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Dissertao de Mestrado
Biotica na incorporao de procedimentos,
um olhar exploratrio na Sade
Suplementar.
Liliana Maria Planel Lugarinho
Orientador: Prof. Dr. Fermn Roland Schramm
Rio de Janeiro, Maro de 2004
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II
Dedicatria
A Carlos Alberto,
Leonardo
e Clara
pelo amor,
apoio e estmulo
para continuar a caminhada.
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III
Agradecimentos:
Ao grande mestre Roland, incansvel orientador que me guioucom carinho e cuidado nos caminhos da pesquisa.
Ao Dr Joo Luis Barroca de Andra que acreditou no projetodesde o incio.
A toda equipe da GGTAP pelo irrestrito apoio.
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IV
Caminante, son tus huellasel camino y nada ms;Caminante, no hay camino,se hace camino al andar.Al andar se hace el camino,y al volver la vista atrsse ve la senda que nuncase ha de volver a pisar.Caminante no hay caminosino estelas en la mar
Antonio Machado
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V
Palavras chave
Sade suplementar --Incorporao de tecnologiasavaliaode tecnologias sade--Biotica
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VI
Resumo
Os planos privados de assistncia assumiram um papel substantivo na proviso
de cuidados sade. A diversidade de situao dos usurios reflete a sociedade
brasileira, com diferenas de renda, qualidade de vida, grau de satisfao das
necessidades sociais. No momento, o Rol de Procedimentos da Agncia Nacional de
Sade Suplementar enuncia os eventos que devem ser obrigatoriamente pagos por
planos de sade e demonstra a viso da sade suplementar no inicio da regulamentao,
devendo ser revisado com uma nova metodologia. Esta dissertao analisa na viso da
Biotica distintos critrios de avaliao de tecnologias em sade. A biotica pode ser
atualmente considerada como uma ferramenta a servio da anlise ou da resoluo dos
conflitos e dilemas morais que surgem com as prticas no campo das aplicaes das
tecnologias em sade. A metodologia utilizada foi a reviso da bibliografia de conceitos
bioticos, de justia e da regulao em sade. A elaborao de um rol de coberturas
nacional que atenda s demandas de sade da populao assistida com procedimentos
que se encontrem disponveis na regio de moradia dos usurios, com a focalizao de
recursos para a parcela mais desprovida de recursos poder iniciar um movimento de
maior equidade no sistema suplementar. Incluir neste rol mnimo outros saberes, alm
do saber mdico, por entender que as necessidades de sade de um grupo ou populao
no se restringem s aos procedimentos mdicos e que a ampliao das coberturas
obrigatrias deve incluir os atendimentos prestados por outros profissionais.
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VII
Abstract
The private healthcare plans assumed a substantive role as providers of healthcare. The
diversity of beneficiaries situations reflects the actual situation of Brazilians, with the
differences of income, quality of life and degree of satisfaction of their social needs. At
this point, the List of Procedures (Rol de Procedimentos) of the National Private
Healthcare Agency (Agncia Nacional de Sade Suplementar) enunciates the events
paid by healthcare private plans and expresses the private healthcare conceptions at the
beginning of the regulation process and must be revised by health technologies
assessments. This essay analyses, under the light of bioethics, specific criteria to
evaluate health technology. Bioethics can be actually considered as a tool and it shall
be use to analyze or reach a solution for the conflicts and moral dilemmas rose with the
practices in the field of applications for the health technologies. The methodology used
in this study is based on a bibliographical review of the bioethical concepts, justice and
regulation in health. The creation of a list of national coverage, which attends the health
demands of the population and the procedures available in the area of the beneficiaries
residence, focusing on the health coverage for the portion with less resources, which can
trigger a movement for a broader justness in the private healthcare system. It should be
included in this list, minimum, and other knowledge besides the medical one, since the
health needs of a population or group is not restricted to medical procedures and the
enlargement of the obligatory coverage shall include the assistance provided by other
professionals.
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VIII
ndiceINTRODUO .......................................................................................................... 1
Demandas por novos procedimentos na sade suplementar..................................................................5Coberturas nos planos de sade: o que incluir e para quem?.................................................................8
Captulo1................................................................................................................... 14BIOTICA COMO FERRAMENTA NA INCORPORAO DE NOVAS
TECNOLOGIAS ...................................................................................................... 14A produo sempre constante de novos procedimentos e as indagaes ticas resultantes...................16
Os princpios da beneficncia, autonomia e no maleficncia.........................................................18Auxilio da Biotica na escolha das incorporaes. .........................................................................20Proteo........................................................................................................................................21
Mas de qual justia estamos falando? ................................................................................................22Justia como proporcionalidade natural .........................................................................................22Liberdade contratual. ....................................................................................................................23Igualdade social ............................................................................................................................24Bem-estar coletivo ........................................................................................................................24Crticas distribuio dos bens em um estado de bem-estar social .................................................25Como eqidade. ............................................................................................................................26
Captulo 2.................................................................................................................. 32A REGULAO ...................................................................................................... 32
As Reformas Mundiais .....................................................................................................................32Estado do Bem-Estar Social: .........................................................................................................32O modelo de agncias reguladoras no Brasil. .................................................................................35Regulao da Sade Suplementar no Brasil ...................................................................................36Aspectos histricos do Sistema de Sade no Brasil ........................................................................37A regulamentao dos planos de sade. .........................................................................................42A criao da Agncia Nacional de Sade Suplementar (ANS)........................................................44Os atores que operam na sade suplementar ..................................................................................45
Captulo 3.................................................................................................................. 47ROL DE PROCEDIMENTOS ................................................................................. 47
Marco da legislao. .........................................................................................................................47Histria do rol de procedimentos na regulamentao da sade suplementar ....................................48Como se alterou o rol de procedimentos ........................................................................................49
Incorporao De Novas Tecnologias .................................................................................................51O que tecnologia em sade? ...........................................................................................................54
A classificao de Lewis Thomas. .................................................................................................56Classificao de Emerson Merhy...................................................................................................57
Modelos de relacionamento mdico paciente.....................................................................................58Conceituao dos modelos de relacionamento mdico paciente......................................................59
Ferramentas na incorporao de novas tecnologias ............................................................................64Economia da Sade-Caractersticas econmicas da ateno sade. ..............................................65Avaliao econmica proposta pela ANS. .....................................................................................67Medicina Baseada em Evidncias..................................................................................................68Avaliao cientfica solicitada pela ANS. ......................................................................................69Categorias e componentes dos novos procedimentos......................................................................69Solicitao de Indicaes e populao alvo para o procedimento pela ANS....................................70
Captulo 4.................................................................................................................. 72INCORPORAO DE PROCEDIMENTOS ACRTICA OU ORDENADA?.... 72
Consideraes bioticas das ferramentas de avaliao .......................................................................72Anlise da avaliao das tecnologias em sade..................................................................................76
Olhar crtico da avaliao econmica das aes de sade...............................................................76Consideraes sobre a Medicina Baseada em Evidncias...............................................................78
CONCLUSES......................................................................................................... 80Proposta ...........................................................................................................................................85
BIBLIOGRAFIA: ..................................................................................................... 88
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IX
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1
INTRODUO
A Agncia Nacional de Sade Suplementar (ANS) foi criada dentro da reforma
do Estado brasileiro para ser o rgo regulador do mercado de Sade Suplementar, que
um sistema de Medicina Supletiva para ateno sade, de natureza privada e
privadamente contratada.
A ANS tem um compromisso com a assistncia sade, alm de funes mais
visveis, porque de maior impacto nos meios de comunicao, tais como determinar a
poltica de reajuste e a fiscalizao de operadoras.
A situao dos beneficirios de planos de sade, antes da regulao, variava
muito em relao s coberturas oferecidas pelas operadoras. A implantao de um
elenco de procedimentos de cobertura obrigatria, denominado Rol de Procedimentos,
foi um dos maiores benefcios da regulao.
A elaborao desse Rol de Procedimentos foi feita para garantir e tornar pblico
o direito assistencial dos beneficirios dos planos de sade, deixando de ser
discricionrio de cada operadora e, por vezes, desconhecido dos prprios usurios.
Inicialmente era quase que uma cpia fiel da tabela de honorrios mdicos da
Associao Mdica Brasileira (AMB), por ser de conhecimento e utilizao tanto das
operadoras como dos prestadores. Com o passar do tempo, foi sendo adequado e
aperfeioado, tendo sido elaborado uma diferenciao para cada tipo de segmentao de
planos (ambulatorial, hospitalar sem obstetrcia e hospitalar com obstetrcia), alm da
criao de um rol odontolgico, que no objeto desta dissertao.
A partir do estabelecimento do Rol podemos afirmar que existe um mnimo de
bens (coberturas) comum a todos os usurios dos planos de sade.
Para Mehry (1998) o atual modelo de assistncia mdica de eficcia duvidosa,
pois acredita que por mais recursos financeiros que colocarmos neste modelo
assistencial hegemonizado por um projeto mdico neoliberal privatista, centrado na
produo de procedimentos, sem maiores vnculos com a necessidade de sade, mais
recursos o sistema pedir, sem mostrar nenhuma adequao produo efetiva de
sade.
Indagaes dirias so feitas acerca da incluso de novos procedimentos pelo
Ministrio Pblico, por prestadores de servios de sade e por pacientes, sendo que
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alguns desses procedimentos so tidos como a ultima novidade na literatura mdica
ou nos programas de televiso.
