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FUNDAÇÃO FACULDADE DE DIREITO - UFBA
CIRO TADEU GALVÃO DA SILVA FERNANDA OLIVEIRA DE ALMEIDA
GIVALDO NERI LIMA LUCILLE CORREIA CAVALCANTE LUIS CLÁUDIO SEIXAS ANDRADE
I SEMINÁRIO – DIREITO DO TRABALHO – 2010.1
TEMA: BANCO DE HORAS
Trabalho apresentado como pré-requisito parcial para aprovação no CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO TRABALHO 2010.1, sob a orientação do professor Luciano Martinez.
SALVADOR 2011
2
Banco de Horas
Ciro Tadeu Galvão da Silva Fernanda Oliveira de Almeida
Givaldo Neri Lima Lucille Correia Cavalcante
Luis Cláudio Seixas Andrade Alunos do Curso de Especialização em Direito do Trabalho 2010.1 – Fundação Faculdade de Direito - UFBA
RESUMO: É cediço que a Lei 9.601/98 e a MP No 2.164-41/2001, indubitavelmente, estabeleceram um novo paradigma acerca do regime de compensação de jornada de trabalho (Banco de horas) previsto no texto constitucional. Se por um lado trouxe vantagens para o empregador, pela supressão do pagamento imediato das horas extras prestadas pelo obreiro, para este último não agregou os direitos garantidos pela Constituição de forma plena. Nesse ínterim, o presente ensaio ateve-se inicialmente às noções do instituto jurídico em foco para, posteriormente, provocar o debate sobre a preservação do emprego versus lucratividade do empregador, (in) constitucionalidade do instituto, parâmetro temporal compensatório e a relação com a administração pública, férias e saúde e segurança do trabalho.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Jornada de Trabalho – Uma Abordagem Inicial. 2.1 Histórico. 2.2 Conceituação e Previsão Legal. 2.3 Flexibilização. 3 Banco de Horas. 3.1 Histórico, Previsão Legal e Conceituação. 3.2 Requisitos de Validade. 3.3 Formas de Instituição: Acordo Individual ou Negociação Coletiva? 4 Pontos para Reflexão. 4.1 Banco de Horas e a Saúde e a Segurança do Trabalho. 4.2 Banco de Horas e Período de Férias. 4.3 Limite Temporal para Compensação. 4.4 Banco de Horas: Preservação do Emprego ou Maior Lucratividade do Empregador? 4.5 Inconstitucionalidade do Banco de Horas. 4.5.1 Princípios da Proibição do Retrocesso Social e da Isonomia. 4.5.2 Das Teses sobre a Inconstitucionalidade do Banco de Horas. 4.6 Banco de Horas e a Administração Pública. 5 Conclusão. 6 Referências.
PALAVRAS-CHAVE: Jornada de trabalho. Horas extras. Compensação de jornada. Banco de horas. Negociação coletiva. Flexibilização.
1. INTRODUÇÃO
Como é cediço, a jornada de trabalho é fixada pela Constituição da República de
1988 (art. 7o, XIII) e limitada ao máximo de oito horas diárias e quarenta e quatro horas
semanais. A Carta Magna também facultou a compensação de horários e a redução da
jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Com o advento da Lei No 9.601/98, surge a permissão para a compensação de
horários em períodos maiores que uma semana. Inicialmente, a lei estabeleceu o limite de
quatro meses para compensação. Mais tarde, por meio de Medidas Provisórias, o Poder
Executivo ampliou esse limite para um ano.
3
Por força da EC 32, de 2001, a MP No 2.164-41, de 24.08.2001, contrariando a
própria essência dessa forma de legislar, ganhou vigência permanente, e deu nova redação ao
§2o do art. 59, da CLT, possibilitando a dispensa de acréscimo de salário se, por força de
acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela
correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de
um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite de
dez horas diárias.
A esse arranjo laboral deu-se o nome de Banco de Horas e sua concepção tem
como pano de fundo as crises financeiras que assolaram o Brasil na década de 90.
Visando a evitar a redução de postos de trabalho e as demissões em massa, e
também os efeitos das sazonalidades nas demandas, o Banco de Horas surge como a panacéia
para solucionar os problemas das empresas e preservar o emprego dos trabalhadores.
Partindo dessa premissa, o presente estudo se inicia com uma abordagem sobre
jornada de trabalho, um breve resgate histórico, a conceituação e previsão legal do mecanismo
e uma rápida passagem sobre a proposta de flexibilização da jornada de trabalho, que aqui
será abordada como o instituto permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro no qual foi
introduzido o Banco de Horas, cujo objetivo primaz visou atender momentos de crise
econômica e financeira que afetasse as empresas, objetivando evitar despedidas coletivas de
trabalhadores e a conseqüente preservação do emprego.
No capítulo seguinte, descreve o Banco de Horas, traz seu histórico, sua previsão
legal, a conceituação, os requisitos de validade e abre a discussão sobre as formas de
instituição, se por meio de acordo individual ou negociação coletiva.
No quarto capítulo, adentra numa reflexão sobre alguns temas específicos
relacionados com o Banco de Horas, a exemplo do parâmetro a ser utilizado, a relação com o
período de férias e com a saúde e segurança do trabalho, e, ainda, a possibilidade de sua
aplicação aos servidores da administração pública. Debruça-se, também, e principalmente,
sobre as teses de inconstitucionalidade do Banco de Horas, sob o ponto de vista
principiológico. E traz a lume, uma questão: a quem serve o Banco de Horas? Aos
trabalhadores, aos empregadores, ou a ambos?
É com esse propósito que este ensaio propõe uma abordagem crítico-informativa
com posterior reflexão acerca do instituto jurídico da jornada de trabalho, especificamente
sobre o tema Banco de Horas, associada a comentários doutrinários e jurisprudenciais
pertinentes a sua aplicação nas circunstâncias permitidas por lei, o qual permitirá ao leitor
4
incipiente uma visão inicial sistematizada, clara e objetiva, porém lastreada de substancial
embasamento jurídico acerca do tema.
2. JORNADA DE TRABALHO – UMA ABORDAGEM INICIAL
2.1 HISTÓRICO
Antigamente, sobretudo nos países do continente europeu, os trabalhadores
laboravam de sol a sol, sem fixação de jornada, cumprindo uma carga horária muito acima das
oito horas diárias estabelecida em grande parte do mundo atual.
Os obreiros, insatisfeitos, cansados do labor por tempo muito superior ao que as
forças do homem poderiam suportar, promoveram inúmeras reivindicações, insistentes
protestos, com grandes movimentos paredistas, visando à redução da jornada de trabalho,
máxime a fixação da jornada em oito horas diárias.
Nesse contexto, segundo Sérgio Pinto Martins1, o Papa Leão XIII, na Encíclica
Rerum Novarum, de 1891, prevê que “o número de horas de trabalho diário não deve
exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade do repouso deve ser proporcional à
qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, à compleição e saúde dos
operários”.
A partir da orientação do Vaticano, sucederam-se Recomendações, Tratados e
Convenções, todas ratificando a instituição da jornada de trabalho em oito horas diárias.
No Brasil, vários Decretos trataram da jornada de trabalho, estabelecendo limites
de acordo com as várias categorias e áreas profissionais, tendo sido a maioria absorvida pela
Consolidação das Leis do Trabalho, em 01 de maio de 1943.
As Constituições Federais, considerando as posteriores a 1891, tratavam da
jornada de trabalho de uma forma semelhante, observando sempre o limite de oito horas
diárias, preocupando-se com o descanso do obreiro e permitindo a prorrogação da jornada só
em casos excepcionalmente previstos.
