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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
LICENCIATURA EM SOCIOLOGIA
ANO LETIVO 2012–2013
Desigualdade e organização social nas cidades
Bairros sociais como espaços de exclusão
Tatiana dos Santos Batista
Trabalho realizado para a disciplina de Sociologia da Cidade lecionada pela
Professora Doutora Helena Vilaça
Porto, julho de 2013
2
Índice
Introdução ..............................................................................................................................3
I. Desigualdade e organização social nas cidades: bairros sociais como espaços de exclusão ...3
II. O Bairro do Lagarteiro .......................................................................................................9
Considerações finais ............................................................................................................. 12
Notas bibliográficas .............................................................................................................. 13
Artigos científicos ............................................................................................................ 13
Documentos electrónicos disponíveis online .................................................................... 13
Monografias ..................................................................................................................... 14
Anexos ................................................................................................................................. 16
Anexo 1 – Esquema de Burgess ....................................................................................... 17
Anexo 2 – Mapa do concelho do Porto em 1913 ............................................................... 18
Anexo 3 – Mapa do concelho do Porto em 1952 ............................................................... 19
Anexo 4 – Mapa do concelho do Porto na atualidade com a localização dos principais
bairros sociais .................................................................................................................. 20
Anexo 5 – Mapa do Bairro do Lagarteiro ......................................................................... 21
Anexo 6 – Análise de impressa......................................................................................... 22
Notícia I ................................................................................................................... 22
Notícia II .................................................................................................................. 23
Notícia III ................................................................................................................ 24
Notícia IV ................................................................................................................ 26
Notícia V.................................................................................................................. 27
Anexo 7 – Imagens do Bairro do Lagarteiro, no Porto ...................................................... 33
3
Introdução
O presente relatório insere-se na disciplina de Sociologia da Cidade do 3.º ano da
Licenciatura em Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e recai sobre a
Desigualdade e organização social nas cidades, nomeadamente sobre os Bairros sociais
como espaços de exclusão. A escolha deste tema prende-se com a curiosidade sobre a
temática e devido à sua importância e atualidade, pois é essencial compreender a
organização social da cidade, de modo a perceber as desigualdades inerentes à cidade. O
modo como ocorreu a apropriação dos espaços, a expansão da “mancha urbana”, as relações
económicas e sociais que se formaram, os indivíduos envolvidos, as motivações adjacentes,
as identidades que se criam ou afirmaram, os símbolos associados, servem para analisar e
compreender o desenvolvimento, organização e desigualdades das cidades.
Por fim, a escolha dos bairros sociais para subtema, prende-se com o facto de estes
serem, por excelência, lugares de desigualdades e exclusão sociais, Assim, torna-se
pertinente aprofundar esta questão, nomeadamente num contexto específico, o da cidade do
Porto, mais propriamente a realidade do Bairro do Lagarteiro.
I. Desigualdade e organização social nas cidades: bairros sociais como espaços de
exclusão
“A cidade é um sistema social de grande complexidade” (…) “É simultaneamente
um fenómeno económico, político, cultural, etc.”1 Cada cidade tem a sua própria identidade:
os seus habitantes têm um estilo de vida particular e mantêm relações interpessoais entre si,
bem como com os símbolos e bens da cidade. “Esta interacção entre os símbolos urbanos e
a acção dos habitantes não só contribui para construir a identidade dos indivíduos como
favorece a definição de uma identidade da cidade”2.
No que se refere às suas infraestruturas, as cidades são desenhadas a pensar no bem-
estar das populações e da melhoria da qualidade de vida urbana. Assiste-se, assim, a uma
organização social da cidade. “A normalidade urbanística é regulada por princípios e
normas que decorrem da necessidade de permitir o funcionamento da vida social dos
indivíduos, grupos e comunidades sobre um determinado território”3, ou seja, a cidade deve
assentar na cidadania, inclusão social e igualdade de oportunidades.
1 Mela, 1999, p.43. 2 Idem, 1999, p.147. 3 Faria, 2009, p.49.
4
Segundo Max Weber, a cidade é uma unidade económica, política e comunitária.
Quando o autor refere o ideal-tipo de cidade, desde logo associamos esta noção a algumas
cidades das quais temos alguma proximidade. Tal é o caso do Porto, que no século XVII e
devido à presença da burguesia por toda a cidade, aumentou quer a sua importância em
termos económicos, quer em termos de população, quer ao nível das relações comerciais.
Desta forma, com o aumento das cidades, desde o século XVII, mas principalmente
no fim do século XIX e início do século XX, as desigualdades e pobreza no meio urbano
tornaram-se na realidade da cidade. As disparidades entre as diferentes áreas da cidade
aumentam e criam-se situações de conflito e exclusão. Tal deve-se, no caso do Porto, ao
adensamento da malha urbana, à abertura de novas artérias extramuros e à diversificação da
tipologia habitacional. Toda esta mudança da área urbana conduziu à origem daqueles que
seriam os primeiros estudos sociológicos sobre a vida urbana. Assim, a Escola de Chicago,
pioneira nestes estudos sobre a Sociologia Urbana, pretende compreender os novos
problemas da cidade, como a delinquência, emigração e guetização, apresentando uma
teorização diferente daquela apresentada pelos autores clássicos da Sociologia.
Ernest Burgess considera que a cidade é algo natural, encontrando-se dividida em
zonas4: a Loop, zona central da cidade, corresponde à zona comercial; a Zone in transition
(zona de transição) é uma Slum (zona crítica onde se assiste à interação de vários grupos
étnicos), onde é possível encontrar os guetos; a Zone of workers’ homes é uma zona na qual
vivem trabalhadores que trabalham em casa, como é o caso da segunda zona de imigrantes;
a Residential zone (zona residencial) apresenta-se como uma zona de habitações
independentes, sendo desta forma conhecida como a zona das vivendas. É também
caracterizada pelos Apartament Houses e Bright Light area (zona mais “rica”, com
melhores condições e de baixa densidade); e a Commuters’ zone, que corresponde à zona de
Bungalows, uma zona praticamente fora dos limites da cidade. Neste esquema, os bairros
sociais e os guetos são expulsos para os limites da cidade, em benefício das zonas ricas e do
comércio que passam a ocupar a zona central da cidade, tal como aconteceu no Porto
durante o início do século XX5. “Os novos bairros, dispostos perifericamente em relação ao
centro da cidade, têm as suas soluções fortemente condicionadas pelo baixo custo atribuído
a cada fogo e pela alta densidade exigida”6. Estes bairros conduzem a sua população a um
isolamento, não só físico, mas também simbólico, tornando os bairros sociais praticamente
4 Ver anexo 1 – Esquema de Burgess acerca da divisão da cidade de Chicago em zonas.
5 Ver anexo 2 e 3 – Mapas da cidade do Porto (início do século XX e 1952). 6 Ribeiro, 1979, p.31.
5
iguais. Contudo, estes vêm opor-se a todos os outros espaços da cidade, quer a nível social,
arquitetónico e de especialização do tecido da cidade, originando assim situações de
segregação social e espacial. Para além disto, os bairros sociais são, também, como afirma
Isabel Guerra (1994), caracterizados por espaços de lazer e de sociabilidade escassos e alvo
de muita estigmatização. Tal deve-se sobretudo aos problemas intrínsecos ao bairro, como
os problemas entre a vizinhança, a insegurança e a degradação das habitações. Os “bairros
exclusivos dos subúrbios” funcionam também em circuito fechado e individualizado de
serviços e ócios, nomeadamente as realidades associadas ao mundo paralelo, como o caso
do tráfico de estupefacientes e de armas ou até mesmo a delinquência juvenil.
Robert Park (1952) acrescenta que a cidade é produtora de uma nova ordem moral e
social, a liberdade. Considera assim que a cidade é heterogénea, um espaço onde as pessoas
se podem afirmar e onde se estimula e representa o encontro entre determinadas culturas.
Contudo a heterogeneidade da cidade provoca uma organização espacial desigual.
