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Bem Estar em Animais de Experimentação Pesquisa básica X Pesquisa aplicada Primeiro abordaremos os diferentes usos dos animais de experimentação ou de laboratório: Alguns animais de experimentação serão usados na pesquisa fundamental ou básica, ou seja, em experimentos com o único intuito de aumentar o conhecimento em uma determinada área, como fisiologia ou o próprio comportamento animal, sem qualquer idéia imediata de porque ou como este conhecimento poderá ser útil na prática. Os críticos da experimentação animal acreditam que, pelo fato de os animais sofrerem, o uso deles na pesquisa básica deveria ser mais bem justificado; deveria ao menos existir a perspectiva de que o conhecimento adquirido em última análise tenha alguma aplicação prática. O mero aumento de conhecimento em si não deveria ser o suficiente para justificar infligir deliberadamente dor, sofrimento ou lesão permanente. Outros animais podem ser usados na pesquisa ou em testes da área biomédica, que têm a finalidade específica de obter avanços relativos a aspectos práticos da medicina. Por exemplo, um animal pode ser usado como modelo para uma doença humana e o sucesso de diferentes drogas é testado usando este modelo. A diferença entre pesquisa básica e aplicada não está bem clara. Outros usos de animais de experimentação incluem: 1) Testes de produtos, tentando prever sua segurança para uso humano. Os produtos testados podem ser produtos químicos para uso doméstico, produtos farmacêuticos ou cosméticos. As autoridades governamentais competentes exigem “testes de segurança” antes dos produtos serem colocados no mercado. Muitos destes são, por convenção, testes em animais e podem incluir: Testes de toxicidade aguda (efeito de grandes quantidades do produto) e testes de toxidade crônica (efeitos de quantidades menores durante longos períodos) Testes de carcinogenicidade para ver se o produto causa câncer Testes de toxicidade reprodutiva e ao desenvolvimento, para identificar efeitos prejudiciais sobre sistemas reprodutivos ou fetos 1

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Materia de Etologia e BEA

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Bem Estar em Animais de Experimentação

Pesquisa básica X Pesquisa aplicada

Primeiro abordaremos os diferentes usos dos animais de experimentação ou de laboratório:Alguns animais de experimentação serão usados na pesquisa fundamental ou básica, ou seja, em experimentos com o único intuito de aumentar o conhecimento em uma determinada área, como fisiologia ou o próprio comportamento animal, sem qualquer idéia imediata de porque ou como este conhecimento poderá ser útil na prática.

Os críticos da experimentação animal acreditam que, pelo fato de os animais sofrerem, o uso deles na pesquisa básica deveria ser mais bem justificado; deveria ao menos existir a perspectiva de que o conhecimento adquirido em última análise tenha alguma aplicação prática. O mero aumento de conhecimento em si não deveria ser o suficiente para justificar infligir deliberadamente dor, sofrimento ou lesão permanente.

Outros animais podem ser usados na pesquisa ou em testes da área biomédica, que têm a finalidade específica de obter avanços relativos a aspectos práticos da medicina. Por exemplo, um animal pode ser usado como modelo para uma doença humana e o sucesso de diferentes drogas é testado usando este modelo.

A diferença entre pesquisa básica e aplicada não está bem clara.

Outros usos de animais de experimentação incluem:1) Testes de produtos, tentando prever sua segurança para uso humano. Os produtos testados podem ser produtos químicos para uso doméstico, produtos farmacêuticos ou cosméticos. As autoridades governamentais competentes exigem “testes de segurança” antes dos produtos serem colocados no mercado. Muitos destes são, por convenção, testes em animais e podem incluir:

• Testes de toxicidade aguda (efeito de grandes quantidades do produto) e testes de toxidade crônica (efeitos de quantidades menores durante longos períodos)

• Testes de carcinogenicidade para ver se o produto causa câncer• Testes de toxicidade reprodutiva e ao desenvolvimento, para identificar efeitos

prejudiciais sobre sistemas reprodutivos ou fetos• Testes de irritação dérmica ou dos olhos, por exemplo o teste de Draize, que

envolve pingar substâncias nos olhos de coelhos (veja foto)• Testes de mutagenicidade para avaliar se produtos podem causar mutações

genéticas2) Animais são também usados na pesquisa veterinária, para investigar doenças dos animais e para a produção de medicamentos para uso veterinário.

