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AVida Nos Mundos Invisiveis - Anthony Borgia [Formato A6]

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A VIDA NOS MUNDOS INVISÍVEIS

Poucas pessoas existirão que não tenham por vezes indagado o que acontecerá após a morte. A maioria tem idéias formadas sobre Céu e Inferno, mas para obter algo mais só-lido e não convencional acerca de tão impor-tante questão, devemos nos voltar a outras fontes mais precisas.

Há muitos anos, o Monsenhor Robert Hugh Benson, filho de um ex-Arcebispo de Cantuá-ria, escreveu um livro intitulado Os Necro-mantes, o qual obteve considerável fama, porém desvirtuava a realidade da comunica-ção dos espíritos. Em sua introdução à pre-sente obra, o autor esclarece que, ao passar para a vida espiritual, Monsenhor Benson chegou a saber que suas idéias eram intei-ramente erradas. Assim, um dos seus princi-pais objetivos na nova esfera de existência foi, justamente, esforçar-se por corrigir a falsa noção que havia divulgado em seus escritos quando ainda na terra; para tanto,

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3entrou em comunicação com o autor, o qual fielmente registrou as mensagens rece-bidas. Sua principal finalidade na divulgação dessas mensagens era tentar re-mover da mente dos homens o temor da morte, atra-vés do reexame de sua experiência pessoal e a transmissão do conhecimento que havia adquirido no mundo do espírito.

Neste livro o leitor passa a conhecer a vida nas regiões do Além, e essa vida é relatada nos mínimos pormenores de suas variadas esferas de atividades, dos mais baixos aos mais elevados reinos.

Para aqueles que acreditam existir uma vida após a morte, a presente obra oferece um profundo interesse; e para aqueles, em dúvi-da, o esclarecimento e a promessa de . uma nova e superior existência no futuro.

ANTHONY BORGIA

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4A VIDA NOS MUNDOS INVISÍVEIS Prefácio de Sir JOHN ANDERSON Tradução de J. ESCOBAR FARIA Titulo do original inglês: Life in the world unseen Capa de PEDRO GAMBAROTTO M C M L X Direitos Reservados EDITORA "O PENSAMENTO" LTDA. Praça Almeida Júnior, 100 São Paulo Impresso nos Estados Unidos do Brasil Printed in the United States of Brazil

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5Í N D I C E Prefácio 9 Introdução do autor PRIMEIRA PARTE ALÉM DA VIDA I — Minha Vida na Terra II — Passagem Para o Mundo do Espírito III — Primeiras Experiências IV — Lar Para Repouso V — Templos da Sabedoria VI — Várias Questões Respondidas VII — A Música VIII — Planos Para Trabalhos Futuros IX — Os Domínios Sombrios X — Uma Visita

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6SEGUNDA PARTE UM MUNDO DESCONHECIDO I — As Flores II — O Solo IH — Métodos de Construção IV — Tempo e Espaço V — Posição Geográfica VI — Os Reinos Inferiores VII — Primeiras Impressões VIII — Recreações IX — Pessoa Espiritual X — A Esfera das Crianças XI — Ocupações XII — Gente Famosa XIII— Organização XIV — Influência do Espírito XV — Os Reinos Superiores

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PREFÁCIO

SINTO-ME satisfeito em prefaciar este livro, o qual oferece um quadro pitoresco da exis-tência vivida nas esferas espirituais por a-queles que na terra agiram de acordo com as leis divinas. A assertiva confirma tudo aquilo que positivei certo e verdadeiro em minhas investigações acerca de uma filosofia do pensamento.

Esta obra tranqüiliza aqueles que no presen-te vivem uma existência voltada para o bem, e encoraja os outros no sentido de modifica-rem seus impulsos mentais, assim evitando que penetrem nas esferas sombrias do mun-do espiritual, que resultam da aceitação das malignas vibrações da terra, vibrações que nos têm causado não pouca adversidade.

O pensamento é a força criadora do Universo conforme as ações individuais para o Bem ou para o Mal. Enquanto vivermos na terra, es-

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8taremos instituindo a nossa própria herança no mundo do espírito, e este será exatamen-te o reflexo da qualidade de nossos pensa-mentos.

Causa e efeito é lei cósmica imutável, mas o homem é livre para agir de acordo com o seu arbítrio. O que ocorre com a alma ao entrar para o mundo espiritual é justamente o resultado de sua escolha de conduta na terra. A punição do Mal é o remorso da alma eterna imposto pela reação da consciência de cada um.

No passado, as responsabilidades da vida e as conseqüências das ações pessoais têm obscurecido a mente coletiva da Humanida-de. Por esta razão, as religiões ortodoxas falharam em estabelecer a paz na terra se-gundo os ensinamentos do Grande Mestre.

A Civilização vive seus últimos caminhos, e é de esperar que novas obras de informações como esta apareçam a fim de favorecer a

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9regeneração espiritual do mundo com o estabelecimento da paz e da harmonia entre os homens.

Sir JOHN ANDERSON

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INTRODUÇÃO DO AUTOR

O CONHECIMENTO é o melhor antídoto para o temor, especialmente se este temor diz res-peito à existência após a morte.

Para saber que espécie de lugar é o outro mundo, nós devemos indagar de alguém que lá está e registrar o que esse alguém disser. Isto foi feito neste livro.

O informante, de quem pela primeira vez tive conhecimento em 1909, cinco anos antes de sua passagem ao mundo espiritual, foi na terra conhecido como Monsenhor Robert Hu-gh Benson, filho de Edward White Benson, ex-Arcebispo de Cantuária. .

Até que estes escritos se redigissem, jamais se havia comunicado diretamente comigo, se bem que em certa ocasião fosse eu informa-do por outro espírito de que ele desejava corrigir certas coisas. As dificuldades da co-

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11municação foram-lhe explicadas por espíri-tos e conselheiros, mas ele persistiu em seu propósito. Assim, quando a época adequada se apresentou, foi-lhe dito que podia comu-nicar-se através de algum amigo de seus dias na terra, tendo sido eu a privilegiada pessoa escolhida para atuar como seu intér-prete.

A primeira narrativa intitulou-se Além Desta Vida, e a segunda O Mundo Invisível.

Na primeira, Monsenhor apresenta, numa perspectiva geral, o relato de sua morte e as subseqüentes viagens através das várias re-giões das terras espirituais. Na segunda, tra-ta pormenorizadamente dos fascinantes e importantes fatos e aspectos da vida do espí-rito, sobre os quais, anteriormente havia a-penas tocado de passagem e levemente.

Por exemplo: em Além Desta Vida, menciona os reinos superiores e os inferiores. Em O Mundo Invisível realmente os visita e descre-

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12ve o que viu e ocorreu nesses lugares. Se bem que cada uma das narrativas seja autô-noma e completa, a segunda acrescenta no-va matéria à primeira e ambas formam um todo uno e indivisível.

Somos velhos amigos, e sua passagem não interrompeu antiga amizade; pelo contrário, ficou fortalecida e proporcionou melhores oportunidades de encontro do que teria sido possível quando Monsenhor ainda vivia na terra. Constantemente ele expressa o seu prazer de voltar numa natural normal, sadia e agradável maneira, oferecendo informa-ções de suas aventuras e experiências no mundo do espírito assim como quem "estan-do morto (segundo o consideram inúmeras pessoas), ainda assim pode falar".

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PRIMEIRA PARTE

ALÉM DA VIDA

I. MINHA VIDA NA TERRA

QUEM sou não importa. Quem fui importa menos ainda. Nós não trazemos conosco para o mundo do espírito as posições que ocupamos na terra. Tudo isso ficou para trás, inclusive a minha importância terrena. O valor espiritual é o que importa agora, meu bom amigo, e esse valor está muito além do que seria ou poderia ser. É o bas-tante, a respeito do que sou. Quanto ao que fui, gostaria de transmitir algumas informa-ções sobre a minha atitude mental, anterior ao meu passamento e entrada no mundo em que hoje vivo.

Minha vida terrena não foi difícil, pois jamais passei privações, se bem que fosse árdua em relação aos trabalhos de ordem mental. Nos

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14meus primeiros anos fui atraído para a Igreja pelo misticismo em que ela se envolve e por ter sido eu mesmo uma personalidade mística. Os mistérios da religião expressos numa profusão de luzes, vestes e cerimoni-ais, pareciam satisfazer inteiramente o meu espírito. Muitas coisas, naturalmente, eu não entendia, mas a partir do momento em que passei para o mundo espiritual, elas deixa-ram de ter importância. Eram problemas re-ligiosos provocados pela mente humana, e na verdade não tinham nenhuma significação no grande esquema da vida. Mas a esse tempo, como tantos outros, eu acreditava totalmente em tais coisas, sem um vislumbre de entendimento, e se algum entendimento havia, era ínfimo. Ensinei e preguei segundo os textos ortodoxos, firmando minha reputa-ção. Quando refletia sobre uma futura exis-tência, eu pensava — e muito vagamente — naquilo que a Igreja me havia ensinado e que era infinitamente pequeno e mais falso ainda. Eu não compreendia a proximidade

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15dos dois mundos — o meu e o vosso, — embora tivesse uma ampla demonstração disso. As experiências que tive em ocultismo foram acontecimentos espontâneos, e, pen-sava eu, provenientes de qualquer extensão de leis naturais; julguei-os antes incidentes ocasionais, do que ocorrências normais.

O fato de ter sido um sacerdote não me im-pediu de receber visitas daqueles que a Igre-ja preferiu chamar demônios, se bem que jamais tivesse visto, devo confessar, qual-quer coisa que remotamente se parecesse com tal. Nunca entendi como pudesse ser e o que era afinal, na esfera terrestre, aquilo que denominam um sensitivo, um psiquista — uma pessoa dotada de poderes de visão, ainda que em grau limitado.

Eu considerava perturbadora essa intromis-são de faculdades psíquicas em meu ministé-rio sacerdotal, visto como se chocava contra as minhas idéias ortodoxas. Procurei, então, aconselhar-me entre os meus colegas, mas

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16eles sabiam menos ainda que eu e apenas decidiram rezar por mim, a fim de afastar os demônios de meu caminho. Suas preces em nada me beneficiaram, o que seria de se es-perar — como agora o sei. Fossem minhas experiências desenvolvidas em alto plano espiritual, eu teria sido considerado um ver-dadeiro santo. Mas, na realidade, não foi assim, pois essas experiências ocorriam com qualquer outro dotado dos mesmos poderes. Tratando-se, porém, de um sacerdote da Santa Igreja, elas eram entendidas como "tentações do demônio", tratos com o diabo e, por outro lado, como alguma forma de aberração mental, caso ocorressem com lei-gos. O que os sacerdotes meus colegas não entendiam era que tais poderes podiam ser considerados um dom — um precioso dom, segundo os compreendo agora — e de cará-ter inteiramente individual, tanto no meu caso como em todos os outros, e que rezar para que fossem removidos seria tão insen-sato como rezar para que se removesse do

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17artista o dom de tocar piano ou de pintar. Não seria apenas uma insensatez, mas in-contestavelmente um erro, visto que esse dom de ver além do véu celeste fora outor-gado para ser exercido em favor da Humani-dade. Posso pelo menos regozijar-me de que jamais orei para que tais poderes me fossem retirados; pelo contrário, orei para que maior luz se fizesse em meu entendimento.

A grande barreira a quaisquer novas investi-gações a respeito dessas faculdades, era, e é, a atitude da Igreja: insensível, inflexível, estreita e ignorante. As investigações, ainda que por caminhos longos, ainda que exausti-vas, recebiam, invariavelmente, o mesmo julgamento final: "Tais atividades têm sua origem no demônio". E eu estava amarrado pelas leis dessa Igreja, administrando seus sacramentos, divulgando seus ensinamentos, enquanto o mundo do espírito batia à porta de minha própria existência, tentando mos-trar-me, para que eu mesmo visse, o que

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18não poucas vezes havia contemplado — a nossa vida futura.

Enunciei em meus livros muitas de minhas experiências psíquicas, torcendo porém as narrativas no sentido da religião ortodoxa. A verdade estava lá, mas o sentido e a finali-dade foram deformados. Num trabalho mais amplo achei que devia defender a Igreja contra os assaltos daqueles que acreditavam na sobrevivência da alma após a morte do corpo e julgavam possível a comunicação dos espíritos. Nesse trabalho atribuí ao de-mônio — contra o meu melhor julgamento — aquilo que eu realmente conheci como sendo a atividade de leis naturais, acima e inde-pendente de qualquer religião ortodoxa, e não de origem maligna.

Para seguir as minhas próprias inclinações, eu teria que infligir à minha vida, uma com-pleta revolução, a renúncia às idéias ortodo-xas, e, muito provavelmente, um grande sa-crifício material, visto que eu possuía tam-

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19bém boa reputação como escritor. Tudo quanto já havia escrito iria perder o seu va-lor, desde então, aos olhos dos leitores e além disso eu seria olhado como um louco ou herege. Assim, deixei passar a maior o-portunidade da minha vida. Quão grande foi essa oportunidade e quão grande o remorso dessa perda, eu fiquei sabendo ao trans-ferir-me para este mundo, cujos habitantes já vira tantas vezes e em tão diferentes oca-siões. A verdade estivera ao meu alcance e eu a deixei escapar. Entregara-me à Igreja, e seus ensinamentos estavam fortemente ade-ridos a mim. Via que milhares de pessoas pensavam como eu, e isto me encorajava de tal forma, que não era capaz de pensar que tanta gente poderia estar errada. Tentei se-parar minha vida religiosa das experiências psíquicas que sucediam comigo, tratando-as como dois fatos completamente estranhos um ao outro. Era difícil, mas dirigi os aconte-cimentos de tal modo que houve menor in-quietação mental, e assim prossegui até o

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20fim, quando, então, vi-me no limiar da-quele outro mundo, de que já tinha visto manifestações. Do que sucedeu comigo ao deixar de ser um habitante da terra, passan-do para o grande mundo dos espíritos, espe-ro a seguir dar-lhes alguns pormenores.

II. PASSAGEM PARA O MUNDO DO ESPÍRITO

O real processo da morte não é necessaria-mente doloroso. Durante minha vida terrena testemunhei muitas dessas passagens para as fronteiras do espírito. Tive oportunidade de observar com os meus próprios olhos a luta mantida pelo moribundo para libertar-se da matéria. Por intermédio de minha visão psíquica, também pude observar essa liber-tação, mas em parte alguma me foi possível descortinar — segundo as fontes ortodoxas — o que exatamente ocorria no momento da separação, nem consegui saber quais as sensações experimentadas pela alma que deixava o corpo. Os autores de tratados reli-giosos não nos informam dessas experiên-

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21cias por uma razão muito simples — eles nada sabem.

O corpo físico dá a impressão muitas vezes de estar sofrendo intensamente de dor ou de asfixia. A morte, pois, oferece o quadro de um sofrimento extremamente doloroso. Seria realmente assim? — era a indagação que sempre fazia a mim mesmo. Qualquer que pudesse ser a resposta, eu não podia acredi-tar que o processo físico da morte, fosse na verdade doloroso, não obstante tudo indicas-se que sim. A resposta à minha indagação, eu sabia que a teria um dia, mas tinha espe-ranças de que pelo menos não fosse violenta a minha morte. E assim foi, se bem que de-morada, como tantas outras que testemu-nhei.

Eu tinha um pressentimento de que os meus dias na terra se encurtavam cada vez mais. Sentia um peso na mente, algo semelhante àquele que nos invade na hora de repousar. Muitas vezes me sentia como que flutuando

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22ao longe e depois voltando suavemente. Durante esses períodos de depressão aque-les que me tratavam sem dúvida julgavam que, se ainda não era a morte, eu caminhava rapidamente para ela. Todavia, em meus intervalos lúcidos não sentia mal-estar físico. Podia ver e ouvir o que ocorria ao meu re-dor, e podia sentir as aflições que o meu es-tado causava nos demais. E tinha ainda a sensação de uma grande animação mental. Estava certo de que chegara a minha hora, e fremia de impaciência por ir-me de vez. E não fui assaltado por temores, apreensões, dúvidas ou remorsos nos momentos que prenunciavam a minha partida da terra. Os remorsos viriam mais tarde, mas os relatarei oportunamente. Tudo quanto desejava era ir-me para bem longe.

Repentinamente senti ímpetos de levantar-me, porém, não houve qualquer sensação física, da mesma forma como acontece nos sonhos; se bem que sentisse a mente alerta, meu corpo parecia opor-se a tal estado. Tão

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23logo senti esse definido estímulo para le-vantar-me, percebi que já o tinha realizado. Descobri, então, que todos os que me rode-avam não se apercebiam de nada, pois não procuraram auxiliar-me, nem tentaram im-pedir-me que me levantasse. Voltei-me e passei a observar o que sucedia. Meu corpo material jazia sem vida, mas ali estava eu, o eu real, vivo, e bem vivo. Fiquei contem-plando ainda um ou dois minutos e logo a idéia do que devia fazer a seguir penetrou minha mente, mas acabara de constatar que não poderia contar com o auxílio de nin-guém. Via ainda claramente o quarto ao meu redor, não obstante a névoa que o envolvia totalmente. Examinei-me, a mim mesmo, a fim de verificar como estaria agora vestido, pois que me levantara de um leito de morte e não poderia estar em condições de mover-me para além do próprio quarto. Grande foi minha surpresa ao notar. que vestia as rou-pas habituais, exatamente as mesmas que* usava quando me movimentava livremente |

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24pela casa. em boa saúde. Uma surpresa aliás momentânea, pois que conjecturei quais seriam as outras vestes que deveria envergar depois. Certamente nenhuma des-sas espécies de manto diáfano... Mantos desse gênero são comumente ligados à idéia convencional de anjos, e eu estava certo de que não era um deles.

O conhecimento do mundo espiritual como me fora possível apreender através de mi-nhas próprias experiências, veio imediata-mente em meu auxílio. Soube logo da mu-dança que se operara em minha condição; por outras palavras, fiquei sabendo que ha-via morrido. Contudo, sabia ao mesmo tem-po que estava vivo, isto é, que me havia li-bertado da moléstia e me achava de pé, o-lhando ao redor. Em momento algum per-turbei-me, embora estivesse assaz interessa-do em saber o que viria a seguir, pois sentia-me na posse de todas as minhas faculdades mentais, e realmente num estado físico nun-ca antes experimentado.

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25Conquanto a narração de tais aconteci-mentos tenha aqui tomado algum tempo, pois desejo dar os maiores detalhes possí-veis, na verdade tudo deve ter ocorrido em não mais que alguns minutos do tempo ter-restre.

Tão logo me vi em minha nova condição, e tão rapidamente como tudo sucedeu, percebi a meu lado um sacerdote ex-colega, cujo passamento se dera alguns anos antes. Cumprimentamo-nos afetuosamente e notei que se vestia como eu. Novamente isso não me pareceu estranho: se estivesse usando roupas diferentes das minhas, então sim, eu poderia pensar que algo estava errado, uma vez que sempre o conhecera em trajos cleri-cais. Expressou seu grande prazer em rever-me, e de minha parte previ a junção de mui-tos fios do enigma que se haviam rompido com a sua morte.

Inicialmente, deixei-o falar; devia antes acostumar-me com as novidades que se me

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26apresentavam. Deveis lembrar--vos que eu havia abandonado um leito de morte e que, lançando-me fora do corpo material, deixara com ele a minha doença. A nova sensação de bem-estar e libertação das ma-zelas do corpo era tão agradável, que a compreensão total do fenômeno deveria le-var algum tempo. Meu velho amigo pareceu compreender imediatamente que eu já esta-va ciente da minha morte e que tudo ia bem.

Permiti-me acrescentar que nenhuma idéia sobre tribunal de julgamento ou dia do juízo me ocorrera durante aquele processo de transição. Tudo era normal e natural demais para que pudesse sugerir a terrível provação ensinada pela religião ortodoxa, e à qual de-veríamos nos submeter após a morte. Os próprios conceitos de julgamento, céu e in-ferno pareciam totalmente impossíveis. E-ram, na verdade, uma fantasia, agora que eu me encontrava vivo e bem vivo, dono de minha verdadeira mente e vestido com as roupas habituais, de pé, diante de um velho

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27amigo que me saudava cordialmente e mostrava tudo quanto se passava no outro lado da vida, exteriorizando o seu prazer em me ver, e ao qual eu retribuía. Tratava-se de um dos melhores espíritos que conheci, tanto ao tempo de vida terrena, como agora, que me acolhia afetuosamente, como dois ami-gos após longa separação. Tal fato bastava para esclarecer o absurdo de minhas idéias sobre um julgamento da alma. Ambos está-vamos alegres, felizes, despreocupados, na-turais, e eu aguardava, emocionado, toda a revelação desse novo mundo, o qual nin-guém melhor do que ele poderia descortinar-me. Disse que eu me preparasse para inú-meras e agradáveis surpresas e que havia sido enviado para encontrar-se comigo à mi-nha chegada. Como já conhecia o grau de meus conhecimentos, sua tarefa seria, as-sim, mais fácil.

Tão logo tentei falar, após o silêncio inicial do encontro, verifiquei que me expressava exatamente do mesmo modo como o fazia

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28quando materialmente vivo, isto é, usando as cordas vocais. Mas não havia necessidade de pensar para dizer o que quer que fosse; nem mesmo cogitei nisso, apenas notei que assim era. Então o meu amigo propôs que saíssemos, desde que ali nada mais havia a fazer, e que ele me conduziria a um aprazível lugar preparado especialmente para mim. Fez referência a um lugar, mas apressou-se em acrescentar que na realidade eu ia para a minha própria casa, onde me sentiria imedia-tamente no lar. Não sabendo ainda como agir, ou por outras palavras, como devia pro-ceder em tais circunstâncias, deixei-me con-duzir por suas mãos, fato que, como ele pró-prio dissera, constituía precisamente a sua missão.

Não pude resistir ao impulso de voltar-me e olhar pela última vez o quarto onde ocorrera o meu passamento. Continuava envolvido na mesma névoa. Os que antes rodeavam o meu leito já se tinham ido, e aproximei-me então para contemplar a mim mesmo. Não

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29me impressionei com o que vi; os restos mortais do meu Eu material ostentavam uma total serenidade. Meu amigo então sugeriu que devíamos partir, o que fizemos em se-guida.

Nesse momento o quarto se tornava aos poucos mais enevoado até esvanecer-se de minha vista, desaparecendo afinal. Até então eu tinha usado minhas pernas, como sem-pre, na nossa forma comum de andar, mas em virtude da moléstia e suas conseqüências necessitava de um período de descanso an-tes de esforçar-me demasiado. Por isso, dis-se o meu amigo que melhor seria não usar-mos esse habitual meio de locomoção, isto é, as pernas, e que eu segurasse com firmeza a sua mão e não temesse o que quer que fos-se. Poderia

)u não fechar os olhos, mas de qualquer modo melhor seria para mim se os fechasse. Segurei sua mão e deixei que ele fizesse o resto. Imediatamente experimentei a sensa-

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30ção de flutuar, assim como acontece nos sonhos dos vivos, se bem que eu flutuasse de uma forma real e sem cuidados de segu-rança pessoal. A velocidade parecia aumen-tar à medida que o tempo passava, e eu ain-da mantinha os olhos firmemente fechados. É estranho que alguém possa realizar tais coisas aqui e com tanta segurança. No plano terreno, caso fossem possíveis condições idênticas, quanta gente teria fechado os o-lhos com toda a confiança? Aqui não havia dúvidas de que tudo corria bem, não havia temor, nada de mal poderia ocorrer, e além do mais, o meu amigo tinha completo domí-nio de tudo.

Após algum tempo nossa velocidade pareceu afrouxar um pouco, e eu podia sentir algo sólido sob os pés. Fui convidado a abrir os olhos. Assim o fiz. Descortinei então o velho lar em que vivi na terra; o meu velho lar... mas com uma diferença: fora melhorado de uma forma que ninguém teria podido fazer em sua reprodução terrestre. Como logo me

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31pareceu, a casa estava antes rejuvenesci-da, do que restaurada, mas foram os jardins à sua volta que mais me atraíram a atenção.

Esses jardins davam-me a impressão de ser bastante extensos e estavam em perfeita ordem e disposição. Dizendo isso não quero dar a entender que eram iguais, quanto à regularidade, aos jardins do plano terreno, mas eram maravilhosamente cultivados e conservados. Não havia crescimentos desor-denados, nem folhagem e ervas daninhas emaranhadas; pelo contrário, era a mais bela profusão de flores dispostas de maneira a mostrar uma perfeição absoluta. Ao exami-ná-las mais de perto, devo dizer que jamais vi outras semelhantes ou uma réplica na ter-ra, das muitas que lá existem e em plena florescência. Muitas por certo poderiam ser perfeitamente iguais às terrenas, mas na maior parte dos casos, pareceu-me o contrá-rio. Não eram, entretanto, as flores em si e a inacreditável sucessão de suas cores magni-ficentes, que mais me chamaram a atenção,

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32mas sim, a atmosfera vital de eternidade que elas exalavam por todas as direções. Quem quer que se aproximasse de qualquer grupo daquelas flores, ou mesmo de uma que fosse, sentia fortes correntes de força energética, as quais elevavam espiritualmen-te a alma e lhe davam maior estímulo, ao mesmo tempo que os perfumes celestiais emanados eram de tal magnitude que ne-nhuma alma quando materializada jamais os havia sentido. Tratava-se de flores que vivi-am e respiravam, e eram incorruptíveis, se-gundo o meu amigo.

Outra característica que notei quando me aproximei delas, era os sons musicais que as envolviam, e cuja suave harmonia combinava perfeitamente com as cores deslumbrantes. Não sou suficientemente versado em música para discorrer, tecnicamente, sobre tão belo fenômeno, mas espero em ocasião oportuna trazer alguém com conhecimentos da maté-ria a fim de explicá-lo. Por ora, é bastante dizer que esses sons musicais das flores es-

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33tavam em precisa consonância com tudo que eu já havia visto, — o que, entretanto, era ainda muito pouco — e que, em toda parte, eu via a harmonia perfeita.

Se já estava ciente do efeito revitalizador dos jardins celestiais, crescia porém a minha an-siedade de conhecer mais ainda acerca de tudo aquilo. Assim, em companhia do meu velho amigo, a quem fora confiado para ser informado e guiado, caminhei pelas veredas do jardim, pisei na estranha relva, flexível e macia, como se andasse no ar, e tentei com-preender que toda aquela extraordinária be-leza fazia parte do meu próprio lar. Soberbas árvores podiam ser divisadas, mas sem as deformações das que existem na terra, e não havia uniformidade nas espécies. Simples-mente cresciam sob condições perfeitas, li-vres dos ventos tempestuosos que curvam e torcem os ramos mais tenros; livres dos ata-ques de insetos e de outras causas que as afligem no plano terreno. Do mesmo modo que as flores, assim eram as árvores. Eram

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34eternas, incorruptíveis, cobertas de folhas, numa grande profusão de matizes verdes, eternamente emanando vida para todos os que se aproximassem delas.

Sol brilhante; havia sim, uma luz cintilante que penetrava por tudo, nunca, porém, em plano horizontal. O meu amigo informou-me que toda a luminosidade provinha do Doador de toda luz, e que esta era essencialmente divina, banhando e iluminando todo o mundo do espírito, onde viviam aqueles que espiri-tualmente possuíam olhos para vê-la.

Havia uma tépida e agradável temperatura sempre constante O ar permanecia na sua imobilidade, mas sentia-se uma aragem de suave perfume — autêntico zéfiro — que não alterava a fragrância da tepidez envolvente. Àqueles que não apreciam perfumes de qualquer natureza posso dizer: não vos de-saponteis ao lerdes estas palavras, pois coi-sas de que não gostais não vos acontecerão aqui. De qualquer modo, esperai, advirto-

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35vos, e ireis sentir quão diferente do que possais imaginar são estas coisas.

Venho revelando esses fatos com o máximo de pormenores, porque estou certo de que inúmeras pessoas muito têm indagado a res-peito.

Fiquei surpreso por não ver muros, sebes ou cercas; nada do que até então pude obser-var delimitava o meu próprio jardim. Fui in-formado de que não havia necessidade de separações, porque cada um sabia, instinti-vamente, mas com absoluta certeza, onde sua propriedade terminava. Não havia, por-tanto, intromissão de ninguém num jardim, embora todos estivessem abertos a quem quer que desejasse atravessá-los ou neles demorar-se. Eu seria sinceramente bem re-cebido em qualquer lugar que fosse, sem receio de estar me intrometendo na intimi-dade dos outros. Disseram-me ser essa a regra aqui, e que eu não teria sentimentos diferentes com respeito àqueles que passas-

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36sem pelo meu jardim. Sim, meus senti-mentos naquele momento foram justamente esses, pois desejei que todos viessem gozar de sua beleza. Eu não possuía quaisquer no-ções de propriedade pessoal, não obstante saber que o jardim era meu para tê-lo e mantê-lo. Era essa precisamente a atitude de todos — propriedade e sociedade a um só tempo.

Apreciando o belo estado de conservação dos jardins e o cuidado que recebiam, inda-guei de meu guia quem assídua-mente e com tão esplêndidos resultados assim os mantinha. Antes de me responder, sugeriu que, como tinha eu chegado recentemente às regiões espirituais, era aconselhável des-cansar primeiro ou pelo menos não me fati-gar muito com observações. Propôs, assim, que deveríamos procurar um lugar aprazível — usou as palavras num sentido apenas comparativo, porque tudo era aprazível em qualquer parte — onde nos sentaríamos, quando então ele passaria a expor alguns

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37dos muitos problemas que se haviam a-presentado no curto espaço de tempo da minha nova condição.

Andamos, pois, até encontrar o aprazível lugar sob os ramos de magnífica árvore, de onde podíamos dominar grande parte da campina, cuja exuberante verdura ondulava ante os nossos olhos, estendendo-se ao lon-ge. A paisagem era banhada por um belíssi-mo resplendor celestial, e eu podia notar inúmeras casas de vários tipos, pitoresca-mente localizadas, como a minha, entre ár-vores e jardins. Acomodamo-nos na relva macia, e eu me estirei, como se deitasse num finíssimo leito. Meu guia perguntou-me se estava cansado. Eu não tinha a sensação comum do cansaço terreno, mas sentia ainda algo como a necessidade de repouso do cor-po. Disse-me que essa necessidade era pro-veniente da minha última doença, e que, se quisesse, podia passar por um profundo so-no. Naquele momento, entretanto, não achei

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38necessário dormir, e respondi-lhe preferir que conversássemos.

O meu amigo começou dizendo:

— "Tudo quanto o homem semear, colherá". Essas poucas palavras descrevem exatamen-te o grande processo eterno pelo qual tudo que aqui vês é a conseqüência de algo. Flo-res, árvores, florestas, as casas, que são também lares felizes de gente feliz — tudo é o visível resultado da máxima: "Tudo quanto o homem semear, colherá". Esta terra em que estamos agora vivendo é a grande co-lheita, as sementes do que plantamos na esfera terrena. Todos os que aqui vivem ga-nharam por si próprios esse direito através de suas ações na terra.

Eu começava a perceber muitas coisas, prin-cipalmente aquilo que mais de perto me pre-ocupava, ou seja, a atitude inteiramente er-rada da Religião sobre o mundo do espírito. O fato de que ali estava deitado constituía a

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39mais completa refutação de tudo quanto eu havia ensinado e sustentado durante o meu ministério sacerdotal. Via se desfazerem inúmeros volumes de ensinamentos ortodo-xos, credos e doutrinas, porque nada signifi-cavam, porque não diziam a verdade e por-que não se relacionavam com o que quer que fosse do eterno mundo espiritual do Grande Criador e Mantenedor de tudo. Podia ver agora com clareza o que antes vislum-brara indistintamente, isto é, que a ortodoxia é uma criação do homem e que o Universo é uma dádiva de Deus.

Meu guia informou-me que de onde estáva-mos eu poderia ver toda espécie de gente em condições diversas, vivendo em seus la-res; pessoas cujos pontos de vista religiosos quando na terra também eram os mais di-versos. Disse ainda que uma das grandes características do mundo do espírito era as almas serem exatamente as mesmas de momentos antes da passagem para o mundo espiritual. O arrependimento à hora da morte

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40em nada as beneficiava, visto que em sua mor parte tais arrependimentos eram devi-dos à covardia e ao medo daquilo que esta-ria por acontecer, o medo do inferno eterno criado pela Teologia — vantajosa arma do arsenal eclesiástico e uma das que mais so-frimentos têm causado, entre outras muitas falsas doutrinas. Os credos, portanto, não formam qualquer parte do mundo espiritual, mas como as pessoas trazem para ele todas as suas próprias características, cada crente continua a praticar a sua religião até o ins-tante em que sua mente se torne espiritual-mente esclarecida. Temos aqui — informou-me, e já então eu tinha visto por mim mes-mo — comunidades inteiras ainda praticando suas antigas religiões terrenas, com o fana-tismo e os preconceitos de seus princípios, não obstante apenas no aspecto religioso. A ninguém prejudicam a não ser a si mesmas, pois confinam-se em suas próprias crenças. Não há contudo qualquer ação no sentido de conversão religiosa.

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41Sendo assim, supus então que a minha velha religião aqui também estaria represen-tada. Estava. Os mesmos rituais, cerimônias, velhas crenças, eram conduzidos com idênti-co, porém mal-orientado fervor em seus mesmos templos. Os membros dessas co-munidades sabiam que tinham morrido mas julgavam que parte de sua recompensa ce-lestial seria a continuação das formas terre-nas de culto religioso. Assim prosseguirão até o instante em que despertem espiritual-mente. Jamais se exerce pressão sobre essas almas; sua ressurreição mental deve partir delas próprias. Quando isto ocorre, experi-mentam pela primeira vez o real sentido da liberdade.

Meu guia prometeu-me que, se eu quisesse, poderíamos visitar mais tarde alguns desses agrupamentos religiosos, mas expúnhamos de muito tempo, e aconselhou-me antes de mais nada que me habituasse primeiro com a nova vida. Até aqui continuava no ar a pergunta que eu lhe fizera sobre a alma que

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42tão bondosa e esplendidamente havia ze-lado por meu jardim, mas ele já tinha lido meu pensamento e voltou ao assunto. Tanto a casa como o jardim, disse-me, eram a messe de meus esforços terrenos. Tendo merecido o direito de possuí-los, eu mesmo os havia construído com o auxílio de genero-sas almas que se dedicam, em sua vida no mundo do espírito, a praticar atos de bonda-de em favor de seus semelhantes. Eram seu trabalho e prazer a um só tempo. Freqüen-temente, essas tarefas eram empreendidas e levadas a efeito por aqueles que quando na terra foram especialistas no ofício e que o exerciam com satisfação. Aqui podiam conti-nuar seus ofícios terrenos sob condições que apenas o mundo do espírito estaria apto a proporcionar. Tais trabalhos lhes traziam a própria recompensa espiritual, e nenhum pensamento de retribuição lhes vinha à men-te. O desejo de servir aos outros é que os preocupava.

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43Aquele que me havia auxiliado a compor tão belo jardim era um amante da jardina-gem quando na terra, e, como eu mesmo podia ver, era um verdadeiro artista em seu ofício. Mas, desde que o jardim fora criado, já não era necessária a incessante luta para sua conservação, como ocorre na terra. São a constante decomposição, as tempestades, os ventos e outras causas diversas que exi-gem solícitas atenções aos jardins terrestres. Aqui não há decomposição, e tudo que cres-ce assim vive, da mesma forma como nós existimos. Fui informado de que o jardim não necessitaria de nenhum cuidado, na forma usualmente entendida por nós, e que o nos-so amigo jardineiro se encarregaria dele, se eu quisesse. Longe de mim desejar apenas: externei viva esperança de que ele tomasse efetivamente a seu cargo a tarefa. Disse de minha profunda gratidão pelo seu esplêndido serviço e que esperava poder encontrá-lo para expressar-lhe pessoalmente os meus mais sinceros agradecimentos. Meu guia es-

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44clareceu-me que isto seria muito simples e que se ainda não me encontrara com ele, era porque eu havia chegado há pouco, e ele não desejava apresentar-se até que me ins-talasse em meu lar.

Minha mente voltou-se de novo à ocupação que exerci na terra, isto é, a orientação diá-ria dos serviços religiosos e outros deveres de sacerdote. Desde que tal ocupação, pelo menos no meu caso particular, já não era mais necessária, fiquei intrigado para saber o que o futuro me reservava. Meu amigo lem-brou-me de novo que muito tempo havia ainda para ponderar no assunto, e sugeriu que eu devia descansar para depois acom-panhá-lo em algumas viagens de observa-ção. Muito havia para ver, coisas que iriam me deixar atônito. Havia também numerosos amigos que me aguardavam para um novo encontro após tão longa separação. Conteve ele a minha impaciência por iniciar logo as visitas, dizendo que eu deveria descansar primeiro e que nada melhor para isso do que

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45a minha própria casa. Segui-lhe o conse-lho e para lá nos dirigimos.

Já esclareci que ao penetrar pela primeira vez em meu lar observei ser ele semelhante ao que eu possuía na terra, mas com algu-mas diferenças. Logo que entrei, percebi i-mediatamente as diversas alterações que haviam sido introduzidas Eram principalmen-te relativas à estrutura, modificações essas que eu teria gostado de fazer mas que por motivos vários, inclusive de base estrutural, jamais pude levar a efeito. Não existem aqui as dificuldades terrenas, e, por conseguinte, encontrei neste meu lar espiritual, e numa disposição familiar, tudo aquilo que desejei na vida anterior. Os requisitos considerados indispensáveis a uma casa terrena eram, aqui, naturalmente, supérfluos; assim é o caso das provisões de alimentos, para citar apenas um exemplo: muitos outros podem ser facilmente imaginados.

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46Enquanto atravessávamos as várias de-pendências, eu ia observando as inúmeras provas de consideração e bondade daqueles que tão ativamente haviam trabalhado para auxiliar-me na reconstrução do velho lar, na nova condição. De pé no seu interior, fiquei completamente ciente de sua permanência em comparação com aquele outro que eu deixara para trás. Mas era uma permanência que eu sabia poder terminar no momento em que eu quisesse. Tratava-se tão-só de uma casa; era um porto espiritual, um re-manso de paz, onde não existiam as habitu-ais preocupações e responsabilidades do-mésticas. O mobiliário era em grande parte semelhante ao que adquirira para o seu simi-lar na terra, não porque fosse particularmen-te belo, mas porque eu o achara prático e confortável, além de adequado às minhas poucas exigências. A maioria dos pequenos objetos de adorno estava em seus costumei-ros lugares, e no todo a casa possuía aquele ar evidente de ser habitada. Na verdade, eu

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47me sentia em casa. Na sala que anterior-mente havia sido meu escritório, notei am-plas estantes. A princípio, surpreendi-me com o fato, mas refletindo melhor, não en-contrei motivos para que, desde que tal casa existia, não existissem também livros em seu interior. Estava interessado em conhecer a natureza de tais livros e iniciei assim um e-xame minucioso. Entre eles, bem à vista, descobri algumas das minhas próprias obras. Ao deparar com elas, tive uma idéia nítida da verdadeira razão pela qual lá se achavam. Muitas continham as narrativas a que me referi anteriormente, ou seja, o relato das minhas experiências psíquicas, às quais pro-curei dar um sentido religioso. Um livro em especial parecia destacar-se em minha men-te, e logo me certifiquei de que nunca deve-ria tê-lo escrito. Era uma narrativa deturpada em que os fatos, tais como os tinha visto na realidade, recebiam um tratamento injusto e mentiroso. Senti profundo remorso, e pela primeira vez desde que chegara a este mun-

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48do, tinha motivos para me lamentar. Não que me arrependesse de ter vindo, mas la-mentava que, vendo a verdade diante de meus olhos, eu a tivesse deliberadamente evitado, para em seu lugar divulgar interpre-tações falsas. E eu sabia que, enquanto meu nome existisse, ou por outra, enquanto ti-vesse valor comercial, aquele livro continua-ria a ser reproduzido, lido e considerado co-mo verdadeiro. Vinha-me a sensação desa-gradável de que jamais poderia destruir o que fizera.

Não havia qualquer censura a meu ato. Pelo contrário, eu podia sentir uma nítida atmos-fera de profunda simpatia. De onde provi-nha, não o sabia; entretanto, era real, autên-tica. Voltei-me para o amigo que durante a minha inspeção e descoberta havia se man-tido discreta e compreensivamente à parte, e pedi-lhe auxílio. Recebi-o imediatamente. Explicou-me que sabia perfeitamente o que eu estava enfrentando em relação àquela obra, mas que lhe era vedado referir-se a ela

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49antes que eu o descobrisse por mim mes-mo. Uma vez que isso acontecera, e em vista do meu pedido, podia ele agora ajudar-me.

Minha primeira pergunta foi sobre como po-deria sanar o erro. Disse-me que de várias maneiras, umas talvez mais difíceis, porém, mais eficazes do que outras. Sugeri que eu poderia voltar ao plano terrestre e lá difundir a verdade sobre esta nova vida e sobre a comunicação entre os dois mundos. Inúme-ros o haviam tentado — respondeu-me — e ainda tentavam, mas quantos eram acredita-dos? Julgaria eu ser melhor sucedido? Com toda a certeza os meus leitores jamais rece-beriam ou dariam crédito a qualquer comuni-cação minha. E não percebia eu, também, que se me apresentasse a eles, imediata-mente me iriam tomar pelo demônio?

— Permite-me — continuou — falar a respei-to da comunicação com o mundo terrestre. Que é possível, bem sabes que sim, mas tens alguma noção sobre as dificuldades

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50dessa tarefa? Vamos supor que descubras os meios de comunicar-te. O primeiro obstá-culo a enfrentar seria a tua própria identifi-cação. É bem provável que, ao dizeres quem és, eles hesitem em aceitar o teu nome, sim-plesmente por ter sido ele tão notável enquanto eras vivo. Por mais importantes que sejamos, ao passarmos para o plano espiritual somos referidos na terra apenas no tempo passado. Os livros que pudemos legar são considerados mais importantes do que o próprio autor, visto que para o mundo esta-mos mortos, nossa voz humana deixou de existir. E apesar de estarmos bem vivos, — tanto para nós como para os outros aqui — entre os mortais nada mais somos que lem-branças, às vezes permanentes, às vezes recordações que se desvanecem rápidas, deixando meros nomes em sua esteira. Sa-bemos, todavia, que estamos muito mais vivos do que antes, se bem que a maioria na terra considere que não podíamos estar mais mortos.

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51Poderás então fornecer certo número de informações, e isso é justo, contanto que não te excedas, como inúmeras vezes tem ocorrido. Satisfeitas estas exigências, que virá depois? Desejarás explicar que estás vivo e são. Se as pessoas com as quais esti-veres em contato não forem meros amado-res, nenhuma dúvida pairará sobre tuas de-clarações. Mas se quiseres anunciar tais no-vidades ao mundo em geral, por intermédio dos meios usuais, vão acreditar na tua iden-tidade só aqueles que já conhecem e prati-cam a comunicação com o mundo do espíri-to. Quanto aos demais, quem acreditará em tua palavra? Ninguém, certamente, e muito menos os teus antigos leitores. Dirão que não és tu e sim um demônio. Outros, prova-velmente, nem tomarão conhecimento de ti. Um certo número de pessoas, sem dúvida, iria imaginar que, por teres passado ao mundo do espírito, já terias adquirido a mais profunda sabedoria, e que tuas palavras constituiriam declarações infalíveis. Estás

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52vendo, assim, algumas das dificuldades que terás de enfrentar na divulgação da Ver-dade entre aqueles que ainda vagam nas sombras do mundo terreno.

As previsões de meu amigo desalentaram-me sobremaneira; avaliei os inúmeros obstá-culos, e fiquei convencido de que devia a-bandonar o projeto por algum tempo. Con-sultaríamos outros mais sábios do que nós, e talvez me ocorresse alguma solução. Com o passar do tempo, — falando em sentido ter-reno — eu poderia também mudar esses planos. Não devia, pois, afligir-me. Ainda muito havia para ver e fazer, e muita experi-ência para ser adquirida — o que seria valio-so para mim, se resolvesse levar avante os meus projetos. Meu guia aconselhou-me a descansar, que ele ia retirar-se. Quando me sentisse inteiramente repousado, bastava dirigir--lhe os meus pensamentos e ele volta-ria imediatamente. Deixei-me, pois, ficar numa confortável poltrona e entrei em agra-dável estado de sonolência; embora inteira-

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53mente consciente do que me rodeava, sentia-me invadido por novas energias, que fortaleciam todo o meu corpo. Era como se me tornasse cada vez mais leve, dissipando-se para sempre os últimos restos de minha condição terrena. Por quanto tempo perma-neci nesse estado não posso avaliar, mas pouco a pouco um suave torpor invadiu-me, e quando despertei foi com aquela disposi-ção de saúde que na terra chamamos de higidez. Lembrei-me a seguir das palavras do guia e dirigi-lhe meu pensamento. Em pou-cos segundos (do tempo terrestre), entrava ele pela porta. Esse movimento instantâneo surpreendeu-me bastante, o que o fez rir. Explicou-me que na verdade tudo era muito simples. O mundo espiritual é um mundo de pensamentos: pensar é agir, e o pensamento é Instantâneo. Se nos imaginarmos num de-terminado lugar, para lá viajaremos com a velocidade desse pensamento. Eu logo veria ser esse o meio usual de locomoção e breve seria capaz de utilizá-lo.

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54Meu guia logo notou a mudança operada em mim e congratulou-se comigo porque me refizera. Seria impossível explicar tão magní-fica sensação de completo bem-estar e vita-lidade. Quando vivemos no plano terrestre estamos sempre, e por diversas maneiras, sentindo o nosso corpo físico: pelo calor ou pelo frio, pelo desconforto, fadiga, pelas mí-nimas doenças e por inúmeros outros fatores adversos. Aqui não há tais inconvenientes. Por outro lado, não quero dizer que somos insensíveis, imunes a influências externas; nossas percepções são de ordem mental e o nosso corpo espiritual é impenetrável a tudo quanto seja destrutivo. Sentimos através da mente e não de qualquer órgão físico dos sentidos; nossas reações estão diretamente ligadas aos pensamentos. Se sentimos frio, em qualquer circunstância especial e defini-da, tal sensação nos vem pela mente, nada sofrendo o corpo espiritual. Nesta esfera de existência tudo se harmoniza com os habi-tantes: a temperatura, a paisagem, as mora-

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55dias, as águas dos rios e das fontes, e, o que é mais importante, os próprios habitan-tes. Não há, portanto, nada que possa pro-vocar adversidades, desprazer ou desconfor-to. Podemos nos esquecer completamente do corpo e permitir que nossas mentes se-jam absolutamente livres, e através delas usufruir as belezas que elas mesmas ajuda-ram a construir. E muitas vezes podemos nos sentir tristes, — muitas vezes nos divertimos — com aqueles que, ainda na terra, lançam o ridículo e o desprezo sobre nossas infor-mações. Que sabem eles, pobres diabos? Nada! E que podem oferecer em substituição às realidades do mundo do espírito? Nada, pois nada sabem. Gostariam de nos privar de nossos belos campos, flores e árvores, dos nossos rios e lagos, nossas casas, nossos amigos, trabalhos, prazeres e diversões. Para quê? Qual a concepção que podem ter essas acanhadas mentalidades de um mundo espi-ritual? Pelas suas afirmações absurdas, ne-nhuma. Transformar-nos em fantasmas, é o

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56que desejariam, fantasmas sem substância nem inteligência, meramente subsistindo num vago, sombrio e nebuloso estado, apar-tados de tudo quanto é humano. Aqui, em minha perfeita saúde, cheio de vitalidade, e vivendo entre as maravilhas de um mundo verdadeiramente real, do qual quero dar-lhes apenas uma vaga idéia, sinto-me fortemente impressionado pela imensa ignorância de-monstrada por certas mentes terrenas, a este respeito.

Chegara o momento, acreditei, em que deve-ria conhecer algo desse esplêndido plano de existência, e assim, acompanhado de meu guia, partimos para aquilo que, no meu en-tender, seria uma viagem de descobrimen-tos. Aqueles que já percorreram o mundo à procura de novas paisagens, compreenderão como eu me sentia ao partir.

Para conseguir uma visão mais ampla, en-caminhamo-nos a uma região elevada, de onde um límpido panorama se descortinou

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57ao meus olhos. À nossa frente estendia-se um campo interminável. Noutra direção via-se o que parecia ser uma cidade de impo-nentes edifícios. Deve-se ter presente que aqui nem todos têm as mesmas predileções; acontece como na terra, em que muitos pre-ferem a cidade ao campo e vice-versa, e ou-tros apreciam a ambos. Eu estava vivamente interessado em saber como seria uma cidade espiritual. Fácil era imaginar o campo, mas a cidade sempre me pareceu essencialmente obra terrena. Por outro lado, não me ocorria uma objeção lógica a que o mundo espiritual não pudesse também construir cidades. Meu companheiro divertia-se muito com o meu entusiasmo, na sua opinião igual ao de um colegial. Não era a primeira vez, entretanto, que encontrava tal entusiasmo. A maioria das pessoas, ao chegar, é tomada de idênti-cas emoções, o que proporciona aos nossos amigos um especial prazer em nos acompa-nhar.

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58Via-se à distância uma igreja aparente-mente construída nas linhas usuais; decidi-mos seguir naquela direção, observando ou-tras coisas de passagem. Fomos por um ca-minho que acompanhava em certos pontos um riacho, cuja água cristalina brilhava à luz do sol celestial. Ao correr, a água emitia no-tas musicais, combinando-as numa rapsódia das mais suaves sonoridades. Aproximamo-nos da margem para que eu o pudesse ob-servar mais de perto. Assemelhava-se a um cristal líquido e, ao ser tocado pela luz, cinti-lava com todas as cores do arco-íris. Mergu-lhei um pouco a minha mão na água, certo de que, como parecia, ela seria gelada. Qual não foi a minha surpresa ao senti-la delicio-samente tépida. Além disso, produzia um efeito eletrizante, que se propagava da mão por todo o braço. A sensação era estimulan-te, e eu pude imaginar como seria se me banhasse inteiramente nela. Meu amigo dis-se que me sentiria revigorado, mas não ha-via suficiente profundidade para uma imer-

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59são total. Não me faltaria oportunidade, quando chegássemos a um curso maior. Ao retirar a mão, verifiquei que a água escorria em brilhantes gotas, deixando-a completa-mente seca.