Entretanto, a Constituição Federal de 1988, de acordo com os ensinamentos de
Sérgio Pinto Martins2 “modificou a orientação que vinha sendo seguida constitucionalmente,
estabelecendo no seu art. 7º: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias
e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (XIII); “jornada de seis horas para o
1 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 485. 2 Idem, p. 487.
5
trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva”
(XIV)”.
2.2 CONCEITUAÇÃO E PREVISÃO LEGAL
Maurício Godinho Delgado3 conceitua jornada de trabalho como: “o lapso
temporal diário em que o empregado se coloca à disposição do empregador em virtude do
respectivo contrato. É desse modo, a medida principal do tempo diário de disponibilidade do
obreiro em face de seu empregador como resultado do cumprimento do contrato de trabalho
que os vincula”.
Já Sérgio Pinto Martins4 utiliza uma definição mais simples, onde, segundo ele
“jornada de trabalho é a quantidade de labor diário”.
Trata-se de um tema de elevada relevância no Direito do Trabalho, pois é por
meio da fixação da jornada de trabalho que se pode determinar o salário do obreiro,
considerando o tempo efetivamente laborado e/ou à disposição do empregador. Por outro
lado, a limitação do horário de labor é essencial para a saúde do trabalhador, pois a jornada
excessiva poderá provocar doenças ocupacionais e até mesmo acidentes decorrentes do
trabalho.
Nesse sentido, o controle de jornada diária e semanal positivado na CF/1988
constitui uma medida eficaz para preservar o trabalhador, principalmente com relação aos
riscos inerentes a atividade laborativa.
Com efeito, a Carta Magna fixou a jornada diária em 8 horas, e a semanal, em 44
horas, permitindo a compensação de horários ou a diminuição da jornada, desde que efetivado
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. No mesmo caminho, trilha o art. 58 da
CLT, estabelecendo também a jornada de 8 horas diárias.
Além da jornada diária e semanal, a Lei Maior disciplinou em seu art. 7º, XIV,
para os obreiros que trabalham em turnos ininterruptos de revezamento, a jornada de 6 horas
diárias, podendo ser alterada com a elaboração de negociação coletiva.
Entende-se que o labor através de turnos ininterruptos de revezamentos é aquele
em que os trabalhadores são escalados para prestarem serviços em diferentes períodos
(manhã, tarde e noite), fazendo constantes rodízios.
3 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6ª. Ed. São Paulo: LTR, 2010, p. 782. 4 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 487.
6
Ademais, a Consolidação das Leis do Trabalho, malgrado discipline a jornada de
trabalho normal (arts. 58 a 65) estabelece também, observando as respectivas áreas
profissionais, jornada de trabalho especial, a exemplo dos bancários (arts. 224 a 226), dos
empregados nos serviços de telefonia (arts. 227 a 231), dos músicos profissionais (arts. 232 e
233), dos operadores cinematográficos (arts. 234 e 235), dos empregados em serviços
ferroviários (arts. 236 a 247), dos empregados das equipagens das embarcações da marinha
mercante nacional (arts. 248 a 252), dos empregados dos serviços frigoríficos (art. 253), do
trabalho em minas de subsolo (arts. 293 a 301), dos jornalistas profissionais (arts. 302 a 316),
dos professores (arts. 317 a 324) e dos químicos (arts. 325 a 351).
De outro vértice, temos ainda, os empregados excluídos do controle de jornada,
como os que exercem atividade externa incompatível com a fixação do horário de trabalho, e
os gerentes que exercem cargo de confiança, de mando, comando e gestão dentro da empresa
(art. 62 Consolidado). Já quanto às empregadas (os) domésticas (os), infelizmente, o
legislador brasileiro ainda não evoluiu a ponto de fixar a sua jornada laboral.
2.3 FLEXIBILIZAÇÃO
Sérgio Pinto Martins5 ensina que a flexibilização da jornada de trabalho “é usada
principalmente nos países de língua inglesa, em que o funcionário entra mais cedo, saindo
mais cedo do trabalho, ou ingressa mais tarde no serviço, saindo, também, em horário mais
adiantado do que o normal, estabelecendo, assim, seu próprio horário de trabalho,
trabalhando mais horas em determinado dia ou semana para trabalhar um menor número de
horas em outros dias”.
Nacionalmente, qualquer trabalho fixado acima ou abaixo da jornada prevista na
CF/1988 importará em sua flexibilização, prorrogando-a ou reduzindo-a.
A Carta Maior vem prestigiando a flexibilização das regras acerca da jornada de
trabalho, permitindo a sua compensação ou redução, sendo possível somente com a confecção
de acordo ou convenção coletiva de trabalho. Referente ao aumento da jornada de 6 horas
fixada para os trabalhadores que laboram em turnos ininterruptos de revezamento, também é
possível, desde que presente negociação coletiva.
Não é ocioso, porém, mencionar o entendimento do Tribunal Superior do
Trabalho, que em diversos julgamentos, vem aceitando a escalada de revezamento que fixa a
5 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 506.
7
jornada na modalidade 12 por 36 horas, desde que seja instituída por convenção ou acordo
coletivo de trabalho.
3. BANCO DE HORAS
3.1 HISTÓRICO, PREVISÃO LEGAL E CONCEITUAÇÃO
Sérgio Pinto Martins6 ensina que “o § 2o do art. 59 da CLT mencionava que
poderia ser feita a compensação mediante acordo ou contrato coletivo, desde que não
houvesse excedimento do horário normal da semana, nem fosse ultrapassado o limite máximo
de 10 horas diárias”. Essa era a redação original do Diploma Consolidado de 1943. Por sua
antiga redação, não era possível ultrapassar às 44 horas semanais para efeito de compensação
de horas.
Com o advento da Lei 9.601/1998, seu art. 6o modificou a redação do art. 59, § 2o
da CLT, permitindo a compensação de horas de labor além do parâmetro mês, desde que
existente acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Segundo Maurício Godinho Delgado7 “a Lei 9.601/98 alterou o critério de
compensação de horas de labor tradicional no país, instituindo autorização para pactuação
da chamada compensação anual ou banco de horas”.
Em seu texto primitivo, a referida Lei contemplava a compensação anual limitada,
usando como parâmetro o máximo de 120 dias durante um ano. Entretanto, várias Medidas
Provisórias, dentre elas, a MP 2.164-41 com vigência indeterminada, por força do art. 2º da
EC No 32 de 11/09/2001, foram promulgadas para estabelecer o parâmetro anual pleno,
englobando, portanto, os 12 meses existentes no ano.
Em resumo, o Banco de Horas é um acordo de compensação de jornadas,
disciplinado por convenção ou acordo coletivo de trabalho, no qual pode se prever que o
excesso de horas laborado em um dia será compensado pela correspondente diminuição em
outro, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas
semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de 10 horas diárias,
não havendo que se falar em pagamento do adicional de 50% a título de horas extras.
Porém, ocorrendo a rescisão do contrato de trabalho, sem que tenha havido a
compensação integral da jornada laborada em excesso, o obreiro terá direito ao adimplemento
das horas extras trabalhadas e não compensadas.
6 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 509. 7 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6ª. Ed. São Paulo: LTR, 2010, p. 811.
8
3.2 REQUISITOS DE VALIDADE
Para validade/reconhecimento da compensação de jornada ou banco de horas, faz-
se necessária a intervenção sindical, por meio da assinatura de convenção ou acordo coletivo
de trabalho, evitando-se, assim, abusos do empregador.
Ressalte-se que o reconhecimento das convenções coletivas e dos acordos
coletivos de trabalho, previsto no art. 7o, XXVI da CF/1988 só é possível com a
intermediação dos sindicatos, requisito obrigatório para sua validade (art. 8o, VI, da Carta
Magna).
Desse modo, percebe-se que a presença do sindicato é essencial nas negociações
coletivas de trabalho para flexibilização da jornada, podendo tanto ser instituídas condições
mais favoráveis, quando da redução, quanto desfavoráveis, devido à possibilidade de aumento
da jornada de trabalho nos turnos ininterruptos de revezamento.