Na mesma linha de Park encontramos Louis Wirth (1938), que afirma que a cidade
pode ser vista como um agregado extenso, denso e estável de indivíduos socialmente
heterogéneos – heterogeneidade da cidade. Considera ainda que esta pode ser percecionada
enquanto espaço de antagonismos – a dualidade da cidade – ou seja, a cidade comporta lado
a lado espaços de exclusão e espaços de inclusão, zonas ricas e zonas pobres. Além destes
aspetos, é de referir que “Wirth aceita que a densidade da vida social nas cidades dá origem
à formação de bairros com características distintas, alguns dos quais preservam as
características de pequenas comunidades.”7
Contrariamente a estes autores, Jean Rémy e Liliane Voyé abordam mais
aprofundadamente a questão da habitação social. Para estes autores, a habitação tem uma
importância enorme na vida dos indivíduos, pois apresenta-se como um espaço por
excelência de investimento afetivo. Já o bairro social é apreendido como um lugar de
identificação e conhecimento, fortalecido pelas interações e ações dos indivíduos.
Henri Lefèbvre (1970) considera que a estrutura de um bairro depende sempre de
outras estruturas mais vastas. Apesar possuir um equipamento mais ou menos suficiente e
completo, os bairros sociais não são autossuficiente, dependendo sempre do exterior.
Marc Augé considera que a cidade enfrenta hoje uma série de riscos, desde a
uniformização dos espaços, como se verifica através da tentativa de homogeneizar os
7 Giddens, 2010, p.577.
6
bairros sociais; a extensão urbana, ou seja, a generalização do urbano; e a guetização dos
bairros (os bairros na periferia das cidades, lugares de exclusão e diferenciação social).
Num ambiente problemático como o da cidade, Castells (1983) considera que as
lutas dos grupos desprivilegiados são importantes, como forma de verem alteradas as suas
condições de vida, opondo-se à ideia de que “Às pessoas que vivem em bairros sociais
degradados com escolas pobres e poucas oportunidades de emprego na área, por exemplo,
podem ser negadas oportunidades de melhoramento pessoal que a maioria das pessoas na
sociedade possui."8 Esta situação tende a ser combatida, pois os habitantes dos bairros
tentam lutar por condições de vida menos precárias e mais igualitárias. É ainda importante
referir que, a intervenção destes indivíduos permite muitas vezes reestruturar os bairros em
função dos seus próprios valores, diminuir os problemas internos do bairro, como a
prostituição, o tráfico de droga, a delinquência juvenil e a exclusão social. Contudo, “Em
comunidades carenciadas pode ser difícil às pessoas superar a exclusão e dar passos no
sentido de participação mais plenamente na sociedade.”9
Assim, e com base no esquema 1, verifica-se a importância dos bairros sociais no
contexto da organização social da cidade, pelo que será aprofundada esta questão.
Esquema 1 – Organização social da cidade: características-base dos bairros sociais
Fonte: Elaboração própria.
No fim do século XIX, devido à crescente população proveniente do êxodo rural,
que procuravam melhores condições de vida, dão-se nas cidades algumas transformações,
principalmente ao nível do desenvolvimento dos transportes urbanos e da evolução
industrial. Estas alterações urbanas provocam também uma alteração ao nível dos bairros
sociais. No caso do Porto, assiste-se nesta época à deterioração dos bairros sociais. Apesar
das medidas implementadas pela Câmara Municipal do Porto e pelo Estado, a verdade é que
ainda hoje, existem habitações degradadas na cidade.
8 Giddens, 2010, p.325. 9 Idem, 2010, p.329.
Organização
social da
cidade
Zonas industriais
Comportamentos desviantes;
Desigualdades sociais e
económicas;
Deterioração dos bairros;
Estigmatização;
Exclusão social;
Fracas infraestruturas;
Habitações precárias;
Identidade de bairro.
Zonas comerciais
Zonas residenciais Bairros
sociais
7
O Plano Especial de Realojamento (PER), implementado em 1993, tinha como
propósito diminuir o número de “bairros de lata”, que permaneciam na paisagem urbana
portuguesa.10
O PER consiste numa iniciativa do Estado para a construção de habitações, na
medida em que pretende impulsionar a inserção social das comunidades, através da criação de
condições para a integração comunitária, para que através de novas soluções se consiga
combater os problemas de delinquência, criminalidade e prostituição. As propostas apresentadas
baseiam-se numa “tendencial rejeição da construção de novas habitações; requalificação do
parque habitacional visando a posterior alienação dos fogos existentes; tónica na
segurança urbana, (…) adopção de soluções radicais face aos problemas urbanísticos e
sociais que se considera caracterizarem «irreversivelmente» estes espaços (…); reforço do
controlo repressivo dos modos de habitar; atualização de princípios de «engenharia social»
na distribuição dos fogos, sobretudo no caso dos bairros mais recentes ou considerados de
«melhor qualidade»”11
.
O facto da população se aglomerar em elevado número num determinado espaço,
leva à criação de bairros sociais, em que é frequente presenciarmos a estigmatização e
exclusão social. A existência de indivíduos com características, vivências e problemas
semelhantes que se concentram no mesmo espaço, faz com que surjam comportamentos
desviantes, ou seja, problemas sociais, o que faz com que muitos bairros sociais sejam vistos
como bairros problemáticos. O verdadeiro sentido histórico do bairro prende-se com as
relações interpessoais que ai se estabelecem, vistas como necessárias, como forma de
convívio e de proximidade. Residir num bairro social implica um relacionamento com um
conjunto de símbolos positivos e negativos, que são relevantes para a construção da
identidade do indivíduo. “É fundamental, para a sua existência social (…), a teia relacional
densa que se tece entre eles, o quadro de interacção local, as formas culturais que aí criam
e recriam, os processos sociais que protagonizam em conjunto.”12
Os bairros sociais caracterizam-se também pela degradação dos seus edifícios e dos
espaços públicos envolventes, habitações com excesso de pessoas, insegurança quer por
parte dos moradores quer pelos externos ao bairro, entre outras particularidades que marcam
uma habitação social. Na maioria dos bairros sociais assiste-se a um importante fenómeno,
que Firmino da Costa designa de “identidade de bairro”, isto é, os habitantes do bairro são
produtores e portadores daquela que é vista como uma identidade coletiva. Posteriormente é
10 Pereira, 2009, p.3. 11 Idem, 2009, p.100. 12 Costa, 1999, p.110.
8
necessário ter em atenção a importância que alguns espaços no interior dos bairros têm para
os seus habitantes, como é o caso dos cafés, as sedes e pequenas mercearias, que ajudam ao
dinamismo e proatividade do bairro, que muitas vezes possibilita o apaziguamento da forma
em que os habitantes se reúnem e passam o tempo. Por outro lado, estes locais de convívio e
lazer podem aumentar a formação de grupos de risco e os comportamentos ditos desviantes.
Os bairros sociais são considerados como formas de fechamento identitário,
promissores de marginalidade, perigo e construtores de problemas, sendo então espaços
propícios ao vandalismo. Contudo, os bairros não podem ser vistos de forma linear. As suas
habitações são vistas como igualitárias, onde se presenciam sempre as mesmas ações
negativas, não proporcionando aos seus habitantes a possibilidade de serem pessoas
diferentes, pessoas “ditas normais”, sem um rótulo a elas associado. Não se pode generalizar
ou estereotipar os indivíduos residentes em bairros, porque cada um tem características e
vivências diferentes, existindo bons e maus exemplos. No fundo, estes lugares são
construtores de diversidades sociais, onde cada lar apresenta diferentes formas de ser e de
estar na vida, assim como qualquer outro local da cidade.