Estes testes admitidamente não são infalíveis para indicar como um produto pode afetar as pessoas, por isso também são realizados testes em voluntários humanos sadios e testes clínicos antes do produto chegar ao mercado.

3) Animais são usados em diferentes níveis para a educação. Isto pode envolver o uso de animais de companhia em salas de aula ou dissecação de roedores em aulas de biologia escolares – em alguns países durante muitos anos não existia controle relativo a qualquer dissecação em escolas. No Brasil, a Lei Federal nº 6.638, de 8 de maio de

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1979, que estabelece normas para a prática didático-científica da vivissecção de animais, dispõe, em seu artigo 3º inciso IV, que a vivissecção não será permitida “em estabelecimentos de ensino de 1º e 2º graus e em quaisquer locais freqüentados por menores de idade”. Estudantes universitários podem usar animais de experimentação como ferramenta de pesquisa. Em alguns países, animais são usados no ensino veterinário ou médico, para praticar cirurgias.

4) Produção de materiais: Animais podem ser usados como fábricas biológicas para a produção de itens desejados, como o uso de coelhos para a produção de anticorpos. Nota-se que alguns desses métodos são invasivos e dolorosos – o método de induzir ascite em camundongos para produzir anticorpos monoclonais, causando dor severa, foi proibido no Reino Unido em 1999. A produção humanitária de anticorpos monoclonais foi pela primeira vez descrita em 1975 e muitos métodos sem usar animais foram desenvolvidos, tais como as culturas “Roller”, sistemas de cultura usando a membrana ou a matriz celular, biorreatores de fibras ocas e a tecnologia de “anticorpos exibidos sobre superfície de fagos filamentosos” (Phage Antibody Display). Animais também têm sido modificados geneticamente para produzir, por exemplo, o fator VIII de coagulação sangüínea.

Quantos e quais animais são usados ?

Em alguns países, como no Reino Unido, existe uma exigência legal de manter registros sobre uso e sacrifício de animais sob proteção da lei de animais de laboratório. Em outros países, tais exigências não existem. Estimativas do número de animais usados em experimentos no mundo inteiro variam entre 41 e 100 milhões de animais por ano. Quem mais usa animais, de acordo com os dados disponíveis, são os Estados Unidos e o Japão. Uma estimativa colocou o número de animais usados em laboratórios norte-americanos em 1992 entre 14 e 21 milhões. Provavelmente 80 a 90% deles são ratos e camundongos. Um levantamento feito pelo governo britânico calculou o número de animais usados neste país em aproximadamente 3 milhões.Para ter um estoque de pronta entrega capaz de atender a demanda das várias espécies de animais de diferente peso, idade e sexo, as unidades de produção de animais de laboratório constantemente produzem animais em excesso. Dados levantados no Reino Unido indicam que, para cada animal realmente usado em um experimento, entre 2,5 e 3 animais são produzidos em excesso e mortos. Outros animais são usados em dissecações ou eutanasiados para obter seus órgãos ou tecidos para uso em culturas e estes animais não estão incluídos nas estatísticas do uso experimental.

Assim sendo, o número de animais usados em laboratórios provavelmente ultrapassa os 400 milhões por ano.

As espécies usadas são, em ordem quantitativa decrescente: camundongos, ratos, aves, peixes, coelhos, ruminantes, répteis/anfíbios, cães, primatas e gatos.

O Princípio de Krogh, seguido pelos pesquisadores, diz que, para cada problema científico de interesse, existe um animal no qual o problema pode ser estudado com mais facilidade. Lulas, por exemplo, com suas fibras nervosas calibrosas, servem muito bem para experimentos que exigem a introdução de microeletrodos em células nervosas.

Muitas vezes a espécie usada é escolhida mais por motivos de disponibilidade, economia e facilidade de manutenção que por representar o melhor modelo científico.

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O conceito de “refinamento” da experimentação animal exige o uso de animais menos sencientes no lugar de animais mais sencientes. Assim, em determinadas circunstâncias, talvez se possa usar um molusco ao invés de um cão.

