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Kleumanery de Melo Barboza Tecnologia construtiva, estado de conservação e ações para a preservação de um Oratório Mineiro Belo Horizonte 2007

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Kleumanery de Melo Barboza

Tecnologia construtiva, estado de conservação e ações para a

preservação de um Oratório Mineiro

Belo Horizonte 2007

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Kleumanery de Melo Barboza

Tecnologia construtiva, estado de conservação e ações para a preservação de um Oratório Mineiro

Monografia apresentada ao 16º Curso de Especialização em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Conservação/Restauração de bens Culturais Móveis. Orientador: Prof. Dr. Luiz Antonio Cruz Souza – CECOR/UFMG

Belo Horizonte Universidade Federal de Minas Gerais

Escola de Belas Artes CECOR – Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Moveis

2007

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Agradecimentos

Aos meus pais Cenilda e Ubirajara e ao meu irmão Kleumerson pela constante presença, apesar da distância, por sempre confiar, apoiar e incentivar todas as minhas decisões. A minha “prima-irmã” Conceição que sempre esteve ao meu lado me apoiando e incentivando em todos os momentos. Aos meus tios Luiza, Luiz e minha prima Cláudia por todo apoio e incentivo. Selma Otília pela amizade, incentivo e disponibilidade para elucidar dúvidas, orientar e discutir sobre as análises dos materiais durante todo o curso. Alessandra Rosado pela amizade, incentivo, disponibilidade, generosidade em dividir o conhecimento e colaboração em varias discussões.

Ao professor Luiz Souza pela confiança em mim depositada e pelas orientações. A Professora Maria Regina Emery Quites pela escolha da obra e discussões durante a execução dos trabalhos. À Renata “Turquinha” Domit, amiga sempre presente, que tornou meus dias, ao longo do curso, mais alegres. A Bruno Galery, pela amizade, companheirismo, generosidade e bom humor. Júnia Araújo pela amizade, ajuda nas pesquisas do acervo do Museu da Inconfidência, colaboração em várias discussões sobre os trabalhos realizados ao longo do curso. Ângela Zampier pela amizade, carinho, apoio, pelas animadas conversas e importantes dicas. Letícia Munhoz pelo carinho e pelas valiosas conversas e dicas ao longo do curso. A Valtencir Almeida, pela amizade e carinho. Aos professores Anamaria, Bethânia, Luiz e Regina pelos conhecimentos transmitidos nestes dois anos de aprendizado. A Zina Palowsky e Vanessa Queiroz pela forma carinhosa que sempre me trataram e pelo profissionalismo. Ao professor Dr. Elder Paiva do Departamento de Ciências Biológicas pelas informações sobre liquens. Tereza do IPHAN pela disponibilização de materiais e informações sobre a obra. Dr. Ruy Mourão diretor do Museu da Inconfidência – Ouro Preto que gentilmente liberou fotos e informações sobre oratórios pertencentes ao acervo desta instituição. Aldo Araújo Conservador-Restaurador do Museu da Inconfidência – Ouro Preto pelas fotografias e informações do inventário dos oratórios pertencentes a este Museu. Celina Barbosa, Museóloga do Museu da Inconfidência pela elaboração e disponibilização de valiosas informações sobre oratórios que integram o acervo deste Museu. Mirna Dantas Museóloga do Museu de Arte Sacra de Salvador pela disponibilidade em nos receber e por todas as informações prestadas sobre acondicionamento de obras em vitrines. Pe. Simões e Carlos Oliveira (Caju) pelas informações prestadas sobre o autor da obra em estudo. Ao Sr. Valdê, funcionário do Museu Regional de Caeté, que gentilmente me recebeu e prestou informações sobre a obra em estudo e a instituição. João Cura pela análise do material pétreo e metais. A Cláudio Nadalin pelas fotos. Remy Dufrayer Oliveira Neto Engenheiro de aplicação do CEBRACE pelas informações fornecidas sobre o vidro.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS 07 RESUMO / ABSTRACT 12 INTRODUÇÃO 14 1. ORATÓRIO – BREVE HISTÓRICO 16 2. PRESÉPIO, ORATÓRIO, MAQUINETA E LAPINHA – DIVERGENCIAS DE NOMENCLATURA 18 2.1 O PRESÉPIO 18 2.2 LAPINHA 21 2.3 ORATÓRIO 22 3. O ARTISTA 24 4. ANALISE FORMAL 26 5. ANÁLISE ESTILÍSTICA 34 6. ANÁLISE ICONOGRÁFICA 36 6.1 ANÁLISE ICONOGRÁFICA DA IMAGINÁRIA 37 6.1.1 SÃO JOSE 37 6.1.2 NOSSA SENHORA DA IMACULADA CONCEIÇÃO 38 6.1.3 CRUCIFICADO 38 6.1.4 SANTANA MESTRA 39 6.1.5 SÃO JOAQUIM 40 6.1.6 SÃO CAETANO 41 6.1.7 MENINO JESUS 41 6.1.8 REIS MAGOS 42 7. TECNOLOGIA CONSTRUTIVA 44 7.1 ESTRUTURA EXTERNA 44 7.2 POLICROMIA E DOURAMENTO 45 7.3 POLICROMIA EXTERNA 46 7.3.1 TOPO 46 7.3.2 ESTRUTURAS FRONTAIS E LATERAIS 47 7.3.3 REVESTIMENTI INTERNO 47 7.3.4 COLUNAS COM DOURAMENTO 48 7.3.5 COLUNAS SALOMÔNICAS 49 7.4 VIDRO 49 7.5 ORNAMENTAÇÃO INTERNA 50 7.6 IMAGINÁRIA 53 7.7 METAIS 57 8. TECNOLOGIA DOS MATERIAIS 59 8.1 MADEIRA 59 8.2 VIDRO 60 8.2.1 O VIDRO NO BRASIL COLONIAL 62

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8.2.2 FATORES DE DEGRADAÇÃO 62 8.3 PEDRA 63 8.4 TECIDOS 64 8.5 PAPEIS 65 8.6 METAIS 67 8.6.1 DEGRADAÇÃO DOS METAIS 68 8.7 PIGMENTOS 69 8.7.1 MALAQUITA 70 8.7.2 AZUL DA PRÚSSIA 70 8.7.3 HEMATITA 70 8.7.4 BRANCO DE CHUMBO 70 8.7.5 RESINATO DE COBRE 71 8.8 LÍQUENS 71 9. ESTADO DE CONSERVAÇÃO 73 10. PROPOSTA DE INTERVENÇÃO 81 10.1 MADEIRA 81 10.1.1 SUPORTE 81 10.1.2 POLICROMIA E DOURAMENTO 81 10.2 PEDRA 81 10.2.1 CRUCIFICADO 81 10.2.2 DEMAIS IMAGENS 82 10.3 COROAS E RESPLENDORES 82 10.4 TECIDOS E PAPEIS 82 10.5 COBRA 82 10.6 LÍQUENS 82 10.7 PINTURA A TÊMPRERA 82 10.8 CRUCIFIXO 82 11. TRATAMENTO REALIZADO 83 11.1 MADEIRA – TRATAMENTO ESTRUTURAL 83 11.2 PINTURA INTERNA - TÊMPERA 85 11.3 CONJUNTO ESCULTÓRICO 86 11.4 TRATAMENTO ESTRUTURAL 87 11.5 TECIDOS E PAPÉIS 88 11.6 LÍQUENS 88 11.7 COLOCAÇÃO DOS RESPLENDORES 89 11.8 CONFECÇÃO DE PINO PARA FIXAÇÃO DA CRUZ 89 11.9 APLICAÇÃO DO VERNIZ 90 11.10 TRATAMENTO PREVENTIVO 91 11.11 RESULTADOS 91 12. O MUSEU REGIONAL DE CAETÉ E SEU ESPAÇO EXPOSITIVO 92

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12.1 HISTÓRICO 92 12.2 ACERVO 93 12.3 DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÃO 93 12.3.1 O MACRO AMBIENTE 93 12.4 ESPAÇO FÍSICO 94 12.5 SEGURANÇA FÍSICA E CONTRA INCÊNDIO 99 12.6 CONSERVAÇÃO E MUSEOLOGIA 10013. GERENCIAMENTO DE RISCOS 10314. PROPOSTA DE CONSERVAÇÃO E EXPOSIÇÃO DA OBRA 105CONCLUSÃO 107REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 108ANEXOS 111

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Nicho deuses Lares pintado 15 FIGURA 2 Nicho deuses Lares esculpido 15 FIGURA 3 Natividade catacumba de Santa Prescila 19 FIGURA 4 Natividade – Robert Campin -1425 19 FIGURA 5 Presépio Napolitano 20 FIGURA 6 Nativitá – Maragliano - www.oroincensoemirra.it 21 FIGURA 7 Presépio – Séc. XVIII – Museu da Inconfidência - Ouro Preto - MG 21 FIGURA 8 Presépio – Séc. XVIII – Museu Regional de Olinda - PE 21 FIGURA 9 Oratório erudito 22 FIGURA 10 Oratório (com grupo escultórico religioso) – Museu da Inconfidência 22 FIGURA 11 Assinatura do autor encontrada no verso da obra em estudo 24 FIGURA 12 Assinatura encontrada no verso de oratório pertencente ao Museu da

Inconfidência 24

FIGURA 13 Assinatura encontrada no verso de oratório pertencente ao Museu da Inconfidência

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FIGURA 14 Assinatura encontrada no verso de oratório pertencente ao Museu da Inconfidência

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FIGURA 15 Oratório 26 FIGURA 16 Planos do Oratório 26 FIGURA 17 Parte interna do tampo do oratório 27 FIGURA 18 Imaculada Conceição 27 FIGURA 19 Esquema de proporção da Imaculada Conceição 27 FIGURA 20 São José de Botas com o Menino 28 FIGURA 21 Esquema de proporções de São José de Botas com o Menino 28 FIGURA 22 Detalhe da mísula 28 FIGURA 23 Santana Mestra com Nossa Senhora Menina 29 FIGURA 24 São Joaquim 29 FIGURA 25 Esquema de proporção de São Joaquim 29 FIGURA 26 São Caetano 30 FIGURA 27 Esquema de proporção de São Caetano 30 FIGURA 28 Detalhe da ornamentação interna com flores de malabar 30 FIGURA 29 Conjunto Escultórico do presépio 31 FIGURA 30 Imagens meio corpo 31 FIGURA 31 Detalhe do acabamento do verso das imagens em meio corpo 31 FIGURA 32 Pastor 32 FIGURA 33 Rei Mago Balthasar 32 FIGURA 34 Decoração do Presépio 32 FIGURA 35 Decoração de Presépio encontrado em Oratório do Museu da inconfidência 32 FIGURA 36 Decoração de Presépio encontrado em Oratório do Museu da inconfidência 32 FIGURA 37 Decoração de Presépio encontrado em Oratório do Museu da inconfidência 32

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FIGURA 38 São José séc. XIX - Salvador 37 FIGURA 39 São José de Botas- Séc. XVIII– Acervo Museu Mineiro 37 FIGURA 40 São José dos Caminhantes - Início do Séc. XVIII– Igreja de N.Sra. da

Conceição e São José – Caxias - Maranhão 37

FIGURA 41 Nossa Senhora da Conceição - Maranhão 38 FIGURA 42 Nossa Senhora da Conceição - Maranhão 38 FIGURA 43 Nossa Senhora da Conceição séc. XVIII – Origem Portuguesa 38 FIGURA 44 Cristo Crucificado – Final do Século XVIII - Maranhão 39 FIGURA 45 Cristo na Cruz - Diego Velásquez Aproximadamente 1632 39 FIGURA 46 Santana Mestra – Maranhão -séc. XVIII 40 FIGURA 47 Santana Mestra – Bahia –Final do séc. XVIII – Acervo Museu Mineiro 40 FIGURA 48 Santana Guia - Igreja do Bonfim - Salvador 40 FIGURA 49 São Joaquim - Veiga Vale - Séc. XIX 40 FIGURA 50 São Joaquim – Séc. XVII –Caçapava -SP 40 FIGURA 51 São Joaquim –Capela Nossa Senhora da Soledade –Congonhas -MG 40 FIGURA 52 São Caetano – Livro Devoção e Arte 41 FIGURA 53 São Caetano com o Menino Jesus 41 FIGURA 54 Menino Jesus – Igreja do Divino Espírito Santo – Recife - PE 42 FIGURA 55 Mosaico na igreja de Santo Apolinário Novo em Ravena – Itália – séc. VI 42 FIGURA 56 Rei Mago Baltasar – Igreja do Rosário dos Pretos – Recife-PE 43 FIGURA 57 Blocos constituintes da obra 44 FIGURA 58 Detalhe sistema de encaixe 45 FIGURA 59 Remoção da amostra para identificação da madeira – foto Bruno Galery 45 FIGURA 60 Remoção da amostra para identificação da madeira – foto Bruno Galery 45 FIGURA 61 Mapeamento da remoção das amostras 46 FIGURA 62 Mapeamento da remoção das amostras 46 FIGURA 63 Mapeamento da remoção das amostras 46 FIGURA 64 Estratigrafia do topo do oratório 47 FIGURA 65 Corte estratigráfico - topo do oratório 47 FIGURA 66 Estratigrafia da estrutura externa 47 FIGURA 67 Corte estratigráfico da estrutura externa 47 FIGURA 68 Identificação do pigmento - Malaquita 48 FIGURA 69 Identificação do pigmento - Hematita 48 FIGURA 70 Identificação do pigmento - Branco de Chumbo 48 FIGURA 71 Identificação do pigmento - Azul da Prússia 48 FIGURA 72 Estratigrafia da coluna com douramento 48 FIGURA 73 Corte estratigráfico da coluna com douramento 48 FIGURA 74 Estratigrafia da coluna Salomônica 49 FIGURA 75 Corte estratigráfico da coluna Salomônica 49 FIGURA 76 Estratigrafia da coluna Salomônica Lateral 49

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FIGURA 77 Corte estratigráfico da coluna Salomônica Lateral 49 FIGURA 78 Marcas da técnica construtiva do vidro 50 FIGURA 79 Corte manual do vidro 50 FIGURA 80 Sistema de fixação do vidro 50 FIGURA 81 Imagem ampliada das flores que compõem a ornamentação interna do

oratório 51

FIGURA 82 Imagem ampliada das folhas que compõem a ornamentação interna do oratório

51

FIGURA 83 Detalhe da fixação das flores ao caule 51 FIGURA 84 Referência do algodão - Foto Selma Otília 52 FIGURA 85 Dispersão do tecido da flor – Foto Selma Otília 52 FIGURA 86 Dispersão caule da flor - Foto Selma Otília 52 FIGURA 87 Dispersão miolo da flor - Foto Selma Otília 52 FIGURA 88 Dispersão da Flor branca - Foto Selma Otília 52 FIGURA 89 Foto ampliada do galo presente no Presépio 52 FIGURA 90 Foto ampliada do pássaro 53 FIGURA 91 Foto ampliada da micro-amostra retirada do pássaro – Foto Conceição

França 53

FIGURA 92 Foto ampliada da amostra do isopor – Foto Conceição França 53 FIGURA 93 Detalhe ampliado da cobra 53 FIGURA 94 Detalhe ampliado do olho da cobra 53 FIGURA 95 Marcas de instrumento nas imagens em pedra 54 FIGURA 96 Marcas de instrumento nas imagens em pedra 54 FIGURA 97 Instrumentos para esculpir em pedra e marcas deixadas pelos mesmos 54 FIGURA 98 Blocos que compõem a imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição 55 FIGURA 99 Blocos que compõem a imagem do Crucificado 55 FIGURA 100 Detalhe do adesivo utilizado na fixação do bloco 55 FIGURA 101 Orifício para fixação do Crucificado à cruz 56 FIGURA 102 Detalhe da representação dos cravos 56 FIGURA 103 Cruz com detalhe ampliado do sistema de encaixe dos blocos 56 FIGURA 104 Detalhe fixação das imagens do Presépio 57 FIGURA 105 Detalhe representação das vestes 57 FIGURA 106 Blocos que compõem a imagem do Rei Mago 57 FIGURA 107 Radiografia com secção dos blocos – Foto Bruno Galery 57 FIGURA 108 Detalhe ampliado do douramento 57 FIGURA 109 Douramento aplicado diretamente sobre a pedra 57 FIGURA 110 Coroa de Nossa Senhora 58 FIGURA 111 Coroa de Nossa Senhora Menina 58 FIGURA 112 Resplendor de São José 58 FIGURA 113 Resplendor do Crucificado 58 FIGURA 114 Detalhe ornamentação da coroa de Nossa Senhora 58 FIGURA 115 Detalhe ornamentação do resplendor de São José 58

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FIGURA 116 Detalhe ornamentação da coroa de Nossa Senhora Menina 58 FIGURA 117 Processo de produção de placas de vidro em 1800 61 FIGURA 118 Processo de fabricação do vidro pelo processo de centrifugação 61 FIGURA 119 Mapeamento das degradações encontradas na obra - Foto Cláudio Nadalin 73 FIGURA 120 Detalhe ornamentação do presépio – Foto Cláudio Nadalin 74 FIGURA 121 Florescência de Luz Ultra-Violeta - Foto Cláudio Nadalin 74 FIGURA 222 Detalhe ampliado da separação de blocos 75 FIGUAR 123 Detalhe marca de serragem dos pés 75 FIGURA 124 Detalhe marca de serragem da palmeta 75 FIGURA 125 Imagem do craquelê tipo pele de crocodilo. – In Corradini(1972) 76 FIGURA 126 Detalhe do topo do oratório com o craquelê pele de crocodilo 76 FIGURA 127 Radiografia com marcação dos pinos quebrados dos resplendores no interior

das esculturas – Foto Bruno Galery 76

FIGURA 128 Degradações encontradas nos resplendores 76 FIGURA 129 Corrosão nos resplendores 76 FIGURA 130 Cera para fixação da coroa 77 FIGURA 131 Resina epóxi para fixação da coroa 77 FIGURA 132 Cera para fixação do resplendor 77 FIGURA 133 Quebras na imagem do Crucificado 77 FIGURA 134 Quebras na cobra 77 FIGURA 135 Cisão na imagem da Santana Mestra com N. Sra. Menina 78 FIGURA 136 Arame que prendia a cruz 78 FIGURA 137 Marcas provocadas pelo arame que prendia a cruz 78 FIGURA 138 Intervenção anterior na imagem de Nossa Senhora utilizando resina epóxi 78 FIGURA 139 Craquelês encontrados no verniz das imagens em pedra 79 FIGURA 140 Manchas nas imagens do Présépio 79 FIGURA 141 Mapeamento das perdas encontradas na imagem de Nossa Senhora 79 FIGURA 142 Concheamento da pintura utilizada na mísula. 80 FIGURA 143 Ph aguarrás 83 FIGURA 144 Ph Enzimas naturais 83 FIGURA 145 Ph Trietanolamina (TTA) 83 FIGURA 146 Fixação dos blocos 84 FIGURA 147 Nivelamento 85 FIGURA 148 Reintegração cromática simulando douramento 85 FIGURA 149 Refixação da camada pictórica que apresentava concheamento 86 FIGURA 150 Limpeza superficial nas imagens 86 FIGURA 151 Resultado da limpeza nas imagens 86 FIGURA 152 Remoção da cera 86 FIGURA 153 Limpeza das peças em metal 86 FIGURA 154 Remoção dos resquícios de adesivo 87 FIGURA 155 Colagem das peças quebradas 87

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FIGURA 156 Resultado final da colagem das partes quebradas 87 FIGURA 157 Colagem das partes quebradas da cobra 88 FIGURA 158 Resultado final da colagem 88 FIGURA 159 Limpeza das flores 88 FIGURA 160 Resultado da limpeza 88 FIGURA 161 Liquens 88 FIGURA 162 Fragmento de madeira com fungos 88 FIGURA 163 Colocação dos resplendores e coroas 89 FIGURA 164 Abertura de orifício para colocação do pino 90 FIGURA 165 Confecção do pino – Foto Conceição França 90 FIGURA 166 Colocação do pino – Foto Conceição França 90 FIGURA 167 Fixação da cruz ao tampo do oratório - Foto Conceição França 90 FIGURA 168 Frente do oratório após intervenção – Foto Cláudio Nadalin 91 FIGURA 169 Verso do oratório após intervenção – Foto Cláudio Nadalin 91 FIGURA 170 Fachada do Museu Regional de Caeté 92 FIGURA 171 Planta de Implantação do Museu - Desenho Conceição França 94 FIGURA 172 Corte esquemático - Desenho de Conceição França 94 FIGURA 173 Manchas de umidade nas paredes internas do Museu 95 FIGURA 174 Degradação provocada por excesso umidade 95 FIGURA 175 Termohigrômetros encontrados no Museu 95 FIGURA 176 Planta pavimento térreo – Desenho Conceição França 96 FIGURA 177 Planta pavimento superior – Desenho Conceição França 96 FIGURA 178 Espaço expositivo na área externa 97 FIGURA 179 Fachada da reserva técnica 97 FIGURA 180 Parte posterior da reserva técnica 97 FIGURA 181 Vegetação no entorno da reserva técnica 97 FIGURA 182 Lateral da reserva técnica 97 FIGURA 183 Manchas de umidade piso da reserva técnica 98 FIGURA 184 Manchas de bolor e estofamento da tinta nas paredes da reserva técnica 98 FIGURA 185 Ausência de iluminação na reserva 98 FIGURA 186 Acondicionamento das peças encontradas na reserva 98 FIGURA 187 Planta da reserva técnica – Desenho de Conceição França 99 FIGURA 188 Obras acondicionadas na sala da administração 99 FIGURA 189 Extintores em pontos estratégicos do museu 100 FIGURA 190 Projeto de vitrine 101 FIGURA 191 Projeto das vitrines maiores 101 FIGURA 192 Vitrine 102 FIGURA 193 Local de exposição dos oratórios 102 FIGURA 194 Gráfico de Magnitude de Riscos 104 FFIGURA 195 Esquema de fluxo de corrente de ar no museu 106

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RESUMO

O oratório, importante peça da religiosidade mineira, caracteriza-se por uma diversidade de materiais. Baseados nesta caracterização realizamos um estudo, tendo em vista sua conservação, identificação dos fatores de degradação de seus materiais constituintes e sua interação com o micro e o macro-ambiente, tomando por base os princípios do Gerenciamento de Riscos para acervos museológicos. Além disso, apresentamos um breve histórico sobre a possível origem deste objeto de devoção, um estudo iconográfico e estilístico e medidas conservativas com o objetivo de assegurar a integridade do objeto. Palavras-chaves: Conservação-Restauração, Gerenciamento de Riscos, Oratório.

