 2004). Porém contra esta

estratégia se interpõe a burocracia. Em Jeremoado, por exemplo, numa fazenda com cerca

de 5.000 ha onde o guigó-da-caatinga e a ararinha-azul-de-lear (Anodorhyncus leari) se

alimentam nos mesmos licuris (Syagrus coronata (Mart.) Becc.), o proprietário tentou criar

uma RPPN, mas desistiu frente às exigências do governo federal. As RPPN’s podem ser

úteis para unir fragmentos entre unidades de conservação de domínio público.

Outra questão importante se refere ao desconhecimento por parte de proprietários e

técnicos acerca da legislação vigente sobre RPPN’s. Por exemplo, o Roteiro Metodológico

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para a Elaboração de Plano de Manejo para Reservas Particulares do Patrimônio

Natural, documento publicado pelo Ministério do Meio Ambiente (IBAMA, 2004), previu

o zoneamento de RPPN’s em seis categorias de manejo (zonas silvestre, de proteção, de

visitação, de administração, de transição e de recuperação), visando flexibilizar o uso da

terra para motivar os proprietários a criarem novas unidades de conservação privadas.

Porém, poucos têm conhecimento disto e a idéia predominante é a de que não se pode fazer

nada numa RPPN. O mesmo desconhecimento ocorre em relação ao Decreto Federal nº

5.746/06, que facilitou algumas das antigas exigências feitas pelo Ministério do Meio

Ambiente aos proprietários interessados em constituir RPPN’s (Diário Oficial da União,

05/04/2006). São exemplos: a necessidade de indicar os proprietários anteriores, que passou

de 50 para 30 anos anteriores; não é mais exigido o georeferenciamento dos limites da

propriedade com GPS de estação fixa; foi permitida a construção de viveiros de mudas

nativas e a coleta de sementes dentro da área de RPPN; foi liberada a inclusão na RPPN de

áreas degradadas a serem recuperadas, com tamanho máximo de 1000 ha.

As universidades, principalmente as que estão localizadas no interior da Bahia,

como a Universidade Estadual de Feira de Santana, e os campi da Universidade Estadual da

Bahia, podem colaborar com os escritórios regionais do IBAMA e com os proprietários das

áreas, visando à criação de novas RPPN’s e a elaboração dos seus planos de manejo. Isto é

crucial, haja vista o importante papel das áreas particulares para a conservação do guigó-da-

Caatinga. Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas pelos proprietários hoje existem 11

RPPN’s oficializadas na Caatinga baiana. Com apoio do Ministério do Meio Ambiente e da

sociedade civil organizada, poderia ser estabelecida a meta de dobrar este número em cinco

anos, por exemplo.

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Em regiões onde há realmente a necessidade de estabelecer novas unidades de

conservação de domínio público, se recomenda trabalhar com a criação de áreas de

tamanho operacional do ponto de vista da fiscalização e, simultaneamente, com incentivo à

criação de RPPN’s no seu entorno. Esta estratégia é recomendada para a região de Salitre,

município de Gentio do Ouro, onde não há unidades de conservação. Lá foram encontradas

caatingas arbóreas com guigós e um cenário favorável a projetos de conservação.

A três regiões citadas como de alta prioridade para a conservação do guigó-da-

caatinga (do agreste, da localidade-tipo e ao norte da Chapada Diamantina) compreendem

cerca de 90% dos registros. O sucesso de qualquer estratégia de conservação da população

de C. barbarabrownae depende da preservação daquelas matas (população é aqui definida

como o número total de indivíduos de um táxon, segundo a IUCN, 2001).

Recomendo que o Ministério do Meio Ambiente e o IBAMA estudem a viabilidade

técnica e legal de criar uma unidade de conservação de proteção integral na região de

Serrinha, próximo á localidade tipo (Lamarão).

