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1 FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO LICENCIATURA EM SOCIOLOGIA ANO LETIVO 20122013 Desigualdade e organização social nas cidades Bairros sociais como espaços de exclusão Tatiana dos Santos Batista Trabalho realizado para a disciplina de Sociologia da Cidade lecionada pela Professora Doutora Helena Vilaça Porto, julho de 2013

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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

LICENCIATURA EM SOCIOLOGIA

ANO LETIVO 2012–2013

Desigualdade e organização social nas cidades

Bairros sociais como espaços de exclusão

Tatiana dos Santos Batista

Trabalho realizado para a disciplina de Sociologia da Cidade lecionada pela

Professora Doutora Helena Vilaça

Porto, julho de 2013

2

Índice

Introdução ..............................................................................................................................3

I. Desigualdade e organização social nas cidades: bairros sociais como espaços de exclusão ...3

II. O Bairro do Lagarteiro .......................................................................................................9

Considerações finais ............................................................................................................. 12

Notas bibliográficas .............................................................................................................. 13

Artigos científicos ............................................................................................................ 13

Documentos electrónicos disponíveis online .................................................................... 13

Monografias ..................................................................................................................... 14

Anexos ................................................................................................................................. 16

Anexo 1 – Esquema de Burgess ....................................................................................... 17

Anexo 2 – Mapa do concelho do Porto em 1913 ............................................................... 18

Anexo 3 – Mapa do concelho do Porto em 1952 ............................................................... 19

Anexo 4 – Mapa do concelho do Porto na atualidade com a localização dos principais

bairros sociais .................................................................................................................. 20

Anexo 5 – Mapa do Bairro do Lagarteiro ......................................................................... 21

Anexo 6 – Análise de impressa......................................................................................... 22

Notícia I ................................................................................................................... 22

Notícia II .................................................................................................................. 23

Notícia III ................................................................................................................ 24

Notícia IV ................................................................................................................ 26

Notícia V.................................................................................................................. 27

Anexo 7 – Imagens do Bairro do Lagarteiro, no Porto ...................................................... 33

3

Introdução

O presente relatório insere-se na disciplina de Sociologia da Cidade do 3.º ano da

Licenciatura em Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e recai sobre a

Desigualdade e organização social nas cidades, nomeadamente sobre os Bairros sociais

como espaços de exclusão. A escolha deste tema prende-se com a curiosidade sobre a

temática e devido à sua importância e atualidade, pois é essencial compreender a

organização social da cidade, de modo a perceber as desigualdades inerentes à cidade. O

modo como ocorreu a apropriação dos espaços, a expansão da “mancha urbana”, as relações

económicas e sociais que se formaram, os indivíduos envolvidos, as motivações adjacentes,

as identidades que se criam ou afirmaram, os símbolos associados, servem para analisar e

compreender o desenvolvimento, organização e desigualdades das cidades.

Por fim, a escolha dos bairros sociais para subtema, prende-se com o facto de estes

serem, por excelência, lugares de desigualdades e exclusão sociais, Assim, torna-se

pertinente aprofundar esta questão, nomeadamente num contexto específico, o da cidade do

Porto, mais propriamente a realidade do Bairro do Lagarteiro.

I. Desigualdade e organização social nas cidades: bairros sociais como espaços de

exclusão

“A cidade é um sistema social de grande complexidade” (…) “É simultaneamente

um fenómeno económico, político, cultural, etc.”1 Cada cidade tem a sua própria identidade:

os seus habitantes têm um estilo de vida particular e mantêm relações interpessoais entre si,

bem como com os símbolos e bens da cidade. “Esta interacção entre os símbolos urbanos e

a acção dos habitantes não só contribui para construir a identidade dos indivíduos como

favorece a definição de uma identidade da cidade”2.

No que se refere às suas infraestruturas, as cidades são desenhadas a pensar no bem-

estar das populações e da melhoria da qualidade de vida urbana. Assiste-se, assim, a uma

organização social da cidade. “A normalidade urbanística é regulada por princípios e

normas que decorrem da necessidade de permitir o funcionamento da vida social dos

indivíduos, grupos e comunidades sobre um determinado território”3, ou seja, a cidade deve

assentar na cidadania, inclusão social e igualdade de oportunidades.

1 Mela, 1999, p.43. 2 Idem, 1999, p.147. 3 Faria, 2009, p.49.

4

Segundo Max Weber, a cidade é uma unidade económica, política e comunitária.

Quando o autor refere o ideal-tipo de cidade, desde logo associamos esta noção a algumas

cidades das quais temos alguma proximidade. Tal é o caso do Porto, que no século XVII e

devido à presença da burguesia por toda a cidade, aumentou quer a sua importância em

termos económicos, quer em termos de população, quer ao nível das relações comerciais.

Desta forma, com o aumento das cidades, desde o século XVII, mas principalmente

no fim do século XIX e início do século XX, as desigualdades e pobreza no meio urbano

tornaram-se na realidade da cidade. As disparidades entre as diferentes áreas da cidade

aumentam e criam-se situações de conflito e exclusão. Tal deve-se, no caso do Porto, ao

adensamento da malha urbana, à abertura de novas artérias extramuros e à diversificação da

tipologia habitacional. Toda esta mudança da área urbana conduziu à origem daqueles que

seriam os primeiros estudos sociológicos sobre a vida urbana. Assim, a Escola de Chicago,

pioneira nestes estudos sobre a Sociologia Urbana, pretende compreender os novos

problemas da cidade, como a delinquência, emigração e guetização, apresentando uma

teorização diferente daquela apresentada pelos autores clássicos da Sociologia.

Ernest Burgess considera que a cidade é algo natural, encontrando-se dividida em

zonas4: a Loop, zona central da cidade, corresponde à zona comercial; a Zone in transition

(zona de transição) é uma Slum (zona crítica onde se assiste à interação de vários grupos

étnicos), onde é possível encontrar os guetos; a Zone of workers’ homes é uma zona na qual

vivem trabalhadores que trabalham em casa, como é o caso da segunda zona de imigrantes;

a Residential zone (zona residencial) apresenta-se como uma zona de habitações

independentes, sendo desta forma conhecida como a zona das vivendas. É também

caracterizada pelos Apartament Houses e Bright Light area (zona mais “rica”, com

melhores condições e de baixa densidade); e a Commuters’ zone, que corresponde à zona de

Bungalows, uma zona praticamente fora dos limites da cidade. Neste esquema, os bairros

sociais e os guetos são expulsos para os limites da cidade, em benefício das zonas ricas e do

comércio que passam a ocupar a zona central da cidade, tal como aconteceu no Porto

durante o início do século XX5. “Os novos bairros, dispostos perifericamente em relação ao

centro da cidade, têm as suas soluções fortemente condicionadas pelo baixo custo atribuído

a cada fogo e pela alta densidade exigida”6. Estes bairros conduzem a sua população a um

isolamento, não só físico, mas também simbólico, tornando os bairros sociais praticamente

4 Ver anexo 1 – Esquema de Burgess acerca da divisão da cidade de Chicago em zonas.

5 Ver anexo 2 e 3 – Mapas da cidade do Porto (início do século XX e 1952). 6 Ribeiro, 1979, p.31.

5

iguais. Contudo, estes vêm opor-se a todos os outros espaços da cidade, quer a nível social,

arquitetónico e de especialização do tecido da cidade, originando assim situações de

segregação social e espacial. Para além disto, os bairros sociais são, também, como afirma

Isabel Guerra (1994), caracterizados por espaços de lazer e de sociabilidade escassos e alvo

de muita estigmatização. Tal deve-se sobretudo aos problemas intrínsecos ao bairro, como

os problemas entre a vizinhança, a insegurança e a degradação das habitações. Os “bairros

exclusivos dos subúrbios” funcionam também em circuito fechado e individualizado de

serviços e ócios, nomeadamente as realidades associadas ao mundo paralelo, como o caso

do tráfico de estupefacientes e de armas ou até mesmo a delinquência juvenil.

Robert Park (1952) acrescenta que a cidade é produtora de uma nova ordem moral e

social, a liberdade. Considera assim que a cidade é heterogénea, um espaço onde as pessoas

se podem afirmar e onde se estimula e representa o encontro entre determinadas culturas.