Argumentos contra e a favor

Alguns dos argumentos usados em favor do uso de animais em experimentos são: Apesar de que são poucos os defensores da experimentação animal que atribuem NENHUM valor moral aos animais, alguns se declaram especicistas. Alegam que o uso de humanos em experimentos seria imoral enquanto o uso de animais é moralmente justificado com base nas diferenças entre as espécies. Estas pessoas defendem a idéia de que o ser humano tem um status moral muito mais elevado que todos os outros animais, o que justificaria nosso uso dos mesmos. Sugere-se que o uso de animais em experimentos resultou em grandes benefícios para a humanidade. Particularmente os avanços da medicina durante o século 20, principalmente no campo das doenças infecciosas, teriam, na opinião de alguns, sido resultado direto da experimentação animal. O aumento da expectativa de vida no decorrer do século 20, geralmente usando números do leste europeu e da América do Norte, é usado como prova destes avanços da medicina. Tais benefícios muitas vezes fazem parte da defesa utilitarista da experimentação animal, que alega que a prática se justifica pelos benefícios que traz ao homem em contrapeso ao sacrifício dos animais. Muitos defensores da experimentação animal alegam que não há alternativas capazes de substituir inteiramente o uso de animais. As semelhanças biológicas entre animais e humanos significam que os animais constituem o modelo mais adequado para o homem. Além disso, somente sistemas intactos de animais vivos são comparáveis à real organização complexa do homem. Culturas de células e tecidos animais podem ser úteis para revelar fatos biológicos simples e isolados, mas sempre serão apenas coadjuvantes da pesquisa usando animais vivos.

Os argumentos usados pelos opositores do uso de animais na experimentação incluem os seguintes:

• Os defensores da experimentação animal exageraram sua contribuição para uma maior expectativa de vida. Estatísticas mostram reduções dramáticas das taxas de mortalidade em decorrência de muitas doenças infecciosas, que ocorreram antes da invenção das vacinas e medicamentos hoje usados na prevenção e no tratamento destas doenças. Responsáveis por isso teriam sido, em primeiro lugar, medidas de saúde pública como melhor saneamento e dieta.• Além disso, muitos avanços da medicina que contribuíram para a saúde humana não foram resultado da experimentação animal, mas de pesquisas clínicas em humanos. Exemplos muitas vezes citados incluem a descoberta da insulina e do tratamento da apendicite. Estudos populacionais relativos à dieta, estilo de vida e ocupação revelaram algumas das causas das doenças do coração, derrames e câncer.• Nota-se que a maior parte da pesquisa médica não envolve animais e que as técnicas disponíveis abrangem desde modelos computadorizados e o estudo clínico de pacientes até a epidemiologia e culturas de células, tecidos e órgãos. Tais técnicas podem ser relacionadas diretamente com o homem ao invés de tentar extrapolar resultados através das espécies.Os que apoiam estas técnicas dizem que elas consideram as diferenças cruciais entre as espécies que ocorrem em nível celular; que são estas diferenças que causam as variações entre espécies na reação a vacinas e drogas e que extrapolar resultados através das espécies é extremamente simplista; que as semelhanças entre humanos e animais são muito grosseiras e que a pesquisa mais sofisticada já ultrapassou este nível há muito tempo, exigindo dados mais sensíveis e precisos em nível celular. Além

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disso, as técnicas que não utilizam animais fornecem informação relacionada ao ser humano e não aos animais. Os críticos da experimentação animal consideram todos os experimentos usando animais falhos por princípio, devido às diferenças entre as espécies.