ABSTRACT

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Conservar um bem é muito mais do que garantir a sua integridade física é conhecer toda teia de conhecimentos intangíveis que levaram à construção deste bem.

Leonardo Castriota (2007)

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Introdução

Ter um local dedicado ao sagrado dentro da própria casa é uma necessidade antiga que se difundiu ao longo dos anos. A presença de santos ou oratórios, de diferentes formas, tamanhos e decorações logo se multiplicaram nos ambientes domésticos. Estes oratórios segundo Etzel (1976), que são geralmente encontrados nas casas de antigos moradores, sobretudo do interior, vem desaparecendo rapidamente pela morte dos antigos e dispersão pelos descendentes já pouco interessados na primitiva devoção doméstica. Diante deste fato torna-se imprescindível à preservação destas obras, importantes exemplares do culto doméstico a fim de evitar o seu total desaparecimento. A metodologia adotada foi determinada após criteriosa observação e conhecimentos acerca dos aspectos estruturais e construtivos da obra. Para tal, uma série de análises dos diferentes materiais foram realizadas de forma que pudesse assegurar os critérios e materiais mais adequados a serem utilizados. Como a proposta é de conservação preventiva, tornou-se de fundamental importância um detalhado levantamento das condições ambientais as quais a obra está exposta e, de posse destas informações procuramos traçar o perfil das tipologias dos danos mais comuns que afetam o acervo da sala dos oratórios e a extensão dos mesmos. E, a partir deste perfil traçarmos medidas para a conservação deste acervo.

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As manifestações religiosas sempre acompanharam a história da humanidade. Em todos os povos a diversidade de ritos e cultos testemunharam a organização e desenvolvimento destas sociedades e suas relações com o divino. O culto aos deuses e divindades ganhou representações simbólicas através de desenhos ou esculturas em materiais diversos que passaram a fazer parte de cerimônias e rituais que integravam a cultura religiosa de cada civilização, sejam em rituais de devoção individual ou coletivo, públicos ou na privacidade do lar. A necessidade de ter um local dentro de seus próprios lares dedicado ao culto ao sagrado existe desde a antiguidade, o que pode ser evidenciado pela construção de pequenos nichos pelos antigos romanos (fig.1 e 2), colocados em um canto das casas e decorados como um altar para cultuar os deuses Lares, figuras mitológicas, símbolos protetores da casa, da família e da pátria. De origem etrusca, os Lares possuem a função não só de zelar pelos recintos domésticos, como também pelas encruzilhadas. Segundo GRIMAL (1951), não possuem uma mitologia propriamente dita e a lenda que trata de seu surgimento é transmitida por Ovídio que os define como filhos de Mercúrio, deus das encruzilhadas e da prosperidade, e como tal apresenta características análogas a este.

FIGURA 1 - Nichos deuses Lares pintados FIGURA 2 - Nichos deuses Lares esculpido

Para os romanos, os Lares eram deuses domésticos, protetores de cada família e de cada casa, cultuados no Lararium, uma espécie de oratório. Possuíam um templo onde eram feitos os sacrifícios e oferendas.

SPALDING (1982)

Durante a Idade Média, com o advento do Cristianismo, este costume foi apropriado pela Igreja e incorporado às práticas religiosas. Membros da nobreza e famílias mais abastadas buscavam ter dentro de suas casas um local onde pudessem se dedicar ao culto doméstico, dando origem as capelas domésticas. Este costume se difundiu ao longo da história e estas capelas passaram a apresentar pequenos formatos abrigando em

1. ORATÓRIO – BREVE HISTÓRICO

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seu interior, imagens pintadas, gravuras ou esculturas representando santos que se adequavam à devoção de cada família.

A iconologia que através de todos os recursos da arte anima as paredes e faz vibrar os espaços recorre tanto aos mitos pagãos quanto às crenças cristãs.

BAZIN (1997)

Segundo ÁVILA (1991) o Concílio de Trento, convocado pela Santa Sé em 1563 como reação ao reformismo calvinista, foi um marco na história da religiosidade popular, por ter liberado para devotos a utilização de objetos nas cerimônias de adoração e de busca do contato com Deus. Por todo o mundo lusitano, a partir daí, disseminou-se o culto a imagens, a relíquias e a oratórios domésticos.

2.1 O Oratório no Brasil

O catolicismo trazido ao Brasil pelos Portugueses, teve sua expressão representada por duas vertentes, uma popular, ou leiga, caracterizada pela devoção aos santos, e outra oficial promovida pela hierarquia eclesiástica com a colaboração do poder estabelecido. Enquanto o Cristianismo celebrava quase exclusivamente a exaltação do poder de Deus, os Mistérios da Redenção ou acontecimentos a eles relacionados, o povo buscava no culto aos santos à solução para seus anseios e angústias terrenas. A partir do século XVIII, o cristianismo nas Minas Gerais foi vivenciado principalmente através de instituições religiosas de leigos, denominadas Irmandades e Confrarias. Existentes em Portugal desde o século XIII, as Irmandades eram organizações que tinham como objetivo principal preservar a devoção ao santo ao qual eram dedicadas.

A inexistência das Ordens Religiosas nas Minas Gerais torna a religiosidade mais próxima da cristandade popular européia do medievo, caracterizada pela devoção aos santos e pela exteriorização do sentimentalismo. Em meio a este cenário, a fé e a devoção popular se expressava através de oratórios dentro de casa e nas ruas, capelas e ermidas nas vilas e arredores, terços, ladainhas e benditos, bem como mediante promessas, procissões e romarias. Por sua vez, o catolicismo oficial, promovido pela hierarquia eclesiástica com a colaboração do poder estabelecido, apresentou durante os primeiros séculos da colonização, uma estrutura bastante precária, com longos períodos de vacância episcopal tendo como principais divulgadores, os missionários e as paróquias onde católicos luso-brasileiros realizavam suas práticas religiosas, condição imprescindível para permanência na colônia.

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Segundo MOTT (1997), no Brasil colônia, “a elite branca, minoritária e elitista”, assistia aos rituais religiosos dentro dos templos isolando-se por detrás de balaustradas e colunatas próximas ao altar ou construíam seus próprios locais de culto no interior ou anexas às suas residências evitando assim o convívio com fiéis de outras raças ou de condição social inferior. Proliferam-se assim as construções de capelas, ermidas e igrejas particulares nas fazendas e engenhos, que contavam muitas vezes com a permanente presença de capelães, que lá residiam para prestar apoio espiritual aos membros da família, servindo de conselheiro e celebrando missas. Também passa a ser freqüente a presença dos oratórios, que seriam uma simplificação da capela, no interior das casas. Os oratórios passam a integrar as casas das famílias mais simples as mais abastadas, configurando-se como um importante objeto de fé e devoção. Lugar de oração onde o humano se aproxima do sagrado independente de sua posição social.

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Antes de definirmos Presépios e Oratórios se faz necessário esclarecer que muitos autores não chegam a um consenso sobre o que representa cada um. Em algumas referências encontramos a afirmação de que o que conhecemos por oratório lapinha é na verdade um “presépio de dois andares, onde na parte inferior está figurada a Natividade e, no alto, a Crucificação, circundada por santos de devoção”. Porém, encontramos referências onde os oratórios que apresentam dois pavimentos são denominados maquineta devido a sua funcionalidade que permite a utilização em duas festividades, Natal e Paixão de Cristo. Segundo informações obtidas com o Padre Simões, pároco da Igreja do Pilar em Ouro Preto, o funcionamento deste é baseado em cobrir uma cena deixando a outra a mostra de acordo com a celebração. Outro ponto de discordância é sobre as nomenclaturas Presépio e Lapinha. O Presépio seria segundo alguns autores a manjedoura, que ao longo dos séculos passou a representar a cena da natividade. Já a Lapinha, seria uma encenação de tema sacro com autos e danças que aconteciam diante da manjedoura (CASCUDO,1998). Já para a professora Cristina Ávila, a denominação Lapinha seria uma referência às grutas mineiras e o material da confecção das imagens em “calcita”1, mineral encontrado em lapas de Minas Gerais.

Os “oratórios lapinha”, criados em forma de lapa ou gruta, lembrando o local de nascimento do Menino Jesus, foram reproduzidos em comunidades artesãs rurais brasileiras usando materiais diversos como cabaça, palha de milho, bucha vegetal, madeira e cerâmica.

Lalada Dalglish

Buscando esclarecer essas dúvidas referentes às nomenclaturas, faremos a seguir uma breve discussão a cerca da origem, definição e função de cada um dos mesmos. 2.1 O Presépio Segundo alguns estudiosos, as primeiras representações da cena da natividade foram encontradas em afrescos das catacumbas de Santa Priscilla datadas do século II d.C. e retratavam a Virgem com o menino na apresentação aos Reis Magos (fig. 3). Entre os séculos IV e VI, com a oficialização do cristianismo pelo Imperador Constantino, surgem os primeiros baixos-relevos com a representação da natividade semelhante às representações atuais, com a presença do Menino Jesus, Maria, José, os Reis Magos, pastores, o boi, o asno.

1 Termo erroneamente utilizado para designar a esteatita.

2. PRESÉPIO, ORATÓRIO, MAQUINETA E LAPINHA – DIVERGENCIAS DE NOMENCLATURAS

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FIGURA 3 Natividade - catacumba de Santa Prescila

FIGURA 4 Natividade – Robert Campin -1425 De origem Hebraica o nome Presépio (praesepium) significa manjedoura dos animais ou estábulo. Sua origem é atribuída a São Francisco de Assis, que segundo alguns autores realizou a primeira montagem do presépio, no ano de 1223 em uma gruta na cidade de Greccio, na Itália. Porém, segundo São Boaventura, a representação de Greccio deve ser interpretada como uma evolução no cerimonial litúrgico natalino e não como um presépio, uma vez que os personagens da Natividade não estavam ali representados.

Inspirado nas antigas encenações medievais, ele montou dentro da gruta uma manjedoura, colocou feno e os animais, mas extinguiu da cena os personagens da Sagrada Família (descartando a presença de atores para encenar a Virgem, São José e o menino).

AMBRÓSIO (2006)

A partir do século XIV, as encenações sacras chegaram a um elevado nível de paganismo nas representações do drama litúrgico que levou a igreja a condena-lo no Concilio de Treviri, favorecendo assim a representação estática da natividade e do Presépio, e conseqüentemente sua propagação. Com o Concílio de Trento, 1563, que estabeleceu normas precisas sobre o culto aos santos e das relíquias o Presépio passou a ser sinônimo de um processo escultural que tem como principal função à representação, louvação e admiração do Nascimento do Menino Jesus na manjedoura em Belém, seguindo os relatos dos Evangelhos. Tornou-se um instrumento para uso didático na reconquista dos paises reformados e na evangelização dos povos do Novo Mundo. Para alguns historiadores, o Presépio era uma contraposição à árvore de Natal, protestante e nórdica, cuja origem é atribuída a Martinho Lutero.

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Segundo alguns autores2 no Brasil, a inserção desta cultura provavelmente ocorreu no Inicio do Século XVII, na cidade de Olinda em Pernambuco, pelo Frei Franciscano Gaspar de Santo Agostinho, sendo difundido pelos franciscanos e dominicanos. O presépio se apresenta segundo algumas tipologias, dentre as quais as mais comuns são o presépio Napolitano e o Genovês, sobre os quais abordaremos a seguir. O Presépio Napolitano tem sua origem atribuída a São Caetano de Thiene, que montou no ano de 1534, no oratório de Santa Maria della Staletta, junto ao hospital dos incuráveis, um grande presépio composto por figuras em madeira, vestidas segundo costume da época. No decorrer dos séculos a representação do presépio Napolitano passou a ser caracterizada por uma montagem cênica reunindo diversos elementos, cores e imagens, figuras cômicas e dramáticas, cujo protagonista é o povo que se reúne em torno da cena da Natividade, que passa a ocupar um segundo plano, de forma distinta da narrativa evangélica (fig. 5).

FIGURA 5 - Presépio Napolitano

Variação do modelo Napolitano, o Presépio Genovês, se apresenta de forma mais simples, menos pagão e mais fiel à narrativa evangélica. A cenografia é extremamente simples, se desenvolvendo no sentido horizontal. Em torno de Jesus estão Nossa Senhora, São José, os Reis Magos, alguns pastores e animais, principalmente o jumento que foi utilizado como meio de transporte para Nossa Senhora (fig. 6).

2 http://www.brasilfolclore.hpg.ig.com.br/prespio.htm

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FIGURA 6 – Nativitá – Maragliano - Gênova

Esta representação é mais próxima da que encontramos no Brasil, apresentada com pequenas alterações no que diz respeito aos personagens que compõem a cena da Natividade.

FIGURA 7 Presépio – Séc. XVIII – Museu da Inconfidência - Ouro Preto - MG

FIGURA 8 Presépio – Séc. XVIII – Museu Regional de Olinda - PE

2.2 A Lapinha Hoje tida como sinônimo de presépio, a lapinha tratava-se de uma ação teatral de tema sacro encenada diante do presépio com cantos e danças. A lapinha é também representada por uma armação de ripas, sobre a qual ramos de folhagens de pitangueiras e de canela eram entrelaçados, para perfumar o ambiente, sendo enfeitadas por rosas e cravos. A tradição da lapinha e a dramatização da natividade, que teve inicio por volta do século XVI, segundo Câmara Cascudo, assimilaram costumes africanos e indígenas chegando em alguns casos a se tornar um auto profano, passando a incluir danças modernas e cantos estranhos ao auto.

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2.3 Oratório Os primeiros oratórios chegaram ao Brasil pelas mãos dos colonizadores portugueses, e logo se multiplicaram, vindo a ocupar lugar de destaque em residências, casas de fazenda e senzalas.

Apresentando as mais diferentes formas, tamanhos e decorações, os nichos e oratórios iniciaram no Brasil uma tradição de culto que não só perpassou as barreiras de classe e de tempo, mas, que refletiram o sincretismo religioso resultado da influência dos índios e principalmente dos escravos africanos.

Segundo Maria Lúcia de Souza Rangel Ricci, doutora em História e pesquisadora do Centro de Memória da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os primeiros nichos construídos no Brasil abrigavam imagens características da devoção dos colonizadores portugueses, como Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora de Fátima. Com o passar do tempo, outras imagens foram se juntando aos santos de devoção na Europa, numa clara influência da chegada dos africanos ao Brasil, e, algumas décadas mais tarde, surgem imagens pouco conhecidas no país como a de São Benedito e os altares passam a ser enfeitados com flores de tecido e outros adereços típicos da cultura negra.

(...) Em busca de proteção espiritual, europeus, indígenas e africanos fizeram do oratório a primeira morada de sua fé, nele acolhendo, também, o brilho da arte e a força da história dos brasileiros.

( Ângela Gutierrez)

De acordo com a professora Cristina Ávila, os oratórios podem ser divididos em seis categorias: eruditos, populares, de convento, lapinha, de viagem e afro-brasileiros. De grande porte e ricamente ornamentados, os oratórios eruditos, são originários das residências das famílias mais abastadas. Segundo ÀVILA (1990) estes oratórios “foram feitos por grandes mestres do período colonial e traduzem o requinte dos materiais, o

esplendor da talha e a sofisticação do barroco, rococó e neoclássico. Dentre os oratórios eruditos, destacam-

se os oratórios de lapinha, representando cenas da natividade e da paixão de Cristo.”

Figura 9 – Oratório erudito

Figura 10 – Oratório (com grupo escultórico

religioso) – Museu da Inconfidência

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Os oratórios populares ocupavam lugar de destaque nas salas, quartos e demais dependências nas residências dos fiéis. Apresentando uma talha simplificada tanto na estrutura quanto na imaginária, denotam a originalidade dos artesãos.

(...) A mesma desigualdade ocorreu entre as imagens eruditas que alimentavam as igrejas e os oratórios dos homens ricos e a grande cópia de peças populares que povoava as modestas caixas de santos dos humildes. A grande e pequena imaginaria erudita perdeu em numero relativo para a grande cópia de imagens populares feitas pelos numerosos santeiros que atendiam as solicitações de seus conterrâneos.

(ETZEL1979 P. 43) Nas andanças dos aventureiros, tropeiros e sacerdotes que desbravavam os sertões do país, pequenos oratórios denominados “de viagem” ou “portáteis”, eram levados nos lombos dos burros, nos bolsos ou dependurados junto ao corpo como sinônimo de proteção destes viajantes. Marcados pelo sincretismo religioso, os oratórios afro-brasileiros incorporam à iconografia católica elementos e imagens característicos das religiões africanas.

Baseado nas informações acima relatadas podemos concluir que a melhor maneira de evitar tantos desencontros de nomenclatura seria utilizar o mesmo procedimento adotado para denominar retábulos, ou seja de acordo com as características formais e estilísticas. Desta maneira, a tipologia adotada na identificação dos oratórios realizados no século XVIII, baseado em termos estilísticos e cronológicos seria D. João V (1706 – 1750) ou D. Jose I (1750 –1777).

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Até o momento, pouco se sabe sobre vida e obra de Bernardo de Souza. Porém, segundo Pe. Simões, Bernardo de Souza foi muito atuante em Ouro Preto e localidades próximas, como Bacalhau do Bom Jesus e Santa Rita, locais onde é possível encontrar várias obras de sua autoria.

Através de MARTINS (1974) foi possível descobrir que o artista, no ano de 1743, exercia o oficio de carapina3 e era morador do Arraial de Antônio Dias em Ouro Preto. Mas as informações sobre o mesmo pararam por aí em virtude do pouco tempo disponível para a realização de uma aprofundada pesquisa sobre o artista e também por este não ser o foco principal do trabalho.

Porém vale salientar que para o conservador-restaurador é de extrema importância ter o conhecimento sobre o trabalho do artista uma vez que estas informações associadas a exames específicos da obra ajudam a compreender a tecnologia empregada pelo mesmo.

A identificação da autoria se deu pela assinatura encontrada no tampo do verso do oratório. E, através da pesquisa que realizamos, é mais comum do que se imagina que os artistas do século XVIII assinassem suas obras, embora esta pratica se tornasse mais comum durante o século XIX, contrariando as inúmeras afirmações de que os artistas ou artesãos não assinavam suas obras.

Os criadores, os artesãos ou simplesmente escravos que os elaboraram não assinavam estes trabalhos menores em que o interesse era menos estético do que simplesmente religioso.

GUTIERREZ (1991) Estas assinaturas, apresentadas abaixo, exceto a primeira que pertence ao autor da obra em estudo, foram encontradas no verso dos oratórios que pertencem ao acervo do Museu da Inconfidência situado em Ouro Preto.

FIGURA 11 – Assinatura do autor encontrada no verso da obra em estudo

FIGURA 12 – Assinatura encontrada no verso de oratório pertencente ao Museu da Inconfidência

FIGURA 13 - Assinatura encontrada no verso de oratório pertencente ao Museu da Inconfidência

FIGURA 14 - Assinatura encontrada no verso de oratório pertencente ao Museu da Inconfidência

3 O mesmo que carpinteiro.

3. O ARTISTA

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Embora apresentem características semelhantes, por seguirem tendências dos períodos vigentes, estas obras demonstram a originalidade e genialidade que caracterizam a arte colonial brasileira com particularidades em sua tecnologia que merecem um estudo mais aprofundado, a fim de garantirmos a preservação destes raros exemplares de devoção.

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A obra estudada é um oratório em madeira entalhada e recortada. Apresenta policromia, douramento e uma diversidade de materiais orgânicos e inorgânicos em seu interior (fig. 15). De acordo com a ficha fornecida pelo IPHAN, este oratório é classificado como estilo rococó. Embora seja característica do rococó a distribuição assimétrica das formas, esta característica não se faz presente nesta obra, marcada pela simetria e harmonização de seus elementos constituintes.

FIGURA 15 - Oratório

FIGURA 16 – Planos do oratório A partir de uma base trapezoidal, o oratório se desenvolve em dois pavimentos (fig. 16). No primeiro, localizada em seu terço inferior, encontramos a representação da natividade de Cristo, ou Presépio.

No pavimento superior duas são as representações sendo a principal a cena da crucificação. Nesta cena que conta com a presença de três personagens, encontramos Jesus Cristo crucificado, trajando apenas um perizônio entrelaçado com panejamento simplificado com predominância de linhas retas. Com os braços perpendiculares ao corpo, cabeça caída para a direita e pés sobrepostos, apresenta ferimentos por todo o corpo, além dos provocados pelos cravos ao ser pregado na cruz, e os joelhos machucados.

Cruz estreita e longa. Apresenta uma área na extremidade inferior com ausência de pintura, que nos remete

a possibilidade da existência de uma base. Na parte superior uma pequena placa com a inscrição INRI, iniciais das palavras latinas Iesus Nazarenus Rex Iudaerum, que querem dizer Jesus Nazareno Rei

4. ANÁLISE FORMAL

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dos Judeus, mandadas colocar por Pilatos na crucifixão de Jesus. Também se encontra um resplendor fixado à cruz, que fica a frente da inscrição deixando-a pouco visível.

FIGURA 17 - Parte interna do tampo do oratório.

À direita de Cristo, Nossa Senhora é apresentada em pé, com a cabeça de frente, levemente inclinada para a esquerda, coberta por um véu curto, sobre o qual encontra-se uma coroa. Semblante sereno, porém triste e olhos ao longe. Mãos postas à direita de seu corpo, revelando grande expressividade. Seu corpo, que faz uma leve projeção para a esquerda, é recoberto por uma longa e suave túnica que apresenta um panejamento marcado pela sutileza do movimento e gola dourada. Manto longo caído sobre os ombros com detalhes em douramento nas extremidades.

Na ficha fornecida pelo IPHAN, é atribuída a evocação da Nossa Senhora da Imaculada Conceição, apesar desta representação não apresentar os atributos característicos da evocação, estando apenas com as mãos em atitude de oração e sobre nuvens, que também são esculpidas em pedra e pintada na cor amarela.