Contudo a heterogeneidade da cidade provoca uma organização espacial desigual.

Na mesma linha de Park encontramos Louis Wirth (1938), que afirma que a cidade

pode ser vista como um agregado extenso, denso e estável de indivíduos socialmente

heterogéneos – heterogeneidade da cidade. Considera ainda que esta pode ser percecionada

enquanto espaço de antagonismos – a dualidade da cidade – ou seja, a cidade comporta lado

a lado espaços de exclusão e espaços de inclusão, zonas ricas e zonas pobres. Além destes

aspetos, é de referir que “Wirth aceita que a densidade da vida social nas cidades dá origem

à formação de bairros com características distintas, alguns dos quais preservam as

características de pequenas comunidades.”7

Contrariamente a estes autores, Jean Rémy e Liliane Voyé abordam mais

aprofundadamente a questão da habitação social. Para estes autores, a habitação tem uma

importância enorme na vida dos indivíduos, pois apresenta-se como um espaço por

excelência de investimento afetivo. Já o bairro social é apreendido como um lugar de

identificação e conhecimento, fortalecido pelas interações e ações dos indivíduos.

Henri Lefèbvre (1970) considera que a estrutura de um bairro depende sempre de

outras estruturas mais vastas. Apesar possuir um equipamento mais ou menos suficiente e

completo, os bairros sociais não são autossuficiente, dependendo sempre do exterior.

Marc Augé considera que a cidade enfrenta hoje uma série de riscos, desde a

uniformização dos espaços, como se verifica através da tentativa de homogeneizar os

7 Giddens, 2010, p.577.

6

bairros sociais; a extensão urbana, ou seja, a generalização do urbano; e a guetização dos

bairros (os bairros na periferia das cidades, lugares de exclusão e diferenciação social).

Num ambiente problemático como o da cidade, Castells (1983) considera que as

lutas dos grupos desprivilegiados são importantes, como forma de verem alteradas as suas

condições de vida, opondo-se à ideia de que “Às pessoas que vivem em bairros sociais

degradados com escolas pobres e poucas oportunidades de emprego na área, por exemplo,

podem ser negadas oportunidades de melhoramento pessoal que a maioria das pessoas na

sociedade possui."8 Esta situação tende a ser combatida, pois os habitantes dos bairros

tentam lutar por condições de vida menos precárias e mais igualitárias. É ainda importante

referir que, a intervenção destes indivíduos permite muitas vezes reestruturar os bairros em

função dos seus próprios valores, diminuir os problemas internos do bairro, como a

prostituição, o tráfico de droga, a delinquência juvenil e a exclusão social. Contudo, “Em

comunidades carenciadas pode ser difícil às pessoas superar a exclusão e dar passos no

sentido de participação mais plenamente na sociedade.”9

Assim, e com base no esquema 1, verifica-se a importância dos bairros sociais no

contexto da organização social da cidade, pelo que será aprofundada esta questão.

Esquema 1 – Organização social da cidade: características-base dos bairros sociais

Fonte: Elaboração própria.

No fim do século XIX, devido à crescente população proveniente do êxodo rural,

que procuravam melhores condições de vida, dão-se nas cidades algumas transformações,

principalmente ao nível do desenvolvimento dos transportes urbanos e da evolução

industrial. Estas alterações urbanas provocam também uma alteração ao nível dos bairros

sociais. No caso do Porto, assiste-se nesta época à deterioração dos bairros sociais. Apesar

das medidas implementadas pela Câmara Municipal do Porto e pelo Estado, a verdade é que

ainda hoje, existem habitações degradadas na cidade.

8 Giddens, 2010, p.325. 9 Idem, 2010, p.329.

Organização

social da

cidade

Zonas industriais

Comportamentos desviantes;

Desigualdades sociais e

económicas;

Deterioração dos bairros;

Estigmatização;

Exclusão social;

Fracas infraestruturas;

Habitações precárias;

Identidade de bairro.

Zonas comerciais

Zonas residenciais Bairros

sociais

7

O Plano Especial de Realojamento (PER), implementado em 1993, tinha como

propósito diminuir o número de “bairros de lata”, que permaneciam na paisagem urbana

portuguesa.10

O PER consiste numa iniciativa do Estado para a construção de habitações, na

medida em que pretende impulsionar a inserção social das comunidades, através da criação de

condições para a integração comunitária, para que através de novas soluções se consiga

combater os problemas de delinquência, criminalidade e prostituição. As propostas apresentadas

baseiam-se numa “tendencial rejeição da construção de novas habitações; requalificação do

parque habitacional visando a posterior alienação dos fogos existentes; tónica na

segurança urbana, (…) adopção de soluções radicais face aos problemas urbanísticos e

sociais que se considera caracterizarem «irreversivelmente» estes espaços (…); reforço do

controlo repressivo dos modos de habitar; atualização de princípios de «engenharia social»

na distribuição dos fogos, sobretudo no caso dos bairros mais recentes ou considerados de

«melhor qualidade»”11

.

O facto da população se aglomerar em elevado número num determinado espaço,

leva à criação de bairros sociais, em que é frequente presenciarmos a estigmatização e

exclusão social. A existência de indivíduos com características, vivências e problemas

semelhantes que se concentram no mesmo espaço, faz com que surjam comportamentos

desviantes, ou seja, problemas sociais, o que faz com que muitos bairros sociais sejam vistos

como bairros problemáticos. O verdadeiro sentido histórico do bairro prende-se com as

relações interpessoais que ai se estabelecem, vistas como necessárias, como forma de

convívio e de proximidade. Residir num bairro social implica um relacionamento com um

conjunto de símbolos positivos e negativos, que são relevantes para a construção da

identidade do indivíduo. “É fundamental, para a sua existência social (…), a teia relacional

densa que se tece entre eles, o quadro de interacção local, as formas culturais que aí criam

e recriam, os processos sociais que protagonizam em conjunto.”12

Os bairros sociais caracterizam-se também pela degradação dos seus edifícios e dos

espaços públicos envolventes, habitações com excesso de pessoas, insegurança quer por

parte dos moradores quer pelos externos ao bairro, entre outras particularidades que marcam

uma habitação social. Na maioria dos bairros sociais assiste-se a um importante fenómeno,

que Firmino da Costa designa de “identidade de bairro”, isto é, os habitantes do bairro são

produtores e portadores daquela que é vista como uma identidade coletiva. Posteriormente é

10 Pereira, 2009, p.3. 11 Idem, 2009, p.100. 12 Costa, 1999, p.110.

8

necessário ter em atenção a importância que alguns espaços no interior dos bairros têm para

os seus habitantes, como é o caso dos cafés, as sedes e pequenas mercearias, que ajudam ao

dinamismo e proatividade do bairro, que muitas vezes possibilita o apaziguamento da forma

em que os habitantes se reúnem e passam o tempo. Por outro lado, estes locais de convívio e

lazer podem aumentar a formação de grupos de risco e os comportamentos ditos desviantes.

Os bairros sociais são considerados como formas de fechamento identitário,

promissores de marginalidade, perigo e construtores de problemas, sendo então espaços

propícios ao vandalismo. Contudo, os bairros não podem ser vistos de forma linear. As suas

habitações são vistas como igualitárias, onde se presenciam sempre as mesmas ações

negativas, não proporcionando aos seus habitantes a possibilidade de serem pessoas

diferentes, pessoas “ditas normais”, sem um rótulo a elas associado. Não se pode generalizar

ou estereotipar os indivíduos residentes em bairros, porque cada um tem características e

vivências diferentes, existindo bons e maus exemplos. No fundo, estes lugares são

construtores de diversidades sociais, onde cada lar apresenta diferentes formas de ser e de

estar na vida, assim como qualquer outro local da cidade.