Retomamos a viagem e meu guia disse que gostaria de me levar a visitar o proprietário de uma casa, da qual nos aproximávamos. Caminhamos por um artístico jardim de gra-mados esmeradamente cuidados e chega-mos até um homem sentado nas proximida-des de um pomar. À nossa chegada ergueu-se e recebeu meu amigo da maneira mais cordial; fui então apresentado como um re-cém-chegado. Soube que este senhor se or-gulhava das frutas de seu pomar; a seguir, convidou-me a prová-las. Parecia ele um homem de meia-idade, embora pudesse ser na realidade mais velho do que aparentava à primeira vista. Aprendi então que tentar pre-dizer as idades das pessoas deste mundo seria tarefa difícil e até mesmo perigosa. É necessário saber — e permitam-me divagar

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60um pouco — que a lei aqui é no sentido de que, à medida que progredimos espiritu-almente, vamos nos desfazendo daquela a-parência idosa conhecida na terra. Perdemos as rugas que o tempo e as preocupações imprimem nos nossos semblantes, assim como outras indicações do avanço da idade, e tornamo-nos mais jovens à medida que adquirimos mais experiência em sabedoria, conhecimento e espiritualidade. Mas não di-rei que possamos assumir um aspecto de completa juventude, nem perder as caracte-rísticas externas da personalidade. Isto seria nos transformar num todo uniforme. O certo é que retrocedemos ou adiantamo-nos — de acordo com a nossa idade quando passamos a espíritos — em relação àquilo que em geral se conhece como a flor da idade.

Para resumir: nosso anfitrião introduziu-nos no pomar, onde vi inúmeras árvores muito bem cultivadas e carregadas de frutas. O-lhou-me por um instante e conduziu-nos en-tão a uma esplêndida árvore que se parecia

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61bastante com uma ameixeira. As frutas eram perfeitas na forma, ricas em cor e pen-diam em grandes cachos. Colheu algumas e ofereceu-nas, assegurando que nos fariam bem. Eram frescas ao tato e notavelmente pecadas para o seu tamanho; o sabor, deli-cioso, a polpa, macia, sem ser difícil nem desagradável de tocar, e uma quantidade de suco semelhante ao néctar, escorria delas. Meus dois amigos observavam-me atenta-mente enquanto eu comia umas ameixas, ambos revelando uma expressão de jovial expectativa. Sendo abundante o suco, eu temia que escorresse sobre a minha roupa. Escorria sim, mas não a manchava, o que me maravilhou, provocando o riso de meus amigos. Apressaram-se então a explicar que, estando eu num mundo incorruptível, tudo quanto não se aproveita é imediatamente devolvido ao elemento de origem. O suco das frutas que eu julgara escorrer sobre mim voltara à árvore de onde proviera. Nosso anfitrião informou-me que o tipo especial de

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62ameixa que eu acabara de comer era re-comendado aos recém-chegados; facilitava a restauração do espírito, especialmente se o passamento se dera por moléstia. Observou, entretanto, que eu não parecia ter sofrido uma longa doença, e que, possivelmente, o meu falecimento deveria ter sido algo repen-tino, o que era a verdade. Eu estivera real-mente muito pouco tempo doente.

As frutas daquele pomar não eram apenas para os que necessitassem de algum trata-mento após a morte física, mas estavam à disposição de quem quer que os desejasse comer pelo seu efeito estimulante. Disse-me que se eu não possuísse árvores frutíferas, ou mesmo que as tivesse, poderia servir-me das suas, a qualquer hora.

— As frutas estão sempre no tempo — a-crescentou — e jamais encontrarás uma ár-vore sequer sem elas.

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63Respondendo à minha pergunta sobre como eram cultivadas, declarou que, assim como a inúmeras outras perguntas nestas paragens, a resposta só poderia vir dos pla-nos mais elevados e que, mesmo que a obti-véssemos, havia grande probabilidade de só a entendermos quando vivêssemos também naqueles planos.

— Aceitamos as coisas como são e como surgem — disse ele, — sem nada indagar, pois formam elas um interminável estoque provindo de uma interminável Fonte. Não há realmente necessidade de aprofundar tais assuntos, e a maioria aqui se satisfaz em usufruir de tudo com os corações gratos.

Quanto às frutas, o nosso anfitrião acrescen-tou que tudo quanto sabia era que, tão logo eram colhidas, outras vinham substituí-las. Nunca amadureciam demais, por serem per-feitas, e, como nós, imperecíveis. Convidou-nos a caminhar através do pomar onde vi-mos uma grande variedade de frutas, na

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64maioria espécies conhecidas pelo homem, e muitas também apenas imaginadas, por intermédio de informações espirituais. Expe-rimentei algumas de espécies desconhecidas; seria impossível descrever seu delicioso sa-bor, não há fruta terrestre que possa servir de base para uma comparação. Somente podemos dar indicações aos sentidos pela comparação com algo já experimentado. Se não tivermos tido essa experiência ficamos completamente impossibilitados de transmitir qualquer sensação nova; e em nenhum campo esse fato pode ser melhor observado que no do paladar.

Meu amigo explicou ao nosso cordial anfitri-ão que ele estava me mostrando a terra em que deveria viver desde então, ao que ele renovou o convite para visitá-lo sempre que o desejasse, e que não era preciso a sua presença para que eu me servisse do pomar. Após os agradecimentos, continuamos a nossa jornada.

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65Voltamos ao caminho ao lado do ribeirão, prosseguindo em direção da igreja. Notei então que aquele pequeno curso de água ia se alargando, até adquirir as dimensões de um lago de proporções regulares. Viam-se grupos de pessoas às margens e algumas se banhando. O lago era cercado por árvores, e havia muitas flores, de tal modo dispostas que, embora obedecessem a certa ordem, não davam contudo nenhuma idéia de pro-priedade. Pertenciam a todos com direitos iguais. Ninguém as maltratava. Algumas pes-soas podiam ser vistas com ambas as mãos em torno de algumas flores, em atitude aca-riciante; maneiras assim extraordinárias des-pertaram a minha curiosidade, e pedi a meu guia uma explicação. Sua resposta foi levar-me para perto de uma jovem, naquela atitu-de estranha. Senti-me embaraçado pela in-tromissão, porém me disseram: — "espera e vê". Meu amigo curvou-se ao lado dela e foi recebido com um sorriso e palavras de boas-vindas. Concluí que eram velhos amigos, no

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66que me enganara. Realmente, como de-pois me disseram, nunca se haviam visto antes; simplesmente aqui não necessitamos de apresentações formais; constituímos uma grande e unida família. Depois de nos acos-tumarmos com o novo ambiente e sistema de vida, verificamos que nunca seremos in-trometidos se pudermos ler com rapidez o pensamento de uma pessoa que deseje um período de isolamento. E ao vermos gente ao ar livre podemos nos considerar bem-vindos caso nos aproximemos para conversar.

Aquela jovem era, como eu, uma recém-chegada e contou--nos como alguns amigos lhe ensinaram a extrair das flores tudo quan-to elas profusamente oferecem. Curvei-me ao lado dela, que me fez uma demonstração prática. Colocando as mãos em volta da flor como a formar uma taça, eu poderia sentir uma força magnética subir-me pelos braços. Ao dirigir as mãos para uma bela flor, perce-bi que ela se curvava no caule para mim! Fiz como me ensinara, e incontinenti senti uma

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67corrente de vitalidade percorrer-me os braços, enquanto um delicioso perfume se exalava da flor. Advertiu-me a não colher as flores, pois elas eram eternas, faziam parte desta vida, como nós mesmos. Fiquei-lhe grato pelo aviso, visto que seria a mais natu-ral das ações apanhar flores que se viam em tamanha profusão. Não acontecia o mesmo com os frutos, que se destinavam a ser con-sumidos. As flores eram decorativas, e colhê-las seria como cortar as árvores frutíferas. Entretanto, outras flores existiam para serem colhidas. As que estava vendo agora serviam apenas para oferecer e renovar a vitalidade.

Indaguei de minha amiga se acaso já expe-rimentara as maravilhosas frutas, ao que me respondeu afirmativamente.

O guia sugeriu que nos aproximássemos da água e que se a jovem estivesse só, e qui-sesse nos acompanhar, seria motivo de pra-zer. Ela assentiu ao convite, e, assim, nós três nos aproximamos do lago. Expliquei-lhe

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68que meu amigo era um habitante já afeito a estas paragens e que me servia de guia e conselheiro. Ela parecia rejubilar-se pela nossa companhia, não que estivesse solitá-ria, pois solidão é coisa inexistente nesta região, mas por ter tido raros amigos en-quanto viva, embora nunca tivesse sido indi-ferente às penas, preocupações e dores dos outros. Desde que se tornara espírito, havia encontrado tantas almas bondosas de dispo-sição semelhante à sua, que logo acreditara fôssemos também. Forneci-lhe alguns por-menores a meu respeito e como estivesse ainda usando minha vestimenta terrena — ou melhor, a sua equivalente — foi-lhe pos-sível identificar-me com o que eu havia sido profissionalmente. E como o meu amigo também se vestisse da mesma maneira, ela declarou, rindo, que se sentia a salvo em nossas mãos!

Lembrei-me do que se dissera antes acerca dos banhos, mas receei especificar o equi-pamento necessário para tomá-los. Meu a-

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69migo, porém, tirou-me dessa situação de-veras embaraçosa, referindo-se, ele mesmo, ao assunto.

Tudo o que era necessário para gozar as de-lícias de um banho era a água, só isso! Nada mais simples: entrar na água exatamente como estávamos. Nadássemos ou não, isso pouco importava. Devo confessar que fiquei estupefato com aquilo e, naturalmente, hesi-tei um pouco. Entretanto, meu amigo entrou calmamente no lago, ficando totalmente submerso. Seu gesto nos encorajou e, se-guindo o seu exemplo, nós também nos ati-ramos na água.

O que eu esperava de tudo isso, não me lembro. Pelo menos antecipava o efeito habi-tual da água em idênticas circunstâncias na terra.

Foi, pois, muito grande a minha surpresa e, ao mesmo tempo, o meu alívio, quando veri-fiquei que a água, mais do que um líquido

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70penetrante, era como que um manto mor-no me envolvendo. A ação magnética da á-gua era semelhante à do riacho em que mo-lhara as mãos. Porém, aqui a força revigo-rante envolvia o corpo, insuflando-lhe nova vida. Era a água deliciosamente quente, sen-do possível ficar de pé, flutuar ou afundar completamente, isto é, abaixo da superfície, sem que isso representasse qualquer perigo ou incômodo. Se eu tivesse refletido, teria logo verificado que isso era inevitável. O es-pírito é indestrutível. Mas, além dessa influ-ência, magnética, havia, proveniente da á-gua, uma confiança dupla, como que uma sensação afetiva, se assim se pode dizer. Não é fácil dar uma idéia precisa desta expe-riência, fundamentalmente espiritual. Que a água era viva, não se podia duvidar. Irradia-va sua bondade pelo contato e estendia sua celestial influência a todos os que a usavam. De minha parte, confesso que experimentei uma exaltação espiritual, uma regeneração vital, a tal ponto, que esqueci minha hesita-

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71ção inicial e o fato de estar inteiramente vestido!

Minha mente estava livre de perturbação ao lembrar-me de que, ao retirar a mão do ria-cho, a água escorrera, deixando-a comple-tamente seca. Estava, portanto, preparado para o que se seguiu quando saímos do lago. Ao emergirmos, a água escorria, deixando minhas roupas como se encontravam antes. A água havia penetrado o tecido como o ar ou a atmosfera o fazem, porém sem deixar qualquer sinal visível.

Mais uma observação a respeito da água: era límpida como o cristal, e a luz, em cores quase ofuscantes, se refletia em suas ondas. Era excepcionalmente suave ao tato, e sua leveza tinha a mesma qualidade da atmosfe-ra, isto é, suportava tudo o que nela ou so-bre ela se colocasse. Assim como é impossí-vel aqui cair por acidente, o que pode acon-tecer na terra, também o é afundar na água. Todos os nossos movimentos refletem dire-

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72tamente as nossas mentes, e, assim, não podemos nos machucar ou sofrer acidentes. Receio que não consiga descrever alguns destes fenômenos sem ir além do alcance de mentalidades e experiências terrenas. So-mente as testemunhas oculares podem ter uma idéia precisa das maravilhas destas pa-ragens.

Após curta caminhada, chegamos à igreja que eu avistara à distância e que alimentava o desejo de visitar. Tratava-se de um templo de construção gótica, de tamanho médio, semelhante às igrejas paroquiais da terra. Estava situado em agradável recanto, que se nos afigurava mais espaçoso em virtude de não existirem grades ou muros demarcado-res dos seus limites eclesiásticos. O revesti-mento de pedra com que o templo foi cons-truído tinha a frescura própria dos prédios novos; mas, na verdade, ele existia há mui-tos anos terrenos. Sua limpeza exterior esta-va de acordo com todas as coisas daqui: não há decadência. Não existe também aquele ar

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73enfumaçado que dá ao excursionista uma impressão desoladora. Não havia, é claro, um cemitério anexo. Apesar de muita gente praticar ardorosamente suas religiões predi-letas da terra, é evidente que, ao se erigir um templo aqui, é desnecessário e inútil construir também um cemitério.

À entrada havia o usual quadro para afixação de avisos, mas onde se mencionava apenas a natureza dos serviços da Igreja Estabeleci-da. Não figurava ali o horário dos cultos, e pus-me a refletir como uma organização des-ta espécie poderia reunir-se se o tempo, co-mo é conhecido no mundo, não tem existên-cia. Aqui não há noite e dia, alternadamente, pelos quais o tempo possa ser medido. É dia perpétuo. O grande sol celestial brilha eter-namente, como já disse. Não temos também as muitas outras indicações do passar do tempo, como por exemplo fome e fadiga. Nem aquelas do envelhecer do corpo e do embotamento das faculdades mentais.

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74Aqui não há o ciclo de primavera, outono e inverno; em lugar deles gozamos a gloria de eterno verão — e nunca nos cansamos disso!

Como sempre, voltei-me para indagar de meu amigo a respeito das reuniões de con-gregações. Era muito simples, disse ele. Quem estiver encarregado delas, tem apenas que enviar seus pensamentos para a sua congregação, e aqueles que desejam vir, se reúnem. Não há necessidade de tocar os sinos, pois a emissão do pensamento é mui-to mais completa e exata. Os paroquianos têm apenas que esperar até que os pensa-mentos os alcancem para se congregarem. Mas onde obtém o prelado a indicação de que se aproxima a hora do culto? Essa ques-tão, me disse ele, fazia surgir um problema muito maior.

Com a ausência do tempo terreno no mundo do espírito, nossas vidas são ordenadas por acontecimentos, isto é, aqueles que são par-

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75te da nossa vida. Não me refiro às ocor-rências incidentais, mas às que na terra são consideradas acontecimentos periódicos. Temos aqui muitos desses acontecimentos, como espero demonstrar à medida que de-senvolvo a narrativa, e ao fazê-lo verão co-mo nós sabemos que a realização de certos atos, individuais ou coletivamente, nos são claramente lembrados. A igreja que agora visitávamos havia estabelecido uma ordem regular de serviços, como aqueles a que es-tamos acostumados na terra. O prelado que trabalhava como pastor desse estranho re-banho sentiria, pelos seus deveres cotidianos na terra, a aproximação do dia e hora usuais em que os cultos eram mantidos. Seria, por assim dizer, instintivo, e tornar-se-ia mais acentuado com o hábito, até que a percep-ção mental adquirisse absoluta regularidade, como no plano terreno. Assim, a congrega-ção, tem apenas que esperar o chamado de seu ministro.

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76A tabuleta de avisos dava uma lista dos serviços usuais vistos geralmente numa igre-ja terrena da mesma denominação. Um ou dois itens estavam entretanto visivelmente ausentes, como os comunicados de casa-mentos e batizados. A primeira omissão po-dia-se compreender, e a última podia apenas significar que o batismo é desnecessário, visto que o batizado estaria no Céu — onde se presume que esta igreja esteja situada.

Entramos e vimos um encantador edifício, de desenho convencional. Havia belíssimos vi-trais representando cenas da vida de santos, através dos quais se espargia uma luz, vinda de todos os lados da igreja e produzindo um estranho efeito no ambiente, devido ao seu colorido. Providências para aquecer o prédio eram, é claro, supérfluas. Havia um esplên-dido órgão numa das extremidades, e o al-tar-mor era ricamente trabalhado. Fora isso, havia certa simplicidade, que de maneira alguma afetava a beleza geral da peça de arquitetura. Havia sinais evidentes de cuida-

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77doso trato por toda parte. Sentamo-nos um pouco, gozando a paz e a calma do lugar e, tendo visto tudo que ali havia, retomamos ao ar livre.

IV. LAR PARA REPOUSO

Ao caminharmos, pelo menos dois de nós refletíamos sobre o que havíamos visto — e a sua significação. Nossa jovem amiga, que se chamava Rute, nos fez várias perguntas, mas, esquivei-me de respondê-las, porquan-to era também eu um recém-chegado. Edwin — o nome do nosso amigo que até aqui omi-ti — encarregar-se-ia de o fazer.

Rute nunca fora muito freqüentadora de i-grejas enquanto viva, mas era uma alma bondosa, como se podia ver, assim como era fácil ver que a ausência da igreja não lhe acarretara diferença no destino. Suas ações a favor do próximo tinham contribuído mais para o seu bem-estar espiritual do que toda a exibição externa de religião, Assim como

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78eu, ela também se surpreendia de ver, em espírito, a completa coleção de acessórios da religião ortodoxa. Edwin disse-lhe que até então havia ela visto apenas um exemplo, e que havia muitos outros. Mas, tendo visto um, era o mesmo que ver todos. Cada seita, é claro, mantém seus próprios credos e for-mulários, tal como na terra, com muito pou-ca diferença, como acabávamos de ver.

Tal sonolência espiritual não é novidade no reino dos espíritos. O mundo é o culpado disso. As controvérsias religiosas são a base de toda a ignorância e falta de conhecimento que tanta gente traz para o mundo espiritu-al, e, desde que a mente de tais pessoas é teimosa e realmente incapaz de pensar por si só, então, elas se mantêm acorrentadas a suas estreitas opiniões, julgando-as verda-deiras, até que um dia lhes vem o despertar espiritual. É quando verificam que a escravi-dão mental as retardava. E é lamentável que a cada um que deixa para sempre essas congregações mal-orientadas, outro substitu-

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79to apareça — até que chegue a hora de toda a terra conhecer a verdade sobre o mundo do espírito. Evidentemente aqui não prejudicam a ninguém, visto que apenas es-tão retardando o seu próprio progresso espi-ritual. Compreendendo o que estão fazendo a si próprios, dão o primeiro passo firme pa-ra a frente e sua alegria é ilimitada. Compre-enderão então o tempo que aparentemente desperdiçaram.

Agora, é caso de se perguntar: desde que com a aquisição da verdade e do conheci-mento, essas extensões de religiões terrenas ao mundo espiritual são desnecessárias, o que devemos colocar em seu lugar? Isto po-deria parecer uma condenação à adoração comunal. — Absolutamente. Temos a nossa adoração comunal aqui, mas ela é purificada de todos os traços de credos sem significado, de doutrinas e de dogmas. Adoramos o Grande e Eterno Pai em verdade absoluta. | E ninguém é forçado a crer cegamente — ou declarar que o faz — em algo que é comple-

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80tamente incompreensível a qualquer men-te. Aqui há muitas e muitas coisas que não compreendemos — e levaria milhões de anos antes de termos a mais leve sombra de en-tendimento. Mas não nos pedem que com-preendamos, mas sim que as aceitemos tal como são. Isso não influi em nada no pro-gresso de nossa alma. Poderemos progredir mais e mais sem necessidade de pensar em compreender.

Tais foram os assuntos discutidos — era Ed-win que os expunha — enquanto caminhá-vamos pelo maravilhoso céu de Deus. Rute descobriu um imponente edifício, em terras bem--arborizadas, que também despertou minha curiosidade. Apelamos para o nosso guia, e Edwin nos contou que era um lar pa-ra repouso, destinado àqueles que chegas-sem ao espírito depois de longa enfermidade ou que haviam tido violento passamento. Indagamos se seria possível dar uma espiada lá dentro, sem parecermos bisbilhoteiros. ele assegurou-nos que seria muito fácil, visto

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81que prestara serviços lá, e era portanto persona grata. Além disso, tínhamos suficiente simpatia para banirmos qualquer idéia de que éramos intrometidos. Ao nos aproximarmos vimos que o edifício não se assemelhava em nada a um hospital, qualquer que fosse a sua função. Construído no estilo clássico, tinha dois ou três andares, e era completamente aberto por todos os lados. Isto é, não possuía janelas, tais como as conhecemos na terra. Era de material branco, mas imediatamente acima dele via-se uma grande réstia de luz que envolvia a casa toda numa surpreendente tonalidade azul. Q raio era doador de vida — um raio com poderes terapêuticos — mandado para os recém-chegados que ainda não haviam despertado. Quando completamente restabelecidos para o mundo espiritual, haveria um esplêndido despertar e eles seriam apresentados à sua nova terra.

Notei que havia muitas pessoas sentadas nos gramados ou passeando. Eram parentes e

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82amigos dos que estavam submetidos a tratamento no lar e cujo despertar era imi-nente. Embora, sem dúvida, pudessem ser chamados no instante necessário, eles se-guiam o velho instinto terreno e preferiam esperar o feliz momento, ali por perto. Esta-vam extremamente alegres e entusiasmados, como se podia perceber pelas expressões dos semblantes, e muitos foram os sorrisos amistosos que recebemos ao passar entre eles. Muitos também vinham ao nosso en-contro para nos dar as boas-vindas julgando que ali estávamos pelas mesmas razões. Ao contar-lhes nossa real intenção, apressavam-se a deixar-nos caminho livre.

Observei que muitas das pessoas que espe-ravam nos jardins não estavam com suas vestimentas terrenas, e supus que já fossem espíritos há muito tempo. Mas não era esse o caso, como explicou Edwin. Eles tinham o direito de usar suas roupas de espírito em virtude de serem agora habitantes perenes do reino em que estávamos. E essas roupa-

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83gens eram eminentemente apropriadas tanto ao lugar como à situação. Ê difícil des-crevê-las porque depende de conseguirmos ou não compará-las a algum tecido terreno. Aí não há esses materiais, e toda aparência externa é produzida não pela consistência do tecido, mas pela espécie e grau de luz, que é a essência do manto. Os que víamos agora eram de vaporosa forma e compridos, e as cores — azul e rosa de vários tons — pareci-am entremear-se em toda a substância do manto. Pareciam muito confortáveis, e, como tudo aqui, não necessitam cuidados para conservarem-se em perfeito estado, sendo suficiente a própria espiritualidade do seu portador.

Nós três estávamos ainda usando o estilo mundano de vestimentas, e Edwin sugeriu que, para os fins que tínhamos em vista, po-deríamos mudá-las agora. Eu estava mais do que disposto a aceitar qualquer sugestão sua, e Rute também parecia ansiosa por ex-

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84perimentar essa mudança; mas o que nos intrigava era como ela seria feita.

Possivelmente há pessoas na terra prontas a acreditar que para sermos formalmente a-presentados em roupagem espiritual seria necessária uma cerimônia na presença de um bom número de seres celestiais, vindos para testemunhar a doação dessa recompen-sa celestial. Apresso-me a dizer muito enfati-camente que não foi isso que aconteceu.

O que realmente sucedeu foi o seguinte: as-sim que expressei o desejo de desfazer-me das roupas terrenas, elas se desvaneceram — dissolvidas — e achei-me envolto em meu especial manto espiritual, igual aos que via em meu redor, O de Edwin também fora mudado da mesma maneira, e notei que ir-radiava mais luz do que o meu e de Rute; ela, é desnecessário dizer, estava encantada com esta nova manifestação do espírito. Meu velho amigo, que já passara por tal experi-ência, estava imperturbável; mas no meu

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85caso e no de Rute, tudo era novo, e no entanto não sentimos o mais leve embaraço ou acanhamento diante desta, por assim di-zer, revolucionária alteração na aparência externa. Pelo contrário, ela parecia-nos natu-ral e de acordo com o nosso atual ambiente, e muito mais ainda, quando entramos na casa de repouso. Nada seria mais incongru-ente do que aparências terrenas em tal mo-radia, que em sua disposição interior e aco-modações, era totalmente diferente do que víramos na terra.

Ao entrarmos, Edwin foi recebido por al-guém, como velho amigo. Explicou sua mis-são e nossa presença ali, ao que nos deram as boas-vindas e liberdade para observarmos tudo o que quiséssemos.

Um vestíbulo externo conduzia-nos a um outro, interno, de consideráveis dimensões. O espaço que deveria ser destinado a janelas era ocupado por altos pilares um pouco afas-tados uns dos outros, sendo idêntica a dis-

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86posição nas quatro paredes. Era mínima a decoração interior, mas não se suponha que o aposento fosse frio como um quartel. Nada disso. O chão era coberto de macio tapete em sóbrios desenhos, e aqui e ali, nas pare-des, via-se uma tapeçaria magnificamente trabalhada. Ocupando todo o espaço do chão, havia leitos extremamente confortáveis e em cada um, um vulto deitado, imóvel e aparentemente imerso em profundo sono. Vários homens e mulheres moviam-se silen-ciosamente ao redor, ocupados em observar os vários leitos e seus ocupantes.

Notei, logo ao entrar no salão, que ficamos sob a influência do raio azul, e seu efeito era de renovação de energias e de tranqüilidade. Outra coisa notável era a completa ausência de qualquer idéia de instituição, com os ine-vitáveis inconvenientes de tudo que é oficia-lizado. Os que assistiam os adormecidos, faziam-no, não com a atitude de quem se desincumbe de uma tarefa a esmo, mas co-mo se realizassem

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87um puro trabalho de amor e com alegria. Era exatamente isso. O feliz despertar daquelas almas adormecidas era uma alegria repetida para eles, bem como para as pesso-as que os tinham vindo ver.

Fiquei sabendo que todos os pacientes deste salão tinham sofrido prolongadas doenças antes do passamento. Logo após a morte, eles são postos docemente em profundo so-no. Em alguns casos o sono é imediato — ou sem interrupção — à morte física. Longa do-ença anterior à entrada no espírito tem um efeito debilitante sobre a mente, que por seu turno influencia o corpo espiritual. Este últi-mo não é tão importante, mas a mente re-quer absoluto descanso, de duração variável. Cada caso é tratado individualmente, e, con-seqüentemente reage a esse tratamento. J Durante o estágio a mente repousa comple-tamente. Não há sonhos desagradáveis, nem febres ou delírios.

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88Enquanto observava esta perfeita manifes-tação da Divina Providência, vieram-me à idéia as absurdas noções terrenas de des-canso eterno, sono da eternidade e muitas outras concepções, igualmente errôneas, e me pus a imaginar se este sono que agora me era dado ver, não teria sido deturpado por mentes terrenas, que o consideram um sono eterno, para o qual passam todas as almas ao dissolver-se, e lá esperam, por in-findáveis anos, o terrível último dia — o te-mido Dia do Julgamento. Aqui estava a refu-tação visível de tão insensata crença.

Nenhum dos meus dois amigos tinha desper-tado neste ou qualquer outro lar de descan-so, disseram-me eles próprios. Como eu, não tinham sofrido prolongada doença, e o fim de suas vidas terrenas tinha vindo rápida e agradavelmente.

Os pacientes em seus leitos pareciam em paz. Observação constante era mantida, e aos primeiros sinais de despertar da consci-

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89ência, outros auxiliares são chamados e tudo corre às mil maravilhas. Alguns desper-tam parcialmente e retornam à sonolência. Outros sacodem o torpor, e é então que os experientes espíritos que os assistem terão sua tarefa mais difícil. Até esse momento, de fato, foi só questão de vigilância e espera. Em muitos casos, é necessário explicar ao recém--desperto que ele morreu e está vivo. Lembrar-se-ão geralmente da longa doença, mas alguns desconhecem que passaram ao espírito, e quando a verdade lhes é calma e docemente explicada, eles freqüentemente sentem desejos de voltar à terra, talvez aos que os choram ou por quem eram responsá-veis. Dizem-lhes que não podem voltar e que outros com experiência tomarão conta dos que os preocupam. O despertar assim, não é feliz, comparado com os que acordam com-pletamente ao par do que aconteceu. Fosse a terra mais instruída, e isto seria mais co-mum, e haveria menos desgostos para aque-les que acordam.

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90O mundo terreno se julga muito adianta-do, muito civilizado, mas tal opinião é fruto da ignorância. O mundo terreno é considera-do como de suma importância e o mundo espiritual é olhado como algo vago e distan-te. E quando finalmente uma alma aqui che-ga é mais do que tempo de se começar a preocupar. Até então não havia necessidade de nos incomodarmos com esse assunto. Essa é a atitude mental de milhares e milha-res de almas encarnadas, e aqui, neste lar de descanso, observamos quantas pessoas despertam de seu sono espiritual. Vimos al-mas bondosas e pacientes tentarem conven-cer essas pessoas de que realmente morre-ram. E este lar é apenas um, dos muitos em que o mesmo serviço está sendo levado a efeito, e tudo porque o mundo terreno é tão mais superior em sabedoria!

Foi-nos mostrado outro salão similar, onde havia pessoas cujo passamento tinha sido repentino e violento. Esses casos eram ge-ralmente mais difíceis do que os que acabá-

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91ramos de ver. O passamento súbito acres-centava confusão a suas mentes. Em vez de uma gradual transição, o corpo espiritual em muitos casos é separado à força do corpo físico, e precipitado no mundo dos espíritos. O passamento foi tão repentino que lhes pa-rece não haver solução de continuidade em suas vidas. Essas pessoas são cuidadas rapi-damente por grupos de almas que devotam todo o seu tempo e energia a tal trabalho. E agora, aqui, podíamos ver o resultado de tal labor.

Asseguro-vos que não é uma visão agradável a dessas pacientes almas lutarem mental-mente — e às vezes quase fisicamente — com pessoas que ignoram que estejam mor-tas. É até triste, posso afirmá-lo, porque fui testemunha. E quem é o culpado por tal es-tado de coisas? Muitas dessas almas culpam-se a si mesmas, depois de estarem aqui o suficiente para apreciarem sua nova condi-ção, ou culpam o mundo que deixaram re-

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92centemente, por tolerar tal cegueira e es-tupidez.

Quando Edwin observou que já tínhamos visto o suficiente, tanto Rute como eu parti-mos sem lamentar. Deve-se lembrar que é-ramos, ambos, recém-chegados e não tí-nhamos ainda suficiente experiência para suportar espetáculos que pudessem ser pe-nosos. Por isso passamos novamente ao ar livre, tomamos um caminho que beirava um grande pomar semelhante, porém mais ex-tenso, àquele onde me permitiram provar os frutos celestiais. Estava bem à mão daqueles que despertavam e, é claro, de qualquer ou-tra pessoa que o quisesse usar.

Ocorreu-me que Edwin estava gastando mui-to do seu tempo conosco, talvez com sacrifí-cio de seu próprio trabalho. Mas disse-me ele que o que fazia neste momento era, sob muitos aspectos, o seu trabalho costumeiro — ajudar as pessoas a acostumarem-se em seu novo ambiente, assim como ajudar os

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93que começavam a desfazer-se de suas velhas crenças religiosas e a afastar-se da sufocante mentalidade das comunidades or-todoxas. Folguei em saber disso, pois signifi-cava que ele continuaria a ser o nosso cice-rone.

Agora, aqui fora, surgiu a seguinte questão: deveríamos continuar com os mantos espiri-tuais, ou deveríamos retornar à nossa velha indumentária? No tocante a Rute, nem quis ouvir falar em tal, declarando-se perfeita-mente satisfeita assim como estava, e ainda nos perguntou se haveria roupas terrenas melhores do que aquelas. Em face de tais argumentos, submetemo-nos. Mas, e Edwin e eu? Meu amigo havia retomado sua batina terrestre apenas para me fazer companhia e me deixar à vontade. Decidi então ficar como estava — em trajos espirituais.

Em caminho conversávamos a respeito das várias idéias terrenas referentes à aparência pessoal dos espíritos. Rute mencionou a pa-

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94lavra asas, associando-a a seres angélicos e imediatamente concordamos que tal idéia era absolutamente absurda. Não poderia haver meio de locomoção mais desajeitado e solene do que esse. Creio que os artistas dos tempos antigos são os maiores responsáveis por esta noção tão diferente da realidade. Presume-se que julgavam essencial aos espí-ritos algum meio de locomoção, e que o mé-todo terreno de usar pernas era mundano demais para ser admitido, mesmo como re-mota possibilidade. Não tendo nenhum co-nhecimento sobre o poder do pensamento aqui, e de sua ação direta nos nossos pró-prios movimentos, eles recorriam ao único meio de locomoção através do espaço, que conheciam então — as asas. Será que ainda há pessoas na terra que crêem realmente que somos aparentados com os pássaros?

Não tínhamos ido muito longe, quando Ed-win pensou que talvez gostássemos de ir à cidade, que podíamos avistar não muito adi-ante. Digo "não muito adiante", mas não se

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95deve pensar que a distância aqui tenha algum significado. É evidente que não! O que quis dizer é que a cidade estava sufici-entemente perto, para a visitarmos sem fa-zer qualquer desvio da nossa direção geral. Rute e eu logo concordamos que gostaría-mos de partir para lá, visto que a cidade es-piritual seria uma nova revelação para nós.

Surgiu então a pergunta: devíamos andar ou empregar um método mais rápido? Ambos achávamos que seria interessante experi-mentar o que o poder do pensamento pode fazer, mas, como aconteceu anteriormente, e em outras circunstâncias, não sabíamos de que maneira pôr essas forças em ação. Ed-win nos informou que uma vez conseguido este simples processo de pensar, nunca mais teríamos dificuldades no futuro. Em primeiro lugar, era necessário ter confiança; e em segundo, a nossa concentração de pensa-mento não poderia ser feita sem vontade. Para usar uma expressão terrena, "nós nos desejamos" lá, e, lá nos achamos! No início

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96talvez seja necessário certo esforço cons-ciente; mas depois, podemos mover-nos pa-ra qualquer parte, quase sem pensar, pode-se dizer! Voltamos aos métodos terrenos, quando desejamos sentar-nos, andar, ou executar ações já familiares e nem percebe-mos qualquer indício de esforço para realizar o menor dos nossos desejos. O pensamento passa tão rapidamente pela nossa mente, que nem nos damos conta dos muitos movi-mentos musculares envolvidos nesse proces-so: eles passam a ser uma segunda nature-za. É assim precisamente o que acontece aqui. Pensamos apenas que gostaríamos de estar em tal lugar, e já estamos lá. Preciso, é claro, esclarecer que nem todos os lugares estão abertos a nós. Há muitos reinos onde não nos é dado entrar, a não ser em circuns-tâncias muitos especiais, e somente se o nosso progresso o permitir. Isso entretanto, não afeta o método de locomoção aqui, mas meramente nos delimita certas direções bem definidas.

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97Uma vez que desejávamos estar juntos, perguntei a Edwin se não seria mais prático os três terem o mesmo pensamento e fixar a mente na mesma localidade. Ao que ele res-pondeu haver vários fatores a serem obser-vados nesse particular. Primeiro, era que, sendo esta a nossa tentativa inicial de loco-moção mental, ele ficaria de certa forma to-mando conta de nós. Depois, deveríamos, automaticamente permanecer em contacto uns com os outros, visto que assim o tínha-mos desejado. Esses dois fatos já eram ga-rantia suficiente de uma chegada conjunta e a salvo ao local do nosso destino. Quando adquiríssemos suficiente prática nesses mé-todos não haveria mais dificuldades.

Não nos devemos esquecer que o pensa-mento é instantâneo, e não há possibilidade de se perder em espaço ilimitado. Tive expe-riência disso imediatamente após o meu fa-lecimento, mas nessa ocasião eu me havia movido relativamente devagar e com os o-lhos firmemente fechados. Edwin sugeriu

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98então que, para gozarmos desse diverti-mento agradável, tentássemos uma experi-ência sozinhos. Assegurou-nos que nada de mau nos adviria, em qualquer circunstância. Propôs que Rute e eu nos projetássemos a um pequeno agrupamento de árvores, cerca de um quarto de milha distante — em medi-das terrenas. Sentamo-nos na grama, a con-templar o nosso objetivo, e Edwin disse-nos que se ficássemos nervosos, poderíamos dar-nos as mãos. Rute e eu devíamos ir sós, enquanto ele permaneceria no gramado. Te-ríamos apenas que nos imaginar ao pé da-quelas árvores. Olhamo-nos divertidos, am-bos imaginando o que iria acontecer, e ne-nhum tomava a iniciativa. Estávamos assim hesitantes, quando Edwin disse: "Parti!" Sua exclamação deve ter fornecido o necessário estímulo, pois peguei a mão de Rute, e logo depois nos achamos de pé sob as árvores!

Olhamo-nos, se não com espanto, pelo me-nos com algo muito semelhante. Lançando o olhar para onde tínhamos deixado Edwin, lá

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99o vimos acenando com a mão. Foi então que algo estranho aconteceu. Ambos vimos à nossa frente, o que nos pareceu um clarão. Não era ofuscante, nem nos amedrontou. Apenas chamou a nossa atenção, como a-contece com o sol ao surgir detrás das nu-vens. Iluminou um pequeno espaço diante dos nossos olhos e ficamos imóveis, cheios de ansiedade pelo que iria acontecer. Então, claramente, e sem sombra de dúvida, ouvi-mos — ou com os ouvidos, ou com a mente, não posso dizer — a voz de Edwin indagando se havíamos gostado da breve viagem, e que voltássemos como tínhamos vindo. Ambos comentamos o que víramos, tentando de-terminar se era realmente Edwin que havia falado. Mal tínhamos demonstrado a nossa perplexidade, e ouvimos outra vez a voz de Edwin, assegurando que nos ouvira enquan-to procurávamos esclarecer aquele fato! Fi-camos tão jubilosos e admirados, que resol-vemos voltar imediatamente para perto de Edwin e exigir uma explicação. Repetimos o

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100 processo, e lá nos achamos outra vez, sentados ao lado do nosso amigo, que ria feliz com a nossa estupefação.

Já ele se preparara para o ataque — e nós o bombardeamos com perguntas — e contou então, que nos reservara essa surpresa de propósito. AH estava, disse ele, outro exem-plo do pensamento concreto. Se nos pode-mos mover pelo poder do pensamento, se-gue-se que também poderemos enviar os nossos pensamentos por si sós, livres de to-da idéia de distância. Quando focalizamos os nossos pensamentos em alguma pessoa no mundo espiritual, sejam eles na forma de mensagem definida, ou apenas de natureza afetuosa, atingirão o seu objetivo, sem som-bra de dúvida; é o que acontece no mundo espiritual. Como acontece, não estou prepa-rado para dizer. É mais uma das coisas que aceitamos como são e nos rejubilamos com elas.

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101 Até aqui, tínhamos usado os órgãos da fala para conversar com alguém. "Era quase natural e não lhe demos maior importância. Não tinha ocorrido a Rute ou a mim que houvesse aqui um meio de comunicação à distância. Não estávamos mais cerceados pelas limitações terrenas, e no entanto até agora não víramos nada que substituísse o usual método de intercomunicação terrena. Essa ausência total devia nos ter preparado para o inesperado.

Apesar de podermos assim enviar os nossos pensamentos, não se deve supor que a nos-sa mente permaneça como um livro aberto para todos lerem. Absolutamente. Podemos, se quisermos, guardar deliberadamente os nossos pensamentos para nós mesmos; se os deixamos vagar ociosamente, então, sim, poderão ser lidos por outrem. Uma das pri-meiras coisas a compreender aqui, é que o pensamento é concreto, pode criar e construir, e o nosso imediato esforço, por-tanto, é colocar os pensamentos sob controle adequado. Mas, como tantas outras coisas

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102 quado. Mas, como tantas outras coisas aqui, podemos nos ajustar logo às novas condições, se nos dispusermos a isso; e nun-ca nos faltarão os mais dedicados auxiliares. Estes já foram encontrados por mim e Rute, para nosso grande alívio e gratidão.

A esta altura Rute já estava impaciente para ir à cidade e insistiu com Edwin para lá nos conduzir imediatamente. Desta forma, sem mais delongas, erguemo-nos da grama e a uma palavra do nosso guia, partimos.

Ao nos aproximarmos da cidade, foi possível avaliar a sua enorme extensão. Nem preciso dizer que era totalmente diversa, de tudo que jamais víramos. Consistia de grande número de majestosos edifícios, rodeados de magníficos jardins e árvores, onde brilha-vam, aqui e acolá, espelhos de água, límpida como cristal, refletindo, além das cores já conhecidas da terra, outras mil tonalidades jamais vistas.

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103 Nem se pode imaginar que esses jardins tivessem a menor semelhança com os da terra, que por melhores e mais belos que sejam, ficam a perder de vista, em compara-ção com esta riqueza de perfeito colorido, e perfumes celestiais. Caminhar pelos grama-dos em meio a tal profusão de beleza natu-ral, nos deixava fascinados. Nunca pensara que as belezas do campo, tais como as co-nhecia, pudessem ser assim ultrapassadas.

Minha mente se transportara às ruas estrei-tas e às calçadas apinhadas da terra; prédios amontoados porque o espaço era valioso e caro; o ar, pesado e poluído, pela grande cadeia de tráfego; tinha pensado na pressa e no tumulto, em toda a agitação da vida co-mercial e na excitação de prazeres passagei-ros. Não tinha a menor idéia de uma cidade de beleza eterna, tão diferente de uma cida-de terrena quanto a luz do dia o é da noite escura. Viam-se largas ruas de gramados verdes como esmeraldas, partindo, como os raios de uma roda, do edifício, que era o

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104 centro de toda a cidade. Um grande raio de luz purificada descia sobre a cúpula e ins-tintivamente sentimos, sem que Edwin o dis-sesse, que neste templo podíamos erguer, à Grande Fonte de todas as coisas, as nossas graças, e que ali acharíamos nada menos que a Glória de Deus na Verdade.

Comparados com as estruturas terrenas, os edifícios não eram muito altos, mas apenas extremamente amplos. É impossível descre-ver de que materiais se compunham, por serem essencialmente espirituais. A superfí-cie é lisa como mármore, e tem a delicada consistência e a transparência do alabastro, ao mesmo tempo que cada prédio emite uma corrente de luz da mais pálida tonalida-de. Alguns eram esculpidos com desenhos de folhagens e flores, outros, quase sem ador-nos, usando como tal apenas seu estilo meio clássico. Sobre tudo isso derramava-se inin-terruptamente a luz celestial, de maneira que não havia sombras em parte alguma.

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105 Esta cidade, devotada ao cultivo do sa-ber, ao estudo e prática das artes, e aos pra-zeres de todo este reino, não é exclusividade de ninguém,- mas livre para todos a goza-rem, com iguais direitos. Aqui é possível prosseguir qualquer das agradáveis e profí-cuas ocupações começadas no plano terres-tre. Aqui, também, muitas almas podem se entregar a amenas diversões que lhes ti-nham sido negadas por várias razões, en-quanto encarnadas.

O primeiro departamento era dedicado à arte da pintura. De grandes proporções, continha uma longa galeria em cujas paredes eram exibidas todas as grandes obras-primas co-nhecidas do homem. Estavam dispostas de tal maneira, que se poderia acompanhar ca-da passo do progresso terreno, a começar da Antigüidade, até os dias atuais. Todos os estilos pictóricos, colhidos em todos os pon-tos da terra, estavam aqui representados.

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106 Grande número de pessoas se moviam ao longo da galeria, muitos seguindo a pró-pria fantasia. Mas havia grupos mais sérios, atentos às palavras de experimentados mes-tres, que apontavam as várias fases da histó-ria da Arte, ilustrada nas paredes; e suas explicações eram tão claras e interessantes que ninguém podia deixar de as compreen-der.

Reconheci muitas daquelas pinturas, pois que víramos seus originais, nas galerias da terra. Qual não foi a nossa surpresa quando Edwin declarou que os que tínhamos visto na terra não eram, absolutamente os originais. Agora é que estávamos vendo pela primeira vez os originais. Tínhamos visto na terra a-penas reproduções, que, por sua vez, eram deterioráveis sob a ação do tempo, do fogo, da água, etc.

Mas aqui deparávamos com os resultados diretos dos pensamentos do pintor, criados no etéreo antes de ele transferir essas idéias

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107 à tela. Podia-se observar muitos casos em que a pintura terrena não correspondia ao que o artista tinha em mente. Esforçava-se por reproduzir sua concepção exata, mas devido às limitações físicas, essa exata con-cepção lhe escapava. Em alguns casos falta-vam os pigmentos necessários, quando, ao iniciar, o artista fora incapaz de achar ou criar a exata tonalidade desejada. Mas, ape-sar de incapaz fisicamente, sua mente sabia precisamente o que ele desejava fazer. Havia criado em seu espírito os resultados que a-gora podíamos ver, ao passo que na tela material havia falhado.

Essa foi a grande diferença observada nos quadros, ao compará-los com os que tive oportunidade de ver na terra. Outra grande diversidade — e a mais importante — era o fato de que todos esses quadros estavam vivos. É impossível dar uma idéia disso; é preciso ver, para poder compreender. Posso apenas sugerir uma idéia. Os quadros, fos-sem paisagens ou retratos, nunca eram pla-

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108 nos, isto é, nunca pareciam pintados so-bre uma tela, mas possuíam toda a perfeição do relevo. 0 tema salientava-se quase como se fosse um modelo - um modelo de onde se pudessem apanhar todos os elementos que constituem o tema de um quadro. Sentia-se que as sombras eram verdadeiras sombras, projetadas por verdadeiros objetos. As cores brilhavam com vida, mesmo nas primeiras obras anteriores ao verdadeiro progresso.

Veio-me à mente um problema, para cuja solução naturalmente recorri a Edwin. Era o seguinte: como seria indesejável e talvez impraticável expor nas galerias todos os quadros que emanassem do plano terrestre, qualquer idéia de preferência baseada em julgamento de outros não me parecia de a-cordo com a lei espiritual. Neste caso, que sistema seria usado para a seleção de pintu-ras a serem expostas? Disseram-me que es-sa era uma pergunta freqüente entre os visi-tantes das galerias. A resposta é que, até que um artista, bom ou mau, ou apenas me-

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109 díocre, se ajuste à nossa vida, é despro-vido de qualquer ilusão terrena – se alguma vez a teve — a respeito de seu trabalho. Ge-ralmente estranha timidez se manifesta, es-timulada pela imensidão e a superlativa bele-za deste reino. De maneira que no fim, o problema é mais de escassez do que de su-perabundância.

Quando pudemos contemplar os retratos de tantos homens e mulheres, de fama univer-sal, tivessem eles vivido em épocas longín-quas ou nos dias presentes, eu e Rute expe-rimentamos uma sensação estranha, ao pen-sarmos que éramos agora habitantes do mesmo mundo, e que, como nós, eles esta-vam bem vivos, não eram apenas meras fi-guras históricas das crônicas do mundo ter-restre.

Em outras partes do mesmo departamento havia salas onde os estudantes de arte podi-am aprender tudo o que há para se apren-der. A alegria desses estudantes, livres de

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110 suas limitações corporais e terrenas, era imensa. Aqui, a instrução é fácil, e a aquisi-ção e aplicação do saber igualmente fáceis, para os que desejam aprender. Desaparecem todas as lutas do estudante para superar as dificuldades terrenas da mente e das mãos, e a marcha para a proficiência é, conseqüen-temente, uniforme e rápida. A felicidade de todos os estudantes que víamos, era conta-giante, pois não há mais limites para os seus esforços, desde que aquele espantalho da vida terrena — o tempo que voa —- e todos os pequenos empecilhos da existência foram abandonados para sempre. É pois para se admirar que dentro daqueles templos, bem como em outros da cidade, os artistas este-jam desfrutando das horas douradas de sua recompensa espiritual?

Fazer um estudo prolongado dos quadros da galeria seria muito exaustivo, além disso, no momento, queríamos apenas ter uma visão geral de tudo o que havia aqui; mais tarde, se quiséssemos, poderíamos voltar e admirar

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111 as coisas que mais nos agradaram. Assim pensávamos os três. Não nos detivemos pois, nas galerias, por muito tempo e acei-tamos a sugestão de Edwin de passar para outro imenso departamento.

Era o edifício de literatura, e continha todas as obras dignas desse nome. Seu interior era formado de salas, menores que as das pintu-ras. Edwin conduziu-nos a um espaçoso re-cinto, onde estavam as histórias de todas as nações sobre a face da terra. Para qualquer pessoa que tenha conhecimentos da história terrestre, os volumes que enchem as prate-leiras desta seção seriam altamente provei-tosos. O leitor poderia ler pela primeira vez, a verdade SL respeito da história de seu país. Fingir e mentir é impossível, porque nada, a não ser a verdade, pode ter entrada nestes reinos.

Desde então voltei muitas vezes àquela bibli-oteca e passei proveitoso tempo entre seus inúmeros livros. Aprofundei-me particular-

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112 mente em História e, o que vi espantou-me. Naturalmente encontraria uma História escrita da mesma maneira conhecida por nós, mas havia uma diferença essencial: é que agora eu teria pela frente toda a verda-de acerca dos fatos históricos. Isto era evi-dente, mas fiz outra descoberta que a princí-pio me deixou atônito. Paralelamente às simples citações de atos de pessoas notórias, de estadistas em cujas mãos esteve o gover-no de seus países, de reis à frente de seus reinos, paralelamente a tais declarações, es-tava a verdade, nua e crua, dos motivos que governavam e sustentavam esses atos — a verdade acima de qualquer dúvida. Muitos desses motivos eram elevados, e muitos e-ram completamente vis; uns eram mal-interpretados e outros, deturpados. Grava-dos indelevelmente nos anais do espírito, estavam as verídicas narrativas de milhares e milhares de seres humanos que, durante sua jornada terrena haviam participado dos a-contecimentos de seu país. Alguns eram ví-

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113 timas de traição e vileza de outros; al-guns também eram os causadores dessa traição e vileza. Ninguém foi poupado ou omitido. Lá estava tudo para se ver — a ver-dade sem atenuantes, sem supressões. Os arquivos não respeitavam ninguém, fosse rei ou plebeu, prelado ou leigo. Os historiadores tinham apenas registrado a história verídica, tal como era. Não se recorreu a enfeites, — nem a comentários. Ela falava por si só. E fiquei profundamente grato por algo: que essa verdade nos tivesse sido poupada até agora, quando aqui estamos, agora, que nossa mente, de certo modo, está preparada para receber tais revelações.

