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Cópia da sentença proferida pelo 3.°juízo cível da comarca de Lisboa referente ao nome n.° 6:944. Sentença a fl. 121: Palmira Gomes Lino Gouveia, identificada nos autos, requereu o registo, na Repartição da Propriedade In- dustrial, do nome Casa da Sorte para um estabelecimento de venda de jogo de lotaria que possui na cidade de Luanda, África Ocidental Portuguesa. Foi-lhe indeferida a pretensão com o fundamento de que é possível a concorrência desleal, independentemente da intenção da requerente, se o registo for admitido (Código da Propriedade Industrial, artigo 187.°, n.° 4.°). Do despacho de indeferimento interpôs o requerente o presente recurso por entender que o registo não pode ser recusado atento o preceituado no artigo 144.° do código referido. Seguindo o processo os termos dos artigos 206.° e seguintes deste código, veio, a fl. 92, António Augusto Nogueira da Silva, proprietário da Casa da Sorte, desta cidade de Lisboa, oferecer as suas alegações de oposição à pretensão da requerente do registo. Alega a ilegitimidade desta e, quanto ao pedido, sus- tenta que ele não é de atender pelo mesmo fundamento por que a Repartição da Propriedade Industrial o re- cusara. Cumpre-me decidir. Reputo a requerente parte legítima, atento o disposto no artigo 204.° do código em referência; e, quanto ao recurso, entendo que lhe assiste o direito que, por via dele, pretende ver realizado. Que a lei consente o registo de nomes idênticos para estabelecimentos comerciais ou industriais, quando um seja no continente do Império ou ilhas adjacentes e o outro numa das suas colónias, é ponto que não consente a mais pequena dúvida. Assim o decretam, com efeito entre outros, os arti- gos 144.°, n.° 7.°, e 159.°, n.° 2.°, do por vezes citado código. Isto é, o desdobramento do princípio contido no ar- tigo 75.° da lei da propriedade industrial, segundo o qual o direito ao uso exclusivo, que deriva do registo de nome ou insígnia de estabelecimento, se estende a todo o continente e ilhas adjacentes e no Império Colonial à colónia em que estiver situado o estabelecimento. Perante estas claras e expressas permissões legais, eu não vejo como é que possa ser negada à recorrente o registo do nome Casa da Sorte para um seu estabele- cimento situado na colónia de Angola. Se o legislador,prevendo expressamente ocaso,curando ex proprio da matéria, não assegura o uso exclusivo do nome senão dentro do continente e ilhas ou dentro de cada. colónia, como é que o intérprete pode estabelecer uma protecção que a lei categòricamente repele? Não admite o meu espírito que isso possa suceder. A recusa, no entanto, deu-se; a protecção que a lei não consente conferiu-se. Invocou-se para tanto o n.° 4.° do artigo 187.° do Código da Propriedade Industrial, na última parte. Dispõe esse artigo que «além dos indicados nos capí- tulos anteriores, são fundamentos de recusa da patente, depósito ou registo» : 4.° O reconhecimento de que o requerente pre- tende fazer concorrência desleal ou que esta é pos- sível independentemente da sua intenção. Foi com o fundamento de que, admitido o registo, é possível a concorrência desleal, independentemente da intenção da requerente, que a entidade competente o re- cusou. Baseou-se ela na parte final do referido n.° 4.° do ar- tigo 187.° A intenção da requerente na prática de qualquer con- corrência desleal essa foi expressamente posta de parte pela entidade recusante. Não há que considerá-la, pois. Mas será admissível, no caso, outra concorrência des- leal, concorrência alheia à intenção do agente? Diz-se que a concessão do registo tornaria natural e legítima para o público a ilusória suposição de que o es-.

Baseou-se nos artigos 144.°, n.° 7.°, e 159.°, n.° 2.°, do · de venda de jogo de lotaria que possui na cidade de Luanda, África Ocidental Portuguesa. ... expressamente prevê

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Cópia da sentença proferida pelo 3.° juízo cível da comarca de Lisboa referente ao nome n.° 6:944.

Sentença a fl. 121:

Palmira Gomes Lino Gouveia, identificada nos autos, requereu o registo, na Repartição da Propriedade In- dustrial, do nome Casa da Sorte para um estabelecimento de venda de jogo de lotaria que possui na cidade de Luanda, África Ocidental Portuguesa.