Ao nível da habitação, o Estado assume um papel interventivo no auxílio dos mais
desfavorecidos, de forma a conseguir uma maior igualdade. O problema surge quando estes
bairros não são integrados na malha urbana, pondo em causa a eficácia das políticas de
habitação social e podendo conduzir à exclusão social. Para além de haver uma
incapacidade na administração interna destes espaços, nota-se ainda que estas habitações
não têm contribuído para a adaptação e inclusão dos menos favorecidos. O facto de estes
lugares serem construídos de forma descontínua em relação ao crescimento urbano, faz com
que a segregação, estigmatização e a exclusão social aumentem. Os bairros sociais são
caracterizados por uma carência de zonas de lazer e de sociabilidade, onde se encontram
afastados dos centros sociais, económicos e culturais da cidade. Nota-se ainda que as
habitações sociais estão propícias a certas limitações, nomeadamente na forma como o
indivíduo se relaciona no espaço e o modo como constrói a sua própria identidade.
Quanto à arquitetura dos bairros, conhecida como “megalomania arquitetónica”,
verifica-se que as construções em altura são dominantes, isto é, lotes multifamiliares
densamente ocupados, construídos em altura, capazes de agregar um número elevado de
famílias. A estandardização arquitetónica, juntamente com a segregação destes espaços
conduz a uma ampliação da sua estigmatização, incrementando a segregação simbólica,
dificultando a inserção dos atores e a apropriação do seu espaço.
9
As habitações sociais reconstroem, assim, lugares de aglomeração da pobreza
urbana, reunindo no interior grupos de risco, que facilita o desenvolvimento de
comportamentos de desvio, bem como a criação de espaços não-relacionais, notórios na
estruturação negativa de identidades e sociabilidades. A resposta a um esquema
funcionalista de realojamento das famílias será a extinção da própria comunidade e a aposta
social em torno da habitação.
II. O Bairro do Lagarteiro
Partindo da análise da notícia IV13
, intitulada “Como é que o Porto se tornou num
arquipélago de bairros sociais?” tentamos antes de mais perceber todo o contexto histórico
dos bairros sociais do Porto. Segundo Virgílio Pereira, no início do século XX, “A vida, na
cidade, era muitíssimo difícil." Contudo, as dificuldades também eram vividas no campo,
fazendo com que muitos indivíduos se deslocassem para a cidade à procura de melhores
condições de vida. Devido às limitações e escassez das habitações, os bairros sociais
proliferaram, mesmo em situações precárias.
Madureira Pinto afirma que os bairros sociais, na atualidade, “formam uma espécie
de arquipélago. Acabam por estar bem distribuídos, apesar de haver alguma concentração
na zona oriental. E isso podia até constituir um trunfo num quadro de reabilitação urbana.”
Tal situação é visível através do mapa 3, onde se verifica a existência de bastantes bairros
sociais na cidade do Porto14
, sobretudo na zona oriental da cidade. De acordo com o
Exclusivo I15
, cerca de cinquenta mil portuenses vivem em bairros sociais, correspondendo
estes a aproximadamente 20% da população.
Após uma breve reflexão sobre o caso particular dos bairros sociais da cidade do
Porto, optei por me centrar num caso específico: o Bairro do Lagarteiro. Este bairro foi
concluído em 1973, tendo um total de 248 habitações, que passados apenas quatro anos
praticamente duplicou. O bairro “nasceu num espaço tão liberto de urbanidade que perto
dele surgiu o Parque Oriental. Está na freguesia de Campanhã, que aloja 11 bairros
sociais que asseguram quase exclusivamente a função residencial. Está na não-cidade,
senhora das mais elevadas taxas de pobreza e exclusão.”16
Assim, o Lagarteiro encontra-se
“numa zona marcada ainda por uma forte ruralidade e com défices acentuados ao nível de
13 Ver anexo 6, análise de imprensa. Notícia I (Diário de Notícias, 2006) 14 Ver anexo 4, Mapa do concelho do Porto na atualidade com localização dos principais bairros sociais da
cidade. Devido ao número elevado e à dificuldade de encontrar dados quanto ao número exato, o mapa centra-
se em 31 bairros sociais. 15 Ver anexo 6, análise de imprensa. Notícia II (Exclusivo I, 2010) 16 Ver anexo 6, análise de imprensa. Notícia I (Diário de Notícias, 2006)
10
transportes públicos.”17
Contudo, a este nível o bairro tem tido algumas melhorias “tanto ao
nível da abertura deste território à malha de transportes da cidade, como ao da integração
das suas populações num sistema de mobilidade apelativo e moderno, que promova o
acesso às oportunidades e seja factor de desenvolvimento local.”18
Com base nos estudos Lagarteiro, uma Intervenção Alicerçada na Participação e
Diário do Lagarteiro: mais que um jornal, constata-se que este bairro “é constituído
essencialmente por população jovem, cujos níveis de alfabetização são extremamente
baixos, sendo o abandono e o insucesso escolar um dos principais problemas. Com uma
baixa escolaridade, poucos recursos sociais e financeiros, são frequentemente alvo de
segregação e discriminação social.”19
Esta situação de segregação e discriminação social
leva a um fechamento do próprio bairro, não só a nível urbanístico (afastamento face à
cidade e, portanto, um isolamento interno), como “também em termos das vivências
quotidianas e dos espaços de ação e de referência dos seus habitantes, contribuindo para o
reforço do estigma social negativo que recai sobre o Bairro e sobre quem o habita.”20
Assim, as interações e sociabilidades quotidianas dão-se no interior do bairro, pelo que a rua
é vista como um espaço familiar, no qual se cria, uma “identidade de bairro”.
De modo a combater os principais problemas do bairro e melhorar as condições de
vida da sua população, têm sido criados, ao longo dos anos, projetos de requalificação e
iniciativas de promoção da cidadania e coesão social.
Com o objetivo de implementar uma política da cidade, que considerasse o sistema
urbano como um todo, foi criada a Iniciativa Bairros Críticos, na qual o Bairro do
Lagarteiro se encontra inserido. Esta iniciativa abrange como o próprio nome indica áreas
urbanas com problemas sociais elevados, como é o caso de grupos vulneráveis, de estratos
populacionais desfavorecidos, alvo de exclusão, pobreza e estigmatização, em que o acesso
às oportunidades, à cidadania e coesão social é praticamente inexistente.
A escolha do Bairro do Lagarteiro para ser abarcado por esta iniciativa, prende-se
“com o facto de estar localizado num sítio com poucas acessibilidades (zona oriental da
cidade), marcado por intensos processos de segregação social e urbana, por ser um bairro
pequeno e camarário”.21
17 Pereira, 2011, p.582. 18 Marques (coord.), et. Al., p.5. 19 Pereira, 2011, p.574. 20 Marques (coord.), et. Al., p.2. 21 Pereira, 2011, p.581 e 582.
11
Para além da recuperação e remodelação dos edifícios do bairro, tentou-se que os
habitantes aderissem à iniciativa, através da remodelação interior das suas casas. Esta
iniciativa incluía ainda a reorganização urbanística de novos espaços públicos, bem como de
acessos ao exterior, numa tentativa de aproximação do bairro à cidade. De modo a promover
a cidadania pretendia-se criar um espaço que funcionasse como mediador entre a cidade e o
bairro. Ainda, neste seguimento de levar o bairro para fora dos seus limites, criou-se uma
rádio comunitária, a Lagarteiro-Mix. Quanto ao nível social, estava previsto neste programa
a construção de um centro social, que incluísse uma creche, jardim-de-infância, centro de
dia e apoio domiciliário. Para além disto, a criação de espaços de lazer era também uma
necessidade, pois como vimos anteriormente estes espaços são escassos. Devido à
população vulnerável que existe no bairro torna-se importante, e daí fazer parte deste
programa, ações de intervenção e mediação, ao nível familiar e comunitário, para tentar
resolver situações associadas à toxicodependência, exclusão social e gravidez na
adolescência. Ainda se pode incluir a este nível a educação ambiental, artística e cultural da
população, pretendendo assim aumentar as habilidades sociais dos indivíduos, potenciando
o sucesso educativo e as dinâmicas associativas.