Até aqui só me referi à história política, mas aprofundei-me também na da igreja, e as revelações nesse setor não foram muito me-lhores. Eram de fato, piores, considerando-se em Nome de quem tantas ações diabólicas foram cometidas, e, por homens que, exter-namente professando servir a Deus, eram

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114 apenas instrumentos de outros tão bai-xos quanto eles mesmos.

Edwin havia me prevenido disso, mas nunca julgara a que ponto de veracidade chegariam os fatos. Os supostos motivos apresentados pelos nossos livros de história na terra esta-vam bem longe dos verdadeiros.

Apesar desses volumes testemunharem con-tra os perpetuadores de tantos feitos escu-sos na História, também testemunhavam ações nobres e elevadas. Não estavam lá especificamente para atacar ou defender, mas porque a literatura se tornou parte do material da vida humana. Se há prazer em ler, não deve haver então livros para esse fim? Podem não ser exatamente iguais aos livros terrenos, mas estão de acordo com tudo o mais aqui.

Passamos através de muitas outras salas, onde estavam, à disposição de quem quises-se, obras sobre todo e qualquer assunto i-

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115 maginável. E talvez um dos mais impor-tantes assuntos fosse o que se chama de ciência psíquica. Fiquei boquiaberto com a riqueza da literatura sob essa. denominação. Nas prateleiras havia livros negando a exis-tência de um mundo espiritual e negando também a realidade da volta do espírito. Muitos desses autores tiveram desde então a oportunidade de rever suas próprias obras — mas com sentimentos bem diferentes! Eles mesmos haviam se tornado testemunhas vivas contra o conteúdo de seus próprios livros.

Ficamos muito impressionados com as belís-simas encadernações dos livros, com o mate-rial em que eram impressos e com o estilo da impressão. Pedi de novo informações a Edwin e foi-me explicado que o processo de reprodução de livros no mundo espiritual não é o mesmo que no setor da pintura. Eu mesmo vira como a verdade fora suprimida naqueles volumes, ou com intenção delibe-rada ou por verdadeira ignorância dos fatos.

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116 No caso dos quadros o artista tinha dese-jado retratar a verdade, mas fora incapaz de o fazer, se bem que não por sua própria cul-pa. Portanto, não perpetuou inverdades, pelo contrário, sua mente tinha anotado o que era absolutamente real. Um autor dificilmen-te escreveria um livro com intenções diame-tralmente opostas às que ele expressa. Quem, pois, escreve um livro com as verda-des, aqui no espírito? O seu próprio autor — quando vem para o mundo espiritual. E ele se sente feliz por poder fazê-lo. Fica sendo o seu trabalho, e por meio dele pode ganhar a melhoria de sua alma. Não terá dificuldades em relação aos fatos, visto que eles, aqui, estão em sua frente e prontos a serem regis-trados, mas, desta vez, dentro da verdade. Não há necessidade de dissimular, o que de fato seria inútil.

Quanto à impressão de livros, não há na ter-ra máquinas impressoras? É claro que sim! E o mundo espiritual não pode estar menos aparelhado a esse respeito do que os seres

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117 terrestres, só que aqui os métodos são totalmente diversos. Temos peritos que são artistas no seu trabalho -e um trabalho que é feito com amor. O método de reprodução aqui é somente um processo mental, como todo o resto, e o autor e impressor traba-lham juntos em completa harmonia. Os livros que resultam desta cooperação são verda-deiras obras de arte, belíssimas criações que, à parte o conteúdo literário, são encantado-ras à vista. A encadernação é outro processo de peritos, realizado também por artistas, com materiais jamais encontrados sobre a terra. Mas os livros assim produzidos não são coisas mortas que requeiram uma concen-tração de toda a mente sobre eles. Vivem tanto quanto os quadros que vimos anteri-ormente. Apanhar uma obra e começar a lê-la significa também perceber com a mente — num processo impossível na terra — todo o fato narrado, seja ciência, história ou arte. O livro, uma vez nas mãos do leitor, instanta-neamente responde, quase da mesma ma-

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118 neira como as flores ao nos aproximar-mos delas. A intenção é diferente, é claro.

A imensa quantidade de livros que havia era para o uso de todos, sem restrições, regras impertinentes ou regulamentos. Tendo toda essa riqueza de sabedoria à nossa volta, fi-quei abismado com a minha própria ignorân-cia, e Rute sentiu o mesmo. Edwin porém, assegurou-nos que não nos devíamos assus-tar com isso visto que tínhamos à frente toda a eternidade. Essa lembrança foi confortado-ra, pois era um fato de que sempre nos es-quecíamos. Leva tempo para se perder aque-la sensação de instabilidade, de transitório, que associamos à vida terrena. Em conse-qüência, julgamos que é necessário ver tudo, o mais depressa possível, embora o fator tempo tenha deixado de existir.

A esta altura Edwin achou que devia mostrar a Rute algo que a interessasse em particular e levou-nos, assim, ao departamento de te-cidos. Era igualmente espaçoso, mas os

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119 compartimentos eram de maiores pro-porções do que aqueles que acabáramos de ver. Aqui existe uma infinidade de belos ma-teriais, assim como tecidos executados há milhares de séculos, e dos quais pouca coisa restou na terra. Era possível admirarmos en-tão, tecidos sobre os quais lemos nas histó-rias e crônicas, nas descrições de cerimônias de gala, e em ocasiões festivas. E, por mais que se falem da mudança de estilo e gostos que se vêm sucedendo através das idades, o mundo terreno tem perdido suas cores e torna-se cada vez mais sombrio e melancóli-co.

O colorido de muitos dos tecidos era sim-plesmente soberbo, enquanto que os magní-ficos desenhos nos revelaram artes há muito desaparecidas da terra. Mesmo perecíveis na terra, eles aqui são eternos. Novamente po-díamos observar o progresso gradual conse-guido no desenho e fabricação dos tecidos e devemos admitir que, a julgar pelo que vía-mos, esse progresso se verificou até certo

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120 ponto, quando então se deu um movi-mento de regressão. Falo, evidentemente, de modo geral.

Pode-se pensar que o que víramos até então não passava de museus celestiais, contendo, é verdade, amostras magníficas, impossíveis de serem encontradas na terra, o que não os impedia de continuar a ser museus. Entre-tanto, na terra, os museus são lugares bem tristonhos. Têm aroma de bolor e preservati-vos químicos, visto que os objetos devem ser protegidos da deterioração e extinção. E pre-cisam ser protegidos contra o próprio ho-mem, por meio de insípidas redomas de vi-dros. Ao passo que aqui não há restrições. Todas as coisas dentro destas paredes são livres e ao alcance de todas as mãos. Não existe ar bolorento, mas sim, a beleza dos objetos, que emitem sutis perfumes, enquanto jorra de todos os lados a luz celeste, para aumentar a glória das manufa-turas dos homens. Não, estes não são mu-seus, longe disso, são templos, nos quais nós, espíritos, estamos cônscios das graças

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121 estamos cônscios das graças eternas que elevemos ao Senhor, por nos dar tão ilimita-da felicidade, num mundo de que tantos na terra negam a existência. Eles substituiriam tudo isso com o quê? Não o sabem! Dizem que há muitas e muitas belezas na terra, e que nós no espírito nada temos! Talvez seja outra das razões por que somos tão lamen-tados quando passamos a espíritos: porque deixamos para trás tudo que era lindo, para entrar no nada — um vácuo celeste. Tudo que é belo pertence, portanto, exclusivamen-te ao mundo; a inteligência do homem nada vale, quando ele aqui chega, pois que nada há em que ocupá-la! Apenas vazio! Não nos admiramos que as realidades e a imensa ri-queza do mundo espiritual provoquem um choque de revelação para aqueles que espe-ravam uma eternidade do Nada celestial!

É essencial compreender que toda tarefa ou ocupação dos habitantes destes reinos, é perfeitamente voluntária, realizada apenas pelo simples desejo de a fazer e nunca com

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122 uma atitude de obrigação, "quer quei-ram, quer não"! Não há coisas, como essa de ser forçado a algum serviço! Nunca a má vontade é sentida ou expressa. Mas isso não quer dizer que se deseje o impossível. Po-demos ver o resultado de uma ou outra a-ção, — mas se nós não podemos, há outros mais sábios que podem — e saberemos en-tão, se devemos começar a nossa tarefa ou suspendê-la por enquanto. Nunca nos faltam conselho e ajuda. Podemos lembrar minha própria sugestão, no início, de tentar uma comunicação com a terra, para acertar al-guns assuntos referentes à minha vida, ten-do Edwin aconselhado que procurasse mais tarde orientação a respeito. É pois a verdade dizermos que o traço predominante aqui é o desejo de fazer e de servir. Menciono isto para que se compreenda bem o salão espe-cial onde Edwin nos levou, depois do de te-cidos.

Era, para todos os efeitos, uma escola, onde as almas que não tiveram o bem terreno de

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123 aprender, pudessem se equipar intelec-tualmente.

Saber e aprender, educação ou erudição, não representam valores espirituais, e a in-capacidade de ler e escrever não significa falta de qualidades. Mas quando uma alma passa para esta vida, quando ela vê a gran-de e larga estrada espiritual abrir-se-lhe à frente, com oportunidades múltiplas, vê também que o saber a ajudará no caminho espiritual. Poderá não saber ler. Neste caso, devem esses esplêndidos livros permanecer para sempre fechados a alguém, agora que tem a oportunidade de ler, conquanto lhe falte habilidade? Talvez deva-se perguntar: mas não disseram que não é preciso saber ler no mundo espiritual? Não há aqui uma espécie de percepção mental a ser colhida dos livros, sem auxílio material de palavras impressas? A mesma pergunta pode ser feita a respeito de quadros e de tudo o mais, a-qui. Por que a necessidade de algo tangível? Se seguirmos esta linha de critério ela nos

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124 levará até aquele estado de vacuidade que acabei de mencionar.

O homem incapaz de ler sentirá, pela mente, que há algo dentro do livro que tem nas mãos, mas não ficará sabendo, instintiva-mente, ou de outra maneira qualquer, o seu conteúdo. O que sabe ler, se achará imedia-tamente en rapport com as idéias que o au-tor escreveu, e o livro, assim, se comunica com aquele que o lê.

Não é necessário poder escrever, e muitos que não o sabiam antes de chegar aqui, não se deram ao trabalho de preencher essa la-cuna.

Deparamos nesta escola com muitas almas ocupadas em seus estudos e divertindo-se bastante. Adquirir conhecimentos aqui não é enfadonho, porque a memória trabalha per-feitamente — isto é, infalivelmente — e os poderes da percepção mental não são tolhi-dos ou confinados por um cérebro físico.

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125 Nossas faculdades de compreensão são aguçadas e a expansão intelectual é firme e certa. A escola é o lar das ambições realiza-das, para a maioria dos estudantes. Conver-sei com vários deles e cada um me contou que estudava agora o que sempre ambicio-nara na terra e cuja oportunidade lhe havia sido "negada no mundo, por razões já bem nossas conhecidas. Alguns não tiveram tem-po, devido a atividades comerciais, ou então a luta pela vida tinha absorvido os meios necessários.

A escola era organizada muito confortavel-mente e, é claro, não havia nem sombra de regulamentos. Cada estudante seguia seu curso independente de qualquer outra pes-soa. Sentado confortavelmente, ou nos es-plêndidos jardins, começava o que queria, terminava, e, quanto mais se aprofundava nos estudos, mais interessado e fascinado se tornava. Posso falar disto por experiência própria, visto que tanto estudei na enorme biblioteca, desde que aqui cheguei.

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126 Ao deixarmos a escola, Edwin sugeriu um descanso à sombra das árvores, mas isso foi apenas uma maneira de dizer, visto que aqui não se sofre fadiga corporal. Entretanto, não temos, infindavelmente, a mesma ocupação: isto significaria monotonia, coisa que não há aqui. Mas Edwin conhecia as emoções con-traditórias que surgem nas mentes dos re-cém--chegados, e assim fizemos uma pausa, antes de novas explorações.

VI. VÁRIAS QUESTÕES RESPONDIDAS

Edwin nos contou que um grande número de pessoas, assim que passam a espírito, sen-tem arder dentro de si tamanho entusiasmo ao lhes ser revelada a nova vida, que que-rem voltar imediatamente à terra, para con-tar ao mundo as maravilhas daqui. Explicou-me ainda algumas das dificuldades que se opunham à minha intenção de voltar tam-bém.

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127 Outra tendência muito natural é fazer inúmeras perguntas a respeito desta vida em geral, e notou que, neste particular, tanto Rute como eu havíamos demonstrado uma moderação fora do comum! Confessei entre-tanto, que, já que tocara no assunto, havia muita coisa que eu e Rute desejávamos sa-ber, mas a dificuldade estava por onde co-meçar.

Tínhamos deixado que os nossos passeios apresentassem seus próprios problemas, pa-ra serem solvidos por Edwin, mas havia con-siderações de natureza geral que surgiam à contemplação da terra espiritual como um todo. Uma das primeiras que me vieram à mente foi a extensão deste reino. Alongava-se a perder de vista, e isto já por si era ma-ravilhoso. Mas haveria um limite? Estendia-se ele muito além do que os nossos olhos podi-am alcançar? Se havia um fim, poderíamos vê-lo com os próprios olhos?

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128 Certamente que havia um limite, explicou Edwin, e podíamos vê-lo a qualquer hora que quiséssemos. Além deste, havia ainda outros reinos. Cada pessoa, ao passar a espírito, entrava no reino para o qual se preparara na terra — a este apenas, e a nenhum outro. E Edwin começou por descrever--nos esta terra como a terra da grande colheita — a colheita daquilo que cada um semeou na terra. Podí-amos julgar por nós mesmos, se a colheita era boa ou má. Descobriríamos que há mui-tas infinitamente melhores, e outras piores. Enfim, há outros reinos, muito mais belos do que aquele em que estávamos agora viven-do, felizes; reinos de infinita beleza onde só poderemos penetrar quando alcançarmos esse direito, quer como visitantes, quer co-mo habitantes. Porém, apesar de não po-dermos lá entrar, as almas gloriosas, seus habitantes, podem vir a reinos de menor be-leza celestial, e visitar-nos. Edwin já vira vá-rias delas, e, esperávamos também fazê-lo. Vinham freqüentemente, aqui, para dar con-

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129 selhos, ajudar, conceder recompensas e louvores; e não havia dúvida de que o meu problema podia ser submetido à orientação de uma dessas almas-mestres. Em certas ocasiões, também, esses seres transcenden-tais fazem visitas especiais, quando o reino todo celebra um grande acontecimento, tal como o Natal e a Páscoa, por exemplo. Rute e eu ficamos surpresos com isto, visto ter-mos julgado ambas as datas essencialmente da terra. Mas era a maneira de celebrá-las e não as festas em si, que são exclusivas da terra. Nos reinos espirituais, tanto o Natal como a Páscoa são considerados aniversá-rios; o primeiro, do nascimento para o mun-do terreno, o segundo, do nascimento para o mundo espiritual. Neste reino as duas cele-brações coincidem com as da terra, visto que há um elo espiritual maior entre os dois mundos, o que não aconteceria se as festivi-dades fossem realizadas independentemente de estação. Não é assim, entretanto, nos

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130 reinos superiores onde leis de diferente natureza estão agindo.

No plano terrestre fixou-se uma certa data para o Natal, durante muitos séculos. A épo-ca exata do primeiro Natal já se perdeu, e é impossível determinar agora, com precisão, quando se deu. Mesmo que fosse possível, é tarde demais para fazer alterações, uma vez que já se estabeleceram a tradição e a práti-ca. A festividade da Páscoa é móvel — um costume estúpido, visto que às vezes a data escolhida não tem relação alguma com a original. Não somos de maneira alguma de-pendentes da terra nestes assuntos, mas cooperamos com a terra em nossas celebra-ções conjugadas. Os reinos superiores têm suas razões boas para se afastarem dessa ordem. Tais razões não nos dizem respeito, até que passemos a esses elevados reinos.

Além destas duas festas pouco temos em comum com a terra. As outras são em geral eclesiásticas e sem significado espiritual, e

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131 provêm de doutrinas religiosas sem apli-cação no mundo dos espíritos.

A festa da Epifania, por exemplo, é baseada numa colorida história, e era celebrada pelo povo, nos velhos tempos, de maneira secular e religiosa. Agora é apenas religiosa e de pouquíssima importância aqui. A festa de Pentecostes é outro exemplo da cegueira da Igreja. O Espírito Santo — para usar a frase da Igreja — tem descido e estará descendo sobre todos os que são dignos de o receber. E não numa ocasião específica, mas sempre.

Tanto eu como Rute estávamos muito inte-ressados em saber como o Natal era cele-brado nestes reinos, visto que na terra, além de alguns serviços religiosos, a festa da Nati-vidade se transformou num negócio secular; seu característico principal era o excesso de comidas e bebidas. Edwin nos contou que em espírito podemos experimentar o mesmo grau de felicidade que na terra, quando por exemplo a felicidade é o resultado ou ex-

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132 pressão de bondade, quando nossas fes-tividades são misturadas com a lembrança dos grandes dias que estamos celebrando. Os que desejam, — e há muitos — podem decorar suas casas com folhagens, como foram acostumados na terra. Unimo-nos a alegres companhias, e, se se considera que a comemoração não estará completa sem ha-ver algo para comer, por que não teríamos também uma superabundância das mais per-feitas frutas, de que já falei, para delícia dos mais exigentes?

Mas falei apenas do lado mais pessoal da festa; é nesta época que recebemos a visita daqueles seres perfeitos das regiões superio-res, onde está o Ser cujo nascimento feste-jamos. E basta vermos essas belas almas passarem, para nos sentirmos cheios de e-xaltação espiritual, que perdura longo tem-po, mesmo depois que elas voltam ao seu alto reino.

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133 Na Páscoa temos visitas similares, mas há um muito mais alto grau de júbilo, porque para nós a passagem para o mundo espiritu-al, pela própria natureza das coisas, é de maior significação. De fato, quando deixa-mos o plano mundano tendemos a esquecer o nosso aniversário terreno, e é novamente por meio de ligações com a terra, se é que as temos, que nos recordamos dele.

Detive-me um pouco neste assunto para ten-tar mostrar que não vivemos num estado febril de emoção religiosa por toda a eterni-dade. Somos humanos, apesar de tantas pessoas na terra julgarem o contrário. Tais indivíduos estarão um dia nas nossas condi-ções, e nada causa mais humildade do que ver a realização daquilo que um dia foi a nossa firme e decidida opinião.

Afastei-me um pouco do nosso primeiro tópi-co, mas é que a nossa conversa vai de um assunto a outro, sem nos apercebermos que estamos distantes do início.

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134 Mencionei apenas de passagem os reinos superiores. E que dizer das esferas inferiores a que Edwin se referiu, quando falei dos limi-tes deste reinado? Podíamos visitá-las a qualquer hora que desejássemos. Pode-se sempre ir a reinos inferiores ao nosso, mas nunca a um mais elevado. Mas não era a-conselhável vagar por essas esferas baixas sem guia capaz, ou antes de receber ensi-namentos adequados. Antes de nos informar melhor sobre esse assunto, Edwin aconse-lhou-nos a conhecer primeiro a nossa agra-dável terra.

E agora, vamos ao que constitui os limites precisos deste reino. Estamos acostumados à idéia da redondeza da terra e a ver diante dos olhos o horizonte distante. Ao contem-plar o mundo espiritual devemos abandonar a idéia de distância que se pode calcular com os olhos, visto que ela desaparece, pela ra-pidez dos meios de locomoção. Qualquer sugestão de planura terrestre é dissipada

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135 pela quantidade de colinas e planícies onduladas.

Sendo a atmosfera cristalina, nossa visão não é limitada. Não somos obrigados a man-ter os pés no chão. Assim como nos pode-mos mover lateralmente, podemos fazê-lo verticalmente, como Edwin nos disse. E isto não nos tinha ainda ocorrido. Ainda estáva-mos acostumados aos nossos hábitos e limi-tações terrenas. Se podíamos afundar na água sem perigo, mas até com prazer, en-tão, também, poderíamos subir ao ar com a mesma segurança e prazer. Rute não ex-pressou desejo muito grande de o fazer — por enquanto. Preferia esperar, disse ela, até estar mais aclimatada. Eu também partilhava seus sentimentos, o que divertiu muito o nosso bom amigo.

Onde está o limite entre a terra e o mundo espiritual? No momento em que faleci, como devem lembrar-se, eu estava perfeitamente consciente, e quando me ergui do leito em

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136 resposta a um apelo fortíssimo, nesse mesmo instante já me achava no mundo dos espíritos. Os dois mundos devem, pois, se interpenetrar. Mas ao afastar-me sob o apoio e orientação de Edwin, não tinha noção de estar me movendo em alguma direção defi-nida. Movimento, certamente que havia. Ed-win mais tarde me informou que eu passei através das esferas inferiores — e desagra-dáveis — mas que, devido a autoridade de sua missão para ajudar-me a passar ao meu reino, estávamos ambos protegidos de toda e qualquer influência desagradável. Éramos, de fato, completamente invisíveis a todos os que não pertencessem ao nosso plano ou aos mais altos.

A transição de um reino para outro é gradu-al, tanto no que se refere à aparência exter-na, como em outros aspectos, de maneira que é difícil fixar em alguma localidade os limites deles. Parecem fundir-se quase que imperceptivelmente um no outro.

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137 Edwin propôs agora que, a título de ilus-tração prática, fôssemos ver um desses limi-tes que tanto nos intrigavam. Assim coloca-mo-nos sob sua orientação experiente, e partimos.

Imediatamente nos achamos numa imensa planície gramada, mas ambos notamos que a grama aqui não era tão macia sob os pés; de fato, à medida que avançávamos tornava-se mais dura. O lindo verde-esmeralda desapa-recia e tomava uma aparência de amarelo sombrio, similar à grama terrestre depois de ser escaldada pelo sol, quando lhe falta á-gua. Não se viam flores, árvores ou habita-ções, e tudo parecia triste e árido. Não havia sinal de vida humana, e tudo parecia desa-parecer debaixo dos nossos pés, ao mesmo tempo que a grama desaparecia e pisávamos solo seco e duro. Notamos também que a temperatura havia caído consideravelmente. Sumira todo o colorido belo e genial. Havia no ar

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138 umidade e frio que parecia grudarem-se a nós e às nossas almas. A pobre Rute agar-rava-se ao braço de Edwin, e eu não tenho acanhamento de admitir que fiz o mesmo, e com grande prazer. Rute tremia visivelmente e parou de súbito, implorando que não fôs-semos adiante. Edwin passou os braços ao redor de nossos ombros assegurando-nos que nada devíamos temer, visto que ele ti-nha o poder de nos proteger. Entretanto, ele podia bem ver a profunda depressão e o-pressão que se apossara de nós, e, por isso, docemente, fez-nos voltar, segurando-nos pela cintura; e uma vez mais nos achamos sentados sob as belas árvores, rodeados de flores maravilhosas e envolvidos numa at-mosfera morna, para bálsamo das nossas aflições.

É supérfluo acrescentar que tanto eu como Rute ficamos satisfeitos por estar de volta. Tínhamos ido apenas ao limiar das esferas inferiores, mas fora suficiente para nos dar idéia do que havia além. Sabia que levaria

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139 tempo antes de poder entrar lá, e pude perceber a sabedoria dos conselhos de Ed-win.

Como estávamos falando dos limites espiri-tuais, apesar de termos suspenso temporari-amente nossas explorações, não pude deixar de indagar a respeito dos limites dos reinos superiores. Sabia que nada de desagradável podia haver em relação a eles e sugeri que, à guisa de contraste e para apagar a nossa enregeladora experiência anterior, pudésse-mos talvez visitar a fronteira pela qual pas-sam os nossos visitantes. Não tendo havido objeções, partimos.

Achamo-nos de novo em gramados, mas com notável diferença. A grama era infinita-mente mais macia do que a do interior do nosso reino. O verde era ainda mais brilhan-te, as flores mais abundantes e a intensidade de cores, perfume e poder vivificante, ultra-passava tudo que jamais encontráramos. O próprio ar parecia impregnado de tintas do

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140 arco-íris. Havia poucas residências no local, mas atrás de nós podiam-se vislumbrar algumas das mais belas casas que jamais víramos. Nelas viviam almas maravilhosas que, apesar de nominalmente pertencerem ao nosso próprio reino, estavam, em virtude do seu progresso espiritual, de seus dons particulares e trabalho, em contacto com os reinos elevados, para os quais tinham inteira autoridade e poder de passar, em várias o-casiões. Edwin prometeu-nos voltar a esse lugar, depois de termos visto a cidade, e lá poderíamos discutir o meu trabalho futuro e o de Rute. Tinha várias vezes indagado a mim mesmo em que espécie de trabalho es-piritual me ocuparia quando me familiarizas-se com a nova vida e a nova terra.

Assim como sentíramos frio e opressão nas fronteiras das esferas sombrias, sentíamos-nos agora presas de tal êxtase que quase não falávamos. Ao caminharmos, banhados em esplendor, sentimos tamanha exaltação que me veio à mente a descrição de Edwin,

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141 das visitas dos seres dos reinos superio-res, e eu quase pude sentir o que deveria experimentar quando recebesse uma dessas visitas. Ali, de pé, tinha-se o desesperado desejo de lutar pelo progresso que nos daria o direito de servir um daqueles habitantes da esfera, a cujas portas agora estávamos.

Caminhamos um pouco mais, mas não pu-demos ir muito longe. Não havia barreiras visíveis, mas sentíamos que, se prosseguís-semos, não poderíamos respirar. A atmosfe-ra estava se tornando rarefeita, e tivemos por fim que retroceder.

Podíamos ver muitas almas, envolvidas nas mais tênues vestimentas, cujas cores suaves nem pareciam pertencer-lhes, mas flutuar à roda dos tecidos — se é que se podia cha-má-los de tecidos. Os mais próximos sorri-am-nos de maneira tão amistosa, que sabí-amos não estarmos sendo intrusos. Alguns até acenavam.

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142 Meu amigo explicou que todos estavam a par do nosso intuito e por isso não se apro-ximavam, deixando-nos sozinhos gozar da-quela experiência e absorver calmamente as belezas e esplendores daquela terra limítro-fe.

Afinal, relutantemente voltamos, e logo nos achamos em nosso primitivo lugar, embaixo das árvores. Sentíamo-nos mais leves depois daquela visita, e tenho a certeza que até .Edwin, há tanto tempo espírito, o sentia também.

Por uns momentos não falamos, absortos em nossos próprios pensamentos, e quando afi-nal o fizemos foi para crivar o bom Edwin de perguntas. Seria enfadonho enumerá-las, por isso darei as suas respostas como um todo.

Primeiramente, o que se refere às esferas inferiores, cujo limiar nos havia deprimido. Visitei-as depois em companhia de Edwin e Rute, e fiz excursões por lá, como fazemos

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143 agora aqui. Portanto, não quero anteci-par o que terei de relatar mais tarde.

Para visitar os planos inferiores é necessário possuir — para nossa proteção — certos po-deres ou símbolos, que Edwin nos mostrou em seu poder. Tais lugares não são para os meros curiosos, e ninguém faria a tolice de ir lá sem um fim determinado. Os que o fazem sem autorização, são logo mandados de vol-ta por almas bondosas, cujo trabalho nessa região é justamente desviar os outros dos perigos. Ê verdade que não vimos ninguém quando lá estivemos, mas, como nós, essas almas caridosas movem-se rapidamente.

No limite dos reinos superiores não há ne-cessidade de tais sentinelas, pois a lei natu-ral impede-nos de o atravessar. Quando al-guém de um plano inferior viaja para o alto, é sempre munido de autorização, concedida a ela ou à alma que lhe serve de guia. Neste caso, tal autorização toma a forma de símbo-los ou sinais, dados ao viajante, a quem será

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144 sempre dedicada toda a assistência que possa necessitar. Muitos desses símbolos têm em si o poder de preservar o viajante dos efeitos sobrenaturais da atmosfera espi-ritual superior. Esta não afetaria a alma, é claro, mas uma pessoa desprevenida nessas regiões se acha na mesma situação de al-guém na terra que enfrente a luz do sol o-fuscante, depois de prolongada permanência em completa escuridão. No caso do sol ter-reno, porém, pode-se, depois de certo tem-po, voltar ao normal mesmo sob a claridade ofuscante, o que não acontece nos reinos superiores. Aí não há tal poder de adapta-ção. O efeito perturbador será contínuo. Quando se tem de fazer uma viagem a esfe-ras superiores é imprescindível, em muitos casos, que um habitante destes reinos colo-que um manto protetor sobre seu protegido, da mesma maneira que Edwin, num plano inferior, passou seus braços protetoramente à nossa volta.

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145 Isso é em substância o que Edwin nos contou em resposta às múltiplas perguntas.

Sentíamo-nos agora suficientemente descan-sados e acedemos ao convite de Edwin para continuarmos nossa inspeção da cidade.

VII. A MÚSICA

Sendo a música um elemento vital no mundo do espírito, não é de surpreender que um edifício imponente fosse devotado à prática, ao ensino e ao incentivo de toda espécie de música. Assim era o departamento a que Edwin nos conduziu a seguir.

Na terra, nunca me considerei um musicista, num sentido ativo, mas apreciava essa arte, sem entretanto a compreender bem. Ouvi música vocal esplêndida durante breves es-tadas em diferentes catedrais metropolita-nas, e tinha escassa experiência de música orquestral. Muito do que ouvi nesse depar-tamento da música era novo para mim, e

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146 outro tanto, era muito técnico. Desde então aumentei consideravelmente os meus pequenos conhecimentos, porque descobri que quanto maior o conhecimento da músi-ca, mais ele me ajudava a compreender fa-tos da vida aqui, onde a música exerce papel tão importante. Não digo que todas as cria-turas espirituais devam tornar-se musicistas para compreenderem a existência; essa im-posição não estaria de acordo com as leis naturais daqui. Mas a maioria dos indivíduos tem algum inato instinto musical e encora-jando-o serão mais felizes aqui. É isso, efeti-vamente o que eu fiz. Rute já possuía certo treino musical, e sentia-se por isso mais à vontade neste grande colégio.

O templo da música seguia o mesmo amplo sistema dos outros. A biblioteca continha obras referentes à música bem como grande quantidade de músicas escritas na terra dos outros. A biblioteca continha obras referen-tes à música, por compositores agora no plano espiritual, ou por outros ainda sobre a

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147 terra. O que aí é chamado obras-primas estava bem representado naquelas pratelei-ras, e é interessante observar que não havia uma sequer que já não tivesse sido alterada pelo autor ao se tornar espírito. As razões desses melhoramentos, explicarei depois. A biblioteca fornece a história completa da mú-sica, desde os tempos mais remotos; e os que sabem ler música — não necessariamen-te executando-a, mas que estão familiariza-dos com as notas impressas — podem ver os grandes impulsos que a arte sofreu durante a passagem dos anos.

O progresso foi na verdade lento, como em outras artes, e formas excêntricas de expres-são muitas vezes obstruíram o seu caminho. É escusado dizer que esses problemas não existem para o compositor em espírito, que vai modificar a sua obra.

Ainda na biblioteca havia livros e obras musi-cais que há muito desapareceram da terra, ou então que são raros e fora do alcance

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148 popular. O colecionador musical aqui a-chará todas aquelas por que suspirava na terra, e lhe haviam sido negada; aqui poderá consultar livremente obras que, devido à sua preciosidade, nunca lhe fora possível obter na terra. Muitos compartimentos são reser-vados para estudantes de música, em todos os seus ramos, da teoria até a prática, sob a orientação de mestres cujos nomes são co-nhecidos em todo o mundo.

Pensarão alguns que tais pessoas famosas nunca dedicariam o seu tempo ao ensino da música para simples principiantes. Deve-se lembrar que, como os pintores, os músicos têm uma avaliação diferente para os frutos de seus cérebros, depois que aqui chegam. Como todos os demais, começam a ver as coisas tais como são — inclusive suas com-posições. Descobrem também que a música do mundo espiritual é muito diferente, em efeitos exteriores, da música realizada na terra. Daí descobrirem que seu conhecimen-to musical deve passar por mudanças radi-

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149 cais antes que eles possam se expressar musicalmente. Na música, pode-se dizer que o mundo espiritual começa onde o terreno acaba. Há leis musicais aqui que não têm aplicação na terra, porque lá a música não está suficientemente adiantada, porque o mundo espiritual é do espírito, enquanto que o mundo terreno é da matéria. Ê duvidoso que o plano terrestre se torne um dia etéreo bastante para poder ouvir muitas das formas musicais destes reinos mais elevados. Tenta-ram-se inovações, como me foi explicado, mas o resultado além de bárbaro é infantil. Os ouvidos terrenos não estão afinados para a música, que é essencialmente dos reinos espirituais. Por um estranho acaso, os terres-tres têm tentado produzir esse tipo de músi-ca espiritual, mas nunca conseguirão, até que os tímpanos dos ainda encarnados so-fram uma alteração fundamental.

Os inúmeros tipos de instrumentos musicais tão familiares à gente da terra, existem no colégio da música, onde os estudantes po-

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150 dem aprender a executá-los. E aqui tam-bém, em que a destreza manual é tão es-sencial, a tarefa de ganhar proficiência não é nem árdua nem cansativa, e é muito mais rápida do que na terra. Ao adquirir o domínio do instrumento, o estudante pode reunir-se a uma das inúmeras orquestras existentes aqui, ou pode limitar as suas audições ao círculo de amigos. Não se deve estranhar que os estudantes prefiram a primeira alter-nativa, visto que podem produzir, em colabo-ração com os colegas musicistas, o tangível efeito da música em grande escala, quando então muito mais pessoas podem usufruir desses, efeitos. Ficamos novamente interes-sados nos muitos instrumentos que não têm similares no mundo. São, na maioria especi-almente adaptados às formas musicais ex-clusivas daqui, e são por esse motivo, muito mais complicados. Tais instrumentos são executados somente em conjunto com ou-tros de sua categoria, e todos eles se desti-nam, assim, a uma forma especial de músi-

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151 ca. Para a música costumeira da terra, são suficientes os instrumentos comuns.

Era natural que esse departamento tivesse um salão de concertos. Era imenso, capaz de acomodar confortavelmente muitos milhares de espíritos. De forma circular, constituía-se de poltronas que saíam do solo em fileiras perfeitas. Não existe, é claro, real necessida-de de tal salão ser coberto, mas algumas práticas simplesmente seguem outras, nes-tes reinos — como é o caso das nossas resi-dências, por exemplo. Não as necessitamos, na verdade, mas nos acostumamos a elas na terra, e é natural que continuemos a tê-las aqui.

Já observamos que o templo da música esta-va em terrenos muito mais extensos que os outros já vistos, e a razão nos foi explicada. Na parte posterior do prédio estava o grande centro de concertos, que consistia num vasto anfiteatro, tal uma grande concha enterrada abaixo do nível do chão, mas era tão grande

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152 que sua profundidade era imperceptível. Os lugares mais distantes dos executantes estavam exatamente no nível da rua. Imedi-atamente atrás desses lugares circundavam-nos amontoados de flores das mais lindas tonalidades, com um espaçoso gramado mais além, enquanto que a área externa do templo da música, ao ar livre, era cercada de árvores magníficas e graciosas. Apesar dos assentos se distribuírem num vasto espaço, não se tinha a impressão de estar muito lon-ge dos executantes, mesmo nos lugares mais distantes. Deve ser lembrado que aqui nossa visão não é tão restrita como na terra.

Edwin sugeriu-nos que ouvíssemos um con-certo dos espíritos, e fez então uma estranha proposta: que não tomássemos lugares no anfiteatro mas sim, a uma certa distância dele. A explicação disso viria assim que o concerto começasse. Como deveria haver um concerto dentro em pouco, seguimos sua misteriosa sugestão, e sentamo-nos na gra-ma, a considerável distância do anfiteatro.

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153 Indaguei com os meus botões se poderí-amos ouvir de tão longe, e nosso amigo as-segurou-nos que sim. E de fato, fomos logo cercados de outras pessoas, que sem dúvida, tinham vindo para o mesmo fim. O lugar que estivera vazio quando Edwin nos trouxe, es-tava agora repleto de gente, passeando ou sentada confortavelmente na grama. Era um lugar delicioso, cheio de árvores e flores, e além disso tínhamos pessoas agradáveis à nossa volta, e eu nunca senti tanto e tão intenso prazer como naquele momento. Es-tava em perfeita saúde e perfeita felicidade, ao lado de dois companheiros dos mais a-gradáveis, livre das restrições impostas pelo tempo e clima, ou de qualquer das outras limitações comuns à vida terrestre.

Edwin nos pedia que caminhássemos até o anfiteatro novamente, e observássemos os assentos. Qual não foi o nosso espanto ao ver a imensa sala completamente lotada, quando, alguns minutos antes nem uma só pessoa havia. Os músicos em seus postos

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154 esperavam a entrada do regente, e era óbvio que o concerto estava prestes a come-çar. Voltamos para perto de Edwin e em res-posta à nossa indagação de como o auditório se enchera tão rapidamente, ele nos relem-brou o método de reunir as congregações da igreja que visitamos no começo.- No caso do concerto, os organizadores precisavam ape-nas enviar seus pensamentos ao povo em geral, especialmente interessado nessas exe-cuções, e ele logo se reunia. Assim que Rute e eu mostrássemos interesse pelos concer-tos, um elo se estabeleceria e sentiríamos aqueles pensamentos nos atingirem, assim que fossem emitidos.

Não podíamos, é claro, ver os executantes de onde estávamos colocados, e por isso, quando se fez um grande silêncio, ficamos sabendo que o concerto ia começar. A or-questra era composta de uns duzentos músi-cos que tocavam instrumentos bem conheci-dos na terra, por isso consegui apreciar o que ouvia. Assim que a música começou,

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155 pude notar uma acentuada diferença da que eu me acostumara ouvir na terra. Os sons eram iguais aos antigos, mas a qualida-de do som era imensamente mais pura, o equilíbrio e a harmonia perfeitos. A obra e-xecutada era bem extensa e fui informado que seria tocada sem interrupção.

O movimento de abertura era de natureza suave, quanto ao volume de som, e notamos que no instante em que a música começou, pareceu erguer-se na direção da orquestra uma luz brilhante, que flutuou, como uma superfície plana, ao nível do lugares mais altos, onde permaneceu, como uma cobertu-ra iridescente do anfiteatro. Ao prosseguir a música, esse amplo lençol de luz aumentou em brilho e densidade, formando como que uma firme base, para o que devia acontecer a seguir. Tão atento estava eu nessa extra-ordinária formação que mal posso dizer co-mo era a música. Estava cônscio de seu som, mas isso era tudo. Daí a pouco, a espaços iguais, ao redor da circunferência do teatro,

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156 quatro jatos de luz subiram até os céus em longos raios delgados de luminosidade. Permaneceram imóveis por um instante e depois desceram vagarosamente, aumentan-do de espessura à medida que desciam, até que assumiram a aparência de quatro torres circulares, cada uma terminada em cúpula, de proporções perfeitas. Nesse meio tempo, a área central de luz tinha se tornado mais espessa ainda e estava começando a erguer-se vagarosamente no formato de um dossel imenso, cobrindo o teatro todo. Continuou a subir até que parecia mais alta que as quatro torres. Podia agora compreender por que Edwin sugerira que nos sentássemos fora do teatro; pude ver também por que os compo-sitores se sentem impelidos a alterar suas obras terrenas depois que passam a espíri-tos. Os sons musicais emitidos pela orques-tra estavam criando sobre suas cabeças esta imensa forma de pensamento, e a forma e perfeição da cúpula dependiam inteiramente da pureza dos sons musicais, da pureza da

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157 harmonia e da libertação de qualquer dissonância. A forma da música deve ser pura para produzir uma forma pura.

A esta altura a grande forma musical tinha assumido o que parecia seu limite de altura, e ficou estacionaria e firme. A música ainda era ouvida, e de acordo com ela, a cúpula mudava ora para um tom, ora para outro, e muitas vezes para uma delicada mistura de cores, segundo o tema ou o movimento da música.

É difícil dar uma idéia adequada da beleza desta maravilhosa estrutura musical. Sendo o anfiteatro construído abaixo da superfície da terra, nada era visível para o auditório, nem os executantes, nem o próprio edifício, e a cúpula de luz e cor parecia pousar no mesmo solo firme em que nos achávamos. ,

Isto tomou pouco tempo para se descrever, mas a formação musical levou tanto tempo para formar-se quanto um concerto inteiro

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158 na terra. Ao contrário da terra, onde a música pode apenas ser ouvida, nós a tí-nhamos visto, e estávamos inspirados não só pela execução orquestral, mas pela beleza da imensa forma criada pela influência espiritual sobre aqueles que a presenciaram; podíamos senti-la, apesar de estarmos fora do teatro. O auditório lá dentro estava gozando de seu esplendor e ainda do maior benefício dos seus raios purificadores. Na próxima vez to-maríamos lugar no imenso auditório.

A música chegou ao seu finale. As cores iri-sadas continuavam a entrelaçar-se. Ficamos imaginando quanto tempo duraria essa es-trutura musical, e nos disseram que se des-vaneceria mais ou menos com a mesma ra-pidez do arco-íris — em alguns minutos. Tí-nhamos ouvido uma composição extensa, mas se várias peças curtas fossem executa-das, o efeito e a duração seriam os mesmos, embora as formas variassem de aspecto e tamanho. Fosse a forma de maior duração, uma nova forma se chocaria com a última, e

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159 o resultado seria para os olhos o mesmo que duas peças musicais diferentes e sepa-radas seriam para os ouvidos.

O músico hábil pode planejar suas composi-ções conhecendo as formas que os vários sons melódicos e harmoniosos irão produzir. Na verdade, ele pode construir magníficos edifícios sobre o seu manuscrito musical, sabendo exatamente qual seria o resultado, quando a música fosse executada ou canta-da. Por meio de cuidadoso ajustamento de seus temas e harmonias, ele pode construir uma forma tão imponente quanto uma cate-dral gótica. Isto é um delicioso aspecto da arte musical no espírito, e é considerada co-mo arquitetura musical. O estudante estuda música não só acusticamente, mas aprende-rá a fazê-lo arquiteturalmente, e esta é uma das facetas mais absorventes dos estudos.

O que tínhamos testemunhado fora produzi-do numa escala de determinada magnitude; o instrumentista individual ou o cantor pode

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160 obter, em escala menor, suas próprias formações musicais. Na verdade, seria im-possível emitir qualquer forma de som musi-cal sem a formação dessa arquitetura. Pode não tomar uma forma definida como a que víramos, pois isso requer mais experiência.

Não se deve imaginar entretanto, que com todas essas galáxias de cor haja continua-mente um pandemônio de música no mundo espiritual. Os olhos não se cansam com a riqueza de cores, logo por que se cansariam os ouvidos, por causa dos doces sons que as cores emitem? A resposta é negativa, porque os sons estão em completo acordo com as cores e a exata combinação de ambos é uma perfeita harmonia.

Harmonia é a lei fundamental aqui. Não pode haver conflito. Não digo que haja um estado de perfeição, que só existe nos reinos supe-riores. Se nós como indivíduos nos tornás-semos mais perfeitos do que o reino em que vivemos, então, ipso facto, nos tornaríamos

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161 dignos de passar a um plano mais eleva-do. Mas enquanto estamos onde estamos, neste reino ou num mais elevado, vivemos num estado de perfeição de acordo com os limites desse plano.

Demorei-me mais nas nossas experiências musicais, por causa da alta posição da músi-ca em nossa vida no reino atual. A atitude de muita gente quanto à música na terra, sofre uma grande transformação quando chegam ao espírito. A música é considerada por mui-tos na terra, como um mero divertimento agradável, um agradável complemento, mas, de forma nenhuma, uma necessidade. Aqui, ela é parte de nossa vida, não porque a fa-çamos assim, mas porque é parte da exis-tência naturalmente, como as flores, as árvo-res, a grama e a água, as colinas e os vales. É um elemento da natureza espiritual. Sem ela, grande parte da alegria seria roubada de nossa vida. Não é preciso tornarmo-nos mes-tres em música para apreciar a riqueza de

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162 sons e o maravilhoso colorido que nos rodeiam.

Que choque para muita gente ao chegar a-qui! E quão imensamente aliviados e conten-tes ficam, ao descobrir como aqui é agradá-vel, que não é um lugar assustador, que não é um imenso templo de religião de hinos, e que podem se sentir em casa, na nova habi-tação. Quando tomam conhecimento disso, muito se lembram de ter visto, uma vez ou outra, descrições sobre esta vida, mas como sendo material. E que alegria quando desco-brem que ela é realmente assim! que aqui nada é etéreo e imaterial! Os músicos que ouvimos tocavam instrumentos reais e sóli-dos e música verdadeira. O regente era uma pessoa bem real, conduzindo a sua orquestra com uma batuta bem material! Mas a bela formação do pensamento musical não era tão material quanto suas adjacências ou os meios de a criar, assim como o arco-íris não é tão material quanto a umidade e o sol que o produzem.

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163 Correndo o risco de me tornar enfado-nho, voltei uma vez mais a esta estranha ilusão de que o mundo em que estamos vi-vendo agora é vago e sombrio. É esquisito que alguns tentem sempre banir do mundo do espírito cada árvore e cada flor, e os ou-tros mil e um encantos. Há algo de conven-cimento nisto — fazer coisas exclusivas do mundo terreno. Ao mesmo tempo, se alguém pensa que tais coisas não devam, existir no mundo espiritual, então está livre para se abster de tais gozos, indo para algum lugar árido, onde suas suscetibilidades não sejam ofendidas por objetos tão terra-a-terra como árvores, flores (e até seres humanos, e lá ele pode entregar-se ao estado beatífico de con-templação, rodeado pelo nada, que ele su-põe ser próprio do céu. Ninguém aqui é for-çado a tarefas em ambiente que considere desagradável. Há um defeito — entre outros — que a Terra possui: o julgar-se superior a qualquer outro mundo, especialmente o mundo espiritual. Podemos nos rir agora,

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164 embora a nossa alegria se transforme em tristeza quando presenciamos a aflição das almas que aqui chegam, e compreendem que finalmente enfrentam a verdade eterna, sem possibilidade de pergunta ou dúvida. É então que a humildade se faz presente! mas nunca censuramos, pois cada alma já traz dentro de si a própria censura.

E o que tem isto a ver, direis, com as nossas experiências musicais? Apenas o seguinte: que após cada uma delas eu tive os mesmos pensamentos, e quase as mesmas palavras foram usadas para comentá-los com Rute e Edwin. Rute sempre fez eco às minhas idéi-as, e Edwin sempre concordava comigo, a-pesar de nada mais ser novidade para ele; e ainda assim, maravilhava-se com tudo aqui, como todos fazemos, sejam recém-chegados apenas, ou já antigos habitantes.

Ao caminharmos, depois do concerto, Edwin nos apontou as moradias de muitos profes-sores, que preferiam viver perto de seus lu-

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165 gares de trabalho. Eram na maioria casas despretensiosas e, de certa forma, era fácil adivinhar a ocupação dos moradores, por causa de vários sinais externos evidentes.

Edwin nos disse que seríamos sempre bem-vindos se desejássemos visitar os mestres. A exclusividade que necessariamente rodeia tais pessoas na terra desaparece quando se tornam espíritos. Todos os valores são dras-ticamente alterados a esse respeito. Os mes-tres não cessam seus estudos só porque es-tão lecionando. Estão sempre investigando e aprendendo, e transmitindo aos alunos o que assimilaram. Alguns já passaram a reinos superiores, mas ainda retêm seu interesse na esfera anterior, e visitam-na continuadamen-te — e a seus amigos — para prosseguirem seu ensino.

Mas já gastamos muito tempo neste assunto e Edwin está esperando para levar-nos a outros lugares de importância na cidade.

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166 VIII. PLANOS PARA TRABALHOS FUTUROS

Uma curta caminhada nos levou a um prédio retangular que, segundo fomos informados, era o departamento da ciência. Tanto minha bela companheira como eu estávamos per-plexos, sem saber de que forma a ciência, tal como a compreendemos na terra, poderia ter lugar no mundo espiritual. Entretanto, logo iríamos aprender muitas coisas, e a principal delas é que o mundo deve agradecer aos espíritos todas as principais descobertas ci-entíficas que têm sido feitas através dos sé-culos.

Os laboratórios daqui estão muitas dezenas de anos mais adiantados do que os da terra. E levará anos antes que muitas descobertas revolucionárias possam ser enviadas para a terra, por causa do seu insuficiente progres-so.

Nem Rute nem eu tínhamos muita inclinação para ciência ou engenharia, e Edwin, conhe-

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167 cedor de nossos gostos, propôs que de-dicássemos apenas uns momentos a esta seção.

Aqui todos os campos de investigação cientí-fica, e de engenharia, estudo e descobertas, são incentivados e podiam-se ver também muitos daqueles homens cujos nomes se tornaram famosos, e que, passando a espíri-tos continuaram suas atividades com os co-legas de ciência, e desta vez manejando completas e imensas fontes de recursos. Neste edifício podem eles resolver os misté-rios que os intrigavam na terra. E não exis-tem mais coisas desagradáveis, como a riva-lidade pessoal. Não precisam mais fazer no-me profissional e muitas desvantagens mate-riais são abandonadas para sempre. Segue-se que com tal reunião de sábios, com tais recursos à sua disposição, os resultados de-vem ser evidentemente grandes. Em idades passadas todas as descobertas que marca-ram época vieram do mundo espiritual. De si próprio, em carne e osso, o homem pode

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168 fazer muito pouco. Muita gente se con-tenta em considerar o mundo auto-suficiente. Mas não o é! O cientista é funda-mentalmente um homem de visão; ela pode ser limitada mas existe, não obstante. E nos-sos próprios cientistas do espírito podem — e o fazem — impressionar seus colegas com o fruto de suas investigações. Nos casos em que há dois homens trabalhando no mesmo problema, aquele que já é espírito estará muito mais adiantado que o seu confrade ainda da terra. Uma sugestão do primeiro é freqüentemente o bastante para pôr o se-gundo na pista certa, e o resultado é uma descoberta, para benefício da Humanidade.