Foi-lhe indeferida a pretensão com o fundamento de que é possível a concorrência desleal, independentemente da intenção da requerente, se o registo for admitido (Código da Propriedade Industrial, artigo 187.°, n.° 4.°). Do despacho de indeferimento interpôs o requerente o

presente recurso por entender que o registo não pode ser recusado atento o preceituado no artigo 144.° do código referido. Seguindo o processo os termos dos artigos 206.° e

seguintes deste código, veio, a fl. 92, António Augusto Nogueira da Silva, proprietário da Casa da Sorte, desta cidade de Lisboa, oferecer as suas alegações de oposição à pretensão da requerente do registo. Alega a ilegitimidade desta e, quanto ao pedido, sus-

tenta que ele não é de atender pelo mesmo fundamento por que a Repartição da Propriedade Industrial o re- cusara. Cumpre-me decidir. Reputo a requerente parte legítima, atento o disposto

no artigo 204.° do código em referência; e, quanto ao recurso, entendo que lhe assiste o direito que, por via dele, pretende ver realizado. Que a lei consente o registo de nomes idênticos para

estabelecimentos comerciais ou industriais, quando um seja no continente do Império ou ilhas adjacentes e o outro numa das suas colónias, é ponto que não consente a mais pequena dúvida. Assim o decretam, com efeito entre outros, os arti-

gos 144.°, n.° 7.°, e 159.°, n.° 2.°, do por vezes citado código. Isto é, o desdobramento do princípio contido no ar-

tigo 75.° da lei da propriedade industrial, segundo o qual o direito ao uso exclusivo, que deriva do registo de nome ou insígnia de estabelecimento, se estende a todo o continente e ilhas adjacentes e no Império Colonial à colónia em que estiver situado o estabelecimento. Perante estas claras e expressas permissões legais,

eu não vejo como é que possa ser negada à recorrente o registo do nome Casa da Sorte para um seu estabele- cimento situado na colónia de Angola. Se o legislador, prevendo expressamente o caso, curando

ex proprio da matéria, não assegura o uso exclusivo do nome senão dentro do continente e ilhas ou dentro de cada. colónia, como é que o intérprete pode estabelecer uma protecção que a lei categòricamente repele? Não admite o meu espírito que isso possa suceder. A recusa, no entanto, deu-se; a protecção que a lei

não consente conferiu-se. Invocou-se para tanto o n.° 4.° do artigo 187.° do

Código da Propriedade Industrial, na última parte. Dispõe esse artigo que «além dos indicados nos capí-

tulos anteriores, são fundamentos de recusa da patente, depósito ou registo» :

4.° O reconhecimento de que o requerente pre- tende fazer concorrência desleal ou que esta é pos- sível independentemente da sua intenção.

Foi com o fundamento de que, admitido o registo, é possível a concorrência desleal, independentemente da intenção da requerente, que a entidade competente o re- cusou. Baseou-se ela na parte final do referido n.° 4.° do ar-

tigo 187.° A intenção da requerente na prática de qualquer con-

corrência desleal essa foi expressamente posta de parte pela entidade recusante. Não há que considerá-la, pois. Mas será admissível, no caso, outra concorrência des-

leal, concorrência alheia à intenção do agente? Diz-se que a concessão do registo tornaria natural e

legítima para o público a ilusória suposição de que o es-.

tabelecimento da requerente é o vendedor exclusivo em Angola do jogo proveniente do estabelecimento do re- clamante, e isso é concorrência desleal. Admitindo que essa suposição pudesse surgir, seria ela

fundamento para recusa para as colónias do registo de todos os nomes de estabelecimentos iguais, porque a mesma suposição para todos é admissível. Seria isso a negação da permissão expressamente

concedida na lei. É por isso que a repartição de informações da Repar-

tição da Propriedade Industrial deu o seu parecer fa- vorável à pretensão da requerente e é por isso que foi admitido para a colónia de Moçambique - Lourenço Marques - o registo do nome Casa da Sorte. Pelo que em resumo deixo exposto, concedo provi-

mento ao recurso e mando que se efectue o registo re- querido pela recorrente, Palmira Gomes Lino Gouveia. Custas pelo impugnante. Valor da causa, o indicado.

Lisboa, 1 de Maio de 1947. -Jacinto Amado de Vas- concelos Raposo.