Outro requisito a ser observado é que no período máximo de um ano, as horas
extras laboradas não devam exceder a soma das jornadas semanais de trabalho previstas,
sendo estas normalmente fixadas em 44 horas. Outrossim, o obreiro, quando de seu labor
diário, não poderá ultrapassar o limite máximo de 10 horas.
Ademais, o Tribunal Superior do Trabalho firmou posicionamento no sentindo de
que a prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada,
a teor da Súmula 85, item IV, estabelecendo mais um requisito, já que o trabalho em
sobrelabor constantemente, de forma habitual, é causa extintiva do banco de horas.
3.3 FORMAS DE INSTITUIÇÃO: ACORDO INDIVIDUAL OU NEGOCIA ÇÃO
COLETIVA?
Discute-se na doutrina e na jurisprudência se a lei que permitiu a compensação
autoriza a sua instituição mediante acordo tácito, acordo individual escrito ou, somente, por
meio de negociação coletiva.
Relativamente ao acordo tácito, o seu acolhimento tem se revelado bastante
minoritário. Os que defendem essa tese sustentam que feita a compensação por considerável
período de tempo sem que haja insurreição do obreiro, estaria configurado o ajuste tácito.
Contudo, o acordo tácito não está previsto na legislação, situação imprevisível de
compensação, podendo gerar abusos do empregador, já que este estaria livre para determinar
seus critérios.
9
Seguindo essa linha de raciocínio, o TST entende que o ajuste de compensação de
jornada de trabalho não pode ser tácito, admitindo, entretanto, o acordo individual escrito.
Confira-se nesse sentido o entendimento jurisprudencial:
ACORDO TÁCITO PARA COMPENSAÇÃO DE JORNADA - PAGAMENTO APENAS DO ADICIONAL DE HORAS EXTRAS. É inválida a adoção de regime tácito de compensação horária, nos termos do art. 7º, XIII, da Constituição Federal. Nesse caso, não tendo o Regional contestado a alegação do Reclamado de que tais horas foram efetivamente pagas, o Empregado, nos termos da Súmula nº 85 do TST, tem direito apenas ao adicional relativo às horas invalidamente compensadas. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 435652-32.1998.5.09.5555, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 12/02/2003, 4ª Turma, Data de Publicação: 14/03/2003)
De fato, a Súmula 858 do TST, em seu item I, permite a compensação da jornada
de trabalho quando ajustada por acordo individual escrito, restringindo sua aplicação no item
II, afirmando ser válido caso inexista norma coletiva em sentido contrário. Contudo, há uma
diferenciação clara entre compensação semanal e Banco de Horas, que tem outro parâmetro
temporal.
Cláudia José Abud9 adota o entendimento de que o ajuste pode ser por meio de
acordo escrito individual, pois traz evidentes benefícios ao empregado.
“Sabe-se também, que a convenção e o acordo coletivo de trabalho são instrumentos mais raros de celebração no âmbito de empresas de pequeno porte, assim como são proibidas em entidades de direito público”. “Diante do exposto, conjugados os méritos gramatical, lógico-sintático e teleológico, sustentamos que o termo “acordo” utilizado pelo inciso XIII do art. 7º da nossa Carta Magna diz respeito ao acordo individual”.
Sérgio Pinto Martins10, afirma que o acordo deva ser coletivo:
“Entendo que o adjetivo coletivo, qualificando o substantivo convenção, diz respeito tanto a convenção como ao acordo, até mesmo em razão da conjunção empregada no texto, que mostra a alternatividade tanto na convenção como do acordo serem coletivos. A palavra coletiva deve concordar com a palavra imediatamente anterior, que é feminina, mas aquela se refere também ao acordo. Por esse raciocínio, o acordo deve ser coletivo e não individual”
Luciano Martinez11 afirma que o acordo deve ser coletivo:
“Somente pode ser ajustado por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, sendo imune à aplicabilidade do entendimento constante da súmula 85, I e II, do TST”.
8 Súmula No 85 do TST - COMPENSAÇÃO DE JORNADA I. A compensação de jornada de trabalho deve ser
ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. II - O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário.
9 ABUD, Cláudia José. Jornada de Trabalho e a Compensação de Horários. São Paulo: Atlas, 2008, p. 109-110. 10 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25 ed. 2. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2009, p. 508. 11 MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 294.
10
Entende Renato Saraiva12:
“(...) que a compensação de jornada admitida por meio de acordo individual escrito seria apenas a relacionada com a compensação semanal, quando, em regra, o trabalhador labora uma hora a mais de segunda a quinta-feira, não laborando aos sábados, perfazendo assim, a jornada de 44 horas semanais, haja vista que nesse caso a compensação seria benéfica para o empregado, que não prestaria serviços aos sábados”.
Outro exemplo de acordo individual escrito seria a OJ 323 da SDI-I/TST, um
verdadeiro sistema de compensação de jornada de trabalho semanal, mais conhecido como
“semana espanhola”, onde o trabalhador alterna a prestação de 48 horas numa semana e 40
horas noutra.
Na realidade, compreende-se que para instituição do banco de horas, a existência
de negociação coletiva, seja por meio de acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho,
intermediada pela entidade sindical é a regra, máxime a compensação de jornada anual,
conforme estabelece o art. 59, § 2o da Consolidação das Leis do Trabalho.
Registre-se, porque oportuna, a opinião do insigne doutrinador Maurício Godinho
Delgado (2010, p. 814):
“[...] no instante em que o legislador infraconstitucional criou, no país, novo tipo de regime compensatório, distinto daquele até então vigorante e, adicionalmente, prejudicial à saúde e segurança da pessoa humana prestadora de serviços empregatícios, não pode determinar que tal regime prejudicial, redutor de direitos e vantagens trabalhistas, seja pactuado sem o manto protetivo da negociação coletiva.”
Entretanto, para que se ponha fim à controvérsia, mencione-se, ilustrativamente, o
seguinte aresto:
RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. BANCO DE HORAS. SÚMULA N.º 85 DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. A Lei n.º 9.601/98, que deu nova redação ao art. 59, § 2.º, da CLT, estabeleceu o padrão anual de compensação, implantando, com isso, o banco de horas, desde que por meio de negociação coletiva. Tal preceito é incompatível com a diretriz consagrada na Súmula n.º 85 deste Tribunal Superior. Ressalte-se que referido verbete jurisprudencial tem como parâmetro de compensação o limite da jornada máxima semanal, que corresponde a 44 horas semanais. Diferentemente, o banco de horas admite módulo anual e sua fixação por instrumento coletivo decorre de imperativo legal. A fixação do banco de horas, sem que formalizada mediante norma coletiva, não atrai, portanto, a incidência da Súmula n.º 85 deste Tribunal Superior. Recurso de Embargos conhecido e desprovido. Processo: E-ED-ED-ED-RR - 125100-26.2001.5.03.0032 Data de Julgamento: 04/11/2010, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 12/11/2010.
12 SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 2ª. Ed, ver. Atual. Rio de Janeiro: Método, 2009, p. 272
11
4. PONTOS PARA REFLEXÃO
4.1 BANCO DE HORAS E A SAÚDE E A SEGURANÇA DO TRABALHO
A estipulação da jornada de trabalho em oito horas diárias tem como fundamento
as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. O alongamento do tempo de atividade
laboral pode trazer, no médio e longo prazos, sérios danos ao trabalhador, comprometendo,
inclusive, a geração de força de trabalho no futuro.
Na medida em que alonga a jornada do trabalhador, de forma contínua, o instituto
do Banco de Horas pode levá-lo à fadiga e à exaustão, trazendo como conseqüências, dentre
outras, a lesão por esforços repetitivos e agravando os riscos de acidente de trabalho.
