16
Barroco no Brasil O Barroco no Brasil foi o estilo artístico dominante durante a maior parte do período colonial, encontrando um terreno receptivo para um rico florescimento. Fez sua aparição no país no início do século XVII, introduzido por missionários católicos, especialmente jesuítas, que para lá se dirigiram a fim de catequizar e aculturar os povos indígenas, no contexto da colonização portuguesa daquelas terras vastas e virgens, descobertas pelos europeus há meros cem anos. Ao longo do período colonial vigorou uma íntima associação entre a Igreja e o Estado, mas como na colônia não havia uma corte que servisse de mecenas, como as elites não se preocuparam em construir palácios ou patrocinar as artes profanas senão no fim do período, e como a religião exercia enorme influência no cotidiano de todos, deste conjunto de fatores deriva que a vasta maioria do legado barroco brasileiro esteja na arte sacra: estatuária, pintura e obra de talha para decoração de igrejas e conventos ou para culto privado. As características mais típicas do Barroco, descrito usualmente como um estilo dinâmico, narrativo, ornamental, dramático, cultivando os contrastes e uma plasticidade sedutora, veiculam um conteúdo programático articulado com requintes de retórica e grande pragmatismo. A arte barroca brasileira foi uma arte em essência funcional, prestando-se muito bem aos fins a que foi posta a servir: além de sua função puramente decorativa, facilitava a absorção da doutrina católica e dos costumes europeus pelos neófitos - primeiro índios, e logo em seguida negros - mas também fomentava o cultivo e confirmava a fé e as tradições dos conquistadores cristãos, que haviam chegado para dominar e explorar todo esse grande território, impondo-lhe sua cultura. Com o passar do tempo, os elementos dominados, neste caso mais o negro do que o índio, mais os artesãos populares de uma sociedade em processo de integração e estabilização, começaram a dar ao Barroco importado da

Barroco No Brasil

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Tópicos sobre o barroco brasileiro

Citation preview

Barroco no Brasil

O Barroco no Brasil foi o estilo artístico dominante durante a maior parte do período colonial, encontrando um terreno receptivo para um rico florescimento. Fez sua aparição no país no início do século XVII, introduzido por missionários católicos, especialmente jesuítas, que para lá se dirigiram a fim de catequizar e aculturar os povos indígenas, no contexto da colonização portuguesa daquelas terras vastas e virgens, descobertas pelos europeus há meros cem anos. Ao longo do período colonial vigorou uma íntima associação entre a Igreja e o Estado, mas como na colônia não havia uma corte que servisse de mecenas, como as elites não se preocuparam em construir palácios ou patrocinar as artes profanas senão no fim do período, e como a religião exercia enorme influência no cotidiano de todos, deste conjunto de fatores deriva que a vasta maioria do legado barroco brasileiro esteja na arte sacra: estatuária, pintura e obra de talha para decoração de igrejas e conventos ou para culto privado.

As características mais típicas do Barroco, descrito usualmente como um estilo dinâmico, narrativo, ornamental, dramático, cultivando os contrastes e uma plasticidade sedutora, veiculam um conteúdo programático articulado com requintes de retórica e grande pragmatismo. A arte barroca brasileira foi uma arte em essência funcional, prestando-se muito bem aos fins a que foi posta a servir: além de sua função puramente decorativa, facilitava a absorção da doutrina católica e dos costumes europeus pelos neófitos - primeiro índios, e logo em seguida negros - mas também fomentava o cultivo e confirmava a fé e as tradições dos conquistadores cristãos, que haviam chegado para dominar e explorar todo esse grande território, impondo-lhe sua cultura. Com o passar do tempo, os elementos dominados, neste caso mais o negro do que o índio, mais os artesãos populares de uma sociedade em processo de integração e estabilização, começaram a dar ao Barroco importado da Europa feições novas, originais, e por isso considera-se que essa aclimatação constitua um dos primeiros testemunhos da formação de uma cultura genuinamente nacional.