A prestao dos servios mdicos, nos planos privados de assistncia, baseados
em itens de uma tabela ou Rol, sem que a incorporao de novos procedimentos atenda
a critrios de eficcia, efetividade, a uma positiva relao custo-efetividade, aliado a
critrios bioticos de justia distributiva e proteo demandar um aporte cada vez
maior de dinheiro sem nenhuma garantia de que tenha se atingido sua tima aplicao.
Por eficcia entende-se que a probabilidade de benefcio de uma tecnologia em
condies ideais, efetividade a probabilidade de benefcio em condies ordinrias,
locais, e custo-efetividade uma avaliao microeconmica, constituindo uma anlise
comparativa de cursos alternativos de ao tanto em termos de custos como de
conseqncias: a diferena de custos (custo incremental) comparada com a diferena
de conseqncias, (na forma de razo entre a diferena de custos e a diferena de
conseqncias) (Krauss 2003:507).
Segundo Schramm (2000) a alocao de recursos implica sempre numa
dimenso econmica, que no pode ser esquecida. Entretanto, admitir essa relevncia
no pode implicar em resumir toda a complexidade do problema mera soluo
econmica, sem atendimento aos critrios ticos, resgatando, assim, o nexo ntimo entre
economia e tica indicado pela prpria filologia das duas palavras e teorizado pelo
menos desde Adam Smith (Schramm, 2000). A palavra tica vem do grego, tendo
duas formas escritas. O primeiro thos (hqos) oikos o lugar onde se vive, o recanto, o
abrigo (Taylor, 1999), e a palavra economia tambm vem do grego oikonomia que a
administrao ou a direo de uma casa e reflete todas as necessidades humanas,
materiais, culturais e espirituais.
Tambm para o prmio Nobel de economia, Amartya Sen (1999), a inter-relao
entre os saberes da tica e da economia fundamental ao desenvolvimento de ambas. O
autor julga que a natureza da economia moderna foi substancialmente empobrecida pelo
afastamento crescente entre a economia e a tica. Refere que a economia pode tornar-se
mais produtiva se for prestada uma ateno maior s consideraes ticas, que
conformam o comportamento e juzo humano. Por sua vez, a tica pode beneficiar-se do
conhecimento e das ferramentas analticas utilizadas pela economia, visto que para Sen
as questes econmicas podem ser de extrema importncia para as questes ticas,
inclusive a indagao socrtica: Como devemos viver? (Sen 1999:25).
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A biotica da proteo, desenvolvida inicialmente para abordar as questes
bioticas em campo sanitrio (Schramm & Kottow, 2001), alertando para a necessidade
de uma maior abrangncia das aes de sade, capaz de englobar promoo, preveno
e predio de leses e patologias, sinaliza a falha do sistema suplementar por no incluir
outros saberes, alm do mdico, e capazes em princpio de proteger os sujeitos e as
populaes humanas, alvo necessrio de qualquer poltica sanitria. Estes autores
sugerem, ainda, cuidados preventivos como a melhor prtica na gesto dos programas
de sade das operadoras de planos, alm de torn-los eticamente obrigatrios atravs da
incluso dessa modalidade de servios no Rol de Procedimentos.
De fato, quando se discutem aes em sade que afetam mais de trinta milhes
de pessoas deve-se utilizar o princpio tico da distribuio justa ou eqitativa dos bens
(representados pelas coberturas). Entretanto, para a obteno de um consenso em
sociedades complexas como a nossa, pode ser utilizado o consenso sobreposto ou
overlapping consensus, proposto inicialmente por Rawls em seu livro Teoria da Justia
(2000). Consenso sobreposto supe o reconhecimento de que nossos mais importantes
julgamentos polticos so de tal ordem que pessoas razoveis, aps ponderaes,
chegam s mesmas concluses a seu respeito.
preciso lembrar que a teoria de justia de Rawls foi construda supondo-se
condies de escassez moderada, como a sociedade norte-americana, qual Rawls se
referia. A existncia de um rol mnimo de procedimentos, comum a todos os usurios de
planos de sade que adquiriram o plano aps o dia 02 de janeiro de 1999, permite
afirmar que a escassez de eventos garantidos aos beneficirios dos planos moderada,
pois as excluses assistenciais so: de procedimentos estticos, de transplantes de
rgos sem ser de rim e crnea, de procedimentos experimentais ou antiticos, ou seja, a
garantia de cobertura de quase todos os agravos em sade, podendo-se, portanto,
aplicar a ferramenta rawlsiana, apesar das diferenas existentes entre a sociedade norte-
americana e brasileira sob muitos outros aspectos, como as diferenas de renda,
escolaridade, lngua.
A pessoas que utilizam os planos privados de assistncia diferem, muito, na sua
renda. A Pesquisa Nacional de Amostra por Domicilio (PNAD), realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) em 1998, mostra que possuem planos de
sade 2,5% das famlias que ganham at 1 salrio mnimo, 5% das que ganham de 1 a 2
salrios mnimos; 9,5% das que ganham mais de 2 e at 3 salrios mnimos , 19% de 3 a
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5 salrios mnimos e 76% das que ganham mais de 20 salrios mnimos (IBGE/PNAD
1999).
O segmento de planos e seguros de sade tem como clientela principal a
populao inserida no mercado formal de trabalho, isto , com vnculo empregatcio
formal. A PNAD evidenciou que 70% dos titulares de planos de assistncia sade
acessam os servios de sade mediante a intermediao de empresas empregadoras,
enquanto apenas 30% do total de segurados pela compra direta individual
(IBGE/PNAD, 1999).
Considerando tais disparidades, por um lado, e o conceito de eqidade, que
norteia a teoria da justia de Rawls, por outro, surge inevitavelmente a pergunta, se,
para melhorar a justia distributiva, poderemos utilizar a desigualdade. Para Rawls
(2000), a resposta seria positiva, visto que o tratamento desigual justo quando
benfico ao indivduo mais carente, desde que sejam garantidos os bens primrios ou
liberdades fundamentais, considerados como uma espcie de condio necessria para
poder-se falar em justia numa sociedade no autoritria, isto , liberal no sentido que
esta palavra tem em seu lxico e que poderamos traduzir por socialdemocrata. Assim,
podemos supor que a incorporao de procedimentos mais justa seria aquela que possui
uma maior capacidade de aumentar o nvel de utilidade para o usurio mais
desfavorecido. Por 'utilidade' Bentham (1974) entende as propriedades de um objeto que
induzam vantagem, prazer, bem ou felicidade, ou, que permitem evitar os males, a dor e
a infelicidade. Bentham, em sua teoria utilitarista, focaliza utilidade tanto na perspectiva
individual quanto na da comunidade. Mas v a comunidade como uma soma de suas
partes constitutivas: portanto, como uma soma de individualidades.
Considerando, portanto, que todos os beneficirios dos planos partem de um
quantum mnimo de bens - condio para a aplicao dos critrios de Rawls para
eqidade como justia - podemos utilizar este tipo de concepo de justia distributiva
para avaliar eticamente a incorporao de novas tecnologias no rol de procedimentos?
Tal pergunta nos parece pertinente porque, por exemplo, para Kliksberg, o
estado de sade um catalisador de crculos virtuosos ou perversos em relao com a
pobreza (Kliksberg, 2000, e para desfazer esse crculo perverso freqente (doena-
pobreza-doena) que se deve propiciar a melhor distribuio dos recursos, tendo em
vista o objetivo da recuperao da sade).
Os usurios dos planos de sade apresentam uma diversidade de renda que
justifica a preocupao com critrios distributivos, alguns beneficirios tm uma renda
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familiar de um salrio mnimo, o que impede o pagamento de servios de sade por
desembolso direto.
A competncia regulatria da ANS, descrita por Janurio Montone - Diretor
Presidente da ANS de 2000 a 2003 - em sua apresentao para o Frum de Sade
Suplementar, compe um sistema interligado, mas sua evoluo pode ser melhor
analisada em seis dimenses capazes de expressar as aes normativas e fiscalizadoras
para garantir o cumprimento da legislao:
- a rea de cobertura assistencial e condies de acesso;
- as condies de ingresso, operao e sada do setor das operadoras de planos
de sade;
- a regulao do reajuste de preo praticado pelas operadoras;
- a fiscalizao e efetividade da regulao;
- as melhorias na comunicao e informao;
- o ressarcimento ao SUS. (Montone, 2003).
Tornar essa reviso do Rol de Procedimentos capaz de melhorar o atendimento
sade dos usurios de planos de sade permitir Agncia um avano nas condies de
sade da maioria da populao que utiliza a sade suplementar, quer dizer, para mais de
trinta milhes de pessoas.
Demandas por novos procedimentos na sade suplementar
A produo cientfica mundial crescente ao gerar novos conhecimentos, que
levam a aplicaes inusitadas e induzem o debate tico e biotico, assim como a
regulao normativa, aliados a uma forte presso do complexo industrial da sade, para
a incorporao dessas novas tcnicas e biotcnicas, entendidas como meios de
coberturas obrigatrias nos planos de sade.
Ocorre que, neste processo, o fato econmico per se , em princpio,
desvinculado do exame moral, esquecendo a tradicional vinculao entre economia e
tica, iniciada com Adam Smith desde sua publicao em 1759 a Teoria dos
Sentimentos Morais, muito tempo esquecida e retomada por Amartya Sem (1999).