Ademais, subtrai do trabalhador o tempo que seria dedicado às atividades sociais,
esportivas, culturais, e, principalmente, ao convívio com a família.
Segundo Maurício Godinho Delgado:
“A pactuação de horas complementares à jornada padrão, que extenue a trabalhador ao longo de diversas semanas e meses cria riscos adicionais inevitáveis à saúde e segurança daquele que presta serviços, deteriorando as condições de saúde, higiene e segurança no trabalho.” (DELGADO, 2006, p.864).
Dessa forma, essa agressão à saúde, higiene e segurança laborais destitui o Banco
de Horas do sentido benéfico ao trabalhador de que era ele originalmente dotado.
4.2 BANCO DE HORAS E PERÍODO DE FÉRIAS
Outro ponto de salutar importância é a compensação das horas
extraordinariamente laboradas e sua interferência no período de férias.
É se salientar que as férias têm caráter de proteção da saúde do trabalhador, como
explica Maurício Godinho Delgado13:
“As férias, entretanto, são direito laboral que se constrói em derivação não somente de exclusivo interesse do próprio trabalhador. Elas, como visto, indubitavelmente também têm fundamento em considerações e metas relacionadas à política de saúde pública, bem-estar coletivo e respeito à própria construção da cidadania (...) as férias surgem como mecanismo complementar de grande relevância nesse processo de reinserção da pessoa do empregado, resgatando o da noção estrita de ser produtivo em favor de uma mais larga noção de ser familiar, ser social e ser político. Tais fundamentos - que se somam ao interesse obreiro na estruturação do direito às férias - é que conduzem o legislador a determinar que o empregado não tenha apenas o direito de gozar as férias, mas também, concomitantemente, o dever de as fruir, abstendo-se de “(...) prestar serviços a outro empregador, salvo se estiver obrigado a fazê-lo em virtude de contrato de trabalho regularmente mantido com aquele” (ad. 138, CLT; ad. 13, Convenção 132, OIT) (...) O caráter imperativo das férias, atada que é ao segmento da saúde e segurança laborais, faz com que não possa ser objeto de renúncia ou transação lesiva e, até mesmo, transação prejudicial coletivamente negociada. E, pois, indisponível referido direito.
13 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 928.
12
Isso posto, tem-se que as pausas do trabalho, realizadas em razão da concessão de
férias não podem ser utilizadas no cômputo do banco de horas a fim de deduzir-se as horas de
descanso concedidas em razão das férias aquelas extraordinariamente laboradas.
Note-se que o direito ao gozo das férias, constitui-se em matéria de ordem
pública, havendo expressa previsão legal para a perda deste direito, sendo que a compensação
de horas extraordinárias não consta da referida previsão legal.
Isso posto, tem-se expressa a intangibilidade do gozo das férias, não só em face da
compensação de horas eventualmente instituída através de Banco de Horas, em razão de
constituir-se em matéria de ordem pública.
4.3 LIMITE TEMPORAL PARA COMPENSAÇÃO
Ponto de importante destaque para a análise do tema Banco de Horas é o
parâmetro utilizado para a compensação das horas extraordinariamente laboradas, pelo que se
tem que verificar acerca do limite temporal para a compensação destas horas.
A redação original da Lei No 9.601/98 criou uma espécie de compensação anual
limitada, ao estabelecer o parâmetro máximo de 120 dias. O Poder Executivo, entretanto, por
meio da Medida Provisória 1.709, de 1998, reeditada várias vezes, estabeleceu o parâmetro
anual pleno para a compensação.
Note-se que o Banco de Horas tem sua raiz no art. 59, da Consolidação das Leis
Trabalhistas, donde se extrai qual o limite temporal para a compensação das horas
extraordinárias laboradas e não pagas, senão vejamos a sua redação:
(...) § 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias. (grifos nossos).
Da análise do dispositivo retro transcrito tem-se que o limite temporal a ser
obedecido para a compensação das horas extraordinariamente laboradas é o limite anual,
posto que dispõe o referido dispositivo legal que a compensação deverá ser efetuada no
período máximo de um ano.
Cabe destacar que o marco final do “período de um ano” do Banco de Horas está
vinculado ao prazo estabelecido no instrumento da negociação coletiva. Ou seja, o limite
temporal máximo é o fim da validade do acordo ou convenção coletiva.
13
Contudo, é de imperiosa importância destacar que o esquema compensatório
estabelecido pelo art. 59, §2o, da CLT, conhecido como Banco de Horas, é uma das espécies
contidas no sistema compensatório, e que, neste caso, o lapso temporal máximo para a
compensação do labor é de 01 (um) ano, devendo ser pactuado sempre mediante acordo
coletivo ou convenção coletiva.
Saliente-se que este é o entendimento jurisprudencial acerca do tema, senão
vejamos;
RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. BANCO DE HORAS. SÚMULA N.º 85 DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃ O. A Lei n.º 9.601/98, que deu nova redação ao art. 59, § 2.º, da CLT, estabeleceu o padrão anual de compensação, implantando, com isso, o banco de horas, desde que por meio de negociação coletiva. Tal preceito é incompatível com a diretriz consagrada na Súmula n.º 85 deste Tribunal Superior. Ressalte-se que referido verbete jurisprudencial tem como parâmetro de compensação o limite da jornada máxima semanal, que corresponde a 44 horas semanais. Diferentemente, o banco de horas admite módulo anual e sua fixação por instrumento coletivo decorre de imperativo legal. A fixação do banco de horas, sem que formalizada mediante norma coletiva, não atrai, portanto, a incidência da Súmula n.º 85 deste Tribunal Superior. (...) Declaração em Recurso de Revista n.º TST-E-ED-ED-ED-RR-125100-26.2001.5.03.0032, em que é Embargante MAGNETI MARELLI DO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. e Embargado SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS, MECÂNICAS E DE MATERIAL ELÉTRICO DE BELO HORIZONTE E CONTAGEM.
Ressalta-se que nada impede que o parâmetro compensatório seja semanal ou
mensal, desde que pactuado em acordo ou convenção coletiva, posto que o que o referido
dispositivo legal (art. 59, §2o, da CLT) estabelece é o limite temporal máximo, podendo ser
realizado o pacto coletivo estabelecendo condições menos gravosas para o empregado.
4.4 BANCO DE HORAS: PRESERVAÇÃO DO EMPREGO OU MAIOR
LUCRATIVIDADE DO EMPREGADOR?
A partir da ideia inicial de preservação do emprego do trabalhador e atenuação das
consequências trabalhistas que poderiam se verificar ante a recessão econômica que o Brasil
experimentava em 1998, foi editada a Lei No 9.601/98 que flexibilizou algumas garantias
trabalhistas. No bojo desta lei surgiu o banco de horas com as premissas de que as empresas
estavam autorizadas a barganhar as horas trabalhadas em sobrejornada pelos seus funcionários
em troca da concessão de folga em períodos determinados. Para tanto, alguns requisitos
devem ser obedecidos, quais sejam a real situação de dificuldades por que passa a empresa ou
momentos de crises financeiras temporárias, além da sazonalidade da produção e de serviços,
14
as quais constituem justificativas para evitar as despedidas coletivas e, portanto, a preservação
do emprego dos trabalhadores.
A análise preliminar destes conceitos básicos da instituição do banco de horas
como medida salutar e necessária para o propósito para o qual foi concebido é de certa forma
louvável e compreensível, partindo do entendimento de que, malgrado o trabalhador não
tenha a sua contraprestação recebida logo após a prestação efetiva do serviço, seu emprego
estaria garantido, mesmo a empresa permutando o valor pecuniário da força de trabalho do
seu funcionário pela posterior concessão de folga, desde que verificadas as condições
estabelecidas para tal concessão.