Através dos programas implementados pelo Ministério da Saúde previa-se uma
melhoria ao nível da saúde. O plano de vacinação, os rastreios de tuberculose e oncológico e
o acompanhamento da saúde da mulher, criança e idosos, tornam-se importantes para
perceber a situação epidemiológica do Bairro do Lagarteiro, isto é, entender que doenças
afetam a população e qual o seu risco para a saúde pública. Para além destes planos, a
promoção de atividades desportivas também melhora a saúde dos indivíduos. Por fim, sendo
este bairro considerado problemático, a questão da segurança é bastante pertinente. Deste
modo, destaca-se a proximidade da polícia ao bairro, bem como a participação da população
na identificação e resolução dos problemas inerentes ao próprio bairro.
Assim, esta intervenção tenta combater os problemas principais do Bairro do
Lagarteiro, tentando melhorar as suas condições de vida e assim combater as desigualdades
criadas na própria cidade. Sendo esta intervenção de importância elevada é, ainda de
ressalvar, que segundo consta na página da Internet da Câmara Municipal do Porto, foi
atribuído em 2012 o prémio IHRU (Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana) à
reabilitação do espaço público do Bairro do Lagarteiro, tendo esta intervenção contemplado
“a criação de novas ruas e de percursos pedonais, a renovação das infraestruturas de
12
abastecimento de água, águas pluviais e águas residuais, a instalação de mais e melhor
iluminação pública e a recuperação dos espaços verdes e das áreas de lazer.”22
Considerações finais
A cidade é um espaço de diversidade, onde se agrupam zonas residenciais,
comerciais e industriais. Contudo nem sempre se apresenta com uma organização espacial
igualitária em termos de habitação, oportunidades e condições de vida.
A habitação, por ser considerada um bem de necessidade individual, é fundamental
no desenvolvimento do tecido urbano, devido à envolvência da disposição no território, à
repercussão do trabalho, assim como às políticas sociais. Com o passar dos anos, o lar tem
acrescido o seu grau de importância como lugar de identificação da própria família e como
forma complexificada do quotidiano. O sujeito ativa o seu sistema emotivo, de forma a
manifestar os seus sentimentos face ao espaço habitacional.
Os bairros sociais devido a todos os problemas que os envolvem, sejam de ordem
interna ou externa ao próprio bairro, fazem dele um espaço propício à desigualdade,
exclusão e estigmatização social. “É, pois, importante que se tenha em conta na
predisposição das políticas voltadas para a luta contra a pobreza e a exclusão social. Com
efeito, não forçosamente por serem eficazes, essas políticas devem oferecer um apoio global
aos indivíduos que se encontram em condições de carência.”23
Quanto ao Bairro do Lagarteiro este continua numa posição geográfica desfavorável.
Apesar das melhorias ao nível das acessibilidades, ainda apresenta algumas deficiências,
sendo facilmente alvo de exclusão. Devido sobretudo às fracas condições habitacionais e
económicas, bem como à baixa taxa de escolarização, é visto pela restante população como
um espaço fechado que não pertencente à malha consolidada urbana.
De modo a combater esta realidade que afeta a vida dos seus habitantes, é essencial a
existência de mais programas e iniciativas públicas. Conclui-se assim a importância das
políticas de intervenção dos municípios e do Estado, como é o caso do projeto Iniciativa
Bairros Críticos e do Plano Especial de Realojamento.
22 Câmara Municipal do Porto, 2012. 23 Mela, 1999, p.111
13
Notas bibliográficas
Artigos científicos
Guerra, Isabel (1994) – As pessoas não são coisas que se ponham em gavetas.
Sociedade e Território, n.º 20. Porto: Afrontamento.
Ribeiro, José (1979) – O desenvolvimento do Porto e a Habitação dos
Trabalhadores. Cidade/Campo (Cadernos da habitação do território), n.º 2. Lisboa.
Vilaça, Eduardo (2001) – “O «Estado da Habitação»: medidas sem política num
país adiado”. Cidades, Comunidades e Territórios, n.º 3. Lisboa: CET – ISCTE.
Documentos eletrónicos disponíveis online
Augusto, Nuno Miguel (1998) – Habitação social: da intenção de inserção à
ampliação da exclusão. [em linha]. Disponível em: <
http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR462df3cd04e3f_1.PDF> Acesso a 3 de março de
2013.
Diário de Notícias (11 de janeiro de 2006) – Bairro do Lagarteiro vai ter um
programa para sair da degradação. [em linha]. Disponível em:
<http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=633982> Acesso a 20 de março de 2013.
Diário de Notícias (24 de fevereiro de 2010) – Reabilitação do Lagarteiro está
pronta a arrancar. [em linha]. Disponível em:
<http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1502741&seccao=Norte>
Acesso a 7 de abril de 2013.
Diário de Notícias (29 de abril de 2012) – PS alerta para perigo nos bairros sociais
do Estado. [em linha]. Disponível em:
<http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2447562&seccao=Norte&page
=-1> Acesso a 20 de março de 2013.
Expresso (7 de março de 2008) – No Cerco do Porto há quem tenha medo de lá
viver. [em linha]. Disponível em: <http://expresso.sapo.pt/perbairros-sociais-no-cerco-do-
porto-ha-quem-tenha-medo-de-la-viver-c-fotos=f260758> Acesso a 20 de março de 2013.
I/Semanário do Grande Porto (20 de julho de 2010) – 50 mil portuenses vivem em
bairros sociais. E não querem sair. [em linha]. Disponível em:
<http://www1.ionline.pt/conteudo/69855-50-mil-portuenses-vivem-em-bairros-sociais-e-
nao-querem-sair> Acesso a 20 de março de 2013.
Jornal da Construção (21 de novembro de 2011) – Lucios termina recuperação do
bairro do Lagarteiro. [em linha]. Disponível em:
<http://www.jornaldaconstrucao.pt/index.php?id=7&n=2501> Acesso a 7 de abril de 2013.
Jornal de Notícias (20 de julho de 2010) – Bairros sociais são o tecto de 20% da
população da cidade do Porto. [em linha]. Disponível em:
<http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Porto&Concelho=Porto&Opti
on=Interior&content_id=1621937> Acesso a 20 de março de 2013.
14
Jornal de Notícias (18 de novembro de 2011) – Inaugurado no Lagarteiro pavilhão
que custou 1,25 milhões de euros. [em linha]. Disponível em:
<http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Porto&Concelho=Porto&Opti
on=Interior&content_id=2134290&page=-1> Acesso a 7 de abril de 2013.
Jornal de Notícias (6 de março de 2013) – Oito detidos por tráfico em bairros do
Porto. [em linha]. Disponível em:
<http://www.jn.pt/PaginaInicial/Seguranca/Interior.aspx?content_id=3091193> Acesso a 20
de março de 2013.
Layman, Richard (31 de dezembro de 2011) – Low income, high income, the market
and the right to the city. [em linha]. Disponível em:
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Leitão, Pedro (21 de setembro de 2007) – Antes era assim. [em linha]. Disponível
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menu/1/99> Acesso a 7 de abril de 2013.
Marques, Teresa Sá, et al. (2008) – Lagarteiro, uma Intervenção Alicerçada na
Participação. Porto: Universidade Católica Portuguesa: Centro de Estudos de Serviço
Social e Sociologia. [em linha]. Disponível em:
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Público (18 de julho de 2010) – Como é que o Porto se tornou num arquipélago de
bairros sociais? [em linha]. Disponível em: <http://www.publico.pt/temas/jornal/como-e-
que-o-porto-se-tornou-num-arquipelago-de-bairros-sociais-19814756> Acesso a 20 de
março de 2013.
Pereira, Sara (Org.) (2011) – Diário do Lagarteiro: mais que um jornal… Congresso
Nacional "Literacia, Media e Cidadania" Braga: Universidade do Minho: Centro de
Estudos de Comunicação e Sociedade. [em linha]. Disponível em: <
www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/lmc/article/download/493/466> Acesso a 15 de março
de 2013.
Porto 24 (6 de maio de 2012) – Reabilitação do bairro do Lagarteiro em risco, diz o
PS. [em linha]. Disponível em: <http://porto24.pt/porto/06052012/reabilitacao-do-bairro-do-
lagarteiro-em-risco-diz-o-ps/#.UWBRwRfDl-s> Acesso a 7 de abril de 2013.