Ao nível da habitação, o Estado assume um papel interventivo no auxílio dos mais

desfavorecidos, de forma a conseguir uma maior igualdade. O problema surge quando estes

bairros não são integrados na malha urbana, pondo em causa a eficácia das políticas de

habitação social e podendo conduzir à exclusão social. Para além de haver uma

incapacidade na administração interna destes espaços, nota-se ainda que estas habitações

não têm contribuído para a adaptação e inclusão dos menos favorecidos. O facto de estes

lugares serem construídos de forma descontínua em relação ao crescimento urbano, faz com

que a segregação, estigmatização e a exclusão social aumentem. Os bairros sociais são

caracterizados por uma carência de zonas de lazer e de sociabilidade, onde se encontram

afastados dos centros sociais, económicos e culturais da cidade. Nota-se ainda que as

habitações sociais estão propícias a certas limitações, nomeadamente na forma como o

indivíduo se relaciona no espaço e o modo como constrói a sua própria identidade.

Quanto à arquitetura dos bairros, conhecida como “megalomania arquitetónica”,

verifica-se que as construções em altura são dominantes, isto é, lotes multifamiliares

densamente ocupados, construídos em altura, capazes de agregar um número elevado de

famílias. A estandardização arquitetónica, juntamente com a segregação destes espaços

conduz a uma ampliação da sua estigmatização, incrementando a segregação simbólica,

dificultando a inserção dos atores e a apropriação do seu espaço.

9

As habitações sociais reconstroem, assim, lugares de aglomeração da pobreza

urbana, reunindo no interior grupos de risco, que facilita o desenvolvimento de

comportamentos de desvio, bem como a criação de espaços não-relacionais, notórios na

estruturação negativa de identidades e sociabilidades. A resposta a um esquema

funcionalista de realojamento das famílias será a extinção da própria comunidade e a aposta

social em torno da habitação.

II. O Bairro do Lagarteiro

Partindo da análise da notícia IV13

, intitulada “Como é que o Porto se tornou num

arquipélago de bairros sociais?” tentamos antes de mais perceber todo o contexto histórico

dos bairros sociais do Porto. Segundo Virgílio Pereira, no início do século XX, “A vida, na

cidade, era muitíssimo difícil." Contudo, as dificuldades também eram vividas no campo,

fazendo com que muitos indivíduos se deslocassem para a cidade à procura de melhores

condições de vida. Devido às limitações e escassez das habitações, os bairros sociais

proliferaram, mesmo em situações precárias.

Madureira Pinto afirma que os bairros sociais, na atualidade, “formam uma espécie

de arquipélago. Acabam por estar bem distribuídos, apesar de haver alguma concentração

na zona oriental. E isso podia até constituir um trunfo num quadro de reabilitação urbana.”

Tal situação é visível através do mapa 3, onde se verifica a existência de bastantes bairros

sociais na cidade do Porto14

, sobretudo na zona oriental da cidade. De acordo com o

Exclusivo I15

, cerca de cinquenta mil portuenses vivem em bairros sociais, correspondendo

estes a aproximadamente 20% da população.

Após uma breve reflexão sobre o caso particular dos bairros sociais da cidade do

Porto, optei por me centrar num caso específico: o Bairro do Lagarteiro. Este bairro foi

concluído em 1973, tendo um total de 248 habitações, que passados apenas quatro anos

praticamente duplicou. O bairro “nasceu num espaço tão liberto de urbanidade que perto

dele surgiu o Parque Oriental. Está na freguesia de Campanhã, que aloja 11 bairros

sociais que asseguram quase exclusivamente a função residencial. Está na não-cidade,

senhora das mais elevadas taxas de pobreza e exclusão.”16

Assim, o Lagarteiro encontra-se

“numa zona marcada ainda por uma forte ruralidade e com défices acentuados ao nível de

13 Ver anexo 6, análise de imprensa. Notícia I (Diário de Notícias, 2006) 14 Ver anexo 4, Mapa do concelho do Porto na atualidade com localização dos principais bairros sociais da

cidade. Devido ao número elevado e à dificuldade de encontrar dados quanto ao número exato, o mapa centra-

se em 31 bairros sociais. 15 Ver anexo 6, análise de imprensa. Notícia II (Exclusivo I, 2010) 16 Ver anexo 6, análise de imprensa. Notícia I (Diário de Notícias, 2006)

10

transportes públicos.”17

Contudo, a este nível o bairro tem tido algumas melhorias “tanto ao

nível da abertura deste território à malha de transportes da cidade, como ao da integração

das suas populações num sistema de mobilidade apelativo e moderno, que promova o

acesso às oportunidades e seja factor de desenvolvimento local.”18

Com base nos estudos Lagarteiro, uma Intervenção Alicerçada na Participação e

Diário do Lagarteiro: mais que um jornal, constata-se que este bairro “é constituído

essencialmente por população jovem, cujos níveis de alfabetização são extremamente

baixos, sendo o abandono e o insucesso escolar um dos principais problemas. Com uma

baixa escolaridade, poucos recursos sociais e financeiros, são frequentemente alvo de

segregação e discriminação social.”19

Esta situação de segregação e discriminação social

leva a um fechamento do próprio bairro, não só a nível urbanístico (afastamento face à

cidade e, portanto, um isolamento interno), como “também em termos das vivências

quotidianas e dos espaços de ação e de referência dos seus habitantes, contribuindo para o

reforço do estigma social negativo que recai sobre o Bairro e sobre quem o habita.”20

Assim, as interações e sociabilidades quotidianas dão-se no interior do bairro, pelo que a rua

é vista como um espaço familiar, no qual se cria, uma “identidade de bairro”.

De modo a combater os principais problemas do bairro e melhorar as condições de

vida da sua população, têm sido criados, ao longo dos anos, projetos de requalificação e

iniciativas de promoção da cidadania e coesão social.

Com o objetivo de implementar uma política da cidade, que considerasse o sistema

urbano como um todo, foi criada a Iniciativa Bairros Críticos, na qual o Bairro do

Lagarteiro se encontra inserido. Esta iniciativa abrange como o próprio nome indica áreas

urbanas com problemas sociais elevados, como é o caso de grupos vulneráveis, de estratos

populacionais desfavorecidos, alvo de exclusão, pobreza e estigmatização, em que o acesso

às oportunidades, à cidadania e coesão social é praticamente inexistente.

A escolha do Bairro do Lagarteiro para ser abarcado por esta iniciativa, prende-se

“com o facto de estar localizado num sítio com poucas acessibilidades (zona oriental da

cidade), marcado por intensos processos de segregação social e urbana, por ser um bairro

pequeno e camarário”.21

17 Pereira, 2011, p.582. 18 Marques (coord.), et. Al., p.5. 19 Pereira, 2011, p.574. 20 Marques (coord.), et. Al., p.2. 21 Pereira, 2011, p.581 e 582.

11

Para além da recuperação e remodelação dos edifícios do bairro, tentou-se que os

habitantes aderissem à iniciativa, através da remodelação interior das suas casas. Esta

iniciativa incluía ainda a reorganização urbanística de novos espaços públicos, bem como de

acessos ao exterior, numa tentativa de aproximação do bairro à cidade. De modo a promover

a cidadania pretendia-se criar um espaço que funcionasse como mediador entre a cidade e o

bairro. Ainda, neste seguimento de levar o bairro para fora dos seus limites, criou-se uma

rádio comunitária, a Lagarteiro-Mix. Quanto ao nível social, estava previsto neste programa

a construção de um centro social, que incluísse uma creche, jardim-de-infância, centro de

dia e apoio domiciliário. Para além disto, a criação de espaços de lazer era também uma

necessidade, pois como vimos anteriormente estes espaços são escassos. Devido à

população vulnerável que existe no bairro torna-se importante, e daí fazer parte deste

programa, ações de intervenção e mediação, ao nível familiar e comunitário, para tentar

resolver situações associadas à toxicodependência, exclusão social e gravidez na

adolescência. Ainda se pode incluir a este nível a educação ambiental, artística e cultural da

população, pretendendo assim aumentar as habilidades sociais dos indivíduos, potenciando

o sucesso educativo e as dinâmicas associativas.

Através dos programas implementados pelo Ministério da Saúde previa-se uma

melhoria ao nível da saúde. O plano de vacinação, os rastreios de tuberculose e oncológico e

o acompanhamento da saúde da mulher, criança e idosos, tornam-se importantes para

perceber a situação epidemiológica do Bairro do Lagarteiro, isto é, entender que doenças

afetam a população e qual o seu risco para a saúde pública. Para além destes planos, a

promoção de atividades desportivas também melhora a saúde dos indivíduos. Por fim, sendo

este bairro considerado problemático, a questão da segurança é bastante pertinente. Deste

modo, destaca-se a proximidade da polícia ao bairro, bem como a participação da população

na identificação e resolução dos problemas inerentes ao próprio bairro.