Pesquisa sem animais

Em muitos estabelecimentos de ensino, o uso de animais foi substituído por simulações e modelos feitos em computador. Por exemplo, simulações da fisiologia normal de órgãos como coração, pulmões e rins. As células nervosas e sua reação à lesão e doença podem ser simuladas matematicamente. Existem programas de “seres humanos virtuais”, para estudar a anatomia do corpo inteiro e dos tecidos e outros programas que substituem a dissecação de animais. Desde a escola primária até a escola médica e além, os recursos de ensino são cada vez mais sofisticados e incluem modelos, vídeos, projeções e CD-ROM. O modelo “Rato de Koken”, usado no treinamento veterinário, tem a aparência e dá a sensação física de um rato de verdade. Existem também simuladores de intervenções cirúrgicas para treinar o controle de hemorragias. O desenvolvimento de tecnologias significa um aumento no número de métodos dos quais o cientista que não queira usar animais pode dispor. Muitas dessas técnicas garantem dados diretamente aplicáveis ao homem.Métodos de pesquisa sem animais incluem culturas de células, de tecidos e órgãos; estudos epidemiológicos; pesquisa biotecnológica; pesquisa clínica; estudos em voluntários humanos e modelos de computador e matemáticos. 

1) Culturas de células, de tecidos e órgãos: hoje as técnicas de reprodução in vitro de células humanas, tecidos e órgãos avançaram enormemente. O material humano vem de doações de órgãos ou é obtido durante intervenções cirúrgicas e foram criados bancos de tecidos humanos. Métodos de cultura in vitro são usados para estudar doenças, inclusive o câncer, vírus, as atividades enzimáticas e hormonais, a fisiologia de tecidos como músculos e nervos e em testes de toxicidade. As novas técnicas de engenharia de tecidos podem se mostrar mais seguras e eficazes do que os xenotransplantes. Células-tronco humanas colhidas de embriões imaturos, do sangue, da gordura ou da medula podem ser cultivadas para se transformar em qualquer tecido. Adicionalmente, os próprios tecidos de um paciente podem ser cultivados em uma “plataforma” e depois transplantadas de volta para o paciente, evitando os problemas de rejeição associados aos transplantes.2) Epidemiologia e estilo de vida: epidemiologia é o estudo das doenças e de sua propagação. A descoberta dos meios de transmissão e da prevenção da AIDS, por exemplo, deve-se integralmente aos estudos epidemiológicos. A epidemiologia revelou ligações entre determinadas substâncias químicas, fumar, radiação, dietas ricas de açúcar e gordura e a probabilidade de vários tipos de câncer. Dietas ricas de gordura e sal, estresse e falta de exercício são todos fatores causadores de doença coronária.3) Biotecnologia: os avanços da biotecnologia (surgindo do projeto genoma humano) oferecem técnicas alternativas ao uso de animais para testar a segurança de produtos químicos. Quando células humanas são expostas a substâncias tóxicas in vitro os genes podem ser danificados. “Chips” de DNA carregando seqüências curtas de DNA podem ser usados para identificar genes danificados, indicando o grau de toxicidade de uma substância. Esta tecnologia, chamada de toxicogenômica, pode não só salvar as vidas de animais mas também é um método melhor devido ao uso de material humano, assim evitando o problema da diferença entre as espécies. De modo parecido, os chips de DNA são aplicados na descoberta de drogas cujo alvo são genes específicos associados a uma doença

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4) Pesquisa clínica: pesquisa clínica é o estudo de doença no paciente para identificar suas características, sintomas e possíveis causas. Também podem ser desenvolvidos novos tratamentos. Estudos clínicos da leucemia levaram à compreensão do mecanismo da atividade anti-tumoral. Estes estudos muitas vezes resultam na descoberta de novos usos para drogas. Isto não surpreende, pois a verdadeira compreensão da ação de uma droga adquire-se com o uso. A aspirina, por exemplo, hoje tem muitos outros usos além de analgésico, para o qual foi desenvolvida.5) Estudos com voluntários humanos: estudar pessoas é obviamente essencial para o progresso da medicina e para entender as doenças humanas. Voluntários humanos podem ser usados no estudo de drogas; eles desempenham um papel significativo na pesquisa psiquiátrica e psicológica; também são usados em testes de irritabilidade dérmica causada por ingredientes de cosméticos e exposição a substâncias tóxicas presentes na atmosfera. Recentes avanços no desenvolvimento de técnicas de imagem do cérebro em funcionamento, como Positron Emission Tomography (PET), functional Magnetic Resonance Imagery (fMRI), Eletroencefalografia (EEG) e Magnetoencefalografia (MEG) permitem estudar o cérebro humano com pouco ou nenhum desconforto para o voluntário. Diferentes seções do cérebro podem ser localizadas e sua função identificada. Estas novas tecnologias permitem estudos em humanos tempos atrás considerados por demais invasivos. 6) Modelos virtuais e matemáticos: os pesquisadores dispõem hoje de uma série de programas sofisticados (matemáticos, bancos de dados e modelos) permitindo o estudo das ações de drogas e previsão de seus potenciais efeitos.