Acórdão a fl. 317:

Acordam, em conferência, nesta Relação de Lisboa: Palmira Gomes Lino Gouveia, identificada nos autos,

requereu, na Repartição da Propriedade Industrial, o re- gisto do nome Casa da Sorte para um estabelecimento de venda de jogo de lotarias que tem na cidade de Luanda, África Ocidental Portuguesa. Contra tal pre- tensão reclama Augusto Nogueira da Silva, também identificado nos autos. O pedido foi indeferido com o fundamento de ser pu-

nível a concorrência desleal, independentemente da in- tenção da requerente, se o registo fosse admitido (artigo 187.° do Código da Propriedade Industrial). Desse despacho requereu para o juiz de direito a re-

querente Palmira Gomes Lino Gouveia e nesse recurso foi alegada ainda a ilegitimidade desta. A fl, 121 foi proferida a decisão, considerando a dita

requerente do registo parte legitima e dando-lhe razão, revogando-se, consequentemente, o despacho requerido. Veio então recorrer da última decisão o requerente

António Augusto Nogueira da Silva. O recurso subiu a esta Relação e houve vários inci-

dentes, e entre eles o da habilitação, que foi julgado im- procedente pelo acórdão de fls. 286 e seguintes. E como nesse acórdão se tomasse desde logo conheci-

mento da questão levantada da ilegitimidade da requerente Palmira Gouveia, que foi considerada parte legítima, foi do mesmo interposto recurso, recebido para subir a final. O Ex.mo Procurador da República emitiu o seu pare-

cer a fl. 218 no sentido de merecer provimento o re- curso. Cumpre decidir. Não há que considerar agora o caso de legitimidade

ou ilegitimidade da recorrida, invocado pelo recorrente, visto tal ponto de direito ter sido já apreciado no acór- dão a fls. 286 e seguintes, de que se interpôs recurso, e onde se decidiu que a mesma era parte legítima. Entremos, pois, na apreciação do recurso. Como se vê, trata-se de estabelecimentos de venda de

jogo de lotaria nacional, com o mesmo nome, Casa da Sorte, existentes um no continente, com sede em Lisboa, e outro em Angola, com sede em Luanda. Verifica-se ainda que aquele primeiro tem em seu fa-

vor o registo legal do nome e que o segundo pretende registá-lo também, mas foi-lhe indeferido tal pedido, como relatámos, e de que se recorreu. O M.mo Juiz, porém, em sua decisão de fl. 121, en-

tendeu ser legal esse registo e revogou o despacho re- corrido.

Baseou-se nos artigos 144.°, n.° 7.°, e 159.°, n.° 2.°, do Código da Propriedade Industrial, que, segundo o seu critério, levam à conclusão de que o legislador não assegura o uso exclusivo do nome senão dentro do con- tinente e ilhas ou dentro de cada colónia e ainda por considerar que, no caso dos autos, não podia haver a concorrência desleal, sobretudo alheia à intenção do agente. Quanto à primeira conclusão, diremos que se à pri-

meira vista a letra dessas disposições legais pode le- var a admiti-la, em rigor, em face da mesma lei não é assim. É que a Lei n.° 1:972 (lei da propriedade industrial),

no seu artigo 2.°, expressamente diz que a propriedade industrial desempenha a função social de garantia à lealdade da concorrência. E essa disposição basilar passou para o artigo 1.° do

Código da Propriedade Industrial. E assim há que assegurar a todos os cidadãos essa

garantia em todo o território português, de que faz parte tanto o continente e ilhas como qualquer das colónias. O direito ao uso exclusivo derivado do registo de

nome, conforme as disposições citadas pelo M.mo Juiz, visa apenas ao direito de marcação do espaço para re- querer o registo do mesmo nome. Isso não implica, em face da mesma lei, que tal di-

reito seja absoluto, ilimitado, incondicional. Tal direito tem de ficar dependente ainda da não vo-

rificação dessa condição basilar, essencial e primordial, a concorrência desleal, motivo de recusa, conforme o artigo 187.° do Código da Propriedade Industrial. Existindo ela e havendo reclamação, necessàriamente

tem de ser indeferido o pedido. É que aquela protecção assegurada pela lei tem de

estender-se, em todo o País, a todos os lagares em que o registo do mesmo nome dê, de facto, origem à con- corrência desleal, e, portanto, a todo o Império Portu- guês. Jamais o legislador poderia ter assim intenção de li-