O poema épico Prosopopeia (1601), de Bento Teixeira, é um dos seus marcos iniciais. Atingiu o seu apogeu na literatura com o poeta Gregório de Matos e com o orador sacro Padre Antônio Vieira, e nas artes plásticas seus maiores expoentes foram Aleijadinho e Mestre Ataíde. No campo da arquitetura esta escola se enraizou principalmente no Nordeste e em Minas Gerais, mas deixou grandes e numerosos exemplos também por quase todo o restante do país, do Rio Grande do Sul ao Pará. Quanto à música, por relatos literários sabe-se que foi também pródiga, mas, ao contrário das outras artes, quase nada se salvou. Com o desenvolvimento do Neoclassicismo e do Academismo a partir das primeiras décadas do século XIX, a tradição barroca caiu rapidamente em desuso na cultura da elite.

Porém, ele sobreviveu na cultura popular especialmente em regiões interioranas, no trabalho de santeiros e em algumas festividades, e desde que os intelectuais modernistas iniciaram, no início do século XX, um processo de resgate do Barroco nacional, grande número de edificações e acervos de arte já foram protegidos pelo governo em suas

várias instâncias, através de tombamento, musealização ou outros processos, atestando o reconhecimento oficial da importância do Barroco para a história da cultura brasileira. Centros históricos barrocos como os de Ouro Preto, Olinda e Salvador, e conjuntos artísticos como o do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, receberam o estatuto de Patrimônio da Humanidade pela chancela da Unesco, e essa herança preciosa é um dos grandes atrativos do turismo cultural no país, ao mesmo tempo em que se torna um ícone identificador do Brasil, tanto para naturais da terra como para os estrangeiros.

Apesar de sua importância, boa parte do legado material do Barroco brasileiro está em mau estado de conservação e exige restauro e outras medidas conservadoras, verificando-se frequentemente perdas ou degradação de exemplares valiosos em todas as modalidades artísticas; o país ainda tem muito a fazer para preservar parte tão importante de sua história, tradição e cultura. Por outro lado, parece crescer a conscientização da população em geral sobre a necessidade de proteger um patrimônio que é de todos e que pode reverter em benefício de todos, um benefício até econômico, se bem manejado e conservado. Museus nacionais a cada dia se esforçam por aprimorar suas técnicas e procedimentos, a bibliografia se avoluma, o governo têm investido bastante nesta área e até mesmo o bom mercado que a arte barroca nacional sempre encontra ajuda na sua valorização como peças merecedoras de atenção e cuidado.

Arquitetura

Os primeiros edifícios sacros de algum vulto do Brasil foram erguidos a partir da segunda metade do século XVI, quando algumas vilas já dispunham de população que o justificasse. Foram os casos de Olinda e Salvador. As mais simples empregaram a técnica do pau-a-pique, sendo cobertas com folhas de palmeira, mas desde logo os missionários se preocuparam com a durabilidade e solidez dos edifícios, preferindo sempre que possível edificar em alvenaria, embora muitas vezes, por circunstâncias várias, fossem obrigados a usar a taipa ou o adobe. As plantas buscavam antes de tudo a funcionalidade, compondo basicamente um quadrilátero sem divisão em naves e sem capelas laterais, com uma fachada elementar que implantava um frontão triangular sobre uma base retangular, e pode-se dizer que não havia, nesse período inaugural, maior preocupação com ornamentos. Este estilo, cuja austeridade remetia aos edifícios clássicos, conheceu-se pelo nome de "arquitetura chã". Em 1577 chegou a Salvador o frei e arquiteto Francisco Dias, com a missão declarada de introduzir melhoramentos técnicos e um refinamento estético nas igrejas da colônia. Trazia a influência de Vignola, cujo estilo caíra no agrado da corte portuguesa, e fora o autor do primeiro templo barroco na Europa, a Igreja de Jesus, em Roma, que se tornou imediatamente um modelo para muitas outras igrejas jesuítas pelo mundo. No Brasil o modelo foi adaptado, mantendo o esquema da nave única mas prescindindo da cúpula e do transepto e favorecendo as torres.