Alguns programas usados para testar produtos são modelos que simulam o sistema humano até ao nível molecular, no qual um produto potencial pode ser checado. Outros são bancos de dados de substâncias químicas conhecidas e seus efeitos, onde novas substâncias podem ser inseridas para as comparar com dados conhecidos.

Questôes de Bem-Estar

1) Fonte dos Animais:

a) Laboratórios e produtores licenciados: Alguns países limitam o fornecimento de certas espécies de animais de laboratório a produtores licenciados. A vantagem disto para o bem-estar dos animais pode ser que são criados em circunstâncias parecidas com aquelas nas quais viverão mais tarde, portanto estando acostumados a elas. Por outro lado, isto pode significar uma desvantagem se estas circunstâncias de vida não forem adequadas para o bem-estar.Animais de laboratório vindo de fontes controladas também podem reduzir o risco da introdução de doenças em uma colônia. Isto beneficia a saúde geral dos animais, tanto quanto os dados da pesquisa, e pode proteger de infecções o pessoal envolvido– vírus como Ebola, Marburg e Herpes B simiano já provaram ser fatais para as pessoas trabalhando em laboratórios. b) Capturados na natureza: Algumas espécies de animais de laboratório podem ser capturadas na natureza. A captura e a contenção provavelmente são extremamente estressantes para espécies não domesticadas. Pode ser muito mais difícil criar condições no laboratório adequadas ao bem-estar de espécies não domesticadas, por estarem mais sujeitas a estresse em ambientes artificiais. Além disso, muitas vezes as suas necessidades exatas não são conhecidas. Para cada animal trazido com sucesso para o laboratório, vários outros podem ser perdidos devido a lesões ou estresse durante o transporte ou fêmeas podem ter sido mortas deliberadamente para pegar suas ninhadas. Captura de espécies ameaçadas ou de grandes números de animais de outras espécies pode ter impacto ecológico negativo.

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c) Animais de abrigo ou centro de zoonoses: O uso de animais de companhia abandonados para experimentação é controverso. De um lado, se grandes números de animais não desejados estiverem destinados à eutanásia, talvez faria algum sentido usar estes animais “excessivos”, ao invés de criar animais de laboratório com a finalidade de serem sacrificados.Por outro lado, animais de estimação podem se adaptar mal à vida no laboratório, além de vir de ambientes tão diversos e desconhecidos que não servem como modelos uniformes para estudos científicos (devido à idade, estado de saúde e carga genética desconhecida, por exemplo). Pode-se se argumentar que, usando estes animais, quebramos nosso “pacto” ético com estes companheiros e desencorajamos as pessoas a levar animais aos abrigos.

2) Alojamento dos animais:

Apesar dos debates acerca do uso de animais e dos procedimentos aos quais são submetidos nos centros de pesquisa e em testes, é provavelmente verdade que os animais de laboratório passam mais tempo nos seus alojamentos que sendo submetidos a procedimentos experimentais. Desta forma, a qualidade do alojamento é portanto muito importante.As instalações podem ser avaliadas utilizando-se os mesmos padrões usados para animais em outros contextos, por exemplo em uma fazenda. Podemos, por exemplo, usar as Cinco Liberdades O alojamento no laboratório deve estar de acordo com as necessidades físicas do animal: comida, água e espaço suficientes, higiene, temperatura adequada e cuidados veterinários. A maioria dos alojamentos existentes em laboratórios pode ser comparada aos sistemas de produção animal intensiva em fazendas, reconhecidos como drasticamente restritivos às necessidades do animal, geralmente não respeitando as Cinco Liberdades. A gaiola padrão usada para ratos, por exemplo, não permite ao animal ser erguer sobre as patas traseiras, posição regularmente assumida na natureza. Qualquer pessoa interessada no bem-estar animal há de reconhecer que não é suficiente simplesmente manter os animais vivos.