Assim, esta intervenção tenta combater os problemas principais do Bairro do

Lagarteiro, tentando melhorar as suas condições de vida e assim combater as desigualdades

criadas na própria cidade. Sendo esta intervenção de importância elevada é, ainda de

ressalvar, que segundo consta na página da Internet da Câmara Municipal do Porto, foi

atribuído em 2012 o prémio IHRU (Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana) à

reabilitação do espaço público do Bairro do Lagarteiro, tendo esta intervenção contemplado

“a criação de novas ruas e de percursos pedonais, a renovação das infraestruturas de

12

abastecimento de água, águas pluviais e águas residuais, a instalação de mais e melhor

iluminação pública e a recuperação dos espaços verdes e das áreas de lazer.”22

Considerações finais

A cidade é um espaço de diversidade, onde se agrupam zonas residenciais,

comerciais e industriais. Contudo nem sempre se apresenta com uma organização espacial

igualitária em termos de habitação, oportunidades e condições de vida.

A habitação, por ser considerada um bem de necessidade individual, é fundamental

no desenvolvimento do tecido urbano, devido à envolvência da disposição no território, à

repercussão do trabalho, assim como às políticas sociais. Com o passar dos anos, o lar tem

acrescido o seu grau de importância como lugar de identificação da própria família e como

forma complexificada do quotidiano. O sujeito ativa o seu sistema emotivo, de forma a

manifestar os seus sentimentos face ao espaço habitacional.

Os bairros sociais devido a todos os problemas que os envolvem, sejam de ordem

interna ou externa ao próprio bairro, fazem dele um espaço propício à desigualdade,

exclusão e estigmatização social. “É, pois, importante que se tenha em conta na

predisposição das políticas voltadas para a luta contra a pobreza e a exclusão social. Com

efeito, não forçosamente por serem eficazes, essas políticas devem oferecer um apoio global

aos indivíduos que se encontram em condições de carência.”23

Quanto ao Bairro do Lagarteiro este continua numa posição geográfica desfavorável.

Apesar das melhorias ao nível das acessibilidades, ainda apresenta algumas deficiências,

sendo facilmente alvo de exclusão. Devido sobretudo às fracas condições habitacionais e

económicas, bem como à baixa taxa de escolarização, é visto pela restante população como

um espaço fechado que não pertencente à malha consolidada urbana.

De modo a combater esta realidade que afeta a vida dos seus habitantes, é essencial a

existência de mais programas e iniciativas públicas. Conclui-se assim a importância das

políticas de intervenção dos municípios e do Estado, como é o caso do projeto Iniciativa

Bairros Críticos e do Plano Especial de Realojamento.

22 Câmara Municipal do Porto, 2012. 23 Mela, 1999, p.111

13

Notas bibliográficas

Artigos científicos

Guerra, Isabel (1994) – As pessoas não são coisas que se ponham em gavetas.

Sociedade e Território, n.º 20. Porto: Afrontamento.

Ribeiro, José (1979) – O desenvolvimento do Porto e a Habitação dos

Trabalhadores. Cidade/Campo (Cadernos da habitação do território), n.º 2. Lisboa.

Vilaça, Eduardo (2001) – “O «Estado da Habitação»: medidas sem política num

país adiado”. Cidades, Comunidades e Territórios, n.º 3. Lisboa: CET – ISCTE.

Documentos eletrónicos disponíveis online

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ampliação da exclusão. [em linha]. Disponível em: <

http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR462df3cd04e3f_1.PDF> Acesso a 3 de março de

2013.

Diário de Notícias (11 de janeiro de 2006) – Bairro do Lagarteiro vai ter um

programa para sair da degradação. [em linha]. Disponível em:

<http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=633982> Acesso a 20 de março de 2013.

Diário de Notícias (24 de fevereiro de 2010) – Reabilitação do Lagarteiro está

pronta a arrancar. [em linha]. Disponível em:

<http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1502741&seccao=Norte>

Acesso a 7 de abril de 2013.

Diário de Notícias (29 de abril de 2012) – PS alerta para perigo nos bairros sociais

do Estado. [em linha]. Disponível em:

<http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2447562&seccao=Norte&page

=-1> Acesso a 20 de março de 2013.

Expresso (7 de março de 2008) – No Cerco do Porto há quem tenha medo de lá

viver. [em linha]. Disponível em: <http://expresso.sapo.pt/perbairros-sociais-no-cerco-do-

porto-ha-quem-tenha-medo-de-la-viver-c-fotos=f260758> Acesso a 20 de março de 2013.

I/Semanário do Grande Porto (20 de julho de 2010) – 50 mil portuenses vivem em

bairros sociais. E não querem sair. [em linha]. Disponível em:

<http://www1.ionline.pt/conteudo/69855-50-mil-portuenses-vivem-em-bairros-sociais-e-

nao-querem-sair> Acesso a 20 de março de 2013.

Jornal da Construção (21 de novembro de 2011) – Lucios termina recuperação do

bairro do Lagarteiro. [em linha]. Disponível em:

<http://www.jornaldaconstrucao.pt/index.php?id=7&n=2501> Acesso a 7 de abril de 2013.

Jornal de Notícias (20 de julho de 2010) – Bairros sociais são o tecto de 20% da

população da cidade do Porto. [em linha]. Disponível em:

<http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Porto&Concelho=Porto&Opti

on=Interior&content_id=1621937> Acesso a 20 de março de 2013.

14

Jornal de Notícias (18 de novembro de 2011) – Inaugurado no Lagarteiro pavilhão

que custou 1,25 milhões de euros. [em linha]. Disponível em:

<http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Porto&Concelho=Porto&Opti

on=Interior&content_id=2134290&page=-1> Acesso a 7 de abril de 2013.

Jornal de Notícias (6 de março de 2013) – Oito detidos por tráfico em bairros do

Porto. [em linha]. Disponível em:

<http://www.jn.pt/PaginaInicial/Seguranca/Interior.aspx?content_id=3091193> Acesso a 20

de março de 2013.

Layman, Richard (31 de dezembro de 2011) – Low income, high income, the market

and the right to the city. [em linha]. Disponível em:

<http://urbanplacesandspaces.blogspot.pt/2011/12/low-income-high-income-market-and-

right.html> Acesso a 5 de abril de 2013.

Leitão, Pedro (21 de setembro de 2007) – Antes era assim. [em linha]. Disponível

em:

<http://www.porto.taf.net/dp/taxonomy_menu/1/99http://www.porto.taf.net/dp/taxonomy_

menu/1/99> Acesso a 7 de abril de 2013.

Marques, Teresa Sá, et al. (2008) – Lagarteiro, uma Intervenção Alicerçada na

Participação. Porto: Universidade Católica Portuguesa: Centro de Estudos de Serviço

Social e Sociologia. [em linha]. Disponível em:

<http://aleph20.letras.up.pt/exlibris/aleph/a20_1/apache_media/VXB4S1J3IXXXYIE4RT9

BK8RMI7KB3X.pdf> Acesso a 3 de março de 2013.

Público (18 de julho de 2010) – Como é que o Porto se tornou num arquipélago de

bairros sociais? [em linha]. Disponível em: <http://www.publico.pt/temas/jornal/como-e-

que-o-porto-se-tornou-num-arquipelago-de-bairros-sociais-19814756> Acesso a 20 de

março de 2013.

Pereira, Sara (Org.) (2011) – Diário do Lagarteiro: mais que um jornal… Congresso

Nacional "Literacia, Media e Cidadania" Braga: Universidade do Minho: Centro de

Estudos de Comunicação e Sociedade. [em linha]. Disponível em: <

www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/lmc/article/download/493/466> Acesso a 15 de março

de 2013.

Porto 24 (6 de maio de 2012) – Reabilitação do bairro do Lagarteiro em risco, diz o

PS. [em linha]. Disponível em: <http://porto24.pt/porto/06052012/reabilitacao-do-bairro-do-

lagarteiro-em-risco-diz-o-ps/#.UWBRwRfDl-s> Acesso a 7 de abril de 2013.