mitar e restringir essa protecção, como pretende o M.mo Juiz recorrido, por não parecer lógica e justa a solução. Para efeitos dessa protecção não há que distinguir

entre continente e ilhas e as colónias. Tudo faz parte do País, a que se aplica a mesma lei. E partindo deste princípio, que nos parece o legal,

também nos parece não ter razão o M.mo Juiz na sua segunda conclusão, ou seja de não haver no caso dos autos a concorrência desleal. Aceitemos, como o fizeram as decisões de fls. 48 e 121,

de que se não verificou que a recorrida, requerente do registo, tivesse intenção de fazer tal concorrência des- leal. No entanto a última parte do artigo 187.°, n.° 4.°, do

Código da Propriedade Industrial, expressamente prevê para a recusa a possibilidade da concorrência desleal, independentemente dessa intenção. Quer dizer: Basta a possibilidade e nada mais. Uma coisa é ser a concorrência desleal certa, evidente,

manifesta, e outra coisa é ser meramente possível. Para a primeira é que pode contribuir, como elemento

de certeza, essa intenção do agente. Para a segunda basta a probabilidade e mera possibi-

lidade. Ora, nos termos do artigo 212.°, n.os 1.° e 6.°, do

Código da Propriedade Industrial, reprodução do ar- tigo 89.° da Lei n.° 1:972, consideram-se actos de con- corrência desleal todos os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado, assim como as falsas indicações de prove-

niência, região ou território, da fábrica ou oficina, pro- priedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adop- tado. Sendo assim, em face do que consta dos autos e da

natureza do ramo do negócio em causa, entendemos que o registo do-nome Casa da Sorte pedido pela recorrida não deve ser atendido por tornar-se possível essa con- corrência desleal ao estabelecimento do reclamante. É que não se trata sequer de estabelecimentos que

vendam mercadorias produzidas ou fabricadas por enti- dades diferentes em que os produtos se distinguem ge- ralmente pelas suas qualidades : melhores ou piores. Trata-se antes de um ramo de negócio sui generis, ou

seja a venda de bilhetes de lotaria nacional exclusiva da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, enviados tanto para os compradores de Angola pelos comerciantes desta colónia, como pelos comerciantes do continente, de Lis- boa ou de qualquer outra cidade. E, como é sabido e se vê até do documento de fl. 109,

é frequente os donos dos estabelecimentos aporem nos bilhetes o carimbo das suas casas. Também é sabido que, em tal ramo de negócio, influi

na compra, muitas vezes, não a qualidade do produto, aqui o palpite do número do bilhete, mas sim o nome da casa que o vende. Como se vê o estabelecimento do recorrente, registado

com o nome Casa da Sorte, é bem conhecido e acreditado no País, com sucursais no Porto e em Braga, vendendo para as colónias. Qualquer outra casa com o mesmo nome, em tal ne-

gócio, sita em Luanda, Angola, torna bem possível essa concorrência desleal. A identidade do nome tornava natural e legítima a

ilusória persuasão de que o estabelecimento da recorrida fosse sucursal, agência ou representante do estabeleci- mento do recorrente e tivesse a venda exclusiva em An- gola do jogo proveniente deste último estabelecimento. Se não há a certeza, há indiscutivelmente a possibili-

dade dessa confusão e falsa indicação de proveniência, proibidas pela lei como actos de concorrência desleal. Por isso bem o decidem indeferindo o registo pedido. Nestes termos, acordam em dar provimento ao recurso,

revogando a decisão de fls. 121 e seguintes e mantendo a constante de fl. 48, que recusou o registo pedido pela recorrida, Palmira Gomes Lino Gouveia, com custas por esta.

Lisboa, 8 de Junho de 1949. - Aquiles Brandão- Filipe Sequeira-Baltasar Pereira (votei que havia, não só possibilidade de concorrência desleal, mas intenção de a fazer; haja vista o emprego do carimbo da recor- rente nos bilhetes n.os 25:704, 19:805 e 21:936, a fls. 112 e 163, que não foram transaccionados por via do esta- belecimento do apelante, mas directamente vendidos e remetidos pela Misericórdia de Lisboa, usado em Luanda pela Livraria Lelo, desta cidade, no tempo em que eram agentes exclusivos em Angola de venda dos bilhetes pro- venientes da casa do apelante).