Monografias
Costa, António Firmino da (1999) – Sociedade de Bairro. 1.ª ed. Oeiras: Celta
Editora. ISBN 972-774-025-1.
Faria, Carlos Vieira de (2009) – As Cidades na Cidade: movimentos sociais urbanos
em Setúbal 1966-1995. 1.ª ed. Lisboa: Esfera do Caos. ISBN 978-989-8025-71-5.
Giddens, Anthony (2010) – Sociologia. 8.ª ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian. ISBN 978-972-31-1075-3.
15
Mela, Alfredo (1999) – A Sociologia das Cidades. 1ª ed. Lisboa: Editorial Estampa.
ISBN 972-33-1390-2.
Pereira, Virgílio Borges (2009) – Sobre a formação de doxas, de ortodoxias e de
“efeitos de alodoxia” na (re)produção das intervenções habitacionais do Estado na cidade
do Porto (1956-2006). Centro de Estudos Teatrais da Universidade do Porto. ISBN 978-
989-95312-1-5.
17
Anexo 1 – Esquema de Burgess
Imagem 1 – Esquema de Burgess
Fonte: urbanplacesandspaces, por Richard Layman
18
Anexo 2 – Mapa do concelho do Porto em 1913
Imagem 2– Mapa do concelho do Porto (início do Século XX)
Fonte: porto.taf.net, por Pedro Leitão
Nota: “Este mapa foi retirado do livro "Manual do viajante em Portugal" de L. de Mendonça e Costa, edição de 1913.”
19
Anexo 3 – Mapa do concelho do Porto em 1952
Imagem 3 – Mapa do concelho do Porto (1952)
Fonte: Antão de Almeida Garrett
20
Anexo 4 – Mapa do concelho do Porto na actualidade com a localização dos principais bairros sociais
Imagem 4 – Mapa do
concelho do Porto na
actualidade com
localização dos principais
bairros sociais da cidade
Fonte: Elaboração própria
Nota: Devido ao número
bastante elevado de bairros
sociais existentes na cidade,
bem como à falta de acesso à
listagem dos mesmos,
optamos por localizar os
principais, de acordo com
documentos da Câmara
Municipal do Porto e de
autores como Virgílio Borges
Pereira.
Lagarteiro
21
Anexo 5 – Mapa do Bairro do Lagarteiro
Imagem 5 – Mapa do
Bairro do Lagarteiro
Fonte: Elaboração própria
22
Anexo 6 – Análise de impressa
Diário de Notícias (11 de janeiro de 2006) – Bairro do Lagarteiro vai ter um
programa para sair da degradação. [em linha]. Disponível em:
<http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=633982> Acesso a 20 de março de
2013.
Bairro do Lagarteiro vai ter um programa para sair da
degradação Alfredo Teixeira
As casas estão degradadas e sobrelotadas, pelo bairro domina a toxicodependência e o
desemprego é um grave problema. O número de pessoas a precisar de rendimento mínimo
é elevado. Gente que, com o tempo, ganhou desafeição ao trabalho. Todos estes são
motivos suficientes para que o Bairro do Lagarteiro, no Porto, seja um "barril de pólvora"
e onde a criminalidade e a delinquência fazem parte do dia-a-dia. Agora, chega a
possibilidade de uma reabilitação de todo este espaço através do programa Operações de
Qualificação e Reinserções Urbana de Bairros Críticos, coordenado pelo Instituto
Nacional de Habitação (INH) que, com outras entidades, hoje fará o diagnóstico da
intervenção a aplicar.
Maria Fernanda reside no bairro há 33 anos e recorda o dia em que ali chegou. "Tinha 10
anos e isto era lindo! As casas eram novas, estavam ainda muitas desocupadas. Os jardins
estavam cuidados e dava gosto viver aqui", recorda. A qualidade de vida durou, no
entanto, pouco tempo. "Quando os blocos se encheram começaram os problemas",
agravados depois com o tráfico de droga e a toxicodependência. "Agora é só índios. A
gente estende a roupa na janela e ela é roubada", acrescenta a moradora. O Lagarteiro é
constituído por 13 blocos e tem 446 fogos onde residem cerca de 2200 pessoas. Foi
construído em 1973 na zona oriental, em Campanhã. O progresso levou a que ficasse
enclausurado entre as duas principais vias que circundam a cidade, a Estrada da
Circunvalação e a Via de Cintura Interna (VCI). Hoje, é um gueto estigmatizado pela
restante cidade.
Auto-exclusão
Os próprios moradores do Lagarteiro auto-excluem-se. "Quando têm de resolver qualquer
problema, como por exemplo registar um filho, é normal dizerem amanhã vou ao Porto",
explica António Pinto, assistente social da Junta de Freguesia de Campanhã e que, duas
vezes por semana, atende os moradores no posto criado pela junta num primeiro andar do
bloco 3. Nas tardes de segunda e terça-feiras recebe 30 a 40 residentes, "pessoas que já
ultrapassaram a barreira da vergonha de explicar que estão numa situação dramática". No
consultório são expostos os mais variados problemas, desde a violência doméstica à
toxicodependência, passando pelo alcoolismo, a prostituição ou situações de sem-abrigo.
No Lagarteiro, a população está habituada a viver no limite e os problemas de
23
insegurança, provocados pelo tráfico de estupefacientes, aumentaram depois dos blocos
terem recebido algumas famílias que vieram do vizinho Bairro de S. João de Deus que
está a ser requalificado pela Câmara do Porto. "O presidente Rui Rio só sabe é aumentar
as rendas. Enquanto noutros bairros a câmara tem feito obras aqui nada, está tudo ao
abandono", diz Orquídea Proença, residente ali há cinco anos. "Deram-me uma casa toda
podre!", acrescenta.
Qualificação e reinserção
No total, o programa tem destinados 25 milhões de euros para a requalificação de três
bairros problemáticos Cova da Moura (Amadora), Vale da Amoreira (Moita) e Lagarteiro.
"Esperamos ficar com pelo menos dez milhões", refere o assistente social de Campanhã. O
investimento será feito no interior e no exterior das habitações, nos arranjos exteriores
(jardins e arruamentos), na criação de uma empresa de gestão de condomínio e em
equipamentos sociais para as crianças, juventude e terceira idade. A última vertente, e a
mais importante na opinião de António Pinto, será a do acompanhamento social no sentido
de se "formar as pessoas".
A primeira reunião entre todas as entidades envolvidas no processo realiza-se hoje. Além
do INH, também os ministérios da Administração Interna, Cultura, Saúde, Educação e
Trabalho, Alto comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas; Centro de Saúde de
Campanhã; Fundação Filos, CAT Oriental do Porto, Rede Europeia Antipobreza, Instituto
de Emprego e Formação Profissional, Fundação para o Desenvolvimento Social do Porto e
Escola Básica do Lagarteiro irão fazer o diagnóstico da intervenção.
I/Semanário Grande Porto (20 de julho de 2010) – 50 mil portuenses vivem em
bairros sociais. E não querem sair. [em linha]. Disponível em:
<http://www1.ionline.pt/conteudo/69855-50-mil-portuenses-vivem-em-bairros-sociais-e-
nao-querem-sair> Acesso a 20 de março de 2013.
Exclusivo i/Semanário Grande Porto
50 mil portuenses vivem em bairros sociais. E não querem sair por Pedro Sales Dias, Publicado em 20 de Julho de 2010
Vinte investigadores entrevistaram 750 famílias, durante três anos, em dez bairros sociais
do Porto
O Porto é cidade do Portugal com mais bairros sociais e mais pessoas a viver em bairros.
"A cidade tem cerca de 20% de população (50 mil pessoas) a viver em habitação social.
No resto do país a taxa é de 4%", revela Virgílio Borges Pereira, coordenador da equipa
do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, responsável
pelo estudo "Ilhas, bairros sociais e classes laboriosas na cidade do Porto (1956 - 2006").