Monografias

Costa, António Firmino da (1999) – Sociedade de Bairro. 1.ª ed. Oeiras: Celta

Editora. ISBN 972-774-025-1.

Faria, Carlos Vieira de (2009) – As Cidades na Cidade: movimentos sociais urbanos

em Setúbal 1966-1995. 1.ª ed. Lisboa: Esfera do Caos. ISBN 978-989-8025-71-5.

Giddens, Anthony (2010) – Sociologia. 8.ª ed. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian. ISBN 978-972-31-1075-3.

15

Mela, Alfredo (1999) – A Sociologia das Cidades. 1ª ed. Lisboa: Editorial Estampa.

ISBN 972-33-1390-2.

Pereira, Virgílio Borges (2009) – Sobre a formação de doxas, de ortodoxias e de

“efeitos de alodoxia” na (re)produção das intervenções habitacionais do Estado na cidade

do Porto (1956-2006). Centro de Estudos Teatrais da Universidade do Porto. ISBN 978-

989-95312-1-5.

16

Anexos

17

Anexo 1 – Esquema de Burgess

Imagem 1 – Esquema de Burgess

Fonte: urbanplacesandspaces, por Richard Layman

18

Anexo 2 – Mapa do concelho do Porto em 1913

Imagem 2– Mapa do concelho do Porto (início do Século XX)

Fonte: porto.taf.net, por Pedro Leitão

Nota: “Este mapa foi retirado do livro "Manual do viajante em Portugal" de L. de Mendonça e Costa, edição de 1913.”

19

Anexo 3 – Mapa do concelho do Porto em 1952

Imagem 3 – Mapa do concelho do Porto (1952)

Fonte: Antão de Almeida Garrett

20

Anexo 4 – Mapa do concelho do Porto na actualidade com a localização dos principais bairros sociais

Imagem 4 – Mapa do

concelho do Porto na

actualidade com

localização dos principais

bairros sociais da cidade

Fonte: Elaboração própria

Nota: Devido ao número

bastante elevado de bairros

sociais existentes na cidade,

bem como à falta de acesso à

listagem dos mesmos,

optamos por localizar os

principais, de acordo com

documentos da Câmara

Municipal do Porto e de

autores como Virgílio Borges

Pereira.

Lagarteiro

21

Anexo 5 – Mapa do Bairro do Lagarteiro

Imagem 5 – Mapa do

Bairro do Lagarteiro

Fonte: Elaboração própria

22

Anexo 6 – Análise de impressa

Diário de Notícias (11 de janeiro de 2006) – Bairro do Lagarteiro vai ter um

programa para sair da degradação. [em linha]. Disponível em:

<http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=633982> Acesso a 20 de março de

2013.

Bairro do Lagarteiro vai ter um programa para sair da

degradação Alfredo Teixeira

As casas estão degradadas e sobrelotadas, pelo bairro domina a toxicodependência e o

desemprego é um grave problema. O número de pessoas a precisar de rendimento mínimo

é elevado. Gente que, com o tempo, ganhou desafeição ao trabalho. Todos estes são

motivos suficientes para que o Bairro do Lagarteiro, no Porto, seja um "barril de pólvora"

e onde a criminalidade e a delinquência fazem parte do dia-a-dia. Agora, chega a

possibilidade de uma reabilitação de todo este espaço através do programa Operações de

Qualificação e Reinserções Urbana de Bairros Críticos, coordenado pelo Instituto

Nacional de Habitação (INH) que, com outras entidades, hoje fará o diagnóstico da

intervenção a aplicar.

Maria Fernanda reside no bairro há 33 anos e recorda o dia em que ali chegou. "Tinha 10

anos e isto era lindo! As casas eram novas, estavam ainda muitas desocupadas. Os jardins

estavam cuidados e dava gosto viver aqui", recorda. A qualidade de vida durou, no

entanto, pouco tempo. "Quando os blocos se encheram começaram os problemas",

agravados depois com o tráfico de droga e a toxicodependência. "Agora é só índios. A

gente estende a roupa na janela e ela é roubada", acrescenta a moradora. O Lagarteiro é

constituído por 13 blocos e tem 446 fogos onde residem cerca de 2200 pessoas. Foi

construído em 1973 na zona oriental, em Campanhã. O progresso levou a que ficasse

enclausurado entre as duas principais vias que circundam a cidade, a Estrada da

Circunvalação e a Via de Cintura Interna (VCI). Hoje, é um gueto estigmatizado pela

restante cidade.

Auto-exclusão

Os próprios moradores do Lagarteiro auto-excluem-se. "Quando têm de resolver qualquer

problema, como por exemplo registar um filho, é normal dizerem amanhã vou ao Porto",

explica António Pinto, assistente social da Junta de Freguesia de Campanhã e que, duas

vezes por semana, atende os moradores no posto criado pela junta num primeiro andar do

bloco 3. Nas tardes de segunda e terça-feiras recebe 30 a 40 residentes, "pessoas que já

ultrapassaram a barreira da vergonha de explicar que estão numa situação dramática". No

consultório são expostos os mais variados problemas, desde a violência doméstica à

toxicodependência, passando pelo alcoolismo, a prostituição ou situações de sem-abrigo.

No Lagarteiro, a população está habituada a viver no limite e os problemas de

23

insegurança, provocados pelo tráfico de estupefacientes, aumentaram depois dos blocos

terem recebido algumas famílias que vieram do vizinho Bairro de S. João de Deus que

está a ser requalificado pela Câmara do Porto. "O presidente Rui Rio só sabe é aumentar

as rendas. Enquanto noutros bairros a câmara tem feito obras aqui nada, está tudo ao

abandono", diz Orquídea Proença, residente ali há cinco anos. "Deram-me uma casa toda

podre!", acrescenta.

Qualificação e reinserção

No total, o programa tem destinados 25 milhões de euros para a requalificação de três

bairros problemáticos Cova da Moura (Amadora), Vale da Amoreira (Moita) e Lagarteiro.

"Esperamos ficar com pelo menos dez milhões", refere o assistente social de Campanhã. O

investimento será feito no interior e no exterior das habitações, nos arranjos exteriores

(jardins e arruamentos), na criação de uma empresa de gestão de condomínio e em

equipamentos sociais para as crianças, juventude e terceira idade. A última vertente, e a

mais importante na opinião de António Pinto, será a do acompanhamento social no sentido

de se "formar as pessoas".

A primeira reunião entre todas as entidades envolvidas no processo realiza-se hoje. Além

do INH, também os ministérios da Administração Interna, Cultura, Saúde, Educação e

Trabalho, Alto comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas; Centro de Saúde de

Campanhã; Fundação Filos, CAT Oriental do Porto, Rede Europeia Antipobreza, Instituto

de Emprego e Formação Profissional, Fundação para o Desenvolvimento Social do Porto e

Escola Básica do Lagarteiro irão fazer o diagnóstico da intervenção.

I/Semanário Grande Porto (20 de julho de 2010) – 50 mil portuenses vivem em

bairros sociais. E não querem sair. [em linha]. Disponível em:

<http://www1.ionline.pt/conteudo/69855-50-mil-portuenses-vivem-em-bairros-sociais-e-

nao-querem-sair> Acesso a 20 de março de 2013.

Exclusivo i/Semanário Grande Porto

50 mil portuenses vivem em bairros sociais. E não querem sair por Pedro Sales Dias, Publicado em 20 de Julho de 2010

Vinte investigadores entrevistaram 750 famílias, durante três anos, em dez bairros sociais

do Porto

O Porto é cidade do Portugal com mais bairros sociais e mais pessoas a viver em bairros.

"A cidade tem cerca de 20% de população (50 mil pessoas) a viver em habitação social.

No resto do país a taxa é de 4%", revela Virgílio Borges Pereira, coordenador da equipa

do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, responsável

pelo estudo "Ilhas, bairros sociais e classes laboriosas na cidade do Porto (1956 - 2006").

