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Bacia do Rio Negro uma visão socioambiental “Bacia do Rio Negro: uma visão socioambiental” é uma iniciativa da Rede Rio Negro. Nesta publicação, textos e fotografias complementam informações do mapa e apresentam um ponto de vista a respeito da maior bacia de águas pretas do mundo. A bacia do Rio Negro é uma das regiões mais preservadas da Amazônia, de ocupação tradicional, sendo compartilhada por quatro países: Brasil, Colômbia, Guiana e Venezuela. 2015 (2ª edição) 45 povos indígenas 120 paisagens dois dos maiores arquipélagos fluviais do mundo: Mariuá e Anavilhanas 550 espécies de peixes identificadas – 40 delas endêmicas os maiores picos do Brasil: Pico da Neblina (2.994 m); 31 de Março (2.973 m) e Monte Roraima (2.810 m) Mosaico do Baixo Rio Negro com 11 Unidades de Conservação e 7.329.220 ha dois patrimônios da cultura brasileira: Cachoeira de Iauaretê e o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro menos de 1% de desmatamento acumulado de 2000 a 2013. FONTES: Base cartográfica unificada dos: Limite internacional, Limite estadual, Áreas Naturais Protegidas, Cidades e Núcleos, Estradas e Limite Panamazônico: RAISG (2014) Red Amazónica de Información Socioambiental Georreferenciada (raisg:http://gisweb.raisg.socioambiental.org/arcgis/services); Limite da Bacia Hidrográfica do Rio Negro: ANA (2008) Agência Nacional de Águas; Comunidades Indígenas: a) Brasil: Comunidades do Alto e Médio Negro: ISA/FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) (2014) e TI Yanomami ISA/Hutukara (2014), Comunidades do Baixo Negro: ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/MMA), Ipê (Instituto de Pesquisas Ecológicas), FVA (Fundação Vitória Amazônica) (2015), Comunidades do Lavrado: ISA/CIR (Conselho Indígena de Roraima)/ FUNAI (Fundação Nacional do Índio) (2015); b) Colômbia: Fundación Gaia Amazonas (2013) e Etnollano (2015) e c) Venezuela: Wataniba/Horonami (2014). Relevo em tons de cinza: (ttp://server.arcgisonline.com/ArcGIS/rest/services/World_Shaded_Relief/Maps.) Desmatamento: Brasil (2000 a 2013- ISA/IMAZON), Colômbia (2000 a 2013 - FGA), Venezuela (2000 a 2010- Provita/IVIC) e Guiana (2005-2013) no âmbito da RAISG (2014). Paisagens, baseadas e simplificadas a partir de http://54.221.218.189/arcgis/rest/services/Terrestrial_Ecosystems_Reference_Tiled/MapServer. Mapa elaborado pelo Laboratório de Geoprocessamento do ISA em dezembro de 2014 e atualizado em agosto de 2015.

Bacia do Rio Negro - uma visão socioambiental 2015 (2ª edição)

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“Bacia do Rio Negro: uma visão socioambiental” é uma iniciativa da Rede Rio Negro. Nesta publicação, textos e fotografias complementam informações do mapa e apresentam um ponto de vista a respeito da maior bacia de águas pretas do mundo. A bacia do Rio Negro é uma das regiões mais preservadas da Amazônia, de ocupação tradicional, sendo compartilhada por quatro países: Brasil, Colômbia, Guiana e Venezuela.

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  • Bacia do Rio Negro uma viso socioambiental

    Bacia do Rio Negro: uma viso socioambiental uma iniciativa da Rede Rio Negro. Nesta publicao, textos e fotogra as complementam informaes do mapa e apresentam um ponto de vista a respeito da maior bacia de guas pretas do mundo. A bacia do Rio Negro uma das regies mais preservadas da Amaznia, de ocupao tradicional, sendo compartilhada por quatro pases: Brasil, Colmbia, Guiana e Venezuela.

    2015 (2 edio)

    45 povos indgenas 120 paisagens dois dos maiores arquiplagos uviais do mundo: Mariu e Anavilhanas 550 espcies de peixes identi cadas 40 delas endmicas os maiores picos do Brasil: Pico da Neblina (2.994 m); 31 de Maro (2.973 m) e Monte Roraima (2.810 m) Mosaico do Baixo Rio Negro com 11 Unidades de

    Conservao e 7.329.220 ha dois patrimnios da cultura brasileira: Cachoeira de Iauaret e o Sistema Agrcola Tradicional do Rio Negro menos de 1% de desmatamento acumulado de 2000 a 2013.