Apesar das melhorias, até meados do século XVII os edifícios jesuítas, concentrados no nordeste, se mantiveram externamente nos tradicionais contornos de grande simplicidade, no que influenciaram outras ordens religiosas, reservando para os

interiores o luxo que foi possível acrescentar, em altares entalhados, pinturas e estatuária. Entretanto, se os jesuítas foram bastante fiéis ao modelo italiano original, os franciscanos se permitiram introduzir variações nas fachadas, que podiam ser precedidas de um alpendre ou incluir uma galilé, enquanto que o campanário se deslocava para trás. No interior, a capela-mor franciscana tendia a ser menos profunda do que a jesuítica, e a ausência de naves laterais podia ser compensada por dois deambulatórios longitudinais estreitos. Próxima deste modelo é a Igreja de Santo Antônio em Cairu, considerada a primeira a exibir traços claramente barrocos. Seu projetista, o frei Daniel de São Francisco, criou a fachada num esquema de triângulo escalonado, com volutas fantasiosas no frontão e nas laterais; foi uma completa novidade, sem paralelos mesmo na Europa.[50] [51] [52] Mas é de assinalar que, se por um lado as ornamentações de fachada e interior se tornaram cada vez mais suntuosas e movimentadas, tipificando o Barroco, as estruturas dos edifícios, ao longo de toda a trajetória do Barroco no país, pouco se afastaram do que determinava o estilo chão.[53]

Durante a dominação holandesa no nordeste muitas das edificações católicas foram destruídas, e na segunda metade do século XVII, após a expulsão dos invasores, o esforço principal se concentrou na restauração e reforma das estruturas pré-existentes, com relativamente poucas fundações novas.[50] A esta altura o Barroco já era o estilo dominante. Mas recebia outras influências, como a de Borromini, emprestando mais movimento às fachadas com a adição de aberturas em arco, gradis, relevos e óculos. Nos interiores, a decoração também ganhava em riqueza, mas os esquemas eram algo estáticos, no que se convencionou chamar de "estilo nacional português".[54]

Com o tempo, as fachadas adquiriam mais verticalidade e movimento, com aberturas em formas inusitadas - pera, losango, estrela, oval ou círculo - e os frontões, mais curvas, relevos em pedra e estatuária. Exemplos são a Matriz de Santo Antônio e a Concatedral de São Pedro dos Clérigos, em Recife, e em Salvador a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.[55] Um fenômeno um tanto diferente se verificou nas Reduções do sul, embora neste período aquele território ainda pertencesse à Espanha. Lá as construções mostraram desde logo um caráter mais monumental, e com uma maior variedade de soluções estruturais, com pórticos, colunatas e frontispícios elaborados. Também nas Reduções se desenvolveu um notável programa urbanístico para o aldeamento dos indígenas. Hoje em ruínas, parte desse núcleo de arquitetura civil e religiosa sulina foi declarado Patrimônio da Humanidade.[50]

A partir de meados do século XVIII, sob influência do Rococó francês, se percebe no exterior dos edifícios um aligeiramento nas proporções, tornando-os mais elegantes; as aberturas são mais amplas, permitindo uma maior penetração da luz externa, e o detalhamento nos relevos em pedra chega a um alto nível.[7] [56] O Rococó também deu importantes frutos no nordeste, como o Convento e Igreja de São Francisco em João Pessoa, considerado por Bazin a mais perfeita em seu gênero naquela região.[57]

Deve-se ainda lembrar em todas as fases a contribuição popular em muitos projetos de comunidades mais pobres, em matrizes e pequenas capelas que pontilham os sertões

brasileiros, contribuindo para a diversidade e simplificando proporções, ornamentos, técnicas e materiais muitas vezes em soluções criativas, de grande plasticidade.[45] [58] E paralelamente à construção de igrejas, os religiosos sempre construíram conventos, mosteiros, colégios e hospitais, alguns deles de avantajadas dimensões e que, nos dois primeiros casos, podiam ser decorados com um luxo comparável ao encontrado nas mais ricas igrejas.