O projecto, ontem apresentado, mostra que a maioria dos portuenses que residem em
bairros sociais não os quer abandonar. "Muitas vezes a casa é um elemento de estabilidade
que foi difícil de alcançar. Não vivemos numa sociedade com muitas oportunidades e
estas populações não têm os percursos esperados do ponto de vista laboral e de
24
escolaridade", explica o professor. O responsável lança críticas às políticas sociais:
"Muitos moradores das ilhas viveram e vivem dificuldades e não querem sair. Isso deve-
nos obrigar, do ponto de vista político, a ouvir as pessoas. Há um plano afectivo quando se
tem 70 anos. Estamos a falar de muitas pessoas com pouco poder", afirma o sociólogo.
O bairro do Viso é bem o exemplo de que os moradores não querem sair, apesar de se
tratar de uma zona vista como problemática. Segundo o estudo, apenas 29% admitem o
desejo de querer mudar de casa. Aliás, 93,4% assumem mesmo a sua satisfação com a
habitação. O projecto, desenvolvido por uma equipa de 20 investigadores, abordou 750
famílias. Das duas mil pessoas inquiridas, 125 foram entrevistadas com maior
profundidade. O estudo, que durou três anos e é ainda um work in progress, como diz
Virgílio Borges Pereira, incide sobre nove bairros: Amial, Bom Sucesso, Aldoar, Bouça,
São Tomé, Centro Histórico e Bairro do Aleixo, Viso, S. João de Deus e S. Vítor.
Um dos principais objectivos do estudo era analisar "o modo como o Estado, agindo sobre
os territórios, muda os percursos da cidade e das populações", diz Borges Pereira. "O
estudo traça um "retrato que é tudo menos unilinear. Se há coisa que nós sabemos é que os
bairros não são todos iguais nem as pessoas todas iguais", salienta. A investigação destaca
ainda a taxas de desemprego: "No bairro do Viso a taxa é de 18,2% enquanto a média
nacional é de 10,9%. Acredite que este não é o caso mais gritante", graceja o sociólogo.
Há ainda outros dados curiosos para caracterizar o Viso. A idade média dos moradores
ronda dos 44 anos e apenas 34% completou o ensino primário, 66% tem computador e 99
%vê televisão todos os dias. No bairro do Amial, 6,9 por cento dos moradores do Bairro
do Amial estão desempregados e 74 por cento têm automóvel. Em ambos, um dos
principais problemas registados nas entrevistas foi o flagelo do tráfico de droga
mencionado amiúde pelos moradores.
Jornal de Notícias (20 de julho de 2010) – Bairros sociais são o tecto de 20% da
população da cidade do Porto. [em linha]. Disponível em:
<http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Porto&Concelho=Porto&Opt
ion=Interior&content_id=1621937> Acesso a 20 de março de 2013.
Bairros sociais são o tecto de 20% da população da cidade do
Porto No Porto, 20% da população vive hoje em bairros sociais e há 1300 casas em ilhas (dados
de 2001). Se nos bairros a realidade social não muda há décadas, as ilhas têm mudado e
estão longe de acabar. A procura por imigrantes tem feito disparar o preço das rendas.
O Porto, juntamente com Lisboa, constitui a grande excepção no país, com uma margem
larga da sua população a viver em bairros sociais. Se analisarmos o país todo, apenas 3%
da população vive nesses aglomerados habitacionais construídos pelo Estado.
25
A razão para as duas grandes cidades serem a excepção prende-se com “o processo de
industrialização e posterior desindustrialização, que se verificou entre o final do século
XIX e o século XX”, avançou Virgílio Borges Pereira, professor da Universidade do
Porto. O sociólogo é o responsável por um estudo apresentado, ontem, segunda-feira,
sobre “Ilhas, Bairros Sociais e Classes Laboriosas”.
Ou seja, com o início da industrialização no final do século XIX, as cidades
transformaram-se em grandes aglomerados populacionais, alterando aquilo que até então
era a sua face. Primeiro vieram as ilhas, depois os bairros.
Começaram por construir-se nos espaços livres habitações em fila, com entradas e
sanitários comuns, na parte de trás das casas. Essas ilhas ficavam muitas vezes atrás das
fábricas, isto é, perto do local de trabalho.
“Em 1939 havia, só no Porto, 40 mil pessoas a viverem em cerca de 14 mil ilhas”,
afirmou o sociólogo. No ano de 2001, eram 1300 casas em ilhas. Hoje, não se sabe
quantas são ao certo na cidade, mas sabe-se que há um esforço para acabar com elas, por
terem condições muitas vezes insalubres e com rendas altas.
A explosão dos Bairros, por sua vez, dá-se nos anos 50 aquando da migração para Porto e
Lisboa dos “brancos rurais”. Há, no Porto, por exemplo, “um antes de 1956 e um depois
de 1956, altura em que arrancou o Plano de Melhoramento da Cidade do Porto, que
significava construir bairros sociais”, acrescentou.
Com os “brancos rurais” acabariam por vir os ciganos, os africanos e um processo de
urbanização galopante. Mas nesta altura, já estávamos no processo inverso, ou seja, na
desindustrialização. Já não era fácil arranjar emprego na indústria.
Resumindo, se até aos anos 50 a sociedade industrial funcionou, com base no bairro
social, após os anos 50, com a desindustrialização em aceleração (isto é, a mão-de-obra a
ser substituída por máquinas) e as constantes migrações em massa, a leitura do bairro
começa a ser problemática.
“A leitura que se faz dos bairros sociais ainda hoje é problemática”, alertou, acrescentando
que “no entanto, os bairros foram muito importantes na trajectória das famílias” e que a
tónica se deve colocar “na forma como tudo isto é conduzido pelo Estado”.
Em 1974, houve uma primeira tentativa de alterar a situação, tentando integrar-se essas
populações na solução do problema. Ao invés, os processos de transferência para o bairro
foram vividos de forma violenta. Essas populações ficaram condenadas à precariedade e,
muitas vezes, à economia informal. É o que hoje se verifica.
Mas para Virgílio Borges Pereira, “o modelo de habitação social pode ainda ser válido
desde que repensado e planeado”.
Leonor Paiva Watson
Diário de Notícias (29 de abril de 2012) – PS alerta para perigo nos bairros
sociais do Estado. [em linha]. Disponível em:
<http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2447562&seccao=Norte&pag
e=-1> Acesso a 20 de março de 2013.
26
PS alerta para perigo nos bairros sociais do Estado
O PS Porto alertou hoje que há vidas em perigo em bairros da cidade que são propriedade
do Estado e propõe que a gestão das habitações sociais passe para a Câmara do Porto.
Em declarações à Lusa, Manuel Pizarro, deputado e presidente do PS/Porto, afirmou que
na próxima reunião de Câmara do Porto os vereadores socialistas vão pedir a formalização
de um acordo que "transfira a gestão dos bairros sociais que são propriedade do Estado
para a Câmara".
"Não faz sentido que esteja centralizado num organismo do Governo a gestão de habitação
social do Porto. Não faz sentido que o Governo seja senhorio de centenas ou milhares de
famílias da cidade do Porto", declara o deputado parlamentar, lamentando a falta de um
"interlocutor proactivo a quem os moradores possam colocar os problemas das habitações.
Segundo Manuel Pizarro, há habitações que colocam "em risco a segurança dos
moradores", porque as estruturas dos prédios estão em risco de ruir.
"Algumas estruturas dos bairros sociais têm vindo a ruir ao longo dos últimos meses",
afirma o presidente da Comissão Política da Concelhia do PS Porto, que visitou hoje o
"profundamente degradado" Bairro de Paranhos, um dos que são propriedade do Estado e
há mais de 35 anos que não sofrem obras de reparação.
Também os bairros de Ramalde, Pereiró, Ramalde do Meio, Viso, S. Tomé, Leonardo
Coimbra, Novo de Paranhos e Contumil são propriedade do Estado, mas a "degradação
profunda" em que caíram, "colocam a segurança dos moradores em risco", avisa o
deputado.
Para solucionar o problema, o PS Porto defende que seja estabelecido, "com caráter de
urgência", um diálogo entre Governo e a Câmara Municipal do Porto para que se possa
formalizar um acordo de transferência da gestão dos bairros sociais do Estado para a
autarquia portuense.