    FONTES: Base cartogrfica unificada dos: Limite internacional, Limite estadual, reas Naturais Protegidas, Cidades e Ncleos, Estradas e Limite Panamaznico: RAISG (2014) Red Amaznica de Informacin Socioambiental Georreferenciada (raisg:http://gisweb.raisg.socioambiental.org/arcgis/services); Limite da Bacia Hidrogrfica do Rio Negro: ANA (2008) Agncia Nacional de guas; Comunidades Indgenas: a) Brasil: Comunidades do Alto e Mdio Negro: ISA/FOIRN (Federao das Organizaes Indgenas do Rio Negro) (2014) e TI Yanomami ISA/Hutukara (2014), Comunidades do Baixo Negro: ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade/MMA), Ip (Instituto de Pesquisas Ecolgicas), FVA (Fundao Vitria Amaznica) (2015), Comunidades do Lavrado: ISA/CIR (Conselho Indgena de Roraima)/ FUNAI (Fundao Nacional do ndio) (2015); b) Colmbia: Fundacin Gaia Amazonas (2013) e Etnollano (2015) e c) Venezuela: Wataniba/Horonami (2014). Relevo em tons de cinza: (ttp://server.arcgisonline.com/ArcGIS/rest/services/World_Shaded_Relief/Maps.) Desmatamento: Brasil (2000 a 2013- ISA/IMAZON), Colmbia (2000 a 2013 - FGA), Venezuela (2000 a 2010- Provita/IVIC) e Guiana (2005-2013) no mbito da RAISG (2014). Paisagens, baseadas e simplificadas a partir de http://54.221.218.189/arcgis/rest/services/Terrestrial_Ecosystems_Reference_Tiled/MapServer.

    Mapa elaborado pelo Laboratrio de Geoprocessamento do ISA em dezembro de 2014 e atualizado em agosto de 2015.

    mapa_folde_2r.indd 1 15/09/2015 15:45:48

  • A Rede Rio Negro, fundada em 2006, tem por objetivo estabelecer um espao de debate e interveno para construo de bases e propostas de pro-moo da qualidade de vida dos habitantes, da valorizao da diversidade socioambiental, da conservao, do uso sustentvel e da repartio de be-nefcios da biodiversidade na bacia do Rio Negro. PARA SABER MAIS SOBRE A REDE RIO NEGRO, TER ACESSO AOS TEXTOS DESTA PUBLICAO E LINKS AFINS ACESSE: WWW.RIONEGRO.ORG.BR

    ORGANIZADORES: Beto Ricardo, Renata Alves e Wilde ItaborahyREVISO E EDIO FINAL: Carla DiasCOLABORADORES: Adeilson Lopes, Alicia Rolla, Aline Scolfaro, Aloisio Cabalzar, Camila Barra, Carla Dias, Carlos Durigan, Ccero Cardoso Augusto, Ciro Campos, Cristina Tfoli, Fabiano Silva, Guillermo Moiss Bendez Estupin, Igncio Josa, Marco Antnio Vaz de Lima, Rosimeire R. Sac, Samuel Tararan, Srgio Borges, Silvio Cavuscens e Yara Camargo.PRODUO CARTOGRFICA: Renata Alves / Laboratrio de Geoprocessamento do ISAPROJETO GRFICO/EDITORAO: Vera Feitosa / Duo EditoraoPESQUISA E TRATAMENTO DE IMAGENS: Cludio Tavares/ISA

    APOIO PUBLICAO:

    Bacia do Rio Negro uma viso socioambiental

    Diversidade socioambientalO Rio Negro o maior a uente da margem esquerda do Rio Amazonas, nasce na regio pr-andina da Colmbia onde chama-do de Guaina e forma o Rio Amazonas no encontro com o Solimes, em Manaus. Na Venezuela, a bacia do Negro se liga com a bacia do Orinoco pelo canal Cassiquiare formando assim uma passagem at o Caribe. O Rio Branco o principal a uente do Rio Negro contribuindo com aproximadamente 30% do volume de gua.