Contudo, se em muitas circunstâncias a Hu-manidade é tão favorecida, em muitas ou-tras, dores e tribulações lhe advêm, pela perversão diabólica daquelas descobertas. Todas foram enviadas do mundo espiritual para vantagem e progresso do homem. Se, porém, mentes pervertidas usam essas mesmas descobertas para a destruição do

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169 homem este só a si mesmo deve culpar. É por isso que afirmei que a terra ainda não progrediu o suficiente para receber mais al-gumas dessas esplêndidas invenções aqui aperfeiçoadas. Estão prontas a serem usa-das, mas se fossem enviadas à terra em seu atual estado de espírito, elas seriam detur-padas por pessoas inescrupulosas.

O povo da terra tem obrigação de cuidar que os modernos inventos sejam empregados unicamente para seu bem espiritual e mate-rial. Quando chegar a hora em que verdadei-ro progresso espiritual for alcançado, então, o plano terrestre pode esperar uma avalan-che de novas invenções e descobertas, pro-veniente dos engenheiros e cientistas do mundo do espírito. Mas a terra tem um longo e doloroso caminho a trilhar antes dessa ho-ra. Enquanto isso, o trabalho dos nossos ci-entistas continua.

Nós, do espírito, não necessitamos das mui-tas invenções do plano terrestre. Creio já ter

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170 dito que nossas leis são totalmente diver-sas das do mundo. Não achamos utilidade para as invenções que aumentarão a veloci-dade de locomoção. Nosso próprio método de transporte é tão rápido quanto o pensa-mento. Não temos necessidade de poupar a vida, porque somos indestrutíveis. Não te-mos necessidade de centenas de invenções que tornam a vida mais fácil, mais segura, mais confortável e aprazível, porque a nossa vida já é tudo isso, e mais ainda. Mas neste templo da ciência, muitos e muitos homens devotados estavam trabalhando para o melhoramento do plano terrestre, por meio de suas pesquisas, e lamentavam que nem tudo ainda pudesse ser dado à terra por não ser seguro fazê-lo.

Foi-nos permitido ver o progresso que tem sido feito nos transportes, e ficamos atônitos ante o adiantamento que se tem alcançado. Mas isso não é nada, comparado com o que está para vir. Quando o homem exerce sua vontade na direção certa, não há limites para

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171 os enormes benefícios que ganhará em progresso material, mas este precisa cami-nhar a par com o progresso espiritual.

E até então não será permitido que eles pos-suam as inúmeras invenções prontas para serem enviadas.

Em geral as pessoas da terra são muito tei-mosas. Ressentem-se de qualquer invasão em seus terrenos, ou naquilo que presunço-samente chamam suas reservas. Quando qualquer pesquisa de nossos cientistas é comunicada à terra, nunca pretendemos que ela seja monopolizada por alguns, com a exclusão de todos os outros. Os que assim fizeram terão de pagar um alto preço por este breve período de prosperidade. Nem se pretendeu também que os dois mundos — o nosso e o vosso — ficassem como estão ago-ra, tão distantes em contato e idéias. Dia virá em que os nossos dois mundos serão intimamente entrelaçados, quando a comu-nicação entre ambos for um fato corriqueiro

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172 da vida, e quando a grande riqueza de recursos do mundo espiritual estiver aberta ao mundo terreno, para uso e benefício de toda a raça humana.

A visão de tanta atividade por parte de meus companheiros de reino, tinha-me feito pen-sar a respeito de meu próprio futuro, e que forma tomaria. Não tinha ainda opinião defi-nida sobre o assunto, por isso expus minha dificuldade a Edwin. Rute, ao que parece, estava preocupada com o mesmo problema, sentíamo-nos, ambos, pela primeira vez des-de a chegada, um pouco inquietos. Nosso velho amigo não ficou nada surpreso por nos ver dessa forma. Era uma sensação comum a todos, mais tarde ou mais cedo, o anseio de estar fazendo algo para o bem do próxi-mo. Edwin assegurou-nos que continuaría-mos em nossas explorações indefinidamente se assim o desejássemos, e que ninguém criticaria ou comentaria as nossas ações. Seria tratado como assunto de nosso único interesse. Sentíamos, porém, que gostaría-

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173 mos de resolver a questão do nosso futu-ro trabalho, e apelamos para a orientação do nosso bom amigo. Sugeriu ele que fôssemos aos limites dos reinos superiores, onde, de-veis estar lembrados, ele próprio havia decla-rado ser possível resolver esse assunto. As-sim deixamos o edifício da ciência e nos a-chamos nos arredores do nosso reino.

Fomos conduzidos a uma belíssima casa, que pela aparência era muito mais iluminada do que as outras situadas mais para o interior. A atmosfera era mais rarefeita e creio que es-távamos mais ou menos no mesmo lugar da nossa primeira visita aos limites. Edwin con-duziu-nos para dentro, com toda a liberdade, e nos deu as boas-vindas.

Assim que entrei compreendi instintivamente que ele nos levara à sua própria casa. Ê es-tranho mas nunca havíamos perguntado on-de era e ele propositadamente manteve nos-sas mentes afastadas desse assunto. Rute ficou encantada com tudo o que viu e ralhou

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174 com ele por não nos ter falado dela mais cedo. Era uma construção inteiramente de pedra, e apesar de ser meio nua à vista, e-manava certa amizade de cada canto. As salas não eram grandes, mas apropriadas às necessidades de Edwin. Havia muitas cadei-ras confortáveis e estantes de livros bem fornecidas. "Mas a sensação de calma e paz que dela se recebia é que nos chamou a a-tenção.

Edwin fez sentar e ficar à vontade. Não havia pressa e podíamos discutir o nosso problema com calma. Já de começo admiti francamen-te não ter idéia do que poderia fazer. En-quanto na terra tinha tido sorte de seguir minhas inclinações, e por conseguinte era muito ocupado. Mas o meu trabalho termina-ra — pelo menos num aspecto — quando minha vida terminou. Edwin propôs então se eu gostaria de me unir a ele em seu trabalho relacionado com os recém-chegados que, como nós, se achavam incapazes ainda de compreender a verdade da mudança por que

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175 tinham passado, e da irrealidade de tanta coisa de suas religiões.

Apesar de gostar muito da proposta de meu amigo não me sentia competente para reali-zar tal trabalho, | ao que

Edwin refutou minhas objeções. Eu trabalha-ria com ele, pelo menos no começo, e quan-do me acostumasse ao trabalho, poderia continuar sozinho se quisesse. Falando com experiência, Edwin disse que duas ou mais pessoas — e aqui lançou o olhar para Rute — podiam ser de mais ajuda a um indivíduo do que este trabalhando completamente só. O peso dos números parecia exercer grande poder de convicção sobre aqueles que se mostrassem particularmente teimosos em apegar-se às suas convicções terrenas. Uma vez que Edwin achava que eu lhe seria útil, tive prazer em unir minhas forças às deles. Rute ofereceu-se também para trabalhar com ele, dependendo é claro de^sua apro-vação. Havia muita coisa, disse Edwin ao

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176 aceitar, que uma moça pode fazer, e nós três trabalhando em tão completa harmonia e amizade, poderíamos realizar bastante. Fiquei contente que Rute se unisse a nós, visto que assim nosso feliz grupo não seria desfeito.

Havia, entretanto, outro assunto em minha mente, e referia-se a um livro especial que desejaria não ter escrito na terra. Não que a idéia dele me tornasse infeliz, mas queria livrar-me dela. Sem dúvida que o meu novo trabalho me traria eventualmente aquela completa paz de espírito, mas ainda assim gostaria de tratar do assunto de uma manei-ra mais direta. Edwin sabia o que eu estava querendo, e lembrou-me o que antes já ha-via dito a respeito das dificuldades de comu-nicação com a terra. Mas ele também havia mencionado que podíamos pedir orientação ao plano mais elevado: Se eu ainda quisesse tentar a comunicação poderíamos pedir con-selhos agora, e assim acomodar a questão do meu trabalho no futuro.

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177 Edwin deixou-nos então e retirou-se para outro aposento. Mal tinha conversado um pouco com Rute, quando ele voltou acompa-nhado de um homem cujo aspecto logo me fez compreender que tinha vindo de um pla-no mais elevado, em resposta ao chamado de Edwin. Não parecia nosso compatriota, e, de fato, mais tarde vim a saber que era e-gípcio. Falava a nossa língua perfeitamente. Edwin apresentou-nos e explicou o meu de-sejo e as possíveis dificuldades em realizá-lo.

Nosso visitante tinha forte personalidade, e dava uma impressão de calma e placidez.

Sentamo-nos confortavelmente e o egípcio fez algumas considerações. Se, disse ele, eu acreditava firmemente que voltando ao plano terrestre para falar, pudesse remediar essa situação que me causava remorsos, então ele faria tudo para me auxiliar neste empre-endimento. Só me seria possível, entretanto, fazer o que queria, dentro de alguns anos. Nesse ínterim eu devia aceitar apenas a sua

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178 afirmação de que um dia eu me poderia comunicar, e aceitei a promessa. Se tivesse paciência, tudo seria como desejava. Eu de-veria deixar o assunto em suas mãos e tudo correria bem. O tempo — para usar uma ex-pressão da terra — logo passaria, e certos acontecimentos, enquanto isso, abririam mais caminho e forneceriam a ambicionada oportunidade.

Deveis vos lembrar que eu estava querendo desfazer algo que desejava nunca ter feito. Era uma tarefa que não podia ser realizada num momento. O que escrevera nunca po-deria apagar, mas poderia aliviar a minha mente, dizendo a verdade como a conheço agora àqueles ainda no plano terrestre.

O bondoso egípcio ergueu-se e apertou-nos as mãos. Felicitou-nos pela maneira como nos acostumáramos às novas condições de vida, desejou-nos alegria em nosso novo trabalho, e finalmente repetiu-me a promes-sa de que meus desejos íntimos seriam reali-

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179 zados. Tentei expressar minha gratidão pelo seu auxílio, mas nem me quis ouvir e com um aceno de mão, partiu. Ainda conti-nuamos discutindo nossos planos, que eu desejava logo iniciar.

Não se deve julgar que fazíamos parte de uma campanha para converter as pessoas, no sentido que os terrenos dão a essa pala-vra. Longe disso. Não interferimos nas cren-ças de cada um, nem em seus pontos de vista: só damos nossas opiniões quando pe-didas ou quando vemos que podem ser de alguma utilidade. Nem gastamos o nosso tempo por aí a evangelizar as pessoas. Mas chega uma hora em que um desassossego espiritual se manifesta no homem cuja alma esteve comprimida e restringida por idéias erradas, de tal forma, que ele se vê na con-tingência de se voltar para o caminho certo.

Muitas pessoas não se conformam com o fato de que, ao passarem da terra para cá, sofreram a morte do corpo físico. Resoluta-

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180 mente não querem acreditar que são o que no mundo chamam de mortos. Sentem vagamente que houve alguma mudança, mas em que consiste, não sabem. Alguns, depois de explicações — e até demonstra-ções — chegam a avaliar o que realmente aconteceu, outros são teimosos e só se con-vencem depois de prolongados argumentos. Neste último caso somos às vezes obrigados a abandonar essas almas por algum tempo, para permitir-lhes uma ligeira contemplação do próprio caminho. Sabemos que seremos imediatamente procurados, assim que senti-rem o poder dos nossos argumentos. Em muitos aspectos é trabalho cansativo, apesar de eu usar a palavra cansativo em seu senti-do terreno.

Rute e eu estávamos mais do que gratos a Edwin pela sua ajuda em nossos casos, e eu, também ao egípcio, pela excelente perspec-tiva de me comunicar com a terra. Em vista de nossas decisões de cooperar com Edwin em seu trabalho, ele sugeriu que, como ha-

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181 víamos visto um pouco — e muito pouco até — do nosso reino, poderíamos agora proveitosamente fazer uma visita aos reinos sombrios. Rute e eu concordamos, acrescen-tando que tínhamos agora suficiente auto-confiança para suportar qualquer coisa de natureza desagradável que nos fosse mos-trada. Estaríamos, é claro, sob a imediata proteção e guia do nosso velho amigo. É es-cusado dizer que sem ela não tentaríamos ir, mesmo que nos fosse permitido.

Deixamos a bela casa de Edwin, atravessa-mos rapidamente o nosso próprio reino, e de novo nos achamos nas fronteiras dos reinos inferiores. Edwin nos avisou que sentiríamos aquela sensação de frio, mas com algum esforço podíamos expeli-la. Colocou-se entre nós, e Rute e eu nos apoiamos em seus bra-ços. ele se voltou para nos olhar, e ficou a-parentemente satisfeito com o que viu. Ao olhar para Rute notei que suas vestes, bem como as de Edwin, haviam tomado uma to-nalidade cinza, e vi também que as minhas

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182 tinham passado por igual alteração. Isto nos deixou perplexos, mas o nosso amigo explicou que este esmaecer de cores era a-penas uma lei natural, e não significava que perdêssemos o que já havíamos ganho. Essa lei era para que não chamássemos a atenção em lugares estranhos, nem levássemos a luz do nosso reino para aqueles planos obscu-ros, onde poderia cegar os seus habitantes.

Caminhávamos ao longo de terreno árido. A terra era dura e o verde das árvores desapa-recera. O céu era sombrio e plúmbeo, e a temperatura tinha caído consideravelmente, mas podíamos sentir um calor interno, que a combatia. Diante de nós, víamos apenas uma grande massa de neblina, que se aden-sava cada vez mais à medida que avançá-vamos, até que nos sentimos envolvidos por ela. Rodopiava à nossa volta e parecia es-magar-nos. De repente surgiu da neblina uma figura, que avançou em nossa direção. Ao reconhecer Edwin, acolheu-o com cordia-lidade, e este nos apresentou, contando das

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183 nossas intenções. ele disse que se uniria a nós e talvez nos fosse de alguma utilidade, e aceitamos prontamente a oferta. Retoma-mos a jornada e depois de passarmos nova-mente pelo nevoeiro, este começou a clarear um pouco e por fim desvaneceu-se. Podía-mos agora ver claramente o nosso novo am-biente. A paisagem era extremamente árida, com apenas uma habitação aqui e acolá, e assim mesmo de ínfima categoria. Ao nos aproximarmos de uma delas, pudemos exa-miná-la. Era pequena e baixa, inteiramente desprovida de ornamentos e pouco convida-tiva. Tinha até certo aspecto sinistro, apesar de sua simplicidade, e parecia nos repelir à medida que nos aproximávamos. Não havia sinal de vida nas janelas ou ao redor dela. Não havia jardins em suas adjacências; ela existia por si só, solitária e tristonha. Edwin e o nosso novo amigo evidentemente conheci-am bem o seu morador, porque ao chegar à porta da frente, Edwin deu

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184 uma rápida batida e, sem esperar respos-ta, entrou, fazendo-nos sinal para o seguir-mos. Ao fazê-lo, achamo-nos na mais pobre espécie de moradia. Pouca mobília, ve essa de ínfima categoria. Dir-se-ia à primeira vista que a pobreza reinava aqui, e qualquer pes-soa ficaria naturalmente penalizada e incli-nada a oferecer auxílio. Mas aos nossos o-lhos a pobreza era da alma, e a esqualidez, do espírito; e apesar de causar piedade, era uma piedade de outra espécie, para a qual o auxílio material de nada adianta. O frio pare-cia maior ainda, lá dentro, e nos disseram que ele provinha do próprio dono da casa.

Passamos a um quarto dos fundos e encon-tramos o seu único ocupante sentado numa cadeira. Não fez menção de se levantar ou nos dar as boas-vindas. Rute e eu ficamos para trás enquanto os outros dois se adian-tavam para falar ao nosso pouco acolhedor anfitrião. Era um homem de meia-idade. Ti-nha um certo quê de prosperidade em deca-dência e as roupas que usava eram mal cui-

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185 dadas. Recebeu a mim e a Rute de so-brecenho carregado e não falou imediata-mente, mas quando o fez, foi para esbrave-jar conosco incoerentemente e consegui compreender que se julgava vítima de uma injustiça. Edwin disse-lhe cruamente que era tolice, porque não há injustiça no mundo do espírito. Uma argumentação acalorada se seguiu, ou pelo menos por parte dele, visto que Edwin conservou-se calmo e ponderado e na verdade maravilhosamente bondoso. Muitas vezes ele olhou para Rute, cujo rosto suave parecia iluminar o quarto sombrio, e eu também dirigi meu olhar para ela, que agarrada ao meu braço, se mostrava imper-turbável.

Por fim ele se acalmou e pareceu mais tratá-vel, mantendo com Edwin uma conversa par-ticular. Por fim disse a Edwin que iria pensar no assunto, e que se ele o quisesse visitar outra vez, com seus amigos, 'podia fazê-lo. Ao dizer isso ergueu-se de sua cadeira, a-companhou-nos até a porta e reparei que

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186 estava quase afável. Era como se esti-vesse relutando em se tornar cortês. Ficou à porta nos observando até nos perder de vis-ta.

Edwin parecia contente com a visita e nos deu alguns particulares a respeito desse es-tranho personagem. Fora um homem bem sucedido nos negócios, e era espírito havia já alguns anos. Não pensava em mais nada a não ser nos negócios, e sempre achou que qualquer meio justificava seus fins, contanto que fossem legais. Era impiedoso com os outros e dava à eficiência a estatura de um deus. Em sua casa tudo e todos eram-lhe subservientes. Dava generosamente esmolas quando disso era provável retirar alguma vantagem e crédito. Apoiava sua religião e sua igreja com vigor, regularidade e fervor. Sentia-se um ornamento da igreja e era mui-to estimado por seus correligionários. Ajuda-va na construção, e uma capela foi batizada com o nome do seu doador. Mas pelo que Edwin pôde aquilatar, nunca tinha praticado

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187 uma ação decente e desinteressada em toda a sua vida.

E agora suas lamentações eram que, depois de ter tido vida tão exemplar — a seus olhos — fosse condenado a ambiente tão esquáli-do. Recusava-se a reconhecer que ele pró-prio se condenara, e não podia culpar nin-guém, a não ser ele mesmo.

Queixava-se de que a Igreja o enganara, visto que sua generosidade fora aceita, e acreditava por isso que seus donativos pesa-riam na balança do Além. Não podia perce-ber que o que importa é o motivo, e que um estado de espírito feliz não pode ser com-prado. Um pequeno serviço, voluntária e ge-nerosamente feito por um mortal, constrói um maior edifício em espírito, à glória de Deus, do que grandes somas gastas em ar-gamassa e pedra clericais erigidas à glória do homem.

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188 O atual estado de espírito daquele ho-mem era a ira, tanto maior porque nunca lhe havia sido negado nada na terra. Não estava acostumado a circunstâncias tão ínfimas co-mo aquelas em que vivia. Suas dificuldades eram acrescidas pela circunstância de não saber a quem culpar. Esperando uma alta recompensa, tinha sido lançado às profunde-zas. Não tinha feito verdadeiros amigos. Pa-recia não haver aconselhar. Edwin havia ten-tado argumentar, mas de nada adiantara. Recebia poucas visitas, porque as repelia, e apesar de Edwin o ir ver freqüentemente, sua atitude era sempre a mesma — sólida aderência ao senso de injustiça.

Mas desde a última visita, na companhia de nós três, já havia alguns sintomas de uma mudança próxima. A princípio não eram evi-dentes, mas ao aproximar-se o fim de nossa visita ele tinha dado mostra de ceder nessa atitude. E Edwin tinha a certeza que era mais devido à presença de Rute do que aos seus argumentos. Acreditava firmemente que se o

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189 fôssemos ver no caminho de volta das nossas explorações, já o acharíamos em dis-posição diferente. Estava ainda relutante em admitir que a culpa era sua, mas a perseve-rança faz maravilhas.

Rute ficara naturalmente contente por ser tão cedo, de alguma utilidade, apesar de afirmar que se alguma coisa fizera, fora a de ser simples espectadora! Edwin porém lhe fez ver que, se não fizera alguma ação ex-terna, mostrara entretanto uma sincera pie-dade e simpatia por aquele homem infeliz. Isso explicava os freqüentes olhares dele em sua direção. Sentira sua consideração e isso lhe fizera bem, embora não o soubesse ain-da.

Este foi o nosso primeiro contato com os de-safortunados das esferas inferiores, e me estendi um pouco nos pormenores. Fi-lo porque foi uma espécie de introdução para o nosso futuro trabalho. Por enquanto, entre-

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190 tanto, nada deveríamos fazer nesses pla-nos além de observações.

Nós quatro retornamos à nossa jornada. Não havia caminho para se andar, e o solo estava se tornando de formação rochosa. A luz de-saparecia velozmente de um céu pesado e negro. Não havia vivalma, nem casas, nem sinais de vida. Os arredores todos estavam vazios, e incolores, e parecíamos vagar num outro mundo. Mal podíamos ver, à nossa frente, algo com a aparência de casas, e pa-ra lá nos encaminhamos.

O terreno era agora de rochas e nada mais, e viam-se aqui e acolá pessoas sentadas, de cabeça baixa, aparentemente inanimadas, mas na realidade mergulhadas em desespero e tristeza. Não reparavam em nós ao pas-sarmos, e logo alcançamos as habitações divisadas de longe.

IX. Os DOMÍNIOS SOMBRIOS

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191 A certa distância podia-se notar que a-quelas habitações não passavam de cortiços. Era uma desolação vê-las, e mais ainda era pensar que elas eram os frutos da vida dos homens sobre a terra. Não entramos em ne-nhum dos casebres — já eram bastante re-pulsivos por fora, e de nada adiantaria irmos aos seus interiores. Em vez disso, Edwin nos forneceu alguns detalhes.

Alguns dos habitantes, disse ele, viviam ali, ou em suas redondezas, ano após ano, — como é contado o tempo na terra. Eles pró-prios não tinham noção de tempo, e sua e-xistência era uma interminável continuidade de escuridão, e por sua própria culpa. Muitas almas caridosas tinham entrado naqueles reinos para tentar efetuar uma salvação das sombras. Algumas tinham sido bem sucedi-das, outras não. O sucesso depende não do salvador, mas do que se procura salvar. Se este não demonstra uma centelha de luz em sua mente, nem desejo de dar um passo à

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192 frente na estrada espiritual, então, nada, literalmente nada, se pode fazer!

A necessidade deve vir de dentro da própria alma caída. E quão profundamente algumas caíram. Nunca se deve supor que aquelas que pelo julgamento terreno hajam falhado espiritualmente são as que mais baixo caí-ram. Muitas não fracassaram: na verdade, são almas dignas, cuja esplêndida recom-pensa as aguarda aqui. Por outro lado, há aquelas cuja vida terrena foi espiritualmente horrível, apesar de exteriormente sublime, cuja missão religiosa designada por um cola-rinho romano foi tomada como sinônimo de espiritualidade da alma. Tais pessoas zomba-ram de Deus através de uma vida santarrona na terra, onde viveram uma existência de exibição de bondade e santidade. Aqui são mostradas como realmente são. Mas o Deus que ludibriaram durante tanto tempo não castiga. Elas mesmas ficam encarregadas disso.

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193 As pessoas que habitam essas enxovias que víamos, não são necessariamente aque-las que na terra cometeram algum crime aos olhos terrenos. Havia muitas pessoas que, sem fazerem o mal, nunca tinham feito o bem a um único mortal sobre a terra. Pesso-as que vivem inteiramente para si, sem pen-sar nos outros. Tais almas vivem martelando a mesma tecla de que não fizeram mal a ninguém. Mas fizeram-no a si próprias.

Assim como os reinos superiores tinham cri-ado todas aquelas belezas, os moradores destes planos inferiores tinham edificado as condições atrozes de sua vida espiritual. Não havia luz, nem calor, nem vegetação, nem beleza. Mas há esperança — esperança de que uma alma possa progredir. Está ao al-cance de cada uma, e nada a impede, a não ser ela própria. Poderá levar infindáveis anos para subir espiritualmente uma polegada, mas é um passo na direção certa.

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194 Inevitavelmente pensei na doutrina da maldição eterna, tão ao gosto das religiões ortodoxas, e dos fogos sempiternos do assim chamado inferno. Se este lugar em que está-vamos então pode ser chamado inferno, — e sem dúvida o seria pelos teólogos — não há contudo evidência nenhuma de fogo ou calor de qualquer espécie. Pelo contrário, nada havia a não ser uma atmosfera fria e depri-mente. A espiritualidade significa calor no mundo espiritual; a falta de espiritualidade significa frieza. A doutrina fantástica do fogo do inferno — que queima mas nunca conso-me — é uma das mais absurdamente estúpi-das e ignorantes inventada pelos menos es-clarecidos homens da igreja.

Quem a inventou ninguém sabe, mas ainda é sustentada rigorosamente como doutrina da igreja. O menor contato com a vida espiritual revela instantaneamente a sua completa im-possibilidade, porque é contra as próprias leis da existência.

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195 Isto quanto ao seu sentido literal. E que dizer da chocante blasfêmia que acarreta?

Quando Edwin, Rute e eu estávamos na ter-ra, nos incitavam a acreditar que Deus, o Pai do Universo, castiga, realmente castiga as pessoas condenando-as a arder no fogo do inferno por toda a eternidade. Nunca houve mais grosseira falsificação desse Deus que os ortodoxos dizem adorar. As igrejas — de qualquer denominação — fabricaram uma monstruosa concepção do Pai Eterno do Céu. Fizeram d'ele, de um lado, uma montanha de corrupção, gastando enormes somas de di-nheiro para erguer igrejas e capelas em Sua glória fingindo uma humilde contrição porque o ofenderam, professando temê-lo, — a ele que é todo amor! Por outro lado, temos o quadro de um Deus que, sem a menor com-punção, atira pobres almas humanas ao fogo eterno, que é inextinguível.

É-nos ensinado pedir piedade a Deus. O Deus da igreja é um Deus de mutáveis dis-

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196 posições. Precisa ser continuamente a-placado. Não é de maneira alguma certo que, tendo-se pedido piedade, possamos consegui-la. ele deve ser temido, porque po-de desencadear Sua vingança a qualquer momento, e não sabemos quando nos atingi-rá. É vingativo e não perdoa. Recomenda trivialidades que estão anexas às doutrinas da igreja, e dogmas que imediatamente revelam, não uma grande, mas uma bem ínfima mentalidade. fez os portais da Salvação tão estreitos, que poucas, pouquíssimas almas poderão passar por ele. Construiu na terra uma vasta organização conhecida como a Igreja que é a única depositária da verdade espiritual — uma organização que praticamente nada conhece da vida no mundo espiritual e no entanto ousa decretar leis às almas encarnadas, e ousa dizer o que vai pela mente do Grande Pai Universal, e ousa desacreditar Seu nome atribuindo-lhe qualidades que ele não pode possuir. Que sabem essas mentes tolas, mesquinhas, do Grande Todo Poderoso Deus

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197 Todo Poderoso Deus do Amor? Reparem nisso — de Amor! Depois, pensem de novo em todos os horrores que enumerei, e con-templem isto: um Céu onde tudo é beleza, maior do que a mente do homem encarnado pode compreender; um céu cujo minúsculo fragmento tentei descrever, onde tudo é paz, e boa vontade, e amor entre os companhei-ros mortais. Tudo isso é criado pelos habi-tantes desses reinos, e é confirmado pelo Pai do Céu em Seu amor por toda a Humanida-de.

E que dizer dos planos inferiores, esses luga-res sombrios que hora visitávamos? É o pró-prio fato de os estarmos visitando que me levou a falar deste modo, porque aqui na escuridão estou perfeitamente cônscio da grande realidade da vida eterna, e de que as altas esferas do céu estão ao alcance de to-da alma mortal, nascida ou por nascer sobre a terra. As potencialidades da progressão são ilimitadas, e são o direito de toda alma. Deus não condena ninguém. O homem se

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198 condena a si próprio, mas não eterna-mente: depende dele mesmo, quando se deverá mover para a frente espiritualmente. Cada espírito odeia o reino inferior por causa da infelicidade que lá existe — por nenhuma outra razão. É por isso que temos aqui gran-des organizações, destinadas a ajudar essas almas que o habitam a se erguerem até a luz. E esse trabalho continuará através de eras infindáveis, até que toda alma seja tra-zida daqueles lugares horríveis, quando en-tão tudo ficará como o Pai do Universo dese-ja.

Esta, receio, foi uma longa digressão, por isso voltemos às nossas viagens. Devem lembrar-se dos muitos perfumes celestiais que mencionei, oriundos das flores e que flutuam pelo ar. Aqui nestas regiões sombri-as é o oposto. Nossas narinas eram assalta-das pelos mais horríveis odores, que lembra-vam a decomposição da carne no mundo terrestre. Eram nauseantes e eu temia serem mais fortes do que pudéssemos suportar, eu

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199 e Rute, mas Edwin nos disse para os tra-tarmos da mesma maneira que o frio, sim-plesmente fechando-lhes a mente; assim ignoraríamos a sua existência. Apressamo-nos a fazê-lo, e com sucesso. Não é apenas a santidade que exala odores.

Nas viagens pelo nosso reino podíamos go-zar de todas as suas inúmeras belezas e en-cantos, bem como da convivência feliz de seus habitantes. Aqui nestes sombrios reinos tudo é triste e desolado. A própria luz, tênue, lança uma névoa sobre toda a região. Ocasi-onalmente podíamos ver de relance os rostos de alguns infelizes que passavam por nós. Alguns eram inequivocamente maus, mos-trando a vida de vício que haviam levado sobre a terra; alguns revelavam o avarento, o miserável, a besta humana. Havia aqui pessoas de quase todas as categorias soci-ais, desde os tempos presentes até as eras mais remotas. £ aqui encontrei uma relação com nomes que se podiam ler nas histórias verídicas das nações, na biblioteca que haví-

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200 amos visitado em nosso reino. Tanto Ed-win como o seu amigo nos disseram que fi-caríamos estupefatos com a lista de nomes, bem conhecidos na História, de pessoas que estavam enfurnadas nessas pestilentas regi-ões — homens que haviam perpetrado vis e maldosos atos em nome da religião sagrada, ou em favor de seus próprios desprezíveis interesses materiais. Muitos desses infelizes estavam incomunicáveis, e assim ficariam — talvez por infindos séculos — até que por vontade e esforço próprios, eles se moves-sem, por pouco que fosse, na direção da luz do progresso espiritual.

Podíamos ver, ao caminharmos, bandos in-teiros de almas aparentemente enlouqueci-das, a caminho de intentos maléficos. Seus corpos apresentavam externamente as mais horripilantes e repulsivas deformidades, o absoluto reflexo de suas mentes malsãs. Muitos pareciam velhos, mas me disseram que apesar de estarem ali há muitos séculos, não era tanto a passagem dos anos que as-

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201 sim os desfigurava, mas sim a maldade de suas mentes.

Nas esferas superiores a beleza da mente rejuvenesce os traços, varre os sinais de cui-dados terrenos, preocupações e penas, e apresenta aos olhos esse estado de desen-volvimento físico que se costuma designar como flor da idade.

Os múltiplos sons que se ouviam estavam de acordo com o ambiente; desde o roufenho riso louco até aos gritos de alguma alma em tormento. Uma ou duas vezes dirigiu-se a nós uma alma corajosa que lá se achava na sua tarefa de ajudar aqueles aflitos mortais. Ficaram contentes em nos ver e poder falar-nos. Podiam ver-nos na escuridão e nós a elas, mas éramos todos invisíveis para os demais, devido à proteção de que vínhamos munidos ao entrar nesses reinos sombrios. No nosso caso, era Edwin que cuidava de nós coletivamente como recém-chegados, mas os que trabalham na salvação dos infeli-

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202 zes, dispõem cada um de seu próprio meio de proteção.

Se algum prelado — ou teólogo — pudesse ver as coisas que eu, Rute e Edwin víamos, nunca mais diria que Deus, o Pai de Amor, possa condenar algum mortal a tais horrores. Mesmo o padre vendo estas paragens não condenaria ninguém a viver nelas.

Quanto mais víamos no reino das sombras mais compreendíamos quão fantástico é o ensinamento ortodoxo da igreja à qual eu pertencia quando na terra: que o lugar que se chama inferno eterno é governado pelo Príncipe das Trevas, cujo único fito é prender as almas em suas garras, e que não há sal-vação depois que se entra em seu reino. Se-rá que há realmente uma entidade como esse Príncipe das Trevas? Poderia haver, sim, uma alma infinitamente pior do que as outras, e que seria considerada o Rei do Mal. Edwin nos contou que não existe qualquer evidência de tal personagem. Entidades das

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203 esferas superiores tinham viajado por toda parte aqui, sem descobrir tal ser. Tam-bém os sábios afirmam positivamente não conhecerem a existência de tal coisa. Indubi-tavelmente há os que, coletivamente, são bem piores do que seus colegas das som-bras. A idéia de que um Rei das Trevas exis-ta, e cuja função direta é oposta à do Rei do Céu, é estúpida, primitiva e bárbara. O Dia-bo, como indivíduo solitário, não existe, mas uma alma má pode ser um diabo, e, nesse caso, há inúmeros diabos. É esta fraternida-de, de acordo com os ensinamentos da igre-ja ortodoxa, que constitui o único elemento do regresso do espírito.

Podemos nos dar ao luxo de rir de tais ab-surdos. Temos senso de humor, e nos diver-te às vezes ouvir algum padre ignorante, espiritualmente cego, protestando conhecer as coisas do espírito, as quais, na realidade, ele desconhece totalmente. Os povos do es-pírito têm costas largas, e podem suportar o

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204 peso de tais tolices sem experimentar nada a não ser piedade, por almas tão ce-gas.

Não é minha intenção entrar em pormenores a respeito dessas esferas sombrias. Pelo me-nos por enquanto. O método de a igreja as-sustar pessoas não é o método do mundo espiritual. Preferimos nos deter nas belezas do mundo espiritual e tentar mostrar algo das glórias que esperam cada alma que ter-mina sua vida na terra. Depende de cada uma, individualmente, o possuí-las mais cedo ou mais tarde.

Fizemos uma pequena consulta e achamos que gostaríamos de voltar aos nossos reinos. Voltamos assim das sombras, atravessando rapidamente as névoas e uma vez mais nos achamos em nosso reino celestial, envolvidos em seu ar cálido. Achei que era tempo de dar uma olhadela em minha casa, mas como não desejava me separar de Rute e Edwin, pedi-lhes que me acompanhassem. Ela ainda

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205 não vira o meu lar, que muitas vezes se havia perguntado como seria. E achei que algumas frutas do pomar, seriam bem--vindas, depois daquela nossa jornada.

Tudo na casa estava em perfeita ordem, co-mo se alguém cuidasse dela permanente-mente. Rute expressou sua admiração por tudo o que viu e felicitou-me pela escolha.

Ao inquirir quem era responsável pela boa ordem da casa durante a minha ausência, Edwin respondeu-me com outra pergunta: — Que há aqui para perturbar-lhe a ordem? Não existe pó porque não há destruição de forma alguma. Não há sujeira porque em espírito não pode existir tal coisa. As obriga-ções domésticas tão conhecidas e enfado-nhas na terra, são aqui inexistentes. A ne-cessidade de prover nosso corpo com ali-mento foi esquecida quando deixamos de ser um corpo físico. Os adornos do lar, tais como tapeçarias e cortinas, nunca necessitavam de ser removidos, visto que aqui nada fenece.

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206 Duram até que os queiramos trocar por outros. Assim, o que resta para exigir o nos-so cuidado? Temos apenas que sair de nos-sas casas deixando todas as portas e janelas abertas — não há fechaduras — e podemos voltar quando bem quisermos, encontrando tudo como deixamos.

Podemos achar alguma diferença, alguma melhoria. Podemos descobrir, por exemplo, que enquanto estivemos fora algum amigo nos deixou um mimo, flores talvez, ou qual-quer outro sinal de amizade. Rute vagueara por toda a casa, só; como aqui não temos formalidades estúpidas, disse-lhe que ficasse à vontade. O estilo antigo da arquitetura a-traía a sua natureza artística, e ela absorvia-se nos painéis e esculturas de madeiras do passado. Daí a pouco atingiu a minha biblio-teca e ficou interessada em ver minhas pró-prias obras na estante. Um livro em especial a atraiu e o estava folheando quando entrei. O título já por si revelava-lhe muito, disse ela; pude então sentir sobre mim a força de

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207 toda sua simpatia; e como ela conhecia a minha grande ambição, ofereceu-me toda ajuda possível para a sua realização.

Assim que completou a inspeção da casa, reunimo-nos na sala de estar e Rute indagou de Edwin uma coisa que já havia me ocorri-do: havia um mar algures? Se havia lagos e rios, talvez devesse haver um oceano. A res-posta encheu-a de alegria: é claro que havia um mar, e muito bonito. Rute insistiu em vê-lo e para lá nos dirigimos, sob a orientação de Edwin.

Em breve caminhávamos ao longo de um maravilhoso trecho de campo aberto reco-berto de grama, como um tapete de veludo verde sob nossos pés. Não havia árvores, mas havia muitos agrupamentos de arbus-tos, e é claro, uma profusão de flores por toda parte. Por fim subimos a uma pequena elevação e senti que o mar devia estar além dela. De fato, ali terminava o prado e logo em seguida estendia-se o mais lindo pano-

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208 rama que se pode imaginar. Nunca tí-nhamos contemplado um mar tão maravilho-so. A coloração era o mais perfeito reflexo do céu acima dele, e além disso, em cada onda-zinha rebrilhavam miríades de tonalidades do arco-íris. A superfície da água era calma, mas não uma calma desprovida de vida. Aqui não há coisas tais como água estagnada ou sem vida.

De onde estávamos, podiam-se ver ilhas de considerável tamanho, ilhas que nos pareci-am bem atraentes e que devíamos visitar. Abaixo de nós estendia-se esplêndida faixa de praia e havia muita gente sentada à beira da água, mas nem sombra de multidões se acotovelando. Flutuando sobre a água, al-guns, bem perto de nós, outros mais distan-tes, estavam os mais lindos barcos — mas não creio estar-lhes fazendo justiça ao cha-má-los barcos. Navio seria mais apropriado. Ao perguntar a Edwin quem poderia possuir tão belas embarcações, ele me respondeu que nós também as poderíamos possuir, se

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209 as desejássemos. Os proprietários não tinham outra moradia a não ser os barcos, onde podiam passar o ano todo, visto que aqui o verão é eterno.

Uma pequena descida por um caminho tor-tuoso nos levou à praia. Edwin informou-nos que era um mar sem marés e não muito pro-fundo, em comparação com o do mundo ter-restre. Não existindo tempestades aqui, a água é sempre plácida e, como as outras águas deste reino, é de temperatura sempre morna e não oferece aos banhistas nenhuma sensação de frio. Banhar-se nessas águas é experimentar uma perfeita manifestação de força espiritual. A areia em que caminháva-mos não tinha características desagradáveis como as da terra. Não era cansativo andar sobre ela, e apesar de ter a aparência co-mum, era macia ao tato. De fato, esta pecu-liaridade fazia-a semelhante a um gramado bem tratado, tão unidos são

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210 os seus grãos. Pegamos alguns punhados dessa areia e deixamo-la correr entre os de-dos; ficamos surpresos ao sentir que não deixava as mãos ásperas, mas parecia mais um pó macio. Era um dos mais estranhos fenômenos que já encontráramos, mas Ed-win observou que era apenas porque aqui nós tínhamos feito um exame mais minucio-so do que das outras coisas. Se fôssemos fazer isso com tudo que vemos, com a terra sobre que caminhamos, com a substância de que é feita a nossa casa, ou com os milhares de outros objetos que podem formar o mun-do do espírito, viveríamos em constante es-tado de surpresa. E mesmo assim ter-se-ia revelado aos nossos olhos uma pequena i-déia — apenas uma pequeníssima idéia — da magnitude da Grande Mente — da Maior Mente do Universo — que mantém este e todos os outros mundos. Realmente, quando os cientistas da terra aqui vêm viver, desco-brem um mundo completamente novo, no qual têm que começar novas pesquisas. Não

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211 perderam contudo aquela grande experi-ência terrena. E que alegria ao compararem seus dados em companhia de seus colegas, ao catalogarem novos conhecimentos, traba-lharem em benefício de novas descobertas.

Depois de apalparmos a areia quisemos mergulhar nossas mãos no mar. Rute espe-rava sentir gosto de sal, mas sua surpresa foi grande ao verificar que tal não era verdade. Era mar apenas no nome, devido à quanti-dade de areia, e às características das terras adjacentes. Sob todos os outros aspectos assemelhava-se aos ribeirões e aos lagos. Na aparência geral o efeito de conjunto era in-teiramente diverso do oceano da terra, devi-do, entre outras coisas, ao fato de não haver sol para dar-lhe apenas um quarto de luz e causar-lhe aquelas mutações de aspectos quando ele muda de direção. Aqui a luz é espalhada uniformemente, de uma fonte central, que é imutável e constante. Temos dia perpétuo, mas isso não quer dizer que essa imobilidade se torne monótona. Há va-

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212 riações o tempo todo; mudanças de co-res, com que o homem jamais sonhara, e que só os olhos espirituais podem apreciar, por serem olhos psíquicos.

Desejávamos muito visitar uma das ilhas que se viam ao longe, e Rute achou que seria uma experiência agradável viajar pelo mar numa daquelas esplêndidas embarcações próximas da praia. Surgiu a dificuldade de como poderiam ser usadas, uma vez que eram particulares; mas Edwin, ao ver a ansi-edade de Rute, lembrou que um deles per-tencia a um amigo. Mesmo que assim não fosse seríamos bem-vindos a qualquer um, bastando nos apresentar a quem se achasse a bordo — isto se quiséssemos respeitar essa formalidade. Edwin chamou nossa atenção para um belo iate ancorado perto da praia. Era de linhas graciosas, e prometia ser veloz e possante.

Em resposta à mensagem de Edwin, enviada através das águas, recebemos imediato con-

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213 vite para subirmos a bordo, o que fize-mos sem perda de tempo. Fomos recebidos com grande alegria pelo proprietário que nos levou a conhecer sua esposa. Ela era encan-tadora e podia-se ver que ambos formavam um par ideal. Sabedores de que éramos re-cém--chegados estavam ansiosos por nos mostrar o barco.

Às primeiras observações reparamos que faltavam muitos dos aparelhos e partes es-senciais aos barcos da terra. Coisas indispen-sáveis, como a âncora, por exemplo. Não havendo ventos, correntes ou marés, nas águas espirituais, uma âncora é supérflua, apesar de nos dizerem que alguns proprietá-rios de barcos as possuem apenas como or-namento, sem o qual não acham suas em-barcações completas. Havia enorme espaço no tombadilho, e uma copiosa provisão de confortáveis cadeiras. Embaixo, salões bem decorados. Mas Rute estava desapontada por não ter deparado com nenhuma evidên-cia de força motriz para impelir a embarca-

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214 ção, e naturalmente concluiu que o iate era incapaz de movimento independente. Eu partilhava seu desapontamento, mas Edwin tinha um brilho malicioso no olhar, o que já me devia ter feito ver que aqui as coisas não são como na terra. Nosso anfitrião. tinha captado nossos pensamentos e imediata-mente nos levou à casa do leme. Qual não foi nosso espanto ao ver que estávamos nos afastando da praia, lenta e suavemente! Os outros riam alegremente do nosso embaraço, e corremos para a amurada para vermos o movimento na água. Não havia engano, es-távamos de fato em movimento, e aumen-tando a velocidade à medida que avançáva-mos. Retornamos à casa do leme e solicita-mos a explicação imediata daquele aparente passe de mágica.

X. UMA VISITA

Nosso hospedeiro nos contou que o poder do pensamento é quase ilimitado no mundo dos espíritos, e que quanto maior o esforço de

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215 concentração de idéias, maiores os resul-tados.

Nossos meios de locomoção pessoal são fei-tos através de pensamentos, e podemos a-plicar esses mesmos métodos ao que o mundo chama de objetos inanimados. É cla-ro que nestes reinos nada é inanimado, e por isso nossos pensamentos podem ter uma influência direta sobre as inúmeras coisas que compõem o mundo espiritual. As embar-cações podem flutuar e mover-se sobre as águas; elas são animadas pela força viva que anima todas as coisas aqui e, se desejamos mover-nos sobre a água, temos apenas que focalizar nossa mente nessa direção, com essa intenção, e nossos pensamentos produ-zem o resultado desejado de movimento. Poderíamos, se desejássemos, pedir aos a-migos cientistas que nos fornecessem es-plêndidas máquinas geradoras de força mo-triz, e eles teriam prazer em nos atender. Mas teríamos então que focalizar nossos pensamentos sobre a máquina, para fazê-la

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216 gerar a necessária força. Por que, pois, fazer todos esses rodeios para produzir o mesmo resultado, quando podemos fazê-lo diretamente e com a mesma eficiência?

Mas não se deve concluir disso que alguém possa mover um barco através das águas, só com o pensar. Isso requer, como tantas ou-tras coisas, a sabedoria necessária, sua apli-cação em linhas bem ordenadas e a prática da arte. A aptidão natural ajuda muito nes-ses casos, e nosso anfitrião nos disse que em pouco tempo dominou a questão. Uma vez atingida essa habilidade, sentimos uma e-norme sensação de poder bem aplicado, e não apenas de poder, mas de poder de pen-samento, de maneira única e talvez inacredi-tável. Perfeito como tudo o mais neste reino, o movimento de um objeto tão grande como este barco ilustra e aumenta a maravilha da vida espiritual. Nosso anfitrião explicou que • isto era apenas seu ponto de vista pessoal, e não devia ser tomado como axioma. Seu en-

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217 tusiasmo era aumentado pelo seu amor à água e aos navios.

Notamos que ele manobrava o barco da ma-neira usual, com um leme operado por uma roda do tombadilho. Já achava bastante ter que prover a força para mover o barco. Se o desejasse poderia combinar as duas ações em uma só.

Mas preferia o velho método de guiar à mão, pelo prazer que o trabalho físico lhe propor-cionava. Uma vez dado o movimento ao na-vio, podia esquecer-se disso até desejar pa-rar. Ao simples desejo de parar, fosse repen-tina ou gradualmente, o barco parava imedi-atamente, e sem perigo algum de acidentes, que não podem existir nestas paragens.

Enquanto ele nos explicava isto a mim e a Rute, Edwin estava entretido em conversar com a esposa do hospedeiro. Nossa veloci-dade havia aumentado até um andamento estável, e movíamo-nos na direção de uma

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218 das ilhas. O iate deslocava-se sem oscila-ção, mas podia se perceber o movimento das águas, enquanto as ondas apartadas pela quilha produziam os mais harmoniosos sons, e as mais belas tonalidades surgiam da água agitada. Observamos que na nossa esteira a água rapidamente voltava à posição antiga, não deixando sinais de que tivéssemos pas-sado por ela.

Rute ficou simplesmente extasiada e correu para nossa hospedeira, no ardor de suas no-vas experiências. Esta, que compreendia bem o entusiasmo da jovem amiga, partilha-va seu contentamento. Apesar de nada aqui lhe ser novidade, ela disse que nunca deixa-va de se admirar, mesmo familiarizada com o navio-lar, com as gloriosas belezas e praze-res dispensados aos moradores das terras espirituais.

Estávamos então suficientemente próximos da ilha para poder vê-la completamente, e o barco alterou seu ramo para bordejá-la. De-

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219 pois de assim navegar por algum tempo, entramos numa pequena baía que formava um pitoresco porto natural.

A ilha correspondeu à nossa expectativa em beleza cênica. Não havia muitas habitações; as que podiam ser vistas eram apenas resi-dências de verão. Mas a principal caracterís-tica do lugar era a quantidade de árvores, nenhuma alta, mas todas de vigoroso desen-volvimento. Viam-se nos galhos os mais be-los pássaros, cuja plumagem era uma orgia de cores. Alguns voavam, outros passeavam majestosamente pelo chão. E não se atemo-rizavam conosco. Acompanhavam-nos se estivéssemos andando; e se estendíamos os braços, os menores se empoleiravam nos dedos. Pareciam conhecer-nos, e saber que seria absolutamente impossível que os mal-tratássemos. Não tinham que viver em cons-tante busca de alimentos nem se defender contra o que na terra seriam os seus inimi-gos naturais. Eram, como nós, parte do

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220 mundo eterno do espírito, gozando sua vida eterna, como nós o fazíamos.

Os pássaros de mais colorida plumagem e-ram evidentemente da espécie que vive na floresta tropical, e raramente vistos, até che-garmos ao mundo espiritual. Pela perfeita adaptação de temperatura podiam eles viver tão bem quanto os de aparência menos es-petacular. E, em grande harmonia, cantavam e chilreavam, numa verdadeira sinfonia. Nunca se ouvira tamanha exaltação sonora: cada som se confundia, de maneira extraor-dinária, com todos os outros; e mesmo as-sim, não eram estridentes embora o canto de alguns passarinhos fosse bastante alto. Mas o que mais nos embevecia era a amiza-de pura e verdadeira que demonstravam em relação a nós — fato inédito, pois na terra os pássaros vivem, pode-se dizer, num mundo diferente do dos homens. Aqui, porém, todos pertencíamos a um só mundo livre, e a com-preensão entre nós e os pássaros era recí-proca. Quando lhes falávamos sentíamos que

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221 compreendiam o que dizíamos, da mes-ma sutil maneira que nós podíamos compre-ender o que eles diziam.

Nossos amigos, é claro, já haviam passado por tudo isso anteriormente, mas para mim e Rute, era uma nova e maravilhosa experiên-cia. Quando ponderei sobre essa questão, vi que, se tivesse raciocinado logo perguntaria: por que haveria Deus de criar pássaros e coisas belas apenas para uso da terra? E por que fazê-los sempre perecíveis? Deveriam ser negadas ao grande mundo do espírito as coisas belas que a terra desfruta? Tínhamos a resposta diante dos olhos. É próprio da presunção e auto-importância do homem pensar que a beleza seja criada para seu exclusivo prazer na terra. Julga ele ter o mo-nopólio da beleza. Quando morre, desperta para o fato de que na realidade nunca viu ainda quão grande pode ser a beleza, e tor-na-se então humilde e silencioso, talvez pela primeira vez na vida. Ê uma lição salutar, o

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222 despertar do espírito, e acredite, meu amigo, às vezes é um choque para muita gente.

A profusão de cores de todos os pássaros à nossa volta era demais para ser vista de uma só vez. Ultrapassa qualquer descrição, e se-ríamos incapazes de dá-la. Passeamos atra-vés de bosques deliciosos, passamos por murmurantes riachos, através de clareiras de veludo verde, como num verdadeiro reino encantado. Encontramos no caminho várias pessoas, que ao ver-nos cumprimentavam-nos amistosamente. Mostravam-se felizes entre os pássaros. Disseram-nos que esta parte da ilha era dedicada exclusivamente aos pássaros, e que nenhuma outra forma de vida animal se intrometia aqui. Não por-que seja perigoso — isso é impossível — mas porque as aves são mais felizes com a pró-pria espécie.