O Paço Imperial, no Rio, antigo Paço dos Vice-Reis

A residência, durante o período Barroco, caracterizou-se pela grande heterogeneidade de soluções estruturais e no uso dos materiais, muitas vezes empregando técnicas aprendidas com os índios, uma diversidade que se encontra entre ricos e pobres. Entretanto, no ambiente urbano a fórmula que se tornou mais frequente, herdada da arquitetura portuguesa, foi de uma estrutura térrea, com fachada abrindo direto para a rua e pegada à das casas vizinhas, e com cômodos enfileirados, muitas vezes mal ventilados, mal iluminados e de uso múltiplo. Nessa estrutura simples, não raro ampliada em sobrados de dois ou até quatro andares, os traços distintivos do Barroco podem ser mais facilmente identificados em alguns detalhes, como os telhados curvos com beirais terminados em pontas arrebitadas, os arcos abatidos nas vergas, os caixilhos e gelosias ornamentais nas janelas, em alguma pintura decorativa e azulejaria, já que de regra a residência colonial sempre teve estrutura muito austera e foi parcamente mobiliada e decorada. No interior rural, sem as limitações de espaço encontradas do ambiente citadino, a diversidade foi muito mais pronunciada. Mereceriam nota muitos solares e antigas sedes de engenhos e fazendas, como as casas bandeiristas a Casa das Onze Janelas, o Solar do Visconde de São Lourenço, a Fazenda Imperial de Santa Cruz, a Fazenda Mato de Pipa a Fazenda de Sant'Ana, a Fazenda Salto Grande, a Fazenda Tatu, o Solar Ferrão e vários outros casarões rurais e urbanos de famílias abastadas, que se por um lado podem ser bastante espaçosos e confortáveis, até imponentes, em geral têm linhas muito despojadas e econômica decoração interna, e são muitas vezes apenas uma magnificação do modelo da habitação popular, privilegiando antes a funcionalidade do que o luxo. No litoral nordestino são notáveis os sobrados azulejados, pelo seu rico efeito decorativo e pelas soluções criativas que encontraram para amenizar os efeitos do clima úmido e quente da região, havendo uma grande concentração de exemplares no Centro Histórico de São Luís.

O despojamento da arquitetura civil poderia causar surpresa no caso dos casarões da elite, dada a grande riqueza de muitas famílias radicadas na terra, mas explica-se pelo fato de que o contexto da vida colonial foi marcado pela dispersão, pela instabilidade e mobilidade, com famílias fracamente estruturadas, o que se refletiu no caráter provisório, simplificado e improvisado de tantas edificações, evitando-se gastos com o que seria, a princípio, usado por pouco tempo. Na verdade, quanto menos se gastasse na colônia, melhor, pois nos primeiros séculos da colonização boa parte dos portugueses se mudava para aqueles longínquos e ermos Brasis imaginando ficar só por temporada, ansiando voltar para Portugal tão pronto fizesse fortuna, deixando para trás uma terra admitidamente bela e rica, mas inóspita e selvagem, considerada de clima insalubre,

onde a sobrevivência exigia árduo esforço e estava sempre em perigo - a vida na colônia era vista por muitos como um acabrunhante desterro.[16] [45] [78] Desde o início do processo colonizador aquela sensação de impermanência ficara evidente, como se nota, por exemplo, na crítica do frei Vicente do Salvador, formulada em 1627 em sua Historia do Brazil, à ojeriza geral que despertava a ideia de ter o Brasil como residência definitiva:

"Os povoadores, os quais por mais arraigados, que na terra estivessem, e mais ricos que fossem, tudo pretendiam levar a Portugal, e se as fazendas e bens que possuíam soubessem falar também lhes haveriam de ensinar a dizer como os papagaios, aos quais a primeira coisa que ensinam é 'papagaio real para Portugal'; porque tudo querem para lá, e isto não tem só os que de lá vieram, mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem, e a deixarem destruída".