O projecto, ontem apresentado, mostra que a maioria dos portuenses que residem em

bairros sociais não os quer abandonar. "Muitas vezes a casa é um elemento de estabilidade

que foi difícil de alcançar. Não vivemos numa sociedade com muitas oportunidades e

estas populações não têm os percursos esperados do ponto de vista laboral e de

24

escolaridade", explica o professor. O responsável lança críticas às políticas sociais:

"Muitos moradores das ilhas viveram e vivem dificuldades e não querem sair. Isso deve-

nos obrigar, do ponto de vista político, a ouvir as pessoas. Há um plano afectivo quando se

tem 70 anos. Estamos a falar de muitas pessoas com pouco poder", afirma o sociólogo.

O bairro do Viso é bem o exemplo de que os moradores não querem sair, apesar de se

tratar de uma zona vista como problemática. Segundo o estudo, apenas 29% admitem o

desejo de querer mudar de casa. Aliás, 93,4% assumem mesmo a sua satisfação com a

habitação. O projecto, desenvolvido por uma equipa de 20 investigadores, abordou 750

famílias. Das duas mil pessoas inquiridas, 125 foram entrevistadas com maior

profundidade. O estudo, que durou três anos e é ainda um work in progress, como diz

Virgílio Borges Pereira, incide sobre nove bairros: Amial, Bom Sucesso, Aldoar, Bouça,

São Tomé, Centro Histórico e Bairro do Aleixo, Viso, S. João de Deus e S. Vítor.

Um dos principais objectivos do estudo era analisar "o modo como o Estado, agindo sobre

os territórios, muda os percursos da cidade e das populações", diz Borges Pereira. "O

estudo traça um "retrato que é tudo menos unilinear. Se há coisa que nós sabemos é que os

bairros não são todos iguais nem as pessoas todas iguais", salienta. A investigação destaca

ainda a taxas de desemprego: "No bairro do Viso a taxa é de 18,2% enquanto a média

nacional é de 10,9%. Acredite que este não é o caso mais gritante", graceja o sociólogo.

Há ainda outros dados curiosos para caracterizar o Viso. A idade média dos moradores

ronda dos 44 anos e apenas 34% completou o ensino primário, 66% tem computador e 99

%vê televisão todos os dias. No bairro do Amial, 6,9 por cento dos moradores do Bairro

do Amial estão desempregados e 74 por cento têm automóvel. Em ambos, um dos

principais problemas registados nas entrevistas foi o flagelo do tráfico de droga

mencionado amiúde pelos moradores.

Jornal de Notícias (20 de julho de 2010) – Bairros sociais são o tecto de 20% da

população da cidade do Porto. [em linha]. Disponível em:

<http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Porto&Concelho=Porto&Opt

ion=Interior&content_id=1621937> Acesso a 20 de março de 2013.

Bairros sociais são o tecto de 20% da população da cidade do

Porto No Porto, 20% da população vive hoje em bairros sociais e há 1300 casas em ilhas (dados

de 2001). Se nos bairros a realidade social não muda há décadas, as ilhas têm mudado e

estão longe de acabar. A procura por imigrantes tem feito disparar o preço das rendas.

O Porto, juntamente com Lisboa, constitui a grande excepção no país, com uma margem

larga da sua população a viver em bairros sociais. Se analisarmos o país todo, apenas 3%

da população vive nesses aglomerados habitacionais construídos pelo Estado.

25

A razão para as duas grandes cidades serem a excepção prende-se com “o processo de

industrialização e posterior desindustrialização, que se verificou entre o final do século

XIX e o século XX”, avançou Virgílio Borges Pereira, professor da Universidade do

Porto. O sociólogo é o responsável por um estudo apresentado, ontem, segunda-feira,

sobre “Ilhas, Bairros Sociais e Classes Laboriosas”.

Ou seja, com o início da industrialização no final do século XIX, as cidades

transformaram-se em grandes aglomerados populacionais, alterando aquilo que até então

era a sua face. Primeiro vieram as ilhas, depois os bairros.

Começaram por construir-se nos espaços livres habitações em fila, com entradas e

sanitários comuns, na parte de trás das casas. Essas ilhas ficavam muitas vezes atrás das

fábricas, isto é, perto do local de trabalho.

“Em 1939 havia, só no Porto, 40 mil pessoas a viverem em cerca de 14 mil ilhas”,

afirmou o sociólogo. No ano de 2001, eram 1300 casas em ilhas. Hoje, não se sabe

quantas são ao certo na cidade, mas sabe-se que há um esforço para acabar com elas, por

terem condições muitas vezes insalubres e com rendas altas.

A explosão dos Bairros, por sua vez, dá-se nos anos 50 aquando da migração para Porto e

Lisboa dos “brancos rurais”. Há, no Porto, por exemplo, “um antes de 1956 e um depois

de 1956, altura em que arrancou o Plano de Melhoramento da Cidade do Porto, que

significava construir bairros sociais”, acrescentou.

Com os “brancos rurais” acabariam por vir os ciganos, os africanos e um processo de

urbanização galopante. Mas nesta altura, já estávamos no processo inverso, ou seja, na

desindustrialização. Já não era fácil arranjar emprego na indústria.

Resumindo, se até aos anos 50 a sociedade industrial funcionou, com base no bairro

social, após os anos 50, com a desindustrialização em aceleração (isto é, a mão-de-obra a

ser substituída por máquinas) e as constantes migrações em massa, a leitura do bairro

começa a ser problemática.

“A leitura que se faz dos bairros sociais ainda hoje é problemática”, alertou, acrescentando

que “no entanto, os bairros foram muito importantes na trajectória das famílias” e que a

tónica se deve colocar “na forma como tudo isto é conduzido pelo Estado”.

Em 1974, houve uma primeira tentativa de alterar a situação, tentando integrar-se essas

populações na solução do problema. Ao invés, os processos de transferência para o bairro

foram vividos de forma violenta. Essas populações ficaram condenadas à precariedade e,

muitas vezes, à economia informal. É o que hoje se verifica.

Mas para Virgílio Borges Pereira, “o modelo de habitação social pode ainda ser válido

desde que repensado e planeado”.

Leonor Paiva Watson

Diário de Notícias (29 de abril de 2012) – PS alerta para perigo nos bairros

sociais do Estado. [em linha]. Disponível em:

<http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2447562&seccao=Norte&pag

e=-1> Acesso a 20 de março de 2013.

26

PS alerta para perigo nos bairros sociais do Estado

O PS Porto alertou hoje que há vidas em perigo em bairros da cidade que são propriedade

do Estado e propõe que a gestão das habitações sociais passe para a Câmara do Porto.

Em declarações à Lusa, Manuel Pizarro, deputado e presidente do PS/Porto, afirmou que

na próxima reunião de Câmara do Porto os vereadores socialistas vão pedir a formalização

de um acordo que "transfira a gestão dos bairros sociais que são propriedade do Estado

para a Câmara".

"Não faz sentido que esteja centralizado num organismo do Governo a gestão de habitação

social do Porto. Não faz sentido que o Governo seja senhorio de centenas ou milhares de

famílias da cidade do Porto", declara o deputado parlamentar, lamentando a falta de um

"interlocutor proactivo a quem os moradores possam colocar os problemas das habitações.

Segundo Manuel Pizarro, há habitações que colocam "em risco a segurança dos

moradores", porque as estruturas dos prédios estão em risco de ruir.

"Algumas estruturas dos bairros sociais têm vindo a ruir ao longo dos últimos meses",

afirma o presidente da Comissão Política da Concelhia do PS Porto, que visitou hoje o

"profundamente degradado" Bairro de Paranhos, um dos que são propriedade do Estado e

há mais de 35 anos que não sofrem obras de reparação.

Também os bairros de Ramalde, Pereiró, Ramalde do Meio, Viso, S. Tomé, Leonardo

Coimbra, Novo de Paranhos e Contumil são propriedade do Estado, mas a "degradação

profunda" em que caíram, "colocam a segurança dos moradores em risco", avisa o

deputado.

Para solucionar o problema, o PS Porto defende que seja estabelecido, "com caráter de

urgência", um diálogo entre Governo e a Câmara Municipal do Porto para que se possa

formalizar um acordo de transferência da gestão dos bairros sociais do Estado para a

autarquia portuense.