    Cerca de 62% da extenso da bacia, cujo total de 71 milhes de hectares, encontra-se sob alguma forma de proteo legal, em Unidades de Conservao e Terras Indgenas reconhecidas o cialmente ou em processo de reconhecimento. O Rio Negro/Rio Branco, mais que uma regio de altssima diversidade socioambiental, tambm uma arena estratgica para o dilogo interins-titucional e intercultural sobre uso sustentvel de recursos naturais e repartio dos benefcios da biodiversidade.

    O baixssimo ndice de desmatamento no Rio Negro e o protagonismo indgena contrastam com projetos estatais de desenvol-vimento com base na mecanizao da agricultura tradicional, na monocultura, no latifndio, e na minerao. As plantaes de coca, a criao de gado e a minerao ameaam ainda importantes reas das nascentes do Rio Negro. Os incentivos governa-mentais ocupao do solo, agricultura e pecuria extensiva e o plano de construo de hidreltricas ameaam toda a bacia do Rio Branco, onde h o maior potencial elico do norte do Brasil.

    Na foz, a metrpole Manaus, com 2 milhes de habitantes, um vrtice duplo. Em sentido noroeste, no eixo do rio Negro e seus formadores, apresenta-se uma Amaznia indgena, ribeirinha e orestal, a qual poderia viabilizar uma economia baseada nos servios socioambientais; e no sentido sul-norte, com escala em Boa Vista (RR) rumo a Caracas (Venezuela) e Georgetown (Guiana), esta realidade divide espao com a Amaznia do Lavrado (Savana), da pecuria extensiva, e da estrada-corredor para o escoamento de gros e madeira.

    Na calha do Rio Negro persiste a tradicional economia da dvida vinculada explorao de recursos extrativistas e da pesca. Enquanto isso, no Rio Branco perdura uma economia do contracheque baseada no funcionalismo e nas compras pblicas. Nos dois casos cresce a presso da extrao ilegal semi-mecanizada de ouro, alm das expectativas de empresas de minerao.

    No conjunto, a bacia do Rio Negro/Rio Branco desa a governos e sociedade civil a agirem antecipadamente para construir alter-nativas que valorizem a diversidade e os servios socioambientais. A conservao da natureza e a manuteno dos modos de vida tradicional nesta regio no s demandam, como esto condicionadas integrao dos agentes envolvidos, imple-mentao de aes inovadoras e polticas pblicas coerentes com a realidade local.

    reas Protegidas: Unidades de Conservao, Terras Indgenas e Territrios Quilombolas A conservao da natureza e a proteo da diversidade socioambiental na bacia do Rio Negro, assim como em toda a Amaznia, vm se consolidando por meio da instituio de reas Protegidas. Estas reas so constitudas pelas Terras, Territrios e Resguardos Indgenas, reconhecidos ou em fase de identi cao, Territrios Quilombolas, e diferentes Unidades de Conservao (UCs): de uso sustentvel e de proteo integral.

    Segundo dados da Rede Amaznica de Informao Socioambiental Georreferenciada RAISG, 62% de toda a rea da bacia, se encontra sob alguma forma de proteo seja com ns de conservao da biodiversidade e dos modos de vida tradicionais, ou do reconhecimento dos direitos territoriais indgenas e quilombolas.

    Aproximadamente 50% da rea da bacia correspondem a terras destinadas ao usufruto indgena, algumas ainda no delimitadas o cialmente. Alm disso, mais de 20% so Unidades de Conservao, sendo que 10,8% destas, em territrio brasileiro, esto sobre-postas a outras reas Protegidas. o caso do mdio Rio Negro, onde uma Floresta Nacional, um Parque Estadual e uma poro da TI Yanomami, se sobrepem.

    Na poro brasileira da bacia so 44 Terras Indgenas j reconhecidas onde vivem cerca de 45 povos, e 26 Unidades de Conservao, sendo 15 de Proteo Integral e 11 de Uso Sustentvel, alm de um Territrio Quilombola em fase de de nio territorial.

    Na Colmbia so reconhecidos 29 Resguardos Indgenas, e 2 reas Naturais Protegidas como Parques e Reservas Naturais. Na Vene-zuela, apesar do sistema de Parques Nacionais relativamente consolidado na bacia do Rio Negro, com 6 reas Protegidas, nenhum dos 15 territrios indgenas so reconhecidos legalmente pelo Estado. A Guiana, apesar de responsvel por apenas 2% da bacia, abriga 25 Territrios Indgenas.