Além disso, mesmo as mais poderosas elites governantes se viam constantemente aflitas no cotidiano colonial por dificuldades, incertezas e carências de todos os tipos, como manifestas nas eternas queixas do Marquês do Lavradio e outros oficiais do Reino, resultando que até seus próprios palacetes e os edifícios públicos mais importantes fossem pobres e acanhados comparativamente a congêneres portugueses.[16] [45] Do reduzido número de exemplos significativos na categoria dos palácios públicos se destacam algumas antigas Casas de Câmara e Cadeia, como a de Ouro Preto, talvez a mais célebre, com uma rica e movimentada fachada onde há um pórtico com colunas, escadaria monumental, torre e estatuária;[79] a de Mariana,[80] e a de Salvador,[81] além dos palácios de uso misto como residência oficial e casa de despachos, como o dos Governadores do Pará[82] e dos Vice-Reis no Rio, que foi uma das residências da família reinante quando ela se transferiu para a colônia em 1808.[83] Outros sobrevivem, mas tiveram suas características barrocas muito desfiguradas por reformas posteriores, como ocorreu com os paços dos Governadores do Maranhão e da Bahia.[84] [85] Embora pertencente à Igreja, deve ser incluso nesta categoria o importante Palácio Arquiepiscopal de Salvador.

O caso mineiro

Minas teve a peculiaridade de ser uma área de povoamento mais recente, e pôde-se construir em estéticas mais atualizadas, no caso, o Rococó, e com mais liberdade, uma profusão de igrejas novas, sem ter de adaptar ou reformar edificações mais antigas já estabelecidas e ainda em uso, como era o caso no litoral, o que as torna exemplares no que diz respeito à unidade estilística. O conjunto das igrejas de Minas tem uma importância especial tanto por sua riqueza e variedade como por ser testemunho de uma fase bem específica na história brasileira, quando a região foi a "menina dos olhos" da Metrópole por suas grandes jazidas de ouro e diamantes.

A arquitetura mineira é interessante por se realizar geralmente em um terreno acidentado, cheio de morros e vales, dando uma forma atraente à urbanização das cidades. Mas não é isso o que torna Minas especial, já que a construção civil segue

modelos formais comuns a toda arquitetura colonial brasileira. Entretanto, o caso mineiro tem o atrativo de constituir o primeiro núcleo no Brasil de uma sociedade eminentemente urbana.[87] Várias das antigas cidades coloniais mineiras ainda guardam rica arquitetura da época. Os centros históricos de Ouro Preto e Diamantina são Patrimônio da Humanidade; muitas outras também preservaram ricas igrejas e casarios. De qualquer forma, suas características estilísticas distintivas são mais claramente expressas na arquitetura religiosa, nas igrejas que proliferam em grande número em todas essas cidades. Segundo Telles, a originalidade da edificação sacra mineira está em dois elementos:

"a conjugação de curvas e de retas ou de planos, criando pontos e arestas de contenção, nas plantas, nos alçados e nos espaços internos;

"a organização das frontarias tendo como centro de composição a portada esculpida em pedra-sabão; portadas que se constituem, visualmente, em núcleo, de onde derivam os demais elementos: pilastras, colunas, cimalhas, frontão, e para a qual eles convergem.[88]