Com isso, a retomada do discurso e a vinculao da tica economia, atribuindo
justia distributiva e ao consenso da sociedade, preconizada por Rawls na forma do
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overlaping consensus, far da agncia reguladora a instituio especfica que poder
induzir os atores individuais sejam agentes econmicos, polticos ou burocratas ou
consumidores - a se comportarem de maneira benfica relativamente coletividade, de
acordo com o pensamento de Adam Przeworski (1998:45).
A importncia que assume um entendimento biotico para efetuar uma escolha
benfica a sociedade, e resultante da incorporao das novas tecnologias, reside no
embate entre os progressos tecnolgicos e biotecnolgicos constantes, estimulando a
nossa sensao de necessidades em sade, por um lado, e considerando tambm, por
outro, os limitantes econmicos da mesma populao, a qual anseia pelas novas
tecnologias, mas no tem as condies concretas para poder ter acesso a elas. Assim
sendo, pela complexidade dessa disputa, cuja soluo deve ter em conta os aspectos
tecnolgicos, econmicos, polticos e morais, que a incluso de uma avaliao
biotica das novas propostas de incluso de procedimentos se torna indispensvel.
Transportado para o mbito da sade suplementar, o diagrama de foras dessas tenses
antagnicas ter como resultante uma forte presso junto ANS para incluso desses
novos procedimentos, criando as condies para uma nova normatizao no
ordenamento legal (via Rol de Procedimentos) das coberturas obrigatrias
Assim sendo, para poder tomar a deciso de incorporar, ou no, determinado
procedimento por parte da agncia reguladora - que ter a palavra final sobre a
cobertura obrigatria da referida tecnologia - e que esteja pautada por uma diretriz que
ordene essa poltica, necessrio analisar e escolher o tipo de justia que se prope para
a sade suplementar.
De fato, as coberturas mnimas obrigatrias, listadas no Rol de Procedimentos,
so a referencia legal de cobertura obrigatria para diagnstico e tratamento de todos os
usurios de planos de sade. Ademais, a situao econmica financeira dos usurios
muito desigual e procedimentos de importncia para a recuperao da sade de muitos
beneficirios, se no forem cobertas pelos planos de sade ou acessveis pelo SUS,
dificilmente sero pagos por desembolso direto da maioria dos beneficirios.
As dvidas sobre quando e o qu incorporar como cobertura obrigatria uma
preocupao de todos aqueles que querem uma sade suplementar digna, justa e
eqitativa.
A possibilidade de uma poltica para a sade suplementar que estabelea um rol
mnimo, obrigatrio para todos os beneficirios, com procedimentos existentes em todas
as regies, com atendimento mdico, psicolgico, fonoaudilgico, fisioterpico. Este
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plano mnimo poder ser ampliado, opcionalmente com outras coberturas, definidas em
novos sub-contratos, se adequando assim a realidade das populaes mais abastadas e
dispostas a pagar mais para obterem direitos de cobertura adicionais. Desta forma
poderia operar a sade suplementar com estratgias semelhante ao poder pblico com
planejamento de prioridades e objetivos de alocao social de recursos.
Necessitamos, portanto, de um entendimento das vrias concepes de justia
para conceituar a justia proposta por esta dissertao, pois, enquanto as avaliaes
tecnolgicas e as avaliaes de custos para cada procedimento podem ser
cientificamente estabelecidas, as escolhas ticas sobre o que seria um sistema justo de
coberturas merecem ser profundamente estudadas a partir dos diferentes conceitos de
justia, e suas aplicaes prticas na sade.
Ao moldar uma proposta de mudanas deve-se sempre estar atento s limitaes
financeiras da ateno sade, e para esta dissertao o foco a sade suplementar que
alm dos recursos monetrios finitos estes devem concorrer com outras necessidades e
aspiraes dos beneficirios, e almejar que a utilizao dessas verbas seja a melhor
possvel, dentro de um consenso dentro da Sociedade, norteada pela justia distributiva.
Com efeito, mesmo em economias de livre mercado, como o Japo (Sen, 1999),
o afastamento do comportamento autocentrado em prol de um interesse coletivo tem
sido utilizado.
A proposta desta dissertao verificar a possibilidade de utilizar os conceitos
bioticos de beneficncia, proteo e justia distributiva na incorporao de novos
procedimentos no rol de coberturas mnimas obrigatrias da ANS, no pretendendo
tratar em profundidade a teoria econmica nem as teorias de justia, mas propor uma
vertente - a justia como eqidade - como instrumento para iniciar um movimento de
maior justia distributiva na sade suplementar.
Finalmente, acreditamos que a introduo de uma metodologia para a
incorporao de novos procedimentos, que exija evidncias cientficas e que se
preocupe com uma avaliao dos custos agregados por esses eventuais acrscimos,
melhorar, e muito, a elaborao do rol das coberturas obrigatrias. Surge, ento, os
momentos da escolha, por parte da ANS, de quais procedimentos sero incorporados, e
a proposta desta dissertao que, na hiptese de haver procedimentos com igual
validade cientfica, e na existncia de restrio econmica para incorpor-los, seja
escolhida a tecnologia que favorea uma melhoria na sade do maior nmero de
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beneficirios nas piores condies econmicas, sustentada pelos princpios morais da
justia distributiva, beneficncia e proteo, princpios desenvolvidos pela biotica.
Coberturas nos planos de sade: o que incluir e para quem?
A legislao, que tantos benefcios assistenciais trouxe queles que utilizam os
planos de sade, demanda discusses que devem ser iniciadas o mais rapidamente
possvel para permitir o aprimoramento dos efeitos de justia entre os participantes dos
planos.
A pluralidade das regies do territrio nacional, com suas diversidades de renda,
acesso aos servios de sade, tecnologias disponveis e necessidades de sade, e que
compem um mosaico que, por melhor que seja a inteno da regulao universalista,
comprometem a eqidade do sistema, pois enquanto alguns usurios dos planos de
sade tm a maioria das suas necessidades de sade atendidas, uma grande parte, que
utiliza o sistema de sade suplementar por ser um benefcio trabalhista e que vive com
restries financeiras, apresenta necessidades ainda no respondidas.
Como o sistema da sade suplementar financiado, quase na sua totalidade, pelo
desembolso dos participantes, discutvel embutir no preo e na suposta cobertura a
utilizao de tecnologias no disponveis na regio de moradia do beneficirio, pois
sabemos da dificuldade de locomoo, estadia, etc. para a realizao de procedimentos
s disponveis em regies longnquas para o beneficirio.
Incluir, ainda, na cobertura, procedimentos cujo preo pode chegar a 250.000
dlares por paciente, como, por exemplo, a utilizao de um corao artificial, onera
todo o sistema, que poderia, com esse recurso, promover melhorias na sade de um
maior nmero de beneficirios.
A ANS recebe inmeras solicitaes de incluso de novos procedimentos no
Rol. Quase que diariamente chegam indagaes sobre novas tecnologias e,
principalmente, se j fazem parte das coberturas obrigatrias. No caso de eventualmente
no estarem includos naquela lista de eventos, perguntam quando o sero. A procura
por novos exames diagnsticos e novos tratamentos nos leva a crer que, por mais rpida
que fosse a reviso do Rol de Procedimentos da ANS, no haveria como dar conta de
todo esse avano tecnolgico. Aliado a esse limite temporal existe, ainda, uma
preocupao maior: para que servem, a quem se destinam e como se garante que essas
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incorporaes tenham efetividade e impacto sobre os problemas de sade da populao
assistida pelo sistema suplementar?
Considerando-se que a cobertura obrigatria de eventos em sade, representada
pelo Rol de Procedimentos, discutida por Cmara Tcnica especfica - que composta
por vrios segmentos da sociedade - devemos manter a clareza em relao s diretrizes
das polticas de sade que devem nortear a incorporao de novos procedimentos.
Para obter eficincia regulatria, pensada como um objetivo especfico, que
pode induzir agentes econmicos e polticos a se comportarem de maneira benfica
sociedade, devemos fazer escolhas de cobertura mdica com bases ticas.
A OMS, por exemplo, estabelece nas suas metas desenvolver aes tendentes a
eliminar ou ao menos reduzir ao mnimo possvel, diferenas desnecessrias, evitveis e
injustas, entre grupos humanos com diferentes nveis sociais (OMS, 1978). Num pas
de enormes diferenas regionais como o Brasil, aonde a oferta de servios
desigualmente distribuda nas suas regies, colocar como cobertura obrigatria
procedimentos que so disponveis em uma nica cidade do pas, como por exemplo,
So Paulo, agudiza ainda mais essas diferenas, j que todos vo pagar por um benefcio
ao qual, poucos tero acesso, e algum que no habite naquela cidade ou regio ser
discriminado por no ter como utilizar esses procedimentos.
A proposta defendida nesta dissertao que exista um rol mnimo, de
abrangncia nacional, que contemple s os procedimentos ofertados em todas as regies
do territrio nacional, que inclua procedimentos de preveno e que garanta a cobertura
da maioria das doenas em nossa populao, sendo includo ainda o atendimento por
outros profissionais da rea da sade alm dos mdicos.
Ofertar segmentaes diferentes, em virtude de diferenas regionais, que
excluam patologias seria aprofundar ainda mais as desigualdades.