    O ordenamento territorial da Bacia do Rio Negro um processo ainda inacabado. O reconhecimento legal das reas de preserva-o existentes tampouco garantia de que sejam respeitadas de fato, haja vista a pouca scalizao por parte dos rgos respons-veis. A explorao ilegal de garimpo no territrio Yanomami, por exemplo, reveladora dessa realidade.

    Est em discusso no congresso nacional brasileiro a regulamentao de atividades econmicas como a minerao e a construo de hidreltricas em reas Protegidas, o que deve desa ar a real efetividade da proteo da sociobiodiversidade nestes territrios.

    PARA SABER MAIS VEJA AMAZNIA SOB PRESSO ACESSVEL PELO LINK: HTTP://RAISG.SOCIOAMBIENTAL.ORG

    Populao, diversidade cultural e lnguasA bacia do Rio Negro abriga 45 povos indgenas, alm de ribeirinhos, quilombolas e populao urbana, constituindo uma regio com signi cativa diversidade sociocultural. Os povos indgenas habitam a regio h milnios, produzindo um conhecimento minucioso de seus territrios e desenvolvendo formas e cientes e elaboradas de manejo ambiental.

    No lavrado de Roraima e da Guiana habitam povos dos troncos lingusticos Karib e Aruak; nas orestas e terras mais altas est o povo Yanomami, etnia de contato recente e com grupos ainda isolados. Do mdio Rio Negro at as cabeceiras do Uaups, Papuri, Tiqui e Iana, incluindo regies da Colmbia, vivem povos Tukano Orientais, Aruak e Maku que compem um extenso sistema social.

    At o incio do processo colonial, o baixo Rio Negro era habitado por grandes populaes indgenas que foram dizimadas por doenas, guerras, ou ainda, que migraram para outras regies, fosse de maneira compulsria ou espontnea. Atualmente no baixo Rio Negro predominam populaes ribeirinhas e ocupaes mais adensadas em centros urbanos e regies perifricas. No geral, so agricultores, pescadores e extrativistas, chegados nos diversos ciclos de extrao da borracha. Ao longo do tempo, e a partir do contato com os ndios, essas populaes desenvolveram vasto conhecimento sobre o ambiente local.

    Cada um desses povos transmite e atualiza conhecimentos, prticas, tcnicas e formas particulares de entendimento do mundo, fortemente associadas conservao da diversidade ambiental.

    Lugares sagradosOs povos indgenas da bacia do Rio Negro possuem uma relao muito especial com as paisagens e o territrio em que vivem. Alm de sua importncia prtica como fonte de recursos, as paisagens possuem tambm um importante valor cultural e espiritual, e so elementos centrais no complexo sistema cosmolgico que caracteriza a viso de mundo das populaes indgenas.

    Diversas cachoeiras, pedrais, estires, serras, cavernas, praias e outras formaes que compem as paisagens so, para os povos indgenas, importantes reservatrios de energia vital responsveis pelo equilbrio dos ecossistemas e pela vida de humanos e no--humanos. Por isso, estes stios sagrados exigem uma ateno e um cuidado especial por parte dos pajs, curadores e mesmo das pessoas comuns, j que so fontes de poderes essenciais para a manuteno da vida.

    Esta cosmoviso, essencialmente ecolgica, constitui a base no s dos conhecimentos e prticas tradicionais de manejo de recur-sos, mas tambm de uma tica que orienta a relao que estes povos estabelecem com as paisagens e com a multiplicidade de seres que povoam os rios e orestas da regio.

    Procurando salvaguardar parte deste conhecimento associado s paisagens do alto Rio Negro, o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional - IPHAN registrou a Cachoeira de Iauaret como patrimnio cultural brasileiro em 2006.

    A partir de ento o projeto Mapeo Iniciativa Binacional de Cartogra a dos Stios Sagrados do Noroeste Amaznico vem sendo realizado por grupos indgenas em cada lado da fronteira. Trata-se de um programa de valorizao e a rmao dos conhecimentos indgenas sobre as paisagens por meio do registro e divulgao de experincias de cartogra a com foco nos stios sagrados.