Afinal retornamos ao iate e fizemo-nos ao mar de novo. Estávamos curiosos para saber

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223 onde nosso anfitrião havia adquirido seu lar flutuante. Tal engenho náutico requer peritos para planejá-lo e outros tantos para construí-lo. Disse--nos ele que um barco de-pendia das mesmas condições que nossas casas espirituais, ou qualquer outro edifício. O requisito é que ganhemos o direito de pos-suí-lo. Isso já sabíamos. O que acontece po-rém às pessoas que na terra desenhavam e construíam botes, como meio de vida ou como passatempo? Neste último caso princi-palmente, eles teriam que abandonar suas tarefas prediletas? Não, aqui todos têm mei-os e motivos para continuá-las, quer por pra-zer, quer por trabalho.

A arte de construir uma embarcação é alta-mente técnica, e os métodos do mundo espi-ritual, diferentes dos da terra, precisam ser dominados. Mesmo que adquiramos o direito de possuir, no mundo espiritual, teremos sempre o auxílio dos amigos na construção do edifício atual. Podemos criar em nossas mentes, quando na terra, o formato daquilo

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224 que ambicionamos ter — uma casa, um jardim, ou o que quer que seja. Será então um pensamento-forma, e será convertido naquilo que desejamos, com o auxílio de pe-ritos.

Nossa volta foi tão aprazível quanto a ida. Quando chegamos à terra, nosso anfitrião nos fez um convite para irmos visitá-lo a bordo, sempre que o desejássemos.

Quando caminhávamos pela praia, Edwin nos fez lembrar do grande prédio no centro da cidade, dizendo-nos que em breve haveria uma visita dos planos superiores, e por isso grande concentração se formaria no templo que terminava em cúpula. Gostaríamos de ir com ele? Não era de forma nenhuma um ato específico de adoração a esse visitante. Coi-sas como adoração não requerem esforço consciente (vêm espontaneamente do cora-ção) mas o nosso visitante traria consigo não só sua própria radiação, como a radiação das esferas celestiais que ele honrava. Imedia-

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225 tamente expressamos o desejo de acom-panhar Edwin, visto que não nos aventurarí-amos a ir sós; e além disso estávamos sob a direção do nosso amigo.

Ao longo da larga avenida arborizada, nota-mos que fazíamos parte de um grande nú-mero de pessoas que caminhavam numa mesma direção e aparentemente com as mesmas intenções. É estranho, mas não ha-via a confusão própria das grandes aglome-rações terrenas. Era uma sensação extraor-dinária, que Rute compartilhava comigo. Temíamos o costumeiro empurrar e acotove-lar das multidões na terra, mas logo caímos em nós e nos rimos de que pudéssemos ter tido aqui tal idéia, por um momento sequer. Sentimos que tudo estava em perfeita or-dem, que todos sabiam o que fazer e aonde ir. Sentimos que nos aguardavam, pelo apoio que lhes daríamos, e que boas-vindas pesso-ais nos esperavam. Não era isto suficiente para afastar toda sensação de inquietação e desconforto?

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226 Havia, além disso, uma unidade de pen-samento entre nós, que não é possível na terra, mesmo entre aqueles que têm as mesmas crenças religiosas. Que religião exis-te em que todos os adeptos são inteiramente da mesma opinião? Nenhuma. Acha-se es-sencial na terra que, para dar graças ao Ente

Supremo, ou para adorá-lo, deve haver um ritual complexo, formulários e cerimônias dos quais há tanta diversidade de opiniões, quantas são as religiões.

Aqui temos templos onde podemos receber os grandes mensageiros dos reinos superio-res, lugares apropriados para receber os re-presentantes do nosso Pai, e de onde esses mensageiros podem enviar graças e petições à Grande Nascente de tudo. Não adoramos cegamente como na terra.

Ao aproximarmo-nos do templo já podíamos nos sentir carregados de força espiritual. Edwin nos contou que isso acontecia sempre,

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227 porque o imenso poder trazido pelos al-tos visitantes permanecia intacto dentro de um amplo círculo ao redor do templo. Era por esta razão que ele se achava isolado, sem outras construções nas proximidades. Apenas jardins o rodeavam — um mar de flores, estendendo-se a perder de vista, e apresentando tal abundância de cores bri-lhantes, como a terra jamais pôde ver. E de tudo emanavam os mais celestiais sons de música e os mais delicados perfumes, cujo efeito era a mais pura exaltação de espírito. Sentimo-nos elevados acima de nós mesmos, e num outro mundo.

O edifício em si era magnífico e grandioso. Parecia feito do mais fino cristal, mas não era transparente. Pilares maciços brilhavam ao sol, ao mesmo tempo que as esculturas cintilantes espargiam por toda parte miríades de reflexos brilhantes. Nunca julguei possível haver semelhantes brilhos, porque as super-fícies polidas não só refletiam a luz comum,

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228 mas emanava delas também uma luz espiritual.

Edwin conduziu-nos aos lugares que deviam ser nossos, e que já nos pareciam familiares, como alguma poltrona predileta em nosso lar.

Acima de nós erguia-se a cúpula enorme, de ouro, maravilhosamente trabalhada, que re-fletia as cores das outras partes do edifício. Mas o foco das atenções era o santuário de mármore — palavra que uso, na falta de me-lhor — no fim do templo. Tinha um balaus-trada baixa com uma saída central no topo de uma escada que conduzia ao solo. Podi-am-se ouvir notas musicais, mas de onde vinham, eu não sabia. Não se viam músicos, mas a melodia era evidentemente produzida por uma grande orquestra — de cordas so-mente.

O santuário, que era de dimensões espaço-sas, estava repleto de seres dos planos supe-

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229 riores, com exceção de um espaço no centro, que eu supunha reservado ao nosso visitante. Estávamos todos sentados, e con-versava-se calmamente. Dali a pouco aper-cebemo-nos da presença da majestosa figura de um homem de cabelos cor de azeviche, seguido de perto — para grande surpresa minha — pelo bondoso egípcio que encontrá-ramos na casa de Edwin. Para aqueles que já haviam testemunhado tais visitas, a chegada de ambos foi a indicação da vinda da alta personalidade, e portanto todos se puseram de pé. Então, perante nossos olhos, apare-ceu primeiro uma luz, que poderíamos dizer ofuscante; mas, concentrando o olhar, ime-diatamente nos acostumamos a ela, sem sentir desconforto. Na verdade, como desco-bri mais tarde, a luz é que se adaptava a nós, isto é, diminuía de intensidade de acor-do com nosso reino. Nas extremidades era quase dourada, tornando-se mais brilhante à medida que se aproximava do centro. E no meio, vagarosamente, ela tomou a forma do

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230 nosso visitante. Ao ganhar corpo podía-mos ver que era um homem de aparência jovem, — juventude espiritual — mas sabía-mos que ele arcava com os três atributos de Sabedoria, Conhecimento e Pureza. Seu semblante irradiava transcendente beleza, os cabelos eram dourados, e em torno de sua cabeça brilhava um diadema de luz. Suas vestimentas eram da mais diáfana qualidade, e consistia em alva túnica bordada com uma larga barra dourada, enquanto dos ombros caía um manto de azul cerúleo, preso no pei-to por uma grande pérola rósea. Seus movi-mentos eram majestosos ao erguer os bra-ços para nos abençoar. Permanecemos de pé e silenciosos, enquanto nossos pensamentos se elevavam para Aquele que nos enviava tão maravilhoso ser. Enviamos graças e peti-ções. Para mim, eu tinha um pedido a fazer, e fi-lo.

Não me é possível descrever a exaltação de espírito que eu sentia na presença, embora distante, daquele nosso hóspede. Não sei

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231 quanto tempo eu pude permanecer na-quele templo sem sentir a esmagadora cons-ciência de que eu era muito, muito ínfimo, na escala da evolução espiritual. E no entan-to eu sabia que ele me enviava, como a to-dos, pensamentos de encorajamento, de boa esperança, de bondade no mais alto grau, o que me fez sentir que nunca devia desespe-rar de atingir o reino espiritual mais elevado, e que havia útil trabalho para eu prestar aos homens.

Com uma bênção final aquele resplendente ser desapareceu de nossas vistas.

Permanecemos sentados um pouco, e gra-dualmente o templo começou a esvaziar-se. Eu não sentia vontade de me mover e Edwin disse que podíamos ficar quanto quisésse-mos. O recinto estava, portanto, quase vazi-o, quando vi o egípcio se aproximar de nós. Cumprimentou-nos efusivamente e pediu-me para o acompanhar, visto que me queria a-presentar ao seu Mestre. Agradeci-lhe o inte-

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232 resse, e qual não foi o meu espanto quando me conduziu à presença do homem com quem estava no santuário. Só o vira de meu lugar, mas perto dele podia admirar um par de olhos negros coruscantes que combi-navam com seus cabelos, e que eram mais acentuados pelo contraste com a palidez de sua cútis. As cores de sua vestimenta eram azul, branco e ouro, e apesar de serem de qualidade superior, não tinham a intensidade das do visitante principal. Tive a impressão de estar na presença de um homem muito sábio, o que era verdade, e também de grande senso de humor. É preciso nunca se esquecer de que graça e humor não são, e nunca serão, prerrogativa dos habitantes da terra, embora muitos queiram reclamar para si o seu monopólio, e negar nossa alegria jovial. Continuaremos a rir, a despeito da possível desaprovação deles.)

O amável egípcio apresentou-me a seu mes-tre, e este me tomou a mão e sorriu de tal maneira que afastou de mim, completamen-

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233 te, qualquer acanhamento. Na verdade ele irradiava autoconfiança e nos deixava inteiramente à vontade. Podia-se chamá-lo, sem desrespeito, de perfeito anfitrião. Quan-do me falou, sua voz era agradavelmente modulada e suave. Suas palavras me enche-ram de alegria e ao mesmo tempo de espan-to: — "Meu bem-amado Mestre, que acabais de ver, me manda dizer que vossa oração foi atendida, e vossos desejos realizados. Não temais, porque aqui as promessas feitas são sempre cumpridas". Disse-me então que me seria pedido um certo tempo de espera, por-que era necessário que uma corrente de a-contecimentos tivesse lugar antes de as exa-tas circunstâncias serem realizadas. O tempo logo passaria, e enquanto isso eu podia con-tinuar meu trabalho com os amigos. Se al-guma vez desejasse conselhos, meu bom amigo Edwin poderia visitar o amigo egípcio, cujas orientações estariam ao meu dispor. Deu-me, então, sua bênção, e achei-me so-zinho, só com meus pensamentos, e com a

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234 recordação duradoura da fragrância ce-lestial do nosso resplendente visitante.

Reuni-me a Rute e Edwin, a quem contei da minha felicidade. Ambos rejubilaram-se às minhas boas notícias. Sentia agora vontade de voltar à minha casa, e perguntei a eles se me acompanhariam. Para lá nos dirigimos, e fomos diretos à biblioteca. Numa das prate-leiras havia um livro especial que eu escreve-ra ainda na terra, e que desejaria nunca ter escrito. Removi o volume da prateleira, dei-xando o espaço vazio. De acordo com a mi-nha oração eu deveria preencher aquele es-paço com outro livro, escrito depois de ser espírito, o produto de minha mente após ter visto a verdade.

De braços dados, caminhamos para o enso-larado jardim — e para o celestial sol da e-ternidade.

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SEGUNDA PARTE

UM MUNDO DESCONHECIDO

I. As FLORES

Depois de ter passado a espírito, uma das minhas primeiras experiências foi a consciên-cia de uma sensação de tristeza, não minha, porque me sentia supinamente feliz, mas dos outros, e ficava intrigado por saber de onde provinha.

Edwin me contou que essa tristeza se eleva-va do mundo terreno, e era causada pela dor do meu passamento. Logo cessou, entretan-to, e ele me informou que o esquecimento já principiava a chegar. Esta experiência só, meu bom amigo, é de molde a produzir sen-timentos de humildade, se não existia antes.

Eu, asseguro-lhes, dava pouca importância à popularidade. A descoberta, portanto, de que a minha memória se apagava rapidamente

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236 das mentes de pessoas da terra, não me magoou nem um pouco. Eu havia escrito e pregado para que fizessem o bem, e esse, via agora, era microscópico. Disseram-me que muitas pessoas que estavam nas graças do público quando vivas, descobriram, quan-do se desfizeram de seus corpos, que a fama e o prestígio não os acompanharam ao mun-do espiritual. Desaparecera a admiração que havia sido sua experiência diária. Natural-mente que entristecera essas pessoas o dei-xar para trás sua importância e isso dava-lhes uma sensação de solidão, tanto mais que, além disso, o mundo rapidamente se esquecia delas.

Minha própria reputação terrena não fora muito grande, mas conseguira certa posição entre meus correligionários.

Minha transição fora calma e pacífica, e sem circunstâncias inesperadas. Não foi um golpe ter que deixar o mundo. Não tivera ligações a não ser com meu trabalho. Edwin me falou

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237 a respeito de outros cuja morte foi ex-tremamente infeliz, e cujo estado espiritual à chegada aqui era mais infeliz ainda. Muitos, que eram grandes na terra, se acharam di-minuídos em espírito. E muitos, desconheci-dos na terra, aqui se viram espiritualmente tão famosos que ficaram estupefatos. Não são todos, de maneira nenhuma, que estão destinados aos belos reinos do sol e verão eternos.

Já lhes dei uma idéia dos reinos da obscuri-dade e semi-obscuridade, onde tudo é árido e triste, onde habitam as almas que podem se elevar acima das trevas, se assim o dese-jarem e lutarem. Existem muitos que passam sua eternidade visitando essas obscuras re-giões, para tentar arrancar esses infelizes à sua miséria, e pô-los no caminho da luz e do progresso espiritual.

É meu privilégio ir com Edwin e Rute a essas regiões além da névoa que as separa da luz. Não tenho a intenção de os levar ainda a

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238 essas regiões de miséria e infelicidade. Mais tarde espero contar-lhes algumas das minhas experiências. Por enquanto há outros e mais agradáveis assuntos de que prefiro falar.

Há muitas almas no plano terrestre que ten-tam aprofundar os inúmeros mistérios da vida. Propõem teorias das mais diversas, tentando explicar isso ou aquilo, teorias que com o correr do tempo podem vir a constituir grandes verdades. Algumas dessas hipóteses são tão remotas da verdade como é possível imaginar, outras, são meramente tolices. Mas há também pessoas que recusam pen-sar por si sós e que firmemente mantêm a crença de que enquanto são encarnadas não precisam saber coisa alguma da vida que está à sua espera. Afirmam que não é inten-ção de Deus que saibam tais coisas, e que quando chegarmos a espíritos saberemos tudo.

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239 Há dois extremos de idéias — as dos teo-ristas e as dos partidários da porta fechada. Ambas as escolas recebem duros golpes, quando entram nas terras espirituais para todo o sempre. Indivíduos com estranhas teorias, vêem-nas demolidas pelo simples fato de encararem agora a absoluta verdade. Descobrem que a vida no espírito não é tão complexa como diziam. Em muitos casos é bem mais simples do que na terra, porque não temos os problemas que constantemen-te preocupam e afligem os terrenos, proble-mas de religião e política, por exemplo, que através dos tempos têm causado revoluções sociais que ainda têm repercussão no mundo terreno do momento presente.

O estudante de ciências ocultas está arrisca-do a cair em erros, tanto como o estudante de assuntos religiosos. ele faz afirmativas tão dogmáticas quanto as que emanam da reli-gião ortodoxa, afirmações essas que estão bem longe da verdade.

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240 O período em que vivi no mundo espiri-tual é nada — absolutamente nada — em comparação com algumas das grandes almas com quem tive o privilégio de falar. Mas elas mostraram-me algo das suas vastas reservas de conhecimentos, coisas que minha mente era incapaz de compreender. De resto, eu — assim como milhões de outros — estou per-feitamente satisfeito em esperar pelo dia em que minha inteligência esteja suficientemen-te adiantada para receber as maiores verda-des.

Um assunto que causa alguma perplexidade refere-se às flores que temos no mundo dos espíritos. Alguns dirão: por que flores? Qual o seu significado ou fim? Têm elas alguma significação simbólica?

Façamos a mesma pergunta aos terrestres referente às flores que crescem na terra. Têm elas algum significado simbólico? A res-posta a ambas é Não! As flores são dadas m

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241 à terra para auxiliar a embelezá-la e para deleite e encantamento daqueles que as ad-miram. O fato de que elas servem outros fins úteis é mais uma razão para a sua existên-cia. As flores são essencialmente belas, ali-mentadas pelo Supremo Criador, dadas a nós como um dom precioso, exibindo-nos sua coloração, seus formatos, e perfumes, numa expressão infinitesimal da Grande Mente. Vocês têm esta glória no plano ter-restre. Teremos nós que .ser privados delas no mundo espiritual porque são consideradas terrenas ou porque nenhum significado pro-fundo e abstruso pode ser dado à sua exis-tência?

Temos aqui as mais lindas flores, algumas, como as familiares e queridas da terra, ou-tras, conhecidas apenas no mundo espiritual, mas todas são soberbas, são a alegria perpé-tua daqueles a quem elas rodeiam. São cria-ções divinas, cada uma exalando o puro háli-to espiritual e sustentadas pelo seu Criador e por nós todos, pelo amor que lhe ofertamos.

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242 Se não as quiséssemos — suposição im-possível — elas seriam varridas da terra. E que teríamos em seu lugar? E quem fornece-ria a riqueza de cores que vem delas?

Quando somos apresentados pela primeira vez às flores e árvores, a toda a sua luxuri-ante natureza espiritual, percebemos imedia-tamente algo que a natureza terrena nunca pareceu possuir, isto é, uma inteligência ine-rente dentro de todas as coisas que crescem. As flores terrenas, apesar de vivas, não se manifestam imediatamente quando nos po-mos em contato com elas. Mas aqui é dife-rente. As flores espirituais são imperecíveis e isso deveria imediatamente sugerir que há mais do que vida dentro delas. São parte da imensa corrente de vida que flui diretamente d'ele. Essa corrente nunca cessa nem diminui e é, além disso, continuamente alimentada pela admiração e amor que nós, gratamente, lhes dedicamos. Não podemos deixar de ficar maravilhados, quando seguramos a mais minúscula flor entre as mãos e sentimos ta-

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243 manho influxo de poder magnético, tanta força revigorante, tal refortalecimento de todo o nosso ser, e quando ficamos sabendo, em verdade, que essas forças reanimadoras nos vêm diretamente da Fonte de todos os bens. Não, não há outro significado por de-trás das flores espirituais além daquela bele-za exprimida pelo Pai do Universo, e, por certo, isso é bastante. ele não deu nenhum estranho simbolismo às suas criações impe-cáveis. Por que o faríamos nós?

A maioria das flores não se devem apanhar. Isso é destruí-las, é destruir o contato direto com o Criador. É possível colhê-las, certa-mente; nenhuma calamidade desastrosa nos advém por isso. Mas quem quer que as apa-nhe certamente o lamentará profundamente. Pensem em algum pequeno objeto que pos-suam e prezem acima de tudo, e pensem depois em destruí-lo deliberadamente. Cau-saria extrema tristeza fazê-lo, embora a per-da pudesse ser insignificante. Tal seria sua

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244 emoção quando impensadamente destru-ísse flores que não devem ser apanhadas.

Mas há flores, e muitas, expressamente para serem colhidas, e muitos o fazem, levando-as para suas casas como fazemos na terra, e pelas mesmas razões.

Essas flores apanhadas sobrevivem por quanto tempo quisermos conservá-las. Quando nosso interesse por elas começa a desvanecer, rapidamente se desintegram. Não haverá restos murchos desagradáveis à vista, porque não pode haver morte na terra da vida eterna. Simplesmente notamos que nossas flores desapareceram e podemos tro-cá-las então por outras, se o desejarmos.

II. O SOLO

Para se ter uma idéia adequada do solo so-bre o qual caminhamos, e no qual se erguem nossas casas e edifícios, precisam-se varrer da mente todas as concepções mundanas.

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245 Em primeiro lugar, não temos estradas como são conhecidas na terra. Temos largas ruas em nossas cidades, mas não são pavi-mentadas com substância composta que lhes dê dureza e durabilidade para suportar o movimento constante de tráfego. Não temos trânsito, e nossas estradas são cobertas da mais espessa grama, tão macia ao pisar co-mo um canteiro de musgo fresco. É nesse tapete que caminhamos. A grama nunca vai além do estabelecido para uma boa orna-mentação e no entanto ela continua viva. Mantém-se sempre no mesmo nível prático, perfeita para caminhar e perfeita na aparên-cia.

Nos lugares em que caminhos menores são necessários, e onde a grama não seria ade-quada, vê-se então a pavimentação costu-meira do mundo terreno, mas de material diferente. Pode-se dizer que é de pedra, sem, porém, a característica cor cinza opaca. Parece muito com alabastro, de que a maio-ria dos prédios são construídos. As cores va-

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246 riam, mas todas possuem delicados tons pastel.

Como sobre a grama, é muito agradável an-dar sobre a pedra, embora, naturalmente, não seja esta tão macia. Mas existe aí certa propriedade, certa elasticidade, se assim po-demos dizer, algo como a consistência mole de algumas madeiras terrenas utilizadas para os assoalhos. Esta é a única maneira de dar uma idéia sobre a diferença entre a pedra terrena e a pedra espiritual.

Não há, é claro, qualquer descoloração feia na superfície dos calçamentos. Conservam sempre sua beleza inicial. Muitas vezes os pavimentos revelam um emaranhado de magníficos desenhos formados pelo uso de diferentes materiais coloridos e que combi-nam harmoniosamente com o ambiente.

Ao aproximarmo-nos dos limites dos reinos superiores, o chão se torna mais translúcido e parece perder a aparência sólida, apesar

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247 de continuar a ser sólido ainda. Mas ao aproximarmo-nos dos reinos inferiores, os pavimentos tornam-se de aparência pesada, começam a perder a antiga cor até ficarem opacos e plúmbeos, e parecem-nos de ex-trema solidez, quase como o granito terreno.

À volta de nossas casas temos gramados e árvores entremeados de caminhos de pedra, semelhante à que acabei de descrever. Terra nua, porém, vê-se muito pouco ou nenhuma.

Na verdade não me lembro de ter visto al-gum terreno baldio, porque aqui não há des-leixo, indiferença ou indolência.

Quando ganhamos o direito de possuir nosso lar espiritual, passamos a ter também dentro de nós o constante desejo de manter e me-lhorar sua beleza. E isso não é muito difícil de realizar visto que a beleza responde e floresce de acordo com a apreciação que se faz dela. Quanto mais atenção e reconheci-mento lhe dermos maior será sua resposta; a

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248 beleza espiritual não é abstrata mas uma força real e viva.

A vista de meu lar é de campos verdejantes, casas encantadoras situadas entre aprazíveis bosques e jardins, e com uma vista longín-qua da cidade. Mas em parte alguma se vê-em terras áridas ou nuas. Cada polegada que se vê é cuidada, de maneira que a paisagem toda é um deslumbramento de cor, desde o brilhante verde-esmeralda da grama, até as multicoloridas flores dos jardins, coroando todo o azul celestial acima de nós.

Perguntamo-nos de que é composto o solo no qual as flores e árvores estão crescendo — é alguma espécie diferente de terra? O solo existe, é claro, mas não tem o mesmo conteúdo mineral que constitui o solo terre-no, porque é preciso compreender que a vi-da aqui deriva diretamente da Grande Fonte. O solo varia na cor e densidade em diferen-tes localidades da mesma maneira que na terra. Não a investiguei pormenorizadamen-

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249 te, mas posso entretanto dar uma pe-quena idéia de sua aparência e característi-cas. Em primeiro lugar, ela é perfeitamente seca — não pude achar nenhum traço de umidade. Descobri que escorre por entre os dedos da mesma maneira que a areia. Sua cor varia mas nunca se aproxima da pesada cor escura do solo terreno. Em alguns luga-res é de formação granular mais fina, en-quanto noutros é mais grossa — isto é, rela-tivamente.

Uma das propriedades inesperadas deste solo é o fato que, embora possa correr macia e livremente pela mão, quando não tocado permanece inteiramente ligado, suportando tão firmemente quanto a terra comum tudo quanto é cultivado nela.

A cor da terra é governada pela cor da vida botânica que nutre. Mas aqui também não há especial significado, nem profunda razão simbólica para este estado de coisas. Sim-plesmente a cor do solo é complemento da

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250 cor das flores e árvores, e o resultado é, como não podia deixar de ser, de inspiradora harmonia.

Certamente que este mundo do espírito não é constituído de uma série de profundos e complexos mistérios, explicáveis apenas a alguns. Há mistérios, sim, como os há no plano terrestre. E assim como lá existem grandes cérebros que podem solver esses problemas, aqui também os há, e muito maiores, que podem dar explicações, desde que nossos intelectos estejam prontos para recebê-las e compreendê-las.

Mas muita gente na terra acredita sincera-mente que nós no espírito vivemos em con-tínuo estado de fervorosa emoção religiosa, e que cada forma e grau de atividade pesso-al, cada átomo de que é composto o grande mundo espiritual, deve ter algum significado devocional e piedoso. Tal idéia é tola e muito aquém da verdade. Procure através do mun-do terreno: é capaz, de encontrar idéias as-

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251 sim tão absurdas ligadas à multiplicidade da vida que jaz dentro dele? Não há signifi-cado religioso num maravilhoso pôr do sol. Por que haveriam nossas flores espirituais de ter qualquer outra razão de existir senão a que eu já dei, isto é, um magnífico dom do nosso Pai, para nosso maior gozo e felicida-de?

Há ainda muitos outros na terra que solene-mente afirmam, como uma cláusula de fé, que o paraíso, como o chamam, será um contínuo cantar de hinos e cânticos espiritu-ais. Nada seria mais fantástico. O mundo espiritual é um mundo de atividade, não de indolência, um mundo de utilidade e não um mundo inútil. Há sempre uma razão sã e um fim para tudo. Nem a razão nem o fim po-dem ser visíveis a todos desde o começo, mas isso não altera a verdade.

O tédio não tem lugar aqui. Miríades de tare-fas a serem executadas — e miríades de al-mas para executá-las — mas há sempre lu-

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252 gar para mais uma, e será sempre assim. Não vivemos nós num inundo ilimitado?

Não vivemos num país que tem aparência de um Eterno Domingo! Na verdade, Domingo não tem lugar nem razão de ser neste plano de coisas. Não temos necessidade de sermos forçados a nos lembrar do Grande Pai do Universo, dedicando-lhe um dia especial e esquecendo-o o resto da semana. Não temos semana. Entre nós é dia eterno, e nossas mentes estão sempre inteiramente cônscias d'ele, e podemos ver Sua mão e Sua mente em tudo que nos rodeia.

Desviei-me um pouco do que me propunha contar-lhes mas é imperativo dar ênfase a certos aspectos da minha narrativa, porque muitas almas na terra ficam chocadas ao saber que o mundo espiritual é um mundo sólido e substancial, com pessoas reais e vivas. Eles acham que é material demais, e tanto como o mundo terreno; na verdade está distante dele apenas um passo, com sua

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253 paisagem e sol espirituais, suas casas e edifícios, rios e lagos, e habitados por gente sensível, por seres inteligentes!

Esta não é a terra do descanso eterno. Há descanso bastante para aqueles que dele necessitam, mas quando o repouso lhes de-volveu o vigor e saúde, volta-lhes o desejo de realizar algo de sensato e útil, e não fal-tam as oportunidades.

Mas voltemos às características do solo espi-ritual.

Ao aproximarmo-nos das regiões escuras, o solo, como descrevi, perde sua qualidade granular e sua cor. Torna-se espesso, pesa-do e úmido, até que finalmente dá lugar in-teiramente a pedras e depois a rochas. A pouca grama que existe é amarela e cha-muscada.

Ao chegarmos perto dos reinos mais eleva-dos as partículas do solo tornam-se mais fi-

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254 nas, as cores mais delicadas, com aspec-to translúcido. Maior grau de maciez é ime-diatamente observado debaixo de nossos pés, assim que nos aproximamos dos um-brais desses reinos.

Observada de perto, a terra revela qualida-des de uma quase jóia, tanto em cor como em forma. As partículas

nunca são mal formadas, mas observam um plano geométrico definido. Rute e eu mergu-lhamos nossas mãos no chão deixando que a terra escorresse por entre nossos dedos, em suave corrente. Ao cair produzia sons musi-cais dos mais doces, como se estivesse cain-do sobre algum minúsculo instrumento musi-cal, fazendo as teclas produzirem ondas so-noras.

Um ouvido apurado poderá captar muitos sons musicais nas praias terrestres, rio avan-çar e retroceder das ondas sobre a areia, mas não é necessário ouvido aguçado para

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255 ouvir essas ricas harmonias, f quando é o solo espiritual que as produz.

Os sons emitidos desta maneira variam tanto quanto as cores e os elementos que os pro-duzem. Estão lá para serem ouvidos e po-dem ser produzidos por aquela simples ação que descrevi.

Como se realiza isso, direis vós?

Cor e som — isto é som musical — são ter-mos interrelacionados. Produzir cor é produ-zir também som musical. Executar um ins-trumento musical, ou cantar, é criar cor, e cada criação é governada e limitada pela habilidade e proficiência do instrumentista ou cantor. Uma virtuose quando toca seu ins-trumento está criando sobre si mesmo as mais lindas formas-pensamento musicais, que variam em cores e matizes de sombra, de acordo com a música executada. Um can-tor pode criar semelhante efeito em relação à pureza da voz e à qualidade da música. A

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256 forma-pensamento, por conseguinte, não é muito ampla. É uma forma em miniatura. Entretanto, uma grande orquestra ou um coral, podem construir uma imensa forma, governada, certamente, pela mesma lei.

A forma-pensamento musical não produz, em si, nenhum som. É o resultado de sons, e é, por assim dizer, uma unidade independen-te. Embora a música possa produzir a cor, e a cor possa produzir a música, cada uma delas está restringida a uma forma resultan-te. Não há uma alternância, constante, in-terminável ou que diminua gradualmente, entre cor e som.

Não se deve imaginar que com a vasta galá-xia de cores, das milhares de fontes no mundo espiritual, nossos ouvidos sejam constantemente assaltados por sons musi-cais; que vivamos, de fato, em uma eterni-dade de música soando e ressoando sem parar. Há poucas mentes — se as houver — que pudessem suportar tal pletora contínua

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257 de som por mais belo que fosse. Suspira-ríamos por paz e sossego, nosso céu deixaria de ser céu. Não, a música existe, mas é in-teiramente da nossa vontade ouvi-la ou não. Podemos nos isolar completamente de todo som, ou nos abrir inteiramente aos sons, u ainda, ouvir apenas aquilo que nos apraz.

Há ocasiões na terra em que podemos ouvir acordes distantes de música sem sermos incomodados por eles; pelo contrário, acha-mo-los agradáveis e calmantes. Assim tam-bém é aqui no espírito. Mas há uma grande diferença entre os nossos dois mundos — nossas potencialidades para a música eleva-da são muito maiores do que a daqueles so-bre a terra. A mente de uma pessoa espiritu-al cujo amor à música é profundo, ouvi-la-á naturalmente mais do que uma pessoa que não a aprecia.

Voltemos à experiência que eu e Rute fize-mos com o olo. Ambos temos grande prazer em ouvir música, ela mais ainda do que eu,

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258 visto que foi educada para a arte musical e tem portanto um poder mais profundo de apreciar e compreender a técnica musical. Como já disse, assim que o solo deixa nossos dedos podem-se ouvir encantadores sons emitidos por ele. Outra pessoa realizando a mesma ação, mas sem possuir a mesma susceptibilidade musical, mal ouviria qual-quer som. As flores, tudo que cresce, res-pondem imediatamente àqueles que as a-mam e apreciam. A música que eles emitem existe precisamente sob a mesma lei.

Seria terrível imaginar que o mundo espiritu-al fosse um imenso pandemônio musical, continuando incessantemente, inevitavel-mente, e em todas as ocasiões, noras e luga-res possíveis. Não! - o mundo espiritual é organizado em linhas melhores do que essas.

Há pessoas na terra que têm a habilidade de se isolar mentalmente de seu ambiente de tal maneira que podem se abstrair de todos os sons, por mais intensos. Este estado de

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259 alheamento completo serve de analogia — um pouco elementar — do efeito que po-demos produzir em nós mesmos em espírito, com a exclusão de sons que não desejamos ouvir. Ao contrário do mundo terreno, não precisamos usar de grande força de concen-tração. É apenas outro processo de pensar, assim como usamos nossas mentes para nos locomovermos, e depois de um breve estágio em espírito, cedo podemos realizar essas variadas funções mentais sem qualquer es-forço aparente. São parte de nossa própria natureza e estamos apenas aplicando, sem as limitações e restrições da terra, métodos mentais simples de aplicar. Na terra nossos corpos físicos, num pesado mundo físico, impediam similares processos mentais de produzir qualquer resultado físico. No mundo espiritual somos livres, e essas ações men-tais mostram um instantâneo e direto resul-tado, seja para nos movermos com a rapidez do pensamento, seja para nos abstrairmos

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260 de qualquer aspecto ou som que não desejamos experimentar.

Por outro lado, podemos — e o fazemos — abrir nossas mentes e absorver os inúmeros sons maravilhosos que se erguem à nossa volta. Podemos abrir nossas mentes — ou fechá-las ~ aos muitos deleites que a natu-reza nos prodigaliza para nossa felicidade e contentamento. Eles agem sobre a mente como tônico, mas não nos são impostos: apenas os tomamos se desejarmos. Deve-mos ter em mente que as regiões espirituais são baseadas na lei e na ordem. Mas a lei nunca é opressiva nem cansativa, porque a mesma lei e ordem ajudam a prover as in-contáveis belezas e maravilhas deste reino celestial.

III. MÉTODOS DE CONSTRUÇÃO

Ao menos importantes, entre as característi-cas físicas ao reino em que eu vivo, são os numerosos edifícios devotados ao processo

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261 de aprendizagem e fomentação das artes conhecidas no plano terrestre. Estes magnífi-cos edifícios apresentam todos os sinais de eternidade. Os materiais de que são constru-ídos são imperecíveis. As superfícies de pe-dra são tão limpas e frescas como no dia em que foram erguidas. Nada há para as poluir, nenhuma atmosfera carregada de fumaça para corroê-las, nem ventos e chuvas para desgastar as obras de decoração externa. Os materiais de que são feitos pertencem ao mundo espiritual e portanto têm uma beleza que não é terrena.

Apesar de essas esplêndidas mansões do saber terem toda a aparência de estabilida-de, poderiam ser demolidas se fossem consi-deradas dispensáveis, e isso já tem aconte-cido. Alguns edifícios foram removidos e ou-tros tomaram seu lugar.

O mundo espiritual não é estático. É sempre vibrante de vida e movimento. Contemplem, por um momento, as condições normais do

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262 mundo terreno, com as constantes mu-danças que sempre ocorrem — a gradual reconstrução de cidades, a alteração do cam-po. Algumas dessas mudanças nem sempre foram consideradas melhoramentos. Contudo são feitas e o processo é estimado como progresso. Que dizer então do mundo espiri-tual? Não haverá mudanças no mundo em que vivo? Certamente que sim!

Não "evoluímos com os tempos" propriamen-te — para usar uma frase da terra — porque estamos sempre muito adiante dos tempos. E precisamos estar, para fazer face às pesa-das exigências impostas a nós pelo mundo terreno.

Tomemos um exemplo específico — apenas um.

Quando o mundo terreno progride em civili-zação os métodos de guerra tornam-se mais e mais devastadores e completos. Em lugar de centenas de mortos em batalhas como

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263 nos velhos tempos, o morticínio agora é contado em centenas de milhares. Cada uma dessas almas acabou com a sua vida terrena, — mas não com as conseqüências dela — e em muitos casos o mundo também acabou com elas. O indivíduo pode sobreviver como uma memória para aqueles que acabou de deixar; sua presença física foi-se. Mas sua presença espiritual permanece inalterável entre nós. O mundo terreno passou-o para nós, muitas vezes sem se importar com o que lhe aconteceu. ele deixará para traz a-queles que amou e que o amaram, mas o mundo terreno nada pode fazer por ele — assim pensam — nem por aqueles que o pranteiam. Nós, no mundo espiritual, é que teremos que cuidar dessa alma. |

Entre nós não podemos alijar essa responsa-bilidade para outros ombros, pois aqui enca-ramos a estrita realidade.

O mundo em sua ignorância cega, atira cen-tenas de milhares de almas ao nosso reino,

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264 mas aqueles que habitam as regiões su-periores estão a par, bem antes de aconte-cer, do que ocorre no plano terrestre, e um fiat é ordenado aos mais próximos reinos da terra a fim de que se preparem para o que vai acontecer.

Essas calamidades do mundo requerem a construção de mais e mais mansões de re-pouso no mundo espiritual. Essa é a ocasião —talvez a maior — para as mudanças que estão constantemente ocorrendo aqui. Mas há outras ainda, e mais agradáveis.

Às vezes um grande número de almas ex-pressa o desejo de ampliar uma dessas man-sões do aprendizado. Não há nenhuma difi-culdade em aceder a tal desejo, visto que não é egoísta, visto que ela estará lá para todos usarem e gozarem.

Em resposta a uma questão que propus a Edwin, ele me contou que uma nova ala de-veria ser acrescentada à

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265 grande biblioteca, onde passei tantos momentos agradáveis e proveitosos desde que me transformara em espírito. Foi-nos sugerido que talvez Rute e eu gostássemos de testemunhar o erguimento de um edifício espiritual.

Havia já grande número de pessoas reunidas quando chegamos, e com o mesmo propósi-to que lá nos levara; enquanto esperávamos o início das operações, Edwin nos deu alguns pormenores preliminares.

Assim que se deseja algum novo edifício, o governante do reino é consultado. Desta grande alma e de outras similares em caráter espiritual e capacidade só falarei mais tarde. Conhecendo, como conhece, tão profunda-mente os desejos e necessidades de todos os do, seu reino, nunca houve o caso em que algum novo edifício fosse pedido para o uso de todos, sem ser atendido.

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266 O governante então transmite o pedido aos seus superiores em autoridade, que, por seu turno, o transmitem a outros mais ele-vados.

Reunimo-nos então no templo central da cidade, onde somos recebidos por aquele cuja palavra é lei, a grande alma, que há muitos anos terrestres tornou minha comuni-cação com o mundo terreno possível.

Ora, esse processo aparentemente complica-do, de transmitir nosso pedido de um para outro, pode sugerir à mente os tortuosos métodos da burocracia com suas delongas e adiamentos.

O método pode parecer semelhante, mas o tempo gasto é uma coisa muito diferente. Não é exagerado dizer que no espaço de alguns minutos terrenos, nossos pedidos já são feitos, e a permissão -- acompanhada de uma bênção — é concedida. Nessas ocasiões

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267 é que temos razões para nos rejubilar-mos, e o fazemos com grande prazer.

O passo seguinte é consultar um arquiteto, e, como se pode imaginar, temos um núme-ro inesgotável que nos pode auxiliar. Traba-lham pela mera alegria que lhes advém da criação de algum grandioso edifício a ser usado para o bem de seus concidadãos. Es-ses bons homens trabalham e colaboram de uma maneira que seria quase impossível so-bre a terra. Aqui não são tolhidos pela ética profissional, ou limitados pela mesquinhez da inveja. Cada um tem mais alegria e orgulho de servir do que o outro, e nunca há discór-dias e choques no esforço de introduzir ou impor idéias individuais, em prejuízo das dos outros. Direis talvez que tal unidade comple-ta está longe e acima da natureza humana e que tais pessoas não seriam humanas se não discordassem ou por qualquer outra maneira mostrassem sua individualidade.

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268 Antes de rejeitardes meu argumento co-mo altamente improvável ou de me acusar-des de pintar um quadro de perfeição impos-sível a não ser nos mais elevados reinos, deixai-me expor o simples fato de que dis-córdia a respeito de assuntos como agora discutimos não poderia existir nestes planos que ora habito. E se ainda insistirdes que isto é impossível, eu declaro que Não: é perfei-tamente natural. Quaisquer dons que pos-samos possuir em espírito, são parte da es-sência deste reino, onde não temos idéias presunçosas sobre o poder ou a excelência desses dons. Reconhecemo-los e com humil-dade, sem convencimento, despretensiosa-mente e sem egoísmo, gratos pela oportuni-dade de trabalhar, con amore, com nossos colegas ao serviço do Grande Inspirador.

É isto, em substância, o que um dos grandes arquitetos me disse em referência a seu pró-prio trabalho.

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269 Depois de os planos de novos edifícios serem traçados com orientação do governan-te do reino, há uma reunião dos empreitei-ros-mestres. Estes eram na maioria pedreiros na terra, e continuam a exercer suas ativida-des aqui. Fazem-no é claro, porque o traba-lho lhes agrada como* acontecia quando eram encarnados, e aqui têm condições im-pecáveis nas quais podem prosseguir o seu trabalho. Fazem-no com a grande liberdade de ação que lhes era negada na terra, mas que aqui é a sua herança. Outros que não eram pedreiros de profissão, aprenderam aqui os métodos espirituais de construção e, pela pura alegria de o fazer, dão valiosa aju-da a colegas mais experimentados.

Os pedreiros são as únicas pessoas ligadas à construção, visto que os edifícios espirituais não requerem tantas minúcias como os da terra, tais como iluminação e aquecimento. Nossa luz provém de grande fonte central de luz e o calor é uma das características do reino.

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270 O acréscimo que estava sendo feito à biblioteca consistia em um anexo e não era de grandes proporções. Nossa biblioteca tem pelo menos um traço em comum com as ter-restres. Vem a época em que a quantidade de livros excede o espaço em que abrigá-los e, no nosso caso, o excesso tende a ser mai-or, porque não só temos cópias dos livros terrenos em nossas estantes, mas também volumes escritos apenas em espírito. Incluí-dos entre eles há obras referentes à vida espiritual, aos fatos da vida aqui, e ensina-mentos espirituais escritos por autoridades que possuem conhecimentos infalíveis sobre o assunto, e que pertencem às esferas supe-riores.

O edifício deste anexo não era portanto, o que se chamaria um esforço maior, e reque-ria o auxílio de apenas alguns trabalhadores. Era simples no traçado, consistindo de dois ou três salões de tamanho médio.

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271 Estávamos mais ou menos perto do gru-po de arquitetos e pedreiros, encabeçados pelo legislador do reino. Notei que todos ti-nham a aparência de extrema felicidade e alegria, e as piadas circulavam no meio deste grupo jovial.

Era estranho para mim e Rute — e Edwin já o notara antes — pensar que um edifício ia ser erguido dali a pouco, porque desde mi-nha chegada ao mundo espiritual eu não vira sinais de qualquer movimento de construção em parte alguma. Todos os edifícios e tem-plos já estavam construídos e nunca me o-correu que precisassem de mais algum. Pen-sando um pouco, é claro, veríamos que as casas espirituais estão sempre sendo cons-truídas, enquanto outras são demolidas des-de que não sejam mais necessárias. As man-sões do saber pareciam tão permanentes aos meus olhos inexperientes, tão completas, que nunca imaginara fosse necessário fazer-lhes acréscimos.

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272 Por fim, houve sinais de que se aproxi-mava o início.

Deve-se lembrar que o ato de construir no mundo espiritual é essencialmente uma ope-ração de pensamento. Não é de surpreender, portanto, que eu diga que não se via por ali a usual confusão de apetrechos ligados às contrações terrenas, os andaimes, cimento, tijolos e vários outros objetos familiares. Es-távamos para testemunhar, de fato, um ato de criação — criação pelo pensamento — e como tal não há necessidade de equipamen-to físico.

O governante do reino deu alguns passos à frente e de costas para nós, mas olhando para o local onde se iria erguer a nova ala, pronunciou uma breve mas apropriada ora-ção. Em linguagem simples pediu auxílio ao Grande Criador para a obra que iria ser inici-ada.

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273 Sua breve prece trouxe imediata respos-ta, na forma de um vivido raio de luz que desceu sobre ele e os que se reuniam à vol-ta. Assim que isto se deu os arquitetos e pe-dreiros se moveram para perto dele.

Todos os olhos se voltaram para o espaço vazio ao lado do edifício principal, e para o qual se dirigia um segundo raio de luz que emanava do governante e dos pedreiros. Ao atingir o espaço vazio o raio de luz formou um tapete coruscante sobre o solo. Este au-mentou gradualmente de intensidade, largu-ra e altura, mas parecia que ainda lhe faltava algo de substancial. Era idêntico em cor ao edifício principal, mas era apenas isso por enquanto.

Lentamente a forma ganhou volume até al-cançar a altura requerida. Podíamos ver ago-ra que combinava exatamente com a estru-tura original, até nos menores ornamentos esculpidos. |j

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274 Enquanto estava neste ponto, os arquite-tos aproximaram-se e examinaram-na deta-lhadamente. Podíamos vê-los andando á dentro e finalmente desapareceram de nos-sas vistas, por um curto espaço de tempo, até que voltaram ao governante com a de-claração de que tudo estava em ordem.

Agora o raio de luz descendente tornou-se muito mais intenso. Podia-se perceber que a forma meio nebulosa, agora adquiria uma inequívoca aparência de solidez, à medida que a concentração de pensamentos acres-centava camada sobre camada de progressi-va densidade sobre o simulacrum.

Pelo que pude observar, parecia caber ao governante fornecer a cada pedreiro a quan-tidade de força requerida pela sua tarefa. ele na verdade agia como agente distribuidor da força magnética que descia sobre ele. Esta se dividia em um número de raios de dife-rentes cores e intensidade, que correspon-dem ao apelo direto ao Grande Arquiteto.

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275 Não havia o menor sinal perceptível de falhas ou diminuição na aplicação da subs-tância-pensamento. Os pedreiros pareciam trabalhar em completa unanimidade de con-centração, ao mesmo tempo que o edifício atingia sua total solidez com notável grau de igualdade.

Depois do que me pareceu um curto espaço de tempo, o prédio cessou de adquirir mais intensidade, os raios foram interrompidos, e eis perante nós a ala terminada, perfeita em todos os detalhes, uma exata réplica do edi-fício principal, belíssimo em cor e forma, e digno do alto fim a que seria devotado.

Aproximamo-nos para examinar de perto os resultados do feito que acabara de ser reali-zado. Passamos nossas mãos sobre a macia superfície para convencermo-nos de que era realmente sólido. Rute e eu não éramos os únicos a fazer tal coisa, visto que havia ou-tras pessoas que testemunhavam isso pela

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276 primeira vez, e com igual surpresa e es-panto.

O processo que regula a construção de nos-sas casas particulares e bangalôs difere um pouco do que agora acabei de descrever. O requisito indispensável para se possuir uma casa espiritual é o direito de possuí-la, um direito que é ganho unicamente pela espécie de vida que levamos quando encarnados, e por nosso progresso espiritual depois da transição para este mundo. Uma vez ganho esse direito, nada nos impede de ter tal resi-dência, se o desejarmos.

Diz-se muitas vezes que construímos nossos lares espirituais durante nossas vidas na ter-ra — ou depois. Isto num sentido mais am-plo. O que conseguimos foi o direito de cons-truir, porque demanda um perito a constru-ção de uma casa que justifique o seu nome. Minha própria casa foi construída durante minha vida terrena por construtores tão efi-

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277 cientes quanto aqueles que ajudaram a construir o anexo da biblioteca.

Quando raiar o dia em que pelo progresso espiritual eu me veja obrigado a prosseguir, deixarei minha casa. Mas dependerá de mim o deixá-la para outros ou demoli-la. É cos-tume, disseram-me, doá-la ao governante do reino que poderá dela dispor em favor de outros à sua escolha.

IV. TEMPO E ESPAÇO

Julga-se em geral na terra que no mundo espiritual nem o tempo nem o espaço exis-tem, mas isso é um erro. Temo-los ambos, mas nossa concepção sobre eles difere da terrena.

Às vezes usamos a expressão antes da auro-ra do tempo para dar a idéia da passagem dos eons do tempo, mas não temos idéia do que está realmente sugerido por essa frase.

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278 No plano terrestre a medida do tempo tem sua origem na revolução do globo sobre seu eixo, dando a divisão do tempo conheci-do como noite e dia. A invenção de relógios e calendários nos deu meios convenientes, de medir o tempo, ao alcance de todos.

No mundo espiritual não temos relógios ou outros engenhos mecânicos para indicar a passagem do tempo. Seria a coisa mais sim-ples no mundo espiritual os cientistas nos presentearem com alguns, se isso fosse ne-cessário. Mas não é. Não temos estações, nem a alternância de luz e escuridão como indicações externas do tempo, e além disso, não temos aqueles lembretes físicos comuns aos mortais, da fome e sede, e fadiga, além do envelhecer do corpo. Para quê, pois, terí-amos necessidade da marcação do tempo?

Temos duas concepções do tempo, uma das quais, como na terra, é puramente relativa. Cinco minutos, digamos, de agudo sofrimen-to sentido pelo corpo físico afetará a mente

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279 de tal maneira que os momentos passa-geiros parecerão uma eternidade. Mas cinco minutos de intensa alegria e felicidade desfi-larão com a rapidez de um segundo.

Aqueles dentre nós que vivem nos reinos de felicidade e verão perpétuo não terão motivo para achar que o tempo não passa.

Nos reinos sombrios acontece exatamente o contrário. O período de escuridão parecerá interminável àqueles que aí vivem. Por mais que tais almas anseiem pela vinda da luz, ela, no entanto, jamais vem. Eles é que de-vem dar o primeiro passo em direção à luz que os espera nos reinos mais elevados. Um período de existência dentro das regiões es-curas, que não vai além de um ano ou dois do tempo terreno, parecerá uma eternidade para os sofredores.

Se, normalmente, não temos os meios usuais de medir o tempo porque não os necessita-mos, podemos — e o fazemos — voltar a ter

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280 contato com a terra onde nos podemos certificar da exata hora do dia, ano, etc.

Algumas pessoas, que de outro modo não o fariam, voltaram à terra com o simples intui-to de satisfazer sua curiosidade quanto ao número de anos que haviam estado no mun-do espiritual. Falei com alguns que fizeram esta jornada, e todos ficavam atônitos ao descobrir os muitos anos que se passaram desde sua transição.