Ao tratar das necessidades de animais devemos levar em conta que variam de espécie para espécie. Por exemplo, um recinto pode parecer silencioso para o cientista mas estar desconfortavelmente barulhento para o ouvido ultra-sônico dos roedores. Isto também afeta os resultados de testes. Os resultados de experimentos podem sofrer variações devido à posição de uma gaiola na prateleira. Por exemplo, a gaiola estava mais em cima, perto de uma luz ou mais embaixo na semi-escuridão? Isto também interfere nos dados dos testes. Foi demonstrado que mesmo o barulho de um osciloscópio em um recinto afetou os resultados de testes.Necessidades psicológicas de expressar comportamento natural, como brincar e poder manter contatos sociais, podem também ser de extrema importância para o animal. Se não forem satisfeitas essas necessidades, pode-se ter um enfraquecimento da saúde física devido a estresse crônico. Além disso, os animais podem desenvolver comportamentos repetitivos sem sentido, chamados de estereótipos. Por exemplo, um beagle pode não parar de correr em círculos dentro de sua gaiola. Estas anormalidades, além de prejudicar o bem-estar, podem tornar o animal um indivíduo não adequado para a investigação científica. Neste sentido, quanto melhor o bem-estar animal, melhor a ciência. Coelhos alojados individualmente em gaiolas podem sofrer estereotipia e danos a nervos e ossos, devido a exercício físico insuficiente. “Ambiente estéril” (ou entediante) é o termo usado para descrever alojamentos que não atendem às necessidades psicológicas de um animal. “Enriquecimento ambiental” geralmente refere-se às tentativas de se melhorar as circunstâncias dos animais mantidos em

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cativeiro, freqüentemente disponibilizando um ambiente mais estimulador que permita a expressão em maior grau do seu comportamento natural. No caso dos coelhos de laboratório, isto pode envolver convivência com outros coelhos na gaiola, assim como feno e caixas de papelão para brincar. É preciso ter cuidado com o enriquecimento para garantir que resulte em melhora e não deterioração do bem-estar. Por exemplo, dar companheiros de gaiola a ratos machos pode resultar em abuso excessivo dos animais subordinados. 

3) Procedimentos:

Historicamente, a dor em animais de experimentação recebe pouca atenção. Isto provavelmente porque os comportamentos associados à dor em algumas espécies são diferentes dos comportamentos relacionados à dor no homem. Um gato com dor, por exemplo, ao invés de chorar ou gritar, simplesmente fica quieto e retraído. O comportamento relativo à dor também pode variar de indivíduo para indivíduo dentro de uma espécie, dependendo de fatores como idade e experiências anteriores do indivíduo. No entanto, é cada vez mais reconhecido que, além da obrigação dos cientistas de reduzir a dor em seus objetos de experimentação, a dor pode produzir alterações fisiológicas indesejáveis, afetar a taxa de recuperação pós-cirúrgica e alterar os próprios resultados do experimento.Nem todas as práticas são dolorosas – algumas podem ser consideradas intervenções “menores”, como colher uma amostra de sangue, onde a dor envolvida é temporária e leve. No entanto, algumas intervenções são consideradas “menores” apenas pelo fato de serem corriqueiras ou de fácil execução. A colheita de amostra de sangue através de punção do plexo orbital ou o corte de cauda podem ser extremamente estressantes e dolorosas, o mesmo ocorrendo com alguns métodos de rotina de identificação, como perfuração de orelhas ou amputação de dedos.Talvez seja possível para um animal estar anestesiado durante um procedimento inteiro.Estudos desenvolvidos pelos opositores da experimentação animal também indicaram que, quanto menor a espécie de animal, menos consideração recebe em termos de enriquecimento ambiental e, menos ainda, no reconhecimento e tratamento da dor.