Pizarro refere que no acordo deve estar previsto "um envelope financeiro" para que as
obras de recuperação ocorram nos próximos quatro ou cinco anos, porque sem isso os
"problemas vão continuar a agravar-se no futuro" e o "custo das intervenções vai
aumentar".
Lusa
publicado a 2012-04-29 às 16:10
Público (18 de julho de 2010) – Como é que o Porto se tornou num arquipélago de
bairros sociais? [em linha]. Disponível em: <http://www.publico.pt/temas/jornal/como-e-
que-o-porto-se-tornou-num-arquipelago-de-bairros-sociais-19814756> Acesso a 20 de
março de 2013.
O Bairro Sidónio Pais, na Arrábida, foi o primeiro bairro social a ser construído na cidade, entre 1915
e 1919
27
Habitação
Como é que o Porto se tornou num arquipélago de bairros
sociais? É uma herança do pesado processo de industrialização de meados do século XIX. Uma
equipa de investigadores da Universidade do Porto está a recuperar a história desse
verdadeiro arquipélago de bairros, que concentra cerca de 20 por cento da população do
concelho do Porto. Ana Cristina Pereira (texto) Adriano Miranda (fotografia)
Era uma cidade sobrelotada, insalubre. Ricardo Jorge e a junta médica puseram-na de
quarentena. Uma doença alastrava, sorrateira. Primeiro, matara operários. Depois, deixara
de olhar a profissões. Era a peste bubónica a fechar o Porto, entre Agosto de 1899 e
Janeiro de 1900, quando todas as outras cidades europeias já a tinham erradicado.
Virgílio Borges Pereira, professor auxiliar do Instituto de Sociologia da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto (FLUP), atribui grande significado a este episódio: "A
vida, na cidade, era muitíssimo difícil." Do campo a ela acorriam muitos dos fugidos à
fome. O Douro funcionava como via de escoamento do interior norte.
Há, hoje, uma visão homogénea dos bairros sociais. "É importante perceber que este foi o
quadro de partida", diz o coordenador do projecto de investigação Ilhas, bairros e classes
laboriosas: um retrato comparado da génese e estruturação das intervenções
habitacionais do Estado na cidade do Porto e das suas consequências sociais (1956-
2006), financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, e cujos resultados
preliminares serão apresentados amanhã e depois de amanhã, num colóquio, na FLUP.
É uma herança marcante do pesado processo de industrialização iniciado em meados do
século XIX. O Porto concentra à volta de 20 por cento da população em habitação social.
Há muitas cidades assim pela Europa fora. Não em Portugal - o país tem três por cento dos
seus habitantes nesse género de casas.
O Recenseamento Geral da População mostra o povoamento galopante: 86.761 habitantes
em 1864; 138.860 em 1890, 194.009 em 1910. Com ele, propagavam-se doenças. Não era
só a peste - a tuberculose, por exemplo, matou 31 por cada mil habitantes entre 1880 e
1900.
Era, como lembra António Teixeira Fernandes, professor catedrático jubilado da FLUP, o
tempo da "ideologia da cidade saudável" e do "estigma da cidade insalubre": a burguesia,
que residia no centro histórico, afastou-se, construiu moradias na vertente sobre o Douro,
até à foz e depois dela. E os prédios do centro não davam para acolher todos os que iam
chegando.
Diz isto sentado à volta de uma mesa, numa sala de reuniões do Instituto de Sociologia,
que fundou, em 1989, quatro anos depois de ter fundado o curso. Com ele, José Madureira
28
Pinto (catedrático jubilado da Faculdade de Economia da UP), Virgílio Borges Pereira,
João Queirós (bolseiro do projecto) a comporem a história da cidade.
O Porto da primeira metade do século XIX era uma cidade tradicional. E, em pouco
tempo, transformou-se "numa pequena Manchester". Espaços livres foram sendo ocupados
por ilhas - habitações construídas em fileira, com entradas e retretes comuns, nas traseiras
das casas. Os próprios empregadores edificavam atrás das unidades fabris. E a câmara
fazia de conta que não era com ela: só regulamentava as fachadas dos prédios.
Solução adiada
Os anos passaram sem que os problemas deixassem de se reproduzir. Pelo Inquérito Geral
às Ilhas, em 1939, havia cerca de 40 mil pessoas a viver em quase 14 mil ilhas - no centro
da cidade, nas áreas de maior expressão industrial, na periferia oriental e, por fim, por toda
a cidade.
Os privados tentaram, a certa altura, num quadro de medidas filantrópicas, inventar saídas,
explica Virgílio Borges Pereira. Não foram longe. Com a República, o Estado ensaiou as
primeiras soluções. Entre 1915 e 1919, construiu o primeiro bairro social (Sidónio Pais) e
quatro colónias operárias.
O Estado Novo lançou o chamado "Programa de Casas Económicas", que entre 1933 e
1950 construiu nove bairros em áreas ainda pouco urbanizadas da cidade. Só que essas
casas "não eram para os moradores das ilhas ou do centro histórico", sublinha o mesmo
investigador. "As classes laboriosas eram, sistematicamente, encaradas como perigosas."
Havia princípios de selectividade, que afastavam operários. Eram moradias unifamiliares
com quintal, edificadas pelo Estado e depois vendidas aos interessados, o que atirava as
rendas para valores incomportáveis. E alguns bairros destinavam-se mesmo a certos
grupos profissionais.
A acção do Estado revelava-se lenta, insuficiente. Na primeira metade do século XX, não
construiu mais de 2500 fogos. E a população continuava a crescer a ritmo acelerado: mais
de 280 mil habitantes em 1950.
Em Maio de 1955, José Albino Machado Vaz, então presidente da câmara, pediu ajuda ao
Governo de António Oliveira Salazar para "modificar radicalmente o alojamento popular".
E, um ano depois, arrancava o Plano de Melhoramentos da Cidade do Porto, que responde
pela construção dos grandes bairros. Em dez anos, mais de seis mil fogos na periferia da
cidade que existia.
Há, no Porto, um antes e um depois de 1956. E é essa história que a equipa de
investigadores coordenada por Virgílio Borges Pereira está a tentar recuperar. Através de
milhares de horas de recolha de arquivos, centenas de inquéritos, dezenas de entrevistas
29
aprofundadas. Já fez um levantamento das iniciativas do Estado - central ou local. E está a
fazer estudos de caso.
Teixeira Fernandes viu como as populações perceberam, desde logo, "que a forma de o
Estado lhes dar habitação social era construir uma barraquinha no espaço urbano. Faziam
isso em Lisboa e no Porto, embora em menor escala, sobretudo nas zonas mais
periféricas".
Madureira Pinto engraça com a cartografia dos bairros: "Eles formam uma espécie de
arquipélago. Acabam por estar bem distribuídos, apesar de haver alguma concentração na
zona oriental. E isso podia até constituir um trunfo num quadro de reabilitação urbana."
"Não havia uma verdadeira preocupação de integração urbana", recorda Teixeira
Fernandes. "Só não se queria expor ao visitante aquilo que eram as "chagas" da sociedade.
Havia uma ideia de apresentar uma cidade decente ao exterior."
Os bairros sociais foram construídos de tal forma que vão de um extremo ao outro do
município. Alguns estão mesmo na fronteira. O Bairro do Lagarteiro nasceu na fronteira
com Gondomar, por exemplo. E o Bairro de Manuel Carlos Agrelos (Aldoar) nasceu na
fronteira com Matosinhos.
"Muitas vezes, diz-se que os bairros sociais estão em espaços nobres, valorizados", atalha
João Queirós. "O tecido urbano é que cresceu e se aproximou deles. Na altura, ir do centro
para um bairro a quatro ou cinco quilómetros não significava o mesmo que hoje."
Foram-se rasgando vias, foram-se construindo edifícios nos espaços libertos, foi-se
amarrando cidade à volta.