Até aí poder-se-ia compreender tal sacrifício do trabalhador frente a uma situação
de crise financeira da economia ou o momento de dificuldade que a empresa atravessa. Mas,
desde a instituição desta forma de flexibilização de direitos trabalhistas, não foi exatamente
isto que se verificou e se constata atualmente na prática das relações trabalhistas no Brasil.
Praticamente a maioria das empresas brasileiras adota o sistema do banco de horas
independente da constatação dos requisitos para a sua instituição, ou seja, não há que se
verificar a real necessidade de crise na economia ou para evitar uma dispensa coletiva de
funcionários face a redução da demanda de serviços ou produtos. Desta forma, o que se vê
atualmente é a imposição inicial da sobrejornada para, posteriormente, conceder as folgas
como forma de compensação, onde na maioria das vezes o período desta concessão fica a
critério do empregador, sem margem de negociação com o trabalhador.
O entendimento do equilíbrio do binômio desoneração da folha de pagamento do
empregador versus a garantia do emprego do trabalhador, desde que verificados os requisitos
legais para a sua implementação, é de fundamental importância para esta forma de
flexibilização do direito trabalhista, já que o objetivo maior do banco de horas é garantir as
condições mínimas de manutenção de uma empresa com lucratividade associada à garantia de
emprego do trabalhador quando estão submetidos às condições adversas de crise econômica
ou períodos sazonais de demanda de produtos ou serviços.
Quando há um desequilíbrio desta relação, normalmente pendente para o
trabalhador, há que se verificar uma maior lucratividade por parte do empregador, já que este
se beneficiará dos serviços prestados pelo seu obreiro com a simples contrapartida da
concessão de folgas em períodos de baixa demanda de serviços ou produtos, sem onerar a sua
folha de pagamento com horas extraordinárias realizadas pelos empregados, não
comprometendo assim seus lucros. Por outro lado, analisando a situação do trabalhador que
dispensou sua força de trabalho nas situações previstas ou não pela Lei No 9.601/98, não há
15
que se falar em alguma vantagem pelas folgas concedidas pela empresa, já que normalmente
as referidas folgas são dadas em épocas não coincidentes com as eventuais necessidades do
trabalhador, verificando, portanto, duas situações se lhes revelam bastante prejudiciais: a uma,
de caráter familiar, onde o período concedido priva-lhe do convívio com sua família; e a duas,
impossibilitando-o de realizar outras atividades profissionais que porventura possam lhe
remeter a algum ganho adicional com o objetivo de incrementar seu orçamento em
substituição àquele valor que deveria ter recebido pela prestação das horas extraordinárias
prestadas à sua empresa.
Vê-se, portanto, a desigual relação estabelecida pela legislação onde coloca o
trabalhador sem qualquer chance para discutir os termos da concessão de folgas, já que a ele
não é oportunizada a escolha dos períodos de concessão, uma vez que estes obedecem a uma
prerrogativa do empregador que os associa a momentos de baixa demanda de serviços ou
produtos ou a situações de crise financeira da economia.
Desta forma, o que se verifica é a submissão do trabalhador às sobrejornadas
impostas pelo empregador que não obedece, na maioria das vezes, aos requisitos legais da
instituição do banco de horas, tornando uma prática constante esta forma de flexibilização das
relações trabalhistas em nome da “manutenção do emprego”, com o fito de evitar as
despedidas coletivas.
A questão que se discute atualmente é se efetivamente a instituição do banco de
horas tem sido um instrumento capaz de garantir o emprego do trabalhador e a manutenção e
lucratividade das empresas pelas suas premissas propostas a ambos.
Outras questões hão de ser discutidas e debatidas para o bom entendimento e
aplicação desse instituto de flexibilização dos direitos trabalhistas. No que diz respeito à
cessação das condições permissivas à instituição do banco de horas, há empresas em que não
são constatados os objetivos previstos pelo legislador pela edição da Lei No 9.601/98 e
mesmo assim continuam utilizando o banco de horas. Quais os argumentos? A simples ideia
de evitar as despedidas em massa? Qual o poder de mobilização dos trabalhadores para
atenuar esta situação? E as autoridades trabalhistas, o que poderia ser feito? São questões que
permeiam constantemente a seara trabalhista junto com todos os seus atores, cada um com
uma parcela de poder a fim de evoluir para uma situação de equilíbrio entre as partes da
relação de emprego, seja na garantia do emprego do trabalhador, seja na manutenção e
lucratividade das empresas.
16
4.5 INCONSTITUCIONALIDADE DO BANCO DE HORAS
Tema assaz polêmico é trazido ao campo da flexibilização dos direitos trabalhistas
a fim de se discutir os aspectos constitucionais associados a este instituto. Desde a sua
aprovação em 1998, através da Lei No 9.601/98, este tema vem sendo objeto de grandes
discussões acerca da afetação de alguns direitos sociais conquistados pelos trabalhadores.
Nesse sentido, a discussão que aqui será apresentada versará sobre dois princípios
constitucionais supostamente afetados pelo instituto jurídico em questão: o princípio da
proibição do retrocesso social e o princípio da isonomia.
Uma análise preliminar do artigo 59, §2o da CLT é imprescindível para permitir
uma interpretação acerca do que a legislação infraconstitucional dispõe sobre o assunto. Diz o
dispositivo aludido que:
Art. 59 - A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho. [...] § 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.
Como se vê, a partir de uma breve análise desse dispositivo percebe-se que a
compensação de horas efetivamente realizadas em um dia de trabalho poderá ser feita em até
um ano, mediante obediência aos requisitos legais presentes no texto do referido dispositivo.
Outro aspecto a ser considerado diz respeito à equiparação da hora extraordinária realizada
com a hora compensada na proporção igualitária, sem qualquer acréscimo de tempo na sua
compensação por ser esta proveniente de uma hora extraordinária, desprezando-se assim os
percentuais sobre as horas trabalhadas.
Os dois aspectos fáticos evidenciados no aludido artigo permitem tecer alguns
comentários acerca do seu alinhamento com o texto constitucional. Quando o artigo 7o, XVI
da Constituição Federal dispõe que a remuneração da hora extraordinária deverá ser paga em
percentual mínimo de 50% sobre o valor da hora normal, assim o faz como forma de
compensação a um esforço adicional que o trabalhador destinou para a execução de um
serviço extraordinário em prol do empregador. Ora, é de se concluir que, independente da
forma que essa compensação se dará, seja em pecúnia ou em concessão folga, o devido
percentual de 50% sobre o valor da hora normal terá de ser aplicado, pois, em caso contrário
não será obedecida a devida contraprestação do empregador pelo serviço prestado pelo seu
obreiro. O outro aspecto evidente desta relação remete ao fato de que o pagamento da hora
17
extraordinária ou a sua concessão em folga poderá ser efetuado em até um ano da sua
realização. Diante disso, ao se pensar a natureza jurídica da hora extraordinária verifica-se que
a doutrina majoritária concorda que ela é parte integrante da remuneração do trabalhador,
sendo, portanto, de natureza salarial14. Considerando a sua natureza jurídica salarial, há que se
verificar um conflito entre o que dispõe os artigos 459, §1o e o próprio artigo 59, §2o, ambos
da CLT, já que o primeiro prevê o pagamento do salário até o quinto dia útil do mês
subseqüente ao da prestação do serviço, enquanto que o segundo ignora este mandamento
estipulando a compensação das horas trabalhadas ou o seu pagamento em até um ano da
prestação do serviço.