FIGURA 18 – Imaculada Conceição

FIGURA 19 – Esquema de proporções

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À esquerda, do Crucificado, São José de Botas semblante sereno, cabelos longos e levemente cacheados, trás na cabeça, um resplendor. Veste túnica longa com um drapeado leve e exuberante, que pelo movimento representado deixa transparecer as botas, elemento que o designa como São José de Botas ou São José Caminhante. Segura o Menino Jesus em seu braço esquerdo enquanto a mão direita repousa sobre o peito. Desnudo, o Menino Jesus, segura com a mão esquerda um pequeno globo na cor verde. Em sua cabeça, encontra-se um pequeno orifício para colocação de resplendor ou coroa.

FIGURA 20 – São José de Botas com o Menino

FIGURA 21 – Esquema de proporções As imagens de Nossa Senhora e São José se encontram sobre uma base em madeira policromada em branco, amarelo e vermelho. Abaixo da base uma mísula (fig. 22), também em madeira, pintada na cor vermelha.

FIGURA 22 – Detalhe da mísula A outra cena é marcada pela presença de Santana Mestra (fig. 23). Sentada com semblante sereno trás um livro em suas mãos, cabeça levemente inclinada para a esquerda, coberta por um curto véu com douramento nas extremidades, sobre o qual se encontra uma coroa. Veste um manto longo com gola em amarelo com pequenos pontos em vermelho formando uma flor, igual à gola da Imaculada Conceição. Nas extremidades do manto frisos dourados. Deixa a mostra parte do sapato que é pintado na cor marrom.

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De pé ao seu lado, a Virgem Menina, com vestes semelhantes à de Santana, porém com a gola pintada em vermelho. Com semblante sereno observa atentamente o livro que Santana segura. Na cabeça, levemente inclinada para a direita, uma pequena coroa. O livro apresenta detalhes pintados em vermelho e amarelo, sugerido a capa e as folhas respectivamente. No que seriam as folhas, pequenas inscrições dão um ar mais realístico ao livro.

À esquerda de Santana encontra-se São Joaquim (fig. 24 e 25). É representado de pé, cabeça de frente semblante sereno, barba curta, cabelos curtos levemente cacheados sobre os quais encontramos um resplendor. Braço esquerdo flexionado com a mão sobre o peito e braço direito levemente flexionado segurando o cajado. Veste túnica longa com drapeado em polígonos e douramento na gola e extremidades da túnica.

FIGURA 24 – São Joaquim

FIGURA 25 – Esquema de proporções

FIGURA 23 – Santana Mestra com Nossa Senhora Menina

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À direita de Santana, encontramos São Caetano (fig. 26 e 27). De pé, corpo levemente inclinado para a esquerda, veste uma batina, sobre a qual encontramos uma roquete e uma estola. Na cabeça um barrete e sobre este, um resplendor.

FIGURA 26 – São Caetano

FIGURA 27 – Esquema de proporções

Todas as imagens deste plano estão sobre uma base igual as que se encontram a Imaculada Conceição e

São José, porém sem a mísula. As imagens do 1° e 2° plano que são representadas de corpo inteiro seguem

o cânon das sete cabeças, característica que segundo os tratados clássicos de representação da figura humana imprime a estas a denominação de eruditas.

No plano posterior, pintura a tempera com cores suaves e harmônicas, representações de nuvens, flores de

malabar e algumas flores em tecido adornando as extremidades.

FIGURA 28 – Detalhe da ornamentação interna com flores de malabar

No plano inferior do oratório o presépio é composto por sete personagens. O Menino Jesus, Nossa Senhora, São José, Reis Magos, Pastor. Esculpidas em pedra-sabão ricas em mineral talco, as imagens dos Reis

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Magos e do Pastor se apresentam policromadas e douradas, enquanto as de Nossa Senhora, São José e do Menino Jesus se apresentam na cor característica da pedra com pequenos detalhes pintados e dourados.

FIGURA 29 – Conjunto Escultórico do presépio

Outras cinco pequenas esculturas são encontradas, representando animais (uma cobra, um carneiro, dois pássaros e um galo). Abundantemente decorado por líquens desidratados e flores em tecido, com caule e folhas em papel. Ao contrário das imagens que compõem as cenas da parte superior do oratório que são representadas de corpo inteiro, as imagens do presépio que foram representadas até a altura do joelho, ou seja, em meio corpo, exceto o Menino Jesus, que é representado de corpo inteiro, possivelmente pela posição que assume na composição (fig. 30 e 31).

FIGURA 30 – Imagens meio corpo

FIGURA 31 – Detalhe do acabamento do verso das

imagens em meio corpo Nossa Senhora e São José de mãos postas observam o Menino Jesus deitado sobre uma espécie de cama, segurando com a mão direita um coração pintado na cor vermelha. Sobre a pintura das imagens, apresentam a mesma tipologia das representadas no plano superior, ou seja, frisos dourados nas extremidades dos mantos, túnicas e golas. A gola da Nossa Senhora é pintada na cor verde. A cama onde o Menino Jesus está deitado é policromada na cor amarela com pequenos detalhes na cor vermelha. Sobre a mesma um pequeno travesseiro na cor vermelha.

O pastor apresenta vestes simples, com calça na cor branca e túnica amarela com pequenos pontos em vermelho. Seu rosto é pintado na cor ocre semelhante ao tom de pele. Já os Reis Magos, são representados com vestes na cor verde, detalhes dourados nas extremidades, botões, bolsos e gola em dourada com capa

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na cor vermelha na parte frontal e por trás amarela, e seguram uma ânfora nas mãos, exceto Balthasar, que

está representado com capa na cor verde e traz nas mãos uma caixa dourada.

FIGURA 32 – Pastor

FIGURA 33 – Rei Baltahazar

Dos animais representados, apenas o cordeiro é em pedra, pintado em amarelo claro. Todos os outros são em materiais diversos. A cobra, em cera policromada, um galo também policromado e dois pássaros na cor branca. Toda decoração do presépio é composta por flores em tecido com folhagem em papel e flores compostas por pequenos casulos de algodão presos a madeira e aos líquens por cera ou em pequenos vasos.

Outro elemento que compõe a ornamentação do presépio é o líquen. Tradicionalmente utilizado nos presépios portugueses, essa influência chegou até o Brasil sendo muito comuns nos oratórios dos séculos XVIII e XIX, mais conhecidos como oratório estilo D. José. Durante as pesquisas encontramos exemplares destes oratórios que apresentam vários elementos em comum, dentre eles, a presença do líquen, as flores em tecido e a flor semelhante a um “casulo” de algodão, levando-nos a concluir que estes elementos fazem parte das características vigentes neste período.

FIGURA 34 – Decoração do Presépio

FIGURA 35 – Decoração de Presépio encontrado em

Oratório do Museu da inconfidência

FIGURA 36 – Decoração de Presépio encontrado em

Oratório do Museu da inconfidência

FIGURA 37 – Decoração de Presépio encontrado em

Oratório do Museu da inconfidência

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No verso do oratório, sobre o tampo que dá acesso a parte interna, uma assinatura, Bernardo de Souza, autor da obra. Segundo ficha fornecida pelo IPHAN, este oratório foi doado pela senhora Maria Odília Pena, viúva do escritor Cornélio Pena, porém não conseguimos identificar quando foi feita a doação.

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Em meados do século XVIII, o panorama artístico português encontrava-se dividido entre duas correntes estilísticas que vigoravam na Europa: o Barroco tardio de influencia italiana e o Rococó de influencia francesa e alemã, que foi inserido aos poucos nos ambientes religiosos a partir de 1750.

Coincidindo com a descoberta e conquista de novos continentes e conseqüentemente o contato com novas civilizações, o surgimento do Barroco vai de encontro aos ideais propostos pela Igreja. A arte barroca é também conhecida como o "estilo da Contra-Reforma", já que se aparecimento coincide com o período da efervescência religiosa que deu origem ao Concílio de Trento, em 1545.

A arte clássica mostra, a arte barroca demonstra. Dirige-se a homens aos quais é preciso convencer, e fora da Europa os quais é preciso converter.

BAZIN (1997) Com a Contra-Reforma, os protestantes passaram a defender a simplicidade dos templos e negavam a santidade de Maria e dos Santos, condenando-os e abolindo-os de seus cultos. Por sua vez, a igreja católica os exaltou reforçando o conceito da Imaculada Conceição, enaltecendo seus santos e mártires incentivando a representação iconográfica e promovendo a pompa nas cerimônias religiosas com templos suntuosos numa exaltação a Deus. Fortemente influenciada pela arte portuguesa, a arte colonial brasileira só apresentou as primeiras manifestações barrocas a partir do inicio do século XVII. O estilo foi aos poucos se firmando nos principais centros urbanos da Colônia, atingindo grande desenvolvimento e apresentando do ponto de vista estético especificidades que passaram a figurar como escolas regionais, exceto no que se refere a mobiliários, que de acordo com BAYEUX (1997) até meados do século XVIII, o mobiliário que predominava no Brasil era de origem portuguesa, aqui copiados e os de estilo seiscentista com linhas retas e austera que foram executados durante muito tempo e propagados pelos jesuítas.

Durante o período em que vigoraram o Barroco e o Rococó no Brasil, três estilos predominaram e influenciaram a produção mobiliária, o estilo D. João V (1706 – 1750), D. José I (1750 – 1777) e estilo D. Maria (1777 – 1792). O estilo D. João V foi fortemente marcado pela influencia inglesa, sobretudo pelo estilo Queen Anne que modificou gradativamente o estilo Nacional Português, passando a apresentar como características uma talha profunda, exuberante, sinuosa e recortada, de grande apuro técnico no acabamento, ressaltando a leveza e o equilíbrio. Apresenta elementos ornamentais próprios com volutas, estilização de conchas, folhas de acanto arredondadas e tendo como arremate central o característico feixe de plumas.

5. ANALISE ESTILISTICA

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Ao longo do tempo, características do estilo Chippendale foram absorvidas e a representação inicial cede lugar a uma ornamentação cada vez mais acentuada e suntuosa até atingir os exageros do barroco conforme afirma BAYEUX (1997). No final do reinado de D. João V surgem os primeiros sinais do Rococó fazendo com que elementos ornamentais barrocos se misturassem aos elementos rococó do estilo D. José I que estava surgindo, caracterizando-se como período de transição.

Em 1755, a cidade de Lisboa foi atingida por um terremoto e diante da necessidade de urgente reconstrução da cidade o mobiliário passou a ser produzido de forma mais simples e com poucos entalhes caracterizado por uma talha rasa, assimétrica e mais delicada, com formas curvas discretas e linhas suaves que ficou conhecido como estilo D. José I. Este estilo marca o hibridismo do móvel português re-interpretando características de influencia inglesa e francesa, e associando-as a elementos de cunho nacional.

De influencia inglesa, o estilo D. Maria I se caracterizou pela utilização de elementos dos estilos neoclássicos ingleses, com a predominância de linhas retas, maior equilíbrio e delicadeza das formas e dos ornamentos. Porém diante das muitas influências absorvidas pelo mobiliário português, estas características foram se sobrepondo as que lhes eram próprias e o mobiliário passou a se apresentar como simples cópias dos vários estilos europeus vigentes.

No Brasil, o caráter renovador do estilo D. João V enfrentou no início certa resistência, mas, uma vez aceito, sua expansão se deu com tamanha intensidade que no final do século XVIII sua produção chegou a superar a portuguesa de tal forma que a Colônia chegou a fornecer móveis neste estilo à Metrópole. Coincidindo com a expansão do ouro, do Barroco brasileiro e da necessidade de ostentação por parte das elites este estilo não substituiu o estilo aqui implantado pelos jesuítas, mas em alguns casos associou características de ambos que muitas vezes resultaram em estranhas composições.

O estilo D. José I manteve aqui no Brasil a talha rasa e assimétrica, porém apresentando as conchas estilizadas, elementos vegetalizados e os frisos em C e S como principais motivos decorativos. Geralmente em madeiras claras, o estilo D. Maria I passou a apresentar características distintas das encontradas em Portugal, com pernas retas com corte quadrangular ou em torneados cilíndricos e elementos decorativos delicados este estilo marcou o final da influencia portuguesa no mobiliário brasileiro.

Diante das características apresentadas acima podemos concluir que o oratório em estudo pode ser classificado como uma peça do período Rococó, estilo D. José I por apresentar uma talha rasa e delicada, com frisos em C e S.

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Inicialmente, a tradição cristã esteve sob a influência pagã do mundo helênico-romano, cuja diversidade de deuses e entidades intermediárias influenciaram seus atos de culto. De acordo com Dué (1999) a devoção a Ise divindade feminina egípcia, largamente difundida no mundo helênico-romano, determinou os padrões para o culto à Virgem Maria. No ano de 610, o papa Bonifácio IV celebrou pela primeira vez a festa a todos os santos e substituiu o panteão romano, templo pagão dedicado a todos os deuses, por um templo cristão para que as relíquias dos santos fossem ali colocadas, inclusive Maria (DUÉ 1999). Dessa forma o culto aos santos e a Maria substituiu o culto aos deuses do paganismo. A utilização de símbolos culturais através da pintura e da escultura com a reprodução de temas sacros tornou-se o único meio eficaz de aproximação entre a população e a religião. É, a representação de imagens de santos e mártires, como eleitos por Deus com poderes para interceder por nós, ajudando-nos a obter de Deus as graças de que necessitamos.

Os símbolos culturais são aqueles que expressam “verdades eternas” e que são muito utilizados em muitas religiões por seu poder de provocar profundas reações emotivas.

(JUNG) Muitos historiadores afirmam que a primeira imagem religiosa que chegou ao Brasil veio pelas mãos de Pedro Álvares Cabral e se tratava de uma imagem de Nossa Senhora da Esperança, que hoje pode ser encontrada na Quinta do Belmonte em Portugal4 e que as primeiras imagens brasileiras, ou seja, produzidas no Brasil surgem a partir de meados do século XVII. Anterior a este período, as imagens que aqui se encontravam eram de origem portuguesa ou em alguns casos espanholas (ETZEL 1979), trazidas, sobretudo por religiosos. Inicialmente produzidas por artistas estrangeiros, muitos destes religiosos, foram gradativamente sendo realizadas por artesãos locais a quem ensinaram o oficio de entalhadores, utilizando materiais da região, como terracota, madeira e pedra.

Muitas destas imagens eram guardadas em pequenos altares e outros objetos similares, numa tentativa de conferir uma ambiência mística ao momento de reflexão, onde crescia a intimidade entre o homem e a divindade.

AVILA (1991)

Eruditas ou populares estas imagens são um registro histórico da evolução artística brasileira e um forte elo de ligação entre o homem e o divino, num período em que a Igreja influenciada pela Contra-Reforma Religiosa, incentiva à representação iconográfica enaltecendo o papel dos santos e mártires, tendo como principal objetivo à propagação da fé.

4 www.areliquia.com.br/Artigos

6. ANALISE ICONOGRÁFICA

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6.1 ANÁLISE ICONOGRÁFICA DA IMAGINÁRIA 6.1.1 São José

Príncipe da Casa Real de Davi e ao mesmo tempo humilde carpinteiro, José é o elo de ligação entre o Antigo e o Novo Testamento. É considerado o Patrono da Boa Morte porque morreu assistido pela Santíssima Virgem, sua Esposa, e pelo próprio Homem-Deus, de quem era pai adotivo.

Sua figura quase desapareceu nos primeiros séculos do cristianismo, para que se firmasse melhor a origem divina de Jesus. Mas já na Idade Média, S. Bernardo, Sto. Alberto Magno e S. Tomás de Aquino lhe dedicaram tratados cheios de devoção e entusiasmo. São Francisco de Assis e Santa Teresa d´Ávila ajudaram a difundir essa devoção e no ano de 1870, José foi declarado patrono Universal da Igreja pelo Papa Pio IX através do decreto Quemadmodum Deus de 8 de dezembro de 1870. Leão XIII, na encíclica Quamquam pluries de 15 de agosto de 1889, propunha-o como advogado dos lares cristão.

Iconograficamente apresenta-se de forma distinta. Na Idade Média era representado como um homem velho, calvo e de barba branca, quase sempre ao lado de Maria e do Menino Jesus. A partir do século XI assume a representação de um homem de meia idade. Nessas representações pode aparecer segurando um cajado florido ou lírios, em alusão à sua escolha sobre os pretendentes de Maria.

Depois da Contra-Reforma, passa a ser representado como carpinteiro, e, algumas vezes, acompanhado por Jesus, ensinando a Ele o oficio da profissão. Por influencia dos Evangelhos Apócrifos também pode ser representado segurando um bastão florido que pode ser em alusão ao seu casamento virginal ou simbolizando sua vitória sobre os outros pretendentes de Maria. Outra representação comumente utilizada é denominada São José de Botas ou São José dos Caminhantes, onde José se apresenta em trajes para viagem acompanhado da Virgem e tendo ao colo o Menino Jesus, em alusão à fuga para o Egito.

FIGURA 38 - São José séc. XIX -

Salvador

FIGURA 39 - São José de Botas-

Séc. XVIII– Acervo Museu Mineiro – Belo Horizonte - MG

FIGURA 40 - São José dos Caminhantes - Início do Séc. XVIII– Ig. de N.Sra. da

Conceição e São José – Caxias - Maranhão

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6.1.2 Nossa Senhora da Imaculada Conceição

O dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora foi proclamado pelo papa Pio IX, em 1854, depois de receber numerosas petições de bispos e fiéis de todo o mundo. Celebrado no dia 8 de dezembro, quando os católicos professam a prerrogativa concedida unicamente a Nossa Senhora: Maria foi concebida sem a mancha do pecado original, esta festividade foi incluída no calendário romano em 1476. E, em 1708, Clemente XI estendeu a festa, tornando-a obrigatória a toda cristandade.

No Brasil, o culto teve início na Bahia em 1549, quando Tomé de Souza chegou a Salvador trazendo uma escultura da santa. Ela foi à protetora de nosso país no período colonial e foi proclamada Padroeira do Império Brasileiro por Dom Pedro I. No inicio do século XX, o titulo de padroeira do Brasil é destinado a Nossa Senhora Aparecida, cuja imagem é na verdade uma Imaculada Conceição encontrada no rio Paraíba do Sul.

Representada com as mãos postas, em atitude de oração e sobre sua cabeça uma coroa real ou aureola com doze estrelas (fig. 43). Sobre o globo terrestre, característica encontrada apenas na iconografia luso-brasileira, trás sob seus pés uma serpente ou um dragão que representam o triunfo do bem sobre o mal. A lua crescente quase sempre aparece sob os pés da Imaculada Conceição, numa referencia que provem da ladainha Pulchra ut luna – Pura como a lua (fig. 41 e 43).

FIGURA 41 - N. Sra. da Conceição

FIGURA 42 - N. Sra. da Conceição

FIGURA 43 - N. Sra. da Conceição séc.

XVIII – Origem Portuguesa 6.1.3 Crucificado Inserido no ciclo da Paixão de Cristo, a representação da crucificação de Jesus é uma das cenas mais freqüentes da Iconografia Cristã. Durante muito tempo essa representação foi evitada devido ao horror que tal suplicio causava aos romanos.

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A representação artística de Cristo na cruz só se deu quando, o imperador Teodósio Magno, aboliu definitivamente a crucificação como punição e assim não desencadeava mais associações negativas. Desde o século XI é colocado uma cruz no altar; e, no auge da Idade Média a planta arquitetônica das Igrejas em forma de cruz (nave central e transversal) é interpretada como a representação do crucificado. Segundo Ávila (1991) a representação do crucificado sobre a cruz sofre variações, podendo o braço apresentar-se rente ou perpendicular ao corpo, sendo a perpendicularidade dos braços, representação surgida no final da Idade Média, a posição que se firmou. Os pés também são encontrados em representações distintas: sobrepostos ou lado a lado.

FIGURA 44 - Cristo Crucificado – Final do Século XVIII -

Maranhão

FIGURA 45 - Cristo na Cruz - Diego Velásquez

Aproximadamente 1632 6.1.4 Santana Mestra A devoção a Santana teve início no oriente, quando no ano de 500 o imperador Justiniano mandou construir em Constantinopla um templo sob sua invocação. No ocidente, seu culto passou a ser reverenciado no século VIII, quando São Leão III mandou realizar na Basílica de São Pedro pinturas que narravam a história de Santana e São Joaquim. Entretanto, seu culto só foi regulamentado em 1584, pelo Papa Gregório XIII. Segundo ALVES (2005), o culto à mãe de Nossa Senhora foi trazido para o Brasil pela população que se transladou para a Colônia, pelas corporações que a Santana confiavam sua proteção, ou ainda pelos religiosos instalados nas capitanias brasileiras. Em Minas Gerais, o culto a Santana teve início com a chegada dos Bandeirantes, que traziam sua imagem em seus oratórios ambulantes e logo se instalou nas primeiras igrejas matrizes. Padroeira dos mineradores, sua imagem é associada à caridade e à cura de doenças. Seu culto foi amplamente disseminado e sua imagem dificilmente não será encontrada em igrejas, oratórios, capelas e outros locais de devoção. Geralmente é representada com o aspecto físico de uma senhora em idade madura, pelo fato de ter sido mãe bem mais velha, assentada em uma cadeira, em suas mãos um livro, onde ensina Nossa Senhora

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Menina, que se encontra ao seu lado, a ler (fig. 47). Esta representação, denominada Santana Mestra, pode variar ainda para Santana de pé com um livro nas mãos ladeada pela Virgem Menina (fig. 46). Segundo ÁVILA (1991) esta cena simboliza a transição do velho para o novo testamento. Outra representação é Santana Guia, muito comum no Nordeste Brasileiro, onde Santana encontra-se de pé trazendo a menina ao colo ou guiando-a pela mão (fig. 48).

FIGURA 46 - Santana Mestra

– Maranhão -séc. XVIII

FIGURA 47 - Santana Mestra – Bahia –

Final do séc. XVIII – Acervo Museu Mineiro

FIGURA 48 - Santana Guia - Igreja do

Bonfim - Salvador

6.1.5 São Joaquim Pai da Virgem Santíssima, pouco se sabe sobre sua vida, uma vez que não é citado na Bíblia, apenas em Evangelhos Apócrifos que relatam a Natividade de Nossa Senhora. Seu culto está relacionado ao de Santana. E, quase sempre é representado em companhia de Ana, sua esposa e de Nossa Senhora Menina. Iconograficamente é representado com barba longa, branca ou grisalha. Veste túnica curta e calça botas. Traz cajado curvo podendo ter pombas ao seu redor simbolizando o sacrifício de animais em oferenda a Deus ou, quando representado com vestes sacerdotais traz em suas mãos um cordeiro.