Acórdão a fl. 449:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: Palmira Gomes Lino Gouveia requereu no Mi- nistério da Economia o registo para Luanda, colónia de Angola, do nome Casa da Sorte para o seu estabeleci- mento ali situado e por esse nome conhecido do público. Contra esse pedido reclamou, porém, António Au-

gusto Nogueira da Silva, alegando, em resumo: Que se dedica ao negócio de lotarias, em grande es-

cala, nos seus estabelecimentos de Braga, Porto e Lis- boa, bem conhecidos pelo nome de Casa da Sorte, re- gistados sob os n.os 5:649, 6:598 e 6:774, vendendo neles ao balcão e expedindo avultadas quantidades de bilhetes

para as províncias, ilhas adjacentes e colónias, designa- damente para Angola; Que a requerente Palmira Gouveia se entrega tam-

bém ao negócio de lotarias e pretende registar para o seu estabelecimento o mesmo nome de Casa da Sorte, pelo qual é conhecido no mesmo ramo de negócio o es- tabelecimento dele reclamante em todo o território por- tuguês, tanto metropolitano como ultramarino; Que ela isto pretende sem outro intuito que não seja

o de provocar no espírito do público a confusão entre os dois e assim desviar em seu proveito e usurpar a clientela que ele reclamante angariara à custa de muitos anos de trabalho, boa orientação e grandes despesas; Que tal procedimento constitui um acto bem caracte-

rizado de concorrência desleal; o registo seria de re- cusar porque nesta última disposição legal se prescreve ex- plìcitamente que o seja sempre que ele torne possível con- corrência desleal, ainda que não haja intenção culposa. Contestou a requerente dizendo, também em resumo: Que em nada pode o pretendido registo vir a afectar

o reclamante, porque este não tem quaisquer direitos sobre o nome de Casa da Sorte na cidade de Luanda, visto não ter lá qualquer estabelecimento e dispor o ar- tigo 147.° do já citado Código que «o direito ao uso ex- clusivo que deriva do registo de nome ou insígnia de estabelecimento estende-se a todo o continente e ilhas adjacentes e, no Império Colonial, à colónia em que es- tiver situado o estabelecimento» ; Que por esta razão não pode o reclamante invocar a

seu favor o n.° 4.° do artigo 187.° do mesmo Código. Houve réplica e tréplica, nas quais, respectivamente,

o reclamante e a requerente sustentaram os seus pon- tos de vista, nada de novo tendo, porém, alegado que interesse aqui relatar. E por despacho constante da certidão de fl. 14 foi

o pedido do registo indeferido, com fundamento nas disposições do artigo 93.°, n.° 11.°, e da parte final do artigo 187.°, n.° 4.°, do referido Código da Propriedade Industrial. Desse despacho interpôs a requerente recurso para

o tribunal cível da comarca de Lisboa e obteve provi- mento pela decisão de fl. 121, na qual o M.mo Juiz mandou que se efectuasse o registo. E assim decidiu por entender que a lei só assegura

o uso exclusivo do nome dentro do continente e ilhas adjacentes ou dentro de cada colónia e que, tendo a en- tidade que recusara o registo posto expressamente de parte a intenção da requerente na prática de qualquer concorrência desleal, não era de admitir tal concorrên- cia no caso dos autos. Dessa decisão recorreu, porém, o reclamante. Já no Tribunal da Relação requereu a Palmira No-

gueira, a fl. 205, a habilitação da Sociedade Colonial de Lotarias, L.da com sede em Luanda, como titular dos direitos que ela vinha defendendo nestes autos, a fim de com a dita sociedade seguir a causa. E, como esta sociedade juntasse ao processo o do-

cumento de fl. 245, pediu o recorrente Nogueira da Silva que dele fosse o mesmo desentranhado. Mas tal pedido foi desatendido, pelo despacho de

fl. 265, e foi-o também, pelo despacho de fl. 271, um pedido de esclarecimento. Estes dois despachos foram mantidos pelo acórdão

de fl. 276, do qual o mesmo Nogueira da Silva interpôs recurso de agravo. Foi proferido depois o acórdão de fl. 286, que julgou

a Palmira Gouveia parte legítima no recurso interposto na causa principal e improcedente a habilitação por ela deduzida. Também deste acórdão o Nogueira da Silva interpôs

recurso de agravo, mas só da parte em que conheceu da legitimidade da recorrida e a julgou parte legítima.