Falando por mim, eu achei que o tempo pas-sava rapidamente, mas sempre soube, atra-vés de todo esse período, qual era o ano da Era Cristã. Em meu caso a razão era que me fora prometido um dia me comunicar com o mundo terreno. Tinha, portanto, observado com agudo interesse, a concatenação dos eventos que conduziriam, entre outras coi-sas, à realização do meu desejo.

Edwin, que me recebeu no limiar do mundo espiritual, e me conduziu ao meu novo lar,

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281 também estava ao corrente do passar dos anos, porque ele, por seu lado, estivera me observando.

Poder-se-á julgar que o tempo não tem mui-ta influência além do mundo terrestre, mas isso não é bem verdade.

Todos os acontecimentos terrestres referen-tes a indivíduos ou nações estão sujeitos ou governados pelo tempo. E no ponto em que esses eventos atingem o mundo espiritual, nós no espírito também sofremos a influên-cia do tempo. Tomemos a festa do Natal como o exemplo mais fácil. Celebramos esta festividade ao mesmo tempo que na terra. Se o dia 25 de dezembro é a data correta historicamente, isso não vem ao caso. O que importa é que as duas celebrações, a vossa e a nossa, são sincronizadas e periódicas.

Em tempos .normais na terra, essa época do ano dá lugar a uma grande onda de bondade e boa vontade. Muitas pessoas, esquecidas

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282 em outras ocasiões, lembram-se § de seus amigos e parentes já falecidos e lhes enviam pensamentos que nós no espírito ficamos felizes de receber e retribuir. A cele-bração do Natal é sempre precedida por pensamentos de agradável antecipação. Se nada mais houvesse para nos guiar, eles a-penas seriam suficientes para nos lembrar que a época festiva se aproxima.

Este exemplo particular do Natal mostra que não dependemos inteiramente do plano ter-restre para sabermos da aproximação das festividades. Nestas ocasiões somos sempre visitados por grandes almas, e se falhassem todos os outros meios, este seria infalível para indicar a passagem do tempo.

Os que estão em constante contato com a terra conhecem é claro, o dia, mês e ano em que estamos. Sabemos também as horas exatas. Não há dificuldades nem mistérios. Quando descemos às vossas condições po-demos fazer uso dos muitos meios emprega-

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283 dos por vós — e o que pode ser mais simples? — Não precisamos, porém, como regra, estar constantemente atentos ao dia e hora exatos, ou então tomar conhecimento deles. Quando cooperamos ativamente con-vosco, os vossos pensamentos em direção a nós são indicação suficiente de que decorreu um certo momento, enquanto nos pusemos a trabalhar ou conversar. Tais pensamentos são tudo de que necessitamos. É na natureza comum das coisas em espírito que, falando de maneira geral, podemos perder todo sen-tido de continuidade temporal, nos espaços medidos como conheceis. Deixamos que tu-do permaneça assim até que tenhamos de fazer algo que exija atitude diferente. Quan-do antecipamos a chegada de algum parente ou amigo ao mundo espiritual, é para o e-vento que lançamos o pensamento, e não para o ano em que ele vai ocorrer.

Cito-vos aqui simples fatos do conhecimento derivado da minha própria experiência, e o

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284 que falei, portanto, deveis aplicar estri-tamente ao reino em que vivo.

Dos reinos superiores nada conheço direta-mente, e o cabedal de informações que reco-lhi das conversas com os seus habitantes tem sido governado e limitado pela minha capacidade de compreensão. Tudo o que posso dizer, pois, sobre o tempo nas esferas superiores é que nesses elevados estados atingimos reinos onde o conhecimento, entre muitos outros atributos, é de uma ordem muito mais elevada. Os personagens desses reinos é que me espantam mais com a exati-dão de sua previsão de acontecimentos que têm lugar no plano terrestre. Seus métodos para adquirir essas informações estão além de nossa compreensão. É suficiente lembrar que isso é assim mesmo, e que o tempo, em conseqüência, não é limitado aos reinos de um não menos exaltado estado de progresso espiritual.

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285 Quando chegamos ao assunto sobre o espaço descobrimos que, geralmente falan-do, nós somos governados, até um certo ponto, pelas mesmas leis do plano terrestre. Temos a eternidade do tempo, e temos tam-bém a infinidade do espaço.

O espaço deve existir no mundo espiritual. Tomemos meu reino por exemplo. De pé à janela de um dos aposentos do andar de cima, eu podia alongar a vista por distâncias infindas onde se espalham casas e imponen-tes edifícios. À distância eu podia ver a cida-de com muito mais prédios. Espalhados por todo o amplo panorama há bosques, vales, rios, jardins, e pomares, e todos eles ocu-pam espaço, exatamente como na terra. Ca-da um preenche o seu espaço reservado. E eu sei, ao olhar da minha janela, que além do alcance da minha vista, muito além ainda, há mais e mais reinos que constituem a infi-nidade de espaço. Sei que posso viajar inin-terruptamente através de enormes áreas de espaço, áreas muito maiores do que o mun-

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286 do terrestre triplicado,* ou ainda maio-res. Eu ainda não atravessei senão uma fra-ção da extensão completa do meu reino, mas posso fazê-lo quando bem o entender. Disseram-me os amigos dos reinos superio-res que eu poderia mesmo ir àqueles esta-dos, se o desejasse. Ser-me-iam dadas faci-lidades e o manto protetor necessários para tal jornada, de maneira que, potencialmente, meu campo de movimento é gigantesco.

Olhado por olhos terrenos somente, essa imensa região estaria, é claro, fora do alcan-ce da maioria das pessoas, visto que o mo-vimento através de tais distâncias na terra, seria dependente dos meios de transporte, assim como de outros fatores. Mil milhas de espaço terrestre é uma distância bem consi-derável, e requer muito tempo se meios de transporte mais vagarosos são usados. Mes-mo pelo mais rápido método, um certo tem-po deve passar antes de se chegar ao térmi-no dessa jornada de mil milhas. Mas no mundo espiritual o pensamento altera toda a

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287 situação. Temos espaço, e temos certo conhecimento do tempo em relação a ele. O pensamento pode anular o tempo em sua relação com o espaço, mas não pode anular o espaço.

Posso estar em minha casa e imaginar que gostaria de ir à biblioteca na cidade que divi-so a milhas de distância. Nem bem a idéia passou com precisão pela minha mente e eu já me acho — se o desejar — perante as es-tantes que desejo consultar. Fiz o meu corpo espiritual — e esse é o único que possuo! — viajar através do espaço com a rapidez do pensamento, e isso equivale a ser instantâ-neo. E que fiz eu? Cobri o espaço intermedi-ário instantaneamente, mas ele ainda aí permanece com todas as coisas que contém, apesar de eu não tomar conhecimento do tempo ou da passagem do tempo.

Quando completei a minha visita à biblioteca encontrei na escadaria alguns amigos que sugeriram irmos até à casa de um deles.

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288 Com essa agradável idéia em mente, de-cidimos passear através dos jardins e bos-ques. A casa fica a certa distância, mas isso não importa, porque nunca sofremos de fa-diga física. Caminhamos juntos, conversan-do, felizes, e depois de um certo tempo che-gamos à casa do meu amigo, depois de per-correr o caminho a pé. O tempo — em seu sentido espiritual — e o espaço são relativos, como também o são no mundo terrestre. Mas a nossa concepção deles difere da vossa — sendo que esta é restringida pelas consi-derações terrenas do amanhecer e anoitecer, e pelos vários modos de transitar. Nós aqui temos o dia interminável, e podemos cami-nhar vagarosamente a pé ou transportarmo-nos instantaneamente pelo pensamento. No mundo espiritual o tempo pode parar. E po-demos restaurar nossa sensação de tempo descansando calmamente ou caminhando. Mas quando recebemos os vossos pensa-mentos do mundo, dizendo-nos que estais

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289 prontos para vir a nós, uma vez mais ficamos cientes da passagem do tempo ter-restre.

E deveis admitir que invariavelmente somos pontuais em nossos encontros com os seres terrestres!

V. POSIÇÃO GEOGRÁFICA

Qual é a posição geográfica do mundo espiri-tual em relação ao mundo terrestre? Muita gente perguntou isso em diferentes épocas — e eu me incluo entre esses muitos!

Isso leva a mais uma questão referente à disposição de outros reinos além daqueles de que escrevi acima.

Já disse como, ao chegar ao ponto crítico em que jazia em meu leito de morte, senti por fim um desejo ardente de me erguer e, ao ceder a esse desejo fi-lo facilmente e com sucesso. Nesse caso particular a linha de

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290 demarcação era muito tênue entre a mi-nha vida terrena e o começo da espiritual, porque eu estava de pleno poder dos meus sentidos, e consciente. A própria transição de um mundo para o outro era perceptível. Mas posso resumir mais ainda, relembrando que houve um momento em que as sensações físicas de minha ultima doença me deixaram subitamente, e em lugar delas me envolvi numa deliciosa sensação de calma corporal e paz de espírito. Senti vontade de respirar profundamente e o fiz. O impulso de erguer-me do leito, e o desaparecimento de todas as sensações físicas, marcaram o instante da morte física e o nascimento para a vida espi-ritual.

Mas quando isso se deu, eu ainda estava em meu quarto na terra, e, portanto, parte pelo menos do mundo espiritual teve de interpe-netrar o mundo terrestre. Esta experiência vos dará um ponto de partida para nossas explorações geográficas.

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291 O evento seguinte da minha transição, foi a chegada de meu bom amigo Edwin e o nosso encontro depois de um bom número de anos. O encontro teve lugar aparente-mente em meu quarto. Depois de nos ter-mos cumprimentado e proseado por algum tempo, Edwin propôs que partíssemos do atual ambiente, que, nessas circunstâncias, era ligeiramente tristonho. Pegou-me pelo braço, ordenou-me que fechasse os olhos, e senti-me mover suavemente através do es-paço. Não tive percepção clara da direção, apenas senti que estava viajando, mas se era para baixo, para cima ou horizontalmen-te, impossível dizer. Nossa velocidade au-mentou e finalmente me ordenaram que a-brisse os olhos e achei-me diante do meu lar espiritual.

Desde aquele dia aprendi muitas coisas, e uma das primeiras lições foi a arte de loco-moção própria por outros meios sem ser o andar. Há aqui imensas distâncias a percor-rer e às vezes precisamos cobri-las rapida-

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292 mente, e o fazemos pelo poder do pen-samento que já descrevi. Mas o que mais me intrigou a princípio, foi o fato de que quando me movia através do espaço, com maior ve-locidade do que o andar, descobri que não tinha senso de direção, mas apenas de mo-vimento. Se preferia fechar os olhos enquan-to viajava com velocidade moderada, eu a-penas não via a paisagem, ou o que quer que seja que me rodeasse. Não se deve i-maginar que é possível perder-se o caminho. Isso seria absurdo! A ausência do senso de direção não interfere em absoluto com o nosso pensamento inicial de locomoção. Uma vez determinada a viagem para um certo lugar, pomos nossos pensamentos em fun-ção e eles, por sua vez, põem nossos corpos espirituais em movimentos. Podia-se quase dizer que não se precisa pensar! Já falei com outras pessoas a esse respeito e compara-mos nossas notas, o que é comum logo que se chega aqui. Descobri que é normal a to-dos essa ausência de percepção direcional

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293 quando nos movemos rapidamente. É evidente que quando viajamos instantanea-mente, não há tempo para se observar qual-quer objeto.

Notemos que dar uma precisa localização ao mundo espiritual em relação ao terreno é muito difícil. Na verdade, duvido que algum recém-chegado aqui tenha arriscado adivi-nhar sua posição geográfica. Mas há cente-nas de pessoas que nem se preocupam com tal coisa. Quebraram todos os liames com o mundo terreno e sabem apenas que estão vivos espiritualmente, mas quanto à posição em que se acham no universo, nem se dão ao trabalho de imaginar. Mas nosso caso é diferente. Eu estou em ativa comunicação com a terra, e creio que seria de interesse tentar dar uma idéia exata onde estão situa-das as terras espirituais.

O mundo espiritual está dividido em esferas ou reinos. Essas duas palavras passaram a ser correntes entre a maioria daqueles que

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294 na terra conhecem e praticam a comuni-cação com o nosso mundo. Ao falar-vos as-sim, usei as palavras acima, suficientes para o nosso fim.

A essas esferas foram dados números, por alguns estudantes, e vão desde o primeiro, que é o mais baixo, até o sétimo, que é o mais alto. Ê costume entre nós seguir este sistema de numeração. A idéia, segundo me disseram, teve origem aqui entre nós, e é um método conveniente de dar informações de nossa posição na escada da evolução es-piritual.

As esferas do mundo do espírito estão colo-cadas numa série de zonas formando um número de círculos concêntricos à volta da terra. Esses círculos alcançam o espaço infi-nito e estão invisivelmente ligados com o mundo terrestre na sua evolução menor so-bre seu eixo, e é claro, em maior revolução à volta do sol. O sol não tem qualquer influên-cia sobre o mundo espiritual. Não tomamos

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295 conhecimento dele, visto que é puramen-te material.

Um exemplo de círculos concêntricos nos é dado quando nos dizem que um visitante de uma esfera mais elevada vai descer a nós. Ele está relativamente acima de nós, tanto espiritual como espacialmente.

Os reinos inferiores da escuridão estão situ-ados perto da terra, e penetram na sua parte mais baixa. Foi através desta que passei com Edwin quando ele me veio buscar para o meu lar espiritual, e foi por essa razão que me recomendou mantivesse os olhos fecha-dos até que me ordenasse abri-los. Eu esta-va suficientemente alerta — até mesmo de-mais, porque estava plenamente consciente — ou teria visto algo dos horrores que a ter-ra lançou a essas zonas escuras.

Sendo o mundo espiritual constituído de cír-culos concêntricos, e com a terra aproxima-damente no centro, as esferas são subdividi-

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296 das lateralmente para se corresponderem largamente com as várias nações da terra, cada subdivisão estando situada imediata-mente sobre sua nação irmã. Quando se considera a enorme variedade de tempera-mentos nacionais e características distribuí-das através do plano terrestre, não é de sur-preender que os povos de cada nação dese-jem gravitar para aqueles de sua própria es-pécie no mundo espiritual; a escolha indivi-dual, é claro, é livre e aberta para todas as almas: elas podem viver em qualquer parte que lhes agrade de seu próprio reino. Não há fronteiras territoriais físicas aqui para separar as nações. Os povos fazem suas próprias fronteiras invisíveis com temperamentos e costumes, mas os membros de todas as na-ções da terra têm liberdade de se misturar no mundo espiritual e de gozar relações so-ciais irrestritas. A questão da linguagem não oferece dificuldade porque não somos obri-gados a falar alto. Podemos transmitir nos-sos pensamentos uns aos outros com a intei-

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297 ra certeza de que eles serão recebidos pela pessoa a quem nos dirigimos mental-mente. Assim, as línguas não constituem barreiras. Cada uma das subdivisões nacio-nais do mundo espiritual leva as característi-cas de sua réplica terrena. Mas isso é natu-ral. Meu próprio lar está situado em cercani-as que me são familiares e que são uma có-pia de meu lar terreno na aparência geral. As redondezas não são uma réplica exata das da terra, mas o que quero dizer é que meu lar espiritual está localizado no tipo de cam-po com o qual eu e meus amigos estamos acostumados.

Esta divisão das nações se estende apenas a um certo número de reinos. Além deles a nacionalidade cessa de existir. Lá retemos apenas nossas diferenças exteriores e visí-veis, tais como a cor da pele, seja ela amare-la, negra ou branca. Deixamos de ser côns-cios da nacionalidade como somos na terra. Nossos lares não têm mais uma aparência

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298 nacional definida, mas partilham do espí-rito puro.

Deveis recordar-vos como, ao construir o anexo da biblioteca, eu vos apresentei o go-vernante do reino. Cada reino tem tal perso-nagem, apesar do termo governante não ser apropriado, visto que dá azo a interpretações erradas. Seria melhor e muito mais exato dizer que ele preside o reino.

Apesar de cada reino ter seu governante, todos eles pertencem a um plano mais ele-vado do que aquele que presidem.

Esta posição requer altos atributos por parte de seu ocupante, e ela somente pode ser ocupada por aqueles que já estão há muito tempo no mundo espiritual. Grande espiritualidade apenas não é suficiente, se o fosse haveria muitas almas que poderiam ocupar tal cargo com distinção. Mas um governante precisa possuir muito conhecimento e experiência da humanidade e além disso deve ser capaz sempre de

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299 capaz sempre de exercer sábia discrição ao lidar com os variados assuntos que se lhe deparam. E toda essa experiência e sabedo-ria, compreensão e simpatia estão sempre à disposição dos habitantes de seu reino, ao mesmo tempo que a bondade e infinita paci-ência estão sempre em evidência. Esta gran-de alma é sempre acessível a quem .quer que o deseje consultar ou lhe traga seus problemas para solução.

Temos os nossos problemas, como vós na terra, apesar de nossos problemas serem muito diferentes dos vossos. Os nossos nun-ca são daquela natureza aflitiva e preocupante dos da terra. Falando por mim mesmo, meu primeiro problema, logo depois da transição, foi como acertar o que eu con-siderava um erro que fizera quando encar-nado. Havia escrito um livro em que tratava a verdade da comunicação com o mundo terreno com grande injustiça. Quando falei com Edwin a esse respeito, ele — sem eu o saber — havia procurado o conselho do reinante, e o resultado foi que outra grande

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300 tado foi que outra grande alma viera dis-cutir o assunto comigo, e oferecer-me ajuda e conselhos nessa dificuldade. Foi o conhe-cimento em primeira instância dos meus ne-gócios pelo governante que eventualmente trouxe um final feliz à minha confusão.

Pode-se ver por isso que o conhecimento do governante em relação ao povo que preside é vasto. Para que não se julgue que é hu-manamente impossível a uma mente possuir conhecimento dos afazeres de tanta gente que deve haver em um reino, basta compre-ender que a mente humana é limitada em seu raio de ação pelo cérebro físico. No mundo espiritual não o temos a prejudicar-nos, e nossas mentes são inteira e comple-tamente capazes de reter todo conhecimento que nos vem. Não esquecemos as coisas que se aprendem no mundo espiritual, sejam elas lições espirituais ou simples fatos. Mas leva tempo, como se costuma dizer, a aprender, e é por isso que os governantes passam mui-tos e muitos milhares de anos no mundo

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301 espiritual, antes de serem colocados à testa do governo. Porque os governantes têm que guiar e dirigir os povos, e ajudá-los em seu trabalho, e unir-se a eles nas horas de recreação, ser-lhes uma inspiração e agir sob todos os sentidos como um devotado pai. Não há infelicidade nestes planos, pela simples razão de que seria impossível, com tais almas aqui prontas a afastar todos os percalços.

Cada esfera é completamente invisível a to-dos os habitantes das suas inferiores, e isso pelo menos é que forma os nossos limites.

Quando viajamos .para os planos inferiores vemos o terreno gradualmente degenerar. Mas ao aproximarmo-nos dos reinos mais elevados acontece o oposto: vê-se a terra à nossa volta tornar-se mais etérea, mais pura, e isso forma uma barreira natural para aque-les entre nós que ainda não progrediram su-ficientemente para se tornarem habitantes desse reino.

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302 Ora, eu já contei como os reinos se colo-cam, uns acima dos outros. Como, então, se passa de um para o outro, seja acima ou abaixo? Deve haver algum ou alguns pontos em cada reino onde exista uma sensível in-clinação para um, e um distinto declive para o outro. Apesar de parecer simples, é esse exatamente o caso.

Não é difícil imaginar talvez uma gradual descida a regiões menos salubres. Podemos lembrar nossas experiências terrenas e cer-tos lugares rochosos que visitamos, de piso traiçoeiro, conduzindo a escuras cavernas, frias, úmidas, e pouco convidativas, onde podíamos imaginar toda espécie de coisas horríveis nos aguardando na escuridão. Po-demos então lembrar que acima de nós, a-pesar de longe da vista, brilha o sol, espa-lhando calor e luz sobre a terra, enquanto que nós parecemos estar completamente em outro mundo. Poderemos vaguear por essas grutas subterrâneas até nos perdermos da terra acima de nós. Mas sabemos que há

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303 uma saída pelo menos, se a pudermos achar e perseverarmos em nossos esforços para escalar o perigoso caminho.

Se começamos nossa vida espiritual nos mais baixos recessos deste quadro terreno das cavernas subterrâneas, podemos ver como cada um dos reinos é ligado com o reino i-mediatamente acima dele.

A analogia terrena é, logicamente, muito e-lementar, mas o processo e o princípio são os mesmos. No espírito, a transição de um reino para o outro é literal — tão literal quanto o passar de uma caverna escura para o sol lá em cima, tão literal quanto caminhar de um aposento para outro em sua casa.

Para passar do reino onde estou ao próximo mais elevado, me acharei andando suave-mente ao longo de um chão em aclive. Ao adiantar-me verei e sentirei todos os incon-fundíveis sinais de um reino de maior refi-namento espiritual. Chegará o ponto em que

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304 não poderei avançar mais sem desconforto espiritual. Se cometesse a forto espiritual. Se cometesse a tolice de ten-tar desafiar essa lei, descobriria no fim que não poderia dar nem mais um passo sem passar por sensações que não me seria pos-sível suportar. Nada poderia ver à minha frente, somente atrás. Mas estejamos nós num desses limites ou bem dentro dos nos-sos limites, há um certo trecho na ponte en-tre os reinos onde o reino mais alto se torna invisível a olhos menos espirituais. Assim como certos raios de luz são invisíveis a o-lhos terrenos, e certos sons e notas musicais são inaudíveis a ouvidos mortais, assim tam-bém os reinos mais elevados são invisíveis aos habitantes inferiores.

E a razão é que cada reino possui uma vibra-ção de maior intensidade do que o seu infe-rior, e é portanto invisível e inaudível aos que vivem abaixo.

Vemos assim que outra lei natural opera pa-ra o nosso próprio bem.

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Há uma belíssima e brilhante esfera no mundo espiritual, a que foi dado o título pito-resco de Verão Eterno.

As regiões escuras podem ser chamadas de Inverno Eterno, a não ser pelo fato de que o inverno terreno possui uma grandiosidade toda sua; enquanto que tudo é abominável nas camadas inferiores do mundo espiritual.

Até aqui mencionei apenas de leve essas regiões, levando--vos apenas ao seu limiar; mas com Edwin e Rute já cheguei a penetrar profundamente nelas.

Não é assunto agradável, mas me foi aconselhado que se devem apresentar os fatos não com intenção de assustar as pessoas — não é esse o método nem o alvo do mundo espiritual — mas para mostrar que tais lugares existem unicamente pela virtude de uma lei inexorável, a lei da causa e efeito, a colheita espiritual que procede da se-menteira terrena; para mostrar que escapar

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306 terrena; para mostrar que escapar à jus-tiça no mundo é o mesmo que achar justiça estrita e impiedosa no mundo espiritual.

Ao caminharmos lentamente de nossos pró-prios reinos para aquelas terras sombrias, acharemos uma gradual deterioração surgir na paisagem. As flores escasseiam e são subnutridas, dando a aparência de que lutam pela existência. A grama é ressequida e ama-rela até que finalmente desaparece por com-pleto para ser substituída por áridas rochas. A luz diminui continuamente até ficarmos em terras cinzentas e vem então a escuridão — profunda, negra e impenetrável; mas impe-netrável apenas para os que são espiritual-mente cegos. Visitantes de planos superiores podem ver nessa obscuridade sem serem vistos pelos habitantes, a não ser que seja vitalmente necessário revelar sua presença.

Nossas visitas nos levaram ao que creio ser o mais ínfimo plano da existência humana.

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307 Começamos a descida passando através de um cinturão de névoa no trecho onde o solo se tornou árido e duro. A luz diminuiu rapidamente e as moradias eram cada vez mais raras, e não se via vivalma. Grandes trechos de rochas se estendiam à nossa fren-te e a estrada que seguíamos era rude e cheia de precipícios. Agora a escuridão já nos envolvia, mas podíamos ver ainda nosso ambiente perfeitamente. É uma experiência bem estranha esta de enxergar no escuro, e quando se passa por ela pela primeira vez sentimos um ar de irrealidade, mas na ver-dade é bem real.

Ao descermos pelas rochas eu podia sentir e ver o limo horrível que cobria a sua superfí-cie, de cor verde e malcheirosa. Não havia, é claro, perigo de cairmos. Isso seria impossí-vel a qualquer dos habitantes desses luga-res.

Depois de viajarmos sempre para baixo pelo que me pareceu um longo tempo — calculo

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308 que deve ter sido uma milha pelas medi-das terrestres — achamo-nos numa cratera gigantesca de muitas milhas de circunferên-cia, cujos lados ameaçadores e traiçoeiros se erguiam bem alto acima de nós.

Toda a área era pontilhada de imensas ro-chas, como se alguma enorme avalanche ou cataclismo as tivesse arrancado da borda superior e atirado às profundezas, para lá se espalharem formando cavernas e túneis.

Em nossa atual posição estávamos bem aci-ma desse mar de rochas e podíamos ver surgir delas uma nuvem sombria de vapor venenoso, como um vulcão a ponto de en-trar em erupção. Não estivéssemos nós bem protegidos e sua emanação nos seria sufo-cante e mortal. Como estávamos, sentíamo-nos perfeitamente a salvo, mas podíamos perceber com nossas faculdades intuitivas o grau de malignidade do ambiente. Vagamen-te, pudemos ver através do miasma, o que parecia serem seres humanos, rastejando

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309 como animais pela superfície das rochas. Não podíamos crer fossem pessoas, mas Edwin nos assegurou que um dia já foram homens na terra, andando, respirando e ca-minhando como nós. | Mas viveram uma vi-da de impureza espiritual e pela morte física, haviam passado à sua verdadeira habitação, de acordo com seu estado de espírito.

O vapor ascendente parecia envolvê-los nu-ma mortalha que os escondia um pouco aos nossos olhos.

Como eu havia expressado o desejo de ser levado por Edwin aonde quer que ele achas-se de bom proveito para os meus fins, e co-mo eu sabia que seria capaz de suportar quaisquer visões, aproximamo-nos de algu-mas dessas criaturas de horror. Rute nos acompanhava e, não é necessário dizê-lo, nunca lhe seria permitido fazê-lo se não fos-se do conhecimento geral que ela estava apta a enfrentar os aspectos mais horrendos com coragem e autodomínio. Na verdade,

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310 fiquei admirado da sua atitude e até re-conhecido por ter sua companhia.

Aproximamo-nos de uma das formas sub-humanas que jazia sobre umas das rochas. O que restava de suas roupas podia ser facil-mente dispensado, visto que consistia ape-nas de imundos trapos, através de cujos ras-gões se via a carne com aparência inanima-da. Os membros eram tão magros que se esperava que a pele se rasgasse sobre os ossos salientes. Mãos em formato de garras de aves de rapina mostravam unhas incri-velmente crescidas. A face desse monstro nem era humana, tão deformada e horrível. Os olhos eram pequenos e penetrantes, mas a boca era, ao contrário, enorme e repug-nante, com grossos lábios que salientavam o queixo prognático, e mal escondiam dentes quase caninos.

Fitamos longamente esse destroço humano, e imaginamos que ações terrenas o haviam reduzido a esse estado de degeneração.

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311 Edwin, já experimentado em tais espetá-culos, nos disse que com o tempo ganharía-mos prática em nossos trabalhos e podería-mos ler nos rostos e formas dessas criaturas o que as havia transformado em frangalhos. Não haveria necessidade de abordá-las para decifrar a história de sua vida porque ela estava gravada em seus semblantes. A apa-rência também nos avisaria se necessitavam auxílio ou se estavam satisfeitos com o pre-sente estado de coisas.

O objeto que agora contemplávamos, disse Edwin, não valia a nossa simpatia, pois que estava ainda imerso em sua iniqüidade, e obviamente não mostrava o menor sinal de arrependimento por sua vida anterior. Estava muito estonteado com a perda de sua ener-gia física para compreender o que havia a-contecido. Suas feições mostravam que, da-da a oportunidade, ele continuaria as práti-cas infames que aqui o haviam lançado. Que já estava há várias centenas de anos no mundo espiritual, podia-se ver pelos restos

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312 esfarrapados de sua roupa que indicava pertencer a eras passadas. Cada crime co-metido contra outros tinha revertido contra ele, e enfrentava agora, como já o vinha fa-zendo há centenas de anos, a recordação indelével de todos os males que perpetrara contra seus semelhantes. Quando na terra, usara de falsos argumentos para administrar a justiça, mas essa nada mais fora que uma paródia, e agora é que ele estava vendo o que é de fato a verdadeira justiça. Não só encarava continuamente a sua vida passada de maldades, mas as feições de suas inúme-ras vítimas estavam sempre perante seus olhos. Nunca poderá esquecer; terá sempre que recordar. E sua condição é agravada pela raiva de se sentir como animal numa jaula.

Nosso grupo de três não conseguia sentir o menor vestígio de pena por esse monstro desumano. ele recebia sua paga, nada mais nada menos. ele se julgara, se condenara, e agora sofria o castigo que merecia e que

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313 quisera. Aqui não havia o caso de um Deus vingador infringindo castigo sobre um pecador. Este, ali estava de fato, mas era a manifestação visível das causas e efeitos. A causa era sua vida terrena e o efeito, sua vida espiritual.

Tivéssemos vislumbrado o menor raio de luz — aquela luz verdadeira que se vê — que é um sinal inconfundível de vibração espiritual interna, poderíamos ter feito algo por ele. Mas tal como era, nada podíamos fazer a não ser esperar que um dia esse ser horrível pedisse por auxílio com sinceridade. Seu chamado seria então atendido sem falta.

Afastamo-nos e Edwin nos conduziu através de uma abertura para terreno mais ou me-nos nivelado. Pudemos ver de repente que essa parte da cratera era mais densamente habitada — se é que se podia usar o termo habitantes para aquela espécie de gente. Os habitantes estavam ocupados de diversas maneiras: alguns sentavam-se sobre peque-

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314 nas pedras e pareciam conspirar, mas que diabólicos planos, era impossível dizer. Outros, em pequenos grupos, infringiam i-nomináveis torturas aos seres mais fracos da sua espécie, que de alguma maneira lhes havia caído nas mãos. Seus gritos eram in-suportáveis, e por isso fechamos os ouvidos a eles. Seus membros incrivelmente defor-mados, e em alguns casos os rostos e cabe-ças, haviam retrocedido a meras caricaturas de configurações humanas. Outros eram vis-tos estendidos no solo como se exaustos de suportar torturas, ou de as infringir, antes de reunir forças para recomeçar suas barbari-dades.

Intercaladas por essa enorme área horrível, havia lagoas de uma espécie de líquido, que parecia grosso e viscoso, e incrivelmente imundo, como de fato era. Edwin nos contou que a fedentina que emanava dos charcos estava de acordo com tudo o mais aqui e aconselhou-nos a não prová-las, e seguimos o seu conselho à risca.

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315 Ficamos horrorizados de ver sinais de vida em alguns dos charcos e adivinhamos sem ele nos contar, que freqüentemente os habitantes escorregavam e ali caíam. Não podem se afogar porque são indestrutíveis como nós.

Testemunhamos toda espécie de bestialida-des e baixezas, barbaridades e crueldades, como não podíamos suportar. Não é minha intenção nem desejo dar uma descrição de-talhada do que vimos. Não tínhamos, de fa-to, alcançado a profundeza do poço, mas já lhes dei suficientes pormenores do que se encontra no reino das sombras.

E agora perguntais: como acontece tudo is-so? Como se permite que tais lugares exis-tam? Talvez o assunto se esclareça quando eu disser que cada alma que vive nesses

lugares horríveis, já viveu na terra. A idéia é horrível mas a verdade não se pode alterar. Não pensem que exagerei minha breve des-

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316 crição dessas regiões, pois asseguro que não o fiz. Na verdade, nem carreguei nas tintas. Essas regiões existem em virtude das mesmas leis que governam os estados de beleza e felicidade.

A beleza do mundo espiritual é externa e visível expressão do progresso espiritual e seus habitantes. Quando tivermos ganho o direito de possuir coisas belas, elas nos serão dadas através do poder criador. Assim po-demos dizer que nós criamos a nós mesmos. Beleza de mente e ação, nada podem produ-zir a não ser beleza, e daí termos flores de beleza celestial, árvores, rios, e mares de pura e cristalina água, magníficos prédios para a alegria e gozo de todos nós, e nossos lares individuais onde nos podemos rodear com ainda mais beleza, e gozar as delícias do feliz convívio com nossos iguais.

Mas a fealdade da mente e da ação nada pode produzir a não ser fealdade. As semen-tes de horror semeadas no plano terrestre

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317 inevitavelmente conduzirão à colheita de horrores no mundo espiritual. Esses reinos escuros foram construídos pelas pessoas da terra, assim como elas construíram os reinos de beleza.

Nenhuma alma é forçada a entrar nos reinos escuros ou nos da beleza. Somos um grupo unido e extremamente feliz e vivemos juntos em completa harmonia. Ninguém poderia, portanto, se sentir deslocado.

Os habitantes dos reinos de escuridão, se condenaram, por suas vidas na terra, ao es-tado em que agora se acham. É a lei inevitá-vel da causa e efeito, tão certo como a noite seguir-se ao dia na terra. De que adianta implorar piedade? O mundo do espírito é um mundo de estrita justiça, uma justiça com que não se pode brincar e de que todos nós nos servimos. Justiça inflexível e piedade não se podem misturar. Por mais sincera e intei-ramente que possamos perdoar o mal que nos foi feito, a piedade não nos é dispensada

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318 no mundo espiritual. Cada má ação deve ser debitada à pessoa que a cometeu. É um assunto pessoal que deve ser resolvido sozi-nho, assim como a morte do corpo físico de-ve ser enfrentada a sós. Ninguém o pode fazer por nós, mas cada alma que habita nestas terríveis regiões escuras tem dentro de si mesma o poder de se elevar da sordi-dez até a luz. Precisa fazer esse esforço indi-vidual por si só; precisa trabalhar pela pró-pria redenção. Ninguém a substitui. Cada palmo do caminho é arduamente ganho e não há piedade aguardando-a no fim, mas severa justiça.

Mas a oportunidade dourada da recuperação espiritual está pronta a esperá-la. Ela tem que mostrar sincero desejo de se adiantar uma fração de polegada na direção do reino da luz que está acima dela, e lá achará um sem-número de amigos desconhecidos, que a auxiliarão a ganhar a herança a que tem direito, mas que na sua loucura jogou fora.

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319 VII. PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Achar-se de repente transformado em habi-tante permanente do mundo espiritual, é uma experiência espantosa.

Por mais que se leia a respeito das condições de vida no mundo espiritual, ainda resta um número ilimitável de surpresas para cada alma.

Aqueles que voltaram à terra para contar sobre nossa nova vida, enfrentam a dificul-dade de descrever em termos terrenos o que é essencialmente espiritual. Nossas descri-ções têm que ficar aquém da realidade. E difícil imaginar uma concepção de beleza maior do que aquelas que já experimenta-mos na terra. Aumentai cem vezes essas belezas e ainda estaremos muito longe da verdadeira avaliação.

Surge, portanto, em nosso cérebro a questão seguinte: o que nos impressionou mais forte

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320 e agradavelmente ao chegarmos aqui pela primeira vez, e quais foram as primeiras impressões?

Permiti-me colocar-me como repórter e en-trevistar nossos velhos amigos, Edwin e Ru-te. Ele e eu, como devem se lembrar, éra-mos sacerdotes quando na terra. Edwin não tinha o menor conhecimento a respeito do assunto volta do espírito, além daquele que eu tentava dar-lhe através das minhas pró-prias experiências. ele era um dos poucos que realmente se condoía de mim em mi-nhas dificuldades psíquicas, e um dos poucos que não me atirava em rosto os ensinamen-tos ortodoxos. Mais tarde me disse que se alegrava bastante por não o ter feito. Quan-do ainda na terra, a vida futura era um com-pleto mistério para ele, como deve ser para muitos outros. Conformava-se naturalmente com as normas da igreja, obedecia os seus mandamentos, realizava seus deveres e, co-mo depois admitiu com franqueza, esperava pelo melhor — fosse o que fosse.

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321 Mas sua vida terrena não consistiu uni-camente de exercícios religiosos; ele havia ajudado muita gente em todas as ocasiões em que o auxílio era necessário; esse servi-ço, tão obscuramente realizado, ajudou-o imensamente quando chegou a hora de dei-xar o mundo. Essas boas ações o transporta-ram à terra da beleza e eterna luz.

Suas primeiras impressões ao despertar no mundo espiritual foram — para usar suas próprias palavras — de grande emoção. ele havia imaginado, talvez subconscientemente, algo de vago e enevoado e onde haveria muita reza. Ao despertar achou-se num mundo de inexprimível beleza, com toda a glória da natureza terrena, expurgada da sua materialidade, já refinada e eterizada, com enormes riquezas à volta dele. Ver a pureza cristalina de rios e ribeirões, o encanto das residências e a grandiosidade dos templos e das casas de ensino; achar-se no meio de tais glórias sem noção do que lhe estava re-servado, era lançar dúvidas sobre a veraci-

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322 dade de seus olhos. ele não podia acredi-tar que não estava no meio de algum belo mas fantástico sonho, do qual logo desperta-ria para se achar no seu velho ambiente. Achou que devia relatar o sonho quando vol-tasse à consciência. Considerou como seria esse sonho recebido: belo, mas apenas um sonho.

Ele havia visto como um sonho tudo que se passara antes, e tudo que o conduzira até àquele ponto; e como se achara, ao desper-tar, num confortável leito, numa encantadora casa, sentado ao lado do velho amigo, que se desincumbia da mesma tarefa que Edwin agora realizava comigo.

Seu amigo conduziu-o para fora a fim de ver o novo mundo e aí surgiu sua maior dificul-dade — convencer Edwin que ele havia mor-rido e no entanto ainda vivia. A princípio ele tomou seu amigo e suas explicações como parte do mesmo sonho, e aguardava ansio-samente que algo acontecesse para inter-

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323 rompê-lo e voltar à consciência terrena. Edwin confessa que custou a se convencer, mas que seu amigo fora infinitamente paci-ente com ele.

No momento em que ele teve a certeza de que estava real, verdadeira e permanente-mente no mundo espiritual, seu coração não podia conceber maior alegria e ele começou a fazer o que eu mais tarde fiz na companhia de Rute — viajar através das terras da nova vida com a deliciosa liberdade de corpo e alma que é a própria essência da vida espiri-tual nestes reinos.

O que mais impressionou Rute ao despertar no espírito foi a profusão de cores. Sua tran-sição fora plácida e havia conseqüentemente despertado, depois de breve sono, calma e suavemente. Como aconteceu com Edwin, viu-se numa encantadora casa, pequena, asseada e funcional e toda sua. Um velho amigo se achava ao seu lado, pronto a aju-

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324 dá-la nas inevitáveis perplexidades que acompanham tantos despertares.

Rute é reservada por natureza, especialmen-te no que se refere a si mesma. No caso de Edwin, eu sabia tanto a respeito de sua vida, que era fácil decifrá-lo; Rute, porém, eu não a havia visto antes de nos encontrarmos à beira do lago.

Depois de muita persuasão consegui arran-car dela um ou dois pormenores de sua vida terrena.

Nunca fora muito de ir a igreja, não porque a desprezasse, mas porque suas opiniões a respeito do depois não combinavam com o que sua igreja ensinava. Ela via que se exigia muita fé, e se davam poucos fatos, e já ha-via encontrado tantos aborrecimentos e afli-ções na vida cotidiana de tanta gente, que sentia instintivamente que o vago, mas meio aterrador quadro do mundo que viria, o ter-rível Dia do Juízo constantemente afirmado

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325 perante seus olhos, estava errado. A ên-fase posta sobre a palavra pecador, com a condenação por atacado de todo o mundo, ela também achava errado. Não era tola, declarou, para acreditar que todos somos santos, mas ao mesmo tempo nem todos somos pecadores. De muitas pessoas que conhecia, não podia lembrar nenhuma que pudesse ser estigmatizada e condenada no sentido religioso. Onde, portanto, iriam parar todos depois de morrer?

Ela nunca se poderia imaginar julgando e condenando essas almas, como pecadoras. Seria absurdo imaginar, acrescentou Rute, que ela pudesse ser mais caridosa do que Deus. Por isso construíra para si própria uma fé simples — uma prática que os teólogos diriam, de imediato, perigosa e que não deve ser encorajada. Falariam do perigo em que sua alma imortal se encontraria ao abrigar tais idéias. Mas Rute nem por um instante achou que sua alma se achava em perigo. Na verdade continuou a viver sua vida de

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326 acordo com os ditames de sua natureza meiga, ajudando os outros em sua vida diá-ria, e trazendo um pouco de sol à vida árida dos seus semelhantes. E estava firmemente convencida de que quando sua hora chegas-se ela levaria para a nova vida a afeição de seus muitos amigos.

Não temia a morte física, nem podia imagi-ná-la como a experiência aterradora que tan-ta gente antecipa e teme. Não tinha base para essa crença, e sentia-se,' assim, atraída pela experiência da morte intuitivamente.

À parte as cores maravilhosas de que se a-chou rodeada, o que mais impressionou Rute foi a espantosa claridade da atmosfera. Nada semelhante havia na terra. A atmosfera era tão livre do mínimo traço de névoa, que a enorme gama de cores era duplamente viva. Rute possuía um dom para as cores e tivera considerável treino musical quando ainda na terra.

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327 Quando passou a espírito, essas duas qualidades combinadas, a cor e a música da nova terra, haviam-na deslumbrado com to-da a sua soberba beleza.

A princípio mal podia crer em seus sentidos, mas seus amigos tinham logo explicado o que acontecera, e como tinha poucas idéias fixas sobre a vida futura, assim também ti-nha pouco a desaprender. Mas, disse ela, levou muitos dias antes de absorver e com-preender inteiramente todas as maravilhas à sua volta. Depois de ter compreendido o sig-nificado de sua nova vida, e que toda a eter-nidade jazia à sua frente, pôde então refrear o seu entusiasmo e levar as coisas com mais calma.

Foi no processo desse último estado que nos encontramos pela primeira vez.

Uma vez, quando nós três discutíamos agra-davelmente toda sorte de coisas, vimos su-bindo o jardim, em que nos encontrávamos,

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328 uma figura que Edwin e eu conhecíamos bem. Havia sido nosso superior eclesiástico ainda na terra, e era conhecido como um príncipe da igreja. Ainda estava paramentado como de costume, e como todos nós concor-damos depois, ao comparar opiniões, essas roupagens estavam plenamente de acordo com o lugar e as circunstâncias. O estilo e colorido das roupagens pareciam se harmo-nizar com tudo à nossa volta. Nada de ana-crônico havia nela, e como tinha inteira li-berdade de usar suas roupas aqui, assim o fazia, não por causa da anterior posição e-clesiástica, mas devido ao longo hábito, e porque ele sentia que assim ajudava a au-mentar a colorida beleza de sua nova habita-ção.

Agora, apesar de sua alta posição ter sido mantida com distinção na terra, ela não tinha eco no mundo espiritual, mas não obstante era bem conhecido aqui, de nome e de

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329 reputação. Isso contribuía para que ele mantivesse suas roupas coloridas. Mas a de-ferência que sua posição sempre provocava na terra, ele a havia rejeitado ao chegar a-qui. Fora muito amado quando encarnado e é natural que aqueles que o conheciam con-tinuassem a mostrar-lhe o mesmo respeito. Respeito é uma coisa, porque todos nos res-peitamos aqui, mas deferência é outra coisa completamente diferente. ele logo descobriu isso, como nos disse com sua inata humilda-de.

Nosso primeiro encontro nos levou a outros, e em muitas ocasiões uniu-se a Edwin, a Ru-te e a mim, quando nos encontrávamos no jardim ou saíamos. Foi durante uma dessas peregrinações juntos que pedi ao nosso anti-go superior que nos esboçasse suas primei-ras impressões do mundo espiritual.

O que o impressionou mais fortemente foi não somente a beleza e imensidade do mun-do espiritual, mas a relação entre ele e a

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330 vida deixada para trás. Primeiro veio a sensação quase esmagadora de ter desper-diçado sua vida anterior em futilidades, irre-levâncias e grande número de inúteis forma-lidades. Mas alguns amigos vieram em seu socorro intelectualmente e asseguraram-lhe que esse tempo não fora perdido, apesar de sua vida ter sido cercada pela pompa e ceri-monial de seu cargo. Por mais que esses fa-tores fossem preponderantes, ele não havia se deixado absorver por eles e dessa refle-xão agora tirava muito consolo.

Mas o que achou mais perturbador mental-mente foi a nulidade das doutrinas que havia mantido e que agora via caírem em ruínas a seus pés. Mas aqui novamente achou amigos que o guiaram. E o fizeram de uma maneira simples e direta, que atrairia sua mente ávi-da, como por exemplo: esquecer os ensina-mentos religiosos da vida terrena e pôr-se a par da lei da vida espiritual. Abandonar as velhas e aceitar as novas. ele tinha feito isso e com completo sucesso. Varreu de sua

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331 mente o que não tinha base na verdade e fez a agradável descoberta de que, final-mente, gozava de absoluta liberdade espiri-tual. Achou muito mais fácil obedecer às leis do mundo espiritual do que aos mandamen-tos da igreja e era agradável libertar-se das formalidades de sua anterior posição. Podia afinal voltar a falar livremente deixando de se prender à palavra da Igreja.

Em resumo, disse ele, considerava sua maior impressão a completa sensação de liberdade tanto da mente como do corpo, liberdade essa aumentada pelo contraste com a au-sência dela no mundo terreno.

VIII. RECREAÇÕES

Já usei esta palavra uma ou duas vezes, mas não dei pormenores a respeito deste impor-tante assunto.

A mera sugestão de divertimento aqui, deve ser um choque desagradável para certas

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332 mentalidades. Essas pensarão imediata-mente nos muitos e variados esportes e pas-satempos útil e agradavelmente gozados na terra. Transplantar coisas tão fundamentais como essas para um mundo de puro espírito seria inconcebível talvez, porque a idéia é forçada e artificial, e porque o mundo espiri-tual deve ser considerado como um estado mais alto, isto é, um estado em que deixa-remos para trás todos os nossos hábitos ter-renos e viveremos perpetuamente numa condição de êxtase, voltados somente àque-las coisas imateriais e vagas que nossa reli-gião insinuava serem a recompensa dos bons.

Fazer tais suposições a respeito desta vida é sugerir que ao nos tornarmos espíritos, es-tamos na presença de Deus e, portanto, tudo que seja remotamente sugestivo de costu-mes terrenos deve ser banido, por ser pouco santificado.

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333 Tal idéia é, evidentemente, uma tolice, visto que Deus não está mais perto de nós aqui do que na terra. Somos nós que esta-mos mais próximos dele, porque, entre ou-tras coisas, podemos ver mais claramente a Mão Divina neste plano e a expressão de sua Mente. Isso, porém, é um assunto mais pro-fundo e que não nos cabe analisar agora.

Muitos de nós acham a recreação em outra forma de trabalho. Neste mundo não sofre-mos fadiga corporal nem mental, mas conti-nuar sempre em nossas ocupações ininter-ruptamente acabaria por produzir sentimento de insatisfação e inquietação. Nosso poder de aplicação a qualquer tarefa é imensa, mas ao mesmo tempo delimitamos com uma níti-da linha o nosso período de trabalho, e não vamos além. Trocamos nossa presente tarefa por outra forma de trabalho, podemos parar de trabalhar por completo, e passar o tempo reclinados em nossos lares ou em qualquer outro lugar; podemos nos ocupar em estu-

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334 dos ou gozar das abundantes recreações que existem nestes reinos.

Quando interrompemos o nosso trabalho por um momento, dá-se o mesmo que na terra. Que fazeis para vos divertir? Deveis sentir necessidade de descanso físico, e portanto vos inclinais à recreação intelectual. Assim também aqui. Esse tipo de recreação, que pode assumir diversas formas, é amplamente fornecida pelos centros de estudo, visto que o estudo pode, em si, ser uma distração.

Rute e eu já passamos muitas horas na bibli-oteca e na sala de artes, mas já houve inú-meras ocasiões em que sentimos necessida-de de algo mais violento, e fomos até a prai-a, tomamos uma daquelas belas embarca-ções, e fomos visitar uma ilha.

Já contei como nossos barcos são impulsio-nados puramente pelo processo de pensa-mento, e já disse como se leva pouco tempo para se tornar proficiente na arte de aplicar

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335 tal propulsão. Essa proficiência é alcan-çada finalmente, mas podemos atestar o nosso progresso e receber auxílio valioso em nossos esforços, tomando parte em competi-ções aquáticas.

Deve-se notar a grande diferença entre as competições no plano terrestre e aqui. Aqui, temos a certeza de que a rivalidade é pura-mente amistosa. Não há qualquer lucro, a-lém da experiência e a aquisição de maior perícia, e não há prêmios a disputar e a ga-nhar. No final de cada corrida teremos certe-za de que nos ajudaram a adquirir mais ex-periência no manejo da embarcação.

Uma espécie de diversão que aqui desfruta considerável favor é a representação dramá-tica de diferentes espécies.

Temos belos teatros situados nos arredores, e os arquitetos que os desenharam, fizeram-no com o mesmo cuidado meticuloso usado em tudo aqui, e o resultado, como sempre,

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336 revela o grau de ativa cooperação que existe entre os artesãos. A guarnição interior é feita por exímios artistas do Edifício das Fábricas; os jardins de fora mostram o mes-mo cuidado devotado de sempre. O resulta-do está tão longe de um teatro terreno quanto se possa imaginar.