A partir dessa preliminar análise, duas questões são trazidas a baila concernentes à
constitucionalidade desta forma de flexibilização das normas trabalhistas. Suscitam-se duas
para referenciar os princípios constitucionais da proibição do retrocesso social e da isonomia
supostamente infringidos. Uma questão refere-se ao primeiro princípio, quando as
circunstâncias do não pagamento imediato de uma verba salarial são verificadas, apesar da
sua efetiva prestação do serviço, esta situação não configura uma alternativa à redução de uma
garantia trabalhista afetada. A outra questão diz respeito à concessão de folgas pelas horas
prestadas em sobrejornada, que não se dá na mesma proporção que seria paga na hipótese de
pagamento em pecúnia, situação esta que afetaria diretamente o segundo princípio, o da
isonomia.
Oportunas e apropriadas são as palavras da Juíza do Trabalho Substituta da 4a
Região, Valdete Souto Severo15, em sua tese monográfica:
“A Lei 9.601-98 é oriunda de uma medida provisória que não atende ao comando constitucional para a sua edição, implica renúncia ao direito constitucional ao pagamento de adicional de horas extras e ignora o fato de que o contrato de trabalho tem caráter comutativo, havendo permissão legal para pagamento da remuneração apenas até o quinto dia útil do mês subseqüente. O fato de tais argumentos não causarem inquietude na maioria dos juristas (a discussão sequer chegou ao STF, embora a alteração tenha ocorrido em 1998 e sua aplicação prática seja incontestável) resulta da circunstância de que há um imaginário jurídico a ser superado, comprometido com a idéia liberal de estado mínimo. Esbarramos na pré-compreensão dos operadores do direito do trabalho. Assimilamos a retórica de que a economia brasileira está inviabilizada em razão dos encargos sociais. ‘Compramos’ a idéia de que o progresso virá quando suprimirmos as ‘regalias’ dos trabalhadores.”
14 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 6a Ed., 2010, p.665. 15 SEVERO, Valdete Souto. Inconstitucionalidade do Banco de Horas. CONAMAT 2006. Disponível em: <
http://www.anamatra.org.br/hotsite/conamat06/trab_cientificos/teses_acolhidas.cfm > Acesso: 05.jan. 2011.
18
4.5.1 Princípios da Proibição do Retrocesso Social e da Isonomia
Pelo princípio da proibição do retrocesso social pode-se entender que este tem
sede implícita na Constituição Federal, cujo conteúdo assenta-se na manutenção e avanço de
um direito social reconhecido e garantido constitucionalmente contra a sua restrição ou, até
mesmo, de sua supressão indiscriminada, sem a criação e implementação de mecanismos
compensatórios, alternativos ou equivalentes que tendam a restabelecer o status quo desse
direito social.
A partir dessa noção, há que necessariamente verificar se uma circunstância de
suspensão do pagamento imediato das horas extras efetivamente prestadas pelo trabalhador
para posteriormente serem compensadas com concessão de folgas ou pagamento em até um
ano possa constituir uma hipótese de retrocesso de um direito social. Imaginamos que sim, na
medida em que o pagamento de horas extras é um direito social constitucionalmente garantido
a todo trabalhador que efetivamente venha a prestar horas suplementares ao seu empregador,
caracterizando o caráter sinalagmático da relação de emprego. A análise das contramedidas ao
não pagamento imediato dessas horas extras não se sustentam juridicamente como medida
compensatória ou alternativa para não afetar o aludido princípio, já que a concessão de folgas
prevista geralmente não se coaduna com os interesses do trabalhador, mas tão somente com as
necessidades do próprio empregador, que se beneficia desta situação com a suspensão do
pagamento do respectivo adicional tendo um prazo de um ano para poder fazê-lo.
Sob outro aspecto, há de se imaginar a situação na qual um trabalhador
efetivamente preste horas extraordinárias num determinado montante e, ao invés de recebê-las
em pecúnia, sejam compensadas com a concessão de folgas em períodos pré-determinados.
Neste caso, a Lei No 9.601/98, que alterou o art. 59 da CLT, não prevê o pagamento do
adicional de 50% sobre o valor da hora normal em concessão de folgas, igualando, portanto, a
hora extraordinária trabalhada à hora concedida em folga.
Esta circunstância remete a uma interpretação do princípio constitucional da
isonomia, onde situações semelhantes são tratadas de formas diversas. Ademais, o próprio
texto constitucional prevê explicitamente em seu art. 7o, XVI, a remuneração de serviço
extraordinário em percentual mínimo de 50%. Logo, entendemos que qualquer forma de
pagamento de hora extraordinária, seja ela em pecúnia ou em concessão de folga, deverá
contemplar este percentual, sob pena de desrespeito a um ditame constitucional e afronta ao
princípio da isonomia garantido constitucionalmente.
19
4.5.2 Das Teses sobre a Inconstitucionalidade do Banco de Horas
A discussão da inconstitucionalidade do referido tema desde a vigência da Lei No
9.601/98 trouxe bastante argumentos na seara doutrinária e jurisprudencial. A
constitucionalidade do banco de horas pode ser defendida a partir da relativização do
princípio da proibição do retrocesso social, pela argumentação de que a instituição da
concessão de folgas ou o pagamento das horas extras ao final de um ano são medidas
compensatórias para a redução desse direito visando um bem maior, qual seja, a manutenção
da empresa e do emprego do trabalhador. Por outro lado, Rodolfo Pamplona Filho e Danilelle
Anne Pamplona16 comentam sobre a tese da constitucionalidade assentando-se em dois
argumentos jurídicos, quais sejam, a autonomia privada da vontade, quando afirma:
“Com efeito, é o próprio texto constitucional que faculta, na parte final do art. 7º, XIII, a "compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho", ou seja, flexibilizando a limitação diária e semanal da jornada através da negociação coletiva.”
E ainda quando comentam sobre os limites temporais da jornada ou da
compensação, dispondo que:
“ [...] o texto constitucional apenas traz os limites temporais da jornada diária e semanal, mas não os limites temporais da compensação, o que poderia ser feito tranquilamente pela legislação infra-constitucional.”
Em contraponto, a vertente defensora da inconstitucionalidade da norma em
discussão assenta-se sobre as teses de que, a despeito de garantir o emprego do trabalhador ou
a própria empresa, ambas as circunstâncias da suspensão do pagamento das horas
extraordinárias prestadas e da sua conseqüente substituição por folgas e na medida igualitária
ofendem sobremaneira os princípios da proibição do retrocesso social17, uma vez que a
concessão de folgas só atende ao interesse unilateral do empregador, em períodos que
somente lhe convêm, suprimindo do trabalhador o direito de escolha, não se concretizando em
medida compensatória a esta supressão de direito garantido, bem como infringe frontalmente
o princípio constitucional da isonomia pela supressão do adicional de serviço extraordinário
previsto na Constituição Federal que não é incorporado às folgas concedidas.
Por outro lado, há que se considerar o caráter agressivo à saúde, segurança e
higiene do trabalhador na medida em que este é submetido a extenuante carga laboral além
das oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, e cuja compensação, definida pela
Lei No 9.601/98 no período de um ano, contribui de forma significativa para a gravar ainda
16 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; PAMPLONA, Danielle Anne. "Nós górdios" da Lei No 9.601/98. Jus
Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. p.5 Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2053>. Acesso em: 27 set. 2010.
17 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª Ed. Coimbra: Almedina, 1993, pág. 468.
20
mais esta situação e questionar a constitucionalidade desse instituto. Nesse sentido, preleciona
Mauricio Godinho Delgado18:
“Ora, a pactuação de horas complementares à jornada padrão, que extenue o trabalhador ao longo de diversas semanas e meses, cria riscos adicionais inevitáveis à saúde e segurança daquele que presta serviços, deteriorando as condições de medicina, higiene e segurança do trabalho (em contraponto, aliás, àquilo que estabelece o art. 7.o, XXII, da Carta Magna).” [...] Para esta linha reflexiva, norma jurídica estatal que tenha vindo ampliar (em vez de reduzir) os riscos inerentes ao trabalho é norma jurídica que desrespeita comando constitucional expresso (art. 7.o, XXII, CF/88).
