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artigo jornalistico
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Boa parte da vida do engenheiromecânico José Artur Padilha, 57,
principalmente ao longo dos últimos 30anos, tem sido dedicada a transformara fazenda Caroá, de sua propriedade,em um gigantesco laboratório de ex-periências para melhorar a produtivi-dade da pecuária e da agricultura nosemi-árido nordestino.
Aproveitando os recursos da pró-pria caatinga e do relevo, Padilha vemcriando, adaptando e aplicando, em suapropriedade – em Afogados daIngazeira, a 390 quilômetros de Reci-fe –, técnicas alternativas que, ao pro-duzirem resultados expressivos, aca-baram por atrair a atenção do Gover-no Federal.
Recentemente, ele assinou umconvênio com o Ministério Extraor-dinário de Política Fundiária (MEPF)para transformar a fazenda de 650hectares num centro de treinamen-to para assentados peloInstituto Nacional de Co-lonização e ReformaAgrária (Incra). A propri-edade tem área equiva-lente a um assentamen-to que abrigue 15 famíli-as.
Numa primeira etapa,serão treinados 600 agri-cultores de 300 assenta-mentos de Minas Gerais,Bahia, Alagoas, Paraíba,Ceará e Pernambuco. “Aidéia é que esses assen-tamentos integrem umarede de multiplicadores dastecnologias desenvolvidas na fazen-da Caroá”, explica Padilha.
Desenvolvimento sustentável inspira projetopara melhorar a produtividade no semi-árido
Fazenda no interior de Pernambuco é referência para treinamento de assentadose agricultores familiares em técnicas que aproveitam recursos naturais
O DESAFIO
A fazenda Caroá parece mesmoser o cenário ideal para despertar a
criatividade de seu pro-prietário. Além da escas-sez de chuvas, das al-tas taxas de evaporaçãoda água e da pobreza dosolo – características dosemi-árido local – aCaroá tem outros agra-vantes à produção. Umacadeia de colinas, comencostas muito escarpa-das, margeia a proprie-dade e forma um valeestreito, cortado por umpequeno riacho, seco namaior parte do ano.
Padilha encarou esse desafio e, uti-lizando técnicas inspiradas em seusconhecimentos de engenharia, chegou
a soluções simples, que aproveitam osrecursos da natureza em benefício daprodução.
OS BARRAMENTOS EO PROJETO BASE ZERO
O grande ‘achado’ foi a construçãode pequenas barragens de pedra aolongo das grotas e riachos. Durante aestação das chuvas, a função dessesbarramentos é reduzir, ao mínimo pos-sível, a velocidade de escoamento dastorrentes de água.
Padilha explica que partiu de umprincípio básico, que depois veio a de-nominar de projeto Base Zero: “a or-ganização do aproveitamento integra-do e máximo do conjunto das águasdas chuvas, associadas a todos osdemais fenômenos químicos e bioló-gicos que elas desencadeiam ao seprecipitarem, escoarem, transpirarem
Na fazenda Caroá, os agricultores são capacitados para aplicaras técnicas das barragens de pedra nos assentamentos.
Padilha: a força dagravidade encarrega-sede distribuir água pela
fazenda.
Ministério Extraordinário de Política Fundiária - MEPF/NEAD/INCRAMinistério Extraordinário de Política Fundiária - MEPF/NEAD/INCRADesenvolvimento Rural Apoiado no Conceito Base Zero
Relatório da visita ao projeto Base ZeroRelatório da visita ao projeto Base ZeroFazenda Caroá, em Afogados da Ingazeira - PE - agosto de 1999Fazenda Caroá, em Afogados da Ingazeira - PE - agosto de 1999
Elaborado pelos jornalistas Netto Costa e Andréa Aymar
e evaporarem.”Mas não foi sem percalços que o
engenheiro chegou ao projeto idealdos barramentos. A primeira tentati-va para juntar água foi construir bar-ragens retas e de cimento no cursodo riacho temporário que passa pe-las suas terras. Além de caro, essemodelo não resistiu às primeiras en-xurradas. Com a pressão e o pesoda água e da terra que ficavam re-presadas as contenções rachavam.
Depois de muitos anos ‘quebran-do a cabeça’, Padilha resolveu ado-tar o modelo de arcos romanos dei-tados e construir os barramentos so-mente de pedras secas, sem utilizarargamassas. As pedras, dispostasinteligentemente, formam o corpo dasobras, dispensando a escavaçãopara fundações estruturais. Detalheimportante: o lado convexo do arcoromano deitado deve estar voltado
para a nascentedo curso d’água,pois com a com-pressão das en-xurradas as pe-dras se unemcada vez mais,dispensado manu-tenção constante,salvo um pequenoajuste após a pri-meira enxurrada.O projeto foi umsucesso.
Como primeiro efeito das chuvas,constatou-se que uma parte dos mi-nerais e materiais orgânicos diluídosou transportados pelas águas, indode encontro aos barramentos, aca-bava por vedar gradualmente as pe-quenas fendas entre as pedras. Si-multaneamente, os materiais trazi-dos nas enxurradas são decantados,
assoreados e sedimentados em ca-madas, devido à perda de energiaocasionada pela horizontalidade dotrajeto das águas.
Num segundo momento, osbarramentos provocam a recupera-ção do solo, que acaba por preen-cher as calhas dos rios e riachos tem-porários, anteriormente erodidas.Como conseqüência, produzem, ain-da, a regularização da superfície e osurgimento de novas áreas para pas-tagem ou plantações. Formam-se,assim, manchas de soloumidificadas e fertilizadas – mesmoem longos períodos de estiagem –provocando a regeneração dabiodiversidade, “esta é a faceta prin-cipal do projeto Base Zero”, revelaPadilha.