Pizarro refere que no acordo deve estar previsto "um envelope financeiro" para que as

obras de recuperação ocorram nos próximos quatro ou cinco anos, porque sem isso os

"problemas vão continuar a agravar-se no futuro" e o "custo das intervenções vai

aumentar".

Lusa

publicado a 2012-04-29 às 16:10

Público (18 de julho de 2010) – Como é que o Porto se tornou num arquipélago de

bairros sociais? [em linha]. Disponível em: <http://www.publico.pt/temas/jornal/como-e-

que-o-porto-se-tornou-num-arquipelago-de-bairros-sociais-19814756> Acesso a 20 de

março de 2013.

O Bairro Sidónio Pais, na Arrábida, foi o primeiro bairro social a ser construído na cidade, entre 1915

e 1919

27

Habitação

Como é que o Porto se tornou num arquipélago de bairros

sociais? É uma herança do pesado processo de industrialização de meados do século XIX. Uma

equipa de investigadores da Universidade do Porto está a recuperar a história desse

verdadeiro arquipélago de bairros, que concentra cerca de 20 por cento da população do

concelho do Porto. Ana Cristina Pereira (texto) Adriano Miranda (fotografia)

Era uma cidade sobrelotada, insalubre. Ricardo Jorge e a junta médica puseram-na de

quarentena. Uma doença alastrava, sorrateira. Primeiro, matara operários. Depois, deixara

de olhar a profissões. Era a peste bubónica a fechar o Porto, entre Agosto de 1899 e

Janeiro de 1900, quando todas as outras cidades europeias já a tinham erradicado.

Virgílio Borges Pereira, professor auxiliar do Instituto de Sociologia da Faculdade de

Letras da Universidade do Porto (FLUP), atribui grande significado a este episódio: "A

vida, na cidade, era muitíssimo difícil." Do campo a ela acorriam muitos dos fugidos à

fome. O Douro funcionava como via de escoamento do interior norte.

Há, hoje, uma visão homogénea dos bairros sociais. "É importante perceber que este foi o

quadro de partida", diz o coordenador do projecto de investigação Ilhas, bairros e classes

laboriosas: um retrato comparado da génese e estruturação das intervenções

habitacionais do Estado na cidade do Porto e das suas consequências sociais (1956-

2006), financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, e cujos resultados

preliminares serão apresentados amanhã e depois de amanhã, num colóquio, na FLUP.

É uma herança marcante do pesado processo de industrialização iniciado em meados do

século XIX. O Porto concentra à volta de 20 por cento da população em habitação social.

Há muitas cidades assim pela Europa fora. Não em Portugal - o país tem três por cento dos

seus habitantes nesse género de casas.

O Recenseamento Geral da População mostra o povoamento galopante: 86.761 habitantes

em 1864; 138.860 em 1890, 194.009 em 1910. Com ele, propagavam-se doenças. Não era

só a peste - a tuberculose, por exemplo, matou 31 por cada mil habitantes entre 1880 e

1900.

Era, como lembra António Teixeira Fernandes, professor catedrático jubilado da FLUP, o

tempo da "ideologia da cidade saudável" e do "estigma da cidade insalubre": a burguesia,

que residia no centro histórico, afastou-se, construiu moradias na vertente sobre o Douro,

até à foz e depois dela. E os prédios do centro não davam para acolher todos os que iam

chegando.

Diz isto sentado à volta de uma mesa, numa sala de reuniões do Instituto de Sociologia,

que fundou, em 1989, quatro anos depois de ter fundado o curso. Com ele, José Madureira

28

Pinto (catedrático jubilado da Faculdade de Economia da UP), Virgílio Borges Pereira,

João Queirós (bolseiro do projecto) a comporem a história da cidade.

O Porto da primeira metade do século XIX era uma cidade tradicional. E, em pouco

tempo, transformou-se "numa pequena Manchester". Espaços livres foram sendo ocupados

por ilhas - habitações construídas em fileira, com entradas e retretes comuns, nas traseiras

das casas. Os próprios empregadores edificavam atrás das unidades fabris. E a câmara

fazia de conta que não era com ela: só regulamentava as fachadas dos prédios.

Solução adiada

Os anos passaram sem que os problemas deixassem de se reproduzir. Pelo Inquérito Geral

às Ilhas, em 1939, havia cerca de 40 mil pessoas a viver em quase 14 mil ilhas - no centro

da cidade, nas áreas de maior expressão industrial, na periferia oriental e, por fim, por toda

a cidade.

Os privados tentaram, a certa altura, num quadro de medidas filantrópicas, inventar saídas,

explica Virgílio Borges Pereira. Não foram longe. Com a República, o Estado ensaiou as

primeiras soluções. Entre 1915 e 1919, construiu o primeiro bairro social (Sidónio Pais) e

quatro colónias operárias.

O Estado Novo lançou o chamado "Programa de Casas Económicas", que entre 1933 e

1950 construiu nove bairros em áreas ainda pouco urbanizadas da cidade. Só que essas

casas "não eram para os moradores das ilhas ou do centro histórico", sublinha o mesmo

investigador. "As classes laboriosas eram, sistematicamente, encaradas como perigosas."

Havia princípios de selectividade, que afastavam operários. Eram moradias unifamiliares

com quintal, edificadas pelo Estado e depois vendidas aos interessados, o que atirava as

rendas para valores incomportáveis. E alguns bairros destinavam-se mesmo a certos

grupos profissionais.

A acção do Estado revelava-se lenta, insuficiente. Na primeira metade do século XX, não

construiu mais de 2500 fogos. E a população continuava a crescer a ritmo acelerado: mais

de 280 mil habitantes em 1950.

Em Maio de 1955, José Albino Machado Vaz, então presidente da câmara, pediu ajuda ao

Governo de António Oliveira Salazar para "modificar radicalmente o alojamento popular".

E, um ano depois, arrancava o Plano de Melhoramentos da Cidade do Porto, que responde

pela construção dos grandes bairros. Em dez anos, mais de seis mil fogos na periferia da

cidade que existia.

Há, no Porto, um antes e um depois de 1956. E é essa história que a equipa de

investigadores coordenada por Virgílio Borges Pereira está a tentar recuperar. Através de

milhares de horas de recolha de arquivos, centenas de inquéritos, dezenas de entrevistas

29

aprofundadas. Já fez um levantamento das iniciativas do Estado - central ou local. E está a

fazer estudos de caso.

Teixeira Fernandes viu como as populações perceberam, desde logo, "que a forma de o

Estado lhes dar habitação social era construir uma barraquinha no espaço urbano. Faziam

isso em Lisboa e no Porto, embora em menor escala, sobretudo nas zonas mais

periféricas".

Madureira Pinto engraça com a cartografia dos bairros: "Eles formam uma espécie de

arquipélago. Acabam por estar bem distribuídos, apesar de haver alguma concentração na

zona oriental. E isso podia até constituir um trunfo num quadro de reabilitação urbana."

"Não havia uma verdadeira preocupação de integração urbana", recorda Teixeira

Fernandes. "Só não se queria expor ao visitante aquilo que eram as "chagas" da sociedade.

Havia uma ideia de apresentar uma cidade decente ao exterior."

Os bairros sociais foram construídos de tal forma que vão de um extremo ao outro do

município. Alguns estão mesmo na fronteira. O Bairro do Lagarteiro nasceu na fronteira

com Gondomar, por exemplo. E o Bairro de Manuel Carlos Agrelos (Aldoar) nasceu na

fronteira com Matosinhos.

"Muitas vezes, diz-se que os bairros sociais estão em espaços nobres, valorizados", atalha

João Queirós. "O tecido urbano é que cresceu e se aproximou deles. Na altura, ir do centro

para um bairro a quatro ou cinco quilómetros não significava o mesmo que hoje."

Foram-se rasgando vias, foram-se construindo edifícios nos espaços libertos, foi-se

amarrando cidade à volta.

"Não há muitas cidades - nessa Europa - que tenham uma orientação tão definida como o

Porto e Lisboa", avalia Teixeira Fernandes. "Há em muitas uma implantação da população

muito descontínua - em Paris vê-se isso muito bem; em Viana de Áustria talvez até

melhor. Mas não com esta configuração norte-sul ou oriente-poente."