Há pessoas na terra que desaprovam intei-ramente os teatros e tudo que se relaciona com eles. Em muitos casos essa aversão é o resultado da educação religiosa. Não posso alterar a verdade para me pôr de acordo com as opiniões religiosas de certas pessoas. Falo de coisas de que tive provas, juntamen-te com milhares de pessoas, e o fato de ha-ver uma violenta desaprovação por parte de terrenos contra o que descrevi como perten-cente ao mundo espiritual, de modo algum prova que tais fatos não existam e muito menos que minhas afirmações são falsas. A minha posição de observador é incompara-velmente superior à deles, porque deixei o mundo terreno e tornei-me habitante do es-

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337 piritual. Se nossas descrições do mundo que ora habito mudassem de acordo com cada gosto individual ou cada preconceito sobre o que possa ser o mundo do espírito, teríamos que interromper a cada instante para fazer descrições, visto que, após tantas interferências elas estariam já sem valor. E uma vez que eu não vá transmitir nenhuma falsa impressão ao dizer isso, deixai-me a-crescentar que, quem quer que demonstras-se desagrado a certas recreações, jamais seria chamado a participar delas. Outra ob-servação semelhante, é que poderemos en-contrar essas pessoas morando em peque-nas comunidades à parte, a salvo de qual-quer espécie de coisas terrenas e vivendo no lugar que elas sempre pensaram ser o paraí-so. Tenho visto dessas pessoas, e não faz muito tempo, geralmente antes de deixarem o seu lar-paraíso em direção de um paraíso mais perfeito, maior, que é o trabalho da Suprema Mente,

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338 Cada teatro neste reino é-nos conhecido pelo tipo de peça que apresenta. As peças em si são completamente diferentes daque-las a que nos acostumaram na terra. Não temos nada de sórdido, e os autores não insistem em atormentar suas platéias. Po-dem-se ver muitas peças onde problemas sociais são debatidos, mas ao contrário das terrenas, aqui damos uma solução a cada problema — o que às vezes a cegueira dos terrenos impede de ver;

Podemos ver comédias em que, asseguro-lhes, o riso é muito mais intenso e espontâ-neo do que na terra. No espírito podemos nos dar ao luxo de rir de coisas que, quando encarnados, tínhamos de encarar com serie-dade.

Já testemunhamos grandes desfiles históri-cos mostrando os grandes momentos de uma nação, e vimos a história como foi re-almente e não fantasiosamente escrita nos livros. Mas certamente o mais impressionan-

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339 te, e ao mesmo tempo o mais interessan-te, é estar presente a esses desfiles onde os participantes originais revivem os aconteci-mentos em que se envolveram. Essas repre-sentações estão entre as mais procuradas aqui, e não há auditório mais atento e apai-xonado que os atores que durante suas vidas terrenas, representaram os papéis dos tipos famosos que agora vêem em carne e osso.

Em tais espetáculos os incidentes baixos e mais sórdidos são omitidos inteiramente, pois seriam repugnantes à assistência. Nem são mostradas cenas onde haja batalhas, violência e morticínio.

A princípio sentimos uma sensação estranha ao depararmos com os portadores de nomes famosos do mundo, mas aos poucos nos a-costumamos, e isso se torna parte de nossa existência normal.

A mais notável diferença entre os dois mun-dos no que se refere a distrações, é criada

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340 pelas nossas condições espaciais. Não temos necessidade de fazer exercício corpo-ral, vigoroso e também não necessitamos de ar livre. Nossos corpos espirituais estão sem-pre em perfeitas condições; não sofremos distúrbios de espécie alguma e o ar penetra em todos os recantos de nossos lares e edifí-cios onde retém completamente a sua pure-za. Seria impossível tornar-se viciado ou con-taminado. É de esperar portanto que nossas recreações sejam mais do lado mental do que do físico.

Como a maioria dos jogos ao ar livre no mundo terreno requerem o uso de uma bola, deve-se observar que aqui, onde as leis de gravidade agem de maneira diferente, tudo que significasse impelir uma bola por meio de batidas, redundaria em uma inutilidade.

No plano terrestre a perícia em jogos é ad-quirida pelo domínio da mente sobre os músculos do corpo, quando este está em condições de saúde perfeita. Mas aqui esta-

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341 mos sempre em forma, e nossos múscu-los estão sempre sob completo controle de nossas mentes. A eficiência é rapidamente assimilada, seja para tocar um instrumento musical, pintar um quadro ou qualquer outra especialização que requeira o uso dos mem-bros. Poder-se-á ver portanto que a maioria dos jogos comuns não teria razão de ser a-qui.

Deve-se lembrar que o exterior ou interior é exatamente o mesmo para nós. Não temos mudanças de temperatura. O grande sol cen-tral brilha eternamente e faz sempre um de-licioso calor. Nunca sentimos necessidade de uma rápida marcha para melhorar a circula-ção do sangue. Nossos lares e casas não são necessidades, mas adições a uma vida já agradável. Acharemos muitas pessoas aqui que não possuem lares, porque não o que-rem, visto que há sempre sol, e a temperatu-ra é eternamente agradável. Nunca ficam doentes ou com fome, ou com necessidade de coisa alguma.

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342 Deve-se lembrar que os pontos de vista mudam completamente ao chegar aqui. O que considerávamos muito importante em vida, aqui achamos de menor importância e muito de nossos antigos jogos terrenos nos parecem meio triviais e insossos, em compa-ração com as nossas forças mentais gran-demente aumentadas. O fato de que pode-mos nos mover através do espaço instanta-neamente é bastante para fazer nossas anti-gas proezas atléticas parecerem insignifican-tes. Nossas recreações pertencem mais à mente e nunca sentimos necessidade de despender energias supérfluas, porque nossa energia está sempre em nível constante com nossas necessidades. Descobrimos que te-mos muito a aprender, e o aprendizado é em si um prazer tão grande que não precisamos da variedade de esportes que a terra precisa. Temos infinita música para ouvir, tantas ma-ravilhas a descobrir, tanto trabalho agradável a fazer, que não há motivo para lamentar a escassez de esportes terrenos e passatem-

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343 pos no mundo espiritual. Ao lado da a-bundância de coisas absorventes a serem feitas e vistas, as recreações terrenas pare-cem meras\ trivialidades.

IX. Pessoa Espiritual

Como nos sentimos ao tornarmo-nos espíri-tos? Essa é uma questão já suscitada em mentes de muita gente. Se, ao contrário, perguntássemos: como se sentem as pesso-as da Terra?, estaríamos inclinados a res-ponder que a pergunta é meio tola, porque tendo sido encarnados já deveríamos saber. Mas antes de ser afastada a questão, vamos ver o que se pode dar como resposta.

Antes de mais nada consideremos o corpo físico. ele sofre fadiga, pelo que é necessário ter descanso; sente fome e sede e deve ser provido de alimento e bebida; ele pode so-frer tormentos e dores por meio de uma grande variedade de doenças; pode perder seus membros através de acidentes ou por

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344 outras causas. Os sentidos podem tornar-se embotados pela idade ou acidentes, po-dem causar a perda da vista ou da audição; ou então o corpo físico pode vir ao mundo privado de algum sentido ou incapaz de fa-lar. O cérebro físico pode ser afetado tor-nando-nos incapazes de ações sadias e, con-seqüentemente, temos que ser cuidados por outros.

Que tenebroso quadro, direis! Assim é, mas qualquer um pode ser vítima de pelo menos uma infelicidade, dessa lista de limitações que mencionei. Pelo menos três são comuns a toda alma na terra — a fome, a sede e a fadiga.

Agora eliminemos completa e inteiramente cada uma dessas incapacidades; excluamos infalivelmente e para sempre suas causas, e teremos a idéia do que significa ser uma pessoa espiritual.

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345 Quando eu estava na terra sofri alguns dos padecimentos comuns a nós, sofrimen-tos que não são sérios e devemos encarar como naturais: dores pequenas que conse-guimos suportar. Além dessas dores, estava cônscio de meu corpo físico pela manifesta-ção da fome, sede, e fadiga. A doença final — a mais séria — foi demais para o pobre corpo e sobreveio a minha transição. Imedia-tamente senti o que é ser uma criatura do espírito.

Ao deparar com Edwin sentia-me fisicamente um gigante, apesar do fato de que acabava de deixar um leito de doença. Com o passar do tempo senti-me melhor ainda. Não tinha a mínima sombra de dor e sentia-me leve como se na verdade não tivesse corpo al-gum. Minha mente estava completamente alerta e eu me dava conta de meus membros somente quando precisava mover-me, apa-rentemente sem nenhuma das ações muscu-lares que me eram até então familiares. É muito difícil explicar essa sensação de perfei-

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346 ta saúde, porque é uma coisa impossível na terra, e portanto não há nada com que eu possa traçar uma comparação ou formar uma analogia. Esse estado pertence ao espí-rito apenas, e desafia por completo qualquer descrição em termos terrestres. Deve ser experimentado, e isso é impossível até que nos encontremos aqui.

Já disse que minha mente estava alerta mas isso não diz tudo. Descobri que minha mente era um verdadeiro depósito de fatos referen-tes à minha vida passada. Cada ação que eu realizara e cada palavra emitida, cada im-pressão recebida, cada fato sobre que eu lesse, cada incidente testemunhado, tudo isso descobri estar indelevelmente registrado em meu subconsciente. E isso é comum a toda pessoa espiritual que já teve vida en-carnada.

Não julguem que somos continuamente as-sombrados por uma louca fantasmagoria de uma miscelânea de idéias e impressões. Se-

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347 ria um verdadeiro pesadelo. Não. Nossas mentes são como uma biografia completa da vida terrena, onde está anotado cada por-menor referente a nós mesmos, arrumado em ordem e onde não se omite coisa algu-ma. O livro está fechado, mas está ali, sem-pre à mão, para consultarmos e meramente recordarmos os incidentes, se o desejarmos.

A descrição que vos dei dessa especial me-mória da alma, traz à tona outras leis, como já tentei mostrar. Não estou preparado para explicar como, apenas posso dizer o que a-contece.

Essa memória enciclopédica de que somos dotados, não é difícil de compreender quan-do nos detemos para considerar nossa me-mória média na terra. Não se é continua-mente incomodado pelos incidentes de toda a nossa vida, mas eles estão simplesmente à mão para se recordar, querendo. Um inci-dente desencadeará uma corrente de pen-samentos em que a memória participará. Às

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348 vezes não se pode solicitar o que há na memória, mas no mundo espiritual isso é imediatamente possível, sem esforço e sem falhas. O subconsciente nunca esquece e assim nosso passado se torna censura ou não, de acordo com a nossa vida terrena. As anotações sobre as placas da verdadeira mente não podem ser apagadas. Lá estão para todo o sempre, sem necessariamente nos perseguir, porque nessas anotações es-tão também as boas ações, os bons pensa-mentos e tudo de que possamos justamente nos orgulhar. E se estão escritas em caracte-res maiores e mais enfeitadas do que os fa-tos que lamentamos, tanto melhor.

É claro que quando estamos no mundo espi-ritual, nossas memórias são persistentemen-te retentivas. Quando fazemos um curso de estudos sobre qualquer assunto, vemos que aprendemos facilmente e rapidamente por-que estamos livres das limitações que o cor-po físico impõe à mente. Se estamos adqui-rindo conhecimentos, reteremos esses co-

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349 nhecimentos, sem dúvida nenhuma. Se nos estamos aperfeiçoando em algo que re-quer destreza manual, veremos que nossos corpos espirituais respondem aos impulsos de nossas mentes, imediata e exatamente. Aprender a pintar um quadro ou tocar algum instrumento musical, para mencionar apenas duas atividades comuns, são tarefas que le-vam apenas uma fração do tempo que nos tomariam quando ainda encarnados. Ao a-prender a fazer um jardim espiritual ou a construir uma casa, veremos que a perícia exigida é atingida com igual facilidade e ra-pidez; isto é, tanto quanto nos permitir nos-sa inteligência. Porque não somos dotados de aguda inteligência no momento em que nos desfazemos do corpo físico. Se assim fosse, estes reinos seriam habitados por su-per-homens e supermulheres, e na verdade está longe disso! Mas a nossa inteligência pode ser aumentada; isso é parte do nosso progresso. A mente tem ilimitados recursos para expansão intelectual e melhoria, por

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350 mais atrasados que possamos ser quan-do aqui chegamos. E o nosso progresso inte-lectual se adiantará certa e firmemente, de acordo com o nosso desejo ou prazer de o fazer, sob a orientação de capazes mestres de todos os ramos de ciências. E ao longo de todos os estudos seremos assistidos por nos-sas memórias infalivelmente receptivas. Não há esquecimento.

Agora passemos ao corpo espiritual em si. ele é, geralmente falando, a réplica do corpo terreno. Quando chegamos aqui, somos re-conhecidamente nós mesmos. Mas deixamos para trás todas as nossas incapacidades físi-cas. Temos membros, vista e audição, e to-dos os outros sentidos funcionando perfei-tamente. Na verdade os cinco sentidos, co-mo os chamamos na terra, tornam-se vários graus mais agudos quando desencarnamos. Qualquer supernormal ou anormal condição do corpo físico, tal como excessiva gordura e magreza, desaparece quando chegamos a estas paragens.

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351 Há uma fase em nossas vidas na terra que se chama a flor da idade. É nessa dire-ção que todos nós nos encaminhamos. Aque-les que são idosos, ao passarem a espírito, voltarão a esse período. Outros que são jo-vens se adiantam até essa fase, e todos nós preservamos as nossas naturais característi-cas que nunca nos abandonarão. Mas desco-brimos que muitos traços menores, que po-demos muito bem dispensar, são eliminados juntamente com nossos corpos físicos — cer-tas irregularidades do corpo com que te-nhamos nascido, ou que nos advieram com o correr dos anos. Quantos de nós, gostaria eu de saber, não terão alguma sugestão a fazer no sentido de melhorar nosso corpo, se fosse possível.

Já vos disse como as árvores aqui crescem em absoluta perfeição — direitas e limpas, bem formadas porque não há tempestades ou ventos para lhes curvar os jovens galhos e deformá-los. O corpo espiritual está sujeito à mesma coisa. As tempestades da vida po-

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352 dem distorcer o corpo, e se essa vida foi espiritualmente feia o corpo espiritual será similarmente torcido. Mas se a vida terrena foi sã, o corpo espiritual será corresponden-temente são. Há muitas belas almas habi-tando um corpo terreno disforme, assim co-mo há almas más dentro de corpos bem formados. Mas no mundo espiritual se revela a verdade a respeito de todos.

Como é a aparência anatômica do espírito, perguntareis? É exatamente a mesma que a vossa da terra. Temos músculos, nervos, ossos, mas não são da terra, são puramente do espírito. Não sofremos indisposições — isso seria impossível aqui. Portanto nossos corpos não requerem cuidados constantes para se manterem em boa saúde. Aqui ela é sempre perfeita, porque temos um grau de vibração tão elevado que gérmens causado-res de doenças não podem entrar. Subnutri-ção, no sentido em que é conhecida na terra, não existe aqui. Mas subnutrição espiritual, isto é, da alma, certamente existe.

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353 Será estranho pensar que um corpo espi-ritual possua cabelos e unhas? Como queríeis que fôssemos? Não seríamos repugnantes sem os traços anatômicos usuais? Isto pare-ce uma afirmação elementar, mas é às vezes necessário dar voz ao elementar.

Como é o corpo espiritual coberto? Muita gente, para não dizer a maioria, desperta nestes reinos, vestida com a cópia das ves-timentas que usava na terra na época de sua transição. É razoável que isso aconteça por-que tal vestimenta é costumeira, especial-mente quando a pessoa não tem previsão das condições do mundo espiritual. E assim permanece até que o queira. Seus amigos lhe dirão do seu verdadeiro estado de ser, e ela poderá assim mudar a roupa, se o dese-jar. Muitos se alegram de o fazer, visto que o antigo estilo usado na terra lhes parece triste e sem cor nestes risonhos reinos. Não demo-rei muito a pôr de lado o meu velho hábito religioso, visto que o preto é sombrio demais para esta galáxia de cores.

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354 Ás vestimentas espirituais variam tanto quanto variam os reinos. Parece sempre ha-ver alguma sutil diferença entre as roupas de um espírito e de outro, tanto na cor como na forma, de maneira que há uma variedade infinita tanto na cor como na forma.

Todas as roupas espirituais são compridas quase até os pés. São suficientemente lar-gas, de modo que caem em pregas graciosas e estas pregas é que oferecem os mais lin-dos matizes de cores e luzes. Seria impossí-vel dar uma idéia do que são.

Vêem-se muitas pessoas usando uma faixa ou cinto à cintura, às vezes de fazenda, ou-tras de rendas de ouro ou prata. Em qual-quer dos casos, constituem recompensas por serviços prestados. São geralmente adorna-das com as mais belas pedras preciosas, de vários formatos, e montadas em engastes maravilhosos. Os entes superiores são vistos usando os mais magníficos diademas, tão brilhantes como os cintos. Aqueles que per-

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355 tencem a graus inferiores podem usar tal adorno mas de formas menos imponentes.

Há uma grande riqueza de sabedoria espiri-tual atrás de cada adorno, mas um fato pre-cisa ficar bem claro: tais enfeites precisam ser conseguidos. Os prêmios são dados ape-nas por mérito.

Podemos usar o que quisermos nos pés, e a maioria prefere usar algo que os proteja e geralmente é um sapato leve ou sandália. Já vi inúmeras pessoas que preferem andar descalças. Isso não provoca comentários porque é natural e comum.

O material que usamos nas roupas não é transparente como alguns julgam. É bem compacto. E a razão pela qual não é transpa-rente é que nossa roupa possui o mesmo grau vibracional que o possuidor. Quanto mais alto progredimos maior se torna esse grau, e, conseqüentemente, os moradores dessas elevadas esferas adquirem uma incrí-

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356 vel fragilidade no espírito e nas roupas. Essa transparência é mais visível a nós do que a eles, isto é, externamente visível, pela mesma razão que uma luz pequena parecerá mais luminosa em virtude da escuridão rei-nante em volta. Quando se aumenta a luz mil vezes, — como é o caso dos planos supe-riores — o contraste é incomensuravelmente maior.

Raramente usamos cobertura para a cabeça. Não recordo ter visto nenhum por aqui pois não necessitamos proteção contra os ele-mentos.

Creio já terdes concluído a esta altura que ser uma pessoa espiritual pode ser algo bem agradável.

Em minhas andanças pelos reinos da luz ain-da não encontrei um único indivíduo que quisesse trocar esta bela vida por aquela velha da terra.

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357 Experto crede!

X. A ESFERA DAS CRIANÇAS

Uma das inúmeras perguntas que fiz a Edwin logo após minha chegada referia-se ao des-tino dado às crianças que passavam a espíri-to.

Há um período de nossa vida terrena a que estamos acostumados a chamar Flor da ida-de. Há uma também aqui, e é na direção desse período que todas as almas ou voltam ou se adiantam, conforme a idade em que tem lugar seu passamento. Quanto tempo leva, depende inteiramente delas, visto que é apenas uma questão de progresso espiri-tual e desenvolvimento, apesar, de que para os jovens este período seja geralmente mais curto. Aqueles que passam a espírito depois da flor da idade, sejam eles idosos ou de meia-idade, tornar-se-ão mais jovens na a-parência apesar de amadurecerem espiritu-almente. Não se deve concluir com isso que

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358 nós todos chegamos a um nível estático de vulgar uniformidade. Externamente pare-cemos jovens: perdemos aqueles sinais que a passagem dos anos causa e que tanto nos perturbam quando mortais. Mas nossas men-tes tornam-se mais velhas ao ganharmos conhecimento e sabedoria e maior espiritua-lidade, e essas qualidades da mente são ma-nifestas a todos com quem entramos em contato.

Quando visitamos o templo da cidade, e, à distância, vimos o radiante visitante que vié-ramos honrar, ele apresentava o aspecto perfeito e eterno da juventude. No entanto o grau de sabedoria e espiritualidade que di-fundia e que podíamos sentir com nossas mentes, era avassaladoramente grande. A-contece o mesmo, em vários graus, com a-queles que vêm dos mais altos planos para nos visitar. Se, portanto, verificamos este rejuvenescimento de pessoas adultas, o que se dará com as almas dos que morreram crianças ou dos que morreram ao nascer?

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359 A resposta é que crescem como o fariam na terra. Mas às crianças daqui — de todas as idades — é dado um tratamento e cuida-do que nunca seria possível na terra.

A criança cuja mente ainda não está comple-tamente formada e não está contaminada pelos contatos terrenos, ao passar a espírito acha-se num reino de extrema beleza, presi-dido por almas igualmente belas. O reino destas crianças chama-se o berçário do céu e quem quer que tenha a fortuna de visitá-lo sabe que não há termo mais adequado. E foi em resposta à minha pergunta que Edwin propôs levar Rute e eu para o conhecermos.

Encaminhamo-nos para o limite entre os rei-nos superiores e o nosso, e voltamo-nos na direção da casa de Edwin. Já podíamos sentir a atmosfera rarefeita, embora não o bastan-te para nos causar desconforto. Notei que essa atmosfera tinha

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360 bem mais cor do que as profundezas do reino. Era como se um grande número de focos luminosos se encontrassem e espa-lhassem seus largos raios por toda a paisa-gem. Esses raios de luz estavam sempre em movimento, entrelaçando-se e produzindo as mais delicadas misturas de cores com suces-sivos arco-íris. Eram extremamente repou-santes e também cheios de vitalidade, e, como pareceu a Rute e a mim, de alegria e despreocupação. Tristeza e infelicidade, sen-tíamos ser inteiramente impossível aqui.

O campo era mais verde, as árvores não tão altas mas bem formadas como todas as ou-tras aqui.

Depois de algum tempo a atmosfera clareou e, sem os raios coloridos já era mais seme-lhante à nossa. Mas havia uma estranha e sutil diferença que intrigava o visitante na sua primeira visita, e derivava, como nos disse Edwin, da espiritualidade das crianças que aqui vivem. Algo como isso se encontra

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361 quando se tem o privilégio de viajar por reinos mais elevados. É quase como se hou-vesse maior grau de beleza no ar, à parte o notável efeito de elevação da mente.

Vimos vários esplêndidos edifícios ao cami-nharmos pela grama macia. Não eram muito altos mas largos e extensos, e todos agrada-velmente situados entre jardins floridos.

Flores, é desnecessário dizer, cresciam em abundância nos canteiros artísticos e em grandes agrupamentos nas encostas e sob as árvores. Já expliquei, a respeito das flo-res, que suas semelhantes da terra crescem por si mesmas, e que as próprias do mundo do espírito acham-se separadas das primei-ras. Dissemos que não há significação espe-cial nesta segregação, mas que ela existe para mostrar simplesmente a distinção entre duas classes de flores: a espiritual e a terre-na. Tão belas quanto na terra são as. flores que aqui crescem, e não pode haver compa-ração com as que pertencem ao espírito. E

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362 aqui ainda estamos limitados pela expe-riência terrena ao descrevermos suas bele-zas. Não são de cores mais ricas do que as da terra, mas a conformação e folhagem são de beleza sem paralelo, pois não conhece-mos nenhum exemplo na terra que lhe possa servir de comparação. Mas não se deve su-por que essas magníficas flores sejam de estufas. Longe disso. A superabundância de-las, aliada à força e variedade de seus per-fumes imediatamente afastaria a idéia de raridade. Não houve nenhum caso em que o cultivo da beleza de uma flor prejudicasse o seu perfume. Todas possuem a qualidade comum a todas as coisas que crescem aqui, ou seja, a de verter força energética não só através de seu aroma, mas também através do contato pessoal. Já experimentei segurar uma flor com as mãos em forma de concha — Rute assim me instruiu — e senti uma corrente de força vital fluir para os meus braços.

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363 Podiam-se também ver deliciosos reser-vatórios de água e lagoas, em cuja superfície floresciam as mais belas flores aquáticas. Noutra direção viam-se uma série de lagos maiores, com inúmeros barquinhos vogando serenamente.

Os prédios leiam construídos de uma subs-tância semelhante ao alabastro, e de tonali-dades as mais delicadas; o estilo da arquite-tura lembrava os de nossa própria esfera.

Mas o que nos provocou maior surpresa foi o ver, confundidas no meio dos bosques, as mais engraçadas casinhas de campo, tais como costumamos ver em livros de fadas. Havia minúsculas casas de vigas recurvas, telhados vermelhos e janelas de minúsculos vidros, e cada uma com o seu encantador jardim ao redor.

Pode-se pensar que o mundo espiritual tenha se inspirado na terra, nessas criações fanta-sistas para a alegria das crianças, mas não

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364 foi o caso. Na verdade, toda essa con-cepção de casas em miniatura emanou do próprio mundo espiritual. Qualquer artista que tenha recebido nossa impressão original, perdeu-a na terra através dos anos. Esse artista é conhecido aqui, onde vai continuar sua obra na esfera das crianças.

Essas casinhas eram grandes o bastante pa-ra permitir a entrada de um adulto sem bater a cabeça. Para as crianças pareciam ser de tamanho exato, e elas não tinham a impres-são de se perderem lá dentro. Por essa mesma razão é que todos

os grandes edifícios aqui não são muito al-tos. Não os construindo muito altos nem de salas grandes demais, estavam de acordo com seus pequenos habitantes, que assim não se sentiam diminuídos por eles.

Grande número de crianças vivem nessas minúsculas habitações, cada uma presidida por uma criança mais velha, perfeitamente

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365 capaz de enfrentar qualquer situação que surja entre os habitantes.

Ao andarmos víamos grupos de crianças feli-zes, algumas jogando, outras sentadas na grama enquanto uma professora lia para elas. Outras ouviam atentamente as explica-ções sobre flores numa aula de botânica. Mas era uma botânica muito diferente da da terra, no que se refere às flores essencial-mente espirituais.

Edwin levou-nos a uma das professoras e explicou-lhe a razão de nossa visita. Imedia-tamente nos deram as boas--vindas e a pro-fessora teve a bondade de responder a al-gumas perguntas. Seu entusiasmo pelo tra-balho aumentava o prazer de nos contar o que desejássemos. Ela estava aqui havia um bom número de anos. Como tivera filhos na terra e como se interessasse muito por cri-anças resolveu encarregar-se desse trabalho.

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366 Nem era necessário dizer quão admira-velmente ela se desincumbia desta tarefa. Irradiando encanto e confiança, bondade e alegria, ela atraía todas as crianças, compre-endia a mente infantil, já que na verdade era quase uma criança grande.

Possuía amplo conhecimento das mais inte-ressantes coisas, especialmente das que a-traem as crianças; tinha uma fonte inesgotá-vel de histórias, e, o que é mais importante, mostrava-se a pessoa mais feliz que já vi até hoje.

Nesta esfera, nos disseram, há crianças de todas as idades, desde o bebê, cuja existên-cia na terra não foi além de alguns minutos ou que nem chegou a ter existência própria, ao jovem de dezesseis ou dezessete anos.

Acontece freqüentemente que as crianças, ao crescerem, permanecem na mesma esfe-ra e elas mesmas se tornam professores por

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367 algum tempo, ou até que seu trabalho as leve a outros lugares.

E os pais? Foram eles alguma vez os profes-sores de seus próprios filhos? Raramente ou nunca, segundo nos disse nosso informante. É uma prática que raras vezes dá certo, visto que o pai estaria inclinado a favorecer o seu próprio filho e poderia haver embaraços. Os mestres são sempre almas de grande experi-ência, e não há muitos pais na terra que se-riam capazes de orientar a educação do espí-rito infantil imediatamente após o passamen-to.

Se os professores foram pais ou não no pla-no terrestre, eles aqui têm de submeter-se a um extenso curso antes de se julgarem ap-tos a preencher o cargo de mestre de crian-ças, para manter os rígidos padrões de tra-balho.

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368 O trabalho não é árduo, a julgar pelo padrão terreno, mas exige uma multiplicida-de de atributos especiais.

O crescimento mental e físico da criança no mundo espiritual é mais rápido do que no mundo terrestre. Vós vos lembrais da reten-ção da memória de que já vos falei? Ela co-meça assim que a mente seja capaz de a-prender algo, e isso acontece bem cedo. A aparente precocidade é perfeitamente natu-ral, porque a mente jovem absorve conheci-mentos facilmente. O temperamento é cui-dadosamente estudado pelas linhas espiritu-ais e as crianças são treinadas primeiro a respeito de assuntos espirituais e depois é que são instruídas acerca do mundo.

O governante do reino age, em geral, in loco parentis, e todas as crianças, na verdade, o consideram como pai. O ensino das crianças é muito vasto. Elas aprendem a ler, mas muitas das disciplinas do curriculum terreno são omitidas como supérfluas.

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369 Ao crescer, as crianças podem escolher sozinhas o tipo de trabalho que prefiram e, especializando-se, tornam-se perfeitamente aptas para desenvolver a atividade escolhida. Algumas, por exemplo, preferem voltar à terra temporariamente para trabalhar no e-xercício das comunicações e se tornam alta-mente eficientes. Tais visitas têm a vanta-gem de aumentar suas experiências, apro-fundando sua compreensão das atribuições e prazeres dos seres encarnados.

Surge sempre esta pergunta na mente de pessoas da terra, com referência a crianças que já morreram: "Poderemos nós reconhe-cer nossos filhos quando chegarmos ao mundo espiritual?', A resposta é um enfático sim, fora de qualquer dúvida. — "Mas como? se eles cresceram no mundo espiritual e lon-ge de nossas vistas?"

Para responder, é necessário conhecer um pouco mais a respeito de nós mesmos.

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370 Deveis saber que, quando dormimos, o espírito se retira temporariamente do corpo físico, se bem que permaneça ligado a ele por um fio magnético. Esta ligação é o fio da vida entre o espírito e o corpo. O espírito, assim liberto, ou permanece nas vizinhanças do corpo ou gravitará para a esfera que seus atos terrenos lhe terão dado direito de fre-qüentar. O espírito passa, portanto, parte da sua existência em terras espirituais. E é nes-tas visitas que encontramos parentes e ami-gos que morreram antes de nós; é também nessas visitas que os pais podem encontrar seus filhos, e assim observar seu crescimen-to. Na maioria dos casos os pais não podem penetrar na esfera dos próprios filhos, mas há inúmeros lugares onde tais encontros po-dem ocorrer. Lembrando o que eu disse so-bre a retenção da memória subconsciente, vereis que, em tais casos não pode haver problema para reconhecer um filho, porque o pai viu o filho e observou seu crescimento da

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371 mesma maneira que o teria feito se a criança permanecesse na terra.

Deve haver, é claro, suficientes laços afetivos entre os dois, do contrário esta lei não fun-ciona. Onde eles não existem, a conclusão é óbvia. O laço de afeição e interesse deve também existir entre todas as relações hu-manas no mundo espiritual, seja entre mari-do e mulher, pai e filho ou entre amigos. Sem ele é problemático que as pessoas se encontrem, a não ser ocasional e fortuita-mente.

O reino das crianças é uma cidade em si, contendo tudo que grandes mentes, inspira-das pela Mente Suprema, podem fornecer para o bem-estar, conforto, educação, prazer e felicidade de seus jovens habitantes. Os templos do saber estão equipados com todo o necessário para a difusão do saber, daque-les que não o possuem ainda no menor grau, e que portanto precisam começar pelo co-meço. Isto se refere a crianças que morre-

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372 ram muito cedo. Crianças que deixam o mundo nos seus primeiros anos continuarão seus estudos onde os largaram, eliminando todos os que não lhes serão de utilidade fu-tura, e acrescentando os espiritualmente ne-cessários. Assim que alcançam idade ade-quada podem escolher seu futuro e estudar de acordo com suas preferências. E elas têm, como era de esperar, as mesmas oportuni-dades, os mesmos direitos à herança espiri-tual, como os temos todos, velhos ou novos.

E todos fixamos o mesmo alvo — a felicidade perfeita e perpétua.

XI. OCUPAÇÕES

O mundo espiritual é não só uma terra de oportunidades idênticas para todos, mas es-sas oportunidades são de uma escala tão vasta que nenhuma pessoa encarnada pode ter a menor idéia de sua magnitude. Oportu-nidades para quê? — perguntareis. Para o bom, o útil e o interessante trabalho. Espero

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373 que, a esta altura, já tenha feito notar que o mundo espiritual não é uma terra de ociosidade, um lugar onde seus habitantes passam a existência numa atmosfera de su-per-êxtase religioso, oferecendo formalmente louvores e orações ao Grande Trono, numa corrente ininterrupta. Há uma corrente, com certeza, mas de maneira muito diferente. Surge dos corações de todos que estão feli-zes e gratos por se acharem aqui.

Quero tentar dar uma leve idéia da imensa variedade de ocupações a que podemos nos dedicar aqui.

Vossos pensamentos se voltarão imediata-mente para as muitas modalidades de ocu-pações do mundo, mas atrás delas há sem-pre a necessidade urgente de se ganhar a vida, de prover o corpo físico com comida e bebida, roupa e habitação de alguma quali-dade. Bem, já sabeis que essas considera-ções não existem entre nós, visto que ali-mento e bebida não são necessários, assim

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374 como roupas e habitações. Conforme foram nossas vidas na terra, assim serão nossas roupas e domicílios quando aqui che-gamos. Não temos, pois, necessidade física de trabalho, mas sim, mental, e por causa disso o trabalho é um prazer aqui.

Imaginemo-nos num mundo onde ninguém trabalha para viver, mas onde todos traba-lham pela pura alegria de fazer algo útil aos outros. Imaginai isso e começareis a com-preender algo da nossa vida.

Muitas ocupações não têm razão de ser nes-tes reinos. Embora úteis e necessários, per-tencem a um período essencialmente terreno da vida. O que acontece então às pessoas que as praticam? Descobrirão imediatamente que deixaram suas vocações terrenas para trás porque a necessidade de subsistência física não mais existe, e em lugar disso tais pessoas sentem-se gloriosamente livres para se ocuparem em algum novo trabalho. Não precisam mais indagar do que são capazes:

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375 logo acharão algo que lhes atrairá a a-tenção e interesse. E não demorarão muito a se unir a seus companheiros para aprende-rem alguma ocupação nova.

Até aqui só me referi ao trabalho abstrata-mente. Sejamos mais específicos, conside-rando alguns dos seus aspectos físicos, e para isso vamos à cidade.

Em caminho atravessamos belíssimos jardins que foram algum tempo desenhados e cria-dos. Aqui, digamos, está o primeiro meio de atividade. Milhões de pessoas na terra amam os jardins e o seu trato. Que poderia haver de melhor do que continuar aqui com seu trabalho, fora das exigências físicas, livres e despreocupadas, e com os inesgotáveis re-cursos do mundo espiritual às suas ordens? Podem parar quando bem entendem e reto-mar o trabalho quando desejam, visto que não há ninguém para impor-lhes sua vonta-de. E qual é o resultado? Felicidade para si próprios, porque ao criarem uma bela obra

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376 de arte horticultura eles aumentaram a beleza de um lugar já belíssimo, e assim trouxeram felicidade aos seus semelhantes. Assim continuam sua tarefa, alterando, re-formando, planejando, embelezando, cons-truindo e sempre adquirindo mais e mais perícia. Assim continuam até que desejem mudar de trabalho, ou até que seu progresso espiritual os leve para novos campos.

Agora vejamos o templo da música, e que atividade podemos achar lá. Alguém, é claro, tinha que planejar, e outros tinham que construir o templo, propriamente. Já falei a respeito da construção do anexo da bibliote-ca. Em todas as construções grandes o mé-todo seguido é o mesmo, mas aqui ele tem de ser aprendido, e a obra de arquitetos e construtores, com seus vários assistentes técnicos, está entre uma das mais importan-tes do mundo espiritual. Toda espécie de atividade está aberta a qualquer um que goste dela. Mas é surpreendente ver quão rapidamente se ganha eficiência pelo estímu-

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377 lo da vontade. A vontade de fazer é transformada em habilidade de fazer em muito pouco tempo.

Na seção de música temos bibliotecas onde os alunos se ocupam em seus estudos. A maioria está aprendendo a ser musicista, isto é, aprendendo a tocar um ou mais instru-mentos. E alguém tem que fornecer-lhe os necessários instrumentos, por isso os fabri-cantes de instrumentos da terra se acham à vontade em sua arte, se desejam continuar a exercê-la. Bem, agora podemos observar que uma existência inteira passada na terra a exercer uma especialidade seria mais do que suficiente para a maioria, e que retomar essa mesma atividade, com sua interminável rotina seria a última coisa que se desejaria. Mas lembrai-vos do que já disse acerca da liberdade nestas paragens, e o fato de que ninguém é obrigado, nem por força das cir-cunstâncias, nem por mera

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378 necessidade de subsistência, a fazer qualquer trabalho no mundo espiritual. Lem-brai-vos de que todo trabalho é voluntário, por simples amor e orgulho de criar algo, e pelo desejo de ser útil a outros habitantes do reino.

Incidentalmente, devo mencionar que não é imperativo adquirir um instrumento musical por intermédio do templo da música. Qual-quer pessoa o pode fabricar para uma outra que o necessite. Em muitas casas há — e não como mero ornamento — um belo piano construído por mãos destras que aprende-ram os métodos espirituais da criação. Essas coisas não se podem criar, são recompensas espirituais. Seria inútil tentar possuir aquilo a que não temos direito.

Antes de prosseguirmos, olhemos a bibliote-ca. Aqui há partituras musicais aos milhares, juntamente com vários solos para instrumen-tistas. A maioria das grandes orquestras ob-têm suas músicas do templo da música. Têm

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379 liberdade de pedi-las emprestado sempre que o desejar, mas alguém tem que duplicar as partes musicais. E essa é outra importan-te e produtiva ocupação. Os bibliotecários que cuidam das músicas, e que atendem às necessidades do público, preenchem outra tarefa útil. E assim, os pormenores podem ser multiplicados, indo da pessoa que apenas ama a música àquelas que são instrumentis-tas e regentes.

Na seção de tecidos, dá-se o mesmo. A qualquer momento que desejar, posso jun-tar-me aos estudantes que aprendem a tecer os mais encantadores tecidos. Acontece, po-rém, que meu interesse está noutro setor, e minhas visitas aqui são puramente de recrei-o. Rute entretanto, passa certo tempo estu-dando e já é perita em tapeçaria. É para ela, em parte estudo e ocupação, em parte, re-creação. Já teceu algumas belas tapeçarias, das quais Edwin e eu possuímos duas belís-simas, em nossas paredes. Pode-se obter qualquer material que se deseja, ou, como

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380 no caso da música, pode-se pedir a al-gum artesão para fazer o que se deseja. Nunca se ouve uma recusa, nem se tem de esperar longo tempo para receber o que se quer.

Bem, dei apenas uns dois ou três exemplos do que é possível a uma pessoa fazer aqui. Há outros milhares, que formam um grande campo de atividades. Imaginai os médicos que aqui continuam sua obra. Não que ne-cessitemos deles como tais, mas porque aqui podem trabalhar com colegas que investigam as causas das doenças e moléstias na terra, e podem ajudar a aliviá-las. Muito médico espiritual já guiou a mão de um cirurgião da terra enquanto este realiza uma operação. O médico terreno provavelmente nem se dá conta do fato, e ridicularizaria qualquer insi-nuação de que está recebendo auxilio de uma fonte desconhecida. O médico espiritual contenta-se em auxiliar, sem reconhecimento algum do auxiliado. É o resultado final que lhe interessa e não o crédito. Em tais casos,

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381 o médico da terra faz interessantes des-cobertas, ao chegar finalmente ao mundo espiritual.

Os cientistas também continuam suas pes-quisas ao chegar aqui. Qualquer que seja o ramo de ciência que lhes interesse, aqui a-charão mais do que o suficiente para ocupar sua atenção por bastante tempo. Assim tam-bém, o engenheiro e muitos outros. Na reali-dade, seria impossível, ou pelo menos um tanto enfadonho talvez, percorrer a longa lista de ocupações já tão conhecidas da ter-ra. Mas por ora podeis ter uma idéia do que pode oferecer o mundo do espírito. Tudo o que temos em nossas galerias, em nossas casas, em nossos edifícios e jardins, tem de ser feito, ser modelado, ou criado — e isso exige alguém que o faça. A necessidade é constante e o suprimento constante, e será sempre assim.

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382 Há, porém, outra seção da indústria vi-talmente necessária e inerente ao mundo espiritual.

A porcentagem de pessoas que chegam aqui sem conhecimento de sua nova vida e do mundo espiritual é baixa, deploravelmente baixa. Todas essas inúmeras almas precisam ser ajudadas e sua perplexidade, cuidada. Esse é o tipo de trabalho em que Edwin, Ru-te e eu estamos ocupados e que atrai muitos ministros de Deus.

Nas mansões de repouso há enfermeiras e médicos para tratar daqueles cuja última enfermidade na terra foi longa e dolorosa, ou cujo passamento foi violento e repentino. Há muitas dessas casas que são um monumento perene de vergonha para o mundo. É certo que a morte possa ser repentina e violenta — isso é inevitável no presente — mas é uma vergonha para a terra que tantas almas aqui cheguem inteiramente ignorantes do que lhes virá no após. Esses lugares de re-

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383 pouso se multiplicaram consideravelmen-te desde que aqui cheguei; em conseqüência disso houve necessidade de mais enfermei-ras e médicos.

Como tal trabalho pertence exclusivamente ao mundo espiritual, temos escolas especiais para aqueles que, gostando dessa atividade, desejam se aperfeiçoar. Ali, eles aprenderão muito do que se refere ao tratamento cientí-fico do corpo em si e da mente espiritual. Adquirem um conhecimento geral dos cami-nhos da vida espiritual, ao mesmo tempo que têm de transmiti-lo a pessoas que ge-ralmente nada sabem do seu novo estado. Eles terão que aprender os fatos da inter-comunicação entre o nosso mundo e o vos-so. É surpreendente ver quantas pessoas que aqui chegam querem voltar correndo, para contar aos que ficaram, a grande des-coberta de estarem em outro mundo.

Muitos requerem um longo repouso após a morte. Essas almas, cuja atenção está sem-

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384 pre dividida por igual entre a terra e o espírito, exigem uma alta proporção de saber espiritual, assim como tato e discrição por parte das enfermeiras e médicos.

Ao mencionar uma ocupação não quero pre-judicar outra, nem fazer crer que os que a-cabei de mencionar tenham precedência so-bre os outros. Escolhi uma ou duas por te-rem a aparência tão material e para subli-nhar o que já tentei demonstrar repetida-mente — que vivemos num mundo prático onde nos ocupamos em tarefas úteis e indi-viduais, e não passamos o tempo todo num êxtase de religiosidade, perpetua-mente i-mersos em meditação.

Mas que dizer das pessoas que nunca fize-ram algo útil durante a vida? Tudo que posso dizer é que tal pessoa não chegará até estas paragens até ter merecido a entrada por meio de trabalho.

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385 Fazer relação de todas as atividades seria longo demais e exaustivo. Na verdade, fico com a mente tolhida só em pensar em con-tar tal número, por causa da minha incapaci-dade de fazer justiça a todas. Nas esferas científicas de puro labor, milhares e milhares de pessoas dedicam-se, muito felizes, ou às provas dos segredos da terra, ou às investi-gações dos do mundo espiritual.

Ciência e engenharia sendo co-aliadas, têm feito longínquas descobertas e aperfeiçoado inventos. Esses não são para nós, mas para vós — quando chegar o tempo, e isso ainda não é agora. A terra tem dado pobres evi-dências do que se tem feito por ela no mun-do espiritual. O homem tem usado sua von-tade livremente, mas aplica-a na direção er-rada, o que por fim acarreta a sua destrui-ção. A mente do homem está apenas na in-fância, e uma criança torna-se perigosa se tem livre uso do que a pode destruir. Daí ser mantido oculto muito que lhe pode ser pre-judicial, até o dia em que alcançar maior de-

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386 senvolvimento. O dia virá certamente, e uma avalanche de novas invenções se des-pencará sobre o vosso mundo.

Nesse meio tempo, o trabalho constituído de pesquisas, investigações, descobertas e in-venções continua: é um trabalho que absor-ve muita gente. Nada quebra a ordem roti-neira das nossas atividades. E enquanto elas continuam, podemos nos afastar um pouco, para descansar ou para seguir outra linha de trabalho. Não temos disputas, nem transtor-nos domésticos, nem rivalidades para produ-zir insatisfação ou desagrado. O mais humil-de de nós sente que seu trabalho significa algo, por mais modesto que pareça ao lado de outros aparentemente mais importantes. No mundo espiritual, trabalhar é ser profun-damente feliz pelas inúmeras razões, que já vos citei.

Não há ninguém aqui que não confirme mi-nhas palavras com todo o coração e sem reservas!

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387 XII. Gente Famosa

Deixar o mundo e fixar residência permanen-te no mundo espiritual não é tão grande transformação como muitas pessoas poderi-am imaginar. Ê verdade que para muitos, todos os laços terrenos são cortados, mas quando passamos para o mundo espiritual encontramos novamente aqueles parentes e amigos que morreram antes de nós. Nesse ponto iniciamos um novo capítulo em nossa existência, completamente à parte, numa vida nova, que começa com a entrada no mundo do espírito.

Os encontros com parentes e amigos são algo que precisa ser experimentado a fim de que se possa apreender o completo signifi-cado e alegria da reunião. Tais encontros tomam lugar onde há simpatia mútua e afe-to. Não consideraremos outra coisa por ora. Esses encontros continuarão por algum tem-po depois da chegada do novo morador. É natural que na novidade, tanto do ambiente

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388 como das condições, se perca grande tempo na troca de opiniões, e em ouvir tudo a respeito do que se passou na vida espiritu-al daqueles que nos precederam na morte. Eventualmente chegará a hora em que o recém--chegado começará a considerar so-bre o que fazer em sua vida espiritual.

Bem, poder-se-ia dizer que na terra a maio-ria de nós possui uma dupla existência — a vida do lar e a dos negócios ou ocupações. Nesta, associamo-nos talvez com um grupo inteiramente diferente. É natural, portanto, que aqui também aconteça isso. O cientista, por exemplo, encontrará primeiro suas liga-ções familiares. Quando se tocar no assunto de trabalho ele se achará entre seus velhos colegas que aqui o precederam, e logo se verá em casa e se sentirá encantado ao sa-ber das pesquisas científicas que se exibem na sua frente. O mesmo se dá com o pintor, o músico, o escritor, o engenheiro, o médico, o jardineiro, o pedreiro, ou o homem que tecia tapetes para uma fábrica, para mencio-

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389 nar apenas uma fração das inúmeras ocupações, tanto da terra como do espírito. Ver-se-á então que a pergunta que intriga muita gente — "Que fim tiveram as pessoas famosas?" — está praticamente respondida.

A fama no mundo espiritual é enormemente diversa da do mundo terreno. A celebridade espiritual se consegue unicamente de uma maneira — em serviço a outros. Parece até simples demais, mas é assim mesmo e nada o pode alterar. Se os personagens famosos residirão ou não nos reinos de luz imediata-mente após sua morte, depende só deles. A lei se aplica a todos, sem levar em conta a posição terrena.

Uma certa curiosidade referente ao destino de pessoas bem conhecidas na terra, é natu-ral, pois é bastante o mero fato de terem sido famosas. Mas nada desperta mais curio-sidade do que as celebridades da História. Onde estão aqueles mestres da sabedoria, aqueles nomes tão familiares dos livros de

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390 História? Devem estar algures. Grande número deles se encontra nos reinos escu-ros, onde estão já há séculos e onde prova-velmente continuarão por outros tantos. Ou-tros estão nos reinos de luz e beleza porque suas nobres vidas sobre a terra mereceram esse prêmio. Mas há muitos e muitos que se acharão dentro daqueles reinos intermediá-rios que já tentei descrever.

Darei um exemplo para o qual reuni alguns pormenores. Refere-se ao passamento de um personagem real. Tomei este exemplo porque, apesar de extremo, demonstra mais claramente do que qualquer outro os princí-pios que governam a vida em geral.

Neste caso em particular já sabíamos de an-temão que esse personagem estava para chegar. Seus compatriotas naturalmente es-tavam interessados no que ia acontecer. A própria família, como todas daqui, estava aguardando sua chegada. Uma curta enfer-midade ocasionou seu passamento, e assim

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391 que este se deu, ele foi trazido para a casa de sua mãe, que já tinha tudo pronto. A casa nada tem de excepcional, é igual a tan-tas outras daqui. A notícia de que ele ia che-gar se espalhou. Não houve júbilo universal como se daria na terra, mas sim uma felici-dade como a que se sente à chegada de qualquer ente querido. E ali ele permaneceu por algum tempo, gozando a liberdade de ação e simplicidade de vida que lhe fora ne-gada na terra. Inúmeros conhecidos já vie-ram indagar dele, mas não o viram ainda. Houve uma enorme reunião da família e as-sim que se achou suficientemente repousa-do, saiu a ver as maravilhas da nova vida.

Reteve em grande parte sua antiga e costu-meira aparência pessoal. Os sinais de doença e cansaço mental e corporal tinham desapa-recido e ele parecia muitos anos mais jovem. Quando passeava foi reconhecido pelo que havia sido e respeitaram-no, mas foi ainda mais honrado e homenageado pelo que era agora.

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392 Direis agora que assim que ele encontrou seus compatriotas estes poderiam talvez ter manifestado algum embaraço e uma vaga desconfiança, tal como aconteceria no plano terrestre. Mas durante o período de recupe-ração muito lhe foi explicado a respeito das condições de vida, seus métodos, suas leis e costumes agradáveis. Tais revelações o en-cheram de felicidade, pois sabia que tão logo deixasse o retiro da casa de sua mãe, ele o poderia fazer com a liberdade só achada nas paragens espirituais, onde os habitantes o considerariam apenas um homem simples, desejoso de se reunir a seus irmãos de felici-dade. Sabia que seria tratado como igual. Quando, portanto, em companhia de mem-bros da família, andou por estes reinos numa viagem de descoberta, não sentiu em si nem nos outros qualquer sentimento de descon-forto mental. Ninguém se referia à sua posi-ção terrena a menos que ele próprio o fizes-se, e assim não havia suspeita de propósitos inquisitoriais, ou curiosidade ignorante.

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393 Podereis pensar que alguém que já ocu-pou tão elevada posição na terra provocaria nas mentes de outrem idéias de pena, diante de tamanha mudança de posição. Mas tais sentimentos não são desejados nem permiti-dos nestes reinos, pela simples razão de que não há ocasião para tal. Deixamos para trás nossa importância terrena e não nos referi-mos a ela senão para mostrar, pelas nossas próprias experiências, aos ainda encarnados, o que se deve evitar. Não revivemos nossas memórias com o intuito de autoglorificação ou para impressionar os ouvintes. Eles, na realidade, não se impressionariam e reco-nhecemos que é apenas o valor espiritual que vale. Perspectivas e pontos de vista se alteram completamente ao chegar aqui. Por mais poderosos que fôssemos na terra, é o valor espiritual que nos dá o direito a um lugar no mundo espiritual, e são as ações de nossa vida, sem considerar a posição social, que nos darão nossa futura colocação. A po-sição é esquecida, mas ações e pensamentos

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394 são testemunhas por nós ou contra nós, e assim tornamo-nos nossos próprios juizes.