FIGURA 49 - São Joaquim

Veiga Vale - Séc. XIX

FIGURA 50- São Joaquim – Séc.

XVII –Caçapava -SP

FIGURA 51 - São Joaquim –

Acervo Capela Nossa Senhora da Soledade –Congonhas -MG

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6.1.6 São Caetano Figura importante entre os reformadores anteriores ao Concílio de Trento, Gaetano dei Conti de Tiene, nasceu em Veneza no ano de 1480. Estudou na Universidade de Pádua e recebeu cargo eclesiástico em Roma. Em 1516 foi ordenado, passando a integrar a Ordem dos Oratórios de São Jerônimo, onde se dedicava a cuidar dos doentes. Em 1523 juntamente com Giovanni Pietro Carafa, que se tornou Papa Paulo IV (1555-1559), Paulo Consigliere e Bonifácio da Calle fundou os Treatines, uma congregação de padre reformistas que assistiram a Reforma Católica. Quando Roma foi saqueada pelas tropas imperiais, em 1527, a sede da ordem mudou-se para Nápoles, onde São Caetano passou a maior parte da sua vida, vindo a falecer no ano de 1547. É representado com batina negra, sobre a qual usa a roquete branca e a estola, segurando um livro nas mãos ou com o menino Jesus em seus braços. Esta representação com o Menino Jesus faz alusão ao relato que o mesmo fez quando celebrou sua primeira missa na Basílica de Santa Maria de Maior, afirmando que Nossa Senhora lhe apareceu e lhe colocou nos braços o Menino Jesus (fig. 53).

FIGURA 52 – São Caetano

FIGURA 53 – São Caetano com o menino Jesus-

6.1.7 Menino Jesus Já no Antigo Testamento a vinda do “Prometido” que viria salvar a humanidade pecadora era relatada. Isaias anunciou em seus escritos, sete séculos antes da vinda de Cristo, que Ele nasceria de uma virgem. Durante os primeiros séculos da era cristã, muitos abordaram o Deus Menino como tema, como por exemplo, o Papa São Leão Magno, mas, foi durante a Idade Média que esta devoção se expandiu. Santa Tereza de Ávila introduziu esta devoção em seus conventos, que a partir daí se espalhou por todo o mundo. São João da Cruz, entusiasmava-se tanto com o mistério de um deus feito homem que levava a imagem do Menino Jesus em procissão durante o Natal. Margarida do Santíssimo Sacramento, carmelita do convento de Beaune, na França, fundou a Família do Menino Jesus, onde se celebrava a Santa Natividade nos dias 25 de cada mês.

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A devoção ao Menino Jesus insere-se no ciclo natalino onde a natividade é o tema principal, tendo o dia 25 de dezembro como data convencionada pela Igreja Católica.

FIGURA 54 - Menino Jesus – Igreja do Divino Espírito Santo – Recife - PE 6.1.8 Reis Magos Os Reis Magos ou Santos Reis eram, segundo o Evangelho de Mateus, “sábios do Oriente” que vieram adorar a Jesus em Belém. Representavam os reinos, os senhores da terra que simbolizando, segundo GIMENEZ (1958), as três únicas civilizações, os Semitas, Jafetitas e Camitas, se curvavam diante de Cristo a oferecer-lhe ouro, incenso e mirra, conforme o costume oriental, que simbolizavam a realeza, a divindade e a imortalidade do novo rei. Cada presente ofertado pelos Magos possuíam um significado simbólico que vinham confirmar o caráter de Jesus e a sua função na terra. Segundo o ritual, ouro era para um rei, o olibano ou incenso, para um religioso e a mirra para um profeta. Beda, cronista inglês que viveu entre 673 e 735 d.C foi quem deu aos magos nomes e locais de origem. Gaspar, rei da Índia; Melchior ou Belquior rei da Pérsia e Baltazar, rei da Arábia, que em hebraico significam respectivamente, “o branco”, “rei da luz”, “senhor dos tesouros”.

FIGURA 55 - Mosaico na igreja de Santo Apolinário Novo em Ravena – Itália – séc. VI

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Segundo alguns historiadores o rei mago Baltasar passou a ser representado como rei do Norte da África para atender ao projeto de evangelização e expansão do Cristianismo.

Ao associar a importante narrativa bíblica que busca relacionar o nascimento do Messias também aos povos gentis, simbolizados pelos reis magos, fortalecia-se no imaginário coletivo europeu a idéia de uma ancestralidade negra cristã, que funcionaria, inclusive, como uma estratégia de aproximação dentro do projeto de evangelização destes. A “salvação” também era destinada aos negros.

Tânia Pinto (2000)

A influência moura na Europa na alta Idade Média faz surgir a tradição do rei mago mouro. Entretanto, segundo SACHS (1969) a transformação de mouro para negro teria surgido em Colônia, na Alemanha, onde era mais forte o culto aos reis magos, e se expandido por toda Europa. Essa transformação teria ocorrido com a finalidade de garantir a expansão do Cristianismo. A cena da Adoração passa a ser representação do ideal cristão de atingir a todos os povos. Esta estratégia vem ser reforçada por textos datados da segunda metade do século XIV, que, de acordo com o mesmo autor, refere-se aos três Reis Magos como senhores de três Impérios – o norte da África, a Pérsia e a Arábia.

No Brasil, além da tradicional presença no presépio, encontramos a devoção ao rei mago negro, que nas Igrejas de Nossa Senhora do Rosário em Salvador e Recife é encontrado separado dos demais ocupando lugar no retábulo. Segundo COSTA (1969) sua festa é celebrada no dia 06 de janeiro e durante a mesma ocorre a cerimônia de coroação de reis africanos.

FIGURA 56 - Rei Mago Baltasar – Igreja do Rosário dos Pretos – Recife-PE

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O oratório em estudo apresenta uma tecnologia muito interessante. Ricamente decorado demonstra a delicadeza e a preocupação do artista com detalhes mínimos, porém de elevado simbolismo. A variedade de elementos orgânicos e inorgânicos utilizados em sua composição exige do conservador-restaurador um conhecimento mais aprofundado não apenas da tecnologia, mas principalmente das características apresentadas pelos materiais constituintes da obra em questão. Observações globais e pontuais através de exames organolépticos e da estratigrafia foram realizados para o reconhecimento das técnicas e materiais utilizados na constituição da obra. Análises complementares para a identificação dos materiais constituintes também foram realizados. Estas análises foram realizados em três laboratórios. No Laboratório de Ciência da Conservação do CECOR (LACICOR) foram realizados os exames para identificação de pigmento e aglutinante, fibras e cortes estratigráficos. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) ficou responsável pela identificação botânica. E o Laboratório de Química da UFMG realizou os exames de identificação mineralógica e dos metais. A documentação fotográfica a partir da utilização das luzes especiais e a radiografia foram realizada no Laboratório de Fotografia do CECOR. 7.1 Estrutura externa Composto por 13 blocos em Canela (ocotea sp) recortada e entalhada apresenta uma talha delicada com traços leves e de rara elegância e com ausência de verniz.

FIGURA 57 – Blocos constituintes da obra

7. TECNOLOGIA CONSTRUTIVA

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A base de formato trapezoidal é plana com dois recortes nos cantos frontais para encaixe dos pés, denominado engaste. Já os pés da parte de trás faziam parte dos blocos 5 e 6. A base fica recoberta pelos blocos frontais e laterais. Na parte posterior fica aparente e os blocos 8, 9 e 10 ficam sobre um recorte existente na mesma.

O topo apresenta curvatura nos dois sentidos, no longitudinal e no transversal, em bloco único, e assim como a base fica recoberta pelos blocos frontais e laterais, deixando a mostra apenas o recorte para o encaixe dos blocos 8,9 e 10. Para a junção dos blocos foram utilizados adesivos, encaixes em madeira e cravos que apresentam sinais de oxidação. O sistema de fixação foi confirmado através da radiografia.

FIGURA 58 – Detalhe sistema de encaixe

A classificação da madeira foi definida através de exames macroscópicos e microscópicos da anatomia do lenho no IPT. Para a identificação da madeira foi retirada da obra uma amostra de 0,5 cm3 da base do oratório, por ser o local menos visível na obra.

FIGURA 59 – Remoção da amostra

FIGURA 60 – Remoção da amostra

Apresenta marcas de instrumento que ficam evidentes no verso e na base do oratório produzidas por goiva e formão. 7.2 Policromia e Douramento Para a realização do exame estratigráfico foram escolhidos locais pouco evidentes e que apresentavam algum tipo de degradação, porém que oferecesse as condições necessárias para a realização de uma

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analise objetiva. Este exame foi realizado com o auxilio de uma lupa binocular e do microscópio estereoscópio. Os cortes estratigráficos trouxeram informações que em alguns casos apresentaram divergências em relação ao exame estratigrafico. Alterações sofridas por pigmentos e ou oxidação do verniz apresentaram no exame estratigráfico cores que em nada condiziam com as reveladas no corte estratigráfico.

FIGURA 61 – Mapeamento da remoção das amostras FIGURA 62 – Mapeamento da remoção das amostras

FIGURA 63 – Mapeamento da remoção das amostras

7.3 Policromia Externa 7.3.1 Topo No topo do oratório, encontramos sobre a base de preparação três camadas pictóricas: a primeira vermelha e sobre esta uma camada azul e outra marrom, como está demonstrado na imagem referente ao exame estratigráfico. Para nossa surpresa, o corte estratigráfico (1977T) revelou que a camada marrom é na verdade uma fina camada verde escura.

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Marrom

Azul

Vermelho

Base de Preparação

Madeira

FIGURA 64 – Estratigrafia do topo do oratório FIGURA 65 – Corte estratigráfico - topo do oratório, 20X Através da identificação dos pigmentos e aglutinantes, descobrimos que a técnica utilizada foi a tempera em aglutinante protéico e o pigmento azul da Prússia o que nos leva a crer que esta camada escura seja resultado de um processo de degradação deste pigmento. Outra hipótese é que esta camada verde escura seja um verniz oxidado. Porém esta hipótese causa um certo estranhamento por se tratar de verniz sobre uma tempera, algo incomum uma vez que esta técnica é utilizada com a finalidade de apresentar um acabamento fosco. 7.3.2 Estruturas Frontais e Laterais A parte externa do oratório apresenta camada pictórica na cor verde e, segundo a identificação do pigmento, se trata de resinato de cobre, que se encontra escurecida, recobrindo a maior parte da peça. Este fenômeno pode estar associado a uma combinação de fatores de degradação como poluentes, temperatura, umidade e iluminação, sendo a ultima o fator mais provável, segundo pesquisa desenvolvida pelo Departamento de Ciências Ambientais e Territoriais da Universidade de Milão Bicocca na Itália.

Verde

Base de Preparação

Madeira

FIGURA 66 – Estratigrafia da estrutura externa FIGURA 67 – Corte estratigráfico da estrutura externa. 20X 7.3.3 Revestimento Interno A parte interna é revestida na cor verde com a técnica da tempera protéica, que pode ser caseína ou outro aglutinante protéico, exceto a ovo, que segundo a comparação dos gráficos obtidos no exame de Espectrometria no Infravermelho por Transformada de Fourier - FTIR, mostraram-se completamente distintos.

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A tempera foi aplicada diretamente sobre a madeira sem base de preparação e os pigmentos utilizados foram a Malaquita (1971T) na pintura verde clara que reveste internamente o oratório e hematita (1970T) na pintura das flores de malabar, com contorno em branco de chumbo (1973T) e folhagem em azul da Prússia (1972T). A identificação dos pigmentos se deu através da Espectrometria no Infra-Vermelho por Transformada de Fourier (FTIR). Já o branco de chumbo, foi identificado através de testes microquimicos e microscopia de luz polarizada (MLP), onde através da incidência da luz transmitida a amostra revela-se com coloração escura e a confirmação foi dada através do FTIR.

FIGURA 68 – Dispersão do pigmento verde vista através

do MLP, 10X

FIGURA 69 – Dispersão do pigmento vermelho vista

através do MLP, 10X

FIGURA 70 – Dispersão do pigmento branco, vista no

MLP com incidência da luz transmitida, 10X

FIGURA 71 – Dispersão do pigmento azul vista através

doMLP, 10X 7.3.4 Colunas com Douramento Através do exame estratigráfico realizado nas colunas com douramento (1978T) acreditávamos que a folha de ouro havia sido aplicada diretamente sobre a base de preparação, dispensando o uso do bolo armênio. Porém após a realização do corte estratigráfico chegamos a conclusão que nas colunas existe um bolo na cor rosa muito claro, quase branco, que ao exame estratigráfico ficava imperceptível, pois o mesmo chega a ser confundido com a base de preparação. Douramento

Base de Preparação

Madeira

FIGURA 72 – Estratigrafia da coluna com douramento FIGURA 73 – Corte estratigráfico da coluna com

douramento , 20x

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7.3.5 Colunas Salomonicas As colunas salomonicas (1974T) são revestidas em vermelho tendo como pigmento a hematita aglutinada em óleo. Abaixo desta camada há presença de folha de ouro aplicada sobre uma fina base de preparação na cor branca sem utilização de bolo.

Vermelho

Folha de ouro

Base de Preparação

Madeira

FIGURA 74 – Estratigrafia da coluna Salomônica FIGURA 75 – Corte estratigráfico da coluna Salomônica Nas duas colunas salomonicas laterais (1980T) além da presença da folha de ouro, encontramos também folha de prata o que não acontece nas frontais. Porém no corte a imagem da folha de prata ficou quase imperceptível que devido à dificuldade de remoção da amostra precisou ser montado separadamente. Este exigiu uma análise mais detalhada no microscópio de luz polarizada até chegarmos a conclusão que realmente existia folha de prata.

Vermelho

Folha de Prata

Folha de Ouro

Base de Preparação

Madeira

FIGURA 76 – Estratigrafia da coluna Salomônica Lateral FIGURA 77 – Corte estratigráfico da coluna Salomônica Lateral, 20X

7.4 Vidros Os vidros apresentam marcas que nos leva a perceber a tecnologia empregada em sua composição. Delicadas marcações em arco, e pequenas irregularidades demonstram a produção artesanal realizada pelo sistema de centrifugação, processo descrito no capítulo dedicado à tecnologia dos materiais. Outro ponto que merece ser destacado é o corte destes vidros de forma totalmente irregulares, visivelmente manuais. Por ser artesanal, não foi possível determinar a composição química do vidro. Segundo o Sr. Remy Dufrayer, Engenheiro de aplicação da Companhia Brasileira de Cristais - CEBRACE, os exames que permitiriam a identificação dos materiais constituintes não são realizados no Brasil. Apenas o laboratório da Saint Gobain, localizado na França realiza este tipo de análise.

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FIGURA 78 – Marcas da técnica construtiva do vidro

FIGURA 79 – Corte manual do vidro

A identificação da composição química do vidro, bem como de outros materiais presentes na obra, se faz necessário para a detecção de possíveis fatores de degradação, que se manifestam de acordo com a composição química apresentada pelo material.

O sistema de fixação dos vidros apresentam uma técnica peculiar. Um recorte nas madeiras da base e teto do presépio servem como um sulco para o encaixe inferior e na parte superior os vidros são fixados por cunhas de madeira e reforçado por pontos de cera.

FIGURA 80 - Sistema de fixação do vidro

Um filme contorna as bordas das faces externas dos vidros, provavelmente pode ser algum tipo de adesivo aplicado em toda extremidade frontal fazendo com que o mesmo ficasse aderido à madeira. Aparentemente este filme é constituído por material orgânico, uma cola animal ou cera. 7.5 Ornamentação Interna Aparentemente as flores e os elementos naturais encontrados no interior do oratório são originais, principalmente se levarmos em consideração pequenos detalhes observados, como por exemplo, a cera

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utilizada para a fixação apresentar as mesmas características que as encontradas nos outros elementos como os vidros. Porém nada pode ser afirmado sobre o assunto, uma vez que necessitaríamos de um estudo mais aprofundado sobre as características das obras de Bernardo de Souza. Bem como a possibilidade de intervenções posteriores. Os tecidos e papeis utilizados para esta ornamentação foram engomados e boleados, permitindo que o artista pudesse dar formas mais próximas do real as pétalas das flores e das folhas. A presença da goma ficou evidente através de análises microscópicas e sua confirmação se deu durante a preparação da dispersão para análise das fibras.

FIGURA 81 – Flores que compõem a ornamentação

interna do oratório

FIGURA 82 - Folhas que compõem a ornamentação

interna do oratório As flores e os miolos são presos ao caule por uma linha de algodão que dá varias voltas em torno do caule de papel fixando-os. O mesmo sistema é empregado na fixação das folhas. Nos miolos, um pequeno feixe de fibras é amarrado ao meio por uma linha que atravessa tecido.

FIGURA 83 - Detalhe da fixação das flores ao caule

A principio acreditávamos que o caule das flores era composto por um fino arame, pois estes caules ficaram opacos na radiografia. Porém, em uma análise mais detalhada percebemos que se tratava apenas de papel enrolado. O fato de ter se apresentado de forma opaca na radiografia é devido ao branco de chumbo utilizado como carga na constituição do papel. A mesma tecnologia foi empregada no cajado de São Joaquim, distinguindo-se das folhas apenas pelo tipo de papel utilizado. Através da montagem de dispersão e analise microscópica das fibras que compõem o tecido da flor ficou evidente que se trata de algodão. O mesmo resultado se aplica as outras fibras analisadas. Comparadas com a referencia do algodão as dispersões apresentaram as mesmas características encontradas na referencia,

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não deixando nenhuma dúvida sobre sua composição. E, estes resultados podem ser verificados nas imagens abaixo apresentadas.

FIGURA 84 – Referência da fibra do algodão

FIGURA 85 – Dispersão da fibra do tecido da flor

MLP , 10X

FIGURA 86 - Dispersão da fibra do caule da flor

MLP, 10X

FIGURA 87 - Dispersão da fibra do miolo da flor

MLP, 10X

FIGURA 88 – Dispersão da fibra da flor branca – MLP , 10 X

Dos animais que compõem o presépio, o galo e os dois pequenos pássaros, não conseguimos identificar o material utilizado, principalmente do galo que se encontra muito fragilizado. Como a única forma de identificação seria através de uma análise destrutiva com a remoção de micro-amostra, não seria conveniente a realização deste exame.

FIGURA 89 – Foto ampliada do galo pertencente ao Presépio

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Já os pássaros, são em material macio semelhante a isopor, recoberto por uma camada de branco de chumbo. Tendo como referencia um fragmento de isopor (fig. 92), comparamos com o material retirado de um dos pássaros. Através de exame microscópico ficou evidente que não se tratava do mesmo material, uma

vez que as propriedades ópticas apresentadas são distintas.

FIGURA 90 – Foto ampliada do pássaro FIGURA 91- Foto ampliada da

Microamostra removida do pássaro

FIGURA 92 - Foto ampliada da

amostra do isopor A serpente apresenta uma tecnologia construtiva muito interessante, demonstrando a preocupação do artista com pequenos detalhes. Sua estrutura em cera é coberta por um tecido muito fino, semelhante a um filó, que dá a peça uma textura escamosa, que recebeu uma camada de policromia. Para a representação dos olhos uma pequena semente foi utilizada como pode ser observado na foto abaixo.

FIGURA 93 – Detalhe ampliado da cobra

FIGURA 94 – Detalhe ampliado do olho da cobra

7.6 Imaginária Para a identificação do mineral constituinte das imagens foi realizada a difração de Raio X que segundo os dados apresentados as mesmas são formadas por talco e ensteatita, um silicato de magnésio e ferro, confirmando que o material pétreo se trata de esteatita, um tipo de pedra sabão com alta concentração do mineral talco.

É comum encontrarmos textos e citações afirmando que as imagens em esteatita com alto grau de pureza, encontradas nos oratórios, são provenientes da Bahia. Entretanto, as imagens baianas confeccionadas com este material são de maior tamanho, em pequenas quantidades e as peanhas são profusamente entalhadas. Além disso, estes tipos de imagem, segundo Paulo Afonso Carvalho, nunca vão aparecer agrupados dentro de oratórios como em Minas.

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Desta forma, levando em consideração que a região de Ouro Preto, em Minas Gerais é tida como tradicional distrito de produção do talco da região do Quadrilátero Ferrífero (SILVA 2003) e que desde o período colonial este mineral é utilizado para a realização de esculturas e peças para ornamentação podemos supor que estas imagens podem ter sido confeccionadas na região ou localidades próximas ao lugar onde o oratório em estudo foi feito. Ao analisarmos algumas esculturas em pedra no microscópio estereoscópio, foi possível identificar a presença de marcas de instrumentos, como pode ser verificado nas fotos abaixo realizadas com um aumento de 60X. Através delas foi possível identificar os instrumentos utilizados pelo escultor para a confecção das imagens.

FIGURA 95 – Marcas de utilização do buril chato nas

imagens em pedra

FIGURA 96 - Marcas de utilização do ponteio nas imagens em pedra

Tomando como referencia a imagem publicada no livro O Trabalho dos Escultores, podemos afirmar que foram utilizados o buril chato e o gradim, porém em algumas áreas foram verificadas também marcas de formão. Nos rostos não foi possível identificar nenhuma marca de instrumento pois os mesmos foram polidos.

FIGURA 97 – Instrumentos para esculpir em pedra e marcas deixadas pelos mesmos

As imagens que compõem a representação do calvário e os santos de devoção são todas esculpidas de corpo inteiro e fixadas a base por colagem, exceto a Imaculada Conceição que possui um pino na nuvem para fixa-la a peanha.

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FIGURA 98 – Blocos que compõem a imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição

Todas as imagens são em bloco único, exceto a do crucificado que é composta por 3 blocos, os braços e o bloco principal que compreende todo corpo. Estes blocos são fixados por pequenos pinos de madeira e reforçado pela colocação de um adesivo. Este adesivo é resultado de uma intervenção recente, pois o mesmo foi encontrado nas áreas de quebra da imagem do Cristo.

FIGURA 99 – Blocos que compõem a imagem do

Crucificado

FIGURA 100 – Detalhe do adesivo utilizado na fixação do bloco

Na parte de trás da imagem, encontramos um orifício para fixação da mesma a cruz e nas mãos, pequenas esferas colocadas sobre uma circunferência pintadas de marrom, sugerem os cravos.