Contudo, tais elementos só vieram a uma consumação perto do final do ciclo. No início do século as igrejas ainda derivavam suas plantas da matriz maneirista, com desenho retangular, fachada austera e frontão triangular, modelo exemplificado na Catedral de Mariana. Pedro Gomes Chaves introduziu em 1733 inovações importantes na Matriz do Pilar em Ouro Preto, com uma fachada em planos disjuntos e uma planta retangular, mas cuja talha redefinia o espaço interno na forma de um decágono.[89] Originais de fato, sem precedentes tanto na arquitetura brasileira como na portuguesa, foram as igrejas projetadas por Antônio Pereira de Sousa Calheiros, com destaque para a do Rosário dos Pretos em Ouro Preto, com planta composta de três elipses encadeadas, fachada em meio-cilindro com uma galilé de três arcos, e torres cilíndricas.[90]

Da mesma época é a fachada do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos. Seu frontispício lavrado em pedra-sabão é tido como o primeiro exemplo brasileiro dessa solução decorativa, obra possivelmente de Jerônimo Félix Teixeira. Hoje um Patrimônio da Humanidade, o santuário é caracterizado pela sua implantação cenográfica e monumental, abrigando ainda o maior e mais importante grupo de esculturas de Aleijadinho. Na segunda metade do século foi construída a Igreja do Carmo de Ouro Preto, com uma composição de fachada ainda mais ousada: o plano frontal cedeu lugar a uma parede ondulada, com torres circulares em recuo e óculo trilobado. Traçada por Manuel Francisco Lisboa, o pai de Aleijadinho, seu plano foi alterado em 1770 por Francisco de Lima Cerqueira. Aleijadinho esculpiu a portada. Aleijadinho, junto com Cerqueira, se tornariam os arquitetos mais originais e importantes do Barroco brasileiro, e suas obras são a súmula das novidades que distinguem o Barroco/Rococó de Minas Gerais. Aliás, a contribuição de Cerqueira, longamente obscurecida pela grande fama do Aleijadinho, tem sido recentemente reavaliada, concedendo-se a ele uma importância possivelmente maior que a do outro no campo da arquitetura. Talvez o melhor exemplo de sua coautoria seja a Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto. Diz a tradição

que o projeto é do Aleijadinho, embora não haja documentação confirmatória. Sabe-se, porém, que Cerqueira modificou o plano original, e de certeza é do Aleijadinho apenas a escultura da portada. De qualquer forma o templo é considerado uma jóia de harmonia entre exterior e interior. Sua imagem já se tornou icônica, sendo possivelmente a igreja barroca mineira mais conhecida no Brasil e no estrangeiro.

NEOCLASSICISMO

O neoclassicismo é um movimento artístico que, a partir do final do século XVIII, reagiu ao barroco e ao rococó, e reviveu os princípios estéticos da antigüidade clássica, atingindo sua máxima expressão por volta de 1830. Não foi apenas um movimento artístico, mas cultural, refletindo as mudanças que ocorrem no período, marcada pela ascensão da burguesia. Essas mudanças estão relacionadas ao racionalismo de origem iluminista, a formação de uma cultura cosmopolita e profana;

A pregação da tolerância; a reação contra a aristocracia e a Revolução Industrial inglesa.

Entre as mudanças filosóficas, ocorridas com o iluminismo, e as sociais, com a revolução francesa, a arte deveria tornar-se eco dos novos ideais da época: subjetivismo, liberalismo, ateísmo e democracia. Esses foram os elementos utilizados para reelaborar a cultura da antigüidade clássica, greco-romana.

No século XVIII, as rápidas e constantes mudanças acabaram por dificultar o surgimento de um novo estilo artístico. O melhor seria recorrer ao que estivesse mais à mão: a equilibrada e democrática antigüidade clássica. E foi assim que, com a ajuda da arqueologia (Pompéia tinha sido descoberta em 1748), arquitetos, pintores e escultores logo encontraram um modelo a seguir.