A extenso das coberturas contratadas claramente uma questo que afeta todos
os usurios de planos de sade, e afeta tanto os direitos individuais como os direitos da
coletividade. Em verdade, ao assumir internaes sem limite de dias em UTI,
disfunes renais crnicas, tratamento a pacientes com AIDS, dentre outros, o plano de
sade passa a abarcar riscos de magnitude excessiva, pois, pode um nico evento pode
custar toda sua arrecadao das pequenas operadoras, j para as grandes operadoras o
risco diludo entre por um maior nmero de usurios. Vale dizer, a capacidade
regulatria do Estado tem que ser usada para impedir que o alto risco tenha seu custo
transferido ao segurado pela criao de mecanismos de diluio de riscos como o
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resseguro, caso contrrio, produzir-se-ia um preo individual to elevado que bloquearia
o acesso de grande parte da populao ao mercado. s vezes um procedimento de
cobertura obrigatria pode ser benfico a um indivduo, mas ser uma fonte de
desequilbrio financeiro para o total dos usurios.
Importa lembrar, ainda, na sade suplementar as externalidades negativas e
positivas. Externalidade positiva um conceito econmico, definido pela quantidade
crescente demandada de procedimentos em decorrncia do crescimento das aquisies
realizadas por outros indivduos. Para Castro (2002) no caso da sade, existe a produo
de externalidades positivas, especialmente as de um tipo especial chamado de "bem
pblico", cuja principal caracterstica a inexistncia de rivalidade e de excluso no
consumo, ou seja, todos podem consumir o mesmo bem ao mesmo tempo. Essas
externalidades destacam a necessidade de abordagem de coberturas e aes em sade do
ponto de vista, sobretudo, do interesse coletivo.
Mas, para Schramm, a alocao de recursos se torna um problema complexo e
para solucion-lo devemos ter em conta os aspectos econmicos, sanitrios, polticos e
morais para obter uma satisfao das necessidades de sade da populao, construindo
um consenso social sobre as modalidades da alocao baseado no principio da justia
(Schramm, 2000).
Considera-se que o conjunto dos usurios ser afetado pelas decises que
impliquem em obrigatoriedade de cobertura e que as diretrizes que permitirem essa
incluso devero atender critrios de justia distributiva, pois, na ausncia dessas
diretrizes, tais decises sero discricionrias, ficando a critrio de quem dirige o plano
de sade o poder de decidir caso a caso.
Esse foi o entendimento que originou o Rol de Procedimentos, pois cada
operadora cobria uma lista de procedimentos de acordo com critrios prprios,
chegando s vezes a autorizar cirurgias, mas no transfuso sangnea, mesmo quando
necessria ao ato cirrgico.
Quando se discutem aes em sade que afetam mais de trinta milhes de
pessoas inaceitvel que o princpio tico da distribuio dos bens (representados pelas
coberturas) seja norteada por valores que no sejam legitimados pelo coletivo dos
usurios em consenso.
Apesar de no haver consenso quanto natureza da diferena entre pobreza e
desigualdade (Cohn e Elias, 2002) as diferenas entre os beneficirios dos planos
privados de assistncia sade pem ser descritas como: renda, consumo de servios
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bsicos, grau de satisfao das necessidades bsicas, refletindo as disparidades da
sociedade brasileira.
Para melhorar a justia distributiva podemos utilizar o critrio assumido pelo
princpio da eqidade: o tratamento desigual justo quando benfico ao indivduo
mais carente (Rawls, 2000). Para Malta (2001:200), citando Whitehead, 1990 a
eqidade definida como a superao de desigualdades que, em determinado contexto
histrico e social, so evitveis e consideradas injustas, implicando que necessidades
diferenciadas da populao sejam atendidas por meio de aes governamentais a ANS
como ente regulador - tambm diferenciadas.
Assim, a incorporao de procedimentos mais justa aquela que possui maior
capacidade de aumentar o nvel de utilidade do usurio em piores condies, sendo
utilidade simplesmente uma "quantificao" das preferncias de uma pessoa em relao
a certos objetos ou aes e ao prazer ou felicidade que obter a partir de cada escolha
(Bentham, 1974).
O conceito de utilidade atualmente incorporado pela teoria do consumidor
com o intuito de estabelecer uma teoria de comportamento do indivduo pela qual este
possa obter o mximo de satisfao (ou utilidade) a partir de sua capacidade de
consumir os diversos bens disponveis, e respeitando o vnculo da restrio
oramentria, mas sem uma preocupao direta com a justia distributiva.
Para melhor entender a quem se destinam as incorporaes de novos
procedimentos e quem as utiliza, devemos pensar a relao profissional de sade
paciente, verificando se realmente o paciente quem esta sendo priorizado na proposta
teraputica. Deve-se verificar se esto sendo mantidos os padres de competncia
profissional e quando so proporcionadas orientaes especializadas em questes de
sade - tais como estabelecimento de medidas de preveno como opes dietticas,
prescrio de exerccios fsicos, e outros - as mesmas devem ser fornecidas com clareza
para serem compreendidas pelos pacientes. Com efeito, entender que a produo de
cuidados em sade depende s dos profissionais nela envolvidos resumir, de maneira
simplista, a complexa teia que se forma na relao sade-doena, a qual envolve,
inevitavelmente, e ao mesmo tempo, procedimentos (que devem ser eficazes e efetivos)
e relaes entre atores humanos, cujas necessidades e desejos legtimos devem ser tidos
em devida conta para que uma ao seja ao mesmo tempo pragmaticamente sustentvel
(porque preocupada em otimizar a relao entre meios e fins), e eticamente legtima,
isto , aceitvel por qualquer agente razovel preocupado com o outro de si.
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Alm dos j mencionados profissionais, temos o complexo industrial na sade,
intrincada rede, na qual se encontram as industrias, as universidades, os fornecedores e
os prestadores, e onde existem interesses financeiros sobrepujando, s vezes, a
importncia dos cuidados de sade.
Essa discusso sobre coberturas obrigatrias e incorporao tecnolgica na
sade suplementar vem alcanando nos ltimos anos uma grande repercusso, tendo
ocorrido em dezembro de 2003, em So Paulo, um Frum da Associao das
Operadoras de Autogesto (UNIDAS) sobre incorporao de novos procedimentos.
Nesse Frum foram proferidas algumas palestras que demonstram a preocupao e o
interesse despertado.
Para Alberto Hideki Kanamura, mdico consultor de operadoras, a prtica
mdica deixou de ser algo que s deve interessar ao mdico e ao seu paciente, mas um
ato que, pela importncia da repercusso econmica e social, precisa ser balizado por
critrios que levem em conta o interesse coletivo e as disponibilidades [em recursos] do
grupo de usurios. A sade como direito norteado pelo princpio da universalidade de
acesso essencial para uma sociedade mais justa. Mas fazer acreditar que esse direito
ilimitado em qualidade e quantidade beira a irresponsabilidade, no se coadunando com
o mundo real contemporneo [caracterizado por] demandas infinitas e recursos
financeiros sempre finitos (Kanamura, 2003).
Pode-se introduzir tambm a questo das necessidades de sade. A indagao
sobre a adequao, a correspondncia entra as necessidades de sade da populao
assistida pelos planos de sade e a soluo para satisfaz-las de maneira justa uma das
mais difceis no mbito da regulao em sade suplementar.
O recorte necessrio, por tratar-se de sade suplementar, que as necessidades
de sade que abordaremos so as mais restritas - entendidas como aquelas que se
preocupam com os fatores determinantes do processo sade-doena -, pois um conceito
mais amplo no de competncia da sade suplementar (corretas condies de moradia,
transporte, ocupao profissional exceto nos casos em que a ocupao coloque em risco
imediato ou mediato de adoecer). A partir da aceitao de que as pessoas tm diferentes
necessidades em sade e de que o saber mdico no pode dar conta de todas as
necessidades que se prope que outros saberes integrem a lista de procedimentos
mnimos obrigatrios dos planos de sade.
Porque ento utilizar os princpios da Biotica na justa incorporao de novos
procedimentos na sade suplementar?
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Como afirma Paulo Antonio de Carvalho Fortes, em seu trabalho sobre
microalocao de escassos recursos na assistncia sade, a Biotica tem acentuado sua
preocupao com a alocao de recursos na sade, procurando compreender os
princpios e valores ticos envolvidos na tomada de deciso para distribuir e priorizar
recursos (Fortes 2002).
associando o processo de avaliaes econmicas a critrios ticos (retomando,
assim, o nexo profundo entre a economia e a tica, isto , entre a ponderao sobre o til
e o no til, por um lado, e o certo e o errado, por outro), que se constri um modelo de
incorporaes em sade que seja, ao mesmo tempo, mais lgico, mais efetivo e mais
justo.
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Captulo1
BIOTICA COMO FERRAMENTA NA INCORPORAO DE NOVAS
TECNOLOGIAS
A competncia tica uma necessidade atual e provavelmente tornar-se-
progressivamente mais necessria medida que os novos conhecimentos cientficos e
tecnolgicos evolurem (Francisconi,1997).
A Biotica, entendida como um dos mbitos mais desenvolvidos do campo das
ticas aplicadas, se preocupa com a anlise rigorosa e crtica dos argumentos morais
sobre os atos humanos cujos efeitos podem afetar profunda e irreversivelmente os
outros humanos e seu habitat (Kottow, 1995), alm de procurar dizer o que correto ou
mais correto fazer numa situao determinada em que se deve escolher uma ao ou
outra.