"Não há muitas cidades - nessa Europa - que tenham uma orientação tão definida como o
Porto e Lisboa", avalia Teixeira Fernandes. "Há em muitas uma implantação da população
muito descontínua - em Paris vê-se isso muito bem; em Viana de Áustria talvez até
melhor. Mas não com esta configuração norte-sul ou oriente-poente."
Retomem-se os dois exemplos para ter uma ideia desta orientação.
O Bairro do Lagarteiro nasceu num espaço tão liberto de urbanidade que perto dele surgiu
o Parque Oriental. Está na freguesia de Campanhã, que aloja 11 bairros sociais que
asseguram quase exclusivamente a função residencial. Está na não-cidade, senhora das
mais elevadas taxas de pobreza e exclusão.
O Bairro de Manuel Carlos Agrelos implantou-se num espaço tão liberto de urbanidade
que perto dele surgiu o Parque da Cidade. Está na freguesia de Aldoar, que integra quatro
30
ou cinco tipologias de habitação - desde condomínio privado ao bairro camarário, o que
não quer dizer, nota João Queirós, "que haja proximidade social".
Também houve fábricas na zona ocidental, só que as populações mais privilegiadas
estavam a fixar-se lá. Esse movimento tornou-a mais favorecida, mas não a poupou a
problemas. Alguns até se colocam de forma mais intensa, por força da pressão urbanística,
sugere João Queirós, a pensar no Bairro do Aleixo, hipermercado de drogas do Grande
Porto cercado por condomínios de classe média alta, condenado a ir abaixo.
Expansão da cidade
Para Virgílio Borges Pereira, é evidente que o Plano de Melhoramentos de 1956/1966 era
um plano de expansão da cidade: "A presença de espaços habitacionais que resultam da
acção do Estado é muito relevante. É uma forma de contribuir para a construção de tecidos
urbanos que não sejam tão desequilibrados quanto seriam, se decorressem apenas da acção
do mercado."
O sociólogo não quer que se pense que este é um exclusivo do Porto: "Encontramos isto
em muitas cidades europeias. Sociedades muito mais ricas do que as nossas - e mais
equilibradas na distribuição de rendimento - têm políticas de alojamento muito mais
efectivas. O que seria Paris, por exemplo, se não tivesse habitação social? Seria muito
menos diversa."
João Queirós dá o exemplo de Amesterdão, à qual muitos chamam "cidade justa".
Concentra 40 por cento dos residentes em habitação social. Só que o modelo é outro. Mal
se sente.
Houve uma segunda fase de Plano de Melhoramentos para a Cidade do Porto. Ainda em
1956, Nuno Pinheiro Torres, o presidente da câmara de então, deu início à construção de
mais 1674 fogos. Com a revolução de 25 de Abril de 1974, uma nova lógica despontou. A
mais emblemática medida habitacional da época é o Serviço de Apoio Ambulatório Local
(SAAL).
Pela primeira vez, as pessoas foram convocadas para encontrar soluções para os seus
problemas habitacionais. Mas essa visão alternativa não chegou a consolidar-se. Nem lá
perto.
No Porto, os processos de transferência para os bairros foram quase sempre por muitas
pessoas vividos como uma forma de violência. O problema, diagnostica João Queirós, é
que "as pessoas não foram envolvidas". Tão-pouco foram acompanhadas naquela nova
fase. "Dá-se a casa e acaba aí."
Madureira Pinto não podia estar mais de acordo: "Retira-se-lhe a voz. A sua forma de
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participação é estar. Porquê? Porque o que se quer é resolver um problema da cidade e não
da população. E isto a prazo implica menos interesse na resolução dos problemas do
bairro."
Teixeira Fernandes também aponta desencontro entre as aspirações da população e as
acções da câmara: "Nas zonas onde viviam havia uma relação com o local de trabalho (a
escola não teria grande valor). E foram transferidas para zonas com as quais não se
identificavam, desvinculadas do trabalho e da escola. O poder político não tinha grande
sensibilidade."
Não é tudo. "O realojamento pouco foi acompanhado por políticas de escolarização e de
formação profissional e isso, sobretudo em momentos como este, tem reflexos grandes",
enfatiza Virgílio Borges Pereira. Não fala da actual crise financeira e económica. Fala de
uma crise de longo prazo que tem a ver com o reposicionamento do Porto na divisão do
trabalho.
A indústria desapareceu. E esta população, que entretanto não se qualificou, tem uma
vocação de trabalho diferente da de outras zonas do distrito ou do país. Não interiorizou a
mobilidade quotidiana. Procura trabalho numa zona restrita. Vive centrada no próprio
contexto. Não sai.
João Queirós vê as coisas assim: "Numa vida, aconteceu o fim do mundo. Um homem que
aos 20 anos era um operário metalúrgico integrado viveu o fim do mundo aos 45. E o
filho, que ele teve aos 25 anos, nasceu e cresceu nesse mundo que já não existe. Ficou um
vazio."
Madureira Pinto pensa que "é ao nível do emprego que se colocam os problemas sociais
decisivos". Mas não descarta problemas sociais que têm a ver com as dinâmicas do
próprio bairro: "A relação das populações com a escola é muito modelada pela forma
como as pessoas se encaram a si mesmas no contexto da cidade. Por exemplo, o sentirem-
se como parte do bairro, mas excluídos da cidade, faz com que não se relacionem bem
com a escola, que traz o universal."
Parece-lhe evidente que "há processos de estigmatização que têm efeitos". Por isso, crê ser
"difícil intervir": "As políticas urbanas erradas pagam uma factura muito pesada e é o
Estado que a prazo é confrontado com problemas que então se torna de facto incapaz de
resolver."
"O problema é que, quando o Estado se retira destes contextos, a acção é lacunar", insiste
Virgílio Borges Pereira. "Estamos a falar de bairros não muito grandes. Há pouco
estivemos, na Escócia, num com 40 e tal mil habitantes. Aqui dir-se-ia que era ingerível. E
o que lá vimos foram instituições que estão há décadas a trabalhar. É a única alternativa.
Trabalho continuado. Aqui, o que vemos são projectos a começar e a acabar."
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O Programa Especial de Realojamento (PER), lançado em 1993, foi "uma oportunidade
para questionar os modelos do passado e para equacionar novas soluções, quiçá integrando
finalmente preocupações urbanísticas, preocupações sociais e envolvimento das
populações". No Porto, diz o investigador, "nalguns casos, adoptaram-se modelos
inovadores (bairros pequenos ou médios, de grande qualidade arquitectónica), noutros
repetiram-se modelos do passado".
Pelo caminho, cristalizou-se a ideia de que o bairro social é, à partida, um problema.
"Estou convencido que parte da saída para os concelhos limítrofes tem a ver com a
dificuldade de os cidadãos se relacionarem com a habitação social da sua cidade",
comenta Madureira Pinto, numa alusão à sangria que o concelho sofre desde os anos 80.
Os investigadores insistem todos num ponto: nem os bairros sociais são todos iguais (de
alguns nem sequer se ouve falar), nem as pessoas que neles moram constituem uma massa
homogénea. Esta investigação, cujos resultados começam a aparecer, pretende, sem
escamotear o problemático, mostrar o emancipatório. "Esses processos existem", vinca
Virgílio Borges Pereira. "Pessoas que têm trajectórias de educação, de trabalho, para quem
a habitação social foi muito importante." Teixeira Fernandes
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Anexo 7 – Imagens do Bairro do Lagarteiro, no Porto
Imagem 6 – Reabilitação do Bairro do Lagarteiro
Fonte: porto24.pt
Imagem 7– Bairro do Lagarteiro
Fonte: Jornal da Construção
Imagem 8 – Reabilitação do Lagarteiro está
pronta
Fonte: Diário de Notícias
Imagem 9 – Gabinete do projecto Iniciativa
Bairros Críticos
Fonte: Sara Pereira
Imagem 10 – Bairro do Lagarteiro nos anos 70
Fonte: Teresa Sá Marques et. Al.
Imagem 11 – Bairro do Lagarteiro nos anos 70
Fonte: Teresa Sá Marques et. Al.