    PARA SABER MAIS ACESSE: INICIATIVA BINACIONAL DE CARTOGRAFIA E SALVAGUARDA DOS STIOS SAGRADOS DO NOROESTE AMAZNICO: PRIMEIRO INFORME MAPEO, EM HTTP://ISA.TO/1NA2CUN E VDEO DA EXPEDIO ANACONDA: HTTP://ISA.TO/1LVOYOB

    Sistema Agrcola do Rio NegroO Sistema Agrcola Tradicional do Rio Negro foi reconhecido como patrimnio cultural brasileiro em novembro de 2010 pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional - IPHAN a partir de uma iniciativa das associaes indgenas locais, apoiadas por instituies de pesquisa e organizaes da sociedade civil.

    O Sistema Agrcola do Rio Negro entendido como um conjunto de saberes, prticas e modos de transmisso de conhecimentos relacionados entre si. A diversidade das plantas cultivadas, as tcnicas de manejo das roas e quintais, o sistema alimentar recei-tas e processos de elaborao dos produtos, os utenslios de processamento e armazenamento e a conformao de redes sociais de troca de plantas e conhecimentos associados. O cultivo da mandioca brava, por meio da tcnica de queima, plantio e manejo de capoeiras (conhecido como coivara), a base desse sistema, compartilhado por mais de 20 povos indgenas. A tcnica de coi-vara, a experimentao nos espaos de cultivo e na cozinha, e a explorao do solo em baixa intensidade com longos perodos de descanso favorecem a manuteno da alta diversidade, e contribuem com a conservao da oresta e com a segurana alimentar dos povos rionegrinos.

    A partir destas pesquisas, torna-se visvel a preocupao dos povos indgenas com a (des)valorizao de seus modos de vida, es-pecialmente, em relao transmisso de conhecimentos xamnicos e benzimentos, tcnicas de tecer os utenslios e processar os alimentos. Muitos destes aspectos esto relacionados diretamente a gesto tradicional do territrio que vm sofrendo grande impacto a partir da interferncia de agentes externos.

    Entre as aes de salvaguarda previstas esto o incremento da cadeia produtiva, com nfase na pequena escala e diversidade; o fo-mento s pesquisas e registros audiovisuais, que promovam a divulgao e transmisso dos conhecimentos; iniciativas para com-patibilizar a escola com as prticas e conhecimentos tradicionais, e a melhoria dos servios e direitos bsicos nas comunidades.

    ExtrativismoPor geraes, os diversos grupos tnicos residentes na bacia do Rio Negro desenvolveram um profundo conhecimento da biodi-versidade regional e seu potencial. A partir do processo de colonizao pelo qual passou a regio desde o sculo XVII, esse conhe-cimento tornou-se a base para a construo de um modelo econmico exploratrio que fundou o sistema comercial extrativista.

    Entretanto, esse sistema se constituiu de relaes de dominao, relaes monopolistas entre patres e extrativistas por meio de aviamento. O descaso do poder pblico e a consequente ausncia do Estado propiciaram a manuteno destas prticas at hoje. Apesar das relaes desiguais, as atividades extrativistas representam um componente importante da renda da maior parte das famlias da regio.

    Produtos como castanha da Amaznia, cips, arums, piaaba, peixes ornamentais, leos vegetais, resinas e frutas fazem parte de um leque de possibilidades que sustentam a economia familiar das comunidades tradicionais, variando de regio para regio, conforme as reas de ocorrncia de suas fontes, viabilidade comercial, sazonalidade, bem como a estruturao da cadeia produtiva e comercial.

    A partir das novas possibilidades de mercado, a sociedade civil organizada vem trabalhando na proposio de modelos alternati-vos que fortaleam a cultura e o saber local associados s boas prticas de manejo. O sucesso destas iniciativas est condicionado agregao de valor, e a uma insero no mercado baseada na construo de relaes mais justas entre vendedores, consumidores e extrativistas.

    PescaO peixe a principal fonte de protenas da populao da bacia do Rio Negro, alm de ser o alimento preferencial, junto com a man-dioca e seus derivados. Importante fonte de renda, a pesca abastece as sedes municipais e estimula o costume de viajar e migrar. Desde as cabeceiras at a poro mais baixa da bacia, a pesca tem papel fundamental na segurana alimentar e na manuteno da oresta e da biodiversidade.