Existem, evidentemente, concepes diferentes e legtimas de biotica, mas que
no pertinente apresentar aqui, pois no este o escopo de nosso trabalho, visto que
este pretende ser mais instrumental, no sentido de propor ferramentas ticas capazes
de resolver os conflitos morais que surgem na implementao do Rol de Procedimentos.
Assim sendo, e considerando o contexto democrtico e pluralista que, em princpio,
caracteriza a sociedade brasileira, qualquer gestor de programa de sade dever ter em
devida conta as necessidades legtimas de sade, que, a nosso ver, podem ser abordadas
pela vertente da biotica que apresentaremos a seguir. Mas, antes disso, devemos
considerar aquelas vertentes que podem ser as potenciais candidatas para tal ofcio.
Em primeiro lugar, existe a corrente principialista, desenvolvida, desde a
segunda metade dos anos 70 do sculo passado, nos Estados Unidos e, em geral, nos
pases de lngua inglesa; em particular, pelos pesquisadores do Kennedy Institute da
Georgetown University. Seus principais formuladores so Tom Beauchamp e James
Childress, que, em seu tratado Principles of Biomedical Ethics (Beuchamp,e Childress,
1994), fornecem um modelo de anlise baseado nos quatro princpios da no
maleficncia, beneficncia, autonomia e justia. De fato, o modelo desses autores uma
reformulao dos princpios contidos no Informe Belmont (The National Commission
For The Protection Of Human Subjects Of Biomedical And Behavioral Research,1978).
Os postulados desta tica utilitarista so bem conhecidos. Na verdade, o ponto
de partida pode ser indicado por aquilo que se denomina princpio da utilidade, a ser
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formulado da seguinte maneira: uma ao til e, portanto, justa, tica e correta,
quando traz mais felicidade do que sofrimento aos atingidos. Deste modo, o prejuzo de
alguns poderia ser justificado pelo benefcio de outros, desde que estes estivessem em
maior nmero (clculo de maximizao do bem).
Para Sen uma importante crtica ao modelo do utilitarismo que a valorao da
utilidade relativa, sofrendo a influencia da posio e sensibilidade do agente da
avaliao moral. Ele afirma que o que uma pessoa ou grupo maximiza pode ser
considerado uma questo relativa, dependente de quais parecem ser as variveis de
controle apropriadas e de quais variaes so julgadas como um meio de controle
conveniente ou correto exercido pelo agente ou grupo (Sen, 1999). Por sua vez, e apesar
das diferenas substantivas entre os dois autores, para Rawls, o utilitarismo pode ser
criticado por vrias razes, tais como: o principio de escolha para uma associao de
homens interpretado como uma extenso do principio de escolha de um s homem
(2000:35); pela incapacidade de hierarquizar e reconhecer o valor dos critrios
pessoais (2000:36) e a caracterstica que ele considera a mais surpreendente da viso
utilitarista que o fato da ausncia de importncia da maneira como distribuda a
soma das satisfaes entre os indivduos (2000:37).
Para Schramm (2002) a tica pode ser definida como a cincia do ethos,
sendo que ethos pode ter trs diferentes entendimentos: com guarita ou proteo, como
hbitos no sentido mais amplo de moral compartilhada por uma comunidade e,
finalmente, como comportamento individual ou carter, que, por sua vez, pode ser
entendido kantianamente como imperativo de conduta assumido, cuja observncia no
est condicionada coero externa, mas interna, isto , vinculada estrutura moral do
sujeito, mais do que a convenes socialmente estabelecidas. Apesar desses trs nveis
em que a eticidade de um ato pode se manifestar, a tica tem de fato um denominador
comum, isto , o fato de sempre ter a ver com alguma qualidade da relao entre um
sujeito humano vivo (no momento de seu agir), chamado agente moral, e um outro
sujeito, tambm vivo, que pode ser um outro agente moral ou um paciente moral, sendo
que tanto agentes como pacientes devem (e esta uma condio necessria da eticidade
de um ato) ser seres vivos.
O autor entende a biotica como um produto tpico da cultura da segunda metade
do sculo XX, pois deve enfrentar pelo menos trs dentre os principais desafios da
cultura contempornea, a saber: a complexidade dos fenmenos a serem analisados -
inclusive de muitos daqueles considerados por muito tempo como simples antes que o
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paradigma quntico veio demonstrar o contexto de incerteza em que se do nossos
saberes: a procura de um mtodo - indicado pelos termos "interdisciplinaridade" e
"transdisciplinaridade" supostamente capaz de superar a fratura entre as "duas culturas"
(a cientfica e a humanstica), estabelecer uma "nova aliana" entre elas e, de forma
mais geral, construir os vnculos entre os conhecimentos especializados pertinentes e o
contexto em que se produzem a fim de produzir novas possibilidades de conhecimento;
. (Schramm, 2002:610).
Assim sendo, a tentativa de reduzir o campo da biotica mera deontologia, isto
, aos deveres que o profissional tem de acordo com os cdigos morais que regem seu
atuar profissional como pode ser, por exemplo, o caso da concepo que identifica a
biotica com a tica mdica baseada nos princpios hipocrticos da no maleficncia e
da beneficncia - e em algumas regras de etiqueta que regulam as relaes entre colegas
de profisso, esquece que as ticas aplicadas, em geral, e a biotica, em particular, no
se reduzem a uma adaptao da antiga deontologia e que tica aplicada e biotica,
outrossim, se preocupam com questes teleolgicas, isto , com as conseqncias dos
atos sobre os sujeitos que so objetos de suas prticas, com a dignidade e o exerccio da
autonomia individual, com a justia e, em particular, com sua vertente baseada na
eqidade.
Em outras palavras, a biotica, no mais entendida no seu sentido restrito de
tica mdica hipocrtica mas no necessariamente contradizendo esta visto que pode
recuperar seus princpios integrando-os num universo de sentido mais amplo e
problemtico - se insere, portanto, na complexidade do mundo; nos debates
metodolgicos sobre a amplitude do campo no qual se insere (a biotica uma
disciplina ou um campo interdisciplinar?) e nas discusses sobre o tipo de racionalidade
que fundamenta ou legitima a argumentao moral e os procedimentos que visam
soluo de conflitos. (Schramm, 2002).
A produo sempre constante de novos procedimentos e as indagaesticas resultantes.
A Medicina e as novas tecnologias, em constante desenvolvimento e que,
paulatinamente, so incorporadas nela, nos oferecem recursos operacionais que seriam
inimaginveis h cinqenta anos. Novos tratamentos, novos diagnsticos e novas
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possibilidades nos so oferecidos diariamente, e essas novidades parecem abalar os
paradigmas anteriores. Mas, alm disso, este novo conhecimento, com freqncia, abala
valores vigentes que se contrapem sua aplicao prtica, ensejando um embate no
qual as foras inerciais de preservao de valores modularo a insero econmica da
inovao, enquanto os agentes sociais e econmicos pressionaro para ajustar a escala
de valores aos seus interesses.
Essa tenso acentuada pelo cada vez menor tempo decorrente entre a revelao
do novo conhecimento e sua aplicao, j que notria a reduo da vida til dos
paradigmas (as realizaes cientficas universalmente reconhecidas que, durante algum
tempo, fornecem problemas e solues modelares para uma comunidade de praticantes
de uma tecnologia), conforme a anlise elaborada por Thomas Kuhn (1995). Com
efeito, para Kuhn, um paradigma existente, quando entra em sua fase de crise, comea
a revelar-se como a ltima fonte dos problemas e erros pois apesar de estar incorreta
ainda utilizada, e o universo cientfico que lhe corresponde converte-se em fonte de
erros levando a uma situao onde nada pode ser pensado corretamente, enquanto surge
no horizonte um novo paradigma, criando as condies suficientes para uma revoluo
cientfica. Essa revoluo cientfica levar no s a questionar e tentar superar um
antigo paradigma epistemolgico, mas tambm a novos questionamentos ticos na
sociedade, podendo acontecer tambm que o questionamento surja, antes, em campo
tico, para, em seguida, poder, eventualmente, aplicar-se ao campo epistemolgico e
metodolgico.Para exemplificar esse embate podemos citar o caso das novas
possibilidades decorrentes da clonagem, que provocam acirradas discusses sobre a
aceitao, ou no, dessa tcnica e dos resultados decorrentes de sua utilizao.
Para Schramm (1998), na Segunda Revoluo Biolgica, aps a descoberta da
estrutura dos cidos nuclicos, torna-se possvel uma aliana entre o saber-fazer dos
engenheiros e aquele dos bilogos, e ento que surge o biotecnologista como ator (e
operrio?) da biotecnocincia, a qual tem-se tornado um novo paradigma cientfico, ao
mesmo tempo terico e prtico, isto , um novo modelo para o saber e o fazer. Mas, o
surgimento deste novo paradigma biotecnocientfico amplia tanto o poder humano de
atuao como a probabilidade dos riscos ligados a suas prticas. E, com isso,
transforma-se tambm a responsabilidade humana em pelo menos dois sentidos, visto
que: (1) o saber-fazer do biotecnologista afeta a prpria identidade do homem, ou sua
"natureza", graas interveno programada nos seus genes ou "programa" gentico e
(2) porque a prpria compreenso que o humano tem de si se transforma, junto como o
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questionamento de suas prticas e de sua posio no mundo. Assim, a nova tecnologia
torna-se disponvel para ser objeto das mais variadas especulaes e, conseqentemente,
motivo de controvrsias morais antes impensadas.
