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Biblioteca 1171

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

Relato ao trabalho “Plataformas de música online – Práticas de comunicação e

consumo nos perfis - de Adriana Amaral

Por Simone Pereira de Sá

Foi com satisfação que recebi não só a delegação de comentar o trabalho de Adriana

Amaral, como também a notícia dos trabalhos com temas afins sendo apresentados na

mesma sessão do GT de Cibercultura. Satisfação que vem não só pelas razões afetivas,

como também porque creio que é bastante raro ter a oportunidade de dialogar com uma

colega que está analisando um objeto bem próximo.

Desta maneira, as indagações iniciais, a excelente e atualizada bibliografia que a

autora utiliza e seu esforço analítico me instigaram a ler com prazer o seu trabalho.

Combinado ao prazer, confesso também a dificuldade para fazer esse relato.

Dificuldade que, curiosamente, se deu pela mesma razão que me trouxe satisfação com o

GT e com a nossa sessão temática.

É que justamente a familiaridade com o objeto e a proximidade das questões que

Adriana apresenta com as minhas próprias, neste momento, dificultaram a distância

necessária à crítica, exigindo um esforço redobrado.

Desta maneira, creio que as questões que proponho a seguir não devam ser tomadas

como críticas, no sentido estrito, mas sim ruminações em torno do objeto que tem me

ocupado – ou um quase pensar em voz alta sobre dúvidas que tenho em relação à minha

própria pesquisa. Questões que, em sua maioria, não espero sejam respondidas por Adriana

neste momento, mas sim tomadas como estímulo para a continuidade de seu trabalho.

Assim caberia primeiramente sublinhar o que entendo como a questão principal do

texto. Nos dizeres da própria autora, trata-se de “apresentar um comparativo inicial entre

três plataformas sociais de música on-line: Last FM, MySpace e Blip.FM, a fim de observar

os modos de consumo e categorização de conteúdo gerado pelos usuários” – tendo como

pano de fundo a clássica discussão das ciências sociais-humanas sobre a articulação entre

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padrões identitários e consumo de bens culturais, mencionada a partir de uma citação de

Burke na abertura do trabalho.

No mesmo parágrafo, Adriana informa que a discussão se baseia na observação

participante nas plataformas e em dados empíricos para discutir “as práticas

comunicacionais cotidianas dos usuários nessas redes, destacando o papel das

recomendações e das classificações dos gêneros musicais, o caráter de consciência da

audiência segmentada e os laços entre fãs e artistas, e a constituição de uma reputação por

micro-postagens musicais”.

Por fim, esclarece que o enfoque apresenta relações entre a materialidade dos sites e

o usos e apropriações de seus usuários a partir de rastros identitários online.

Após a apresentação dos objetivos, a autora desenvolve seu argumento em duas

partes, contextualizando os objetos e discutindo definições na primeira parte; e

apresentando a análise na parte seguinte – parte sobre a qual recai a maioria de meus

comentários, uma vez que se trata da parte principal do trabalho.

Pois nesta segunda parte, a autora descreve de maneira geral as características de

cada um dos softwares e seu funcionamento.E contribui para a reflexão ao propor um

quadro geral que destaca as características de cada um deles.

Entretanto, minha primeira sugestão-ruminação diz respeito ao aprofundamento da

análise em trabalhos futuros, dando concretude à busca – conforme anunciado na

Introdução – das “práticas comunicacionais cotidianas” e dos “usos e apropriações” de seus

usuários com base na metodologia da observação participante, que nos remete à prática da

etnografia.

Como se sabe, a etnografia se caracteriza pela prática da “descrição densa” e da

análise ao mesmo tempo microscópica e concreta da vida social Por observação

participante caracteriza-se a atividade de pesquisa intensiva, que resulta na coleta de dados

através da observação direta, de longa duração, junto ao grupo que vai possibilitar o estudo

de caso.

Ao privilegiar esta prática, que também me é tão cara, gostaria de pensar junto com

a autora que ela está escolhendo uma metodologia assumidamente focal, experimental,

detalhista e interpretativa, que se reconhece como fruto de uma “negociação construtiva”

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entre o pesquisador e o pesquisado durante relações concreta e intensivas, permeada por

sentimentos, emoções, afetos, surpresas e incertezas

Como sabemos, longe da paixão pelo detalhe, a centralidade dos estudos de caso

com base na observação participante é a de que, só assim os megaconceitos “podem

adquirir toda a espécie de atualidade sensível que possibilita pensar não apenas realista e

concretamente sobre eles, mas, o que é mais importante, criativa e imaginativamente com

eles.” (Geertz)

Desta maneira, perguntas que nos ajudem a dar concretude às práticas e

apropriações aqui delineadas de maneira geral e potencial me parecem um bom caminho a

ser explorado.

Como segunda questão, gostaria de “pensar junto” com a autora sobre a seleção dos

interlocutores teóricos para o trabalho, que aqui privilegia a produção recente sobre os

aspectos técnicos destes sofwares. Ainda que se trate de uma bibliografia atualizada e

pertinente, creio que a autora, ao anunciar que pretende discutir práticas de consumo

musical articulada às identidades, poderia se beneficiar do universo conceitual da

bibliografia “clássica” das ciências humanas, que tem uma vasta tradição de reflexão sobre

os temas propostos – consumo, gosto musical, identidades, ajudando-nos assim a construir

outras boas perguntas para o objeto; tanto quanto a discussão da sociologia da música

massiva. Um exemplo é a discussão em torno de gosto e de gêneros musicais que tem sido

sistematicamente encaminhada por autores tais como Simon Frith.

Caminhando nesta direção, creio que a autora amplia seu leque de interlocutores e

garante uma visada original, ao mesmo tempo que dialoga e contribui para um grupo

temático que encontra-se em consolidação no Brasil, refletindo em torno dos aspectos

comunicacionais da música massiva.

A terceira questão – tambem para pensarmos de maneira coletiva - diz respeito à

crítica que a autora faz sobre a utilização da definição de “rádios online” para este tipo de

software.Ainda que a definição preferida pela autora – de plataforma – também me pareça

muito pertinente, creio que a dimensão “rádio” não deve ser desprezada, uma vez que é um

forte elemento definidor no discurso de seus desenvolvedores, que definem seus softwares

como “versões avançadas de rádios” conforme argumenta Freire (In:Tuning into you:

personalized audio streaming services and their remediation of radio”).

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Finalmente, duas questões bem pontuais.

A primeira diz respeito à categoria de “laços sociais” da tabela 1 na pg final. Por tratar-se

de uma categoria que – ao contrário das outras – não pode ser deduzida da

materialidade/interface dos softwares, mas somente a partir da análise mais detalhada – que

não consta no texto, gostaria que a autora explicitasse este ponto na discussão.

E, como questão final, gostaria de indagar a razão da autora justificar sua escolha pelas três

plataformas em função dos sites serem traduzidos para o português. Qual a relevância deste

dado, se não há no estudo nenhuma preocupação, em seu estudo, com hábitos culturais

“brasileiros” no uso destas plataformas?

Encerro o relato agradecendo a oportunidade de diálogo e esperando que possamos

construir, em conjunto, uma reflexão profícua sobre o tema proposto – que, como já disse,

muito me interessa.