Retomem-se os dois exemplos para ter uma ideia desta orientação.

O Bairro do Lagarteiro nasceu num espaço tão liberto de urbanidade que perto dele surgiu

o Parque Oriental. Está na freguesia de Campanhã, que aloja 11 bairros sociais que

asseguram quase exclusivamente a função residencial. Está na não-cidade, senhora das

mais elevadas taxas de pobreza e exclusão.

O Bairro de Manuel Carlos Agrelos implantou-se num espaço tão liberto de urbanidade

que perto dele surgiu o Parque da Cidade. Está na freguesia de Aldoar, que integra quatro

30

ou cinco tipologias de habitação - desde condomínio privado ao bairro camarário, o que

não quer dizer, nota João Queirós, "que haja proximidade social".

Também houve fábricas na zona ocidental, só que as populações mais privilegiadas

estavam a fixar-se lá. Esse movimento tornou-a mais favorecida, mas não a poupou a

problemas. Alguns até se colocam de forma mais intensa, por força da pressão urbanística,

sugere João Queirós, a pensar no Bairro do Aleixo, hipermercado de drogas do Grande

Porto cercado por condomínios de classe média alta, condenado a ir abaixo.

Expansão da cidade

Para Virgílio Borges Pereira, é evidente que o Plano de Melhoramentos de 1956/1966 era

um plano de expansão da cidade: "A presença de espaços habitacionais que resultam da

acção do Estado é muito relevante. É uma forma de contribuir para a construção de tecidos

urbanos que não sejam tão desequilibrados quanto seriam, se decorressem apenas da acção

do mercado."

O sociólogo não quer que se pense que este é um exclusivo do Porto: "Encontramos isto

em muitas cidades europeias. Sociedades muito mais ricas do que as nossas - e mais

equilibradas na distribuição de rendimento - têm políticas de alojamento muito mais

efectivas. O que seria Paris, por exemplo, se não tivesse habitação social? Seria muito

menos diversa."

João Queirós dá o exemplo de Amesterdão, à qual muitos chamam "cidade justa".

Concentra 40 por cento dos residentes em habitação social. Só que o modelo é outro. Mal

se sente.

Houve uma segunda fase de Plano de Melhoramentos para a Cidade do Porto. Ainda em

1956, Nuno Pinheiro Torres, o presidente da câmara de então, deu início à construção de

mais 1674 fogos. Com a revolução de 25 de Abril de 1974, uma nova lógica despontou. A

mais emblemática medida habitacional da época é o Serviço de Apoio Ambulatório Local

(SAAL).

Pela primeira vez, as pessoas foram convocadas para encontrar soluções para os seus

problemas habitacionais. Mas essa visão alternativa não chegou a consolidar-se. Nem lá

perto.

No Porto, os processos de transferência para os bairros foram quase sempre por muitas

pessoas vividos como uma forma de violência. O problema, diagnostica João Queirós, é

que "as pessoas não foram envolvidas". Tão-pouco foram acompanhadas naquela nova

fase. "Dá-se a casa e acaba aí."

Madureira Pinto não podia estar mais de acordo: "Retira-se-lhe a voz. A sua forma de

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participação é estar. Porquê? Porque o que se quer é resolver um problema da cidade e não

da população. E isto a prazo implica menos interesse na resolução dos problemas do

bairro."

Teixeira Fernandes também aponta desencontro entre as aspirações da população e as

acções da câmara: "Nas zonas onde viviam havia uma relação com o local de trabalho (a

escola não teria grande valor). E foram transferidas para zonas com as quais não se

identificavam, desvinculadas do trabalho e da escola. O poder político não tinha grande

sensibilidade."

Não é tudo. "O realojamento pouco foi acompanhado por políticas de escolarização e de

formação profissional e isso, sobretudo em momentos como este, tem reflexos grandes",

enfatiza Virgílio Borges Pereira. Não fala da actual crise financeira e económica. Fala de

uma crise de longo prazo que tem a ver com o reposicionamento do Porto na divisão do

trabalho.

A indústria desapareceu. E esta população, que entretanto não se qualificou, tem uma

vocação de trabalho diferente da de outras zonas do distrito ou do país. Não interiorizou a

mobilidade quotidiana. Procura trabalho numa zona restrita. Vive centrada no próprio

contexto. Não sai.

João Queirós vê as coisas assim: "Numa vida, aconteceu o fim do mundo. Um homem que

aos 20 anos era um operário metalúrgico integrado viveu o fim do mundo aos 45. E o

filho, que ele teve aos 25 anos, nasceu e cresceu nesse mundo que já não existe. Ficou um

vazio."

Madureira Pinto pensa que "é ao nível do emprego que se colocam os problemas sociais

decisivos". Mas não descarta problemas sociais que têm a ver com as dinâmicas do

próprio bairro: "A relação das populações com a escola é muito modelada pela forma

como as pessoas se encaram a si mesmas no contexto da cidade. Por exemplo, o sentirem-

se como parte do bairro, mas excluídos da cidade, faz com que não se relacionem bem

com a escola, que traz o universal."

Parece-lhe evidente que "há processos de estigmatização que têm efeitos". Por isso, crê ser

"difícil intervir": "As políticas urbanas erradas pagam uma factura muito pesada e é o

Estado que a prazo é confrontado com problemas que então se torna de facto incapaz de

resolver."

"O problema é que, quando o Estado se retira destes contextos, a acção é lacunar", insiste

Virgílio Borges Pereira. "Estamos a falar de bairros não muito grandes. Há pouco

estivemos, na Escócia, num com 40 e tal mil habitantes. Aqui dir-se-ia que era ingerível. E

o que lá vimos foram instituições que estão há décadas a trabalhar. É a única alternativa.

Trabalho continuado. Aqui, o que vemos são projectos a começar e a acabar."

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O Programa Especial de Realojamento (PER), lançado em 1993, foi "uma oportunidade

para questionar os modelos do passado e para equacionar novas soluções, quiçá integrando

finalmente preocupações urbanísticas, preocupações sociais e envolvimento das

populações". No Porto, diz o investigador, "nalguns casos, adoptaram-se modelos

inovadores (bairros pequenos ou médios, de grande qualidade arquitectónica), noutros

repetiram-se modelos do passado".

Pelo caminho, cristalizou-se a ideia de que o bairro social é, à partida, um problema.

"Estou convencido que parte da saída para os concelhos limítrofes tem a ver com a

dificuldade de os cidadãos se relacionarem com a habitação social da sua cidade",

comenta Madureira Pinto, numa alusão à sangria que o concelho sofre desde os anos 80.

Os investigadores insistem todos num ponto: nem os bairros sociais são todos iguais (de

alguns nem sequer se ouve falar), nem as pessoas que neles moram constituem uma massa

homogénea. Esta investigação, cujos resultados começam a aparecer, pretende, sem

escamotear o problemático, mostrar o emancipatório. "Esses processos existem", vinca

Virgílio Borges Pereira. "Pessoas que têm trajectórias de educação, de trabalho, para quem

a habitação social foi muito importante." Teixeira Fernandes

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Anexo 7 – Imagens do Bairro do Lagarteiro, no Porto

Imagem 6 – Reabilitação do Bairro do Lagarteiro

Fonte: porto24.pt

Imagem 7– Bairro do Lagarteiro

Fonte: Jornal da Construção

Imagem 8 – Reabilitação do Lagarteiro está

pronta

Fonte: Diário de Notícias

Imagem 9 – Gabinete do projecto Iniciativa

Bairros Críticos

Fonte: Sara Pereira

Imagem 10 – Bairro do Lagarteiro nos anos 70

Fonte: Teresa Sá Marques et. Al.

Imagem 11 – Bairro do Lagarteiro nos anos 70

Fonte: Teresa Sá Marques et. Al.

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Imagem 12 – Bairro do Lagarteiro em 2006

Fonte: Teresa Sá Marques et. Al.

Imagem 13– Bairro

do Lagarteiro: um

bairro

desarticulado em

termos urbanísticos

Fonte: Teresa Sá

Marques et. Al.

Imagem 14 – Pavilhão

do Lagarteiro

Fonte: Jornal de

Notícias