Desta forma, há de se questionar se o pagamento das horas extras realmente
compensaria o desgaste físico e psicológico que o obreiro se submeterá quando estiver em
regime de sobrejornada.
À luz desses argumentos prós e contra a constitucionalidade do banco de horas é
imperiosa uma posição a respeito do tema, haja vista tamanha importância na vida econômica
dos trabalhadores submetidos a este regime de flexibilização de direito trabalhista. Em que
pese a louvável intenção da norma em garantir o emprego do trabalhador e conseqüentemente
a manutenção da empresa e sua lucratividade, não podemos elidir os fatos que norteiam os
aspectos negativos que este instituto acarreta ao trabalhador. De início, o pagamento da hora
extra efetivamente trabalhada não é efetuado no tempo legal (art. 457, CLT), sendo previsto
em até um ano ou concedido em folgas, ou, na hipótese de concessão, o valor da hora
concedida em folga não contempla o adicional de 50% sobre a hora trabalhada, constituindo
assim uma usurpação no valor da mão-de-obra do obreiro, ferindo frontalmente o dispositivo
constitucional inserto no art. 7o, XVI da CF/88.
Como se vê, o banco de horas vem se tornando um instrumento de aplicação
indiscriminada em qualquer circunstância, e não apenas em situações de dificuldades
financeiras momentâneas da empresa para evitar dispensas coletivas, tornando desigual a
relação empregatícia, já que não traz equivalência de benefícios para as duas partes, na
medida em que o empregador utiliza-o para postergar o pagamento das horas em sobrejornada
em até um ano ou concede-as em folgas com a supressão do respectivo adicional em épocas
que mais lhe convier, ao passo que ao trabalhador, apesar de se manter no emprego, esta
situação lhe acarretará sérias desvantagens, já que suas horas extras não lhes serão pagas
imediatamente ou quando concedidas em folgas estas serão suprimidas do respectivo
adicional garantido constitucionalmente e normalmente em momentos que não são do seu
interesse ou sem qualquer utilidade.
18 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6ª. Ed. São Paulo: LTR, 2010, p. 813.
21
A propósito da inconstitucionalidade formal, oportunas e apropriadas são as
palavras da Juíza do Trabalho Substituta da 4ª. Região, Valdete Souto Severo, em sua tese19
acolhida pela ANAMATRA:
“A Lei 9.601-98 é oriunda de uma medida provisória que não atende ao comando constitucional para a sua edição, implica renúncia ao direito constitucional ao pagamento de adicional de horas extras e ignora o fato de que o contrato de trabalho tem caráter comutativo, havendo permissão legal para pagamento da remuneração apenas até o quinto dia útil do mês subseqüente. O fato de tais argumentos não causarem inquietude na maioria dos juristas (a discussão sequer chegou ao STF, embora a alteração tenha ocorrido em 1998 e sua aplicação prática seja incontestável) resulta da circunstância de que há um imaginário jurídico a ser superado, comprometido com a idéia liberal de estado mínimo. Esbarramos na pré-compreensão dos operadores do direito do trabalho. Assimilamos a retórica de que a economia brasileira está inviabilizada em razão dos encargos sociais. ‘Compramos’ a idéia de que o progresso virá quando suprimirmos as ‘regalias’ dos trabalhadores.”
A douta magistrada inicia seu comentário abordando a imperfeição técnica da
regra, haja vista que a alteração do art. 59 pela Lei 9.601/98 está eivada de vício formal, pois
se origina de uma medida provisória, e o art. 62 da CF 88 dispõe que essa forma anômala de
legislar é aplicável apenas em situações de relevância e urgência, além de determinar prazo
para a sua conversão em lei. Ocorre que a EC 32, de 11.09.01, em seu art. 2º, previu que as
medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação da referida emenda
continuariam em vigor até que medida provisória ulterior as revogasse explicitamente ou até
deliberação definitiva do Congresso Nacional. Dessa forma, passou a viger por tempo
indeterminado.
4.6 BANCO DE HORAS E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Muito embora a Constituição da República tenha dado aos servidores públicos o
direito à sindicalização e o direito de greve, consoante art. 37, VI e VII, entendem a doutrina e
a jurisprudência majoritária que não se aplica aos empregados públicos ou aos servidores
públicos o contido no art. 7.º da Carta Magna.
Tal entendimento decorre da falta de autonomia da administração pública para
dispor do patrimônio público e, conseqüentemente, de negociar livremente, a teor da previsão
constitucional e da OJ 5, da SDC do TST. Existe, portanto, um regramento legal que limita o
orçamento público e as despesas com funcionalismo.
19 SEVERO, Valdete Souto. Inconstitucionalidade do Banco de Horas. CONAMAT 2006. Disponível em: <
http://www.anamatra.org.br/hotsite/conamat06/trab_cientificos/teses_acolhidas.cfm > Acesso: 05.jan. 2011.
22
Ao estender aos servidores ocupantes de cargo de público os direitos contidos no
art. 7.º, a Constituição deixou de fora o direito ao reconhecimento das convenções e acordos
coletivos, previsto no art. 7.º, XXVI, da CF.
A esse respeito, merece ser citada a decisão sobre a ADIn 492-DF:
CONSTITUCIONAL. TRABALHO. JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA. AÇÕES DOS SERVIDORES PUBLICOS ESTATUTARIOS. C.F., ARTS. 37, 39, 40, 41, 42 E 114. LEI N. 8.112, DE 1990, ART. 240, ALINEAS "D" E "E". I - SERVIDORES PUBLICOS ESTATUTARIOS: DIREITO A NEGOCIAÇÃO COLETIVA E A AÇÃO COLETIVA FRENTE A JUSTIÇA DO TRABALHO: INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.112/90, ART. 240, ALINEAS "D" E "E". II - SERVIDORES PUBLICOS ESTATUTARIOS: INCOMPETENCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA O JULGAMENTO DOS SEUS DISSIDIOS INDIVIDUAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DA ALINEA "e" DO ART. 240 DA LEI 8.112/90. III - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. (ADI 492, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 12/11/1992, DJ 12-03-1993 PP-03557 EMENT VOL-01695-01 PP-00080 RTJ VOL-00145-01 PP-00068)
Nesse sentido, o TST tem admitido apenas os dissídios coletivos de natureza
jurídica, pois não importam em majoração salarial ou vantagem econômica ao trabalhador.
Contudo, os empregados públicos de economias mistas, empresas públicas e suas
subsidiárias que explorem atividade econômica, estão excluídos desta regra, haja vista o
disposto nos arts. 169, § 1º, II, e 173, § 1º, II, da CF/88 c/c arts.1º e 3º, II, do Decreto 908/93.
Referido decreto determina que é necessária a prévia autorização do Departamento de
Empresas Estatais - DEST nos casos de acordos coletivos ou convenções que impliquem
majoração salarial ou concessão de qualquer benefício.
5. CONCLUSÃO
Como se pode observar, o presente estudo iniciou a sua abordagem a partir de
uma análise da evolução histórica do trabalho, enfatizando a luta dos trabalhadores para a
redução da jornada diária efetivamente laborada e resgatando as orientações do Papa Leão
XIII, na Encíclica Rerum Novarum, em 1891, na qual se definiu uma espécie de padrão-limite
global, com a instituição das oito horas diárias de labor.
Destacou a recepção desse padrão pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
em 1943, admitindo-se a sua prorrogação apenas em casos excepcionais, e pela Constituição
da República, que não só ratificou esse limite como também reduziu o número de horas
semanais de 48 para 44 horas.