3) Eutanásia:

Pode ser necessário praticar eutanásia em um animal porque um “limiar humanitário” foi atingido. Isto significa que se ultrapassou um grau previamente determinado de dor neste indivíduo e que é preciso por fim ao seu sofrimento. É importante garantir esta prática. Freqüentemente um pesquisador pode antecipar o sofrimento ou saber identificar um sofrimento não previsto, mas ele pode se ausentar do laboratório e deixar os animais durante dias ou até semanas sob os cuidados de pessoas não experientes. Isto pode resultar em sofrimento desnecessário. Por outro lado, animais podem simplesmente ter chegado ao fim de um experimento e se tornarem desnecessários. Muitos consideram não humanitário submeter um animal a vários experimentos dolorosos. A morte pode ser parte integrante do experimento: em muitos testes toxicológicos, por exemplo, é necessário matar o animal para recuperar tecidos para exames histológicos. A forma ideal de eutanásia é produzir inconsciência e depois morte rápida sem dor. O método tem de ser confiável, irreversível e expor o animal a um mínimo de estresse. Precisa ser seguro para o operador e compatível com a finalidade do experimento. É essencial que a morte do animal seja verificada antes que ele seja descartado ou submetido à necropsia.

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Os Princípios da Técnica Experimental Humanitária

William Russel e Rex Burch foram encarregados por uma organização britânica, a Federação das Universidades para o Bem-Estar Animal (Universities Federation for Animal Welfare - UFAW), de escrever um livro sobre experimentação animal aceitável. O resultado foi o livro “Os Princípios da Técnica de Experimentação Humanitária” (The Principles of Humane Experimental Technique), que se tornou conhecido no mundo inteiro. O livro apresentou o conceito dos “3 Rs” como base para que pesquisadores pudessem avaliar seu trabalho com animais. O conceito dos 3 Rs foi incorporado à legislação de alguns países e de organizações supranacionais, como a União Européia. Três Rs para as três palavras-chave originais Replacement (Substituição), Reduction (Redução) e Refinement (Refinamento).

1º R ) Substituição: A substituição deve ser o ideal em mente para o cientista: a substituição de animais sencientes por alternativas não-vivas ou não-sencientes. A procura de alternativas deve sempre prevalecer sobre a conveniência, o que pode significar um contrato com outro laboratório que disponha de recursos adequados para o fornecimento de um componente da pesquisa. A maioria dos estudos clássicos de fisiologia, anatomia e farmacologia (por exemplo, estudos em nervos de sapos) podem agora ser executados sem o animal, usando simulações computadorizadas ou outros modelos.Existe uma variedade de possíveis alternativas para a substituição, algumas delas já abordadas antes:• Uso de organismos não-sencientes: as hidras, por exemplo, desenvolvem-se de forma anormal na presença de substâncias químicas que causam anormalidades em fetos de vertebrados (teratógenos), conseqüentemente podem ser usadas para rastrear teratógenos.• Técnicas in vitro: estas técnicas (in vitro significa literalmente “no vidro”) envolvem o estudo de células e tecidos fora do corpo do animal. Estes tecidos podem ser derivados do homem, em certos casos aumentando a aplicabilidade do estudo. Culturas de células cardíacas, por exemplo, podem ser usadas para testar os efeitos de drogas sobre o tecido cardíaco sem que a droga precise ser administrada a um animal vivo.• Substitutivos não biológicos, como modelos de computador ou recursos audiovisuais, podem também substituir os animais em algumas circunstâncias. Simulações em vídeo ou no computador de dissecações ou experimentos farmacêuticos podem ajudar a substituir o uso de animais como recursos de ensino em Universidades. O “Resusci-Dog”, por exemplo, é um modelo computadorizado de cão usado para treinar médicos veterinários em técnicas de ressuscitação.