Por último proferiu a Relação o acórdão de fl.. 317, no qual revogou a referida decisão de fl. 211, que man- dou fazer o registo pedido pela Palmira Gouveia e man- teve a de fl. 48, que o recusara. E decidiu assim por considerar aplicável ao caso dos

autos a disposição do artigo 187.°, n.° 4.°, do Código da Propriedade Industrial e possível a concorrência desleal. De tal acórdão vem interposto o presente recurso de

revista. Alega a recorrente Palmira Gouveia que ele é de

prover: Porque o pretendido registo é sòmente para Angola

e os direitos do recorrido são para o continente, con- forme dispõe o artigo 147.° daquele citado Código; Porque se trata do nome de um estabelecimento, e

não de uma marca, e só nos registos de marca se apli- cam os princípios invocados pelo recorrido ; Porque não há possibilidade sequer de concorrência

desleal por não existir a má fé, que é dela elemento indispensável, e não ser possível a confusão, visto ser a mercadoria só uma-a lotaria da Santa Casa da Mi- sericórdia de Lisboa. Juntou um parecer do Prof. Marcelo Caetano. Na sua alegação de fl. 371 o Nogueira da Silva ofe-

receu, quanto aos agravos por si interpostos, o mere- cimento dos autos e, quanto ao recurso interposto pela Palmira Gouveia, depois de sustentar a doutrina do acórdão recorrido, diz que é de negar a revista. Juntou um parecer assinado pelos Profs. Ferrer Cor-

reia e Rodrigues Queiró. O que tudo visto e considerado: O agravante Nogueira da Silva não apresentou no re-

curso que interpôs alegação especial para cada um deles. E na contraminuta de fl. 371, a que já se fez refe-

rência, nada alegou a tal respeito, porque não constitui alegação o simples oferecimento do mérito dos autos, Assim, visto dispor o artigo 690.° de Código de Pro-

cesso Civil que, na falta de alegação, o tribunal não conhecerá do recurso, não se pode tomar conhecimento de qualquer dos agravos interpostos. Quanto à revista: Conforme ficou relatado e se mostra dos autos a recor-

rente diz que o registo por ela requerido é só para An- gola e que os direitos do recorrido (escreveu «recor- rente» por manifesto equívoco) são só para o continente. E, dizendo isto nas conclusões da sua alegação, invoca

o artigo 147.° do Código da Propriedade Industrial. Impugnando, pois, por esta forma o acórdão em re-

curso quer sem dúvida significar que ele violou a dispo- sição desse artigo 147.° Não tem, porém, razão. Poderia tê-la se o agora recorrido para fundamentar

a sua reclamação tivesse invocado o artigo 144.° e seu n.° 7.° do aludido código. Dispõe-se efectivamente ai que não podem fazer parte

do nome ou da insígnia de estabelecimento os nomes, designações, figuras ou desenhos que sejam reprodução ou imitação de nomo ou insígnia já registados por outrem para estabelecimento situado no continente ou ilhas adjacentes ou na colónia em que estiver situado o estabelecimento. Mas no artigo 147.° ficou estabelecido que o «direito

ao uso exclusivo», que deriva do registo do nome ou in- sígnia do estabelecimento, estende-se a todo o continente e ilhas adjacentes e, no Império Colonial, à colónia em que estiver situado o estabelecimento. Vindo, pois, como vem assente que os estabelecimentos

do reclamante agora recorrido, registados com o nome de Casa da Sorte são situados no continente, não pode.- ria. ele proveitosamente invocar, como fundamento de recusa do registo pedido pela. agora recorrente, a dispo- sição daquele artigo 144.°, n.° 7.°, do Código da Pro-

priedade Industrial, porque o seu direito ao uso exclu- sivo, para si derivado dos registos daquele nome, não é extensivo à colónia de Angola. A sua reclamação, porém, fundou-so na disposição do

artigo 187.°, n.° -4.°, do referido código, isto é, no re- conhecimento do que a requerente do registo pretende fazer-lhe concorrência desleal, que esta é possível, inde- pendentemente da sua intenção. É, pois, sob esse ponto de vista que tem de ser apre.