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FIGURA 101 – Orifício para fixação do Crucificado à cruz

FIGURA 102 – Detalhe da representação dos cravos

A imagem do crucificado fica presa a uma cruz longa composta por dois blocos e com um pino para fixação da imagem. Na parte superior uma pequena placa em pedra com a inscrição INRI pintada, sobre a qual uma fina camada de verniz que se encontra amarelado. No verso da cruz, encontramos resquícios de tinta nas cores branca e azul e na parte inferior, a ausência de policromia na extremidade nos leva a crer que existia uma base, o que podemos supor que esta cruz não pertence originalmente a este oratório. Esta suposição é reforçada pela ausência de pino no verso da cruz para fixa-la ao tampo do oratório, que apresenta um orifício provavelmente com esta finalidade.

FIGURA 103 – Cruz com detalhe ampliado do sistema de encaixe dos blocos

No plano onde se encontram os santos de devoção, todas as imagens são esculpidas de corpo inteiro em bloco único, exceto Santana, que é confeccionada em dois blocos um que compreende Santana e Nossa Senhora Menina e o outro, o encosto da cadeira. As imagens do Presépio são esculpidas em meio corpo, ou seja, até a altura do joelho, exceto o Menino Jesus e coladas diretamente sobre a base do oratório (fig.104),. Na parte de trás das imagens a representação das vestes é menos detalhada sugerindo apenas um manto reto ou com sutis drapeados (fig.105).

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FIGURA 104 – Detalhe fixação das imagens do Presépio FIGURA 105 – Detalhe representação das vestes Todas as imagens deste plano são em bloco único, exceto um Rei Mago (fig. 106), que se encontra ao lado de Nossa Senhora, que é composto por dois blocos. Apesar de policromado dá para ver claramente a marca da secção feita na pedra. A presença dos dois blocos foi confirmada através da observação da radiografia.

FIGURA 106 – Blocos que compõem a imagem do Rei Mago

FIGURA 107 – Radiografia com secção dos blocos

As imagens relativas aos santos apresentam pequenos detalhes pintados, como cabelos, sapatos e golas, com douramento nas bordas das vestes (fig. 108). Segundo a análise realizada a folha de ouro foi aplicada diretamente sobre a pedra (fig. 109).

FIGURA 108- Detalhe ampliado do douramento

FIGURA 109 – Douramento aplicado diretamente sobre a pedra

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7.7 Metais Segundo os exames de difração de raio X realizados no Laboratório de Química da UFMG, as coroas e resplendores são em cobre revestidas por uma liga de ouro, prata e cobre e apresentam uma delicada decoração, recortada e estampada. Os pinos para colocação dos mesmos nas imagens são soldados as peças. A coroa que pertence a Nossa Senhora Menina (fig. 111) é em latão e não faz parte do conjunto original, é proveniente de uma intervenção posterior.

FIGURA 110 – Coroa de Nossa Senhora

FIGURA 111 – Coroa de Nossa Senhora Menina

FIGURA 112 - Resplendor de São José

FIGURA 113 – Resplendor do Crucificado

Os resplendores e coroas apresentam uma decoração distinta como pode ser evidenciado nas figuras 114, 115 e 116. É interessante notar os detalhes gravados na coroa em latão, tentando imitar a decoração semelhante às encontradas nos originais.

FIGURA 114 – Detalhe ornamentação

da coroa de Nossa Senhora FIGURA 115 – Detalhe ornamentação do

resplendor de São José FIGURA 116 – Detalhe

ornamentação da coroa de Nossa Senhora Menina

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Obras de arte compostas por variados tipos de objetos executados com materiais diversos e técnicas distintas, exigem do conservador/restaurador uma atenção especial, marcada pelo conhecimento das características constituintes, fatores e níveis de degradação que irão determinar procedimentos para a

conservação adequada as especificidades próprias de cada material. Neste capitulo apresentaremos um

breve histórico dos materiais constituintes da obra em estudo assim como alguns fatores de degradação dos mesmos que dentro da realidade em que a obra se encontra possam vir a ocorrer. 8.1 Madeira Por apresentar alta resistência mecânica e facilidade de obtenção, a madeira vem sendo amplamente utilizada desde a antiguidade até os dias atuais com diversos fins. Porém, este material apresenta algumas características que permitem transformações químicas e estruturas favoráveis aos mecanismos de degradação. Por ser um material higroscópico, todas as peças de madeira, estão sujeitas a movimentação mecânica que acaba por ocasionar alterações em sua estrutura. As variações volumétricas e dimensionais provocadas pelo ganho e perda de umidade provocam danos ao suporte, que vão do surgimento de fissuras e rachaduras a separação dos blocos, como ocorreu na obra em estudo. Segundo ROSADO (2004) a separação dos blocos ocorre devido à anisotropia da madeira, onde a tensão mecânica é potencializada nas áreas de união, sobretudo quando os blocos apresentam fibras em sentidos opostos apresentando conseqüentemente contração e dilatação em direções distintas. A camada pictórica também é afetada passando a apresentar desprendimentos e craqueles. ROSADO (2004) afirma que a brusca queda de umidade relativa do ambiente provoca a contração do suporte deslocando total ou parcialmente a base de preparação e a camada pictórica. Já a dilatação do suporte provocada pela absorção de umidade do ambiente imprime a camada pictórica uma força de tração que resulta na formação de craqueles. Os raios UV, emitidos pela luz natural e por alguns tipos de lâmpadas, atuam principalmente sobre a lignina provocando alterações na cor da madeira. Estas alterações na coloração da madeira também podem ser provocadas pela ação dos poluentes encontrados na atmosfera, porém com um agravante, a alteração da textura, principalmente se combinada a outros fatores de degradação como, por exemplo, a umidade, provocando empenamento, fissuras superficiais e desprendimento das fibras. O aumento da temperatura provoca transformações químicas e estruturais e elevados níveis de umidade facilitam a ação dos agentes biológicos causadores da deterioração da madeira, como os fungos e insetos xilófagos (isópteros e coleópteros). Porém, o ataque de insetos xilófagos é o fator de degradação mais comum e geralmente são responsáveis pelos maiores danos causados a madeira.

8. TECNOLOGIA DOS MATERIAIS

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O ataque de cupins além de ser o mais comum é também o que traz mais prejuízos aos objetos em madeira, pois se alimentam da celulose que compõe o material. Geralmente encontrados em regiões de clima quente os cupins de madeira seca se instalam e constroem suas colônias em madeiras com baixo teor de umidade. Já os cupins de madeira úmida atacam a madeira com alto teor de umidade e inicio de apodrecimento e seu ataque pode se estender a peças ainda não atacadas. Caracterizados como o tipo mais destrutivo os cupins de solo são geralmente encontrados em regiões de clima temperado e tropical. Como seu corpo não é revestido de quitina, necessita de elevada umidade relativa para sua sobrevivência e desenvolvimento. Na base da obra em estudo foram verificados alguns orifícios com pequena profundidade porém não havia evidência como excrementos ou insetos que indicassem um ataque. Dentre os vários tipos de fungos existentes na natureza, os principais responsáveis pela deterioração de madeiras são os fungos apodrecedores, os manchadores e os emboloradores. Que necessitam de condições ambientais como temperatura e umidade ideais para seu desenvolvimento e proliferação. Os fungos apodrecedores são responsáveis por diferentes tipos de podridão na madeira, dentre os quais os principais são a podridão branca, podridão parda e podridão mole. Na podridão branca o fungo destrói a celulose, hemicelulose e a lignina da madeira, fazendo com que a mesma perca progressivamente peso e resistência física e mecânica. A madeira afetada perde sua cor natural, tornando-se esbranquiçada devido a destruição dos pigmentos e linhas escurecidas na região afetada. Já na podridão parda o fungo age da mesma maneira que na podridão branca, destruindo a celulose e a hemicelulose, porém deixando a lignina praticamente intacta. A peça atacada apresenta coloração parda como se estivesse sido levemente queimada, além de rachaduras perpendiculares e ao longo das fibras, podendo ser facilmente rompida. Mais resistentes a utilização de preservativos na madeira, o fungo responsável pela podridão mole ataca a madeira de forma superficial criando condições para o ataque de outros fungos. A madeira úmida quando atacada se apresenta amolecida e quando seca se apresenta escurecida, podendo ser confundida com a podridão parda. No oratório, apesar das manchas encontradas na madeira, sobretudo do verso da obra, provavelmente foram produzidas pela umidade, não foram verificadas a presença de fungos apodrecedores. 8.2 Vidro Pouco se sabe sobre a origem do vidro, não se podendo atribuir sua descoberta a um povo ou época. Sabe-se apenas que sua utilização vem de longa data. O vidro em estado natural, ou seja, rochas vítreas formadas a partir de magma resfriado que não chegou a cristalizar, são encontradas na natureza desde os primórdios da humanidade. Este tipo de vidro era utilizado há aproximadamente 8000 anos a.C em utensílios domésticos, armas rudimentares para defesa e elementos decorativos. Segundo arqueólogos, a obsidiana foi a rocha vítrea mais utilizada pelo homem pré-histórico, podendo ser encontrada em antigas regiões vulcânicas dos atuais México, Canárias, Hungria e Islândia.

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Segundo MACFARLANE (2004), em 1500 a.C., artesãos egípcios já produziam vasos com o material. O autor afirma ainda que o primeiro manual de fabricação de vidro surgiu na Assíria por volta de 650 a.C. Entretanto, contas, adornos, amuletos e frascos de vidro manufaturado, encontrados através de escavações arqueológicas, nos levam a crer que sua utilização data aproximadamente do ano 4000 a.C. Por volta do ano 30 a.C. surge a cana de vidreiro permitindo a modelagem de peças através do sopro. Os romanos dominaram a técnica e a produção de vidro a sopro e disseminaram e popularizaram sua produção na Europa Ocidental com a expansão do Império Romano. Combinando a sua utilização com metais como o chumbo e ferro tornaram-se exímios artífices de vasos ornamentais e delicados mosaicos que muito contribuíram para o desenvolvimento da arte dos vitrais. E, por volta do ano 100 da era cristã, começaram a produzir e usar vidro relativamente plano para confeccionar janelas para as construções de famílias mais abastadas. A produção de placas de vidro surgiu no início da era cristã, despejando o vidro fundido sobre uma superfície metálica e o prensando com um bloco de madeira úmido. Mas o resultado não era perfeito: as placas eram pequenas e tinham espessura e superfície irregulares. Somente no século XI, começou a seu utilizado um processo conhecido como centrifugação para a confecção do vidro plano. Neste processo, um pouco de vidro fundido era colhido com a cana, e soprado originando uma grande bolha oca. Com a ajuda de um pontil, que era colocado no lado oposto àquele em que a cana estava presa, o vidro era quebrado criando uma abertura e fazendo com que a bolha ficasse presa só ao pontil. Em seguida o vidro era reaquecido e o pontil girado para que o vidro se espalhasse, originando uma placa relativamente uniforme. Em seguida, esta placa era colocada em um forno (“estendeira”) para obter maior superfície.

FIGURA 117 - Processo de produção de placas de vidro em 1800

FIGURA 118 – Processo de fabricação do vidro pelo processo

de centrifugação Durante a Idade Média, as influencias helenísticas e árabes, levaram ao aperfeiçoamento da fabricação e da qualidade do vidro, dando inicio ao processo de fabricação de vidros planos e coloridos, que vinculado à religiosidade marcaram presença na produção de vitrais nas catedrais góticas, manifestação de fé e técnica refinada. Na antiguidade, para a fabricação do vidro, era necessário areia, barrilha e calcário, sendo que barrilha é um material feito com sal marinho, gás carbônico e amônia, e calcário, um mineral. A mistura desses três

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componentes levadas a um ponto de fusão de aproximadamente 1550 graus, reage e forma uma massa transparente com consistência de melado, chamada vidro fundido que pode ser trabalhado e ao esfriar, endurece e forma o vidro propriamente dito. Apresentando como características a transparência, dureza, ausência de porosidade e de absorção, isolante térmico de baixa dilatação e condutividade térmica, o vidro é um produto inorgânico, homogêneo e amorfo, podendo ser resfriado sem formar cristais. 8.2.1 O Vidro no Brasil Colonial No Brasil, a produção de vidro teve início com as invasões holandesas no período entre 1624 e 1635, em Olinda e Recife (PE), onde a primeira oficina de vidro foi montada por quatro artesões que acompanharam o príncipe Maurício de Nassau. Esta oficina que produzia vidros para janelas, copos e frascos, foi fechada com a expulsão do holandeses. Só a partir de 1810, o vidro voltou a ser produzido no Brasil, quando o português Francisco Ignácio da Siqueira Nobre recebeu em 12 de janeiro daquele ano autorização para a instalação de uma indústria de vidro na Bahia. Produzindo vidros lisos, de cristal branco, frascos, garrafões e garrafas a indústria entrou em operação em 1812 e, em 1825, fechou em função das grandes dificuldades financeiras. Em 1839, é fundada no Rio de Janeiro a fábrica Nacional de Vidros São Roque, com fornos a candinhos, utilizando um processo de fabricação totalmente manual contando com mão de obra ítalo-brasileira. Em 1878, Francisco Antônio Esberard funda a fábrica de Vidros e Cristais do Brasil, que trabalhava com quatro grandes fornos e três menores, e com máquinas a vapor e elétrica. Fabricava vidros para lampiões, copos e artigos de mesa, importava máquinas da Europa para fabricar garrafas e frascos.O cristal produzido por esta empresa era comparado ao Bacarat, tamanha qualidade. No Brasil colonial, a utilização de Janelas com vidraças só aparecem entre os séculos XVII e XVIII e quase exclusivamente em construções “nobres”, igrejas e palácios, nas cidades mais prósperas e mais importantes ligadas à estrutura econômica e administrativa da colônia. No cenário simples, rústico e pobre da colônia, o que predominava eram as rótulas e os muxarabiês de origem mourisca, que por ordem régia foram lentamente substituídas por vidraças, uma vez que o vidro era escasso, caro e de difícil transporte até o interior da colônia em lombo de mula sem quebrá-lo. Também colaborava para essa dificuldade, a ausência de medidas políticas, econômicas e técnicas ligadas à produção do vidro plano pela metrópole e importação do mesmo para a colônia, além da escassez de mão de obra especializada como vidreiros e caixilheiros. 8.2.2 Fatores de degradação Durante a pesquisa entramos em contato com a CEBRACE onde fomos atendidas pelo Sr. Remy Dufrayer,

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engenheiro de aplicação desta empresa, que nos esclareceu algumas dúvidas acerca dos fatores de degradação do vidro. Estável, o vidro, geralmente é frágil a choques físicos e térmicos. Sua estabilidade é totalmente comprometida por mudanças bruscas de temperatura ou impactos mecânicos, que podem provocar desde pequenas trincas a perda total do objeto. O impacto mecânico é o risco mais comum ao qual o vidro está exposto, devido à fragilidade física deste material. Resultam geralmente do descuido durante o manuseio, limpeza do objeto ou do museu, transporte, acondicionamento e péssima localização, como por exemplo, proximidades com cortinas, com janelas por onde passam fortes correntes de vento, ou ainda, pela fragilidade do suporte onde se encontra exposto e grande fluxo de pessoas que pode acidentalmente esbarrar no objeto ou no suporte do mesmo provocando queda. Apesar de ser um material inerte, o vidro pode se degradar ou apresentar manchas em contato com elevado índice de umidade relativa. Este fenômeno, conhecido como exudação do vidro é mais comum em vidros antigos devido os materiais utilizados na sua composição. Manchas também podem ser provocadas pelo contato com o flúor e, a ação do acido fluorídrico é capaz de derreter o vidro. Feitos a partir do dióxido de silício, com fundentes como oxido de sódio, cálcio e potássio, estes vidros quando em contato com umidade relativa superior a 40%, convertem-se em hidróxidos solúveis que reagem com o dióxido de carbono presente no ar. Variações bruscas de umidade também podem ocasionar crestamento, que se caracteriza pelo surgimento de pequenas rachaduras na superfície e desvitrificação caracterizada pela opacidade do vidro. Durante o processo de produção o vidro adquire pequenas imperfeições na superfície que agem como pontos de tensão. Estes pontos desencadeiam imperfeições mais profundas e que ao longo dos anos tornam o vidro mais frágil. Estes pontos de tensão foram verificadas nos vidros do oratório, tornando evidente a necessidade de maior cuidado com os mesmos, uma vez que não existe uma maneira de evitar esta degradação, inerente ao seu processo de fabricação. 8.3 Pedra A pedra acompanha a historia do homem desde a antiguidade documentando através dos tempos, povos e costumes. Encontrada nos mais antigos monumentos como Dolmens e Menhires, assim como em utensílios, ferramentas e estatuetas pré-históricas como a virgem de Willedorf. No Brasil, a pedra, desde o período colonial é muito utilizada na produção de esculturas, peças de ornamentação e monumentos históricos. Em Minas Gerais predomina a utilização do esteatito (pedra-sabão), por permitir entalhes finos e delicados. Esta característica se dá por estas rochas constituir-se principalmente de talco, mineral que apresenta baixa dureza na escala mineralógica de MOHS.

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O mineral talco é um filossilicato de magnésio hidratado pertencente ao grupo das cloritas, e apresenta como fórmula estrutural Mg6(Si8O20)(OH)4 ou Mg3Si4O10(OH)2. É um mineral monocíclico, raramente cristalizado, apresenta uma estrutura lamelar fibrosa ou compacta, baixa dureza (1 na Escala de Mohs), clivagem perfeita em uma direção, translúcido, com densidade em torno de 2,7g/cm3. Apresenta como propriedades alta resistência ao choque térmico, leveza, baixo teor de umidade, alto poder de absorção de substâncias oleosas, principalmente líquidas, baixa condutividade térmica e elétrica, além de inércia química. Em condições normais, sua cor permanece inalterável ao tempo. Entretanto, estas características imprimem aos esteatitos (pedra-sabão) alterações do relevo, quebras, riscos e fissuras que podem ser de forma milimétrica ou em maiores proporções, e que se apresentam de forma individual ou sistemas de fissuras provocadas por causas naturais ou de construção. Além das fissuras, que podem ser provocadas pela constante dilatação e contração dos materiais pétreos, a ação química de agentes poluentes, que depositados na superfície da obra ou objeto vão se acumulando e dão origem a uma degradação conhecida como crosta negra. Essa escura e espessa camada de impurezas ambientais penetram nas fissuras e poros da pedra, tornando-se com o tempo uma camada rígida que pode destacar-se trazendo consigo o material pétreo. A biodegradação é outro fator de risco para estes materiais. Na obra em estudo o único risco aparente de biodegradação seria provocado pela presença dos liquens, que produzem o acido oxálico que reage com a pedra originando uma camada muito resistente e de difícil limpeza. Como já foi citado no capitulo referente ao estado de conservação, mancha escurecidas foram evidenciadas nas três imagens que ficavam em contato com o líquen. Este risco hoje inexiste, uma vez que liquens dissecados não oferecem nenhuma possibilidade de dano as pedras. 8.4 Tecido A fiação e a tecelagem são uma das mais antigas formas de trabalho humano e sua evolução está diretamente relacionada à evolução das sociedades. Fragmentos têxteis datados de aproximadamente 10.000 anos, foram encontrados em escavações arqueológicas. O linho, o cânhamo e o algodão documentam a passagem das culturas humanas do estado nômade para o estado sedentário e agricultor, onde o homem passa a cultivar, plantar e colher vegetação capaz de ser transformada em fibras fiáveis, fazendo surgir os tecidos de fibras vegetais nas planícies férteis do Nilo e da Índia, além das fibras de origem animal, como a lã e a seda. Porém, por serem frágeis e facilmente putrescíveis poucos são os objetos têxteis pré-históricos encontrados.

O tecido é um corpo têxtil laminar flexível produzido pelo cruzamento de dois sistemas de fios um longitudinal, disposto paralelamente e a mesma distancia, denominado urdidura e outro transversal, que se

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entrelaça a urdidura, chamado trama. Os componentes têxteis de um tecido pertencem geralmente a três categorias: animais como a seda e a lã; vegetais, formado pelo algodão, linho e o rami; e sintético, como viscose, rayon, nylon e poliéster. Por possuírem matéria prima de natureza orgânica, os tecidos produzidos com fibras animais ou vegetais, são extremamente frágeis e se deterioram com facilidade, sendo este processo acelerado pelas condições ambientais aos quais o têxtil é submetido. Por isso, devem ser mantidos sob condições estáveis de temperatura, umidade relativa do ar e iluminação. Mais do que um problema estético, a poeira e o deposito de particulados provenientes da poluição atmosférica ocasionam reações químicas que afetam diretamente a estrutura dos têxteis. Facilmente absorvida por estes materiais, a poeira, muitas vezes ácida, retém umidade e em alguns casos provocam cortes na fibra. Elevados níveis de umidade relativa podem provocar degradações que vão de manchas ao apodrecimento das fibras. Manchas também podem ser causadas pela ação de fungos e bactérias. Já as radiações infravermelha e ultravioleta provocam o enfraquecimento das fibras e alterações das cores, deixando os têxteis desbotados e fragilizados podendo sofrer rupturas com facilidade. 8.5 Papel Segundo alguns autores a origem do papel data do ano 105 ªC.e, acredita-se que seu inventor foi Ts’ai Lun, um alto funcionário da corte do imperador Chien-Ch'u, da dinastia Han, que produziu uma substancia composta por fibras da casca da amoreira, restos de roupas e cânhamo. Esta mistura produzia uma pasta que colocada sobre uma peneira e exposta ao sol formava após a secagem uma folha de papel. Esta afirmação provém de achados arqueológicos encontrados nos arredores da cidade de Hulam, na China.