A prática vem demonstrando que aobtenção dos primeiros resultados podeacontecer em curtos prazos de tempo.
A REDE DE ABASTECIMENTODE ÁGUA
Na busca de soluções práticaspara melhorar a produtividade de suafazenda, a engenhosidade de Padilhanão parou por aí. Cavando cacimbas,descobriu pequenas fontes d’águanos pontos mais altos de suas ter-ras e – utilizando apenas a força dagravidade – implementou uma redede abastecimento. Dessa forma, con-seguiu levar água a cerca de 50 pon-tos diferentes, principalmente paramatar a sede dos animais.
Essa rede de abastecimento deágua funciona de maneira bastantesimples: a fonte primária é ligada adiversos reservatórios intermediári-os – ou castelos, como denominaPadilha. Esses, por sua vez, forne-cem água para bebedouros espalha-dos estrategicamente pela fazenda.
AFOGADOS DA INGAZEIRA
O engenheiro pernambucanoArtur José Padilha explica
que o projeto Base Zero trata-se,em última instância, de um esque-ma que visa a gestão ótima dos re-cursos hídricos de uma microbaciahidrográfica. No caso da fazendaCaroá, 450 dos 650 hectares dapropriedade pertencem à mesmamicrobacia hidrográfica, chamada
As microbacias e a gestãoracional das águas
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SIMULAÇÃO DO SURGIMENTODAS CHUVAS E DOS CURSOSD’ÁGUA NA MBH CARAPUÇAS
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Carapuças.A partir da gestão racional
das águas de cada microbaciahidrográfica, a tecnologia, deno-minada Base Zero, organiza odesenvolvimento rural sustenta-do com base na otimização doaproveitamento produtivo dosoutros elementos, fatores e fe-nômenos naturais.
Carros sobre solo reconstituído com a utilização dos barramentos.Surgem novas áreas para pastagem ou plantações.
RAPIDEZ E BAIXO CUSTO
A simplicidade e praticidade dasinovações experimentadas na fazen-da Caroá fazem delas modelos que po-dem ser adotados e adaptados em di-versos locais ou situações. Osbarramentos, por exemplo, têm proces-so de construção rápida e a baixíssimocusto, quase todo demandando apenasdespesas de mão-de-obra.
A construção de uma pequena bar-ragem (cerca três metros de extensãoe um metro de altura) custa aproxima-damente R$ 100. Os gastos limitam-se ao pagamento de mão-de-obra, jáque o material usado são apenas aspedras encontradas com facilidade naregião semi-árida do Nordeste.
Os conjuntos de barramentos su-cessivos provocam o surgimento deafloramentosde água espa-çados, permi-tindo a cons-trução de redede abasteci-mento.
Como arede de abas-tecimento deágua não de-pende da utili-zação de bom-bas elétricas,o custo de implantação é mínimo, limi-tando-se a aquisição de tubos, válvu-las e registros, de custos modestos.Para os reservatórios e bebedouros,aproveita-se as pedras do local e ummínimo de materiais de construção.Cada bebedouro custa, assim, cercade R$ 20.
OÁSIS NO SERTÃO
Os agricultores que participaramdo primeiro treinamento para tornarem-se multiplicadores das tecnologias de-senvolvidas na fazenda Caroá, emagosto de 1999, aprovaram as idéiasdo engenheiro para enfrentar os pro-blemas da produção em regiões decaatinga. Manoel Gomes da Silva, as-sentado do Incra, emocionou-se como que viu: “É fantástico ver que com
idéias simples podemos transformarnossa dura realidade.” Manoel garan-te que vai sensibilizar os demais agri-cultores do assentamento Caldeirões,
no município de Iguaraci/PE, para ado-tarem os sistemas implantados porPadilha.
Na fazenda Caroá, um sistema de100 barragens (com tamanhos quevariam de 2,5 a 30 metros de extensãoe de 0,5 a 4 metros de altura) e a redede abastecimento de água transforma-ram a propriedade em um oásis no meiodo desolado sertão nordestino.
Enquanto os vizinhos sofrem comas conseqüências da seca, Padilhacontinua produzindo, por meio de pe-cuária, apicultura, modesta fruticulturae pequana agricultura, em seus 650hectares. “Essa é uma solução muitoboa para os pequenos proprietários en-frentarem a seca”, aposta.
Visita àfazendaCaroá:cercasobre umbarramentoe, aofundo,capimnascidoem soloregenerado.
Projeto Base Zero integraa Agenda 21 brasileira
Devido a sua importância, oprojeto Base Zero foi inclu-
ído na Agenda 21 Brasileira, naárea de Agricultura Sustentável.A Agenda 21 é um documentoredigido a partir de um convê-nio entre o Programa das Na-ções Unidas para o Desenvol-vimento (Pnud) e o Ministério doMeio Ambiente que pretendeapontar os possíveis caminhosfrente aos desafios da agricul-tura para o próximo século.
Segundo o documento, “aidéia de uma agricultura sus-
tentável revela, antes de tudo,a crescente insatisfação como status quo da agriculturamoderna. Indica o desejo so-cial de práticas que, simulta-neamente, conservem os re-cursos naturais e forneçamprodutos mais saudáveis, semcomprome te r os n í ve i stecnológicos já alcançadosde segurança alimentar. Re-sulta de emergentes pressõessociais por uma agriculturaque não prejudique o meioambiente e a saúde.”