Os princpios da beneficncia, autonomia e no maleficncia.
A beneficncia no seu sentido estrito deve ser entendida, conforme o Relatrio
Belmont, como uma dupla obrigao, primeiramente a de no causar danos e, em
segundo lugar, a de maximizar o nmero de possveis benefcios minimizando os
prejuzos(The National Commission For The Protection Of Human Subjects Of
Biomedical And Behavioral Research,1978).
No Relatrio Belmont, focalizado na proteo dos seres humanos na pesquisa
mdica e na pesquisa sobre a conduta, as obrigaes de beneficncia so prprias dos
pesquisadores em particular e da sociedade de forma geral, pois esta deve zelar sobre os
riscos e benefcios decorrentes das pesquisas sobre a humanidade.
A beneficncia, no sentido de paternalismo, isto , quando um agente toma as
decises pelo outro, tem que seguir os critrios que uma sociedade livre e esclarecida
aceita como justos para proteger seus membros com particular vulnerabilidade ou
insanos. A interveno paternalista s se justifica pela perda da razo ou vontade do
sujeito.
O princpio da beneficncia significa atuar em favor do bem-estar ou em
benefcio do outro, e, tambm, evitar ou aliviar o mal e o dano, que , de fato, uma
maneira forte de incorporar o princpio hipocrtico da no maleficncia. tambm
entendido como a obrigao dos profissionais da sade de fazer o bem aos pacientes,
por meio de atos positivos, incluindo a utilizao de todas as estratgias que possam
oferecer suporte e aliviar o sofrimento dos pacientes e familiares.
Este princpio direciona as consideraes ticas dos profissionais de sade nas
situaes em que a autonomia dos pacientes se acha comprometida, cabendo a terceiros
familiares ou os profissionais de sade -, sua aplicao a fim de evitar que causem
danos a si prprios. Mesmo nestes casos, deve-se procurar saber como desejam ser
auxiliados. A impossibilidade de tomar uma deciso no implica na perda do direito a
ser tratado como sujeito, e a pesar de no haver uma prioridade lexical entre os dois
princpios, o princpio do respeito autonomia modera o da beneficncia: certificar-se
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que o tratamento no causar mais danos (o princpio da no-maleficncia modera o da
beneficncia) alm de levar em considerao as necessidades e os direitos dos pacientes
(o princpio da justia modera o da beneficncia).
Podemos, ainda, ampliar o horizonte: do indivduo para a coletividade e incluir
dentro do principio da beneficncia a avaliao de efetividade. O benefcio provvel
um critrio vinculado ao princpio pragmtico da efetividade (funciona?), mas que,
provavelmente, deve ser desvinculado da conotao paternalista da beneficncia.
utilizado no processo de tomada de deciso para estabelecer, preferencialmente com
base em dados estatsticos oriundos da experincia da prpria equipe de sade, ou da
literatura cientfica, qual a probabilidade que cada indivduo em particular ou um grupo
de indivduos tem em se beneficiar do recurso que est sendo disputado.
Utilizar avaliaes de eficcia ou eficincia de uma incorporao tecnolgica
pode ser entendido, num sentido ampliado, como uma das propostas da utilizao do
critrio biotico da beneficncia nas alocaes de recursos na sade suplementar.
Diferentes propostas teraputicas podem ser avaliadas em relao ao seu
potencial de evitar ou remover sintomas ou sofrimentos, resultando na promoo do
bem-estar do paciente. Interromper um tratamento, dependendo do contexto pode ser
uma ao de beneficncia, caso sua continuidade seja considerado como prejuzo ou
sofrimento pelo paciente, podendo, este, exercer sua autonomia, que refreia a
beneficncia.
Qual a vida que se tm e qual a que se deseja, so questes a serem debatidas
entre o profissional de sade e o paciente.
O princpio de no maleficncia, primum non nocere, que , de fato, a verso
fraca do anterior, visto que define o que deve ser evitado, estabelece a obrigao de
no causar danos. Este princpio particularmente importante na medida em que se
desenvolvem aes teraputicas que em princpio visam o benefcio do paciente, mas
que podem embutir riscos de danos, s vezes inevitveis, e que devem ser analisados no
tratamento do paciente.
Incontveis so as ocasies em que seria bem mais cmodo para o mdico non
agere, circunstncias que se tornam cada vez mais freqentes na Medicina
contempornea, em que aos maiores recursos correspondem maiores riscos. Os avanos
tecnocientficos e biotecnocientficos, assim como a disponibilidade limitada de
recursos, com efeitos s vezes desconhecidos, de fato impe-nos necessariamente ver
naquele postulado mera cautela para a ao do mdico, o qual no deve ultrapassar os
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limites da prudncia. Ao mesmo tempo em que a prudncia exige cautela esta no pode
impedir de agir em beneficio do paciente. O princpio da beneficncia tem um norteador
maior e conduz a assumir riscos nem sempre possveis de serem calculados com a
segurana que se pretende no preceito do non nocere.
Auxilio da Biotica na escolha das incorporaes.
A biotica, enquanto tica aplicada, pode ser considerada atualmente como uma
"ferramenta" ao mesmo tempo conceitual e pragmtica, quer dizer, ao servio seja da
anlise seja da resoluo dos conflitos e dilemas morais que surgem com as prticas no
campo das aplicaes das tecnologias da sade. A biotica, portanto, pode e deve ser
utilizada como uma poderosa ferramenta na tentativa de construo de uma
convergncia de solues para o complexo problema de estabelecer um modelo de
assistncia na sade suplementar, que incorpore novas tecnologias de uma maneira
crtica e ordenada pelas necessidades de sade.
Em outros termos, preciso enfrentar um desafio, que consiste em equacionar a
extenso da cobertura e a quantidade e qualidade de procedimentos disponveis para os
indivduos que precisam ser assistidos em sua vulnerabilidade e desamparo com as
limitaes econmicas do sistema.
A sade suplementar, por ser de contratao privada e de financiamento, na
maioria dos valores, privado, pois parte dos recursos so pblicos, decorrentes da
renncia fiscal do Estado no Imposto de Renda, tem que "barganhar" por recursos de
financiamento por parte dos contratantes. O dinheiro e demais recursos, destinados ao
pagamento do plano de sade, podem servir tambm para satisfazer interesses e valores
igualmente "justos" e tidos como indispensveis a uma vida razoavelmente digna, tais
como alimentao, lazer, educao e outros mais. Em suma, como nos ensinou o
filsofo norte-americano Michael Walzer (1983), quando temos que enfrentar a questo
sanitria do ponto de vista da justia distributiva e preocupados em respeitar a real
complexidade que as sociedades contemporneas adquiriram historicamente, devemos
tambm enfrentar o desafio de reconhecer que, para as pessoas, existem vrias esferas
legtimas de justia, cada uma contendo um bem considerado fundamental, no
redutvel aos outros, o que congruente com as colocaes feitas por Sen, relativas ao
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respeito s capabilities individuais. Com efeito, este o sentido do pluralismo
democrtico contemporneo, o qual implica que no existe nenhum bem fundamental
que possa ser considerado como aquele que teria uma prioridade lexical sobre os
demais, independentemente das contingncias histricas e existenciais, que podem,
muito bem, fazer com que uma ordem de prioridade seja suplantada por outra
(Schramm, 2002).
Proteo
A tica da proteo esta fundamentada na obrigao do Estado em proteger a
integralidade fsica de seus cidados. A proteo garantindo a cobertura das
necessidades bsicas e permitindo ao indivduo o acesso a suas potencialidades,
principalmente manter sua fora laborativa, foi uma poltica de sade desde o sculo
XVIII. A proteo sanitria foi ampliando sua clientela, estendendo todos os esforos a
toda a sociedade e no s aos trabalhadores no decorrer dos tempos. Ampliou tambm
seu campo para aes de preveno de doenas e promoo sade e a um ambiente
saudvel. Neste sentido, Schramm & Kottow (2001: 954) defendem que o Estado deve
assumir obrigaes sanitrias que implicam uma tica da responsabilidade social,
caracterizada como uma tica de proteo, ou seja, a atitude de cobertura das
necessidades essenciais dos outros. Como afirmam os autores, essas necessidades so
aquelas que devem ser satisfeitas para que o afetado possa atender a outras
necessidades e escolher entre projetos de vida alternativos (Schramm & Kottow, 2001:
953).
A viso de um princpio de proteo na prestao de assistncia sade coincide
com os objetos desta dissertao, ao assumir que um indivduo isolado se torna mais
vulnervel e que para sanar esta situao o coletivo (representado no caso pela
totalidade dos beneficirios dos planos de sade) devam unir os esforos e elaborar em
conjunto estratgias para a obteno de bens comuns.
A tica da proteo deve ser entendida como um compromisso prtico, que
utiliza avaliaes de eficcia como condio necessria utilizao de determinado
procedimento, e que coloca a posio individual do agente secundria s necessidades
da sociedade.
Para Kottow (2001) qualquer programa de proteo deve cobrir, pelo menos, aos
mais necessitados, atendendo as suas necessidades em sade, entendendo que com isso
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so atendidos os requerimentos para poder ter acesso aos bens bsicos, podendo fazer
uso das opes da sociedade aonde vive. As necessidades, para esse autor, so aquelas
reconhecidas como impostergveis e bsicas, e que necessitam de soluo para poder
atender as necessidades em outros aspectos da vida.