O principio básico da fabricação do papel, foi mantido em segredo pelos chineses durante quase 600 anos, entretanto, com a captura de artesãos chineses pelos árabes, ocorre a transferência deste conhecimento, cuja manufatura artesanal acompanhou a expansão muçulmana ao longo da costa norte da África até a Península Ibérica. Só a partir do ano 1150, com a quando a fabricação de papel se instalou em Fabriano, na Itália e que sua produção se disseminou por toda Europa. Fibras de linho e algodão foram utilizados como matéria-prima na produção do papel ate o inicio do século XIX, conferindo ao papel excelente textura e alta durabilidade, características superiores as da celulose. Com o desenvolvimento e a forte concorrência entre as industrias de papel e têxteis, a obtenção das fibras para a produção de papel ficou cada vez mais difícil e economicamente mais caras. Estas dificuldades levou a busca de novas alternativas de matérias-primas. Em 1719, ao observar que vespas mastigavam madeira podre e empregavam a pasta resultante na construção dos seus ninhos, que após a secagem ficava

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semelhante ao papel, um francês chamado Reamur, percebeu que a madeira poderia ser um material alternativo para a produção do papel. Apesar de Reamur ter sugerido a utilização da madeira em substituição das fibras de linho e algodão no século XVIII, só em 1850 foi desenvolvida uma maquina para moer a madeira e transforma-la em fibras que eram separadas e transformadas em “pasta mecânica” de celulose. Em 1854, surge na Inglaterra o processo de produção de pasta celulósica através de tratamento com produtos químicos, denominado “pasta química”. Apesar da mecanização da industria, o processo de produção do papel manteve os processos tradicionais porem, suas propriedades variam consideravelmente de um tipo para outro, sendo determinadas pelo comprimento da fibra que forma a pasta, pela qualidade do material interfibrilar e pela estrutura e formação das lâminas. Degradação do papel associado à umidade e temperatura são muito comuns, independentes do tipo de fibra. A higroscopicidade, característica comum ao papel, associada à umidade, provoca dilatações e contrações bruscas que levam ao rompimento da estrutura do papel. Alem destas constantes movimentações, o papel também esta sujeito a ação de agentes biológicos como fungos, bactérias e insetos, favorecidos pela variação de umidade e temperatura que proporcionam um ambiente adequado a sua disseminação. A fotodegradação, provocada pela ação da luz, seja natural ou artificial, e responsável pelo rompimento da estrutura da fibra do papel provocando o envelhecimento precoce ou acelerado do mesmo. Este envelhecimento apresenta-se de duas formas distintas. A primeira é uma ação clareadora que causa o desbotamento ou escurecimento e a segunda apresenta-se como uma acelerada degradação da lignina, presente em papeis constituídos de fibra de madeira, tornando-a progressivamente escura. Levando em consideração que a luz natural emite os três tipos de radiação acima citados, as lâmpadas comuns emitem grande quantidade de calor e as fluorescentes são ricas em radiação ultravioleta, a fotodegradação torna-se quase inevitável, devendo-se evitar a incidência direta destas radiações como forma de proteção. A poluição atmosférica trás grande contribuição para a deterioração deste tipo de material. O deposito e acumulo de poeiras e resíduos de gases tóxicos emitidos por automóveis e industrias provocam reações químicas que aceleram a degradação. Partículas de substancias diversas como terra e microorganismos que ao se depositarem na superfície do papel são absorvidas por meio de ligações químicas provocando uma ação extremamente destrutiva que vai alem das sujidades e abrasões superficiais, atuando no interior das fibras tornando-as frágeis e quebradiças. Outra ação devastadora e provocada pelo dióxido de enxofre, que, lançado na atmosfera pela queima de combustíveis, combinado com o oxigênio, transforma-se em trióxido de enxofre, que ao entrar em contato

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com a água seja do ar ou do papel, origina o acido sulfúrico, que alem de provocar manchas e escurecimento do papel compromete a resistência do mesmo. O papel e extremamente vulnerável a ação de microorganismos, uma vez que a celulose e seu principal constituinte. Esta ação e evidenciada pelo aparecimento de marcas variadas resultantes da degradação da celulose e da cola, alterando as características físicas e químicas do suporte, que passa a apresentar um aspecto fragmentado. No caso especifico do algodão, fibra constituinte dos tecidos e papeis analisados, se exposto a uma

prolongada ação da umidade, sobretudo se combinada com uma temperatura em torno de 25 a 30°C,

favorecem o desenvolvimento de microorganismos e bolores que provocam o amarelecimento e enfraquecimento da resistência de suas fibras. 8.6 Metais Quase sempre encontrados na natureza sob a forma de compostos, exceto os qualificados como nobres, os metais podem ser caracterizados como uma combinação com um ou mais elementos não-metalicos, sendo denominado minério. Na antiguidade, apenas sete metais eram conhecidos e destes, cinco (ouro, prata, cobre, ferro e mercúrio) eram encontrados em seus estados naturais. Entretanto, a ocorrência destes metais não era abundante apenas o ouro e o cobre eram fartamente utilizados. Por ser um dos poucos metais que ocorre na natureza em estado puro, o cobre, foi o primeiro metal usado pelo homem. A simplicidade de seu tratamento metalúrgico permitiu uma elevada produção nas mais antigas civilizações e sua utilização data de aproximadamente 10.000 anos. Em escavações arqueológicas realizadas onde atualmente é o norte do Iraque foi encontrado um colar de cobre de 8.700 a.C. Na antiguidade era considerado um metal precioso, embora de valor inferior ao ouro e a prata, porém ao longo dos séculos sofreu progressivas desvalorizações, sendo o seu uso associado a telefonia e a eletricidade no inicio do século XX por possuir excelentes propriedades elétricas. Por serem metais nobres, que permitem maior exposição à atmosfera sem alteração, ou seja, não corrosivos e apresentar uma maleabilidade que permite a confecção de folhas muito finas (aproximadamente 0.000005 polegadas) o ouro e a prata foram muito utilizados com finalidades artísticas decorativas. O latão é uma ligas metálicas de cobre e zinco sendo este último encontrado em porcentagens que vai de 3 a 45%. Em alguns casos podemos encontrar a presença de Alumínio, Chumbo, Sn ou As em pequenas quantidades com a função de potenciar algumas características da liga conforme a utilização a que se destina.

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8.6.1 Degradações dos Metais Durante o processo de extração e refino do minério para a extração do metal ou metais nele presente, uma quantidade de energia e adicionada. Esta mesma energia é capaz de reverter o metal a sua forma primitiva de composto mais estável, ou seja, quando um metal entra em contato com o ambiente revertendo-se ao se estado original. A esta ação, chamamos corrosão. Portanto, a corrosão pode ser definida como uma ação química ou eletroquímica que altera a natureza das substancias existente em um material metálico. Dentre as muitas formas de corrosão, as mais freqüentes são a corrosão por ação direta, que ocorre quando o metal está diretamente em contato com substâncias que o atacam. A corrosão química, que ocorre quando o metal reage com um meio não iônico, como por exemplo, a oxidação provocada pelo contato com o ar ou com altas temperaturas. Corrosão biológica, provocada pela ação de microorganismos e a corrosão galvânica provocada pela exposição do metal presença e ação de água e de umidade. As coroas e resplendores que compõem a obra em estudo estão mais susceptíveis a ação da corrosão galvânica, uma vez que são constituídos por cobre e revestida com uma liga de ouro, prata e cobre. Por estes metais apresentarem diferenças de potencial e estarem em permanente contato a corrosão é inevitável. Para a avaliação dos danos causados pela corrosão torna-se necessário um estudo das ocorrências do ponto de vista morfológico. As tipologias mais freqüentes podem acontecer de maneira uniforme, em placas, seletiva e puntiformes. Na corrosão uniforme o ataque ocorre de forma homogênea em toda superfície metálica provocando a redução da espessura do metal. É a forma menos agressiva de corrosão e de fácil acompanhamento do desgaste provocado. Já a corrosão em placas atinge algumas áreas da superfície metálica. Quando um metal ou liga não possui uma formação homogênea, ou seja, há uma grande diferença entre os elementos que compõem o metal ou liga, certas partes são mais atacadas que as outras. A este tipo de ataque dá-se o nome de corrosão seletiva. A corrosão puntiforme é extremamente localizada e caracteriza-se pelo aparecimento de pequenas depressões sobre a superfície metálica. Este tipo de corrosão é observado sobre superfícies com pouca ou nenhuma corrosão generalizada. Outros indícios de corrosão são mudanças de cor, ou seja, apresentam cores especificas para produtos de corrosão específicos e mudança de textura com a formação de pós, crostas e escamações que se destacam. O cobre e ligas são resistentes a corrosão, porém, quando em contato com elevado índice de poluição atmosférica decorrente de produtos de combustão ou quando exposto à ação do oxigênio e da umidade sofrem reação originando diferentes produtos de corrosão que são identificados pela coloração que

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apresentam, como por exemplo, a formação de azinhavre, camada verde originada a partir de uma mistura tóxica de hidróxido de cobre e carbonato de cobre, resultantes da exposição deste metal à umidade. Os indícios de degradação do cobre estão evidentes em todos os resplendores e coroas, onde é possível verificar até mesmo pelo exame organoleptico a presença de camadas nas cores verde e azul, demonstrando a constante ação dos poluentes atmosféricos, combinados com a umidade, mesmo dos materiais que se encontram no interior do oratório. Os produtos resultantes da reação do cobre a diferentes ambientes podem apresentar ainda as seguintes colorações: Marrom, resultante da formação do oxido de cobre; preto do sulfeto de cobre; verde ou azul do sulfato de cobre e verde muito pálido ou branco do cloreto de cobre. Segundo OLIVEIRA (2002) se algum objeto apresentar áreas de corrosão negra nas proximidades das áreas de corrosão verde, deve-se verificar se existem pequenos orifícios na área verde, decorrentes da ação do sulfeto. Em alguns casos pode ocorrer o inverso. Esta ação pode levar a detectar níveis mais severos de corrosão. Outros tipos de degradações muito comuns em metais são a erosão, caracterizada pelo desgaste da camada superficial provocada por atrito,ação do homem ou de animais, expondo o metal à corrosão e a fratura devido ao stress da corrosão (stress corrosion cracking) provocado pela fadiga do material exposto a dobras e pressão, que exposto à ação do meio ambiente passa a sofrer os efeitos da corrosão. A fratura foi verificada nas peças de metal pela quebra dos pinos de fixação da coroas e resplendores, provavelmente provocada por algum tipo de pressão na colocação e remoção dos mesmos nas imagens. Para a colocação do resplendor do Crucificado, foi improvisada uma dobra no mesmo, provavelmente proveniente de uma intervenção posterior, para que ficasse preso a uma pequena fenda na cruz. Esta ação poderá ocasionar os mesmos danos já provocados nos outros que se encontravam quebrados, sendo necessário evitar remoções e colocações desnecessárias. Segundo BRADLEY (1994) é possível retardar a corrosão dos metais e as implicações a ele relacionadas através do controle das condições ambientais como estabilização da temperatura e umidade, uma vez que estes se caracterizam como fatores que aceleram as reações corrosivas. Destaca ainda a necessidade da eliminação de gases corrosivos através da utilização de filtros e materiais adsorventes. 8.7 Pigmentos De origem natural ou artificial, o pigmento é segundo SOUZA (1996) um sólido orgânico ou inorgânico finamente dividido, constituído de partículas microscópicas, coloridas, insolúveis no veículo dispersante (aglutinante), com o qual forma a tinta. Sob a ação intensa da iluminação, com grandes quantidades de UV, alguns pigmentos podem apresentar degradações que vão de ligeiro desbotamento a quebra das cadeias do aglutinante, quando combinado com ao calor, causando pulverulencia. O grau de umidade relativa presente no ambiente também se caracteriza

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como um dos principais agentes de degradação. Sua ação favorece o desenvolvimento de microorganismos que agem sobre o pigmento afetando suas propriedades essenciais. Além disso, alterações cromáticas em muitos pigmentos de origem orgânica são provocadas pelo oxigênio presente no ar que possui propriedades oxidantes GONZALES (1994) 8.7.1 Malaquita

A malaquita resulta da alteração de minérios de cobre, mais especificamente do carbonato básico de cobre CuCO3Cu(OH)2 e é freqüentemente associada com a azurita, que apresenta propriedades semelhantes. Pigmento natural, moderadamente opaco foi muito utilizado desde a antiguidade até aproximadamente 1800. É estável a ação da luz, mas pode apresentar escurecimento por reação com o sulfureto de hidrogênio (H2S). Em meio acido libera dióxido de carbono, mas não sofre alteração da cor. Foi mais utilizado na pintura a tempera, exceto em ovo, do que na pintura a óleo. Tem sido substituído por sua forma sintética, verditer entre outros verdes sintéticos. 8.7.2 Azul da Prússia De origem artificial, é um composto de ferrocianeto de ferro Fe4[Fe(CN)6]3 que foi descoberto e desenvolvido em 1704 em Berlim por Diesbach. Também conhecido como azul de Paris, azul de ferro, azul da china e azul bronze, é constituído por pequenas partículas, apresenta alto poder de cobertura, boa resistência a luz e ao calor. Muito utilizados em pinturas a óleo, a tempera e aquarela, em meio básico passa a apresentar uma cor castanha. Quando em contato com o hidróxido de sódio, apresenta uma rápida decomposição alterando a cor para marrom avermelhado ou ocre, voltando a sua coloração normal quando em contato com o acido clorídrico (HCl). 8.7.3 Hematita O nome hematita faz referencia a cor vermelha que este mineral apresenta quando transformado em pó. Utilizado desde a era pré-histórica, entre 29.000 e 9.000 anos a.C, onde foi encontrada em pinturas rupestres, apresentando diferentes tonalidades do vermelho claro ao escuro, resultado da concentração do corante e do aquecimento do óxido de ferro. Este pigmento que apresenta boa estabilidade, bom poder de cobertura e resistência à luz. 8.7.4 Branco de Chumbo Apesar de existir na natureza, tem sido preparado artificialmente há mais de 2 mil anos a partir de uma mistura de carbonato de chumbo com hidróxido de chumbo 2PbCO3Pb(OH)2,. É utilizada desde a antiguidade, porém nos séc. XIX e, sobretudo no séc. XX, sua utilização diminuiu significativamente por apresentar alto grau de toxidez. Apresenta bom poder de cobertura, boa opacidade e resistência à luz. Em

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contato com o sulfureto de hidrogênio, presente na atmosfera ou com pigmentos que contenham enxofre, apresenta escurecimento. 8.7.5 Resinato de Cobre O resinato de cobre é uma resina transparente, na cor verde, muito utilizada pelos pintores flamencos, principalmente por Van Dick e seus seguidores. Utilizado desde o século XV, este pigmento sintético desapareceu totalmente das paletas dos artistas no século XVIII. Segundo ALTAVILA & CILIBERTO(2006) já no século XVI dificilmente se encontra trabalhos utilizando este pigmento por que os artistas descobriram que o mesmo apresentava tendência a descolorar.

Recentemente, importantes pesquisas foram desenvolvidas com o objetivo de identificar a composição química e os fatores de degradação deste pigmento. COLOMBINI (2001) e sua equipe que envolve mais cinco pesquisadores prepararam e analisaram o resinato de cobre, baseado em receitas antigas identificando sua composição química. Em seguida corpos de testes com pinturas contendo este pigmento foram envelhecidas artificialmente por ação da radiação UV e expostas a poluentes atmosféricos em uma câmara climática. A ação conjunta da radiação e da temperatura produziu mudança de cor e aumento significativo na quantidade de acido 7-oxo-dehydroabietic. Baseado nestes resultados, concluíram que a foto-oxidação dos ácidos presentes no resinato de cobre é o mecanismo mais provável da deterioração responsável pela mudança de cor do pigmento. ALTAVILA & CILIBERTO(2006) desenvolveram uma pesquisa semelhante à relatada acima buscando identificar e analisar os efeitos da ação dos fatores ambientais no processo de deterioração do resinato de cobre. Assim como no processo descrito acima, os corpos de testes foram envelhecidos e expostos a radiação UV, umidade e diferentes concentrações de poluentes químicos (NO2 e SO2) em seguida as amostras foram investigadas pela Espectroscopia de Foto-elétron do Raio X (XPS) e os dados avaliados para determinar os efeitos das degradações. 8.8 Líquens Geralmente confundidos com musgo, os liquens são uma associação simbiótica entre um fungo (microbionte) e uma ou mais algas (fotobionte) e são encontrados nos diversos ambientes terrestres como desertos, geleiras e afloramentos rochosos. Porém sua presença em variados habitats e micro-habitats depende dos fatores físicos e climáticos necessários para seu desenvolvimento. Ou seja, as formações liquenicas apresentaram em sua constituição, componentes com características específicas para cada condição

ambiental. Suportam condições climáticas extremas com temperaturas que vai de 60°C a 196°C, entretanto

são muito sensíveis a agentes poluentes, principalmente ao anidrido sulfuroso, o que impede o desenvolvimento destes em grandes cidades.

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Provocam bioerosão de materiais, principalmente rochosos, porém segundo o professor Alexandre Salinas do Departamento de Botânica da UFMG, este tipo de degradação só ocorre quando o líquen esta vivo, quando este se apresenta totalmente dissecado, não oferece nenhum risco a pedra ou a qualquer outro tipo de material de esteja em contato com o mesmo.

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O estado de conservação de uma obra de arte depende de uma serie de fatores desde os de origem intrínseca, provocado pelo desgaste físico e químico dos materiais constituintes, até a incidência de fatores extrínsecos, como umidade, iluminação, poluentes, agentes biológicos, fatores humanos e acondicionamento e exposição inadequados, que desencadeiam e aceleram a degradação da obra. Para estabelecermos as intervenções necessárias para garantir a integridade da obra, realizamos uma série de exames pontuais e globais, alguns já citados no capitulo referente à tecnologia da obra. Através dos exames pudemos verificar que a maior parte dos problemas que a obra apresenta em sua estrutura externa é decorrente da ação da umidade e sua incidência foi mais incisiva no lado esquerdo do oratório, onde encontramos maiores áreas com perda do douramento.

FIGURA 119 – Mapeamento das degradações encontradas na obra

Muitas sujidades nas áreas externas e internas, principalmente na ornamentação interna como as imagens em pedra, as flores de tecido, papel e o líquen. Verificou-se também a presença de excrementos de insetos na parte externa da estrutura em madeira e asas de insetos presas ao líquen.

9. ESTADO DE CONSERVAÇÃO

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FIGURA 120 – Detalhe ornamentação do presépio

Através da fluorescência de luz ultra-violeta ficou evidente que o oratório não apresenta intervenções anteriores referentes a policromia nem aplicação de verniz em sua estrutura externa. Pequenas áreas com florescência na imagem do Crucificado são decorrentes da aplicação de verniz na policromia que sugere ferimentos e da presença do adesivo para reforçar fixação de blocos ou na consolidação de blocos quebrados e cera, que também é evidenciada sobre a cabeça da Nossa Senhora Menina e da Nossa Senhora que se encontra no presépio. As demais áreas, como base, gola das vestes de Santa Mestra, cabelos e barbas, a florescência se dá pela aplicação do verniz.

FIGURA 121– Florescência de Luz Ultra-Violeta

A estrutura em madeira do oratório apresenta separação de alguns blocos e conseqüentemente alguns vidros encontram-se pouco fixados, o tampo no verso do oratório apresenta folga e como as traves de fechamento estão folgadas ele abre facilmente. Esta folga foi provocada pela higroscopicidade da madeira, pois como em Belo Horizonte a U.R se encontrava mais baixa que em Caeté, toda estrutura em madeira que compõe o oratório perdeu umidade e retraiu. Como conseqüência os blocos começaram a separar e o tampo

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do verso do oratório que antes estava totalmente integrado ficou um pouco menor e passou a apresentar folga.

FIGURA 122 – Detalhe ampliado da separação de blocos

Apresenta ausência dos pés e da palmeta central (fig. 123 e 124). Desconhecemos os motivos pelos quais foram serrados. Até mesmo os funcionários do Museu desconhecem e afirmam que o oratório “sempre foi assim”, pelo menos desde o tempo em que se encontram trabalhando na Instituição. No verso do oratório encontramos duas argolas, utilizadas para fixa-lo a parede. Visivelmente uma adaptação do oratório que, com a ausência dos pés passou a ser utilizado como oratório de parede.

FIGURA 123 – Detalhe marca de serragem dos pés

FIGURA 124- Marca de serragem da palmeta

Dois blocos se encontram soltos. Um na parte externa entre o tampo do verso e a coluna lateral posterior e o outro na parte interna próximo a imagem de São Caetano. Na base foram encontrados pequenos orifícios, provavelmente produzidos por insetos, porém nenhum indicio da presença destes. Estes orifícios são superficiais e a madeira não apresenta nenhum dano ou fragilidade. O topo do oratório apresenta uma rede de craquelês que o recobre em toda sua extensão. Observando-o

detalhadamente e comparando-o com imagens encontradas na literatura descobrimos que se tratava de uma craquelê prematuro, proveniente da secagem da pintura, denominado pele de crocodilo. De acordo com BERGEAUD (1997), este tipo de craquelê é irreversível e pode se sobrepor a uma rede de craquelês de idade, resultante de um processo de alterações provenientes do envelhecimento da camada

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pictórica. Este mesmo tipo de craquelê é encontrado nas colunas salomonicas laterais, onde encontramos

folhas de ouro sobre as de prata.

FIGURA 125 – Imagem do craquelê tipo pele de

crocodilo

FIGURA 126 – Detalhe do topo do oratório com o

craquelê pele de crocodilo Na parte interna do oratório vários problemas foram identificados. Algumas coroas e resplendores foram encontrados soltos no interior do oratório. E ao observa-las percebemos que os pinos os fixam às cabeças das imagens estavam quebrados. Através da radiografia das imagens foi possível observar que estes pinos encontram-se no interior das mesmas.

FIGURA 127 – Radiografia com marcação dos pinos quebrados dos resplendores no interior das esculturas

A observação dos resplendores no microscópio estereoscópio, com um aumento de 60 X deixou aparente as degradações presentes nos mesmos.

FIGURA 128 – Degradações encontradas nos resplendores

Corrosão Puntiforme

Corrosão em placas

FIGURA 129 – Corrosão nos resplendores

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Presença de grande quantidade de cera e resina epóxi utilizados na fixação dos resplendores da Nossa Senhora Menina e da Nossa Senhora e São José que compõem o Presépio.

FIGURA 130 – Cera para fixação da

coroa

FIGURA 131 – Resina epóxi para fixação da coroa

FIGURA 132 – Cera para fixação do

resplendor O Cristo apresenta duas quebras em cada perna e a cobra, que compõe o Presépio apresenta quebras na cabeça e cauda e a ausência de um olho. Apesar das duas imagens serem constituídas de matérias diferentes, uma em pedra e a outra em cera, as áreas de quebra encontram-se fixadas com o mesmo tipo de adesivo. No Cristo, além do adesivo utilizado na fixação das partes quebradas e para reforçar o encaixe dos blocos

que constituem os braços ao corpo, encontramos também cera nas pernas e no perizônio.