ciada. Ora a Lei n.° 1:972, de 21 de Junho de 1938, auto-

rizou o Governo a elaborar e publicar o Código da Propriedade Industrial de harmonia com determinadas bases que nela mesmo fixou e logo, em primeiro lugar, a de que «a propriedade industrial desempenha função social de garantir a lealdade da concorrências. E de facto o código, publicado em 24 de Agosto de

1940, logo de entrada, no titulo I, sob a epígrafe «Dis- posições preliminares», em seu artigo 1.°, atribui à pro- priedade industrial essa função, empregando até preci- samente aquelas mesmas palavras. Depois, no titulo II, sob a epigrafe «Regimes jurídicos

da propriedade industrial», tratou: No capitulo I «Das invenções», no capitulo II «Dos

modelos de utilidade, modelos industriais e de desenhos industriais», no capítulo III «Das marcas», no capitulo IV «Das recompensas», no capitulo v «Do nome e insígnia de estabelecimento e no capítulo VI «Das denominações de origem». No v se determinou o que pode constituir nome de es-

tabelecimento (artigo 142.°) e o que não pode fazer parte do nome ou insígnia (artigo 144.°) e se estabeleceu que o direito ao uso exclusivo, derivado do registo de nome ou insígnia de estabelecimento, se estende a todoo conti- nente e ilhas adjacentes e, no Império Colonial, à colónia em que estiver situado o estabelecimento (artigo 147.°). Mas o legislador, fiel àquele princípio, tão expressa-

mente estabelecido, de que a propriedade industrial tem a função social de garantir a lealdade da concorrência, admitiu que circunstâncias poderia haver, não previstas, que contrariassem aquela finalidade e, por isso, em capi- tulo especial, no capítulo VII, sob a epígrafe «Disposi- ções comuns», estabeleceu no artigo 187.° que, além dos indicados nos capítulos anteriores, são fundamentos da recusa da patente, depósito ou registo. No IV «o reconhecimento de que o requerente pre-

tende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção». Portanto, além dos motivos da recusa, que, com refe-

rência ao nome de estabelecimento possam resultar do que dispõe o artigo 144.°, entre ales (n:° 7.°) o de ser o nome a registar reprodução ou imitação de nome já registado por outrem, há ainda o de pretender o requerente do registo fazer concorrência desleal ou ser esta possível mesmo que se não prove ter ele essa intenção ou a não tenha. Este motivo de reeusa nada tem com aquele do n.° 7.°

do artigo 144.° Nesse caso, o interessado que se opõe ao registo o

pede que ele seja recusado, lança, mão do direito que ao uso exclusivo lhe dá o seu registo já feito, do qual pode fazer uso em todo o continente e ilhas adjacentes e, no Império Colonial, na colónia em que estiver situado o seu estabelecimento, conforme eatabelece e artigo 147.° Mas no caso dos autos o agora recorrido não fez uso

de um tal direito, que, aliás, não teria, por serem os seus estabelecimentos situados no continente e o da reque, rente na colónia, de Angola. Na sua reclamação invocou, para se opor ao pedido

de registo, o fundamento que para isso pôs à sua dispo. sição o artigo 187.°, n.° 4.° - a pretensão da prática da concorrência desleal ou a sua possibilidade -, fun- damento esfe que a lei não sujoitou a limitaçõe s que,

por isso, é extensivo a todo o território nacional, podendo, portanto, ser invocado em qualquer parte e em relação a qualquer parte dele. Nem faria sentido que, tendo a propriedade industrial

a finalidade de garantir a lealdade da concorrência, o respectivo código, em que isso logo de entrada ficou expressamente assinalado, consentisse que fosse feita concorrência desleal a um estabelecimento pela simples circunstância de ele estar situado no continente e o do concorrente desleal estar situado numa colónia. O que está sujeito às limitações de espaço estabeleci-

das no artigo 147.° é o direito ao uso exclusivo, derivado do registo anterior. Mas, como ficou dito, não é disso que se trata na reclamação em causa. A Relação, julgando de aplicar ao caso dos autos a

disposição do referido artigo 187.°, n.° 4.°, bem inter- pretou a lei. Diz ainda a recorrente que não há possibilidade de

concorrência desleal. A esse respeito, porém, a Relação deu como provada

matéria de facto, e não pode isso ser submetido à cen- sura deste Supremo Tribunal, porque, segundo dispõe o § 2.° do artigo 722.° do Código de Processo Civil, o erro na apreciação das provas não pode ser objecto de recurso. Dos factos que consideram provados tirou ela a con-

clusão de que havia a possibilidade de concorrência des- leal-conclusão esta de direito que poderia ser apreciada por este Supremo Tribunal. Mas a recorrente não indicou a esse respeito, nas

conclusões da sua alegação, qual disposição legal como violada, e portanto não se pode tomar disso conheci- mento, conforme resulta do artigo 690.° do Código de Processo Civil e do assento de 9 de Julho de 1948. Pelo que fica exposto, decidem não conhecer dos agra-

vos e negar a revista e condenam os recorrentes nas respectivas custas.