Pode ser possvel definir o princpio de proteo como uma derivao social do
principio de beneficencia, da tica do cuidado, auxiliando os vunerveis com uma
assimetria favorvel de recursos, no utilizando, portanto, a distribuio igualitria, e
sim uma eqidade, com beneficio da populao mais desprotegida.
Entre as obrigaes sanitrias do Estado, inclui-se a proteo da sade das
populaes objeto da sade pblica e suas medidas de preveno de doenas e
promoo da sade, que constituem, de fato, dois aspectos da proteo.
Por fim, existe um desafio que consiste em implementar polticas protetoras
capazes de integrar, do ponto de vista da cobertura de procedimentos na sade
suplementar, o vasto territrio constitudo pelos "vrios Brasis" existentes.
Trata-se, portanto, de um principio que engloba os princpios fundamentais
(Beneficncia, Autonomia, Justia, No Maleficncia), pois integra e d coerncia a
aplicao desses.
Assumir a tica da proteo dentro da sade suplementar um desafio que, todos os
envolvidos na produo efetiva dos cuidados em sade devemos enfrentar.
Mas de qual justia estamos falando?
Para colocar a justia como uma ferramenta capaz de estabelecer prioridades na
incorporao de novos procedimentos no rol, deve-se iniciar lembrando brevemente as
principais concepes de justia desenvolvidas ao longo do arco histrico.
Justia como proporcionalidade natural
A teoria da justia formulada pelos pensadores gregos entendia a justia como
uma propriedade natural das coisas. Ao ser humano caberia apenas conhec-las e
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respeit-las. Havendo uma lei natural imutvel, tudo teria o seu lugar no plano csmico
ou mesmo no das relaes humanas.
Plato descreve uma sociedade naturalmente ordenada e estabelece, em seu livro
A Repblica, uma diferenciao na categoria dos homens, a categoria de homens
inferiores, os artesos, ao lado de outros que naturalmente seriam forjados para o
comando poltico, os governantes. Os indivduos inferiores prestariam permanente
obedincia aos governantes, a mesma que habitualmente se devotava aos pais.
Nesta concepo, a justia uma propriedade natural das coisas, que o homem
no tem mais que conhecer e respeitar. Este o sentido que os filsofos gregos do
palavra dikaiosyne, na medida que so naturais as coisas so justas e qualquer tipo de
desajuste constitui um tipo de desnaturalizao.
Liberdade contratual.
Aps ser concebida como situao natural, a justia adquiriu as caractersticas de
uma estrita deciso moral, fundada socialmente. Somente na modernidade a justia
deixou de ser concebida como condio natural para transformar-se em deciso moral.
Esta concepo considera que o Homem est acima da Natureza, e a nica e legtima
fonte de direitos. Evoluiu-se no entendimento da justia como valor intrnseco de uma
lei natural para um bem decidido em termos de um contrato social. Este novo pacto
passou a ditar as normas de relao entre o sdito e o soberano no mais pela
submisso, mas sim por uma deciso livre.
Por este conceito, a distribuio de honras e riquezas se d por vrios motivos
que so: a aquisio pelo trabalho, por herana ou obsquio, no havendo nenhum
movimento de redistribuio dos bens dentro da Sociedade baseados em conceitos
ticos. Para incluir este conceito de justia no contexto da sade os novos liberais,
como Dan Beauchamp e Baruch Brody, reafirmam que a sade um bem individual
que deve ser protegido pelo Estado, atravs do impedimento de malefcios que impeam
a integridade das pessoas e no pela garantia do Estado assistncia sade, isto , que
a responsabilidade do Estado est na garantia da integridade fsica, evitando situaes
que coloquem a pessoa em risco, como, por exemplo, proibindo a venda de substancias
txicas mas no garantindo ou provendo o atendimento mdico gratuito.. Os novos
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liberais acreditam que deva ser ofertada uma proteo sanitria e no uma assistncia
sanitria como um direito pessoal.
Igualdade social
A partir de Marx e Engels, que negam o direito propriedade dos bens de
produo, o marxismo permite uma nova definio da justia distributiva, definindo que
o que se deve distribuir eqitativamente no so os meios de produo e sim os de
consumo, assumindo que cada um deve receber segundo suas necessidades.
Marx dizia que s se conseguiria a justia social anulando a propriedade privada,
transformando-a em propriedade coletiva. Atacava, portanto, o socialismo a tese central
dos regimes liberais que se apiam no respeito irrestrito propriedade privada. O
Estado liberal, para os socialistas, uma superestrutura edificada sobre uma infra-
estrutura desigual e que apenas faz institucionalizar a injustia.
Entendia Marx que o liberalismo apenas transferira de mos o poder dos
senhores feudais para a burguesia. A propriedade privada empregava o proletrio
(aquele que recebe uma gratificao monetria pelo seu trabalho), que na condio de
assalariado fazia crescer o poder da burguesia (mais valia) sem receber em troca
qualquer parcela do poder. Prope uma maneira de se construir a sociedade de maneira
justa, que seria obtida tornando os bens de produo em propriedades comuns.
Bem-estar coletivo
Neste modelo a justia no se define como mera liberdade contratual nem como
igualdade social, mas, como bem estar coletivo. Repercute nas funes do Estado que
passa a promover e proteger no s os direitos inatos do indivduo assim como os
determinados por lei. Assuntos tais como durao da jornada de trabalho, proteo s
gestantes, proibio do trabalho infantil e proteo aos desempregados so objeto da
determinao legal do Estado. Vem confrontar a proposta do liberalismo democrtico,
com seu Estado minimalista, com a opo de um Estado maximalista, quer dizer um
Estado que promove e ampara seus cidados, a economia nacional e amplia os direitos
exigveis ao Estado. Enquanto o liberalismo aponta uma proteo sanitria o Estado de
bem-estar defende o direito assistncia sanitria.
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Crticas distribuio dos bens em um estado de bem-estar social
Walzer (1983) enfatiza que toda comunidade poltica em princpio um estado
de bem-estar e deve prover os bens necessrios a todos os seus membros, em
proporo s suas necessidades, de forma que esta proviso sustente a cidadania. Na
concepo do autor das esferas de justia, a cidadania um bem primrio, sendo
todas as outras escolhas distributivas estruturadas em funo do que se faz em relao
mesma ( Walzer, 1983: 31).
Para Sen (1999), numa moderna economia de bem-estar, as proposies tpicas
dependem de combinar comportamento auto-interessado com a realizao social
segundo critrios fundamentados na utilidade simples, ou seja no resultado total dos
benefcios segundo a magnitude da soma e nada mais considerado de valor
intrnseco, portanto, pode estar melhorando cada vez mais o benefcio dos mais ricos,
em detrimento das camadas mais desfavorecidas, caso a soma total dos mais ricos for
superior. Na medida em que comparaes interpessoais de utilidade passaram a ser
evitadas na economia de bem-estar, o critrio para avaliar o sucesso foi o timo de
Pareto, que postula: o estado social atingir seu pice se, e somente se, for impossvel
aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de outra pessoa
(Sen,1999:47). Sen comenta que esse um tipo limitado de xito, pois no consegue
garantir nada: [u]m estado pode estar no timo de Pareto havendo algumas pessoas na
misria extrema e outras nadando em luxo, desde que os miserveis no possam
melhorar suas condies sem reduzir o luxo dos ricos (Sen, 1999:48). Como podemos
ver, a avaliao de um timo de Pareto s se refere e se preocupa com a eficincia das
utilidades, isto , se for garantido a melhor soma das utilidades, dos bens, sem fazer as
comparaes interpessoais das preferncias, deixando de lado as consideraes
distributivas, que permitiriam melhorar a situao daqueles em pior situao.
Resumindo, para Sen, apesar de sua importncia geral, o contedo tico desse
resultado da economia bem modesto (Sen, 1999:51).
Rawls, tambm, levanta importante crtica economia da sociedade de bem-
estar, como o fato de que o critrio que define as escolhas para a Sociedade
interpretado como uma extenso da escolha de um nico homem. Outra importante
crtica, formulada pelo autor, que na viso utilitarista simples, isto , aquela que se
preocupa unicamente com a soma total dos benefcios, no importa, exceto de maneira
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indireta, como se distribuem os bens entre os indivduos, nem como cada um distribui
suas preferncias durante sua vida. A grande diferena no critrio de escolha da justia
como eqidade que, nesta, os critrios de escolha no so uma extenso dos desejos de
um nico indivduo, mas objeto de um acordo pactuado inicialmente. (Rawls, 2001).
A partir das teorias, brevemente apresentadas, escolhi utilizar a teoria da justia
como eqidade do Rawls, que apresentarei a seguir e que tentarei aplicar posteriormente
na elaborao de um mecanismo de incorporao de novos procedimentos na sade
suplementar.
Como eqidade.
Uma grande tradio filosfica que atua e vigora at hoje a da linha kantiana,
centrada sobre a noo de dever. Parte das idias da vontade e do dever, que elevam o
homem acima de um simples ser da Natureza.