Em seguida, trouxe à baila a questão da flexibilização das condições de trabalho,
movimento que vem sendo capitaneado pelos juslaboralistas visando a compatibilizar as
normas trabalhistas às mudanças existentes na relação capital e trabalho. Exemplo disso é a
23
faculdade constitucional de compensação de horários, ou, ainda, o aumento da jornada de 6
horas fixada para os trabalhadores que laboram em turnos ininterruptos de revezamento, desde
que presente a negociação coletiva.
Como pressuposto para a discussão central, relembrou que o § 2º. do art. 59, da
CLT, em sua redação original, previa a possibilidade da compensação mediante acordo ou
contrato coletivo, desde que não fosse ultrapassado o limite diário de 10 horas e não
excedesse o horário normal da semana. Posteriormente, com a Lei n. 9.601/98, modificou-se a
redação autorizando a pactuação com base no parâmetro anual.
A alteração redacional do § 2º. do art. 59, da CLT, promovida pela Medida
Provisória n. 2.164-4, de 2001, instituiu o chamado “Banco de Horas”, que nada mais é do
que um acordo de compensação de jornadas, disciplinado por convenção ou acordo coletivo
de trabalho, no qual pode se prever que o excesso ou a falta de horas laborado em um dia será
compensado pela correspondente diminuição ou aumento em outro, de maneira que não
exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas,
nem seja ultrapassado o limite máximo de 10 horas diárias, não havendo que se falar em
pagamento do adicional de 50% a título de horas extras.
Adentrando a uma reflexão sobre os pontos mais importantes relacionados ao
Banco de Horas, o estudo discorreu sobre o limite temporal a ser obedecido para a
compensação das horas extraordinariamente laboradas, concluindo, com base na doutrina e
jurisprudência analisadas que a compensação deverá ocorrer no período máximo de um ano.
Debateu igualmente acerca da compensação de horas e a sua interferência no
período de férias, e sobre a aplicabilidade do Banco de Horas aos servidores da Administração
Pública. A respeito do primeiro ponto, inferiu que as pausas relativas às férias não podem ser
utilizadas no cômputo do Banco de Horas, face ao caráter de proteção da saúde do
trabalhador. Com relação ao segundo, a inaplicabilidade do Banco de Horas decorre da
impossibilidade jurídica consubstanciada na OJ No 05 da SDC (TST). Aos servidores públicos
não foi assegurado o direito ao reconhecimento de acordos e convenções coletivas, fato que
decorre da falta de autonomia da administração pública para dispor do patrimônio público.
Logo, não há que se falar em implantação de um Banco de Horas.
Durante as pesquisas, constatou-se que o Banco de Horas fora idealizado como
uma medida flexibilizatória das condições de trabalho nos momentos de crise econômica
vivenciados pelas empresas ou para atenuar os efeitos das sazonalidades, surgindo como a
panacéia para equilíbrio do binômio desoneração da folha de pagamento do empregador
versus garantia dos empregos dos trabalhadores.
24
Contudo, o que se verificou e se verifica na prática é, de início, a inobservância
dos requisitos mínimos para a implantação do Banco de Horas, quais sejam a submissão às
condições adversas das crises econômicas ou a existência de períodos sazonais de demanda
reduzida. Como conseqüência, há um desequilíbrio na relação capital versus trabalho, uma
vez que, por um lado, o empregador obtém maior lucratividade com a supressão do
pagamento de horas extraordinárias, e, por outro, o trabalhador não tem o direito de escolher o
período de concessão das folgas, privando-se do convívio familiar e da realização de outras
atividades. Além disso, a conversão das horas extraordinárias em folgas ocorre à base de 1:1,
conflitando com o critério para pagamento em pecúnia, previsto constitucionalmente.
A questão que se discute é se efetivamente a instituição do banco de horas tem
sido um instrumento capaz de garantir o emprego do trabalhador e a manutenção da
lucratividade das empresas pelas suas premissas propostas a ambos. E, por outro lado, se o
Banco de Horas não vem se tornando um instrumento de aplicação indiscriminada, e não
apenas em situações de dificuldades financeiras momentâneas da empresa para evitar
dispensas coletivas, tornando desigual a relação empregatícia, já que não traz equivalência de
benefícios para as duas partes.
A presente reflexão induz a uma simples e preocupante conclusão: o Banco de
Horas ganhou sobrevida e mesmo nos períodos de franco crescimento econômico, a taxas
quase chinesas, o instrumento tem sido objeto da pauta de negociação coletiva e freqüenta
amiúde os acordos e convenções coletivas de trabalho. Tornou-se, assim, mais um
instrumento de gestão à disposição do empregador para auxiliá-lo no ajuste da quantidade de
mão-de-obra à produção. Ao empregado, sempre ameaçado pelo monstro do desemprego,
cabe apenas aceitar a perda em troca por garantias de emprego. Por essa razão, o Banco de
Horas tem sido negociado em épocas de fraca demanda.
Do ponto de vista da inconstitucionalidade, o Banco de Horas mereceu uma
análise a partir do enfrentamento de dois princípios. No que tange ao princípio do retrocesso
social, verificou-se que este é confrontado quando se permite que o pagamento da hora
extraordinária ou a sua concessão em folga seja efetuada em até um no após a realização do
trabalho. Depara-se, portanto, com um conflito entre os artigos 459, §1o e 59, §2o, ambos da
CLT.
Todavia, ainda que admitida a conversão das horas extraordinárias em folgas,
estas não são concedidas na mesma proporção em que aquelas seriam pagas na hipótese de
pagamento em pecúnia, ou seja, com o adicional de 50%, ferindo frontalmente o dispositivo
constitucional inserto no art. 7o, XVI da CF/88 e o princípio da isonomia. Ademais, a
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concessão de folgas só atende aos interesses do empregador, pois são utilizadas em períodos
que lhe convêm, suprimindo o direito de escolha do trabalhador.
Padece ainda de vício formal a regra disposta no § 2o do art. 59, da CLT, pois a
alteração do prazo de “120 dias”, contido na Lei 9.601/98, para “período máximo de um ano”
tem origem em uma Medida Provisória, forma anômala de legislar e aplicável apenas em
situações de relevância e urgência, além de ter prazo para a sua conversão em lei. Ocorre que
a EC 32 em seu art. 2o, previu que as medidas provisórias editadas em data anterior à da
publicação da referida emenda continuariam em vigor até que medida provisória ulterior as
revogasse explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional. Dessa forma,
passou a viger por tempo indeterminado.
Dessa forma, a realização do presente estudo permite concluir que o Banco de
Horas além de encontrar-se eivado de inconstitucionalidades, afrontando princípios
consagrados na Carta de 1988, não se trata de um instrumento utilizado de forma igualitária.
Ao empregador, é dado o direito de valer-se da força de trabalho extra sem os
correspondentes custos, e, ainda, com a faculdade de oferecer a compensação a qualquer
tempo, obedecido o horizonte temporal de até um ano. Ao empregado, cabe o encargo de estar
à disposição do empregador, privando-se de outras atividades, sendo-lhe oferecida a
oportunidade de converter em folgas as horas extraordinariamente trabalhadas, em momento
de escolha daquele que lhe emprega. Ou seja, sobre todos os pontos de vista o Banco de Horas
revela-se muito mais vantajoso para o empregador.
Repise-se, porque sempre oportuno, as memoráveis palavras de Valdete Souto
Severo20, Juíza do Trabalho da 4a Região:
“É tempo de despertar do sono letárgico em que repousamos no último século, antes que a história volte a cobrar a responsabilidade pelo mundo que estamos construindo”.
20 SEVERO, Valdete Souto. Inconstitucionalidade do Banco de Horas. CONAMAT 2006. Disponível em: <
http://www.anamatra.org.br/hotsite/conamat06/trab_cientificos/teses_acolhidas.cfm > Acesso: 05.jan. 2011.
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Páginas acessadas na web: www.tst.jus.br www.planalto.gov.br www.anamatra.gov.br