    Os peixes e as tcnicas de pesca esto associados a um complexo sistema de conhecimentos tradicionais sobre os ciclos ecol-gicos: os lugares sagrados e de pertencimento s etnias e cls; as formas de fazer e utilizar os diferentes apetrechos de acordo com cada tipo de peixe, poca do ano e as diferentes paisagens e ambientes; bem como as regras de relao entre humanos, peixes e outros entes, descritas nas narrativas transmitidas entre geraes.

    O sistema tradicional de manejo desestruturou-se em grande poro da bacia desde o processo de colonizao. A introduo de artes de pesca no tradicionais, as prticas ilegais sem scalizao, somadas ao crescimento e adensamento populacional nos centros urbanos, promoveram uma considervel mudana nas dinmicas de pesca e na disponibilidade de pescado nos ltimos 50 anos.

    No mdio e baixo Rio Negro, os territrios de ocupao tradicional indgena e ribeirinha se sobrepem aos espaos de pesca co-mercial, ornamental e esportiva. Diferente do alto curso dos rios Branco, Negro e seus a uentes, onde a geogra a permite apenas a presena de pequenas embarcaes, na poro mais baixa da bacia operam barcos geladores com maior capacidade de carga.

    A pesca de espcies ornamentais foi a principal atividade econmica do mdio Rio Negro durante as ltimas dcadas, chegando a representar 60% da economia local e envolver cerca de 700 pescadores. Atualmente este nmero caiu, estima-se que aproxima-damente 100 pescadores estejam envolvidos.

    O turismo associado pesca esportiva vem crescendo nos ltimos anos sem qualquer medida de ordenamento de acesso aos rios, regras de conduta, monitoramento e repartio de benefcios.

    O desa o para construo de um plano de manejo e gesto dos recursos pesqueiros na bacia grande. Trata-se de mobilizar e articular os diversos atores, com interesses divergentes, a m de construir acordos de usos compartilhados, regras de conduta e calendrios de pesca que reconheam os saberes e regras costumeiras e respeitem os direitos coletivos das populaes indgenas e tradicionais.

    Estradas, energia e mineraoAs estradas so, sem dvida, as obras de infra-estrutura cujos impactos sociais, econmicos e ambientais so mais visveis na bacia do Rio Negro. A construo das rodovias BR 174 e BR 210, na dcada de 1970, contriburam para a exploso populacional e a ocupao desordenada da oresta no eixo Amazonas-Roraima. Quase a totalidade do desmatamento na bacia se localiza ao longo dessas rodovias. A construo da BR 210, ou Perimetral Norte, causou impactos severos ao povo Yanomami, enquanto a BR 174, ligando Manaus (AM) Boa Vista (RR) , quase dizimou por completo a populao dos ndios Waimiri Atroari.

    As estradas estaduais AM 010 e AM 352 instaladas no inter vio Negro-Solimes conectando os municpios de Manacapuru, Iranduba e Novo Airo seguem o mesmo caminho. O desmatamento no inter vio Negro-Solimes se intensi cou ainda mais com a construo da Ponte do Rio Negro inaugurada em outubro de 2011.

    A bacia do Rio Negro tambm est includa no plano de expanso das hidreltricas na Amaznia. Segundo o PAC- 2, a previso de quatro usinas, a maior delas seria construda no Rio Branco, com potncia instalada de 708 MW e uma barragem que for-maria um lago de 560 km inundando o rio e suas margens em um trecho de 140 km. No nal de 2012 cerca de 40 organizaes da sociedade civil lanaram a campanha Salve o Rio Branco patrimnio de Roraima, exigindo a paralizao dos procedimen-tos administrativos e a avaliao de todas as alternativas energticas.

    Enquanto isso centenas de comunidades continuam sem energia eltrica. A energia produzida nas hidreltricas no alcana os moradores na calha dos rios e no interior da oresta. Uma alternativa para estas comunidades poderia ser a microgerao de energia usando as fontes disponveis no local, como o sol, o vento, a gua e a biomassa. Algumas experincias bem sucedidas de gerao solar para comunidades j esto em andamento na Amaznia, e recentemente o potencial para a energia do vento foi con rmado na Terra Indgena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A instalao de sistemas de comunicao e de energia so demandas de muitas comunidades, mas a implementao de polticas pblicas neste setor ainda lenta e centralizada nos geradores a diesel e nos planos de construo de mini hidreltricas.