6.4 Incentivo à conservação da área rural dos municípios

Tradicionalmente, a tributação tem sido vista apenas como uma forma do poder

público aumentar sua arrecadação. De uma maneira mais ampla, entretanto, ela pode ser

utilizada pelos gestores ambientais como um mecanismo para melhorar o controle

territorial, incentivando ou coibindo certas práticas, dentro de uma ótica de planejamento

global do município.

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Em Porto Alegre, por exemplo, a maior cidade próxima ao limite sul de distribuição

do bugio-ruivo (Alouatta clamitans) e provável limite sul de todos os primatas neotropicais

(Printes et al., 2001), levantamentos realizados pelo Programa Macacos Urbanos

(Departamento de Zoologia da UFRGS) entre 1993 e 1996 (Romanowski et al., 1998),

possibilitaram que os pesquisadores, juntamente com agricultores, outros produtores

primários e ambientalistas, interferissem na discussão sobre a estratégia tributária

municipal. Deste processo resultou a Lei Complementar 482/02, Artigo 70 (Diário Oficial

de Porto Alegre, 27/12/02), que prevê a isenção total de IPTU para os imóveis ou parte

deles reconhecidos como áreas de produção primária, Reserva Particular do Patrimônio

Natural (Lei Federal nº 9.985 de 18/07/2000), Área de Preservação Permanente (Lei

Federal nº 4.771, de 15/09/1965) ou Área de Proteção do Ambiente Natural (Lei

Complementar nº 434, de 01/12/99), desde que se mantenham preservadas, de acordo com

os critérios estabelecidos pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre.

Até o presente, 14 proprietários já foram beneficiados com o “IPTU ecológico”, por

garantirem a conservação de parte das suas propriedades (Teles, 2006) e outros 400 por

serem produtores rurais.

Há muito tempo é sabido que mesmo depois de uma área estar legalmente

protegida, mudanças ecológicas naturais ou provocadas pelo ser humano continuam a afetar

suas espécies e ecossistemas (White & Bratton, 1980; Benjamin, 2001). Entretanto, buscar

um status de proteção legal para a área rural dos municípios é o mínimo que o poder

público e a sociedade civil devem fazer de acordo com o Princípio da Precaução (Lei

Federal 9.605/1998).

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6.5 Alternativas protéicas à caça

Uma abordagem possível é pensar sobre como estaria a fauna da Caatinga hoje se

algumas espécies autóctones tivessem sido manejadas adequadamente para a alimentação,

ao invés de ter sido importado um modelo europeu de pecuária.

Os sistemas de auto-regulação funcionam apenas em condições de baixa densidade

demográfica, o que não deve prevalecer na Caatinga nos próximos anos. Mas é importante

observar que a caça na Caatinga está voltada para a sobrevivência e não para o comércio.

Segundo os informantes, a caça não é um grande problema para a conservação dos

guigós, embora provavelmente o seja para outros elementos da fauna da Caatinga. Os

acordos de caça e fiscalização poderiam ser explorados como a base para elaboração de um

sistema de co-manejo. Eles podem estar garantindo uma auto-regulação da caça em locais

aonde a fiscalização dificilmente chegará. A inclusão da comunidade no processo de

fiscalização é um procedimento recomendável (Borrini-Fayerabend, 1997), tendo em vista

a baixa eficiência do poder público enquanto órgão fiscalizador da Política Nacional de

Meio Ambiente (Leis Federais 6.938/81 e 10.165/2000).

Em termos de alternativas à pecuária, a criação de emas (Rhea americana), por

exemplo, foi observada na região de Jeremoabo, com ótimos resultados, segundo os

proprietários, tendo em vista ser este um animal da região e suportar bem os rigores do

clima. Outro animal que pode ser criado para o abate em algumas regiões (como em Cel.

João Sá e Pedro Alexandre) é a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris). Foi observado,

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ainda, que alguns sertanejos criam o veado (Mazama americana) no mesmo sistema

utilizado para a criação do bode. Entretanto todas estas propostas requerem análise de

viabilidade técnico-finaceira, e muitas vezes uma legislação especial.

7. Referências bibliográficas

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