Surgiram os primeiros edifícios em forma de templos gregos, as estátuas alegóricas e as pinturas de temas históricos. As encomendas já não vinham do clero e da nobreza, mas da alta burguesia, mecenas incondicionais da nova estética. A imagem das cidades mudou completamente. Derrubaram-se edifícios e largas avenidas foram traçadas de acordo com as formas monumentais da arquitetura renovada, ainda existente nas mais importantes capitais da Europa.

Arquitetura

Na arquitetura percebe-se melhor os novos ideais que se desenvolvem na Europa. De uma forma geral foi marcada pela simplicidade, sendo que em alguns casos percebe-se maior influência romana, com obras marcadas pela severidade e monumentalidade; e em outros casos se sobressaem as características gregas, com maior graça e pureza.

No fim do século XVII, inicia-se em países como a França e a Inglaterra um movimento artístico sob a influência do arquiteto Palladio (palladianismo), que mais tarde, em pleno século XVIII, com a revolução francesa, acabaria se estendendo por toda a Europa, sob o nome de classicismo. A arquitetura barroca não tinha tido grande repercussão nesses

países. Um exemplo disso é a rejeição ao projeto de Bernini para o palácio do Louvre, considerado italiano demais.

Assim, pode-se falar, principalmente na França, de um segundo renascimento da antigüidade. Lá, as últimas igrejas construídas persistiam na dinâmica do gótico, tornando-se indispensável uma renovação. Entretanto, seus arquitetos não estavam dispostos a prosseguir dentro da estética empolada e amaneirada do barroco. Os fundadores da jovem ciência da arqueologia proporcionaram as bases documentais dessa nova arquitetura de formas clássicas. Surgiram assim os edifícios grandiosos, de estética totalmente racionalista: pórticos de colunas colossais com frontispícios triangulares, pilastras despojadas de capitéis e uma decoração apenas insinuada em guirlandas ou rosetas e frisos de meandros. As cidades tiveram de se adaptar a essas construções gigantescas. Desenharam-se largas avenidas para abrigar os novos edifícios públicos, academias e universidades, muitos dos quais conservam ainda hoje a mesma função.

Neoclassicismo no Brasil

O Neoclassicismo no Brasil deve seu florescimento à influência europeia, onde era cultivado desde meados do século XVIII. Seus primeiros sinais apareceram na literatura e arquitetura, mas somente no início do século XIX, a partir das preferências da corte portuguesa, instalada no Rio de Janeiro desde 1808, é que se tornou uma espécie de "estilo oficial", passando a sobrepujar em mais larga escala a arraigada tradição barroca. Com a chegada da Missão Artística Francesa, em 1816, e a consequente fundação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, o estilo foi institucionalizado e seu ensino, sistematizado num modelo conhecido como Academismo.[1] [2] [3]

Reagindo contra o Barroco, o Neoclassicismo se caracterizou pela ênfase no racionalismo, no equilíbrio, na ordem, na moderação e na economia, e teve como inspiração básica o legado cultural da Antiguidade Clássica, de onde deriva seu nome, também incorporando a interpretação renascentista daquele legado, mais os princípios sociais e éticos renovadores da filosofia iluminista.[4] [5] No Brasil, além de apresentar características similares, o estilo se tornou um elemento ideológico indicativo de progresso e civilização. Seu conteúdo político incitou a Inconfidência Mineira e, após a proclamação da independência, inspirou um projeto modernizador oficial num momento em que a antiga colônia se tornava uma nação autônoma e buscava esquecer a longa dominação portuguesa, fortemente associada com o Barroco.[6] [7] No entanto, dadas as condições peculiares da cultura brasileira no período imperial, o Neoclassicismo logo fundiu-se ao Romantismo e ao Realismo, outras importações europeias, dando origem a um estilo eclético.