Não é difícil ver que, quando aquele perso-nagem real chegou ao mundo espiritual, co-mo outros de sua família antes dele, não teve que enfrentar dificuldades ou situações embaraçosas. Pelo contrário, toda situação parecia simplificar-se e dar a sua própria so-lução.

Bem, o que se dá com este personagem a-plica-se igualmente a todos os que foram famosos na terra. Mas como reage diante disso um cientista famoso, digamos, ou um compositor, ou pintor? São nomes famosos e quando temos ocasião de nos referirmos a eles usamos os nomes pelos quais eram co-nhecidos. Aqui, no mundo espiritual, prefe-rem não ser chamados de mestres ou gê-nios. Seus nomes, por mais famosos que tenham sido, não querem dizer mais nada, e eles severamente repudiam tudo o que, mesmo remotamente, se aproxime da adora-

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395 ção de heróis que a terra costumava lhes conceder. São apenas um de nós, e como tal são tratados.

A lei de causa e efeito sempre existiu no mundo do espírito, e a ela estão sujeitas, tanto as almas das pessoas que viveram obscuramente na terra, quanto as daquelas que foram mundialmente famosas. Nestes reinos, qualquer um está sujeito, cedo ou tarde, a encontrar pessoas cujos nomes são famosos na terra. Essa gente célebre, po-rém, não tem nenhum apego ao mundo ter-reno. Deixaram-no para trás, e muitos dos que passaram para cá há milhares de anos estão felizes por não terem ocasião de re-lembrar sua vida na terra. Sofreram tão vio-lenta transição que agora ficam satisfeitos em considerar apenas o presente, e deixa-ram a marca do passado fora da memória.

As pessoas da terra poderão achar estranho caminhar por aqui, misturando-se a pessoas que viveram há centenas de anos atrás. É

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396 um encontro do passado com o presente eterno; mas para nós não é estranho, ape-nas para os recém--chegados. A discrição é algo que aprendemos cedo a usar, e está em nós nunca bisbilhotar os fatos e circunstân-cias da vida de outras pessoas. Isso não im-pede que se discuta a nossa vida anterior, mas só se a iniciativa partir da pessoa que se tem em vista. Se ela quiser falar a alguém sobre sua vida terrena sempre encontrará ouvidos pacientes e compreensivos.

Estais vendo, pois, que nossa vida terrena é estritamente nossa. A discrição que temos é universal — demonstramo-la e recebemo-la. E qualquer que tenha sido a nossa posição formal na terra, nestes reinos somos unidos espiritualmente, intelectualmente, tempera-mentalmente, e nessas características hu-manas, tanto em nossos gostos como des-gostos. Somos um só; atingimos o mesmo estado e o mesmo plano de existência. Cada novo rosto que entra nestes reinos recebe a

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397 mesma acolhida cordial, sem qualquer referência ao que era na terra.

Poder-se-á encontrar muita gente famosa, em toda parte, e entregue a toda espécie de ocupação. Todos são acessíveis sem formali-dades de qualquer espécie.

Não há necessidade de apresentações a ho-mens e mulheres que foram famosos. Seus dons estão à disposição de todos. Os gran-des, que atingiram essa grandeza por meio do gênio, se consideram apenas os humildes seres de uma vasta organização. Todos lu-tam pelo mesmo propósito, isto é, progresso e desenvolvimento espiritual. Ficam reconhe-cidos por qualquer ajuda em direção a esse objetivo e sentem-se felizes por dá-la o má-ximo possível.

As riquezas e honrarias da terra parecem vulgares e baratas em comparação com as riquezas e honras que estão prontas a serem ganhas aqui. E estão ao inteiro alcance de

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398 cada alma no instante em que aqui che-ga. São seu direito de nascença, de que nin-guém a pode privar. A grandeza terrena po-de parecer muito tangível quando estamos no meio dela. Mas descobrimos ao morrer como a grandeza espiritual é concreta e permanente. Nossa proeminência terrena desvanece-se ao chegarmos, e ficamos sen-do o que valemos, e não o que fomos.

Vários personagens famosos me têm falado do seu despertar no mundo espiritual, e me disseram do choque da revelação de verem-se pela primeira vez como realmente eram.

Mas muitas vezes a grandeza da posição ter-rena anda a par com a grandeza da alma e assim o progresso espiritual e desenvolvi-mento continuam sem intermissão para todo o sempre.

XIII. Organização

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399 Já deveis ter compreendido que o mundo espiritual é um vasto lugar e, com isso em mente, podereis concluir que ele possui uma organização administrativa proporcional às suas exigências. |É exato, mas nossas ne-cessidades não são como as vossas. Entre vós, o mundo corrupto está em constante guerra com a decadência material e a dege-neração. Mas isso não acontece em nosso incorruptível mundo, onde não temos nem um nem outro. O nosso estado está bem longe da Utopia em qualidade. Mas é um estado em que o pensamento é seu elemen-to básico.

Já contei como, ao ver meu jardim espiritual pela primeira vez, me admirei de sua ordem e excelente conservação, e me perguntei quem seria o responsável por isso. Edwin me disse que isso quase não requeria esforço na manutenção. Queria dizer que, desde que meu desejo de ter um jardim permanecesse inalterável, e enquanto eu tivesse afeição pelas flores, gramas e árvores, o jardim res-

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400 ponderia aos meus pensamentos e flo-resceria. Se eu desejasse alterar o arranjo dos canteiros, podia facilmente pedir a um técnico que viesse me auxiliar, o que ele fa-ria com todo o gosto. Isto quanto ao jardim. Minha casa é governada pelas mesmas leis. E é assim com todos os jardins e casas da-qui.

Os pensamentos reunidos de todos os habi-tantes do reino manterão tudo que cresce dentro dele. É quando chegamos à cidade e viajamos através de seus edifícios que essa organização se torna mais evidente.

No salão da música, por exemplo, achamos muitos estudantes absorvidos pelos estudos, outros em pesquisas musicais, rebuscando antigos livros, outros arranjando músicas para concertos, consultando obras e discu-tindo-as com os compositores. Há muitos mestres, gente capaz de nos prestar toda a assistência e fornecer solução a nossos pro-blemas.

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401 Nominalmente o governante do reino é o reitor de todos os departamentos e as deci-sões maiores são tomadas por ele, mas no-meia gente competente e dá-lhe carta bran-ca em suas decisões.

Cada departamento tem seu chefe direto, mas não se deve imaginar que é oficial, ina-tingível e oculto dos olhos de todos, visto apenas em ocasiões relativamente raras. É exatamente o oposto. Está sempre por ali, dando as boas--vindas a qualquer um que apareça, como aprendiz ou como mero apre-ciador da música.

Já contei como continuamos o nosso traba-lho por um período em que desfrutamos pra-zer ou utilidade. No momento em que senti-mos necessidade de mudar de trabalho, vol-tamo-nos para qualquer outro. Os trabalha-dores dessas casas de estudo não são dife-rentes de outros nesse aspecto. De vez em quando necessitam mudança e divertimento e assim são revezados. Alguns se retiram e

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402 outros tomam seus lugares. Não preci-samos temer que ao procurar um determi-nado especialista não o encontremos. Tere-mos todo o auxílio que necessitarmos, e se for preciso consultar o que está ausente, um instantâneo pensamento responderá a nossa pergunta, ou com igual rapidez podemos visitar sua casa.

Muita gente que trabalha nesses departa-mentos estão aí há muitos anos. Tão devo-tados são a seu trabalho que, apesar de te-rem progredido e virtualmente pertencerem a esferas superiores, preferem permanecer onde estão. Podem afastar-se de tempo em tempo para sua própria esfera, mas voltam para retomar suas tarefas. Chegará o mo-mento em que abandonarão, de todo, seu cargo para residir permanentemente em sua própria esfera, e então, outros igualmente capazes tomarão seus lugares. E isto aplica-se a todos os setores. O trabalho funciona incessantemente: os trabalhadores descan-sam e trocam de lugar, mas o trabalho não

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403 cessa. O ritmo do trabalho pode variar, como aí na terra. Quando temos grandes celebrações e festivais, durante os quais so-mos honrados pela presença de visitantes de outras esferas superiores, acontece que grande numero de pessoas estarão presen-tes, e nesse tempo haverá uma apreciável diminuição das atividades.

Nas alas de descanso porém os médicos e enfermeiras estão sempre de plantão, apesar do que estiver acontecendo noutros pontos da esfera. Sua devoção ao dever é imedia-tamente premiada, porque durante as festi-vidades os ilustres visitantes dos reinos su-periores fazem visitas especiais aos sanató-rios de descanso, onde cumprimentam pes-soalmente cada um dos membros do pesso-al.

Toda essa administração pertence ao mundo espiritual, a ele só. Há outros serviços que abrangem os dois mundos juntos, o nosso e o vosso. Tal como por exemplo a chegada ou

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404 próxima chegada de uma alma a estas paragens. A regra é que todas as almas ao chegar aqui terão seu quinhão de atenção. Depende delas quanta terão. Algumas estão tão afundadas moralmente que afastam qualquer aproximação que possa ser afetiva. Não consideraremos estas por enquanto, mas somente as destinadas à luz.

Sem antecipar o que desejo dizer a respeito da inter--relação entre o mundo terreno e o espiritual, podemos, por nossos objetivos atuais, examinar o problema da transição, que afeta grande número de pessoas aqui.

Suponhamos que vós mesmos estejais no mundo espiritual, e que além de saberdes a verdade sobre a comunicação com a terra, não tendes experiência dos laços existentes entre os dois mundos. Tereis deixado, supo-nhamos, para trás um amigo por quem tí-nheis e ainda tendes uma profunda afeição, e gostaríeis de saber se ele virá residir per-manentemente no mundo espiritual.

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405 Uma vez ou outra recebestes seus pen-samentos de afeição erguendo-se da terra, pelo que ficou visto que ele não vos esque-ceu. Nunca tentastes vos comunicar com ele porque sabeis que ele não gostaria. É possí-vel saber exatamente quando ele se reunirá ao mundo espiritual? E como? A resposta a esta pergunta revela a existência de uma das grandes organizações destas terras.

Na cidade há um imenso edifício que exerce a função de escritório de pesquisas. Aqui, uma enorme quantidade de pessoas está pronta a responder a toda sorte de pergun-tas que surgirem tanto dos recém-chegados, como dos moradores antigos. Ocasionalmen-te necessitamos uma solução para algum problema.

Podemos consultar amigos sobre o assunto, mas descobrimos que eles estão tão mal-informados quanto nós. Poderíamos, é claro, apelar a algum personagem superior e rece-beríamos todo o auxílio necessitado. Mas

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406 eles têm seu trabalho a fazer e hesita-mos em perturbá-los. Assim, levamos nossos problemas a este grande edifício da cidade. Entre seus importantes deveres está o de guardar o registro dos recém-chegados, o que é um útil serviço e muita vantagem é conseguida por muita gente. Mais importante ainda é o de saber de antemão aqueles que virão paira cá.

A informação é sempre precisa e infalível. É coligida por meio de um complicado processo de transmissão de pensamento.

Em tempos normais na terra quando os pen-samentos mantêm um nível estável, já é i-nestimável, mas em tempo de guerra, quan-do as almas aqui chegam aos milhares, as vantagens desse serviço são incalculáveis. Amigo pode encontrar amigo e juntos podem se unir para ajudar outros.

O pressentimento dos acontecimentos terres-tres, tanto nacionais como particulares, per-

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407 tence a certa classe de seres espirituais, que por sua vez transmitem esse conheci-mento a outros, e estes a outros ainda, e assim por diante. Entre os primeiros a rece-ber o pré-conhecimento de uma guerra estão os lares para descanso. O escritório de pes-quisas também será informado.

Se estais ansiosos por saber quando o vosso amigo virá aqui morar, vosso primeiro passo será ir a esse escritório. Tudo o que há a fazer é dar o nome de vosso amigo, e pedi-rão que focalizeis vossa atenção sobre ele para estabelecer o necessário elo de pensa-mento. Quando isto foi feito, pedirão que espereis um curto espaço de tempo (pelo vosso tempo serão apenas alguns minutos). As forças necessárias serão postas em ação com espantosa rapidez, e sereis presenteado com a hora exata da chegada do vosso ami-go.

A organização que existe por detrás deste serviço deverá dar uma idéia da vastidão de

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408 todo o departamento de auxílio e pesqui-sa. Há muitos outros. Este mesmo edifício abriga pessoas que podem fornecer respos-tas a inúmeras perguntas que surgem na mente dos recém-chegados. E abriga e em-prega milhares de pessoas úteis e felizes. Muitos pedem para trabalhar ali, mas é ne-cessário ter primeiro algum treino, pois que, por mais apropriados que sejam nossos atri-butos, exige-se conhecimento perfeito em qualquer departamento em que desejemos trabalhar.

Passemos agora ao departamento da ciência. Há inúmeras pessoas que possuem inteligên-cia mecânica e que seguem como profissão um dos ramos da engenharia. As oportuni-dades nesse campo são vastíssimas e tal tra-balho é levado a efeito sob condições seme-lhantes a qualquer outro trabalho — sem restrição, livremente, e com as fontes ines-gotáveis e a perfeita administração do mun-do espiritual a apoiá-los. Esta modalidade de trabalho atrai milhares de pessoas, jovens e

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409 velhos. Todos os grandes cientistas e engenheiros continuam suas investigações e pesquisas apoiados por grande número de entusiásticos auxiliares de todas as classes.

A maioria de nós, aqui, se contenta com um tipo de trabalho. Por mais pequeno que seja esse trabalho, é-lhe

dado valor. E cada forma de trabalho tem sua organização separada, onde tudo desliza com suavidade.

Não se deve concluir daí que somos infalí-veis. Isso seria uma estimativa errada, mas sabemos que quaisquer que sejam os erros, podemos ter a certeza de que os superiores virão em nosso auxílio para corrigir o erro. Nunca somos surpreendidos por ineficiência, mas os erros são considerados como boas lições para nós. Mas nem por isso seremos descuidados, porque temos o nosso orgulho natural no trabalho, que nos instiga a fazer sempre o melhor possível — sem erros.

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410 Para conseguir dar uma idéia mais ou menos clara da organização administrativa do mundo espiritual, teríamos que fazer um trabalho gigantesco e muito além do meu poder descritivo, sem contar com a impossi-bilidade de se pôr em linguagem material o que só pode ser entendido por um habitante daqui.

Talvez um dos traços mais característicos da vida no mundo espiritual é que a organiza-ção da vida é tão perfeita que não há som-bra de pressa e confusão, apesar de poder-mos realizar ações de natureza material com a rapidez do pensamento. Isto é uma segun-da natureza para nós, e mal a notamos.

É uma quase bravata da terra declarar que alcançou a era da velocidade. Em compara-ção com a nossa rapidez de movimento, vós quase não vos moveis! Esperai até estar aqui e então sabereis o que é velocidade e o que é verdadeira eficiência e organização.

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411 Nada existe semelhante na terra.

XIV. INFLUENCIA DO ESPÍRITO

É hábito da maioria dos homens considerar o mundo terreno e o mundo espiritual como dois planos à parte, separados e distintos. Consideram os dois mundos como indepen-dentes um do outro, um desconhecendo o outro. Que o mundo espiritual possa ter al-guma influência sobre a terra, para vanta-gem desta, está demonstrado ser falso, pelo estado de completa desordem que existe pelo mundo inteiro.

Há outra corrente de pensamento integrada por aqueles que fizeram um estudo superfi-cial do que chamam Ocultismo. Essas pesso-as acreditam que, sendo a terra muito terre-na, e o mundo espiritual muito elevado, os dois mundos estão automaticamente impedi-dos de fazerem intercomunicação.

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412 Ambas as idéias são indubitavelmente erradas. Os dois mundos estão em constante e direta comunicação e estamos bem ao par do que está ocorrendo na terra em todos os tempos. Nem por um minuto digo que todos nós sabemos do que se está passando aí. Alguns dentre nós estão em comunicação com a terra porque ligados aos seus negó-cios particulares. Enquanto o restante, que não tem mais interesse na terra desde que a deixou, fica ignorante de muitas coisas a ela ligadas. Os sábios dos reinos superiores es-tão de posse de todo o conhecimento que transpira a respeito da terra.

Gostaria de indicar um ou dois canais através dos quais a influência do espírito é exercida sobre a terra.

Primeiro, tomemos essa influência de uma maneira pessoal.

A toda alma que nasceu ou está para nascer sobre a terra, foi concedido um guia espiri-

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413 tual. Em eras passadas algo dessa idéia deve ter passado pela mente dos antigos homens da igreja, visto que adotaram a idéia piedosa de darem a cada pessoa um anjo da guarda.

Os anjos já se introduziram na arte contem-porânea, onde artistas os desenham como personagens vestidos de roupas alvas e su-portando nos ombros um par de enormes asas. Essa concepção sugere uma grande separação entre o anjo da guarda e a alma que ele deve guardar. O primeiro não pode-ria, por assim dizer, aproximar-se demais do protegido,

por causa da sua extrema espiritualidade e da repulsiva grosseria do homem terreno.

Deixemos esta ficção do cérebro do artista e passemos a algo mais prático.

Os guias do espírito constituem uma das principais ordens em toda a organização e

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414 administração do mundo espiritual. Eles habitam um reino particular e lá vivem há séculos. São escolhidos entre todas as na-cionalidades; muitos entre os orientais e en-tre os índios norte-americanos também, visto que é comum esses povos serem dotados de poderes psíquicos.

O guia principal é escolhido, para cada indi-víduo na terra, de conformidade com um plano fixo. A maioria dos guias são seme-lhantes em temperamento a seus protegidos, mas o que é mais importante é que aqueles compreendem e desculpam as fraquezas de seus protegidos. Muitos, na verdade, tive-ram-nas quando encarnados, e por isso po-dem ajudá-los mais a lutar contra as mes-mas.

Grande número dos que praticam a comuni-cação com o mundo espiritual já encontra-ram seus guias espirituais. Grande parte dos guias espirituais fazem seu trabalho sem que os protegidos estejam a par, o que torna sua

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415 tarefa mais pesada e difícil. Mas ainda há outros cuja vida sobre a terra toma pratica-mente impossível a seus guias aproximarem-se. Entristece-os naturalmente vê-los fazer tolices e erros, e, devido ao espesso muro de impenetrável materialismo que constroem ao seu redor, esses guias são obrigados a ficar afastados. Tais almas, quando chegam ao mundo espiritual, despertam para a realiza-ção do que perderam durante suas vidas. Em tais casos o trabalho do guia não será intei-ramente vão, porque mesmo nas piores al-mas há uma ocasião, embora transitória, quando a consciência fala, e é usualmente o guia espiritual que implanta os melhores pensamentos dentro do cérebro.

Nem por um momento se deve pensar que a influência do guia viola a expressão da livre vontade. Se, sobre a terra, vedes alguém dar um passo em falso no meio do trânsito,

o fato de que estendestes a mão para impe-di-lo não significa que lhe impusestes vossa

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416 vontade. Um guia espiritual tentará dar conselhos quando estes podem chegar até seu protegido; tentará guiá-lo na direção certa, unicamente para seu próprio bem, e compete ao protegido aceitar ou rejeitá-la. Se rejeitá-la, só pode culpar a si mesmo dos desastres ou aborrecimentos que venham a sobrecarregá-lo. Ao mesmo tempo, o guia espiritual não existe para viver a vida do seu encarregado. Este mesmo precisa fazê-lo.

Tornou-se um hábito entre certa classe de pessoas da terra ridicularizaria instituição dos guias espirituais. Virá o tempo em que eles amargamente lamentarão sua loucura, esse dia será aquele em que encontrarão o seu guia, que sabe muito mais a respeito da vi-da. Nós, do mundo espiritual podemos igno-rar tais caçoadas, porque sabemos que che-gará o dia inevitavelmente em que eles virão para cá, e grande será o remorso — e em muitos casos as lamentações — daqueles que em suas supostas sabedor ias foram tão tolos.

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417 À parte os guias espirituais, há outra pro-lífica fonte de influências que deriva do mundo espiritual. Já disse, por exemplo, co-mo as mãos terrenas dos médicos podem ser guiadas, ao realizar uma operação, pelas mãos espirituais. Em muitos outros planos da vida a inspiração é levada dessa maneira. O homem encarnado pouco pode fazer de per si, e ele é o primeiro a compreendê-lo quan-do vem morar aqui. O homem pode realizar certas ações mecânicas com precisão, pode pintar um quadro, pode tocar um instrumen-to, pode manejar máquinas, mas todas as maiores descobertas são obras do mundo espiritual. Se o homem, usando a livre von-tade, pretende pôr suas invenções a serviço de maus fins, então pode receber o crédito das calamidades que se seguirão. A inspira-ção devotada a boas causas vem do mundo do espírito, e de nenhum outro lugar. Se for para o bem da Humanidade a fonte é igual-mente boa, se a inspiração não vem para bem dela, então sua fonte é indubitavelmen-

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418 te ruim. O homem tem em suas mãos a escolha da fonte em que beberá — boa ou má.

Estareis lembrados de como contei que uma pessoa é exatamente a mesma do ponto de vista espiritual imediatamente depois da morte. Nenhuma mudança instantânea se dará para transformar uma existência terre-na de má em boa.

Uma igreja ortodoxa é de opinião que aque-les que voltam ao plano terrestre e fazem sua presença notada, são demônios! É pena que a igreja seja tão cega, pois pode se dizer que estão tentando — sem resultado — aba-far as forças do bem, enquanto ignoram as forças do mal. Se encorajassem as boas for-ças a virem a eles, breve as forças do mal se poriam em fuga. As igrejas, sejam elas quais forem, sofrem de infinita ignorância. Através das eras, até o presente, continuaram seu cego caminho, ignorantes, disseminando fan-tásticos ensinamentos em lugar da verdade,

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419 e abrindo caminho, por meio da ignorân-cia, para as forças do mal operarem.

Um ministro da igreja realiza serviços e mis-sas prescritas pela sua crença e abafa toda inspiração, agarrando-se a dogmas e credos inteiramente falsos. Se fosse interrogado a respeito do assunto responderia que crê na inspiração. No final das contas ele acharia menos trabalhoso pedir emprestado as idéias religiosas de qualquer outra pessoa encarna-da e confiar em sua própria esperteza para qualquer idéia original. Mas sugerir que o mundo espiritual não tenha qualquer influên-cia, a não ser perniciosa, sobre o mundo ter-reno, seria totalmente contra seus princípios.

É um estranho hábito que têm os terrenos de crer que são sempre as forças do mal que tentam influenciar o mundo. Às forças do mal são atribuídos poderes negados às do bem. Por quê? E por que têm as igrejas me-do mortal de mexer com os espíritos como advertem em qualquer livro que recomen-

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420 dam? Eles ignoram, e apontam um dedo de censura para a suposta mulher de Endor.

O mundo espiritual trabalha constantemente para fazer sua presença, força e poder senti-dos no mundo inteiro, não só a respeito de questões pessoais, mas para o bem de na-ções e da política internacional. Mas tão pou-co se pode fazer, porque em geral a porta está fechada aos mais altos seres do mundo espiritual, cujo alcance de visão e cuja sabe-doria, compreensão e conhecimento, são vastos. Pensei nos males que podiam ser varridos da face da terra sob a orientação imensamente apta de sábios professores do mundo espiritual. É possível dizer que não há problema sobre a terra que não possa ser solvido pela ajuda, conselho, e experiência dos seres que acabei de mencionar. Mas isso envolveria uma coisa — uma implícita adesão a tudo que aconselhassem ou advogassem. Muitos líderes, seja nos negócios do governo de nações, seja em idéias religiosas, que já estão no mundo espiritual, enchem-se de

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421 pena quando olham para trás, para as oportunidades desperdiçadas de fazer mu-danças radicais para a melhoria de seus compatriotas. Confessarão que tinham em mente a idéia — não sabendo ainda que ela havia sido semeada pelo guia espiritual — mas que tinham permitido ser demovidas de suas boas intenções. Essas almas lamentam o estado a que se degradou a Humanidade. Esta, na verdade, permitiu às forças do mal que ditassem ordens. Mas tais forças, tão queridas pelas igrejas, têm aparecido de di-reções diferentes daquelas que as igrejas alegam como suas origens. Os homens que praticam a comunhão conosco, a sério, e que gozam de felizes encontros com os mestres e amigos das esferas superiores são acusados de lidar com o demônio. Isso é tolice. Os verdadeiros diabos estão muitos ocupados em outros lugares, em lugares onde podem produzir melhores resultados.

Direis que minha opinião é pessimista, que realmente, no final das contas, o mundo não

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422 é tão mau como o descrevo. É verdade, mas só porque conseguimos enviar à terra uma ou duas de nossas idéias e preceitos. Mas pode-se dizer que a despeito da desor-dem universal, se retirássemos toda a nossa influência, a terra ficaria em pouco tempo reduzida a um completo estado de caos e barbarismo. A razão é que o homem julga que pode caminhar muito bem sem nós. Tem o convencimento de imaginar que não requer ajuda de qualquer fonte. Quanto à-quela do mundo espiritual, nem é bom pen-sar. Se há um tal lugar como o mundo espiri-tual, é bom começar a pensar nele quando alguém chegar aqui. Por enquanto, os ho-mens são tão superiores que sabem tudo, e podem cuidar de seus negócios perfeitamen-te, sem a ajuda das sombras do mundo espi-ritual. E quando chegam a um lugar que an-tes desprezaram, vêem sua própria peque-nez e a do mundo que deixaram. Mas por pequeno que seja o mundo, o homem ainda necessita ajuda para conduzir seus proble-

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423 mas — e essa é outra descoberta que faz ao chegar aqui.

O mundo terreno é lindo e a vida nele podia ser bela, mas o homem se interpõe e impede que isso se dê. O mundo espiritual é infini-tamente mais belo. Já tentei dar-vos uma idéia dele. Mas vosso mundo nos parece es-curo e tentamos dar-vos um pouco de luz. Tentamos fazer nossa presença conhecida, nossa influência sentida. Nossa influência é grande, mas ainda tem que ser aumentada. Quando isso acontecer, vereis como pode ser a vida na terra. Mas até lá, ainda falta muito e muito.

XV. Os Reinos Superiores

Já vos falei em várias ocasiões, das esferas superiores. Há duas maneiras e somente duas, de penetrar nessas alturas. A primeira, é por meio de nosso desenvolvimento e pro-gresso espiritual. A segunda, é por convite especial de algum morador dessas regiões.

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424 Qualquer outra maneira é-nos vedada por invisíveis barreiras de impenetrabilidade espiritual.

Gostaria de vos falar sobre um convite espe-cial que recebemos para visitar esses reinos elevados.

Estávamos sentados numa das salas térreas de minha casa, de onde podíamos ver com perfeição todas as belezas ao redor. Através de uma brilhante e colorida paisagem, podia-se ver a cidade à distância, tão claramente como se estivéssemos perto. Edwin e eu conversávamos enquanto Rute, sentada ao piano, tocava algo agradável, que parecia harmonizar-se, não só com nosso ambiente, mas também com nossa disposição.

Rute ainda não se recuperara de sua inicial surpresa ao ver um piano em sua casa. Ela era uma virtuose na vida terrena, e nos des-creveu o momento emocionante em que se sentou ao seu instrumento espiritual, como o

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425 chamou, e tirou o primeiro acorde. Disse que ficou espantada porque o tom do seu piano era algo que nunca pudera imaginar, tão perfeito em qualidade e de sonoridade ilimitável. Sua surpresa não terminou aqui, porém. Descobriu que sua destreza tinha aumentado cem vezes ao abandonar o corpo físico, mas que conservara a sua técnica ter-restre. Descobriu ainda que as mãos desliza-vam ao longo do teclado, sem o menor es-forço, e que sua memória era como se tives-se a música aberta perante os olhos.

Neste momento ela enchia o ar com doces sons, auxiliando-nos a descansar, pois haví-amos concluído uma pesada tarefa durante o curso de nossa obra. Nós três trabalhávamos juntos e ainda o fazemos — e geralmente descansamos e nos divertimos juntos. Na verdade, Rute e Edwin passam mais tempo em minha casa do que na deles.

De repente, Rute parou de tocar e correu para a porta. Espantados, seguimo-la e fica-

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426 mos surpresos ao ver duas maravilhosas personagens atravessando o gramado. Uma era o egípcio que me dera tão bons conse-lhos ao chegar aqui, e se interessara tanto pelo meu bem-estar. O outro era seu Mestre, que tinha acompanhado o grande visitante celestial, naquela ocasião, no templo.

O Mestre do egípcio era um homem de cabe-los negros como o azeviche, combinando com um par de olhos que traía grande senso de humor e alegria. Ficamos logo sabendo que era caldeu.

Adiantamo-nos para recebê-los e eles de-monstraram todo o prazer nessa visita.

Conversamos sobre vários assuntos e Rute foi persuadida a terminar a peça que tocava quando tinham chegado. No final, depois de a elogiarem, o caldeu abordou o assunto que o trouxera.

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427 Vinha trazer o convite da Grande Alma — em honra de quem nós nos tínhamos con-gregado naquele dia — para uma visita em seu lar das esferas superiores.

Nós três guardamos silêncio por um momen-to. Rute e eu não sabíamos o que dizer para exprimir a gratidão de receber tão grande privilégio. Edwin veio em nosso auxílio e agiu como nosso intérprete. O caldeu estava di-vertido com o nosso embaraço e apressou-se a assegurar-nos que nada tínhamos a temer. O que mais nos preocupava, creio, ou me-lhor, nos intrigava, era a razão do convite, e como iríamos chegar até lá. De fato, nem sabíamos onde era o lar. Quanto à nossa primeira pergunta, o caldeu disse que se en-carregava de nos fazer chegar ao nosso des-tino. Tentamos expressar nossos sentimen-tos em palavras, sem o conseguirmos, pelo menos quanto a mim. Creio que Rute e Ed-win tiveram mais sucesso. Creio sinceramen-te que o caldeu é a criatura mais alegre des-tas paragens. Menciono isto porque parece

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428 haver uma idéia em algumas mentes de que quanto mais alta a personagem do espí-rito tanto mais séria deve ser. Tal idéia é inteiramente falsa, acontece justamente o contrário. Alegria sã vem do coração e não ofende ninguém, não é usada em detrimento de ninguém, e tal alegria é encorajada e a-ceita no mundo espiritual. Não há nenhuma inscrição gravada nos portais destes reinos como: "Abandonai toda a alegria para aqui entrar!"

Edwin indagou de quando deveríamos em-preender a jornada e o caldeu replicou que ele e seu amigo egípcio haviam vindo para nos levar agora. Eu estava calmo — todos estávamos — na ignorância do processo de se fazer tal viagem, mas o caldeu logo as-sumiu o comando, ordenando-nos para irmos embora. E fomos em direção aos limites dos nossos reinos.

Ao caminharmos através de bosques e pra-dos, perguntei ao egípcio se ele me podia

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429 dizer algo sobre o grande ser que íamos visitar. O que me contou foi muito pouco, apesar de eu ter certeza de que sabia muito mais do que revelou. Provavelmente eu não entenderia o que me poderia adiantar, e ele reteve mais informações.

O ilustre personagem na direção de cuja ca-sa nos encaminhávamos, era conhecido de vista por todas as almas. Seu desejo era uma ordem, sua palavra, lei. O azul, o branco e o dourado de sua vestimenta revelavam o es-tupendo grau de seus conhecimentos, sabe-doria e espiritualidade. Milhares o chamavam de Bem Amado Mestre, sendo um destes o caldeu, que era seu braço direito. Quanto à sua função especial, ele era o governante de todos os reinos do mundo espiritual e exercia coletivamente essa função, assim como a função particular de governos individuais. Todos os outros governantes, portanto, eram subordinados a ele, e ele, por assim dizer, unia os reinos e soldava-os em um só, fa-

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430 zendo deles um vasto universo, criado e mantido pelo Grande Pai de todas as coisas.

Tentar definir a imensa magnitude de seus poderes seria tentar o impossível. Mesmo que o fizesse, falharia a compreensão. Tais poderes não têm equivalente ou comparação com qualquer dos poderes administrativos sobre a terra. Mentes terrenas podem ape-nas evocar esses indivíduos que governam grandes reinos sobre a terra, que anexam vastos territórios, por assim dizer, por meio do medo e que dominam seus inferiores, como servos ou escravos. Nenhum rei mortal jamais presidiu sobre tão vasto estado, como este personagem de quem falo. E seu reino é governado pela lei universal da verdadeira afeição. O medo não existe, nem poderia existir na menor fração, porque não há a mais leve causa para ele, nem jamais have-rá. ele é o grande Elo invisível entre o Pai, o Criador do Universo e seus Filhos.

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431 Mas, não obstante a suprema elevação da sua posição espiritual, ele baixa do seu lar celestial para nos visitar, como já disse. E é permissível a outros, de grau muito inferior, ir visitá-lo em sua casa.

Nada há de não-substancial, vago, irreal a-cerca dele. Já o vimos em grandes dias festi-vos. Ele não é apenas uma experiência espi-ritual, um grande soerguimento da alma pro-duzido dentro de nós por algo invisível. ele é uma pessoa real, tão concreta quanto a rea-lidade que nós somos — e somos mais reais que vós na terra, embora não o sabeis. Há noções erradas de que os seres superiores são tão etéreos que chegam a ser invisíveis, exceto aos outros da mesma espécie; e que são completamente intangíveis; que nenhum mortal inferior o pode ver e sobreviver. Diz-se comumente que esses seres estão tão acima de nós que se passarão eternidades antes que os possamos ver. Mas isso é abso-lutamente errado. Muita alma destes reinos já foi abordada por esses grandes seres, sem

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432 res, sem estar absolutamente a par do fato. Nós todos temos certos poderes que são aumentados ao passarmos para esferas mais elevadas, nos passos progressivos do nosso desenvolvimento espiritual. E um des-ses poderes é ajustarmo-nos ao nosso ambi-ente. Nada há de mágico a respeito disso. É altamente técnico — muito mais do que os científicos mistérios do mundo terrestre. No mundo espiritual chamamos isso de equali-zação de nossa porcentagem vibracional, mas receio que com esta explicação ficastes na mesma! E não compete a mim tentar ex-plicar!

O egípcio forneceu-me esses detalhes e a-crescentei-lhes algumas explicações de meu próprio saber, que na verdade é bem peque-no.

A esta altura estávamos perto da casa de Edwin e passando à atmosfera rarefeita. Lo-go ela nos causaria desconforto se prosse-guíssemos. Instintivamente paramos e sen-

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433 timos que o momento crucial de nossa jornada havia chegado. Era exatamente co-mo o caldeu dissera: nada tínhamos a temer. E prosseguimos normalmente.

Primeiro, ele aproximou-se por trás de nós e pousou suas mãos por um breve momento sobre nossas cabeças. Isto, disse ele, era para nos dar poder extra para movermo-nos através do espaço. Sentimos uma sensação estranha imediatamente sob suas mãos, que era ao mesmo tempo agradável e exaltado-ra, e sentimo-nos tornar mais leves, se bem que isso parece impossível. Podíamos tam-bém sentir um suave calor que corria pelo nosso organismo. Isso era meramente o efei-to do poder, e nada em si. O caldeu colocou Rute entre mim e Edwin e pôs-se bem atrás dela. Colocou a mão direita sobre o ombro de Edwin e a outra sobre o meu, e, como usava um manto — que vimos ser ricamente bordado — ele formava um perfeito abrigo para os três.

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434 Esta visita deveria ser maravilhosa para nós, como disse ele, e portanto deveríamos mostrar a alegria de que estávamos embebi-dos, e nenhuma seriedade era necessária.

O caldeu disse-nos que ao colocar suas mãos sobre nós, além de nos dar força para viajar, ajustava nossa visão à intensidade extra de luz que iríamos encontrar. Sem essa precau-ção nos veríamos em apuros. Neste ajusta-mento nossa visão não era embaçada de dentro, mas uma espécie de película era su-perposta de fora, da mesma maneira que na terra vocês usam vidros protetores contra a luz e o calor do sol.

Em seguida ele pegou nossas mãos nas dele e recebemos mais força na corrente assim transmitida. Pediu-nos para nos tornarmos completamente passivos e lembrar que está-vamos a caminho do gozo e não para um teste de sofrimento. "Agora, meus amigos, nossa chegada é aguardada. Partamos!"

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435 Imediatamente nos sentimos flutuar, mas essa sensação cessou abruptamente, pelo que nos pareceu uma fração de segundo, e em seguida não houve mais sensação de movimento. Uma luz brilhou perante nossos olhos. Ao desaparecer, sentimos o chão sóli-do sob os pés e tivemos a nossa primeira visão do reino supremo.

Entráramos num domínio de inimitável bele-za. Nenhuma imaginação pode visualizar tal deslumbramento.

Estendendo-se perante nós havia um largo rio, aparentemente calmo, pacífico e singu-larmente belo ao ser tocado pelo sol, toman-do cada minúscula ondulação uma miríade de tons. Ocupando o centro do quadro, na margem esquerda, havia um espaçoso terra-ço que parecia ser de alabastro, à beira da água. Uma larga escadaria conduzia ao mais deslumbrante edifício que a mente pode i-maginar.

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436 Era de vários andares, postos em de-graus, de maneira que cada um ocupava uma área menor, até atingir o cume. Seu interior era simples e sem adornos. O edifício inteiro era composto de safira, diamantes e topázios. Essas três pedras constituem o cor-respondente às três cores que víramos nas vestimentas do visitante celestial.

Nossa primeira pergunta referia-se à razão ou significado do material específico do pré-dio. Não havia significado algum, segundo nos disse o caldeu. As pedras preciosas eram próprias do reino que visitávamos. Em nos-sos reinos os edifícios são opacos, mas meio translúcidos na superfície. Mas são compac-tos e pesados, em comparação com os da-qui. Viajamos através de muitas outras esfe-ras, até chegarmos nestas, mas tivéssemos nos detido para observar as regiões por que passamos, e teríamos visto a gradual trans-formação que se efetua até que os nossos materiais relativamente pesados transmu-

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437 dam-se em substância cristalina, sobre a qual nossos olhos estavam pregados.

As cores porém tinham certamente um signi-ficado especial.

Podíamos ver, cercando o palácio, muitos acres dos mais deslumbrantes jardins, dos quais mal podíamos desviar a vista. Mas o caldeu docemente chamou a nossa atenção para o restante.

Nossa vista se espraiava por milhas de mi-lhas, e espalhadas por elas, magníficas man-sões construídas de esmeraldas, ametistas etc, e ao longe, algo como pérola. Cada uma colocada no meio de jardins graciosos onde cresciam árvores de inimitável beleza e de formas grandiosas.

Para onde quer que lançássemos os olhos, lá veríamos o brilho dos edifícios e jóias, as miríades de flores, a cintilação da água do rio.

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438 Enquanto olhávamos tudo, embasbaca-dos, houve um repentino clarão de luz que pareceu vir direto do palácio para o caldeu, e este respondeu com outro raio de luz. Nossa presença no reino já era conhecida, e depois de apreciarmos a beleza do panorama, fo-mos convidados a caminhar até ao Palácio, onde o nosso anfitrião nos aguardava. Tal era o significado dos raios emitidos.

Pela mesma maneira que viéramos, nós nos achamos rapidamente no terraço acima do rio. O pavimento deste era branco puro, e nos surpreendeu a maciez do solo, que pare-cia veludo sob nossos pés. Nossos passos não faziam ruído, mas nossas vestimentas farfalhavam ao caminharmos; caso contrário, o nosso caminhar teria sido silencioso. Mas havia muitos outros sons. Não dávamos en-trada no mundo silencioso. O ar inteiro esta-va cheio de harmonias desprendidas dos vo-lumes de cor que abundavam por toda parte.

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439 A temperatura nos parecia bem mais ele-vada que a do nosso reino.

Ao adiantarmo-nos para a entrada, eu, de bom grado, teria me demorado a admirar os materiais de que era feito, mas o tempo ur-gia.

Nossa estada não podia ser prolongada além de nossa capacidade de resistência à atmos-fera rarefeita, e à intensidade da luz, não obstante a força e proteção espiritual do cal-deu.

Tão belamente proporcionados eram os apo-sentos e galerias, que não sentíamos aquela sensação de sufocante altitude, como seria de esperar num edifício de tais proporções.

Nas paredes havia quadros com cenas pasto-rais, feitas de todas as pedras preciosas co-nhecidas. Essas pinturas davam uma impres-são de luz líquida, se é que se pode usar es-sa expressão. De cores encantadoras e de

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440 muito mais variadas tonalidades do que há na terra. Pareceu inconcebível que pedras preciosas pudessem fornecer tal variedade de cores.

Ao caminhar sentíamo-nos, desde a entrada, rodeados de uma atmosfera de calor e ami-zade, o que era aumentado pelas boas-vindas calorosas dadas por seres encantado-res.

Finalmente paramos perante um pequeno salão e o caldeu nos contou que havíamos chegado ao fim de nossa jornada. Não me sentia exatamente nervoso, mas imaginei que formalidades seriam exigidas, e fiquei hesitante. O caldeu porém nos assegurou que devíamos meramente observar as regras ditadas pelo bom gosto.

Entramos. Nosso anfitrião estava sentado a uma janela. Assim que nos viu, levantou-se e veio nos cumprimentar. Primeiro agradeceu ao egípcio e ao caldeu por nos terem trazido.

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441 Depois tomou cada um pela mão, para nos dar as boas-vindas. Havia vários assen-tos vagos perto do que ele ocupara e sugeriu que nos sentássemos para gozar de sua vista predileta.

Ao aproximarmo-nos da janela, avistamos um canteiro das mais magníficas rosas bran-cas, tão puras quanto um campo de neve, e que exalavam um aroma maravilhoso. Rosas brancas, nos disse, eram suas flores favori-tas.

Sentamo-nos e tive a oportunidade de ob-servá-lo de perto enquanto falava; visto as-sim notei diferenças do que ele me parecera à distância. Diferenças que eram quase uma questão de intensidade de luz. Seu cabelo, por exemplo, parecia ser dourado quando nos visitara, mas aqui parecia de clara luz dourada. Parecia jovem, de juventude eter-na, mas podia-se sentir a incontável eterni-dade de tempo que jazia por trás dela.

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442 Quando falava, sua voz era pura música, seu riso como água cascateante, e nunca imaginei possível poder emitir tanta bonda-de, afeição e consideração, e nunca julguei que um indivíduo pudesse possuir tal imensi-dão de sabedoria como ele. Sentia-se que, abaixo do Pai do Céu, ele é que tinha a cha-ve de todo o conhecimento. Mas, por estra-nho que pareça, apesar de termos sido transportados a distâncias incomensuráveis à presença deste ser transcendente e maravi-lhoso, nos sentíamos contudo perfeitamente à vontade em sua presença. Ria conosco, brincava, falava de suas rosas, dirigindo-se a cada um de nós individualmente, exibindo exato conhecimento de todos os nossos as-suntos, coletiva ou pessoalmente. Finalmen-te abordou a razão de seu convite para o visitarmos.

Com meus amigos eu visitara os reinos som-brios e contara o que vira lá. ele achava que seria um agradável contraste se visitássemos os planos superiores e suas belezas. Se mos-

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443 trássemos que os habitantes de tais luga-res não são sombras irreais, mas pelo con-trário, como nós, capazes de sentir e mostrar as emoções de suas naturezas esplêndidas, capazes de compreensão humana, susceptí-veis de riso fácil e alegria pura, como nós mesmos.

Convidara-nos para essa visita para nos dizer que estes reinos estão ao alcance de toda alma nascida sobre a terra, e cujo direito ninguém nos pode roubar; e que apesar de levar-se anos infindos para alcançar esse fim, havia meios ilimitados para nos auxiliar. Esse, disse ele, é o grande e simples fato da vida espiritual. Não há mistérios; é tudo sim-ples, direito e desimpedido de crenças com-plicadas, religiosas ou não. Não é preciso ser adepto de qualquer religião, que em si não tem autoridade nenhuma para assegurar às almas o poder de garantir a salvação. Ne-nhum grupo religioso, que alguma vez tenha existido, pode fazê-lo.

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444 E assim, este reino de beleza incompará-vel está livre e acessível a todos que traba-lham na mais ínfima condição. Poderá levar eternidades para se realizar, mas esse será o grandioso epílogo da vida de milhões.

Nosso bom amigo, o caldeu, mencionou en-tão que nossa estada chegava a seu limite.

Quando nos erguemos, não pude resistir à tentação de olhar as rosas pela janela, uma vez mais.

Nosso anfitrião disse que nos acompanharia até à colina de onde tivéramos nossa primei-ra visão de seu reino. Seguimos um caminho diferente dessa vez, e qual não foi o nosso prazer quando ele nos conduziu diretamente ao canteiro das rosas brancas. Curvou-se e colheu três das mais perfeitas flores que ja-mais vira, e presenteou-nos a cada um com uma rosa. Nossa alegria era maior ainda por saber que com a afeição que sentíamos por elas, nunca murchariam e morreriam. Minha

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445 preocupação era apenas que, em cami-nho para casa, fossem amassadas pela desu-sada densidade de nossa atmosfera mais pesada.

Mas ele assegurou-nos que isso não aconte-ceria, porque seriam amparadas pelo seu pensamento.

Finalmente alcançamos o ponto de partida. Palavras não exprimiriam o nosso sentimen-to, mas os nossos pensamentos passaram a ele, que nos havia dado essa suprema felici-dade, esta antecipação do nosso destino — o destino de todos os entes da terra.

Com uma bênção para todos, desejou-nos, sorrindo, uma boa viagem, e nós partimos.

Tentei descrever algo do que vi, mas as pa-lavras são poucas porque não posso traduzir o espiritual em termos terrenos.

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446 Para dar-vos uma descrição exata eu le-varia uma existência enchendo volumes, e portanto escolhi o que achei que seria de mais interesse e benéfico. Meu sincero dese-jo é que tenha despertado vosso interesse, vos tenha afastado por uns momentos da vida terrena, e dado uma idéia do mundo que jaz além daquele em que agora viveis.

Se voz trouxe uma partícula de conforto, e boa esperança, então minha recompensa é grande e eu diria: Benedicat te omnipotens Deus.

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Leia este livro

HISTÓRIA DO ESPIRITISMO

CONAN DOYLE

A pena de um escritor de renome mundial foi fiel aos impulsos de um grande cérebro, que não podia ficar indiferente diante de uma doutrina que, de longa data, agitava os mei-os religiosos, literários e científicos da Euro-pa e da América.

Por certo, quando Allan Kardec codificou o Espiritismo, lançando a público O Evangelho Segundo o Espiritismo, o Livro dos Médiuns e vários outros, muitas mentes sequiosas de saber teriam indagado qual a origem da dou-trina que, naquela época, tomava corpo e conquistava terreno até nos mais humildes lares; que atraía a atenção dos meios aristo-cráticos e que surpreendia sábios como Willi-

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448 am Crookes, com suas notáveis experi-ências com Katie King.

Sem querer remontar às tenebrosas eras primevas da Humanidade, já encontramos no Egito o Livro dos Mortos e os misteriosos hieróglifos, cuja chave Champollion legou à Humanidade, que revelam a firme crença do povo egípcio numa vida post-mortem, dedi-cando, aos que se foram, um culto especial.

Vários volumes seriam, portanto, necessários para um empreendimento de tal vulto, isto é, a História do Espiritismo, desde as suas pri-meiras manifestações no mundo. Entretanto, esse trabalho gigantesco não veria colunado o seu objetivo, por falta de fontes históricas que o alicerçassem, e teríamos de ingressar no domínio das lendas ou de insustentáveis tradições.

Foi por isso que Conan Doyle, como Presi-dente da Federação Espírita Internacional, além de outros honrosos títulos que exorna-

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449 ram a sua personalidade, empreendeu o estudo da História do Espiritismo, a partir do célebre vidente Emanuel Swedenborg, e trouxe-nos, a mancheias, os relatos dos mais emocionantes episódios provocados pelo Es-piritismo na Europa e na América, satisfa-zendo a nossa curiosidade com fatos verda-deiramente inéditos.

Como primeiro livro que se publica em língua portuguesa, a História do Espiritismo, de Co-nan Doyle, vem preencher uma lacuna de há muito existente nas bibliotecas dos aficiona-dos do assunto, que têm agora, à sua dispo-sição, uma obra que prima pela seriedade e pelo valor de seu autor.

EDITORA O PENSAMENTO

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A VIDA NOS MUNDOS INVISÍVEIS

Anthony Borgia

A idéia da sobrevivência .da alma é tão velha como, a própria Humanidade. Entre os povos mais antigos, já encontramos tal crença, de tal modo arraigada na consciência humana, que pomposos rituais eram feitos, por ocasi-ão da morte, a fim de garantirem à alma li-berta uma vida feliz nos planos invisíveis.

Assim é que os egípcios tinham para a mo-rada da alma o Amenti, os gregos tinham o Hades, os hebreus, o Sheol, os tibetanos, o Devacã etc. De todos os rituais conhecidos, o mais célebre é o chamado LIVRO DOS MORTOS, escrito pelos sacerdotes egípcios e que era colocado ao lado da múmia do defunto, para lhe servir de passaporte nas numerosas regi-ões celestes. Champollion chamava esse livro de Rituais Funerários; todavia o nome de

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451 LIVRO DOS MORTOS foi adotado posterior-mente por todos os arqueólogos.

O fato é que, instintivamente, o homem re-pele a idéia de uma completa aniquilação após a morte, muito embora a corrente ma-terialista sustente o contrário.

No dizer de George Tyrrell, o que distingue a Religião da Ética é a crença em um outro mundo e o empenho em manter intercurso com ele.

Ora, as conhecidas comunicações mediúnicas e o estudo dos fenômenos parapsicológicos não deixam dúvida, quanto à intervenção de forças inteligentes, que 'estabelecem relação entre o mundo visível e o invisível. Seria su-pérfluo! falarmos de Kardec, considerado o codificador da Doutrina Espírita, mas é opor-tuno lembrarmos que cientistas de renome mundial, tais como Lombroso, Oliver Hodge. Flammarion, William Crookes e vários outros, dedicaram longo tempo ao estudo de tão

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452 fascinantes fenômenos, principalmente aqueles demonstravam ser um fato a conti-nuidade da existência indefinida após a mor-te.

O conteúdo da presente obra a todos inte-ressa, pois que a teremos que passar para o Além e nada perderemos se, de soubermos o que somos, para onde iremos e qual a corre-ta que devemos assumir, para gozarmos uma vida melhor.