Lisboa, 21 de Novembro de 1950.-- A. Bártolo-Bor- dalo e S á - Campelo de Andrade (vencido, pois entendi, sem quebra do meu respeito pela opinião dos Ex.mos Jui- zes vencedores, que a revista devia ter sido concedida, pelos motivos que em resumo aqui indico : Preceitaa-se no artigo 147.° do Código da Propriedade

Industrial que o direito ao uso exclusivo que deriva do registo do nome de um estabelecimento se estende a todo o continente e ilhas adjacentes e, no Império Colonial, à colónia em que o estabelecimento estiver situado. Vê-se, pois, que, estando feito o registo do nome do

estabelecimento do recorrido Nogueira da Silva apenas para o continente e ilhas adjacentes, o direito que lhe assiste de usar exclusivamente daquele nome é restrito ao continente e ilhas adjacentes e que a recorrente Pal- mira Gouveia tinha, consequentemente, o direito de fazer registar nome idêntico para a colónia de Angola. A protecção que o legislador dispensa quanto ao uso

exclusivo do nome registado de um estabelecimento tem por limites os da área para que o registo foi feito. Indica o código especificadamente para cada modalidade

de registo - o de invenções, de modelos de utilidade e de desenhos industriais, de marcas de recompensas, de nomes ou insígnias de estabelecimentos, de denomina- ções de origem- os motivos por que cada um desses registos pode ser recusado. E no artigo 187.°, incluído no capítulo «Disposições

comunga, enumera vários outros motivos de recusas co- muns a todos aqueles registos, entre eles, no n.° 4.°, o reconhecimento de que o recorrente pretende fazer con- corrência desleal, ou que esta é possível, independente- mente da sua intenção. Como se vê, o legislador, decerto para evitar uma

repetição escusada para cada espécie de registo, reuniu

nesse artigo 187.° os motivos de recusa comuns a todos os registos e acrescentou aos que para cada espécie de registo anunciou no capítulo respectivo. Nem desse artigo, nem de qualquer outra disposição

do código se pode tirar a conclusão de que o autor do código e da Lei n.° 1:972 tivesse pretendido alargar a área de protecção definida e bem delimitada no ar- tigo 147.° do código. Se nesse artigo 147.° se fixassem os limites do direito

ao uso exclusivo do nome registado de um estabeleci- mento, os motivos de recusa de um registo, no caso do registo requerido pela recorrente, só podiam ser consi- derados dentro da área de protecção do nome já regis- tado, e não para além das fronteiras dessa área. Sendo assim, e embora o Código da Propriedade In-

dustrial e a Lei n.° 1:972 tenham por finalidade, com a protecção que dispensam à propriedade industrial, garantir a lealdade de concorrência, não havia que con- siderar a hipótese de concorrência desleal nem a da pos- sibilidade dela para, com tal fundamento, se recusar o registo para Angola, e só para Angola, do nome do estabelecimento da recorrente, que é situado em Luanda, visto o recorrido ter o nome do seu estabelecimento registado apenas para o continente e ilhas adjacentes e a protecção que a lei lhe dispensa não poder projec- tar-se para além dessa área, mesmo quanto a concor- rência que a requerente do registo ora recorrente lhe fizesse. De resto, embora a recorrente e o recorrido se dedi-

quem ao mesmo ramo de negócio -venda de lotarias-, o recorrido não tem o exclusivo da venda de bilhetes da lotaria da Santa Casa da Misericórdia, nem de qual- quer outra. Estes os motivos fundamentais por que votei pela con-

cessão da revista). - Pedro de Albuquerque (vencido pelas mesmas razões do voto do Ex.mo Juiz Conselheiro Cam- pelo de Andrade).

Lisboa, 5 de Novembro de 1951.- O Chefe da Secção (assinatura ilegível).