FIGURA 133 – Quebra na imagem do Crucificado

FIGURA 134 – Quebras na cobra

O livro que Santana Mestra segura apresenta uma cisão que se estende até a imagem de Nossa Senhora Menina. Bem como as imagens de São José. Entretanto, esta falha pode ter sido provocada por stress da pedra ou originadas durante o entalhe.

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FIGURA 135 – Cisão na imagem da Santana Mestra com N. Sra. Menina

A cruz com a imagem do crucificado encontrava-se presa ao tampo do verso do oratório por um arame. Esta ação provocou danos à imagem como pode ser evidenciado na figura abaixo.

FIGURA 136 - Arame que prendia a cruz

FIGURA 137 - Marcas provocadas pelo arame que

prendia a cruz As mãos da Nossa Senhora da Imaculada Conceição, que apresentam quebra, sofreram intervenção em resina epóxi para fixa-las.

FIGURA 138 - Intervenção anterior utilizando resina epóxi

Nas áreas policromadas do Cristo, encontramos pequenas redes de craquelês (fig.139) provavelmente provocadas pela secagem ou envelhecimento do verniz.

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. FIGURA 139 - Craquelês encontrados no verniz das imagens em pedra

As imagens de São José, Nossa Senhora e um dos Reis Magos apresentam manchas em tonalidade escura (fig. 140) que podem ter sido provocadas pelo contato com o líquen. E, a Nossa Senhora encontra-se pouco fixada a base.

FIGURA 140 – Manchas nas imagens do Presépio

As imagens apresentam perda do douramento que adorna as extremidades das vestes, além de pequenas perdas, em algumas imagens, da pintura dos olhos, cabelo e sobrancelhas. Na imagem da Nossa Senhora da Imaculada Conceição, verificamos também a perda de suporte em duas áreas, na parte superior e na extremidade inferior do manto, como pode ser evidenciado na figura 141.

FIGURA 141 – Mapeamento das perdas encontradas na imagem de Nossa Senhora

1. Perda de pintura

2. Perda do douramento

3. Perda do suporte

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Nas extremidades das mísulas, próximas a pintura a tempera, apresentam um concheamento. Esta degradação intrínseca foi provocada pela incompatibilidade de materiais, pigmento aglutinado em óleo aplicado sobre pintura a tempera.

FIGURA 142 – Concheamento da pintura utilizada na mísula.

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Antes de definirmos uma proposta para intervir na obra, realizamos um exame geral da mesma de forma organoléptica e com o auxílio de lupa, com o objetivo de identificar possíveis áreas de intervenções anteriores ou danos causados na obra. Em seguida buscou-se a identificação dos materiais através de exames mais direcionados, referencias bibliográficas e discussões com profissionais da área, lembrando sempre que o objetivo do tratamento era garantir a estabilidade estrutural e a unidade potencial da obra, respeitando sua originalidade.

(...) nada é tão perigoso quando a hipótese em trabalhos de restauração. (...) é necessário, antes de começar, tudo buscar, tudo examinar, reunir os menores fragmentos tendo o cuidado de constatar o ponto onde foram descobertos, e somente iniciar a obra quando todos estes remanescentes tiverem encontrado logicamente a sua destinação e seu lugar, como os pedaços de um quebra-cabeça. Na ausência destes cuidados pode-se cair nas mais deploráveis decepções (...)

Viollet-le-Duc (2000)

10.1 MADEIRA 10.1.1 Suporte Limpeza; Remoção dos excrementos de insetos; Refixação de blocos; Confecção de pino para fixação da cruz; Tratamento preventivo com aplicação de piretroide; 10.1.2 Policromia e Douramento Limpeza; Refixação da camada pictórica e do douramento; Nivelamento parcial; Refixação do concheado próximo as mísulas; Reintegração cromáticas da policromia e do douramento. 10.2 PEDRA 10.2.1 Crucificado Limpeza;

10. PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

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Remoção da cera e do adesivo; Tratamento estrutural e apresentação estética. 10.2.2 Demais imagens Limpeza; Remoção de resquícios de parafina nas imagens de São Jose do Presépio e do Menino Jesus; Remoção da cera e da resina epóxi das cabeças da Nossa Senhora Menina e da Nossa Senhora que se encontra no Presépio e colagem da mesma em seu local de origem; 10.3 COROAS E RESPLENDORES Limpeza; Remoção da cera e resina epóxi aderidas ao verso das peças; Confecção de suporte para fixação dos resplendores e coroas as imagens. 10.4 TECIDOS E PAPEIS Limpeza; Refixação ao suporte madeira e ao líquen. 10.5 COBRA Limpeza; Remoção dos resquícios de adesivo; Refixação das partes quebradas. 10.6 LIQUENS Remoção de sujidades. 10.7 PINTURA A TEMPERA Limpeza. 10.8 CRUCIFIXO Limpeza; Confecção de um pino para fixação;

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Para a realização do tratamento buscamos referencias na teoria da restauração que pudesse nortear os trabalhos a serem executados na obra, além de uma criteriosa análise das degradações apresentadas pela mesma a fim de evitar interferências em áreas que não oferecessem nenhum risco a integridade e originalidade da obra, já que a proposta é realizar uma intervenção conservativa. Através dos exames organolépticos ficou evidente que as áreas de policromia e douramento do oratório se apresentavam de forma fragilizada e com desprendimento. Realizamos uma fixação emergencial destas camadas utilizando cola de coelho a 5% aplicada com um fino pincel sobre as áreas em desprendimento. A opção pela cola de coelho a 5% se deu por que durante um teste realizado em uma pequena área do douramento com a cola a 5% e a 10%, a de maior concentração fez com que o douramento soltasse com mais facilidade, já a de menor concentração mostrou-se mais eficaz. Em seguida foi realizada uma limpeza superficial com um pincel e uma trincha macia para a remoção do excesso de sujidades aderidas a obra nas partes externa e interna do oratório. Antes de realizarmos os teste para a limpeza da madeira, pedra, tecidos, papeis e metais, tomou-se o cuidado de medir o Ph de cada substancia. As substancias escolhidas foram Aguarás, enzimas naturais e TTA (Trietanolamina : Triton : Água). Como aguarás, apresentou um Ph 5, revelando um teor de acidez, descartamos a utilização deste produto. Na enzima natural o Ph foi 8 e o TTA 10, demonstrando ausência de acidez.

FIGURA 143 - Ph aguarras FIGURA 144 - Ph Enzimas naturais

FIGURA 145 - Ph TTA

Diante destes resultados, decidimos realizar toda limpeza do oratório e das partes constituintes dele, exceto a pintura interna a têmpera e o líquen, com TTA. Porém, apesar desta característica apresentada pelo TTA, foi realizada uma rinsagem com água deionizada a fim de evitar que possíveis resíduos da substância permanecesse na obra. 11.1 MADEIRA – TRATAMENTO ESTRUTURAL Os blocos que se encontravam soltos foram fixados com PVA puro. Utilizou-se um sargento para melhor fixação dos mesmos com espumas sobre as áreas a serem tencionadas a fim de evitar possíveis danos às peças.

11. TRATAMENTO REALIZADO

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FIGURA 146 – Fixação dos blocos

As lacunas que a obra apresentava comprometiam as áreas integras, principalmente nas áreas delicadas e fragilizadas com douramentos, que em alguns locais foi realizado diretamente sobre a base de preparação, como já foi mencionado no capitulo referente a tecnologia construtiva da obra. O fator estético também foi levado em consideração, um vez que a leitura da obra como um todo estava comprometida pelo fato das regiões com perdas se localizarem em áreas frontais, atraindo a atenção do observador para estas perdas. Estes fatores muito contribuíram para que decidíssemos realizar o nivelamento e reintegração cromática apenas nas áreas com perdas de douramento ou de camada pictórica que comprometiam a integridade e a leitura da obra. Nas regiões com pequenas perdas que se localizavam nas laterais não interferindo na leitura da obra e que não se apresentavam tão fragilizadas, optou-se pelo nivelamento de borda apenas para evitar possíveis desprendimentos. Levando em consideração o respeito pela matéria original e a idéia de retratabilidade e distinguibilidade, optou-se pelo uso de materiais que atendessem a estas expectativas. Para o nivelamento foi utilizado o carbonato de cálcio (CaCO3) aglutinado em cola de coelho a 5%. A opção pela cola de coelho a 5% se deve ao fato das áreas de douramento apresentarem extrema fragilidade uma vez que as folhas de ouro foram aplicadas sobre uma fina camada de bolo. Portanto, uma concentração mais forte de cola poderia ocasionar mais desprendimento do douramento. A massa de nivelamento foi aplicada com um pincel fino, tomando o cuidado de não provocar o desprendimento das áreas próximas. Após a secagem, realizamos o trapeamento com um delicado swab para a remoção de excessos do nivelamento, deixando-o no mesmo nível das adjacências (fig.147). A reintegração cromática das lacunas existentes busca resgatar a unidade potencial da obra facilitando a leitura da mesma como um todo. Tomamos como referencia as recomendações de SERCK-DEWAIDE (1986) onde afirma que a reintegração cromática, seja ela visível ou não, devem ser facilmente reversíveis, estar documentado e jamais deverá sobressair em relação a matéria original e PHILIPPOT (1959) ao afirma que a qualidade de um retoque depende da integração estética das lacunas, de sua estabilidade e retratabilidade, como também de sua interação com os materiais originais.

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Desta forma optou-se por realizar a reintegração das áreas de perda, inclusive do douramento utilizando o pigmento verniz Le Franc em aguarás, fazendo uso da técnica do pontilhismo com sobreposição de cores para obtenção de tonalidade próxima ao douramento (fig.148) a fim de que estas intervenções sejam facilmente reconhecíveis, porém tomando-se cuidado para que esta intervenção não se sobressaia em relação ao original, se integrando aos mesmos de forma harmônica.

FIGURA 147 - Nivelamento

FIGURA 148 – Reintegração cromática simulando

douramento Como a proposta era garantir a integridade da obra, entendemos que estas intervenções foram necessárias, uma vez que apenas a fixação não se mostrou eficaz.

“(...)Portanto, se do ponto de vista do reconhecimento da obra de arte como tal tem proeminência absoluta o aspecto artístico, no momento em que o reconhecimento se dirige a conservar para o futuro a consistência física adquire uma importância primária”

(Brandi) 11.2 PINTURA INTERNA - TEMPERA Para a limpeza da pintura a tempera inicialmente realizamos testes de solubilidade. Testamos alguns solventes da lista da Masschelein-Kleiner como o Isooctano (1), White-spirit (2) e Tolueno: Isopropanol:Água (50:65:15) que se mostraram inadequados. Testamos então o TTA e enzimas naturais, mas nenhum destes serviu, apresentando resultado semelhante aos testes anteriores, ou seja, todos solubilizaram a camada pictórica. Diante dos resultados optamos por não utilizar a limpeza química com solventes orgânicos, passando a testar o lápis borracha e o pó de borracha que também não se mostraram eficientes. Decidimos então realizar a limpeza apenas com trincha. A razão da inadequação dos solventes testados pode estar no tipo de aglutinante utilizado pelo artista, pois como já foi mencionado anteriormente a têmpera não é a ovo. As áreas próximas à mísula que apresentavam concheamento da camada pictórica foram refixadas com a aplicação de cola de coelho a 10% que ao umedecer a camada permitia que a mesma fosse recolocada no lugar com a ajuda de uma fina espátula.

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FIGURA 149 – Refixação da camada pictórica que apresentava concheamento

11.3 CONJUNTO ESCULTÓRICO A limpeza das imagens foi realizada inicialmente com um pincel macio para a remoção dos particulados depositados sobre as mesmas. Em seguida, realizamos uma limpeza mais aprofundada com um swab umedecido em TTA.

FIGURA 150 – Limpeza superficial nas imagens

FIGURA 151 – Resultado da limpeza nas imagens A cera, resina epóxi e resquícios de adesivos foram removidos com uma espátula de ponta fina tomando o cuidado para não danificar a pedras. Assim como os resquícios destes materiais encontrados nas coroas e resplendores.

FIGURA 152 – Remoção da cera

FIGURA 153 – Limpeza das peças em metal

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11.4 TRATAMENTO ESTRUTURAL Antes de realizarmos a consolidação das áreas quebradas do Cristo, que é em pedra, buscou-se na literatura referências sobre adesivos indicados para a colagem. No Projeto IDEIAS, foram citados o Primal AC33, o Balcril e o Cianoacrilato como os adesivos que apresentaram excelentes resultados. Nos testes que realizamos com o Primal AC33 não foram obtidos bons resultados para a colagem de peças com pequenas áreas de contato. Entretanto o Cianoacrilato apresentou uma excelente adesão, não demonstrando nenhuma alteração do material ou das áreas do seu entorno.

Diante destas características, optamos por realizar a colagem das áreas quebradas do Cristo com Éster de Cianoacrilato em concentração comercial já que as mesmas apresentavam pequenas áreas de contato. Antes de realizarmos a colagem, removemos todos os resquícios de adesivo (fig.154) que se encontrava aderidos à imagem. O adesivo foi removido com facilidade, uma vez que este apresentava um comportamento elastômero. Com esta remoção, verificamos que as áreas de contato não haviam sofrido nenhum tipo de desgaste, o que facilitou muito a colagem e que as áreas de perda de suporte eram pequenas.

Aplicamos o Cianoacrilato com uma fina espátula para que o adesivo fosse aplicado apenas nas áreas de contato, evitando que o mesmo migrasse para as bordas (fig.155). Para a consolidação foi utilizado o talco aglutinado em Primal AC33 puro e aplicado nas áreas que apresentavam perda do suporte.

FIGURA 154 – Remoção dos resquícios de adesivo

FIGURA 155- Colagem das peças quebradas

FIGURA 156 – Resultado final da colagem das partes quebradas

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Já a cobra, cujo material constituinte é a cera e como não apresentava perda do suporte, nas áreas quebradas, apenas reativamos o material com uma espátula fina aquecida (fig.157) e juntamos as partes. Por fim realizamos a colagem da imagem da Nossa Senhora devolvendo-a ao local onde se encontrava no Presépio.

FIGURA 157- Colagem das partes quebradas da cobra

FIGURA 158- Resultado final da colagem

11.5 TECIDOS E PAPEIS Inicialmente as pétalas das flores foram limpas uma a uma com uma trincha para a remoção de toda sujidade superficial e em seguida foi aplicado o TTA em cada pétala, com um pincel e, com um mata-borrão foram removidas as sujidades que se encontravam aderidas ao tecido (fig. 159). Para a finalização da limpeza foi utilizada a água deionizada com mata-borrão, repetindo o mesmo procedimento. Para a limpeza das folhas em papel, seguiu-se o mesmo método adotado para as flores.

FIGURA 159 - Limpeza das flores

FIGURA 160 - Resultado da limpeza

11.6 LÍQUENS A limpeza dos liquens foi realizada com um pincel de cerdas macias removendo a poeira que se encontrava aderidas a estes. Os liquens e fragmentos de madeira que se encontravam com fungos (fig.162) foram removidos, por apresentaram riscos aos demais materiais presentes a obra que se encontravam próximos aos mesmos.

FIGURA 161 – Liquens

FIGURA 162 – Fragmento de madeira com fungos

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11.7 COLOCAÇÃO DOS RESPLENDORES Através dos exames de Raio X observamos que os pinos para a fixação dos resplendores e coroas encontravam-se no interior das imagens. A remoção deste provocaria danos irreversíveis as esculturas, por este motivo optou-se por não remove-los e encontrarmos uma forma reversível e que não colocaria em risco a integridade das imagens. Inicialmente buscamos na literatura alguma referencia anterior. Como nada foi encontrado, entramos em contato com a Conservadora-Restauradora Alessandra Rosado que sugeriu a utilização do papel neutro para a confecção de uma pequena estrutura semelhante a uma mão francesa que fixada na pedra serviria de apoio para o resplendor.

Como as possíveis áreas de contato com a pedra não são planas devido ao entalhe, a fixação do suporte não apresentou o resultado esperado. Decidiu-se então, pela confecção de um suporte com estrutura em pequenos filetes de bambu revestido com papel neutro. Para fixação do papel ao bambu, utilizou-se a cola de coelho a 10%. Com uma pinça realizamos uma pressão para melhor adesão e deixamos secar. Após a secagem do suporte partiu-se para a adesão do mesmo ao resplendor. Para esta ação também foi utilizada a cola de coelho e aplicação de pressão para garantir a adesão. Para a colocação na escultura, colocou-se uma gota de cola de coelho a 10% no orifício onde seria encaixado e em seguida o resplendor foi colocado. Apesar de não ficar aparente, optou-se pela pigmentação do papel exposto para que não ficasse tão destoante do verso dos resplendores que estão oxidados.

FIGURA 163 - Colocação dos resplendores e coroas

11.8 CONFECÇÃO DE PINO PARA FIXAÇÃO DA CRUZ Para a fixação da cruz que se encontrava presa ao tampo do verso do oratório por um arame foi confeccionado um pino em madeira. Evitamos a colagem por que não verificamos nenhum indicio de que este procedimento tivesse sido realizado anteriormente, e pela preservação da camada pictórica existente no

tampo ao qual a cruz fica presa. A existência de um orifício no tampo coincidindo com o local de fixação da cruz levou-nos ao aproveitamento do mesmo para realizarmos esta ação. Entretanto a cruz não apresentava nenhum pino ou orifício no verso,

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tornando-se necessário à realização de um pequeno orifício para a colocação de um pino de madeira. A ausência de orifício na cruz reforça a hipótese de que esta peça não pertença originalmente a este oratório,

como foi citado anteriormente. Foi realizado um pequeno orifício no verso da cruz para abrigar o pino que foi confeccionado em madeira resistente e a fixação deste foi reforçado com a utilização de PVA. Esta ação além de solucionar o problema apresentado pela cruz evita possíveis alternativas que possam colocar em risco a integridade da escultura em pedra.

FIGURA 164 – Abertura de orifício para colocação do pino

FIGURA 165 – Confecção do pino

FIGURA 166 – Colocação do pino

FIGURA 167 – Fixação da cruz ao tampo do oratório

11.9 APLICAÇÃO DO VERNIZ Por entender que a aplicação do verniz final na obra alteraria suas características originais, já que a mesma não apresenta verniz optou-se por realizar apenas uma aplicação pontual do mesmo. Ou seja, a fim de proteger as áreas de intervenção de uma possível remoção durante um processo de limpeza e dos efeitos produzidos pela ação da luz, o verniz final foi aplicado apenas nas áreas onde realizamos reintegração cromática. Esta decisão é endossada pelas afirmações de SERCK-DEWAIDE(1986) onde relata que as camadas mates não devem jamais receber verniz, cera ou qualquer outro produto exceto em casos onde a camada pictórica está tão pulverulenta que se perde ao simples toque.

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Sobre a utilização do verniz Paraloid B72 como barreira de proteção contra a umidade, já está comprovado sua ineficiência (ROSADO, 2004 e MELLO, 2004) portanto não possuíamos nenhum motivo que de tão necessário justificasse a alteração das características originais da obra. 11.10 TRATAMENTO PREVENTIVO

Como o oratório apresentava em sua base pequenos orifícios que poderiam ter sido provocados por insetos, embora a presença destes ou de excremento não houvesse sido evidenciado, aplicamos um piretróide diluído em aguarrás na base da obra com a finalidade de proteger a obra de ataques de xilófagos e coleópteros. 11.11 RESULTADO

FIGURA 168 – Frente do oratório após intervenções

FIGURA 169 – Verso do oratório após intervenções

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12.1 Histórico Construído na segunda metade do século XVIII, o sobrado que abriga o Museu Regional de Caeté é considerado o mais significativo exemplar da arquitetura colonial existente na cidade. Sua edificação se destaca pela sua implantação, com afastamentos nas laterais e localização entre casas térreas, lhe conferindo grande imponência.

FIGURA 170 – Fachada do Museu Regional de Caeté Serviu de morada a ilustres moradores de Caeté como o Capitão Eugênio Lopes Varela e João Batista Ferreira de Coutinho, o Barão de Catas Altas, senhor de minas de ouro, que segundo tradição oral recebeu o título de Barão por D. Pedro I em 1839. O sobrado, que pertencia a Sra. Maria José Teles Rosa, foi adquirida em 1948 por Sylvio Vasconcelos, chefe

do 3° Distrito do Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de Belo Horizonte (DEPHAN-BH),

que doou o imóvel a União em 12 de junho de 1954 para que abrigasse o acervo do Museu em formação.

Adquirido pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, foi tombado no Livro de Belas Artes através do processo Nº 429 – T inscrição Nº 383, folha 75 e, após restauração, destinado à instalação do Museu Regional de Caeté.

12. O Museu Regional de Caeté e seu espaço expositivo

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Apesar de sua criação, o Museu permaneceu fechado e, em 1952, Rodrigo Melo e Franco de Andrade, determinou que enquanto o Museu não era organizado, todos os bens de valor histórico e artístico nele reunidos ficariam sob os cuidados do Museu do Ouro, onde permaneceram até que o Museu de Caeté fosse entregue à visitação pública em 17 de fevereiro de 1979. Atualmente, o Museu conta com quatro funcionários. Uma museóloga, um recepcionista, e dois destinados a realizar um serviço de acompanhamento e informações aos turistas. Dentre estes, o Sr. Waldê Macedo, funcionário do museu há 21 anos que gentilmente nos recebeu para a realização do diagnóstico de conservação aqui apresentado. 12.2 Acervo Criado para conservar objetos ligados ao ciclo do ouro local, seu acervo é constituído por peças de caráter histórico e artístico que lá se encontravam e mais algumas retiradas do Museu do Ouro de Sabará. Possui aproximadamente 300 objetos de arte popular, mobiliário mineiro e obras sacras dos séculos XVIII e XIX, além de um acervo bibliográfico composto por 726 volumes.