Kant pensava que a moralidade pode resumir-se num princpio fundamental, a
partir do qual se derivam todos os nossos deveres e obrigaes. Chamou a este princpio
imperativo categrico. Kant postula o imperativo categrico, como aquele que
determina a agir de tal modo que a mxima da vontade individual possa valer sempre ao
mesmo tempo como princpio de uma legislao universal. No pretendia com esse
imperativo estabelecer uma nova moral, mas sua preocupao era com o agir do homem
na sociedade. Estabelece, que para agir moralmente em sociedade devemos utilizar o
critrio universalista constitudo pela universalizao das nossas mximas (em si
subjetivas).
Na tica kantiana, o agir humano dever ser regido de tal forma que trate a
humanidade, na sua pessoa ou na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca
apenas como um meio. Isto significa, num nvel muito superficial que temos o dever
estrito de beneficncia relativamente s outras pessoas: temos de lutar para promover o
seu bem-estar; temos de respeitar os seus direitos, evitar fazer-lhes mal, e, em geral,
empenhar-nos, tanto quanto possvel, em promover a realizao dos fins dos outros.
Para Kant os seres humanos tm um valor intrnseco, isto , uma dignidade,
porque so agentes racionais, ou seja, agentes livres com capacidade para tomar as suas
prprias decises, estabelecer os seus prprios objetivos e guiar a sua conduta pela
razo.
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Rawls (2000), muito prximo a algumas idias fundamentais da tica kantiana,
procura estabelecer o princpio da justia como eqidade, partindo do conceito de
pessoa como referente de um absoluto moral. Quer com isto dizer que todo ser humano,
uma vez alcanada a idade da razo, autnomo e tem em princpio um perfeito senso
de justia (ou deveria t-lo). Estabelece uma ponte entre os conceitos de "pessoa moral"
e "sociedade bem-ordenada". Para que ocorra o perfeito entrosamento entre as duas
variveis - pessoa e sociedade - estabelecem como imprescindveis alguns direitos
individuais e sociais.
Rawls entende que, para a celebrao de um contrato social, duas etapas devero
ser identificadas: primeiro, a interpretao da situao inicial e do problema da escolha
colocada naquele momento e, num segundo momento, estabelecer um conjunto de
princpios que, segundo se procura demonstrar, seriam aceitos consensualmente.
Assim, a justia como eqidade expressa a prioridade do justo sobre o bem, no
sentido de que o conceito de justia limita as concepes do bem que so permitidas em
uma sociedade justa.A prioridade do justo sobre o bem a caracterstica central da
concepo de Rawls. (Rawls, 2000:42). Concretamente, para Rawls o princpio de
justia deve regular a distribuio dos bens primrios, entendidos como meios
polivalentes para as pessoas desenvolverem e exercerem sua competncia moral, alm
de perseguirem alguma concepo razovel de vida boa, dentro de uma ampla, mas no
infinita variedade de projetos de vida que podem estar disponveis. Tais bens so os
direitos e liberdades fundamentais, a livre escolha de ocupao num contexto de
oportunidades diversificadas, os poderes e prerrogativas de cargos e posies de
responsabilidades nas instituies, a renda e riqueza e as bases sociais do auto-
respeito (Rawls, 1997:67, 68).
Em suma, para Rawls, o importante elaborar princpios de justia que possam
regular a estrutura bsica das sociedades democrticas, que so extremamente
complexas, as quais, em virtude da pluralidade de seus componentes, devem dar espao
a uma multiplicidade de doutrinas filosficas, morais e religiosas que, em muitos
aspectos, so incompatveis entre si, mas cuja existncia e aceitao refora o carter
democrtico. Prev, para seu objetivo, uma sociedade onde deve prevalecer a
cooperao entre os indivduos livres, esclarecidos e iguais. Para este autor (2000: 62),
as pessoas, na qualidade de cidads, so consideradas livres por possurem as duas
competncias morais bsicas o senso de justia e uma concepo particular do bem
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e so julgadas iguais por possurem as mesmas competncias em um grau mnimo
necessrio para serem membros plenamente cooperativos da sociedade.
Rawls considera, ainda, que os cidados deste tipo de sociedade liberal so
razoveis, pois esto dispostos a sujeitar-se aos princpios de justia publicamente
reconhecidos, pelo conceito kantiano universalista, e racionais ao possuir a capacidade
de julgamento e deliberao para obter sua concepo de bem. Considera tambm que
uma sociedade somente ser justa se "todos os valores sociais - liberdade e
oportunidades, ingressos e riquezas, assim como as bases sociais e o respeito a si
mesmo - forem distribudos de maneira igual, a menos que uma distribuio desigual de
algum ou de todos esses valores redunde em benefcio para todos, em especial para os
mais necessitados".
Um outro importante conceito de Rawls o consenso sobreposto
(overlapping consensus), que permitiria a estabilidade de uma sociedade complexa e
pluralista, pela concordncia dos seus membros sobre as instituies bsicas. Esse
conceito ser utilizado nessa dissertao para permitir uma incorporao de novas
tecnologias mdicas, para fim de coberturas obrigatrias aos usurios de planos de
sade, benfico a todo o grupo.
A primeira parte da teoria contratualista de Rawls (2000) - quando este aborda a
situao inicial e o problema da escolha - argumenta que os princpios de justia so
aqueles que os indivduos, tomados como pessoas livres e iguais, escolheriam
consensualmente numa posio inicial, na qual os indivduos estariam sob um vu de
ignorncia, de modo a no saber se seriam, ou no, favorecidos por contingncias
sociais e naturais, garantindo a imparcialidade na tomada de deciso e, portanto, a
igualdade de oportunidades. Para que a proposta da justia como eqidade seja
implementada a escassez de recursos a serem distribudos dever ser moderada, porque
os recursos disponveis no seriam to abundantes a ponto de tornarem suprfluos os
esquemas de cooperao nem to escassos a ponto de no garantirem as condies
necessrias e suficientes para a sobrevivncia das pessoas, sem as quais no existiria
oportunidade para a virtude da justia. Por sua vez, o vu da ignorncia ou posio
original de fato um artifcio de representao e, como tal, um meio de reflexo
pblica que limita as opes de propostas de boas razes, permitindo um acordo entre as
partes, consideradas agentes racionais e razoveis, no podendo ser imaginada como
uma assemblia de todos os que vivem num determinado tempo (Rawls, 2000).
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Assim sendo, os princpios de justia para resolver a situao de distribuio de
bens, que seriam aceitos consensualmente, so: o princpio de garantia das liberdades
bsicas iguais para todos, o princpio de igualdade de oportunidades para todos e o
princpio da diferena, que permite corrigir a abstrao da igualdade, quando no
referida s situaes concretas de desigualdades entre pessoas reais. No entanto, este
autor defende uma hierarquia entre princpios, sendo que, para ele, existiria uma regra
de prioridade em que o primeiro princpio teria primazia sobre o segundo, e este sobre o
terceiro, de forma que uma restrio da liberdade no poderia ser trocada por uma
diminuio das desigualdades econmicas e sociais. O que poderia, evidentemente, ser
questionado, como, alis, faz Amartya Sen.
Por isso, Rawls considera que existe, ainda, um princpio que deveria anteceder
a todos os anteriores, e este que todas as necessidades bsicas dos cidados estejam
satisfeitas, para que o indivduo possa exercer o direito liberdade.
Como vemos, a abordagem de Rawls se constitui num modelo idealizado,
formal, pois supe que embora os cidados no tenham capacidades iguais, todos as
possuem em princpio em um grau mnimo necessrio que lhes possibilitem ser
membros, enquanto agentes sociais a princpio racionais e razoveis, plenamente
cooperativos da sociedade.
Para sintetizar: na justia como eqidade de Rawls, os princpios de justia
devem regular a distribuio dos bens primrios, entendidos como meios polivalentes
para as pessoas desenvolverem e exercerem suas capacidades morais, alm de
perseguirem alguma concepo razovel de vida boa, dentro de uma ampla, mas no
infinita variedade de projetos de vida que podem estar disponveis. Tais bens so os
direitos e liberdades fundamentais, a livre escolha de ocupao num contexto de
oportunidades diversificadas, os poderes e prerrogativas de cargos e posies de
responsabilidades nas instituies, a renda e riqueza e as bases sociais do auto-
respeito (Rawls, 2000: 67,68). Em suma, a desigualdade, na distribuio dos "bens",
apenas seria justificvel moralmente se beneficiar os membros menos favorecidos da
sociedade: esta concepo do maximin, isto , o mximo para os que tm o mnimo.
Amartya Sen, outro autor que se interessa pela interface da economia com a
tica e cujos argumentos se fundamentam no entendimento de que a economia pode se
tornar mais produtiva se houver mais ateno s consideraes ticas, assim como, que
a tica se beneficiaria do raciocnio consequencialista e pela investigao das
interdependncias extensivamente estudadas pela economia, faz crticas teoria de
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Rawls. Para Sen a questo central nas consideraes sobre igualdade, e que o diferencia
de Rawls, responder pergunta: igualdade de qu?
Enquanto Rawls apresenta uma viso plural de valor, expressa na categoria de
bens sociais primrios, cujo propsito seria captar a dimenso de liberdade real que os
indivduos possuem em uma sociedade para realizar suas diferentes concepes de vida,
e cuja distribuio deve ser o mais igualitria possvel, para Sen essa abordagem
fracassaria, entretanto, na capacidade de dar expresso ao dficit de liberdade efetiva
dos indivduos desf