    Outra atividade que pode causar grande impacto sobre as Terras Indgenas do Rio Negro a minerao. Apenas sobre a Terra Indgena (TI) Yanomami, existem cerca de 650 processos minerrios (entre requerimentos de pesquisa, licenciamento e lavra). Na TI Alto Rio Negro, uma das maiores da regio, outros 386, na TI Waimiri-Atroari, 193, e na TI Raposa Serra do Sol, mais 98. Em toda a Amaznia, so cerca de 4200 processos minerrios incidentes sobre Terras Indgenas com envolvimento de 407 empresas.

    Ao passo que, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 1610/96 que regulamenta a explorao mineral em Terras Indgenas vem sendo duramente criticado por ser construdo sob forte lobby de empresas de minerao. As compensaes previstas pelo projeto at agora pouco consideram as condies e valores socioambientais e culturais das atividades e modos de vida das populaes indgenas. O projeto tambm no dispe sobre o processo de consulta s comunidades indgenas a serem afetadas pelo empreendimento, como prev a Conveno 169 da OIT, rati cada pelo Brasil.

    Organizaes da Sociedade CivilNa Amaznia, a sociedade civil organizada desempenha um importante papel na gesto de reas Protegidas, na produo e sistematizao de conhecimentos, e na defesa dos direitos e dos bens coletivos. Na bacia do Rio Negro, a maior parte das organizaes da sociedade civil, ou seja, no governamentais, so associaes indgenas. Entretanto, tambm tm papel de destaque, as associaes de pescadores, moradores e extrativistas de Unidades de Conservao e, no caso de Roraima, os mo-vimentos de agricultores em mais de 60 projetos de assentamento.

    Na poro brasileira da bacia destacam-se a Federao das Organizaes Indgenas do Rio Negro FOIRN, fundada em 1987, e o Conselho Indgena de Roraima CIR com mais de 40 anos. Juntas, essas organizaes representam cerca de 85 mil ndios em mais de cem associaes liadas.

    Do lado colombiano, onde so reconhecidas as Entidades Territoriais Indgenas como parte da diviso poltica-administrativa do pas, existem as Associaes de Autoridades Tradicionais Indgenas AATIs, reconhecidas pelo Ministrio do Interior. A Asociacin de las Autoridades Tradicionales Indgenas del Pir-Parana ACAIPI uma das AATIs de atuao relevante na bacia, trabalhando em parceria com a Fundacin Gaya Amazonas. Na Venezuela, onde os territrios indgenas no so reconhecidos, a Associao Horonami representa parte dos Yanomami daquele pas e atua em parceria com a Fundacin Wataniba. No lado brasileiro o povo Yanomami representado por diversas organizaes, entre as quais, a Hutukara Associao Yanomami HAY. Parte dessas organizaes constituem uma rede de parcerias que acontecem no mbito da Cooperacin e Alianza en el Norte y Oeste Amaznico CANOA.

    Prximo foz do Rio Negro, no contexto do Mosaico do Baixo Rio Negro, atuam organizaes como o Frum em Defesa das Comunidades Rurais de Manaus FOPEC, o Frum de Turismo Comunitrio do Baixo Rio Negro. Alm destas, o Ajuri de Novo Airo, uma rede de vrias organizaes governamentais e no governamentais criada a partir de uma agenda colaborativa e objetivos comuns. Ademais, diversas associaes representam as comunidades residentes em Unidades de Conservao como a Associao de Comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Rio Negro ACS Rio Negro e a Associao dos Mo-radores da Resex Unini AMORU, entre outras.

    Etnoecologia e biodiversidadeQualquer projeto de futuro e bem viver na bacia do Rio Negro dever levar em conta as formas como os povos locais nomeiam, classi cam, se relacionam e apropriam-se de seus ecossistemas e da biodiversidade que os compe. Esta perspectiva vem des-pertando, nos ltimos anos, o interesse de pesquisas e iniciativas diversas, de foco etnoecolgico, podendo fortalecer e com isso salvaguardar, esses conhecimentos e prticas diante das atuais transformaes socioeconmicas e culturais pelas quais a regio vem passando.