12.3 Diagnostico de situação Localizado em uma das ruas principais da cidade, as construções no entorno do edifício que abriga o Museu são predominantemente residenciais. O fluxo de transportes, inclusive de transporte pesado, é bastante intenso, ocasionando muitas trepidações que além de provocar o surgimento de trincas na edificação, já ocasionou a quebra de uma obra exposta no museu. A retirada do transito pesado nesta rua já foi solicitada pelos moradores da mesma através de abaixo assinado encaminhado a prefeitura, onde relatavam os danos causados por este tipo de transporte as residências e ao museu, porém nenhuma atitude foi tomada pelos órgãos competentes. Além dos problemas relatados acima, o fluxo intenso de veículos trás um outro problema ao acervo do museu, a ação de poluentes e gases emitidos pelos veículos nocivos a maioria dos materiais constituintes das obras de artes acelerando a degradação dos mesmos. 12.3.1 O Macro-ambiente Localizada a aproximadamente 59 Km de Belo Horizonte, a cidade de Caeté apresenta uma caracterização climática semelhante à de Belo Horizonte com verões chuvosos, úmidos e quente e invernos secos e frios. A temperatura média máxima anual que a cidade apresenta é, segundo o Instituto de Geociência Aplicada

(IGA-CETEC), de 26 °C e media mínima anual de 16 °C. No dia 19-12-2006, durante a coleta de

informações para a realização do diagnóstico de conservação, a cidade apresentava uma temperatura de

28.8 °C e UR 21.9 %.

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No período compreendido entre os meses de setembro e março são registradas as maiores médias pluviométricas. O índice médio pluviométrico anual fica em torno de 1.400 mm e as chuvas são sempre acompanhadas por vento intenso. 12.4 Espaço Físico O complexo que compreende a estrutura total do Museu Regional de Caeté abrange uma área de 845m2 com terreno em declive. Nele encontramos três edificações construídas em épocas distintas e conseqüentemente apresentam sistemas estruturais e problemáticas distintas que serão apresentados a seguir.

FIGURA 171 - Planta de Implantação do Museu

O terreno onde o Museu está instalado apresenta 13m de frente por 54m de profundidade em declive, como pode ser observado na figura 172. Os problemas relacionados a esta declividade serão abordados no texto relativo a reserva técnica.

FIGURA 172 - Corte esquemático

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O sobrado, principal espaço expositivo, apresenta uma estrutura precária, reforçada pela presença generalizada de umidade ascendente e descendente. A presença destas fica evidente através de manchas de escorridos de água nas paredes do pavimento superior e pela queda de reboco provocada pela excessiva infiltração de água nas paredes. Segundo informações obtidas no museu em dias de chuva forte a água que desce pelos telhados e paredes internas, chegam a atingir as salas do pavimento térreo.

FIGURA 173 – Manchas de umidade nas paredes

internas do Museu

FIGURA 174 – Degradação provocada por excesso

umidade No sobrado encontramos dois termohigrometros de ponteiro, um na recepção e outro em uma das salas de exposição do térreo. Teoricamente a umidade é monitorada por estes equipamentos, porém não sabemos se estão em funcionamento e calibrados. Se existe a monitoração estes dados obtidos não são utilizados por que nenhuma providencia é tomada sem contar que os funcionários sequer sabem o que fazer com os dados.

FIGURA 175 – Termohigrômetros

encontrados no Museu A ventilação horizontal é realizada através da abertura das janelas do pavimento superior e das janelas laterais do térreo, porém diante do acidente ocorrido com um dos oratórios, que foi derrubado pelo vento provocando grandes danos ao mesmo, a janela lateral da sala dos oratórios passou a ficar fechada dificultando a ventilação neste ambiente, facilitando a proliferação de fungos. A abertura das janelas como fonte de ventilação trás um outro problema para o acervo, que é a incidência de radiação solar nos ambientes internos. Em alguns casos ocorre a incidência direta de radiação sobre algumas obras.

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FIGURA 176 - Planta Pavimento Térreo

FIGURA 177 - Planta Pavimento Superior

A segunda construção que também serve de espaço expositivo se localiza entre o sobrado e a reserva técnica. Esta área que apresenta paredes em pedra é um espaço aberto e abriga obras em madeira, como por exemplo, as carrancas que recentemente participaram da exposição sobre o Rio São Francisco. É através de uma porta nesta construção que temos acesso a reserva técnica.

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FIGURA 178 – Espaço expositivo na área externa

A construção destinada à reserva técnica se localiza na parte posterior ao Museu. Construída em 1973 para abrigar o zelador do Museu e sua família, esta construção em alvenaria com janelas de guilhotina e porta azuis, apresenta uma estrutura bastante precária, com grande incidência de umidade ascendente e no seu entorno a presença de grande quantidade de vegetação rasteira e de arbustos com folhagens densas. A limpeza e manutenção do jardim e terrenos localizados entre as construções são realizadas periodicamente por funcionários da prefeitura de Caeté.

FIGURA 179- Fachada da reserva técnica FIGURA 180 – Parte posterior da reserva técnica

FIGURA 181 – Vegetação no entorno da reserva técnica

FIGURA 182 – Lateral da reserva técnica

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Como não há sistema de escoamento de águas pluviais, estas se espalham por todo terreno localizado na parte de trás da construção e no espaço lateral que dá acesso a reserva técnica. Esta ação é favorecida pela inclinação do terreno. Como a casa que abriga a reserva técnica é construída na parte mais baixa toda água escoada fica represada nas paredes. No interior da reserva fica evidente a presença da umidade ascendente nos pisos e paredes. Na sala destinada ao acondicionamento das obras, o piso em madeira, se apresenta com manchas escurecidas e muito mofo causados pelo excesso de umidade. Nas paredes a ação da umidade é evidenciada através das manchas de bolor e do estofamento da tinta. Este problema poderia ser facilmente resolvido com a construção de uma trincheira próxima à construção, evitando que as águas pluviais infiltrem na reserva impedindo que as obras e o mobiliário se percam por ação da umidade.

FIGURA 183 – Manchas de umidade piso da reserva

técnica FIGURA 184 – Manchas de bolor e estofamento da tinta nas

paredes da reserva técnica Outro problema verificado é a ausência de iluminação elétrica. A luz que entra no espaço é através das janelas, que segundo o sr. Walde, raramente são abertas. As salas próximas são utilizadas para aulas de pintura e artesanato. As obras que lá se encontram, em sua maioria mobiliários, não estão acondicionadas

de forma adequada, muitas, empilhadas umas sobre as outras e sem uma embalagem apropriada.

FIGURA 185 – Ausência de iluminação na reserva

FIGURA 186 – Acondicionamento das peças encontradas na reserva

A incidência de luz natural, ausência de ventilação e a constante presença da umidade dão a reserva as características ideais para a proliferação de insetos, roedores e microorganismos que conseqüentemente virão atacar as obras “acondicionadas” neste espaço.

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Outro local que cumpre a função de reserva técnica é a sala da administração. Nesta encontramos as obras de pequeno porte, como oratórios e imagens. Localizado no sub-solo do casarão que abriga o museu, este espaço apresenta condições semelhantes a reserva técnica. Em meio a muita umidade, mofo e poeira as obras estão atualmente armazenadas em estantes metálicas, que apresentam oxidação, acondicionadas em

embalagens de tecido sintético (TNT) confeccionadas pela atual museóloga.

FIGURA 187 - Planta da sala de administração

FIGURA 188 – Obras acondicionadas na sala da administração

12.5 Segurança física e contra incêndio A segurança do edifício é realizada apenas no turno da noite por um vigilante e para reforçar o fechamento das portas e janelas que dão acesso ao museu no pavimento inferior, são utilizadas travas de madeira. Possui ainda um sistema de alarme com sensor de presença, mas este não se encontra ligado a policia. No espaço destinado a reserva técnica, a segurança é realizada apenas pelo fechamento das portas e janelas. O mesmo acontece na sala da administração que atualmente também acumula a função de reserva técnica.

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A proteção contra incêndio é insuficiente. Foi verificada a presença de apenas três extintores para todo museu, um localizado na recepção e outro em uma sala expositiva no térreo. No piso superior, se encontra na sala destinada as imagens de culto doméstico. Apesar de estarem visíveis e de fácil acesso, não são suficientes, colocando a coleção e o edifício em constante situação de risco. Nenhum outro equipamento de segurança contra incêndio foi localizado no interior do museu e os funcionários não recebem treinamentos para ações emergenciais, apenas indicações de como agir em casos de emergências como roubos furtos e incêndios.

FIGURA 189 – Extintores em pontos estratégicos do museu

Em pesquisa nos documentos pertencentes ao museu que estão arquivados no IPHAN, encontramos estas normas gerais de segurança e os procedimentos que deverão ser adotados pelos funcionários. Dentre as normas que se referem à segurança, determinam que em caso de furto, roubo ou tentativa de arrombamento os funcionários deverão comunicar a Coordenação Regional, chamar imediatamente a policia militar e auxiliar com as investigações fazendo um relatório de ocorrência citando as obras ou objetos desaparecidos, dia e hora.

No que se refere a incêndios, os funcionários são orientados a chamar o corpo de bombeiros, comunicar a Coordenação Regional, tentar apagar o fogo com os extintores do Museu, aplicando o de CO2 na parte elétrica e o de água nas demais partes. Cabe ainda ao funcionário orientar os bombeiros para não jogar água diretamente sobre o acervo e verificar se existem outros focos de incêndio nas demais dependências do museu como porão e sótão. Na parte externa do museu não verificamos a presença de hidrante nas proximidades. Em toda extensão da rua nenhum foi verificado. 12.6 Conservação e Museologia O Museu não possui política de aquisição e seu acervo não está inteiramente inventariado. Pequenas fichas de identificação e fichas topográficas são as documentações referentes ao acervo e estas foram preenchidas pela senhora Efigênia de Jesus Marta de Oliveira, antiga funcionária do Museu. As obras que compõem o acervo não participam de exposição itinerante e, as únicas obras que saíram do Museu para participar de exposição, foram duas carrancas, recentemente emprestadas ao Palácio das Artes para a exposição sobre o Rio São Francisco.

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Não existe setor destinado à conservação e restauração do acervo, mas segundo informações do Sr. Waldê é realizada uma permanente atividade de higienização das peças por uma equipe de serviços terceirizados contratada pelo IPHAN. Segundo informações obtidas com os funcionários, o museu ficou durante muito tempo sem museológo. Atualmente conta com o trabalho de uma museóloga que atua no museu há dois meses. Em 2001, o museólogo Cícero Almeida foi contratado pelo IPHAN para desenvolver projeto de mobiliários expositores para o museu. Segundo o projeto encontrado no IPHAN, para a construção das vitrines menores seriam utilizados madeira e acrílico, sem demais especificações. Ainda no projeto encontramos a informação da inexistência de iluminação interna e as dimensões das peças.

FIGURA 190 – Projeto de vitrine

Para as vitrines maiores, seriam utilizados vidros e madeiras com suportes internos para a colocação dos objetos. Estes suportes seriam em madeira fixados em tubos de metal rosqueado. Os vidros seriam fixados em três faces tendo em uma outra face trilhos por onde o vidro correria facilitando a abertura.

FIGURA 191 - Projeto das vitrines maiores

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No projeto não encontramos informações a respeito de orifícios que serviriam para facilitar a troca do ar ou de algum equipamento que faria a ventilação no interior das vitrines evitando a formação de micro-clima. Também não é mencionado o tipo de madeira utilizado na confecção das mesas e suportes. Este tipo de informação é de extrema importância, pois a escolha de materiais inadequados para vitrines pode ocasionar ou acelerar degradações nas obras, sendo mais indicado à utilização de materiais estáveis que não liberem gases, ácidos orgânicos ou outras substancias prejudiciais.

FIGURA 192 – Vitrine

FIGURA 193 – Local de exposição dos oratórios Segundo informações coletadas no museu, a maioria das obras se encontra sem as vitrines, tendo apenas a mesa, por falta de verba para a conclusão destas.

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O gerenciamento de riscos tem sido um importante aliado do conservador-restaurador, na minimização dos riscos aos quais obras pertencentes a acervos museológicos estão expostas. Baseada em um minucioso levantamento de informações sobre a instituição, a caracterização do acervo e condições ambientais da região onde o museu esta instalado, é realizada a identificação dos riscos, bem como das causas, conseqüências e probabilidades, permitindo que o conservador-restaurador possa gerenciar os riscos a curto, médio e longo prazo, detectando-os e evitando-os. Atualmente dois procedimentos estão disponíveis para a realização do diagnostico, a Ratio Scale e a Escala ABC. A Ratio Scale (escala de proporção) criada por Robert Waller em 2003, é baseada no cálculo da magnitude de riscos, que é obtida através da susceptibilidade da coleção aos danos, a probabilidade de acontecimento em 100 anos, extensão dos danos e a perda do valor do objeto ou coleção afetada. Os riscos foram divididos em 10 tipos que vão de força física a temperatura e umidade inadequadas e, estes riscos foram classificados em três categorias de acordo com a freqüência com que ocorre em raro, esporádico e continuo. A Escala ABC, desenvolvida por Stefan Michalsky em 2006, é baseada no somatório dos valores de risco atribuídos para cada uma das etapas. Para se chegar ao somatório inicialmente é preciso listar os riscos, causas e efeitos dos agentes de deterioração. Em seguida, é preciso responder aos seguintes questionamentos: A – quantas vezes o risco ocorre? B – qual o valor perdido no objeto afetado? C – quanto da coleção foi afetada? e D – qual a importância do objeto afetado? Para cada resposta valores que correspondem de 1 a 5 para as questões A, B e C e de –1 a 4 para a questão D. Após atribuir valores correspondentes para cada um dos questionamentos se realiza o somatório e verifica na tabela de riscos o nível de prioridade para cada objeto ou coleção. Neste procedimento o nível de prioridade é obtido através da tabela de riscos onde os mesmos são distribuídos da seguinte forma: 2 – 3 Danos médios, porém insignificantes; 4 – 6 Prioridade baixa – danos ou riscos podem ocorrer em pequena parcela do acervo em milhares de anos; 7 – 8 Prioridade média – danos ou riscos moderados durante muitas décadas; 9 –10 Prioridade alta – perdas moderadas – perdas moderadas do valor em alguns objetos em alguns anos ou perdas significativas após muitas décadas; 11 – 13 Extrema prioridade - perdas significativas em toda coleção ou perdas totais de partes significativas da coleção em 1 década ou menos; 14 – 15 Prioridade urgente – a coleção ou objeto pode ser perdido em poucos anos. O procedimento escolhido para ser aplicado ao objeto em estudo foi a Escala ABC, por ser mais flexível permitindo sua aplicação a um objeto da coleção e apresentar uma possibilidade de estudo em tempo

13. GERENCIAMENTO DE RISCOS

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variável, ao contrario da Ratio Scale, que trabalha com um tempo de estudo fixado em 100 anos e sendo mais adequada ao estudo da coleção inteira. O estudo foi baseado no diagnóstico realizado no Museu Regional de Caeté, apresentado no capitulo anterior, nas entrevistas realizadas com os funcionários do Museu e observações feitas no local e na caracterização dos materiais constituintes da obra. Listamos inicialmente os riscos aos quais o oratório está exposto, identificando as causas e os efeitos destes e em seguida respondemos ao questionamento mencionado na descrição do método atribuindo valores a cada uma das perguntas e realizamos o somatório das mesmas para verificar a magnitude de risco (MR) para cada item identificado.

FIGURA 194 – Gráfico de Magnitude de Riscos

Após a verificação da MR aos quais o oratório em estudo está exposto, concluímos que dos riscos apresentados a queda é o mais eminente, atingindo o valor máximo na tabela de riscos. Os problemas referentes à ventilação, umidade, temperatura, poluição atmosférica são de prioridade urgente uma vez que são freqüentes e causam pequenos danos, porém constantes e acumulativos. Já a falta de segurança, poderá ocasionar um grande dano ou a perda total, seja pela ação de vandalismos ou furtos, entretanto, a probabilidade de acontecer é bem menor que os danos acima citados. Outros fatores como infestação, desabamento e incêndio foram apontados segundo a tabela como de prioridade alta, ou seja, são problemas que podem provocar perdas moderadas do valor em alguns objetos em alguns anos ou perdas significativas após muitas décadas. Para este estudo observamos os riscos eminentes a obra como um todo, não observando especificamente os riscos relativos a cada um dos materiais constituintes da mesma, o que demandaria maior dedicação e tempo, não disponível neste momento.

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Para a preservação deste objeto artístico, faz-se necessário à construção de um espaço expositivo adequado à proteção e conservação do mesmo. Uma montagem adequada proporcionará uma proteção contra quedas, trepidações e outros movimentos devido a corrente de ar, vibração do ambiente e circulação de visitantes, além de protege-lo contra agentes de deterioração e condições ambientais pouco apropriadas. Entretanto, diante da situação apresentada pelo museu torna-se utópico imaginar tais condições. Para tal se faz necessário um serie de alterações que não fazem parte dos objetivos deste trabalho, fazendo-se necessário apenas propor uma serie de medidas que em curto prazo possam proporcionar a obra uma melhor vida útil. De acordo com o diagnóstico realizado no Museu identificamos algumas alternativas para garantir a integridade da obra, como por exemplo, o acondicionamento em uma vitrine ou a solução para as correntes de ar provenientes da circulação horizontal gerada pelas janelas. Durante visita ao Museu de Arte Sacra de Salvador (MAS), onde fomos recebidas pela museóloga Mirna Dantas, pudemos observar de perto a montagem para a exposição das obras pertencentes ao acervo desta instituição, que apresentava problemas semelhantes ao Museu Regional de Caeté, e que foram solucionados após diagnóstico realizado pelo LACICOR em parceria com a UFBA. Os problemas ocasionados pelas correntes de ar no MAS, foram solucionados com a colocação de filtros nas janelas, evitando assim que o vento bata diretamente sobre as obras. Já as vitrines foram projetadas sobre um móvel adaptado para receber um circulador de ar em seu interior. A colocação de filtros nas janelas, a exemplo do MAS, seria uma solução interessante para o Museu de Caeté, evitando que novos acidentes aconteçam provocados pelas correntes de ar. Além de reduzir consideravelmente a ação de poluentes e particulados sobre as obras. Dentre as medidas para a conservação do acervo apresentada pelo Museu de Caeté, a vitrine é uma possível opção, até por que os móveis com esta finalidade já se encontram no local, faltando apenas à finalização dos mesmos. Porém, apesar das vitrines oferecerem a melhor proteção para objetos de vidro, não é indicada para acondicionar esta obra, uma vez que a mesma criaria um segundo micro-clima para um objeto que já mantém a maior parte de seus materiais constituintes nesta situação. Outro fator de impedimento é que o vidro deve ser sempre conservado em local ventilado e estando dentro de uma vitrine, os vidros do oratório estaria protegido do risco de quebra, porém não estariam em condições ideais de acondicionamento. Diante destes fatos e dos riscos aos quais o oratório se encontra exposto como foi mencionado nos capítulos anteriores e comprovado através dos cálculos de magnitude de risco, chegamos a conclusão de que a

14. Proposta para Conservação e Exposição da Obra

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alternativa mais urgente para a conservação da obra é a troca de lugar expositivo, pois a continuidade do mesmo no local onde se encontra poderá ocasionar graves danos ao objeto. Sugerimos então que a obra seja colocada em um suporte estável, amenizando os efeitos da trepidação provocada pelo trânsito intenso de carros e veículos pesados ou acidentes provocados durante limpeza e visitações. Afastado de janelas evitando possíveis quedas provocadas pelas correntes de ar e longe das paredes que apresentam altos índices de umidade.

FIGURA 195 – Esquema de fluxo de corrente de ar no Museu

Para atender a estas sugestões, faz-se necessário à troca do local expositivo. Ou seja, que as obras que compõem o acervo das imagens de culto doméstico passem a ser expostas na sala destinadas aos oratórios, que apesar de ser área de convergência das correntes de ar não trariam danos às obras expostas, pois todas as imagens se encontram em vitrines, ficando a outra sala destinada a exposição dos oratórios, onde a incidência da corrente de ar é mais fraca como pode ser observado no esquema acima. Com a adoção destas medidas poderemos amenizar os problemas, aos quais os oratórios estão expostos, uma vez que os mesmos ficarão em um ambiente mais reservado.

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Por se tratar de uma obra complexa uma vez que é composta por uma diversidade de materiais, a realização deste trabalho exigiu uma pesquisa aprofundada, não só em fontes bibliográficas, mas através de discussões com professores e especialistas das diversas áreas, sobretudo das caracterizações dos materiais constituintes e das degradações por estes apresentadas nas diferentes condições. Só então, de posse destas informações e dos resultados obtidos através das análises foram realizadas as intervenções com o objetivo de devolver a unidade potencial e integridade física da obra. Também é importante destacar o resgate da biografia ainda pouco conhecida do autor da obra e da importância de sua contribuição para a arte colonial mineira que ainda necessita de um estudo aprofundado. Buscou-se ainda uma solução simples para a conservação e exposição segura da obra em seu local de origem através de sugestões praticas que não necessitem de investimentos financeiros e que seguramente evitarão a ocorrência de novos acidentes causando danos às obras. Diante das informações e dos resultados obtidos através das pesquisas e das intervenções realizadas, consideramos nosso trabalho satisfatório tendo em vista a proposta apresentada, porém salientamos que muitos aspectos aqui apresentados foram apenas pequenas contribuições para que outros estudos possam ser desenvolvidos.

Conclusão

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ANEXOS

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IDENTIFICAÇÃO DA OBRA

Titulo: Oratório Mineiro Assunto: Imaginaria e Mobiliário Religioso Tema: Religioso Autor: Bernardo de Souza Técnica: Conjunto escultórico em materiais diversos Dimensões: 70X18X12 Época estilo: Século XVIII Rococó Proprietário: Museu Regional de Caeté Endereço: Rua Israel Pinheiro Categoria administrativa: Federal subordinado ao IPHAN Número de Tombo: 1981.01.25 Entrada: Junho de 2006 Inicio dos trabalhos: Setembro de 2006 Término dos trabalhos: Novembro de 2006 Código do CECOR: 06.48F Função Social: Obra pertencente a Museu

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Barboza, Kleumanery de Melo, 1971- Tecnologia construtiva, estado de conservação e ações para a

preservação de um oratório mineiro / Kleumanery de Melo Barboza. – 2007.

114 f.. : il. - Orientador: Luiz Antonio Cruz Souza Monografia apresentada ao Programa de Pós-graduação em Artes

da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis.

1. Oratórios – Conservação e restauração. 2. Museu Regional de

Caeté (MG) I. Souza, Luiz Antonio Cruz, 1962- II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Belas Artes III.Título.

CDD : 702.88