A adaptação brasileira

Os ideais neoclássicos encontraram o Brasil ainda como uma colônia de Portugal, pesadamente explorada e rigidamente controlada. [15] Apesar do temor com que a Metrópole portuguesa via a circulação do iluminismo na colônia, censurando livros e

perseguindo seus propagadores, paradoxalmente as próprias instâncias oficiais deram sua contribuição para a mudança, através das reformas institucionais, educativas e jurídicas introduzidas pelo Marquês de Pombal, adepto do despotismo esclarecido. Em Minas, mais para o final do século, o Neoclassicismo iluminista foi cultivado por um grupo de literatos que pretendia abolir a monarquia absolutista e implantar uma democracia burguesa e independente de Portugal. Alvarenga Peixoto, Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, entre outros, deram origem a uma insurreição conhecida como Inconfidência Mineira, severamente reprimida pelas autoridades coloniais, onde o martírio de Tiradentes acabou se tornando mais tarde um popular símbolo de liberdade. No Rio também foram os literatos os responsáveis pela introdução das ideias iluministas, através da fundação de uma sociedade clandestina que estava em contato com os sediciosos de Minas.

Enquanto corrente estética, as primeiras manifestações neoclássicas no Brasil ocorreram estando o território imerso no estilo Barroco, que lá enraizara desde o século XVII. O Barroco nacional fora marcado pela influência dominante da Igreja Católica, dando seus principais frutos no campo da arte sacra e sendo dirigido principalmente para a catequese e o estímulo à devoção. Era uma arte funcional e didática, carregada de misticismo e de caráter fortemente ornamental, retórico, dinâmico, dramático, espetaculoso e extravagante.[17] [18] Reagindo contra esse modelo, o Neoclassicismo cultivou uma arte austera, equilibrada e pouco dada a ornamentações, abordando com mais ênfase também temas profanos e celebrando uma sociedade laica.[4] [5] [19] O Neoclassicismo brasileiro derivou de várias vertentes, e não foi tão ortodoxo como em seus inícios europeus, mesclando-se a antecipações românticas e resíduos barroco-rococós.

O estilo sedimentou-se após a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808. A chegada da corte, composta de milhares de fidalgos, clérigos e oficiais, encontrando um povoado acanhado e relativamente pacato, de imediato causou uma revolução na vida dos cariocas, e logo o Príncipe Regente Dom João ordenou melhorias buscando dar-lhe condições próximas à de uma cidade europeia. Vários palacetes foram reformados ou construídos segundo a nova tendência, foi estabelecido um novo padrão para as habitações comuns, ruas foram abertas, foram instaladas fontes e passeios públicos, pântanos foram drenados. Apesar dos grandes projetos, a reurbanização neoclássica do Rio enfrentou dificuldades várias e teve um alcance limitado. Mais importante foi a chegada em 1816 da Missão Artística Francesa, formada por neoclássicos convictos que almejavam civilizar e modernizar o panorama artístico nacional, rejeitando sumariamente tudo o que fosse barroco, sinônimo, para eles, de mau gosto e atraso. Por sua iniciativa foi fundada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, antecessora da Academia Imperial de Belas Artes, a principal responsável pela reorganização de todo o sistema das artes visuais e arquitetura brasileiras, modernizando a metodologia de ensino e impondo os padrões neoclássicos como um modelo ideal, inspirados nas academias europeias, particularmente a Academia de Belas Artes de Paris.

Porém, em virtude de crônica carência de verbas, de constantes intrigas palacianas e disputas internas, da resistência dos artistas nacionais, ainda aferrados às tradições barrocas, e da instável situação econômica e política brasileira entre a Independência e o Segundo Reinado, a Academia em suas primeiras décadas de existência pouco pôde fazer e sua produção foi pequena. Somente com o mecenato de Dom Pedro II, já na segunda metade do século XIX, é que a Academia Imperial veria florescer seu projeto, mas neste momento o Neoclassicismo já se fundia ao Romantismo e, logo em seguida, ao Realismo, formando uma síntese eclética.