    Na bacia do Rio Negro, e na Amaznia em geral, os ecossistemas e a biodiversidade so resultantes no somente da histria geolgica natural, com suas variaes locais do clima, do solo, do relevo, da vegetao; mas tambm, das relaes econmicas, da estrutura social, da histria de ocupao e manejo e, especialmente, da cosmoviso das populaes humanas que a se esta-beleceram ao longo do tempo.

    Reconhecer que a bacia do Rio Negro um mosaico de ambientes e sociedades diversas, nos obriga, tambm, a a rmar os di-reitos desses povos aos saberes sobre essa biodiversidade, de modo que estes possam exercer cada vez mais um papel ativo e informado nos processos de produo e circulao intercultural e colaborativa de conhecimento, tomada de decises de gover-nana e conservao deste patrimnio.

    Rio Uaups. Beto Ricardo/ISAlegendaPetrglifo na Cachoeira do Rio Aiari, alto Rio Negro. Serra do Curicuriari ou Bela Adormecida, So Gabriel da Cachoeira, Amazonas. Batalho do Exrcito em So Gabriel da Cachoeira. Controle das reas de fronteira. Vista area da aldeia Demeni do povo Yanomami. Encontro dos rios Negro e Solimes em Manaus. Formao do Rio Amazonas. reas de savana e buritizal formam uma paisagem singular no Lavrado em Roraima. Arquiplago de Anavilhanas, Rio Negro.

    Cachoeira do Desabamento, Parque Estadual da Serra do Arac, Barcelos, Amazonas. O avano da cidade sobre a oresta em Manaus, Amazonas. Extrao de piaava no Rio Arac, Barcelos, Amazonas.

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    Armadilha tradicional de pesca em cachoeira do Rio Uaups, alto Rio Negro.

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    Caminhos da roa no Rio Negro. Patrimnio Cultural do Brasil. A BR-174 corta a Terra Indgena Waimiri-Atroari por 125 km.

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    Ponte dos Macuxi, sobre o Rio Branco em Boa Vista, Roraima.

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    Cachoeira de Iauaret, alto Rio Negro. Patrimnio Cultural do Brasil.

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    5

    Comunidade Tucum Rupita beira do Rio Iana, alto Rio Negro.

    Terras Indgenas (TIs) na bacia do Rio Negro, por paspas (categoria)

    reconhecidos o cialmente sem reconhecimento o cial % da bacia

    (quantidade) rea em ha (quantidade) rea em ha

    Brasil (Terra Indgena) (44) 27.148.382 * 38,00%

    Colmbia (Resguardo Indgena) (29) 5.535.033 7,75%

    Guiana (Territrio Indgena) (25) 496.086 0,69%

    Venezuela (15) 2.574.336 3,60%

    Total (98) 33.179.501 (15) 2.574.336 50,04%

    * H Terras Indgenas em processo de demarcao pela FUNAI desde 2007, ainda sem reas de nidas.

    Unidades de Conservao (UCs) na bacia do Rio Negro, por paspas tipo de uso (quantidade) rea em ha * % na bacia sobreposio em TIs (ha) % de TIs/UCs sobrepostas na bacia

    Brasil**

    federal-proteo integral (10) 6.130.595 8,58% 592.833 7,75%

    federal-uso sustentvel (5) 2.041.960 2,86% 1.736.317 0,43%

    estadual-proteo integral (5) 2.167047 3,03% 1.530.446 0,89%

    estadual-uso sustentvel (6) 124.9162 1,75%

    Brasil total (26) 11.588.764 16,22% 3.859.596 10,82%

    Colmbia nacional-uso indireto*** (2) 854.760 1,20% 719.516 0,19%

    Venezuela **** nacional-uso indireto (6) 2.357.708 3,30% 1.647.536 0,99%

    Total 14.801.306 20,71% 6.226.647 12,00%

    * rea calculada pelo SIG/ISA, eliminando as sobreposies entre as UCs seguindo a hierarquia dos tipos de uso.** As reas de Proteo Ambiental (APAs) no foram consideradas pela baixa efetividade de conservao da categoria.*** reas Naturais Protegidas de uso equivalente s UCs de proteo integral brasileiras.**** A Reserva da Biosfera, que se sobrepe a todas as outras UCs e Tis, no foi considerada pela baixa efetividade da categoria.

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