• 2º R ) Redução: A redução do número de animais usados a um mínimo possível é o segundo R. Isto depende de boa organização tanto quanto dos avanços da tecnologia. É preciso que os pesquisadores se comuniquem para poder criar agrupamentos de recursos e evitar repetições desnecessárias. Boas práticas como revisões bibliográficas e publicação rápida de resultados podem também ajudar a evitar repetições, assim como o bom uso da estatística no delineamento experimental. Também é importante evitar usar um número pequeno demais de animais para evitar que o experimento precise ser repetido mais tarde devido a resultados não conclusivos. Competição entre instituições e sigilo comercial podem impedir a implementação deste R. Os pesquisadores devem consultar a literatura científica para verificar se a pesquisa proposta já foi feita em algum lugar – apesar de que talvez isto não venha de encontro aos interesses pessoais do pesquisador. Reprodução excessiva e conseqüente descarte de grandes quantidades de animais excedentes devem também ser reduzidos para promover uma ampla filosofia de redução. A redução do número de animais usados aumenta a atenção individual dos tratadores (ex.: para

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identificar doença ou estresse) e o espaço disponível para enriquecimento ambiental. Desta forma, por razões de ordem científica e de bem-estar, deve-se tentar reduzir o número de animais usados e de animais excedentes mortos. Elevar o nível de respeito à vida dentro do laboratório reduzirá a perda de sensibilidade da equipe e motivará mais pessoas cuidadosas a trabalhar nesta área.

3º R ) Refinamento: O refinamento talvez seja a área onde o médico veterinário pode exercer maior influência. Consiste na redução do sofrimento em todas as circunstâncias que um animal enfrenta enquanto em um estabelecimento científico. Portanto, refinamento não se refere somente às praticas às quais o animal é submetido, mas também às condições nas quais é mantido. Sofrimento não se refere apenas à dor durante os procedimentos aos quais o animal pode ser submetido, mas também a outros estados mentais adversos como ansiedade e tédio severos que um animal pode experimentar no seu alojamento. Uso adequado de anestesia e analgesia para reduzir a dor durante e após os procedimentos é também parte essencial do refinamento. Existem muitas publicações que dão orientação a respeito de fatores como iluminação, temperatura e umidade adequadas, assim como a respeito do espaço necessário para as diferentes espécies.A redução de estresse no alojamento e durante o manejo pode ajudar a melhorar a qualidade da pesquisa por reduzir efeitos sobre a fisiologia do animal que podem interferir no resultado do experimento. Simples mudança de lugar da gaiola de ratos de laboratório, por exemplo, é suficiente para alterar muitos dos seus parâmetros sanguíneos (Gartner et al, 1980). Animais saudáveis e felizes constituem melhores indivíduos experimentais.Especificar de antemão limiares humanitários para experimentos com animais é também um aspecto importante do refinamento. Um exemplo é o estabelecimento de um limiar até o qual se deixaria um tumor crescer em um roedor antes de se praticar a eutanásia no animal. Limiares humanitários na toxicologia também têm a vantagem de permitir ao pesquisador observar patologias mais sutis que ao se deixar um animal aproximar-se mais da morte. Outro exemplo de refinamento é uma alteração de conduta de teste de Draize, no qual uma substância é colocada nos olhos de coelhos para testes de irritabilidade. Ao invés de administrar grandes quantidades da substância a grandes números de coelhos, o procedimento aprimorado testa um animal de cada vez. Se o primeiro animal mostrar irritação, não se testa em outros animais e o teste com este animal é imediatamente interrompido.

Legislação Brasileira

No Brasil já existem, em instituições de ensino superior e de pesquisa, comitês de ética no uso de animais, embora a maioria ainda esteja em fase inicial de organização e trabalho. A tendência é a instalação de novos comitês já que, para a publicação de trabalhos científicos, a apreciação ética do uso de animais é exigência comum. É importante que tais comitês tenham poder de veto às práticas experimentais de manutenção, delineamento experimental e procedimentos nos animais consideradas inadequados.• O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) reconhece a importância de se centralizar ações. Para tanto, criou em setembro de 2001 a Comissão de Ética e Bem-Estar Animal (CEBEA), cujas ações principais incluem um trabalho conjunto com os Comitês de Ética locais. • Quanto à regulamentação de tais práticas, a Lei Federal nº 9.605/98, denominada Lei de Crimes Ambientais, estabelece como crime contra a fauna, em seu artigo 32 § 1º, “realizar experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”. A pena prevista é

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de detenção, de três meses a um ano, e multa, podendo ser aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Bibliografia: Conceitos em Bem-Estar Animal: Um guia para doentes em BEA. WSPA e University of Bristol

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